GEOPOLÍTICA E GEOECONOMIA:
HISTÓRIA E ATUALIDADE NO
PENSAMENTO DE ZBGINIEW
BRZEZINSKI
Cristina Soreanu Pecequilo1
RESUMO
A hegemonia dos Estados Unidos, estabelecida em
1945, foi construída ao longo das décadas com base
em concepções geopolíticas e geoeconômicas e com a
contribuição de diferentes pensadores. O objetivo deste
artigo é avaliar a natureza e as origens do pensamento
de um destes pensadores, Zbigniew Brzezinski, e suas
contribuições e impactos na área de estudos estratégicos,
com base em suas obras e em sua atuação à frente do
Conselho de Segurança Nacional nos Estados Unidos e
como consultor da Casa Branca. O texto está dividido
em três partes, além da Introdução e as Considerações
Finais: um estudo sobre as décadas de 1950 e 1970, com
foco na atuação inicial de Brzezinski como acadêmico e a
interrelação de sua ascensão como analista e estrategista à
Guerra Fria e as particularidades do sistema político norteamericano, o pensamento geopolítico e geoeconômico na
bipolaridade e, por im, o pós-Guerra Fria.
Palavras-chave: Geopolítica; Geoeconomia; Estados
Unidos; Zbigniew Brzezinski.
1
Universidade de São Paulo (USP), São Paulo - SP, Brasil. crispece@gmail.com
R. Esc. Guerra Nav., Rio de Janeiro, v. 23, n. 3, p. 554-588. set./dez. 2017.
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Cristina Soreanu Pecequilo
INTRODUÇÃO
Em Maio de 2017, o falecimento de Zbigniew Brzezinski
(1928/2017), ex-Assessor de Segurança Nacional dos Estados Unidos (EUA)
na administração democrata de Jimmy Carter (1977/1981), representou o
encerramento de uma das mais signiicativas trajetórias do pensamento
estratégico norte-americano. Brzezinski exerceu relevante papel como
articulista de periódicos, com aparições na mídia a cabo (CNN) e televisão
aberta (as grandes redes norte-americanas ABC, NBC, CBS), e com ampla
produção bibliográica. Manteve-se ativo como acadêmico, analista e
pesquisador, e um dos principais críticos da política externa e interna
dos EUA. Em um de seus últimos artigos, ao lado de Paul Wasserman,
airmava:
A ordem global (...) está caindo em uma signiicativa
desordem com nenhuma estrutura internacional
capaz de lidar com os problemas que devem emergir
quase que simultaneamente (...) o caos entre as
principais
potências
verdadeiramente
pode
gerar
desastrosas.
Por
consequências
enquanto,
o
Presidente Trump falhou em formular qualquer
declaração signiicativa ou relevante (...). Ao invés
disso, o mundo tem sido obrigado a interpretar as
declarações às vezes irresponsáveis, descoordenadas
e ignorantes de seu time (...) Ainda que não apoiemos
o Sr. Trump, ele é o presidente (...) e queremos que
ele seja um sucesso. Por enquanto, isso não parece
claro para o resto do mundo ou para nós (...) Dada a
performance abismal de Trump em estabelecer uma
liderança capacitada à tomada de decisão estratégica,
é crucial que a América e o mundo ouçam alguma
visão de liderança e compromisso (...) Uma Doutrina
Trump, ou qualquer doutrina (..), é muito necessária.
(BRZEZINSKI and WASSERMAN, 2017, s/p)2
2
“The global order (…) is sliding into signiicant disorder with no international structure
capable of handling the kinds of problems that are likely to erupt almost simultaneously
(…) chaos among the major powers could generate truly disastrous consequences. So
far, President Trump has failed to formulate any signiicant, relevant statements (…)
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Essa ausência de rumos e crises não se inicia com a eleição de
Donald Trump para a presidência à frente do Partido Republicano com
sua agenda nacionalista, xenófoba e unilateralista, mas já era objeto de
preocupação desde os anos 1970, como apontado em obras como América:
Laboratório do Mundo- a era tecnetrônica & o desaio universal (1971),
O Grande Fracasso (1989), Out of Control (1995) e Strategic Vision (2012),
textos3 que atravessam a história da Guerra Fria ao Pós-Guerra Fria. As
tensões do século XXI eram relexo de uma somatória de declínios: moral,
social, político, estratégico e econômico, que poderiam ser revertidos com
o repensar de práticas e ideias.
Parte da atuação de Brzezinski como conselheiro de um dos
mais relevantes think tanks4 de Washington, o Center for Strategic and
International Studies (CSIS), focava-se nesta necessidade de recuperar e
fortalecer os métodos e ferramentas para pensar a realidade internacional
e doméstica. A proposta do ex-Assessor de Segurança Nacional residia
no básico: estudar a geograia e a economia, a história e a estratégia, o
território e a sociedade, retomando as visões que defendera da geopolítica
e da geoeconomia. Como aponta Hamre (2017), Presidente e Diretor do
CSIS, esta “nova disciplina” era apenas a reativação de um pensamento
multidisciplinar e crítico, de curto, médio e longo prazo, que parece ser
Instead, the world has been left to interpret the sometimes irresponsible, uncoordinated
and ignorant statements of his team (…) While we did not support Mr. Trump, he is the
president of the United States. He is our president, and we want him to be a success. Right
now, he does not look like that to the rest of the world, or to us (…) Given the Trump
administration’s abysmal performance so far in installing a leadership capable of strategic
decision making, it is crucial that America and the world hear a vision of leadership
and commitment (…) A Trump Doctrine, any doctrine more or less, is sorely needed.
(BRZEZINSKI and WASSERMAN, 2017, s/p)”
3
Poucos livros de Brzezinski foram editados no Brasil, a maioria apenas nas décadas de
1970/1980. A im de homogeneizar as referências, opta-se pelo seguinte critério: trabalhos
traduzidos por editoras brasileiras e por elas publicados terão seus títulos indicados em
português e a data de publicação da respectiva edição; obras não traduzidas no país serão
apresentadas por seu título e data de publicação original em inglês
4
Segundo Teixeira (2007), os think tanks são um espaço de pensamento e formulação de
políticas, com caráter consultivo, composto de membros da academia, da sociedade civil,
políticos, empresário e representantes de grupo de interesse para desenvolver agendas
propositivas. Mantém relexão sistemática sobre temas nacionais e internacionais, com
diferentes inclinações políticas- centrista, liberal, conservadora, segundo a avaliação de
Rosati e Scot (2011, p. 405). Para estes autores, na política externa o CSIS é um dos mais
destacados destes think tanks e foi fundado em 1962 com tendência centrista. Outros
exemplos são o Carnegie Endowment for International Peace (liberal) e o America
Enterprise Institute (conservador). Além do CSIS, Brzezinski atuou no Council on Foreign
Relations (centrista) e no Brookings Institution (liberal), e foi um dos mentores da Comissão
Trilateral de 1973 (centrista).
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ignorado pelas gerações atuais.
O objetivo deste artigo é avaliar a natureza e as origens do
pensamento de Brzezinski5, e suas contribuições e impactos na área de
estudos estratégicos. Ainda que sua passagem na Casa Branca possa ter
sido breve, inluenciou uma agenda de relexões e ações que antecede e
sucede sua presença no Conselho de Segurança Nacional (CSN), de Carter
a Obama, entre 1977 e 2017. Tal agenda detém impactos globais. O texto
está dividido em três partes, além desta Introdução e as Considerações
Finais: um estudo sobre as décadas de 1950 e 1970, com foco na atuação
inicial de Brzezinski como acadêmico e a interrelação de sua ascensão
como analista e estrategista à Guerra Fria e as particularidades do sistema
político norte-americano, o pensamento geopolítico e geoeconômico na
bipolaridade e, por im, o pós-Guerra Fria.
GOVERNO, SOCIEDADE E POLÍTICA EXTERNA:
BRZEZINSKI E O SISTEMA AMERICANO (1950/1970)
A ascensão de Zbigniew Brzezinski ao cargo de Assessor de
Segurança Nacional do governo democrata de Jimmy Carter relete
um fenômeno especíico associado à consolidação da hegemonia dos
EUA no século XX e sua estrutura governamental6 . Neste país, traçar a
linha que separa a teoria da prática e a academia do poder é fenômeno
complexo, e que subestima a intersecção entre a sociedade, a política e
o setor educacional. De acordo com Stanley Hofman (1977), existe uma
espécie de “porta rotatória” entre o governo e as universidades, visando
o recrutamento dos melhores recursos humanos. Isso favorece tanto o
domínio da área acadêmica das relações internacionais, quanto da política
mundial.
O sistema norte-americano de formulação de políticas e tomada
de decisão é permeável. Como apontam Witkopf, Jones and Kegley (2008),
isso indica a prevalência de um sistema Society-Dominant (dominado pela
sociedade) no qual o poder é exercido de “baixo para cima” (em oposição
à estrutura State-Dominant- dominada pelo Estado- caracterizada pela
5
Não serão abordados em extensão todos os eventos da política externa norte-americana.
Recomenda-se PECEQUILO, 2011 e PECEQUILO, 2013.
6
Outros nomes chave como Henry Kissinger, Joseph Nye e Stephen Krasner são exemplos
do mesmo fenômeno de interação Casa Branca-Academia.
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hierarquização do poder). A interação entre Executivo, Legislativo,
Judiciário e a Sociedade, e seus respectivos atores sociais como partidos
políticos, indivíduos e grupos de interesse, torna-se mais frequente.
A inluência e a interação com os think tanks e as universidades são
constantes.
Esta situação é aprofundada pela natureza constitucional7 da
divisão de poderes como apontam Rosati e Scot (2011), caracterizada pela
ideia do governo misto com poderes compartilhados e pesos e contrapesos
(Mixed Government With Shared Powers, Checks and Balances).
Como sustentam Rosati e Scot (2011), esta situação leva a uma forte
interdependência entre as fontes que inluenciam as políticas públicas e a
ação governamental. A premissa dos poderes compartilhados, no que se
refere à política externa e relações internacionais gera uma sobreposição
de tarefas entre o Executivo e o Legislativo, e a uma disputa real. Assim,
O Presidente e o Congresso dividem poder; na
realidade, não existe nenhum poder constitucional
que é concedido ao Presidente que o Congresso não
compartilhe de alguma forma. Portanto, ainda que
o Presidente inicie e possa vetar leis, o Congresso
frequentemente exerce um grande constrangimento
ao exercício do poder presidencial. (ROSATI and
SCOTT, p. 63, 2011)8.
Neste processo o Executivo tende a levar vantagem dado o escopo
e o peso das questões internacionais, em especial em momentos de crise.
Adicionalmente, isso favorece as disputas intrapoderes e entre poderes,
ressaltando-se que “(....) dois pontos centrais precisam ser entendidos sobre
a natureza da política externa dos EUA. 1. É um processo muito completo;
e 2. É um processo muito político”.
Esta natureza estrutural do poder e do sistema decisório favoreceu
a interpenetração entre a teoria e a prática, o poder e a academia, associado
à mudança do peril dos EUA como ator internacional. No pós-1945, esta
permeabilidade associada ao novo status de poder global norte-americano
7
Para o processo histórico ver O Federalista (HAMILTON, MADISON, JAY, 1994).
8
“The president and Congress share power; in fact, there is no constitutional power
provided to the president that the Congress does not share in some way. Therefore, while
the president initiates and can veto legislation, Congress is often a major constraint on the
exercise of presidential power.” (ROSATI and SCOTT, p. 63, 2011)
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elevou a preocupação do governo em ampliar sua autonomia e capacidade
de ação. Para isso, três caminhos se destacaram: primeiro, a ampliação e
reforma do aparato econômico, segundo, a edição do Ato de Segurança
Nacional (1947) pelo governo de Harry Truman, reestruturando a
dimensão político-estratégica e, terceiro, a formação de uma nova geração
de analistas especializados em questões internacionais.
Em relação ao aparato econômico, a construção do sistema de
Breton Woods, com foco na agenda inanceira e comercial, replicouse internamente com a adaptação dos mecanismos tradicionais (como o
Departamento do Tesouro e o Banco Central- Federal Reserve) e a criação
de novos canais em consonância com o papel de liderança. Dentre estes,
destacam-se o Conselho de Assessores Econômicos (1946), a Agência
para o Desenvolvimento (USAID, 1961), o Escritório do Representante
de Comércio dos Estados Unidos (USTR, 1962), e o Conselho Econômico
Nacional (NEC, 1993).
O aparato político-estratégico seguiu dinâmica similar: foi
desenhado em torno dos já existentes Departamento de Estado (DOS) e
Departamento de Defesa (DOD), e pela criação de novos mecanismos: a
“Comunidade de Inteligência”, tendo como pilares a Agência Central de
Inteligência (CIA) e o Bureau Federal de Investigações (FBI), e o Conselho
de Segurança Nacional (CSN). Deinido como principal órgão assessor da
Casa Branca, o CSN foca na tarefa do planejamento de longo prazo, com
a elaboração das diretrizes estratégicas e de segurança nacional (NSS), a
coordenação e a integração da Casa Branca as demais agências.
O CSN replica as funções do DOS, mas permite ao Executivo
maior controle da agenda externa, pois sua composição é deinida pelo
Presidente, em seus membros plenos e variáveis. Os membros plenos
eram o Presidente, o Vice-Presidente, os Secretários do DOS e do DOD, o
Chefe do Estado Maior Militar o Diretor da CIA e o Assessor de Segurança
Nacional, e os variáveis dependem de cada gestão. Isso favorece a formação
de um círculo interno de assessores (inner circle) e a sobreposição do NSC
aos demais níveis de decisão.
Apresentando uma trajetória histórica do CSN, Rosati e Scot
(2011) apontam que esta sobreposição se tornou mais frequente a partir
dos anos 1970, período que englobou o que eles chamam de “Era de Ouro”
deste organismo de 1969 a 1981. Esta fase seguiu-se à da institucionalização
(1947/1960) e à da reforma (1961/1968). Na oportunidade, o cargo foi ocupado
por Henry Kissinger (1969/1975), Brent Scrowcroft (1975/1977) e Brzezinski
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(1977/1981), com amplo acesso à Casa Branca, ocupada por Richard Nixon
(1969/1974), Gerald Ford (1974/1977) e Jimmy Carter (1977/1981).
As relações Nixon-Kissinger e Carter-Brzezinski são apontadas
como as mais eicientes e relevantes não só deste período, mas da história
do CSN. Isso teria ocorrido, segundo os autores, devido à proximidade
pessoal, ideológica e intelectual entre os Assessores e os Presidentes que
lhes dava uma espécie de “carta branca”, em detrimento de outras agências
governamentais. Embora o poder do CSN tenha se mantido elevado nas
demais fases apontadas por Rosati e Scot (2011) no pós-1981, e permaneça
assim até o século XXI, o mesmo nível de convergência pessoal não teria
sido mais atingido.
Mas como eram escolhidos estes assessores? Tais assessores
fazem parte da tática de fortalecimento de poder buscada pelo terceiro
caminho citado para incrementar a projeção do poder estadunidense: a
formação de uma nova geração de analistas especializados em questões
internacionais. Tais analistas viriam tanto dos quadros políticos e das
carreiras tradicionais de recursos humanos de Washington, como de “fora
do sistema”. Este processo foi responsável pela ascensão dos nomes chave
da política e estratégia norte-americana a partir dos anos 1950, dentre os
quais Zbigniew Brzezinski e Henry Kissinger.
Este era um projeto de Estado que não se limitava a área
internacional, mas se estendia aos mais diversos campos do conhecimento,
e era denominado de “Universidade da Guerra Fria”. Este projeto, como
aponta Vaisse (2013), buscava formar quadros no mundo acadêmico,
identiicando os melhores cérebros em diversas instituições de ensino,
provendo inanciamentos governamentais para o ensino e a pesquisa. Estes
investimentos direcionavam-se às universidades de ponta, denominadas
de Ivy League (como Harvard, Columbia e Stanford), mas não se limitavam
a elas. Paralelamente, mantinha-se um processo de mapeamento de
recursos humanos em universidades menos conhecidas, visando atrair
pesquisadores. No campo internacional, os EUA dedicaram-se a fornecer
bolsas de estudo e inanciamento de projetos, também como forma de
reforçar a adesão ideológica ao bloco ocidental.
Esta ação tinha como propósito estabelecer uma vantagem
comparativa diante da União Soviética (URSS) no campo da relexão e do
conhecimento, fazendo uso de mecanismos de poder alternativos como
cultura, ciência e tecnologia, e não somente bélicos. Segundo Ikenberry
(2011), estes mecanismos alternativos, nos quais se incluem a agenda
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econômica, reforçam o caráter liberal da hegemonia. Nye Jr (1990) denomina
este processo de consolidação de poder institucional e ideológico por meio
do conceito bastante conhecido de poder brando e de cooptação (soft and
coptive power).
Uma das táticas adicionais do projeto “Universidade da Guerra Fria”
era o desenvolvimento dos estudos de área. A análise de temas e Estados
especíicos era vista como uma necessidade para aumentar a eiciência da
projeção de poder hegemônica. Isso implicava a criação de centros de estudos
especializados e think tanks. Como indica Vaisse (2013), esta foi a porta de
entrada de Brzezinski no processo de interrelação academia-poder público: sua
atuação como especialista em URSS em seu doutorado em Harvard, instituição
na qual se inseriu como docente e pesquisador de 1950 a 1960. Sua graduação e
mestrado haviam sido cursadas no Canadá de 1949 a 1951 na McGill University
de Montreal. Posteriormente, os EUA foram o destino deinitivo de Brzezinski,
cuja trajetória pessoal incluía passagens da família pela Alemanha nazista e
a URSS. Estas experiências permitiram um contato direto com sociedades
totalitárias, que orientaram suas relexões sobre a natureza do autoritarismo e
como combatê-lo.
Do Canadá aos EUA, país no qual se naturalizou em 1958,
Brzezinski reforçou sua capacidade como analista, formulador de políticas
e tomador de decisão. Sua crença no sistema político-econômico e social
norte-americano como um exemplo para as demais nações no que se refere
à democracia e à expansão da liberdade, à inovação e à força, perpassa
toda sua obra. Ainda que nas últimas décadas esta percepção tenha sido
matizada pela sensação de declínio, em nenhum momento deixou de
acreditar na possibilidade da reforma e do renascimento.
Em Harvard, Brzezinski desenvolveu seu peril de analista sobre
o sistema soviético à frente do Russian Research Center e no Center for
International Afairs. Com sua ida à Columbia University em 1962, na qual
icou até 1977, participou do Russian Institute e do Research Institute of
International Afairs. Os anos 1960 representaram o início de uma maior
presença nos think tanks que o alçariam a uma participação mais ativa na
política: o Council on Foreign Relations e o Brookings Institution.
De 1966 a 1968, atuou como membro do Conselho de Planejamento
do DOS, focando sua participação em questões associadas à URSS. Em
1968, a transição da academia ao governo consolida-se. O primeiro passo
foi sua participação como assessor da campanha presidencial de Hubert
Humphrey neste ano. Vice-Presidente de Lyndon Johnson, Humphrey foi
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derrotado em sua disputa à Casa Branca por Richard Nixon do Partido
Republicano.
Este fracasso representou uma frustração em suas expectativas
de ascensão à esfera pública. Ao mesmo tempo, trouxe ensinamentos que
aplicaria para sustentar a eleição de Carter, mas que paradoxalmente,
esqueceria, na gestão cotidiana da Casa Branca (e que impactaram o
fracasso do pleito de reeleição democrata). Humphrey não teria sido
capaz de captar o clima de desânimo que predominava no país e de se
apresentar como uma alternativa. Muito da vitória de Nixon pode ser
atribuído a um contexto de desestruturação político-social relacionado ao
fracasso da intervenção no Vietnã, à crise econômica e aos impactos dos
movimentos dos direitos civis, raciais e de gênero. Enquanto Humphrey
buscou a acomodação, Nixon buscou a confrontação da agenda democrata
e a reforma destas tendências. Além disso, favoreceu uma política de força
e orgulho.
Em 1976, Carter explorou a mesma tática: o país permanecia
em crise, resultante da saída conturbada de Nixon do poder pelo
escândalo de espionagem do Partido Democrata (Watergate), associado
ao prolongamento do encolhimento econômico (quebra do padrão ourodólar, primeira crise do petróleo), e ofereceu-se como contraponto. Carter
venceu as eleições diante do republicano Gerald Ford, e Brzezinski chegou
à Casa Branca a seu lado, em 1977, como Assessor de Segurança Nacional,
aplicando sua agenda geopolítica e geoeconômica.
A GEOPOLÍTICA E A GEOECONOMIA DA GUERRA FRIA
(1970/1990)
Como analisado, a chegada de Brzezinski à Casa Branca e aos
círculos de poder de Washington é produto da Guerra Fria. Conlito
sistêmico entre os EUA e a URSS pela expansão e pela consolidação de
seus respectivos modos de vida, ela polarizou o mundo em torno de dois
diferentes modelos, o comunismo soviético e o capitalismo norte-americano.
Como especialista em assuntos soviéticos, Brzezinski beneiciou-se dos
investimentos e dos processos de recrutamento de recursos humanos
nas universidades, para atuar como analista governamental, e ascendeu
ao cargo de Assessor de Segurança Nacional. Mesmo com sua saída do
CSN, manteve-se como um dos principais consultores das presidências
estadunidenses, independentemente do partido.
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Tal trajetória tornou-se possível, pois a base de seu pensamento
estendeu-se além dos estudos soviéticos e introduziu novo nível de
análise: a relevância do poder econômico e tecnológico para a hegemonia.
A liderança nestes setores elevava-se a um patamar diferenciado nos anos
1970 e gerava fenômenos como a interdependência e a globalização. O
autor pensava a geopolítica e a geoeconomia como espaços estratégicos e
táticos diferentes, e não um só conjunto aos quais se aplicavam as mesmas
ações.
Esta visão, para o contexto, era inovadora. De acordo com Blackwill
and Harris (2016), existe uma tendência analítica de considerar os termos
geopolítica-geoeconomia como intercambiáveis. Porém, não são sinônimos
e devem ser compreendidos além da tradicional diversidade e da luidez
conceitual. Para analisar o pensamento de Brzezinski, diferenciam-se
ambos os conceitos de geopolítica e de geoeconomia, a partir dos seguintes
referenciais. A geopolítica,
(...) é um método de análise de política externa que
procura entender, explicar e prever o comportamento
político internacional principalmente em termos de
variáveis geográicas (...) é um conjunto de airmações
sobre como o Estado exerce poder sobre o território (...)
com referência a fatores geográicos. (BLACKWILL
and HARRIS, s/p, 2016)9
Por sua vez, a geoeconomia é percebida como
(...) o uso de instrumentos econômicos para promover
e defender os interesses nacionais e produzir
resultados geopolíticos benéicos; e os efeitos das
ações econômicas de outras nações sobre os objetivos
geopolíticos de um país (...) a geoeconomia se sustenta
tanto como um método de análise como uma forma de
política (...) fornece uma percepção adicional de como
um Estado constrói e exerce poder a partir de fatores
econômicos (BLACKWILL and HARRIS, s/p, 2016)10
9
“(…) is a method of foreign policy analysis that seeks to understand, explain, and predict
international political behavior primarily in terms of geographical variables (…) is really a
set of assumptions about how a state exercises power over territory (…) by reference to a
host of geographic factors.” BLACKWILL and HARRIS, s/p, 2016)
10
“(…) the use of economic instruments to promote and defend national interest and to
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As Grandes Linhas Geopolíticas
Avaliando a obra de Brzezinski do ponto de vista da relexão
geopolítica, esta se inicia a partir de sua especialização em estudos
soviéticos nos anos 1950/1960, seguindo-se análises sobre os Estados
Unidos, a Eurásia e os fenômenos estatais e transnacionais da política
mundial, e a implementação prática destas agendas quando de sua
passagem pela Casa Branca.
Um primeiro conjunto de obras é composto de trabalhos individuais
como The Permanent Purge: Politics in Soviet Totalitarianism (1956), The Soviet
Bloc: Unity and Conlict (1960) e Ideology and Soviet Politics (1962) e em coautoria com Carl Friedrich, Totalitarian Dictatorship and Autocracy (1956), e
Political Power: USA/USSR (1964) com Samuel Huntington. O foco é um exame
do sistema soviético, a partir de sua evolução histórica e de suas características
políticas, econômicas, sociais e estratégicas.
A eles soma-se um segundo conjunto11 com uma dimensão mais
prática e de percepção mais abrangente sobre a Guerra Fria e as estratégias
e táticas estadunidenses como América: laboratório do mundo - a era
tecnetrônica & e o desaio universal (1971), Power and principle: memoirs
of the national security advisor- 1977/1981 (1983), O grande desaio EUAURSS (1986) e O grande fracasso - o nascimento e a morte do comunismo
no século XX (1989). Estas duas últimas têm como foco as relações bilaterais
EUA e URSS, tanto do ponto de vista histórico, quanto de ações táticas.
Além disso, apresentam um conjunto de cenários político-estratégicos
que eventualmente se concretizaram: a derrota da URSS, a instabilidade
eurasiana e a ascensão asiática.
Observa-se que o núcleo de pensamento no tripé EUA-URSSEurásia repete-se, inluenciando posteriormente sua percepção sobre o
pós-Guerra Fria como será analisado. O autor identiica que a URSS, e
seus antecedentes de império pré-revolução comunista de 1917, e após a
Revolução, detém um caráter autoritário. Este caráter deriva de práticas
não democráticas nas relações sociais e políticas, devido à centralização
produce beneicial geopolitical results; and the efects of other nation´s economic actions
on country´s geopolitical goals (…) geoeconomics stands as both a method of analysis and
a form of statecraft (…) providing a parallel account of how a state builds and exercises
power by reference to economic factors. (BLACKWILL and HARRIS, s/p, 2016)
11
Outras obras são: Africa and the Communist World (1964), Alternative to partition: for
a broader conception of America´s role in Europe (1965) e The Fragile Bossom: Crisis and
Change in Japan (1972).
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do Estado e à personalização das lideranças, iniciando por Lênin, e se
aprofundando com Stalin. A liberação das forças sociais é contrária à
manutenção do Estado e deve ser contida. Ao reprimir a natureza humana,
o sistema soviético é levado à degeneração da criatividade e da força
popular e ao declínio.
Outra fonte de declínio, com fundamento externo, refere-se
à natureza imperialista do regime. Para manter a opressão, o regime
desenvolve forças militares que se tornam, ao longo do tempo, sua única
capacidade de projeção de poder. Com isso, e por sua incapacidade
de renovação e modernização, o sistema soviético precisa buscar sua
sobrevivência e legitimação por meio da conquista dos povos que se
opõem a seu modelo.
A expansão concentra-se no espaço geográico natural da URSS,
a Eurásia, região estratégica para o domínio da geopolítica mundial,
conforme deinido pela análise clássica de Mackinder (MELLO, 1999). Por
imposição, a URSS tornou-se um império multinacional, o que lhe permitiu
o controle de uma extensa massa terrestre. Entretanto, a combinação
destes fatores contraditórios, alargamento imperial e centralização
estatal, associados à disseminação ideológica e à limitação das liberdades
individuais, traz a fonte da autodestruição soviética (“petriicação
oligárquica, fundamentalismo militante e desintegração política” são
alguns dos termos utilizados por BRZEZINSKI, 1970, p. 156).
Porém, ainda que considere este processo como inevitável,
Brzezinski defende que os EUA não podem apenas o aguardar, pois existe
uma contradição real entre as duas potências. O controle da Eurásia pela
URSS representaria duplamente um fracasso histórico e um risco para os
norte-americanos e todas as nações que adotam regimes democráticos, pois
permitiria a esse país oprimir seus adversários, de posse de incontáveis
recursos. Deveria ser política norte-americana não só conter os avanços
soviéticos, mas desenvolver mecanismos para superá-lo em deinitivo.
Ainal,
o confronto americano-soviético não é uma aberração
temporária, mas uma rivalidade histórica que continuará a
existir por muito tempo (...) Mas é mais do que um conlito
meramente nacional. Ele é também uma luta entre dois
sistemas imperiais (...) por nada menos que o predomínio
global (...) choque entre uma potência oceânica e uma
potência continental. (BRZEZINSKI, 1986, p.9, p. 16 e p. 20)
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GEOPOLÍTICA E GEOECONOMIA: HISTÓRIA E ATUALIDADE NO PENSAMENTO DE ZBGINIEW BRZEZINSKI
Não se pode descolar estas avaliações daquelas do diplomata
George Kennan no imediato pós-1945 (KENNAN, 1946 e X, 1947). Existe
uma linha de continuidade nestas agendas, originárias da política de
contenção desde seu lançamento pelo Presidente democrata Harry Truman
em 1947. O problema central será sempre o mesmo, pois
Aquele que controlasse a Eurásia dominaria o mundo.
Se a União Soviética capturasse as periferias desta
massa continental- a Europa Ocidental, o Extremo
Oriente e o Sul Asiático- ela não ganharia apenas
enormes recursos humanos, econômicos e militares,
como também o acesso a passagens geoestratégicas
para o hemisfério ocidental- os Oceanos Atlântico e
Pacíico (BRZEZINSKI, 1986, p. 31-32)
Por serem uma potência marítima, os EUA iniciavam sua política
na Eurásia em desvantagem: o país detinha “poucas possibilidades de
defesa em profundidade e nenhuma posição de retirada” (BRZEZINSKI,
1986, p. 61). Isso tornava necessário ampliar suas ações via parcerias com
Estados-chave (linchpin states) em três frentes estratégicas: a Europa
Ocidental (estendendo-se à Europa Oriental), o Extremo Oriente e o
Sudoeste da URSS. Esta última região corresponde à Ásia Central, ao
Oriente Médio e ao Norte da África, o “Arco das Crises”.
As regiões inseridas no “Arco das Crises” representavam fortes
zonas de vulnerabilidade para a URSS, mas também para os EUA, pois suas
fragmentação política e fragilidade econômica elevavam o risco de serem
absorvidas pelo sistema soviético. Deveriam ser desenvolvidas parcerias
com os Estados-chave desta região como forma de facilitar a projeção
norte-americana neste espaço geopolítico, afastando-os da inluência de
Moscou. Uma presença mais decisiva no “Arco das Crises” era essencial
para conter a URSS. Prevalecia uma percepção entre o público de que o
país estaria “perdendo” a Guerra Fria para a URSS. A correlação de forças
entre as superpotências estaria sendo desfavorável aos EUA devido à
presença soviética no Terceiro Mundo: era preciso conter esta presença e
promover a reversão do comunismo (a mudança de regime)12.
Para o Oriente Médio, a prioridade é a estabilização, buscando uma
12
A ideia da reversão (rollback) não era inédita, e já se materializara no governo de Dwight
Eisenhower (1953/1961), assim como na gestão John F. Kennedy (1961/1963).
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Cristina Soreanu Pecequilo
567
solução deinitiva para o problema da inserção de Israel e a reairmação da
liderança norte-americana diante dos países produtores de petróleo. No
caso do Norte da África e da Ásia Central, o objetivo maior era a contenção
e o recuo da União Soviética.
No que se refere às demais frentes, a Europa Ocidental e o Extremo
Oriente, as táticas mesclam avanços do poder norte-americano, cooptação
de aliados e contenção da URSS, com a identiicação de um pivô essencial
a ser engajado na esfera norte-americana: a China. Enquanto a Europa
Ocidental e o Japão (este dentro do Extremo Oriente) já se encontravam
sob a égide da hegemonia estadunidense, e funcionavam como barreiras
ao avanço soviético, a China seguia um caminho peculiar: pressionada
por suas diiculdades de modernização interna e pelo risco da ingerência
soviética e do isolamento internacional, o país demonstrava sinais de
autonomia diante de Moscou e um interesse de aproximação com os EUA
para se fortalecer política, econômica e estrategicamente.
Apesar de comunista, a China não compartilhava as mesmas
características do regime soviético, e a oportunidade de reaproximação
sino-americana não passou desapercebida em Washington. O processo de
reatamento das relações bilaterais foi iniciado em 1969 pelo governo de
Richard Nixon, liderado por Henry Kissinger, e resultou na construção
de uma sólida parceria e em princípios como o da política de “Uma Só
China” (One China Policy). Esta política estabelece que os EUA somente
reconhecem a República Popular da China (RPC ou China Continental)
como única China, abrindo mão de sua relação preferencial com Taiwan
(China Nacionalista), que prevalecera desde 1949 após a Revolução
Comunista. O processo de normalização foi inalizado em 1979, na gestão
Carter-Brzezinski. Nas palavras de Brzezinski,
A China irá juntar-se às ileiras de frente dos
poderes mundiais e dessa maneira irá reclamar
para si própria seu status prévio. No processo (...)
irá redeinir a substância de seu comunismo (...)
A diluição ideológica será o preço de tal sucesso.
A China moderna pode entrar no século XXI ainda
governada pelo comunismo, mas não será uma China
comunizada. (BRZEZINSKI, 1989, p. 194)
A continuidade das ações de Nixon-Kissinger não se restringe
à China, mas se estende até o Oriente Médio. Em ambos os casos, as
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GEOPOLÍTICA E GEOECONOMIA: HISTÓRIA E ATUALIDADE NO PENSAMENTO DE ZBGINIEW BRZEZINSKI
negociações foram iniciadas pela gestão republicana e encerradas pela
democrata. No Oriente Médio, em 1979 foi consolidado o processo de
negociação Israel-Egito, consagrando no Acordo de Camp David a fórmula
“terra pela paz” baseada na lógica do reconhecimento mútuo do direito
de soberania: reconhece-se o direito de existência de Israel, condicionado
à devolução de territórios ocupados pelos israelenses durante o ciclo de
guerras iniciado em 1948, após a fundação do Estado israelense13.
Esta postura de engajamento foi substituída em 1979 por uma
ação mais incisiva, devido à Revolução do Irã e à Guerra do Afeganistão
(1979/1985). Tal postura icou conhecida como a Doutrina Carter (1980),
segundo a qual
Qualquer tentativa de qualquer força externa para
controlar a região do Golfo Pérsico será considerada
um ataque direto aos interesses vitais dos EUA, e
este ataque será repelido por qualquer meio que
se izer necessário, incluindo a força militar (...)
Ajudamos a fortalecer a OTAN e recentemente (...)
decidimos desenvolver e projetar forças nucleares
modernizadas e de médio alcance para enfrentar a
ameaça em elevação e indesejada das armas nucleares
da URSS. Estamos trabalhando com nossos aliados
para prevenir conlitos no Oriente Médio. O tratado
de paz entre Egito e Israel é um avanço notável que
representa uma vantagem estratégica (...) e que
aumenta as perspectivas da paz regional e da paz
mundial. (CARTER, 1980, s/p).14
13
Camp David abriu espaço para diversas negociações entre os países árabes e Israel, como
Jordânia, Líbano, Síria. Serviu de inspiração ainda para marcos dos anos 1990, os Acordos
de Oslo I e II entre Israel e Palestina que obtiveram sucesso em seus primeiros anos de
implementação até 1995, com o assassinato do Primeiro Ministro de Israel Yzhak Rabin por
um radical ortodoxo israelense. Desde então, Oslo foi desmontando rapidamente a situação
regional se deteriorou por uma combinação de tensões internas, atentados terroristas,
ingerências externas (Guerras do Iraque de 1991 e 2003, Afeganistão 2001, intervenção na
Líbia 2014) e instabilidades locais, Primavera Árabe, a ascensão do Estado Islâmico e a
guerra civil na Síria. Para um panorama do Oriente Médio ver VISENTINI, 2014.
14
“An atempt by any outside force to gain control of the Persian Gulf region will be
regarded as an assault on the vital interests of the United States of America, and such an
assault will be repelled by any means necessary, including military force. (...)We’ve helped
to strengthen NATO and our other alliances and recently we (…) decided to develop and
to deploy modernized, intermediate-range nuclear forces to meet an unwarranted and
increased threat from the nuclear weapons of the Soviet Union. We are working with our
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Cristina Soreanu Pecequilo
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Este discurso de força não foi capaz de passar ao público a
segurança necessária da política externa de Carter e das decisões de
Brzezinski. No Irã, a revolução fundamentalista levou o Aiatolá Khomeini
ao poder, derrubando o governo secular do Xá Reza Pahlevi, aliado norteamericano. Somado à perda deste pivô estratégico, os EUA enfrentaram
a crise dos reféns em sua Embaixada, que perdurou por 444 dias (e
envolveu o pagamento de resgate, após uma operação militar fracassada
de retirada). Esta crise contribuiu para a derrota de Ronald Reagan. Outro
tema explorado pelos republicanos foi a invasão do Afeganistão por forças
soviéticas, percebido como uma prova de que a Guerra Fria continuava
sendo “vencida” pela URSS.
Neste país, a política foi a de apoiar as forças anti-soviéticas,
representadas pelo talibã, apesar de serem fundamentalistas islâmicas.
Nasceria neste período a associação entre os EUA e Bin Laden, futuro líder
da Al-Qaeda e desta resistência. Posteriormente, os EUA romperiam com
o talibã e Bin Laden se tornaria responsável pelos atentados terroristas de
11/09/2001. A política de apoio ao talibã foi replicada em outras regiões do
mundo, em particular na América Central, sendo deinida como suporte
aos “lutadores da liberdade” (freedom ighters) no governo Reagan, i.e,
forças anti-soviéticas.
Mas, e as demais ações implementadas entre 1977-1981 à frente
do CSN? Em primeiro lugar, é preciso destacar que estas ações foram
bem-sucedidas em muitos aspectos, mas obscurecidas pelas crises do Irã
e Afeganistão entre 1979/1980. Como aponta Skidmore (1993/1994), um dos
principais problemas da gestão Carter foi a sua incapacidade de passar uma
impressão positiva ao público e promover a defesa de sua política externa.
Como muitos de seus componentes eram inovadores (em particular na
geoeconomia) e de aplicação gradual (como no caso da Europa OcidentalOriental, o engajamento da China e a defesa dos direitos humanos), a
impressão era de um retrocesso pois os resultados não eram aparentes.
O que se tornava aparente eram apenas os avanços soviéticos e de novos
inimigos como os fundamentalistas islâmicos.
Segundo, embora houvesse uma unidade de posições entre a
Casa Branca e o CSN, o mesmo fato não se replicava em outras agências
de política externa como o DOS, que tinha à frente o Secretário de
allies to prevent conlict in the Middle East. The peace treaty between Egypt and Israel is a
notable achievement which represents a strategic asset (…) which also enhances prospects
for regional and world peace”. (CARTER, 1980, s/p)
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GEOPOLÍTICA E GEOECONOMIA: HISTÓRIA E ATUALIDADE NO PENSAMENTO DE ZBGINIEW BRZEZINSKI
Estado Cyrus Vance. Vance discordava das políticas de Brzezinski, que
as implementava unilateralmente com o apoio de Carter ,e estes rachas
reforçavam a impressão de fragilidade do governo. Por im, como sustenta
Skidmore, havia um descolamento entre estas ações externas e a política
interna, uma vez que a economia continuava com altos índices de
desemprego e baixo crescimento, em comparação à Europa Ocidental e ao
Japão, somada à segunda crise do petróleo de 1979. Havia uma profunda
crise de legitimidade.
Muitos aspectos que contribuíram para o im da Guerra Fria em
1989 eram desconhecidos da opinião pública. Destacam-se a exploração
de mecanismos de poder brando para quebrar a unidade do regime
soviético por dentro: estes incluíam ajuda econômica para grupos de
oposição política no país e na Europa Oriental, incluindo o inanciamento
de projetos culturais como a “Rádio Liberdade” a Rádio Europa Livre”.
Estas políticas eram chamadas de “Engajamento Pacíico”, e se associavam
a medidas mais conhecidas como as negociações bilaterais para corte de
arsenais nucleares (SALT- Strategic Arms Limitation Talks) e o aumento de
investimentos na OTAN.
A promoção dos direitos humanos, com apoio ao Acordo de
Helsinki (1975), igualmente era componente da agenda. Em Helsinki,
foram estabelecidas negociações multidimensionais entre a URSS e
os países europeus ocidentais, com apoio dos EUA, visando fortalecer
princípios de cooperação cientíica e tecnológica, colaboração em questões
humanitárias, incremento do direito de ir e vir dos cidadãos e liberalização
de fronteiras dentre outros. Além dos direitos humanos, entram na pauta
as chamadas “questões planetárias” como o meio ambiente (BRZEZINSKI,
1971, p. 71).
A política de direitos humanos, e sua associação a condicionalidades
para nações obterem empréstimos, apoio estadunidense, dentre outros,
estendiam-se ao Terceiro Mundo. O objetivo era promover mecanismos
de fortalecimento da democracia e levar à “mudança de regime” das
nações do Sul, por meio de um sistema de pressões e incentivos políticos
e econômicos. Em texto de 1986, as estratégias e táticas da Casa Branca
para ganhar a Guerra Fria encontram-se sistematizadas com clareza neste
trecho de Brzezinski,
1) Acelerar a emergência de uma Europa Ocidental mais
autossuiciente e eventualmente uma Europa recuperada de sua divisão
do pós-guerra; 2) Promover um triângulo estratégico informal no extremo
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Cristina Soreanu Pecequilo
571
oriente através de uma mais ampla cooperação econômica e política entre
os Estados Unidos, o Japão e a China; 3) Amparar o sudoeste asiático
fortalecendo politicamente e reforçando militarmente os vizinhos
meridionais da União Soviética; e 4) Apoiar as pressões internas nos
Estados da Europa Oriental sob domínio dos soviéticos e, até mesmo,
dentro da própria URSS, para uma maior tolerância e diversidade política.
(BRZEZINSKI, 1986, p. 213).
A convergência entre o pensamento geopolítico e geoeconômico
do autor e a doutrina norte-americana de projeção de poder encontram-se
sistematizadas no quadro.
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GEOPOLÍTICA E GEOECONOMIA: HISTÓRIA E ATUALIDADE NO PENSAMENTO DE ZBGINIEW BRZEZINSKI
As Agendas Geoeconômicas
Se as linhas do pensamento geopolítico de Brzezinski pouco
diferem das tradições clássicas, seu pensamento geoeconômico estabelece
uma nova tradição na estratégia estadunidense, atualizada para as novas
tendências de reconiguração do sistema internacional, com ênfase no
poder econômico. Na década de 1970, estas tendências são representadas
pela emergência dos fenômenos da globalização e da interdependência,
que indicam a existência de um mundo mais integrado política, econômica
e socialmente.
Tais fenômenos foram impulsionados por acontecimentos
diversos: a emergência do Terceiro Mundo e do Movimento Não-Alinhado
(MNA) nos anos 1950/1960, a demanda por desenvolvimento destas nações
e pela criação de uma “nova ordem econômica internacional” (NOEI) e a
terceira revolução industrial, a Revolução Cientíica e Tecnológica (RCT).
A consolidação da força política do Sul era chave nos anos 1970 e precisava
ser incorporado à agenda.
Isso gerou um sistema internacional que não se sustentava mais
unicamente na bipolaridade EUA-URSS, Leste-Oeste, havendo uma cisão
complementar, a Norte-Sul. A existência do Sul, e das assimetrias de
poder entre estas nações e as desenvolvidas, é percebida como um novo
componente da Guerra Fria. A deterioração das condições econômicas
do Sul (acelerada pela RCT) afeta as suas perspectivas geopolíticas e
acentua a sua instabilidade e potencial de atração ao modelo soviético (e
de modelos fundamentalistas sociais ligados à religião que promovam
igualdade e justiça). Os EUA devem incluir em sua agenda políticas de
suporte às nações do Sul, utilizando mecanismos de pressão econômica
(condicionalidades) para cooptá-las e adequá-las a seu modelo liberal, pois
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Cristina Soreanu Pecequilo
O sistema internacional está mudando de um sistema
desenhado para promover a paz interestatal, para
um sistema também estabelecido para promover o
progresso intraestatal; de um sistema estabelecido
para
alcançar
maior
produtividade
econômica
global, para um sistema também previsto para gerar
maior igualdade econômica (...) As novas nações são
particularmente sensíveis a isso. Porém, estas nações
também têm sido particularmente insistentes para
que o sistema internacional cada vez mais mude
seu foco de preocupação com a preservação da
paz, para a promoção do desenvolvimento global,
principalmente para dar conta das atuais condições
de desigualdade material existentes na humanidade.
Para alcançar este objetivo, a maior cooperação entre
as nações e uma certa medida de interferência nos
assuntos internos de alguns por outros será quase que
inevitável. (BRZEZINSKI, 1975, s/p)15
Por outro lado, este modelo liberal deve ser reforçado e
modernizado para manter-se superior, tanto no que se refere à dimensão
interna dos EUA quanto em nível global. Para isso, a criação da Comissão
Trilateral representa uma inovação na parceria entre as nações capitalistas
desenvolvidas e foi criada, em 1973, por iniciativa do milionário norteamericano David Rockfeller. O objetivo era estabelecer um organismo
não governamental, com nomes inluentes do setor econômico privado,
da academia, do Estado e da sociedade civil, para a discussão de temas
econômicos e sociais. Brzezinski presidiu o think tank (que ainda se
encontra ativo) entre 1973 e 1976, período que marca sua aproximação
com Carter como citado. Os principais membros eram os EUA, o Japão
15
“The international system is changing from a system designed to promote interstate
peace to a system also designed to promote intrastate progress; from a system designed to
make possible greater global economic productivity to a system also designed to enhance
greater economic equity (…) The new nations are particularly sensitive about it. Yet it is also
these nations that are especially insistent that the international system increasingly shift
the focus of its concern from a preoccupation with the preservation of peace to a greater
concern with the promotion of global development, especially in order to obviate the
existing inequalities in the material conditions of humanity. To accomplish that objective,
closer cooperation among nations, and a measure of interference in the internal afairs of
some by others, will almost be inevitable”. (BRZEZINSKI, 1975, s/p)
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GEOPOLÍTICA E GEOECONOMIA: HISTÓRIA E ATUALIDADE NO PENSAMENTO DE ZBGINIEW BRZEZINSKI
e a Europa Ocidental, reforçando a tripolaridade capitalista. Rockfeller
esteve à frente da criação de outro organismo similar, o Clube de Roma
(ASSMAN, CHOMSKY, SANTOS, 1979).
Brzezinski trabalhava a geoeconomia em dois níveis: as relações
Norte-Sul e as relações Norte-Norte. O fortalecimento do eixo Norte-Norte
era essencial para manter a supremacia sobre o Sul e barrar os esforços para
a construção de uma NOEI por meio das coalizões Sul-Sul como o G-77
e o MNA, assim como para manter o isolamento da URSS na economia
mundial. Um objetivo adicional era permitir a contenção, por parte dos
EUA, do avanço da Europa Ocidental e Japão. Os EUA possuíam forte
vantagem comparativa e deveriam explorá-la a partir de sua liderança
na RCT, denominada por Brzezinski de “revolução tecnetrônica”. Ao
mesmo tempo, esta era uma liderança frágil por conta de seus problemas
domésticos.
Brzezinski, na década de 1970, tornou-se um dos primeiros autores
a identiicar sinais do declínio norte-americano. Em América Laboratório
do Mundo, o autor chama a atenção para temas das teses declinistas
(representadas por KENNEDY, 1990): complacência social, hedonismo,
consumismo, racismo, xenofobia, política disfuncional e polarizada
entre conservadores e liberais. Em suas palavras, “A era da crença volátil
está intimamente ligada ao impacto da revolução tecnetrônica sobre as
ideologias e concepções de vida existentes.” (BRZEZINSKI, 1971, p. 73).
Naquele momento, o autor se considera um otimista, “acredito irmemente
que esta sociedade tem a capacidade, o talento, a riqueza e cada vez mais,
a vontade de superar as diiculdades inerentes à transição histórica.”
(BRZEZINSKI, 1971, p. 16).
Este otimismo e a validação de suas políticas nos setores
geoeconômicos e geopolíticos, pareciam ter sido alcançados em 1989
quando a Guerra Fria se encerrou com o predomínio do modelo norteamericano. A estratégia da contenção, contudo, também teria efeitos
sensíveis sobre os Estados Unidos, e que legariam à América o peril de
ser a “primeira, única e última superpotência restante”16 (BRZEZINSKI,
1997, s/p).
16
“(…) the irst (…) only (…) global superpower (…) the very last” (BRZEZINSKI, 1997,
s/p).
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O PÓS-GUERRA FRIA: O FIM DO SONHO AMERICANO? (1990/2017)
A Queda do Muro de Berlim trouxe à tona uma série de análises
paradoxais e contraditórias sobre o futuro da ordem internacional. De um
lado, predominavam as interpretações triunfalistas de autores como Francis
Fukuyama e seu im da história (1989), de outro, emergiam as análises
catastroistas de desordem e conlitos, sintetizadas em O Choque das
Civilizações de Samuel Huntington (1993). Brzezinski distanciava-se deste
apelo midiático de premissas simplistas que anunciavam o encerramento
da bipolaridade como o da prevalência sem contestação do modelo liberal
e o im das ideologias ou exacerbavam o confronto aberto entre o “nós e
eles” (o ocidente e o resto). Havia um processo contínuo de reordenamento
do equilíbrio do poder mundial, no qual os EUA mantinham suas
capacidades de poder, mas enfrentavam sérios problemas.
Prevalece uma continuidade no pensamento que não é afetada
pela conjuntura dos anos 1990 ou os acontecimentos do século XXI como o
11/09/2001. Considera-se que todos estes fenômenos se inserem no quadro
das transformações geradas pelo pós-Guerra Fria, pois as grandes linhas
da política internacional se mantem na geopolítica e na geoeconomia:
a disputa pela Eurásia e a preservação do poder político-econômicosocial e estratégico dos EUA. Grandes linhas, porém, fragmentadas pelas
tendências em movimento: a aceleração do crescimento da China, o
reposicionamento do Terceiro Mundo, a fragilidade europeia, japonesa e
russa, e, principalmente, a crise estadunidense.
Estas relexões foram sistematizadas em cinco livros, que podem
ser divididos em dois blocos: um primeiro na década de 1990, de teor
analítico focado na transição da Guerra Fria ao pós-Guerra Fria, Out
of Control (1993), The Grand Chessboard: American primacy and the
geostrategic imperatives (1997) e Geostrategic Triad (2001); e um segundo
no século XXI The Choice: Global Domination or Global Leadership (2004),
Second Chance: Three Presidents and the Crisis of American Superpower
(2007) e Strategic Vision (2012)17 .
As obras mais representativas de cada bloco, e que os sintetizam,
são, respectivamente Grand Chessboard e Strategic Vision. O primeiro
bloco avalia os impactos imediatos do im da URSS para o futuro da
17
A entrevista de David Ignatius com Brzezinski e Brent Scowcroft foi publicada em 2008
sob o título America and the world- conversations on the future of American foreign policy.
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GEOPOLÍTICA E GEOECONOMIA: HISTÓRIA E ATUALIDADE NO PENSAMENTO DE ZBGINIEW BRZEZINSKI
Eurásia, e as formas como os EUA devem atuar em um novo cenário de
vácuo de poder e reorganização das forças geopolíticas do antigo “Arco
das Crises”, renomeados de “Balcãs Eurasianos”. Se antes a inimiga era a
URSS, no pós-Guerra Fria o maior risco é o vazio estratégico preenchido
por forças de fragmentação, sustentadas na instrumentalização da religião
e da oposição ao ocidente. As polarizações ideológicas e culturais fundamse no contexto de exclusão da globalização (para o qual já alertara) no
Terceiro Mundo, e se estendem às fronteiras internas dos países.
É necessário que os EUA e a União Europeia (UE) possuam atuação
mais decisiva no espaço eurasiano, visando conter estas tendências de
instabilidade no espaço da ex-URSS. A China deveria ser objeto de atenção,
não se alterando uma condição básica da geopolítica (que se estendia à
geoeconomia), o foco mantinha-se na Eurásia.
Para a América, o maior prêmio geopolítico é a Eurásia
(...) agora um poder não-eurasiano é proeminente na
Eurásia- e a primazia global da América é diretamente
dependente de por quanto tempo e com qual eiciência
esta preponderância (...) será sustentada (...) a Eurásia
é, portanto, o tabuleiro no qual a luta pela primazia
global continua a ser jogado (...) (BRZEZINSKI, 1997,
s/p)18
O segundo bloco emerge à luz de uma América mais sombria,
afetada pelos atentados terroristas 19, fragmentada e polarizada socialmente.
Em The Choice, o questionamento do título, dominação global ou liderança,
aponta para a falência do projeto hegemônico, conforme construído na Guerra
Fria. Esta falência traz uma dinâmica imperial, que se choca com sua tradição
democrática, e com seus mecanismos de cooptação brandos. Segundo o autor, as
escolhas da presidência de George W. Bush (2001/2008) reforçam o isolamento,
consomem recursos e são ineicientes.
18
“For America, the chief geopolitical prize is Eurasia (…) Now a non-Eurasian power is
preeminent in Eurasia—and America’s global primacy is directly dependent on how long
and how efectively its preponderance (…) is sustained (…) Eurasia is thus the chessboard
on which the struggle for global primacy continues to be played.” (BRZEZINSKI, 1997, s/p)
19
Ao ser questionado por sua “responsabilidade indireta” pelo 11/09, uma vez que as ações
de Bin Laden haviam sido toleradas no Afeganistão contra a URSS, Brzezinski rejeitava as
críticas, apontando as diferenças entre os períodos e questões históricas envolvidas. Ver
GATTI, 2013.
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Cristina Soreanu Pecequilo
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A crise econômica de 2008, que atingiu as economias centrais, base
da trilateral dos anos 1970, foi relexo destas tendências de gastos excessivos,
desregulamentação e consumismo excessivo. Prevalece uma crise interna e,
externamente, um equilíbrio de poder instável. Isso abre espaço para tendências
de ascensão de potências no Terceiro Mundo como a China, a Índia e o Brasil,
levando à desconcentração de poder multipolar.
Questões similares estendem-se a Second Chance, e alcançam um
patamar mais abrangente em Strategic Vision. Comum a todas as obras se
encontram indagações sobre a natureza e eicácia da Guerra Global Contra o Terror
(GWT) iniciada por W. Bush em 2001 e as operações militares no Afeganistão
(2001/2014) e no Iraque (2003/2011). Embora tivesse ressalvas com relação ao
conlito do Afeganistão, o autor o via como necessário em resposta à agressão de
11/09. A guerra do Iraque, e a Doutrina Bush, de natureza preventiva que a orienta
são, para Brzezinski, o principal erro e fracasso estratégico do país na condução de
sua hegemonia, e os custos desta “guerra de escolha” (war of choice) se reletem
interna e externamente. Em artigo do Washington Post, esta postura pode ser
vista com clareza
Existe um jeito certo e errado da América fazer a guerra.
Obviamente, se atacada, a América deve responder
com toda sua capacidade. O mesmo é verdade se
algum aliado é atacado. Mas a questão se torna mais
complexa se uma ameaça, e não um ataque, está
envolvida. A América deve avaliar cuidadosamente
as consequências de suas ações, tanto para si mesma
como o poder mais proeminente do mundo e para a
evolução de longo prazo do sistema internacional como
um todo. Pode ser que os EUA tenham que ir à guerra
para tirar Saddam Hussein do poder no Iraque (..)
Mas guerra é uma questão muito séria e imprevisível
em suas consequências dinâmica- especialmente em
uma região turbulenta- para ser realizada por desejo
pessoal, medos demagogicamente articulados ou
airmações conjunturais vagas. (BRZEZINSKI, 2002,
s/p)20
20
“There is a right and a wrong way for America to wage war. Obviously, if it is atacked,
America must respond with all its might. The same is true if an ally is atacked. But the issue
becomes much more complex if a threat, but not an atack, is involved. America must then
consider carefully the consequences of its actions, both for itself as the world’s preeminent
power and for the longer-term evolution of the international system as a whole. The United
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GEOPOLÍTICA E GEOECONOMIA: HISTÓRIA E ATUALIDADE NO PENSAMENTO DE ZBGINIEW BRZEZINSKI
Pois,
Estas duas guerras possuem uma característica
comum: elas são operações militares expedicionárias
em territórios hostis. Em ambos os casos, a
administração
Bush
desconsiderou
realidades
culturais complexas, rivalidades étnicas profundas
gerando conlitos dentro de conlitos, vizinhanças
regionais instáveis (...) e disputas territoriais não
resolvidas. (BRZEZINSKI, 2012, p. 67) 21
O “jeito errado” de fazer a Guerra é relexo de uma avaliação
equivocada da presidência W. Bush, e dos neoconservadores, sobre o
cenário internacional, o combate ao terrorismo, os recursos de poder e o
papel dos EUA. A ascensão neoconservadora, cujas origens datam da era
Reagan, leva a uma maior polarização política interna, a um sentimento
missionário religioso e valoriza uma perspectiva militarista, unilateral e
unipolar. Tal perspectiva, simbólica da agenda neoconservadora (COOPER,
2011, TEIXEIRAa, 2007) não condiz com os principais luxos geopolíticos
e geoeconômicos e é ineiciente para sustentar a estabilidade. A ascensão
do Estado Islâmico, a eclosão da Primavera Árabe na região e as tensões
econômicas são apenas alguns subprodutos destas ações. E,
as consequências foram um declínio dramático na
posição global americana em contraste com a última
década do século XX, uma deslegitimação progressiva
da presidência (...) e da (...) credibilidade nacional e
uma redução signiicativa da auto-identiicação dos
aliados norte-americanos com a segurança americana
(BRZEZINSKI, 2012, p. 70) 22
States may have to go to war to oust Saddam Hussein from power in Iraq (…) But war is
too serious a business and too unpredictable in its dynamic consequences -- especially in a
highly lammable region -- to be undertaken because of a personal peeve, demagogically
articulated fears or vague factual assertions. (BRZEZINSKI, 2002, s/p)
21
“These two wars had one common trait: they were expeditionary military operations
in hostile territories. In both cases, the Bush administration showed litle regard for
the complex cultural setings, deeply rooted ethnic rivalries generating conlicts within
conlicts, dangerously unsetled neighborhoods (…) and the unresolved territorial disputes
(...)” (BRZEZINSKI, 2012, p. 67)
22
“The consequences were a dramatic decline in America´s global standing in contrast to
the last decade of the twentieth century, a progressive delegitimation of (…) presidential
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Strategic Vision (2012) pode ser considerado a síntese destas
críticas, avaliações e projeções de cenário. No texto, o autor retoma as
políticas de W. Bush, apresenta um diagnóstico do mundo, da América
e faz sugestões para a ação da presidência democrata de Barack Obama
(2009/2016). Brzezinski indica o declínio do ocidente e dos Estados Unidos
como referencial, e a inexistência de países que possam ocupar o posto de
liderança global norte-americano, incluindo a China.
Ainda que reconheça o crescimento exponencial da China e
seu reposicionamento, considera que seus avanços geoeconômicos são
insuicientes para garantir a construção de uma nova ordem mundial
alternativa aos EUA. Porém, não descarta a possibilidade de que o
“sonho americano” de prosperidade, de inclusão e de consumo possa ser
substituído por um “sonho chinês”. Os mesmos dilema, força e fraqueza
se estende às demais potências emergentes como Índia, Brasil e Rússia:
as vulnerabilidades superam os recursos de poder disponíveis e os
impossibilitam de assumir o lugar dos EUA.
Por outro lado, sustenta a indagação a respeito da capacidade
norte-americana em exercer este papel. A questão do declínio é muito
presente. São identiicadas seis deiciências: “a dívida nacional, um
sistema inanceiro falido, a crescente desigualdade social, a infraestrutura
decadente, a ignorância do público e a paralisa política”23 (BRZEZINSKI,
2012, p. 55). Mesmo com pontos positivos como “a força econômica, o
potencial de inovação, a dinâmica demográica, a mobilização reativa,
a base geográica e o apelo democrático”24 (BRZEZINSKI, 2012, p. 55), a
situação é sensível.
O resultado é uma crise permanente: o mundo será “em 2025, não
chinês, mas caótico”25 (BRZEZINSKI, 2012, p. 75). Diante deste cenário,
procura indicar caminhos corretivos, sendo que algumas recomendações
políticas foram incorporadas por Obama.
Dentre as recomendações, a principal é a necessidade da reforma
doméstica, sem a qual as bases do poder norte-americano continuariam
and (…) national creditability, and a signiicant reduction in the self-identiication of
America´s allies with America´s security.” (BRZEZINSKI, 2012, p. 70)
23
“(…) national debt, lawed inancial system, widening social inequality, decaying
infrastructure, public ignorance and gridlocked politics”. (BRZEZINSKI, 2012, p. 55)
24
“(…) overall economic strength, innovative potential, demographic dynamics, reactive
mobilization, geographic base and democratic appeal.” (BRZEZINSKI, 2012, p. 55)
25
“By 2025, not Chinese but chaotic” (BRZEZINSKI, 2012, p. 75)
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GEOPOLÍTICA E GEOECONOMIA: HISTÓRIA E ATUALIDADE NO PENSAMENTO DE ZBGINIEW BRZEZINSKI
sendo corroídas. Obama parcialmente atendeu este objetivo, ao promover
a recuperação econômica, restituir políticas sociais na área de educação
e saúde e defender a reconciliação nacional. O sucesso foi parcial, na
medida em que o processo não foi capaz de ser homogêneo ou inclusivo.
Confrontados pelos efeitos da crise econômica de 2008, alguns setores como
o automobilístico e o siderúrgico não conseguiram recuperação efetiva,
aumentando o sentimento de exclusão. Este sentimento impulsionou
o avanço do conservadorismo, do populismo, do nacionalismo e da
xenofobia sintetizados na ascensão de Trump26.
No campo externo, as propostas também foram parcialmente
incorporadas, principalmente com referência à China e ao Leste Asiático.
Na região, defendia um movimento duplo com relação à China: a
contenção e o engajamento, para a promoção de um “novo oriente estável
e cooperativo”27 (BRZEZINSKI, 2012, p. 155). O engajamento poderia ser
alcançado por meio de uma nova trilateral e atualização dos arranjos
capitalistas ao modelo chinês, e a contenção por uma reorganização do
entorno chinês, com o fortalecimento do Japão e da Coreia do Sul. Um
dos efeitos foi a criação da Parceria Transpacíica (TPP), composta pelo
incremento de laços militares e pelo reposicionamento de efetivos na Ásia
(com o aumento de ações no Mar do Sul da China28 ) e o acordo de livre
comércio, consolidados a partir de 2015 (lembrando que este foi suspenso
por Trump em Janeiro 2017 imediatamente após sua posse).
A posição do Ocidente precisava ser revitalizada a partir do
eixo Atlântico, com o fortalecimento da aliança EUA-UE. A questão foi
abordada por Obama com a modernização da Organização do Tratado do
Atlântico Norte (OTAN) e a abertura de negociações secretas em 2013 para
um tratado bilateral de livre comércio Estados Unidos-UE (TTIP- Acordo
de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento) - estas negociações
foram igualmente suspensas. Outro ponto, a criação de um “Ocidente
vital e ampliado”29 (BRZEZINSKI, 2012, p. 132), revela-se mais polêmico,
ao propor a inclusão da Rússia e da Turquia e um “novo ocidente” para
conter o “novo oriente”.
A Rússia é uma ameaça, devido a sua fraqueza, que leva ao risco
26
Recomenda-se COLGAN and KEOHANE, 2017.
27
“A stable and cooperative new East” (BRZEZINSKI, 2012, p. 155).
28
A região se encontra em disputa territorial e é zona de passagem estratégica ver
PINOTTI, 2015.
29
“Vital and larger West” (BRZEZINSKI, 2012, p. 132).
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do revisionismo, do vácuo de poder e de sua cooptação pelo sistema
chinês. Esta cooptação ocorre por meio de acordos como a Organização
de Cooperação de Xangai, negociações bilaterais no setor energético e
parte da Nova Rota da Seda (One Belt, One Road - OBOR), que agrega
nações eurasianas até a África Austral. A OCX, criada em 2001, engloba
(até Novembro de 2017) países pivôs da Eurásia, como já deinidos desde
os anos 1970: Rússia, China, Tadjquistão, Cazaquistão, Uzbequistão, Índia
e Paquistão (além de observadores como Irã, Afeganistão. Mongólia e
Belarus). A Nova Rota da Seda ocupa espaço similar na Eurásia, avançando
à África Austral, por meio de projetos de infraestrutura e exploração
energética. Diante deste cenário, defende que
para administrar efetivamente ambas as partes da
Eurásia, ocidental e oriental, a América precisa
adotar um papel duplo. Ela deve ser a promotora e
garantidora de uma maior e mais abrangente unidade
no ocidente, e deve ser a moderadora e conciliadora
entre os maiores poderes do Leste. (BRZEZINSKI,
2012, p. 185) 30
Se Obama deu passos para atingir estes propósitos defendidos,
Trump desconstrói estes esforços. Em nenhum momento, até seu
falecimento, Brzezinski deixou de criticar a gestão republicana, e de
considerar a existência de um forte descompasso entre o mundo e os EUA.
As consequências deste período, porém, serão objeto de análise de novos
estrategistas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A atualidade das relexões de Brzezinski ultrapassa limites
temporais que tentam restringir sua obra à avaliação de suas ações na
Casa Branca. A luidez do sistema decisório norte-americano, a formação
e a cooptação de quadros pensantes na academia, e sua transição ao
governo durante ao Guerra Fria, são produto de uma época especíica
e de uma sociedade que buscava os melhores meios para atingir seus
30
“(…) to respond efectively in both the western and eastern parts of Eurasia, America
must adopt a dual role. It must be the promoter and guarantor of greater unity in the
West, and it must be the balancer and conciliator between the major powers in the East.”
(BRZEZINSKI, 2012, p. 185)
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GEOPOLÍTICA E GEOECONOMIA: HISTÓRIA E ATUALIDADE NO PENSAMENTO DE ZBGINIEW BRZEZINSKI
objetivos. Posteriormente, estas personagens continuaram atuando neste
sistema e sua inluência marcou a elaboração das agendas estratégias
estadunidenses por mais de cinco décadas.
Os diagnósticos geopolíticos e geoeconômicos sobre a natureza e
projeção de poder estadunidense, as características do sistema soviético, os
Estados pivô eurasianos, a ascensão da China e das potências capitalistas
europeias e asiáticas, o surgimento e consolidação do Terceiro Mundo
e as cisões Norte-Sul, abordados no texto, indicam uma capacidade
permanente de compreender o passado, o presente e de projetar o futuro.
O importante era inovar e fazer escolhas, sempre com o mesmo objetivo:
fortalecer, preservar e expandir a hegemonia dos EUA, com foco em
mecanismos de poder multidimensionais e atualizados para sustentar o
regime liberal-democrático.
A questão central que Brzezinski se colocava na última década, era se
estes cenários e recomendações geopolíticas e geoeconômicas ainda possuíam
ressonância entre os formuladores de política e tomadores de decisão. À exceção
da gestão de Barack Obama e iniciativas como o TPP e o TTIP e o aumento da
presença militar e econômica na Ásia, a resposta do ex-Assessor de segurança
Nacional era “não”: não existia da parte estadunidense uma percepção adequada
dos fenômenos internacionais contemporâneos associados à transformação
da Eurásia a partir da China e de sua aliança renovada com a Rússia, ou do
encolhimento social, estratégico e econômico do país e seus principais aliados UE
e Japão.
Isso gerava um elevado grau de ineiciência, na política e na economia,
que atingiu seu auge na administração de W. Bush, e que Obama procurou
reformular. Para Brzezinski, essa estagnação estratégica não era produto somente
do 11/09/2001, mas, sim, parte da concepção neoconservadora de relações
internacionais, presa ao conceito de unipolaridade e de projeção militar como
principal instrumento de poder. A criação de novos comandos como o Comando
Militar Africano (USAFRICOM), as atualizações do Comando Militar Europeu
(EUPACOM) e da OTAN, do Comando Militar do Sul (USSOUTHCOM) e dos
Comandos do Pacíico (USPACOM) e da Ásia Central (USCENTCOM), com foco no
Atlântico Sul, no entorno sino-russo-indiano, no MSCh e nas operações militares
na Eurásia no Afeganistão e Iraque, reletem esta dinâmica.
Nesta equação, encontra-se ausente um equilíbrio entre a geopolítica
e a geoeconomia, associados a uma política doméstica disfuncional no que
se refere a gastos públicos, reformas econômicas e polarizações sociais. Os
investimentos militares crescentes e o aumento do intervencionismo têm tido
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efeito oposto ao desejado: desgastam o poder norte-americano, sem impedir o
avanço de adversários ou estabilizar as regiões prioritárias. Em contrapartida, as
nações emergentes, como a China, focam-se em formas de projeção alternativas,
começando pela expansão econômica, a qual passaram a se atrelar mecanismos
de incremento de poder estratégico. O vácuo eurasiano pós-soviético, e em seu
entorno, somado à África e à América do Sul, passou a ser ocupado não pelos
EUA, mas pela China.
Obama, entretanto, pode desacelerar este processo, sem impedi-lo, ao
reforçar os mecanismos de contenção de expansão de potências regionais na
Eurásia: o encaminhamento do OBOR pela China e a incapacidade dos EUA de
oferecer sinalizações econômicas positivas aos aliados demonstram as diiculdades
correntes. Segundo Blackwill and Harris (2016), existe um descompasso entre
a pauta geoeconômica e geopolítica, com foco nesta última. A visão geopolítica
também se mostra desatualizada, não compreendendo a velocidade e a
multidimensionalidade da expansão chinesa, avaliação similar à de Brzezinski.
Para aprofundar a crise estadunidense, a eleição de Donald Trump
em 2016 iniciou um processo de rápida desconstrução destas iniciativas, cujos
resultados seriam de médio e longo prazo. Como sinalizado, algumas das primeiras
ações de Trump foram a suspensão dos projetos e negociações dos pivôs asiático
e transatlântico, somadas, até o encerramento de 2017, à falta de uma doutrina
estratégica. Neste contexto, as relexões estratégicas de Brzezinski correm o risco
de se tornar apenas assunto de leituras e debates sem aplicação prática.
É paradoxal pensar que em um cenário como o desejado por Trump, nos
quais imigrantes são vistos como inimigos, uma personagem como Brzezinski
talvez nunca chegasse a ser um membro ativo da universidade e do governo (ou
talvez sequer fosse autorizado a imigrar). Apesar disso, e por isso, em meio às
tendências de desconcentração de poder, multipolaridade, crise e fragmentação do
século XXI, ler Brzezinski mantém-se como uma necessidade e um aprendizado
para formuladores de política e tomadores de decisão na arena estratégica.
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GEOPOLITICS AND GEOECONOMICS:
HISTORY AND CONTEMPORANEITY IN
ZBGINIEW BRZEZINSKI´S THOUGHT
ABSTRACT
Established in 1945, US hegemony has been built over
these decades based on geopolitical and geoeconomic
concepts, and with the contribution of diferent thinkers.
The goal of this article is to analyze the nature and origins
of the relections of one of these thinkers, Zbigniew
Brzezinski, his contributions and impacts on the area of
strategic studies, based on his works, his tenure ahead of
the National Security Council in the US and as a consultant
for the White House. The text is divided into three parts,
besides the Introduction and Final Thoughts: a study
regarding the 1950s and 1970s, focusing on Brzezinski´s
initial performance as an academic and the relation of his
inluence as an analyst and strategist to the Cold War and
the speciic features of the American political system, the
geopolitical and geoeconomic thought in bipolarity and,
lastly, at the post-Cold War World.
Key words: Geopolitics; Geoeconomics; United States;
Zbigniew Brzezinski
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Recebido em: 16/10/2017
Aceito em: 27/12/2017
R. Esc. Guerra Nav., Rio de Janeiro, v. 23, n. 3, p. 554-588. set./dez. 2017.