EUA e Taiwan: entenda por que a visita de Nancy Pelosi pode gerar conflitos - Revista Galileu | Sociedade
  • Meredith Oyen, do The Conversation*
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Possível visita de Nancy Pelosi a Taiwan ameaça laços diplomáticos entre EUA, Taiwan e China (Foto: Divulgação/US Department of Labor)

Possível visita de Nancy Pelosi a Taiwan ameaça laços diplomáticos entre EUA, Taiwan e China (Foto: Divulgação/US Department of Labor)

A presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos Nancy Pelosi não confirmou quando – ou se – vai visitar Taiwan. Ainda assim, o status da ilha é tão sensível que relatórios da possível viagem resultaram em um aviso da China de "sérias consequências" e uma sugestão do presidente Joe Biden de que a visita "não era uma boa ideia". Em meio à retórica e elevadas tensões, Taiwan está conduzindo exercícios militares.

Os comentários seguem uma notícia do Financial Times de que Pelosi planejava levar uma delegação a Taiwan em agosto. O veículo baseou o furo nos relatos de seis pessoas "familiares à situação"; a porta-voz de Pelosi disse que não podia confirmar ou negar a viagem noticiada.

Como alguém que tem estudado há muito tempo a delicada dança diplomática dos Estados Unidos com Taiwan, eu entendo o por que essa possível viagem causou reações tanto em Washington quanto em Pequim, considerando as tensões atuais na região. Também marca a continuação de um processo de crescente engajamento político dos Estados Unidos com Taiwan – o que tem incomodado a China.

Cortando laços diplomáticos

A controvérsia em torno da possível visita de Pelosi vêm da política "só a China" – um posicionamento diplomático em que os Estados Unidos reconhecem a China e a posição de Pequim de que Taiwan é parte da China. A política tem governado as relações entre Estados Unidos com Taiwan pelos últimos 40 anos.

Em 1979, os Estados Unidos abandonaram a política anterior de reconhecer o governo de Taiwan como inteiro da China, mudando o reconhecimento do governo para o continente em vez disso. 

Como parte dessa mudança, os Estados Unidos cortaram todos os laços diplomáticos formais com Taiwan, com a embaixada norte-americana em Taiwan sendo substituída por uma organização não governamental chamada Instituto Americano em Taiwan.

O instituto era de fato uma embaixada – apesar de que, até 2002, norte-americanos que fossem transferidos para o instituto tinham que se demitir do Departamento de Estado dos EUA, só para serem contratados de novo quando esse período terminasse. E o contato entre os dois governos era tecnicamente não oficial.

Conforme o governo de Taiwan buscou a democracia – começando com o fim da lei marcial em 1987 até a primeira eleição completamente democrática em 1996 –, mudando a pretensão dos governos da China e de Taiwan de uma reunificação com o continente. O governo na China, no entanto, nunca abandonou a ideia de "uma China" e rejeita e legitimidade do governo próprio de Taiwan. Isso fez com que o contato direto entre representantes de Taiwan e EUA fosse controverso para oficiais chineses.

De fato, em 1995, quando Lee Teng-hui, o primeiro presidente eleito democraticamente em Taiwan, pousou no Havaí a caminho da América Central, ele nem pisou no asfalto. O Departamento de Estados dos Estados Unidos já tinha avisado que o presidente não receberia um visto de entrada nos EUA, mas estava permitido uma recepção pequena na sala de espera do aeroporto durante o abastecimento do avião. Aparentemente se sentindo esnobado, Lee se recusou a sair do avião.

Lee Teng-hui, o primeiro presidente eleito democraticamente em Taiwan (Foto: Wikimedia/中華民國總統府)

Lee Teng-hui, o primeiro presidente eleito democraticamente em Taiwan (Foto: Wikimedia/中華民國總統府)

Visitas políticas anteriores

Dois antes desse incidente houve a visita do então presidente da Câmara dos Representantes Newt Gingrich a Taiwan.

De forma parecida à possível visita de Pelosi, a de Gingrich irritou Pequim. Mas foi mais fácil para a Casa Branca se distanciar de Gingrich – ele era um político republicano visitando Taiwan por conta própria, e não em nome do então presidente Bill Clinton.

A possível visita de Pelosi pode ser diferente, porque ela é um membro do partido do presidente Joe Biden, e a China pode presumir que ela tem a bênção de Biden, apesar de os comentários dele dizerem o contrário.

Questionado em 20 de julho sobre sua perspectiva em relação à provável viagem de Pelosi, Biden respondeu que "os militares acreditam que essa não seja uma boa ideia neste momento".

O comentário ecoa a forma que a Casa Branca lidou com a fala de Biden em maio de 2022, na qual ele sugeriu que os EUA deveria intervir militarmente caso a China invadisse Taiwan. Oficiais da administração de Biden voltaram atrás no comentário, o que pode ter quebrado a política ambígua de longa data do que os Estados Unidos fariam caso a China tentasse tomar Taiwan à força.

Da mesma forma, a Casa Branca está se distanciando de uma posição que sugira uma mudança na relação entre EUA e Taiwan seguida de um período em que os Estados Unidos já começou a repensar em como interage com Taiwan.

Mudança política?

Em 2018, o Congresso aprovou o bipartidário Ato de Viagem de Taiwan. Uma mudança em relação à política anterior que permitia que visitas oficiais bilaterais entre EUA e Taiwan, apesar de ainda serem consideradas subdiplomáticas.

No auge daquela lei, o secretário de Serviços Humanos e de Saúde do governo de Donald Trump, Alex Azar, se tornou o mais alto oficial a visitar Taiwan desde 1979. Em 2020, Keith Krach, subsecretário de crescimento econômico, energético e ambiental, visitou Taiwan.

E, em abril de 2022, uma delegação congressional dos EUA visitou Taiwan. A própria Pelosi visitaria a ilha naquele mesmo mês, mas cancelou após testar positivo para Covid-19.

Cada uma dessas visitas provocou declarações furiosas de Pequim.

Uma visita de alto escalão – mesmo sem o apoio público da Casa Branca – sinalizaria apoio à ilha num momento em que a invasão da Ucrânia pela Rússia trouxe à tona questões sobre o comprometimento da comunidade internacional em proteger estados menores de vizinhos mais poderosos.

Enquanto isso, a erosão da democracia em Hong Kong enfraqueceu o comprometimento da China com a ideia de "uma nação, dois sistemas". O princípio, que permitia que Hong Kong mantivesse seus sistemas econômico, político e social ao passo que retornava para o continente depois do fim da regra britânica, tem sido citado como modelo de reunificação com Taiwan. 

O Partido Comunista Chinês também planeja realizar seu 20º congresso nos próximos meses, tornando o momento sensível para uma visita de uma figura política de alto escalão dos Estados Unidos, como Pelosi, a Taiwan.

*Meredith Oyen é professora associada de Histório e Estudos Asiáticos na Universidade de Maryland, nos Estados Unidos.

Esta matéria foi publicada originalmente no The Conversation em inglês.