Otan manda 700 soldados para o Kosovo em meio a tensões com a Sérvia; entenda a crise em 6 pontos
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Por O Globo e agências internacionais — Belgrado e Pristina

A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) anunciou nesta terça-feira que enviará 700 soldados adicionais para o Kosovo, em resposta à violência que eclodiu nos últimos dias no norte do país, onde minorias sérvias étnicas entraram em confronto com as forças de segurança. As tensões despertam temores de uma escalada na região, palco de um conflito que deixou cerca de 13 mil mortos no final dos anos 1990, a guerra derradeira do esfacelamento da Iugoslávia.

Direto ao ponto: Qual é a crise entre Sérvia e Kosovo?

  • A Otan anunciou que mandará 700 soldados adicionais para o Kosovo, onde manifestantes etnicamente sérvios desde o fim da semana passada entram em confronto com forças de segurança;
  • Os dois lados têm divergências históricas, que explodiram no final dos anos 1990 com a Guerra do Kosovo, que terminou com uma intervenção militar da Otan;
  • O Kosovo declarou sua independência em 2008, que nunca foi reconhecida por Belgrado;
  • As tensões são permanentes, mas pioraram depois de eleições municipais em cidades no norte do país;
  • Representantes eleitos apesar do boicote da minoria sérvia foram levados aos escritórios com uso das forças de segurança, que usaram força contra manifestantes;
  • Comunidade internacional pede cautela para resolver situação

O que a Otan anunciou?

A aliança militar encabeçada pelos americanos disse que enviará forças operacionais de reserva e deixou a postos um batalhão adicional para ser deslocado dentro de uma semana, se for necessário. A Otan tem uma missão no país desde o fim da Guerra do Kosovo, em junho de 1999, que atualmente conta com aproximadamente 3.770 militares.

— Decidimos alocar 700 soldados adicionais da força de reserva operacional para os Bálcãs ocidentais e também deixar em alta prontidão um batalhão adicional de forças de reservas que poderá ser acionado caso necessário — disse em uma entrevista coletiva Jens Stoltenberg, secretário-geral da Otan.

Desde segunda, três soldados da aliança atlântica foram baleados e outros 27 ficaram feridos após serem atingidos por projéteis e explosivos improvisados durante confrontos com homens da Otan e policiais kosovares. Os manifestantes se concentram em frente à prefeitura de Zvecan, na parte boreal do país, onde nesta terça as autoridades ergueram proteções para impedir o acesso. Ao menos 50 deles ficaram feridos, três gravemente.

Qual é a raiz do imbróglio?

Eleições municipais foram o estopim mais recente, mas os atritos ente Pristina e Belgrado têm séculos. Para os sérvios, a região é parte central de seu Estado, palco de uma batalha em 1839 contra o Império Turco-otomano que os nacionalistas veem como um marco. Abriga também símbolos importantes da História sérvia, como monastérios cristãos ortodoxos.

Entre os 1,8 milhão de kosovares, contudo, apenas cerca de 120 mil são etnicamente sérvios — a maciça maioria é de albaneses étnicos. Os problemas se intensificaram após a morte do marechal Josip Broz Tito, o arquiteto da Iugoslávia, em 1980, com movimentos demandando mais autonomia para a maioria albanesa. Os incidentes foram relativamente isolados, mas ajudaram a fomentar as tensões.

A ascensão de Slobodan Milosevic à Presidência da Sérvia em 1989 foi a gota d'água. Nos primeiros meses de governo, ainda tentando consolidar seu poder, rescindiu o status especial que o Kosovo tinha na Iugoslávia, lançando também medidas que deixaram desempregados milhares de cidadãos etnicamente albaneses e restringiram suas atividades culturais.

Qual foi a retaliação?

A resposta combinou a oposição não violenta com a construção de um de facto Estado paralelo a Milosevic, impulsionado por Ibrahim Rugova e a sua Liga Democrática do Kosovo. O movimento ganhou apoio em meio às outras guerras de independência iugoslavas, e a separação tinha amplo apoio popular: em uma pesquisa de 1995, 43% dos kosovares de etnia albanesa queriam se juntar à Albânia, e os outros 57% desejavam a independência.

No ano seguinte surgiu o Exército da Libertação do Kosovo, com ataques perenes contra policiais e políticos sérvios que aumentaram nos anos subsequentes — em 1998, o movimento já era forte, fazendo com que as forças sérvias respondessem draconianamente, como em um massacre em março que deixou 85 mortos. Em maio, o grupo já controlava aproximadamente 40% do país.

Tentativas de cessar-fogo foram malsucedidas, os paramilitares se reagruparam, e Milosevic — que em 1997 havia se tornado presidente da Iugoslávia — respondeu com uma dura contraofensiva e um programa de limpeza étnica. Negociações diplomáticas começaram em fevereiro de 1999 na França, mas fracassaram no mês seguinte.

Como o conflito chegou ao fim?

Após negociações fracassarem, a Otan começou bombardeios contra a Sérvia em março de 1999, uma campanha de 11 semanas sem o aval do Conselho de Segurança. Um acordo de paz foi firmado em março daquele ano, delimitando a saída das tropas e o retorno dos deslocados para a região, que ficaria sob administração da ONU.

Houve violência esporádica pelos próximos anos, período durante o qual a Iugoslávia deixou de existir, até que o Kosovo declarou sua independência em 2008. A soberania é reconhecida por mais de 100 países, incluindo o Brasil e as potências ocidentais. Belgrado, contudo, nunca o fez, assim como cinco integrantes da União Europeia, China e Rússia — o presidente russo, Vladimir Putin, em particular, é crítico voraz da intervenção da aliança ocidental, oposta à sua visão messiânica de restaurar a glória imperial com a construção de uma Grande Rússia.

Com o bloqueio dos integrantes permanentes do Conselho de Segurança, o país não faz parte da ONU, mas tem assento no Banco Mundial, no Fundo Monetário Internacional e no Comitê Olímpico Internacional, por exemplo. A Otan, enquanto isso, permanece presente em solo kosovar com sua missão — algo até hoje não totalmente digerido pelos nacionalistas sérvios, próximos da Rússia.

E o que causou a confusão mais recente?

Cerca de um terço dos 120 mil integrantes da minoria sérvia no Kosovo, em grande parte leais a Belgrado, vivem no norte do país, perto da fronteira com a Sérvia. Em tais regiões, a bandeira da nação vizinha tremula por toda parte, usa-se dinheiro sérvio e qualquer intervenção policial gera tensão.

Apoiados financeiramente pelo governo sérvio, os moradores da área não pagam conta de água, eletricidade ou impostos, o que causa um déficit nos cofres públicos de dezenas de milhões de dólares. Um acordo de 2013 que previa a criação de uma associação de dez "municípios" para a minoria nunca saiu do papel.

No mês passado, o grupo boicotou as eleições em quatro cidades no norte do país a pedido da Lista Sérvia, o partido mais popular do grupo, muito próximo de Belgrado. O pleito fora convocado após a renúncia maciça de policiais, políticos, juízes e fiscais em novembro, em repúdio a ordem de Pristina para proibir que a minoria de origem sérvia usasse placas de automóvel emitidas pela Sérvia — a medida foi suspensa após gerar protestos há seis meses, tensões que em dezembro foram agravadas pela confirmação da candidatura de Kosovo à União Europeia.

Apesar do movimento e da participação pífia de 3,5% dos eleitores, os prefeitos albaneses foram eleitos e tomaram posse com a ajuda da tropa de choque de Kosovo na sexta-feira. Os críticos tentaram preveni-los, mas foram recepcionados com gás lacrimogêneo e força bruta.

Os embates têm sido frequentes deste então, com manifestantes respondendo com pedras e coquetéis molotov, por exemplo.

A Sérvia, em resposta, pôs suas forças armadas em alerta.

O que diz a comunidade internacional?

Os esforços para uma mediação são antigos e perenes — em março, por exemplo, a União Europeia mediou um acordo para que ambos lados normalizem as relações —, mas raramente implementados. Os dois países são comandados por líderes nacionalistas que não dão muita margem para consenso: em Kosovo, o primeiro-ministro é Albin Kurti, ex-líder estudantil, prisioneiro político sérvio e contra concessões a Belgrado.

Já a Sérvia tem à frente o populista Aleksandr Vucic, que foi ministro de Milosevic durante a Guerra do Kosovo, defende algum consenso. Belgrado, ele afirma, não sairá de mãos abanando. O país, contudo, também é candidato para a ascensão à UE, e a normalização dos laços é condição para que ambos se juntem ao bloco europeu, pressão que aumentou após a eclosão da guerra na Ucrânia.

Americanos, europeus e a Otan pedem moderação: o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, fez um pedido pela "redução imediata das tensões", enquanto Jens Stoltenberg, secretário da Otan, disse que os ataques contra os soldados da Otan são "inaceitáveis". Segundo ele, deve haver "medidas concretas para uma desescalada".

Vucic se reuniu nesta terça com embaixadores do Quinteto da Otan — grupo informal que reúne EUA, Alemanha, França, Itália e Reino Unido — e anunciou que em breve conversará com representantes russos e chineses. O chanceler do Kremlin, Sergei Lavrov, disse que o cenário na região é alarmante e pode desencadear uma nova guerra na Europa Central, afirmando haver uma "propaganda enganosa ocidental".

— Uma grande explosão está sendo preparada no centro da Europa, no lugar em que, em 1999, a Otan atacou a Iugoslávia, violando todos os princípios (internacionais) inimagináveis — disse Lavrov, segundo a agência RIA Novosti.

A China disse que acompanha de perto o imbróglio e fez um apelo para que a Otan respeite a soberania e integridade territorial "dos países relevantes e verdadeiramente faça o que for necessário para a paz regional".

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