(PDF) Medicina Legal Genival Veloso de França | Matheus Magalhães - Academia.edu
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Entretanto, tendo em conta a evolução das ciências da saúde, as mudanças regulamentares governamentais e o constante fluxo de novas informações sobre terapêutica medicamentosa e reações adversas a fármacos, recomendamos enfaticamente que os leitores consultem sempre outras fontes fidedignas, de modo a se certificarem de que as informações contidas neste livro estão corretas e de que não houve alterações nas dosagens recomendadas ou na legislação regulamentadora. ■ O autor e a editora se empenharam para citar adequadamente e dar o devido crédito a todos os detentores de direitos autorais de qualquer material utilizado neste livro, dispondo-se a possíveis acertos posteriores caso, inadvertida e involuntariamente, a identificação de algum deles tenha sido omitida. ■ Direitos exclusivos para a língua portuguesa Copyright © 2017 by EDITORA GUANABARA KOOGAN LTDA. 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Nota do Autor Medicina Legal, agora em sua décima primeira edição – revisada, atualizada e ampliada –, traz as informações e práticas periciais mais acuradas aos estudantes e operadores das áreas jurídica e médica, além das adaptações dos diplomas legais recentemente incorporados aos assuntos aqui tratados. O projeto fundamental desta obra é contribuir na elaboração das perícias médico-legais realizadas entre nós, em que os elementos constitutivos do corpo de delito sejam devidamente realçados no interesse da Justiça como doação irrecusável à verdade material que se quer emprestar a cada caso estudado. Hoje, a missão da perícia não é apenas “ver e relatar”, traduzida e repetida pelo velho mantra do visum et repertum. É muito mais. É também discutir, fundamentar e até deduzir, se preciso for, de modo que a busca da verdade seja feita por um modelo de persuasão mais ampliado, principalmente quando algumas evidências são indicadoras ou sugestivas da existência de determinados fatos. Confirma-se também que a prova médico-legal para alcançar a verdade material deva ser não apenas por um relato técnico meramente descritivo sobre uma realidade fática, mas que ela esteja justificada por um processo de fundamentação lógica e racional, voltada para aquilo que se quer apurar. O princípio da livre convicção de que dispõe o julgador não se constitui em um critério alternativo de provas, mas em um princípio metodológico que lhe faculta aceitar ou rejeitar uma prova e fundamentar sua decisão, ou seja, entender que a convicção pessoal do juiz, por si só, não prova nada. Não há como ignorar o valor da prova técnica como o melhor caminho para se obter a verdade; afinal, sempre que houver dúvida, será sinal de que certamente a prova não foi feita. Para tanto, exige-se da prova técnica boa qualidade, e do perito, certa disciplina metodológica, na qual se levem em consideração três requisitos básicos: (a) utilização de técnicas médico-legais cientificamente reconhecidas e aceitas com a segurança capaz de executar um bom trabalho; (b) emprego de meios subsidiários necessários e adequados para cada caso, em que se tenha a contribuição irrecusável da tecnologia pertinente; (c) utilização de um protocolo que inclua a objetividade de roteiros atualizados e tecnicamente garantidos pela prática legispericial corrente. Desse modo, é de se esperar que o magistrado decifre corretamente os valores que emergem da prova sem o vício das interpretações açodadas. O valor racional de uma prova está precisamente no maior ou menor grau de aceitabilidade das informações ali contidas e que podem contribuir na avaliação do conflito como um insuprível meio de comprovação. Em suma, se as afirmações ali contidas podem ser acatadas como verdadeiras. É também proposta desta obra levar ao estudioso de Direito, no campo da reflexão, os fundamentos médico-jurídicos necessários para a complementação e o entendimento dos institutos jurídicos relacionados com as ciências biológicas. É na esfera doutrinária que a Medicina Legal contribui de forma eloquente no ajuste e no entendimento dos institutos do direito positivo; e tudo ocorrerá a partir das solicitações mais concretas que essas formas de direito venham a fazer e da evolução do próprio pensamento médicojurídico. Sem esta contribuição, o Direito emperraria sem poder explicar certos fenômenos ali expostos e discutidos. Não é nenhum exagero afirmar que é inconcebível um bom direito e uma boa justiça sem a contribuição da Medicina Legal, cristalizando-se a ideia de que eles não se limitam ao conhecimento da lei, dos princípios jurídicos, dos costumes e da jurisprudência. Isto quer dizer que a ciência médico-legal não tem apenas o caráter prático, informativo, pericial. Além de contribuir nesse sentido, a Medicina Legal moderna ainda ajusta o pensamento do doutrinador e complementa as razões do legislador nos fatos de interpretação médica e biológica. Simplesmente “relatar em juízo” é muito pouco, basta alguma experiência. A Medicina Legal é bem mais uma ordem do pensar do que do ser. Genival Veloso de França Obras Publicadas pelo Autor • Noções de Jurisprudência Médica, João Pessoa: Editora Universitária, 1972 (1a edição); 197 (2a edição); 1982 (3a edição). • Flagrantes Médico-Legais (I), João Pessoa: Editora Universitária, 1974. • Direito Médico, São Paulo: Fundo Editorial BYK, 1975 (1a edição); 1978 (2a edição); 1982 ( edição); 1987 (4a edição); 1992 (5a edição); 1994 (6a edição); 2001 (7a edição); 2003 (8a edição). Rio de Janeiro: Editora Forense, 2007 (9a edição); 2010 (10a edição); 2013 (11 a edição); 2014 (12a edição); 2016 (13a edição). • Medicina Legal, Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 1977 (1a edição – três impressões); 1985 (2a edição – duas impressões); 1991 (3a edição – 3 impressões); 1995 (4a edição – 4 impressões); 1998 (5a edição – 5 impressões); 2001 (6a edição – 4 impressões); 2004 (7a edição – 3 impressões); 2008 (8a edição – 4 impressões); 2011 (9 a edição – 8 impressões); 2015 (10a edição – 2 impressões). • Flagrantes Médico-Legais (II), Florianópolis: Associação Catarinense de Medicina, 1982. • Comentários ao Código de Ética Médica, Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 1994 ( edição); 1997 (2a edição); 2000 (3a edição – 2 impressões); 2002 (4a edição); 2006 (5a edição); 2010 (6a edição). • Flagrantes Médico-Legais (III), João Pessoa: Editora Universitária, 1994. • Flagrantes Médico-Legais (IV), João Pessoa: Editora Universitária, 1995. • Pareceres, Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 1996 (2 impressões). • Comentários ao Código de Processo Ético-Profissional dos Conselhos de Medicina do Bras Rio de Janeiro: Editora Forense, 2010 (3a edição) (em parceria com Genival Veloso de França Filho e Roberto Lauro Lana). • Pareceres (II), Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 1999. • Erro Médico – Um Enfoque Sobre Suas Causas e Suas Conseqüências, Montes Claros: Edito Unimontes, 1999 (1a edição); 2000 (2a edição); 2001 (3a edição) (em parceria com Júlio César Meirelles Gomes e José Geraldo F. Drumond). • Flagrantes Médico-Legais (V), Recife: Editora da Universidade de Pernambuco, 2001. • Flagrantes Médico-Legais (VI), Recife: Editora da Universidade de Pernambuco, 2002. • Error Médico, Buenos Aires: Editorial B de F Ltda., 2002 (em parceria com Júlio César Meirelles Gomes e José Geraldo de Freitas Drumond). • Erro Médico, Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 2002 (4a edição) (em parceria com Júlio César Meirelles Gomes e José Geraldo de Freitas Drumond). • • • • • • • Pareceres (III), Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 2003. Fundamentos de Medicina Legal, Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 2012 (2a ediçã Pareceres (IV), Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan S.A., 2006. Flagrantes Médico-Legais (VII), Recife: Editora da Universidade de Pernambuco, 2004. Flagrantes Médico-Legais (VIII), Recife: Editora da Universidade de Pernambuco, 2006. Flagrantes Médico-Legais (IX), Recife: Editora da Universidade de Pernambuco, 2008. Flagrantes Médico-Legais (X), Recife: Editora da Universidade de Pernambuco, 2010. Agradecimentos Pela décima primeira vez quero manifestar meus sinceros agradecimentos à Editora Guanabara Koogan pela iniciativa de lançamento de uma nova edição de Medicina Legal, amplamente revisada e ampliada, com cuidadosa adaptação aos textos legais vigentes. Embora mantenha o plano das anteriores, esta edição aborda de modo mais profundo as técnicas periciais forenses aplicadas aos interesses da administração da Justiça e ousa um pouco mais ao considerar certos princípios alicerçadores das Ciências Jurídico-sociais, da Deontologia Médica e da própria Medicina Legal. Desse modo, pode-se afirmar que, em muitas matérias aqui tratadas, há certas inovações ao que é tradicionalmente consagrado e, por isso, não passarão despercebidas. Ao ver mais uma reedição desta obra, acredito que mantenho meu sonho de ajudar a preservar o prestígio e a tradição da Medicina Legal e estimular aqueles que iniciam nos implicados caminhos dessa ardente e apaixonante ciência. Em mais de 40 anos desta obra, não houve mudança em relação aos seus conceitos doutrinários mais fundamentais; porém, pode-se dizer que, com o surgimento de tantos avanços da ciência e da técnica, seriam necessários alguns ajustes e complementações. Esta nova edição manterá o propósito das anteriores; por isso, acredito piamente no seu êxito, haja vista o profissionalismo e a seriedade com que sempre se pauta a Editora Guanabara Koogan no seu mister de divulgar matérias das linhas científicas e didáticas, aliados ao bom gosto de sua apresentação material, o que, sem dúvida, tem sido um fator de valorização deste livro por todos esses anos. Genival Veloso de França Material Suplementar Este livro conta com o seguinte material suplementar: ■ Decrações, Recomendações e Resoluções de Princípios Médicos. O acesso ao material suplementar é gratuito. Basta que o leitor se cadastre em nosso site (www.grupogen.com.br), faça seu login e clique em Ambiente de Aprendizagem, no menu superior do lado direito. É rápido e fácil. Caso haja alguma mudança no sistema ou dificuldade de acesso, entre em contato conosco (sac@grupogen.com.br). Conteúdo Capítulo 1 Introdução ao Estudo da Medicina Legal 1. Medicina Legal: Conceito. Definição. Sinonímia. Relações com as demais ciências médicas e jurídicas. Noções históricas. Classificação. Importância do estudo da Medicina Legal. Metodologia de ensino. Situação atual e prospectiva. Medicina Legal baseada em evidências. Medicina Legal e direitos humanos Capítulo 2 Perícia Médico-legal 2. Perícias: Importância da prova; Valor racional da prova; Noções de corpo de delito Valor do exame realizado por um só perito; Exames para os Juizados Especiais; Junta Médica; Segunda perícia; Prova pericial e consentimento livre e esclarecido; Revista corporal no âmbito dos IMLs; Presença dos advogados em locais de exames; Cadeia de custódia de evidências; Honorários periciais; Perícia – Exposição oral; Assédio pericial. Peritos: Conceito; Deveres de conduta do perito; Responsabilidades civil e penal do perito; Direitos dos peritos; Função do médicolegista; Impugnação do perito. Prova de esforço físico em concurso para médicolegista. Direitos do periciando. Assistentes técnicos. Documentos médico-legais: Notificações, atestados, prontuários, relatórios, pareceres e depoimento oral. Desvinculação dos IMLs da área de segurança. Modelos de laudos periciais 3. Outros meios de prova: Confissão; Testemunho; Acareação; Reprodução simulada na cena dos fatos 4. Decálogo do perito médico-legal. Decálogo ético do perito Capítulo 3 Antropologia Médico-legal 5. Identidade e identificação: Processos utilizados no vivo, no morto e no esqueleto. Identificação médico-legal: Espécie, Raça, Sexo, Idade, Estatura, Sinais individuais, Malformações, Sinais profissionais, Biotipo, Tatuagem, Cicatrizes, Identificação pelos dentes, Palatoscopia, Queiloscopia, Identificação por superposição de imagens, pelo pavilhão auricular, por radiografias, pela superposição craniofacial por vídeo, Cadastro de registro de artroplastias, identificação pelo registro da voz. Impressão digital genética do DNA. Banco de dados com DNA. Bases de dados. Protocolo para Exame Antropológico Forense 6. Identificação judiciária: Processos antigos, Assinalamento sucinto, Fotografia simples, Retrato falado, Sistema antropométrico de Bertillon, Sistema geométrico de Matheios, Sistema dermográfico de Bentham, Sistema craniográfico de Anfosso, Sistema otométrico de Frigério, Sistema oftométrico de Capdeville, Sistema oftalmoscópico de Levinsohn, Sistema radiológico de Levinsohn, Sistema flebográfico de Tamassia, Sistema flebográfico de Ameuille, Sistema palmar de Stockes e Wild, Sistema onfalográfico de Bert e Viamay, Sistema poroscópico de Locard, Fotografia sinalética, Sistema dactiloscópico de Vucetich e Registro inicial de identificação (recém-nascidos) Capítulo 4 Traumatologia Médico-legal 7. Energias de ordem mecânica: Conceito. Lesões produzidas por ações perfurante, cortante, contundente, perfurocortante, perfurocontundente e cortocontundente 8. Energias de ordem física: Conceito. Temperatura, pressão atmosférica, eletricidad radioatividade, luz e som 9. Energias de ordem química: Conceito. Cáusticos. Venenos. Envenenamento. Síndrome do body packer. Necropsia dos envenenados. Noções de Toxicologia Forense: Modelo de laudo toxicológico 10. Energias de ordem físico-química: Conceito. Asfixia em geral: Fisiopatologia e sintomatologia. Classificação. Asfixia em espécie: Asfixia por confinamento, por monóxido de carbono e por outros vícios de ambientes, por sufocação: direta e indireta, asfixia por sufocação posicional, por soterramento, por afogamento, por enforcamento, por estrangulamento e por esganadura 11. Energias de ordem bioquímica: Conceito. Perturbações alimentares. Autointoxicações. Infecções. Castração química 12. Energia de ordem biodinâmica: Choque. Síndrome da falência múltipla de órgãos Coagulação intravascular disseminada. Interessemédico-legal 13. Energias de ordem mista: Conceito. Fadiga. Doenças parasitárias. Sevícias (Síndrome da criança maltratada. Síndrome da alienação parental. Abandono familiar inverso. Síndrome de Munchausen. Síndrome de Estocolmo. Bullying. Síndrome do ancião maltratado. Violência contra a mulher. Tortura). Autolesões 14. Lesões corporais sob o ponto de vista jurídico: A. Dano corporal de natureza pena Conceito. Legislação. Classificação. Lesões corporais dolosas. Lesões corporais culposas. Lesões corporais seguidas de morte. Respostas aos quesitos oficiais. Perícia da dor. Lesões no feto. Perícia. Exame complementar. B. Dano corporal de natureza cível: Conceito. Legislação. Caracterização do dano. Parâmetros da avaliação. Recomendações. C. Dano corporal de natureza trabalhista: Caracterização do dano. Nexo causal. Parâmetros de avaliação. D. Dano corporal de natureza administrativa: Avaliação do estado de higidez. Licença médica em tratamento de saúde. Deficiência. Incapacidade. Invalidez. E. Dano corporal de natureza desportiva: Caracterização do dano. Nexo causal. Parâmetros de avaliação. F. Avaliação médico-legal do dano psíquico: Caracterização do dano. Nexo causal. Estado anterior. Estudo da simulação e da metassimulação. Padrões de avaliação. Modelos de laudos Capítulo 5 Periclitação da Vida e da Saúde 15. Perigo para a vida ou a saúde: Conceito. Contágios venéreo e de moléstias grave AIDS. Exposição de perigo à vida ou à saúde: Considerações ético-legais, sobre os riscos à integridade biológica, sobre os riscos do uso da engenharia genética, sobre os riscos da medicina preditiva, sobre a violência e danos à saúde pública e sobre o problema das células-tronco embrionárias. Omissão de socorro. Escusa de consciência. Perícia Capítulo 6 Infortunística 16. Infortunística: Conceito. Teoria do risco. Acidentes e doenças profissionais e do trabalho. Riscos ocupacionais da equipe de saúde. Síndrome do burn-out. Benefícios. Simulação. Síndrome do túnel do carpo. Perícia. Modelo de parecer Capítulo 7 Casamento, Separação e Divórcio 17. Aspectos médico-legais do casamento, da separação e do divórcio: Conceito. Perícia Capítulo 8 Sexologia Criminal 18. Conceito. Legislação e doutrina. Introdução. Objetivos periciais. Quesitação. Protocolo para perícia de agressão sexual 19. Crimes contra a liberdade sexual: Estupro. Ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Abuso sexual em crianças. Violação sexual mediante fraude. Assédio sexual 20. Prostituição: Causas. Atitudes do Estado. Abordagem e prevenção. Lenocínio Capítulo 9 Transtornos Sexuais ed a Identidade Sexual 21. Transtornos da sexualidade: Anafrodisia, Frigidez, Anorgasmia, Erotismo, Autoerotismo, Erotomania, Frotteurismo, Exibicionismo, Narcisismo, Mixoscopia, Fetichismo, Travestismo fetichista, Lubricidade senil, Pluralismo, Swapping, Gerontofilia, Cromoinversão, Etnoinversão, Riparofilia, Dolismo, Donjuanismo, Travestismo, Andromimetofilia e ginemimetofilia, Urolagnia, Coprofilia, Clismafilia, Coprolalia, Edipismo, Bestialismo, Onanismo, Vampirismo, Necrofilia, Sadismo, Masoquismo, Autoestrangulamento erótico, Pigmalianismo e Pedofilia.Homossexualidade e Transexualidade. Aspectos médico-legais Capítulo 10 Gravidez, Parto e Puerpério 22. Gravidez, parto e puerpério: Aspectos médico-legais. Perícia. Direitos e deveres e Ginecologia e Obstetrícia 23. Reprodução Assistida: Conceito. Aspectos negativos e duvidosos das técnicas de reprodução assistida. Normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida 24. Direitos do feto: Estatuto jurídico do nascituro. Intervenções fetais: responsabilidade profissional, decisão de intervir, avaliação dos riscos, conflitos do binômio mãe-feto, obtenção de um consentimento esclarecido, conduta materna, obrigações da sociedade, exames invasivos, adoção pré-natal de embriões congelados, descarte de embriões. Conclusões Capítulo 11 Aborto Legal e Aborto Criminoso 25. Aborto legal e aborto criminoso: Introdução. Conceito. Legislação. Tipos de abort terapêutico, em casos de anencefalia, sentimental, eugênico, social. Tentativas de legalização do aborto. Clonagem para fins terapêuticos. Meios abortivos. Complicações. Perícias na viva e na morta. Quesitos. Laudo médico-legal do aborto (protocolo) Capítulo 12 Contenção da Natalidade 26. Política antinatalista: A realidade brasileira. Meios antinatalistas abortivos. Aspectos éticos e jurídicos da contracepção. Por trás do “planejamento familiar”. Estrutura demográfica | Um assunto político. Estimativas demográficas do Brasil. Contracepção de urgência. Esterilização humana. Conclusão Capítulo 13 Infanticídio 27. O crime de infanticídio: Conceito e legislação. Objetivos periciais: determinação d estado de natimorto, feto nascente, infante nascido e recém-nascido. Provas de vida extrauterina. Causa jurídica da morte. Estado psíquico da parturiente. Exame de parto pregresso. O infanticídio indígena no Brasil Capítulo 14 Investigação de Paternidade e Maternidade 28. Provas médico-legais na investigação de paternidade e maternidade: Provas médico-legais não genéticas e genéticas. Vínculo genético da filiação pelo DNA. Conclusão Capítulo 15 Toxicofilias 29. Estudo das toxicofilias: Conceito. Tipos de tóxicos. Visão médico-legal. Prescrição de medicamentos sujeitos a controle especial. Perícia. Testes rápidos para detecção de drogas Capítulo 16 Embriaguez Alcoólica 30. Introdução. Embriaguez alcoólica aguda: estudo clínico, fases da embriaguez, tolerância ao álcool, metabolismo do álcool etílico, pesquisa bioquímica do álcool, dosagem de álcool no cadáver, avaliação dos resultados. Perícia da embriaguez | Quesitos. Recusa a submeter-se a exame e formas de embriaguez. Alcoolismo: manifestações somáticas, perturbações neurológicas, perturbações psíquicas. Aspectos jurídicos Capítulo 17 Tanatologia Médico-legal 31. Conceito. Critérios atuais para um diagnóstico de morte. Resolução CFM no 1.480/97 32. Direitos sobre o cadáver: Posse do cadáver. Utilização de órgãos e tecidos. Lei do transplantes. Necropsias clínicas. Utilização de cadáveres no ensino e na pesquisa médica. Doação de órgãos de anencéfalos. Gravidez, morte encefálica e uso de órgãos para transplantes 33. Destinos do cadáver. Atestados de óbito. Quem deve fornecer o atestado de óbit Serviços de verificação de óbito 34. Causas jurídicas da morte: Homicídio, suicídio e acidente. Aspectos psicossociais do suicídio. Exame de local de morte 35. Homicídio piedoso (Eutanásia): Introdução. Fundamentos. O paciente que vai morrer | O direito à verdade. No fim da vida | Um itinerário de cuidados. Aspectos éticos. Conclusões. Sobrevivência privilegiada. Testamento vital 36. Diagnóstico da realidade da morte. Conceito. Fenômenos abióticos avitais ou vita negativos. Fenômenos transformativos 37. Estimativa do tempo de morte: Esfriamento do cadáver. Livores de hipóstase. Rigidez cadavérica. Gases da putrefação. Perda de peso. Mancha verde abdominal. Cristais no sangue putrefeito. Crioscopia do sangue. Crescimento dos pelos da barba. Conteúdo estomacal. Conteúdo vesical. Fundo de olho. Líquido cefalorraquidiano. Estimativa do tempo de morte pela restauração da pressão intraocular. Concentração pós-mortal do potássio no humor vítreo. Fenômenos da sobrevivência. Fauna cadavérica. Flora cadavérica. Calendário da morte 38. Morte súbita, morte agônica e sobrevivência. Lesões in vitam e post mortem. Comoriência e premoriência. Morte por inibição vagal. Morte súbita do lactente. Morte súbita em desportos. Morte de causa suspeita. Lesões produzidas em reanimação cardiopulmonar 39. Necropsia médico-legal: Finalidade e obrigatoriedade nas mortes violentas. Necropsia e controle de qualidade. Erros mais comuns nas necropsias médicolegais. Instrumental mínimo. Técnica. Exame das vestes. Modelo de um auto de exame cadavérico. Morte coletiva e catastrófica. Radiologia do cadáver. “Necropsia branca.” Necropsia molecular. Exames em partes do cadáver. Necropsia em casos de execução sumária. Necropsia em casos de morte sob custódia. Virtopsia 40. Exumação: Finalidade e técnica. Modelo de um auto de exumação e reconhecimento. Necropsia pós-exumação 41. Embalsamamento: Técnicas. Processos. Ata Capítulo 18 Imputabilidade Penal e Capacidade Civil 42. Limites e modificadores biopsicossociais da imputabilidade penal e da capacidade civil: Conceito. Limites e modificadores: Raça. Idade. Sexo. Agonia. Surdimutismo. Hipnotismo. Temperamento. Cegueira. Prodigalidade. Civilização. Estados emotivos. Reincidência. Associação. Síndrome XYY. Hereditariedade. Vitimologia. Epilepsias. Retardo mental. Transtornos mentais e de comportamento: Esquizofrenias. Transtornos bipolares do humor ou transtornos afetivos. Transtornos delirantes. Transtornos de personalidade. Transtornos de personalidade borderline. Transtornos do controle dos impulsos. Transtornos mentais orgânicos. Simulação. Medida de segurança. Modelos de laudo psiquiátrico Capítulo 19 Deontologia Médica 43. Deontologia Médica: Fundamentos. O pensamento Hipocrático. Direito versus Medicina. O consentimento do paciente. A velha e a nova ética médica. O Código de Ética Médica vigente. Fundamentos de um Código de Ética. A ética, a greve e os institutos médico-legais. Os novos direitos dos pacientes 44. Exercício legal e exercício ilegal da Medicina: Introdução. Exercício legal. Conselh de Medicina. Exame de qualificação de médico recém-formado. Médico estrangeiro domiciliado na fronteira. Inscrição de médico estrangeiro asilado. Inscrição de médicos deficientes. Revalidação do diploma médico. Inscrição de médico intercambista. Suspensão do registro por doença incapacitante. Interdição cautelar. Os limites do ato médico. Exercício ilegal. Exercício ilícito. Charlatanismo. Curandeirismo. Anotações de penalidades na carteira profissional do médico infrator 45. Segredo médico: Introdução. Escolas doutrinárias. Quando se diz que houve infração. Quando se diz que não houve quebra do sigilo. Situações especiais. Conclusões 46. Honorários médicos: Introdução. Mercantilismo. Critérios de avaliação. Aspectos legais. Cobrança judicial. Honorários periciais. Prescrição. De quem cobrar. De quem não cobrar. Situações especiais 47. Responsabilidade médica: Aspectos atuais. Antecedentes. Conceito geral. Aspecto jurídicos. Responsabilidade profissional. Mau resultado. Deveres de conduta do médico. Responsabilidade criminal do médico. Erro médico: Imprudência, negligência e imperícia. Responsabilidade civil do médico. Consentimento versus responsabilidade. Natureza do contrato médico. Socialização dos riscos e danos médicos. Responsabilidade civil das instituições de saúde. Deveres de conduta das entidades prestadoras de serviços médicos. Responsabilidade solidária. Responsabilidade funcional do estudante. Responsabilidade trabalhista e residência médica. Responsabilidade médica derivada. Responsabilidade médica no erro por falta da coisa. Ato médico | Obrigação de meio ou de resultado? Responsabilidade do paciente ou de terceiros. Prevenção de risco de erro médico. Mediação, conciliação e arbitragem médica e de saúde. A perícia do erro médico. Prescrição penal e prescrição civil. Erro médico: O que fazer? Alta hospitalar. Presença de acompanhantes na sala cirúrgica Capítulo 20 Diceologia Médica 48. Direitos civis do médico: Direitos ao exercício da profissão, aos honorários, ao tratamento arbitrário, à quebra do sigilo, à guarda do prontuário, à publicidade, a informações, direito de atendimento a parentes e às comendas 49. Direitos administrativos do médico: Conceito de servidor público. Vencimentos e remuneração. Estabilidade. Licenças. Concessões. Aposentadoria. Acumulação de cargos. Férias. Insalubridade. Auxílio-natalidade. Salário-família. Pensão. Auxíliofuneral. Auxílio-reclusão 50. Direitos trabalhistas do médico: O médico como empregador. O médico como empregado 51. Direitos previdenciários do médico: Introdução. Benefícios 52. Direitos no Código de Ética Médica Apêndice 1. 2. Conselhos de Medicina Código de Ética Médica. Aprovado pela Resolução CFM no 1.931/2009 (Publicada n D.O.U. de 24 de setembro de 2009, Seção I, p. 90) (Retificação publicada n o D.O.U. de 13 de outubro de 2009, Seção I,p. 17) 3. Código de Ética e Disciplina da OAB. (Aprovado pela Resolução no 2, de 19 de outubro de 2015 do Conselho Federal da OAB, em conformidade com a Lei n o 8.906/94) 4. Código de Ética do Perito Criminal 1 Introdução ao Estudo da Medicina Legal 1. Medicina Legal: Conceito. Definição. Sinonímia. Relações com as demais ciências médicas e jurídicas. Noções históricas. Classificação. Importância do estudo da Medicina Legal. Metodologia de ensino. Situação atual e prospectiva. Medicina Legal baseada em evidências. Medicina Legal e direitos humanos. CONCEITO A Medicina Legal é uma ciência de largas proporções e de extraordinária importância no conjunto dos interesses da coletividade, porque ela existe e se exercita cada vez mais em razão das necessidades da ordem pública e do equilíbrio social. Não chega a ser propriamente uma especialidade médica, pois aplica o conhecimento dos diversos ramos da Medicina às solicitações do Direito. Mas, pode-se dizer, que é Ciência, Técnica e Arte ao mesmo tempo. É Ciência porque sistematiza seus métodos para um objetivo determinado, exclusivamente seu, sem com isso formar uma consciência restrita nem uma tendência especializada, daí exigir uma cultura maior e conhecimentos mais abrangentes do que em qualquer outro campo da Medicina. É inquestionavelmente Ciência pois ela interpreta e justifica seu pensamento seguindo as exigências dos princípios da Filosofia da Ciência estabelecidos desde Aristóteles. Ela é Ciência mesmo sem as exigências do necessário. A Medicina Legal não é apenas um saber técnico: ela se insere em um corpo de doutrina e conhecimentos que transcende o campo puramente médico. Não há como deixar de incluir o agir médico-legal no rol das Ciências, mesmo sem um grau de certeza absoluta. Seus laudos estão de acordo com os cânones rigorosos da Filosofia das Ciências. Basta ler os enunciados de Aristóteles ao expor os fundamentos do pensamento científico. Seus fundamentos, seus temas e, sobretudo, sua doutrina é Ciência de acordo com aqueles critérios. E, finalmente, é Ciência porque seu conhecimento é especialmente testado e obtido por meio do método científico. O ato médico-legal é Técnica porque utiliza métodos sofisticados em busca da verdade, tendo-se sempre o cuidado de usá-la no seu tempo certo: sem sua tirania e sem seu monopólio na construção do pensamento. Sem seu caráter de dominação e de hegemonia que subestima a inteligência. Ninguém discute que a tecnologia constitui, na atualidade, a principal força produtiva da sociedade. Nem pode-se deixar de reconhecer que a não tecnologia é uma atitude de lesa-humanidade. A tecnologia exige um conhecimento do por quê e do como seus objetivos são alcançados, não sendo apenas um conjunto de habilidades e competências que se admitem como eficazes na busca de melhorar uma prática de viver. Não é ético limitar o conhecimento humano. Mas, cabe à inteligência, disciplinar seu uso e direcionar seus resultados. E é Arte também porque, mesmo aplicando técnicas e métodos muito exatos e sofisticados em busca de uma verdade reclamada, exige qualidades instintivas para demonstrar de forma significativa, por exemplo, a sequência lógica do resultado dramático da lesão violenta. Tudo isso sujeitado à ciência – uma arte forçosamente científica. Aqui não se pode dizer que seja uma arte voltada para a produção de efeitos estéticos, nem para a manifestação fantástica e ilusória a que o virtuosismo espiritual aspira e promove, mas uma arte estritamente objetiva e racional, capaz de colocar o analista dos fatos diante de uma concepção precisa e coerente. A Arte neste sentido é inserir na descrição do laudo o devido entendimento que se deve ter de sua leitura a partir da exata compreensão do fato analisado. Como dizia Alves de Menezes: “tem-se de construir sua frase como se não estivesse escrevendo, mas fotografando.” E mais: “a arte que serve a uma perícia é, portanto, aquela em que a dialética está a serviço exclusivo de uma realidade, sem quaisquer artifícios emergidos das divagações estéticas.” O ato médico-pericial, desse modo, é um exercício de arte científica. O fazer da Medicina Legal é técnico e científico a exigir recursos e práticas, mas a montagem da diagnose é puramente arte. Como ciência experimental ela é um saber dedutivo, e não indutivo: tem uma conclusão empírica, nunca completa, e, às vezes, suas conclusões são prováveis. Mesmo assim, aqui o provável nunca é uma abstração, mas aquilo que se situa entre o possível e o real: a chamada “probabilidade objetiva”. A Medicina Legal é bem mais uma ordem do pensar do que do ser. Hoje, mais do que nunca, a Medicina Legal se apresenta como uma contribuição da mais alta valia e de proveito irrecusável. É uma disciplina de amplas possibilidades e de profunda dimensão pelo fato de não se resumir apenas ao estudo da ciência hipocrática, mas de se constituir da soma de todas as especialidades médicas acrescidas de fragmentos de outras ciências acessórias, destacandose entre elas a ciência do Direito. Além do conhecimento da Medicina e do Direito, exige-se o concurso de outras ciências afins e da tecnologia para se firmar com mais precisão o resultado desejado, esclarecer coerentemente o raciocínio e exercer com facilidade a dialética. Hélio Gomes asseverava que “não basta um médico ser simplesmente um médico para que se julgue apto a realizar perícias, como não basta a um médico ser simplesmente médico para que faça intervenções cirúrgicas. São necessários estudos mais acurados, treino adequado, aquisição paulatina da técnica e da disciplina. Nenhum médico, embora eminente, está apto a ser perito pelo simples fato de ser médico. É-lhe indispensável educação médico-legal, conhecimento da legislação que rege a matéria, noção clara da maneira como deverá responder aos quesitos, prática na redação dos laudos periciais. Sem esses conhecimentos puramente médico-legais, toda a sua sabedoria será improfícua e perigosa”. Tourdes chegou a afirmar que “os médicos resolvem as questões, e os juízes decidem as soluções” e que “sua importância resulta da própria gravidade dos interesses que lhes são confiados, não sendo exagerado dizer que a honra, a liberdade e até a vida dos cidadãos podem depender de suas decisões”. Hélio Gomes ainda sentenciava que “o laudo pericial, muitas vezes, é o prefácio de uma sentença”. A missão do perito, portanto, é a de um verdadeiro juiz de fato. A Medicina Legal não se preocupa apenas com o indivíduo enquanto vivo. Alcança-o ainda quando ovo e pode vasculhá-lo muitos anos depois na escuridão da sepultura. É muito mais uma ciência social do que propriamente um capítulo da Medicina, devido à sua preocupação no estudo das mais diversas formas da convivência humana e do bem comum. Seus cultores quase não servem mais à Medicina. São servidores da Justiça e do Direito. Por isso, formam, hoje em dia, uma verdadeira “magistratura médico-social”, em que prestam relevantes serviços à comunidade. Uma criança trocada em uma maternidade, um pai que nega a paternidade, um casamento malsucedido por doença grave e incurável, um acidente de trabalho ou uma doença profissional têm nesta ciência uma ajuda indispensável. Do mesmo modo, uma marca de dentada, um fio de cabelo, um dente cariado ou restaurado, uma impressão digital, uma mancha de sangue ou pequenos fragmentos de pele sob as unhas de um suspeito, que à primeira vista não mostram nenhuma importância, são subsídios por si sós capazes de ajudar a desvendar o mais misterioso e indecifrável crime. Pelo visto, a Medicina Legal é uma disciplina eminentemente jurídica, mesmo que ela tenha muitos dos seus subsídios trazidos da Medicina e das outras ciências biológicas e da tecnologia. Ela é uma disciplina jurídica porque foi criada e subsiste em face da existência e das necessidades do Direito. E muito se realçará à medida que mais valorizem e mais exijam as ciências jurídico-sociais. Por outro lado, não há caminho mais espinhoso do que o trilhado pelos obstinados dessa ciência. Não há vocação maior do que a inclinação às perícias médico-forenses, em que a rocha, muitas vezes, é cavada com as próprias mãos. Não há tarefa mais discreta, pois seus resultados se perdem no anonimato e no silêncio, pois que deles tomam conhecimento apenas as autoridades policialjudiciárias. É uma ciência curiosa, vivaz, apaixonante e, por vezes, espetacular, que cativa e seduz aqueles que por ela começam a se interessar. DEFINIÇÃO As inúmeras relações com outras ciências e o seu extenso raio de atividade tornam a Medicina Legal difícil de ser definida com precisão. Em geral, cada definidor conceitua esta ciência, levando em consideração sua forma de atuação, como entende sua prática, sua contribuição e sua importância diante dos justos e elevados reclamos da sociedade. Ambroise Paré a definiu como “a arte de fazer relatórios em juízo”, e Foderé como “a arte de aplicar os conhecimentos e os preceitos dos diversos ramos principais e acessórios da Medicina à composição das leis e às diversas questões de direito, para iluminá-los e interpretá-los convenientemente”. Há outros conceitos dados à Medicina Legal, como: “É a Medicina considerada em suas relações com a existência das leis e a administração da Justiça” (Adelon). “A aplicação dos conhecimentos médicos nos casos de procedimento civil e criminal que possam ilustrar” (Marc). “É a ciência do médico aplicada aos fins da ciência do Direito” (Buchner). “O conjunto de conhecimentos físicos e médicos próprios a esclarecer os magistrados na solução de muitas questões concernentes à administração da Justiça e dirigir os magistrados na elaboração de um certo número de leis” (Orfila). “A arte de periciar os efeitos das ciências médicas para auxiliar a legislação e a administração da Justiça” (Casper). “A aplicação do conhecimento médico-cirúrgico à legislação” (Peyró e Rodrigo). “A expressão das relações que as ciências médicas e naturais podem ter com a Justiça e a Legislação” (Dambre). “A ciência que ensina os modos e os princípios como os conhecimentos naturais, adquiridos pela experiência, aplicam-se praticamente e conforme as leis existentes para auxiliar a Justiça e descobrir a verdade” (Schermeyer). “Constitui-se em ciência e arte que tem por objetivo a investigação de fatos médicos e biológicos empregando recursos atualizados disponíveis em todas as áreas do conhecimento técnico e científico” (Francisco Moraes Silva). “O conjunto de princípios científicos necessários para esclarecer os problemas biológicos humanos em relação com o Direito” (Samuel Gajardo). “A arte de pôr os conceitos médicos ao serviço da administração da Justiça” (Lacassagne). “A aplicação das ciências médicas ao estudo e solução de todas as questões especiais, que podem suscitar a instituição das leis e a ação da Justiça” (Legrand du Saule). “O conjunto sistemático de todos os conhecimentos físicos e médicos que podem dirigir as diversas ordens de magistrados na aplicação e composição das leis” (Prunelle). “A arte de aplicar os documentos que nos proporcionam as ciências físicas e médicas à confecção de certas leis, ao conhecimento e à interpretação de certos feitos em matéria judicial” (Divergie). “A ciência que emprega o princípio das ciências naturais e da medicina para elucidar e resolver algumas das questões compreendidas na jurisprudência civil, criminal, administrativa e canônica” (Ferrer y Garcés). “O ramo da medicina que reúne todos os conhecimentos médicos que podem ajudar a administração da Justiça” (Vargas Alvarado). “O conjunto de conhecimentos médicos e biológicos necessários para a resolução dos problemas que apresenta o Direito, tanto em sua aplicação prática das leis como em seu aperfeiçoamento e evolução” (Calabuig). “A resposta ou solução da medicina aos problemas do Direito ou da Lei” (Teke). “Um conjunto de vários conhecimentos científicos, principalmente médicos e físicos, cujo objeto é dar devido valor e significação genuína a certos feitos judiciais e contribuir na formação de certas leis” (Mata). “A medicina considerada em suas relações com o Direito Civil, Criminal e Administrativo” (Briand e Chaudé). “O estudo do homem são ou doente, vivo ou morto, somente naquilo que possa formar assunto de questão forense” (de Crecchio). “Um método de dar testemunho, na Justiça, nos casos de feridos aos médicos” (Baptiste Condronchi). “A ciência que ensina a aplicação de todos os ramos da Medicina aos fins da Lei, tendo por limites, de um lado, os quesitos legais e, de outro, a ordem interna da Medicina” (Taylor). “A aplicação dos conhecimentos médicos aos problemas judiciais” (Nerio Rojas). “Uma disciplina que utiliza a totalidade das ciências médicas para dar respostas a questões judiciais” (Bonnet). “A aplicação dos conhecimentos médicos às questões que concernem aos direitos e deveres dos homens reunidos em sociedade” (Tourdes). “O ramo das ciências médicas que se ocupa em elucidar as questões da administração da justiça civil e criminal que podem resolver-se somente à luz dos conhecimentos médicos” (Hoffmann). “A parte da jurisprudência médica que tem por objeto o estabelecimento das regras que dirigem a conduta do médico, como perito, e na forma que lhe cumpre dar às suas declarações verbais ou escritas” (Souza Lima). “O conjunto de conhecimentos médicos e paramédicos destinados a servir ao Direito, cooperando na elaboração, auxiliando na interpretação e colaborando na execução dos dispositivos legais, no seu campo de ação de medicina aplicada” (Hélio Gomes). “A aplicação de conhecimentos científicos dos misteres da Justiça” (Afrânio Peixoto). “A aplicação dos conhecimentos médicos ao serviço da Justiça e à elaboração das leis correlativas” (Tanner de Abreu). “Um ramo das ciências jurídicas que estuda os princípios biológicos e físico-químicos enquanto o servem à edição e à aplicação das Leis” (Mac Iver). “A disciplina que efetua o estudo teórico e prático dos conhecimentos médicos e biológicos necessários para a resolução dos problemas jurídicos, administrativos, canônicos ou militares, com utilitária aplicação propedêutica a estas questões” (Basile e Waisman). “A aplicação dos conhecimentos médico-biológicos na elaboração e execução das leis que deles carecem” (Flamínio Fávero). Em suma, a Medicina Legal é a contribuição da medicina, e da tecnologia e outras ciências afins, às questões do Direito na elaboração das leis, na administração judiciária e na consolidação da doutrina. SINONÍMIA A Medicina Legal tem recebido denominações várias, cada qual revelando as diversas tendências com que ela tem sido encarada em sua finalidade e em sua conceituação. Assim, temos: Medicina Legalis Forensis (A. Paré); Relationes Medicorum (F. Fidelis); Questiones Medico Legalis (P. Zacchias); Medicina Crítica (Amman); Schola Juris Consultorum Medica (Reinesius); Corpus Juris Medica Legale (Valentini); Jurisprudência Médica (Alberti); Antropologia Forensis (Hebenstreit); Bioscopia Forensis (Meyer); Medicina Legal Judicial (Prunelle); Medicina Política (Marc); Medicina Forense (Sydney Smith); Medicina Judiciária (Lacassagne). Mesmo considerando-se, na maioria das vezes, Medicina Legal como sinônimo de Medicina Forense e de Medicina Judicial, é evidente que estas duas últimas expressões são mais ajustadas às atividades das instituições de perícias junto à administração dos tribunais, enquanto Medicina Legal tem, pela maior extensão e abrangência, uma contribuição que vai mais além, inclusive com sua contribuição legislativa, doutrinária e filosófica, advinda principalmente do ambiente universitário. Certamente por isso Medicina Legal é a denominação mais aceita. O uso a consagrou não como a mais correta, mas como a menos imperfeita. Para nós, melhor seria chamá-la de Medicina Política e Social, devido à suas múltiplas intimidades nos relacionamentos social e político do homem e por não ser apenas a “medicina da lei”. RELAÇÕES COM AS DEMAIS CIÊNCIAS MÉDICAS E JURÍDICAS A Medicina Legal relaciona-se, especificamente, no campo da Medicina, com a Patologia, Psiquiatria, Traumatologia, Neurologia, Radiologia, Anatomia e Fisiologia Patológicas, com a Microbiologia e Parasitologia, Obstetrícia e Ginecologia e, finalmente, com todas as especialidades médicas. Com as Ciências Jurídicas e Sociais, a Medicina Legal empresta sua colaboração ao estudo do Direito Penal nos problemas relacionados com lesões corporais, aborto legal e aborto criminoso; infanticídio, homicídio e crimes contra a liberdade sexual. Com o Direito Civil, nas questões de paternidade, nulibilidade de casamento, testamento, início da personalidade e direito do nascituro. Com o Direito Administrativo, quando avalia as condições dos funcionários públicos, no ingresso, nos afastamentos e aposentadorias. Com o Direito Processual Civil e Penal, quando estuda a psicologia da testemunha, da confissão, do delinquente e da vítima. Com a Lei das Contravenções Penais, ao tratar dos anúncios dos meios abortivos, da omissão de comunicação de crime no exercício da Medicina, da inumação e exumação com infrações das disposições legais, e da embriaguez. Contribui com o Direito Trabalhista no estudo das doenças do trabalho, das doenças profissionais, do acidente do trabalho, com a prevenção de acidentes, com a insalubridade e a higiene do trabalho. Com o Direito Penitenciário, ao tratar dos aspectos problemáticos da sexualidade nas prisões e da psicologia do encarcerado com vistas ao livramento condicional. Com o Direito Ambiental, quando se envolve nas questões ligadas às condições de vida satisfatórias em um ambiente saudável, seja nos locais de trabalho, seja fora deles. E também com o Direito Administrativo, quando se presta aos interesses da administração pública no sentido de apreciar as admissões, licenças, aposentadorias e invalidezes dos servidores públicos. Com o Direito dos Desportos, analisando detidamente as mais diversas formas de lesões culposas ou dolosas verificadas nas disputas desportivas e no aspecto do “doping”, principalmente nos chamados desportos de competição. Com o Direito Internacional Público, ao considerar as razões médico-legais implicadas nos tratados dos quais nosso país é signatário no concerto das nações. Com o Direito Internacional Privado, ao decidir as questões civis relacionadas com o estrangeiro no Brasil. Com o Direito Comercial, não apenas nas perícias dos bens de consumo, mas ao atribuir as condições de maturidade para a plena capacidade civil dos economicamente independentes. E com o Direito Canônico, no que se refere, entre outras coisas, à anulação de casamento em que a perícia de conjunção carnal pode resultar fundamental na apreciação do processo pelo Tribunal da Santa Rota. Assim, a Medicina Legal tem um extenso raio de atividades nos diversos ramos do Direito. Ainda se relaciona com a História Natural no estudo da Antropologia e da Genética, nos problemas da identidade e da identificação, e no estudo da Entomologia, no processo de determinação do tempo de morte pela fauna cadavérica. Relaciona-se a Medicina Legal com a Química, a Física, a Toxicologia, a Balística, a Dactiloscopia e a Documentoscopia. Com a Sociologia, a Economia e a Demografia, no estudo do desenvolvimento e nos aspectos da natalidade. Com a Filosofia, a Estatística, a Informática e a Ecologia. NOÇÕES HISTÓRICAS No exterior Embora os fatos comprovem a participação médica em seus processos judiciais, os antigos não conheceram a Medicina Legal no sentido mais específico e mais moderno como ciência. Numa Pompílio, em Roma, segundo se crê, ordenou o exame médico na morte das grávidas. Adriano e Justiniano utilizaram-se dos conhecimentos médicos de então para esclarecer alguns fatos de interesse da Justiça. Segundo os relatos de Suetônio, o médico Antístio examinou o cadáver de Júlio César e determinou que, dos muitos ferimentos recebidos, apenas um foi mortal. Somente com a legislação canônica, em 1209, por um decreto de Inocêncio III, iniciou-se a perícia médica quando os profissionais da medicina eram convidados a visitar os feridos que estivessem à disposição dos tribunais. Gregório IX, em 1234, emDecretales, sob o título Peritorum indicio medicorum, exigia como requisito indispensável a opinião médica para distinguir, entre várias lesões, aquela cujo resultado era especificamente mortal, e, sob o título De probatione, colocava a nulidade de casamento ao exame da mulher cujo resultado coincidia com a não consumação da conjunção carnal. Lazaretti afirma que o início da Medicina Legal prática foi na Itália, em 1525, com o Edito della Gran Carta della Vicaria di Napoli. Foi no século XVI que a Medicina Legal teve sua marcada contribuição depois da publicação, em 1532, da Constitutio Criminalis Carolina, em que era exigida a presença dos peritos nos diversos tipos de delito, embora as necropsias forenses tivessem sido realizadas muito antes. Em 1521, quando o Papa Leão X morreu com suspeita de envenenamento, seu corpo foi necropsiado. Em 1575, Ambroise Paré lançava o primeiro tratado sobre Medicina Legal, intitulado Des Rapports et des Moyens d‘Embaumer les Corps Morts, no qual tratava não apenas da técnica de embalsamamento do cadáver, mas ainda da gravidade das feridas, de algumas formas de asfixia, do diagnóstico da virgindade e de outras questões do mesmo interesse. Por isso, atribui-se a Ambroise Paré a paternidade da Medicina Legal. Foi, no entanto, Fortunatus Fidelis, de Palermo, em 1602, quem lançou o primeiro tratado sobre o assunto, de forma mais completa e detalhada, sob o título De Relatoribus Libri Quator in Quibis ea Omnia quae in Forensibus ae Publicis Causis Medici Preferre Solent Plenissime Traduntur. Surgiu, nessa mesma época, outra obra, intitulada Questiones Medico Legales Opus Jurisperitis Maxime Necessarium Medicis Perutile, de Paolo Zacchias, que, para alguns, é o verdadeiro pai da Medicina Legal. O século XVIII foi marcado por grande progresso, e, precisamente em 1722, na Alemanha, surge Herman Teichmeyer com seu notável trabalho Institutiones Medicinae Legalis vel Forensis. Mais tarde, Carlos Liman, Albert Ponsold, Fritz Strassmann, Richard von Kraft Ebing e Johan Ludwig Casper. Agora, Wolfgang Reimann, Manfred Oehmichen e Otto Prokop. Foi na Alemanha que surgiu a primeira Revista especializada em Medicina Legal em 1821, com o título Zeitschrift für Staartzheikunde. Na França, Mathieu Joseph Bonaventure Orfila cria, em 1821, a Toxicologia Forense. Guillaume Alphonse Divergie empresta uma dimensão nova à prática da Medicina Legal. Philippe Pinel, Jean Etienne Dominique e Esquirol estruturam a Psiquiatria Forense. Ambroise Auguste Tardieu reformula velhos conceitos e começa a organizar uma Medicina Legal mais objetiva. Paul Camille Hippolyte Brouardell imprime características científicas às ciências médico-legais. Seguem a luta pela redenção da especialidade: Alexander Lacassagne, Jean Bonoit Foderé, Etienne Rollet, Leon Henri Thoinot, Legrand du Saulle, Joseph Victor Ernest Chaudé, Victor Balthazard, Etienne Martin, Edmond Locard e mais recentemente Leopoldo Camille Simonin, Louis Roche e Etienne Fournier. Orfila e Tardieu criaram a segunda Revista de Medicina Legal em 1829, sob o título de Anuals d’Hygiene Publique et de Medicine Légale. Joseph Bernt, em 1818, em Viena, cria o primeiro Instituto Médico-Legal e, juntamente com Eduard von Hoffmann, Albin Haberda e Arnold Paltauf, desenvolve magistralmente esta ciência. Na Inglaterra, mesmo com os esforços de John Gordon Smith, Sidney Alfred Smith, Bernard Spilsbury e Harvey Littlejohn, a Medicina Legal cai no descrédito. Criam-se oscoroners – peritos leigos eleitos pela comunidade. Mais recentemente John Cyril Polson, Keith Simpson, David Osselton e Bernard Knigth. Na Itália, surgem, em uma fase áurea, Angiolo Fillipi, Cesare Lombroso, Vincenso Mario Palmieri, Mario Carrara e Enrique Ferri. Mais recentemente, Cesare Gerin e Luigi Macchiarelli. Na Espanha surgem nomes como Pedro Mata (criador da primeira cátedra de Medicina Legal e do Corpo de Médicos Forenses), Lecha Marzo e Antonio Piga Pascual. Hoje, este país está entre os que desenvolvem uma boa Medicina Legal, graças a mestres como Enrique Villanueva Cañadas, José Antonio Sanchez y Sanchez, Emilia Lopes Lachica, Luis Concheiro Carro, Cesar Parabia Fernandez Jacinto Corbella Corbella, Leopoldo Lopez Gomez, Angel Carracedo Álvarez, Maria Castellano Arroyo, Ricardo de Angel Yáguez, Joan Carol Joval, Maria Gisbert Grifo, Fernando Alejo Verdú Pascoal, Aurora Valenzuela Garach, José Luiz Palanco, Antonio Pla Martinez, Aurélio Luna Maldonado, Emílio Huguet Ramia, Maria Dolores Garcia Garcia, Eduardo Murcia Sáiz, Miguel Lorente Acosta, Claudio Hernandez Cueto e, o mais notável deles, recém-falecido, Juan Antonio Gisbert Calabuig. Na Grécia chegam notícias apenas de Allex Pallis e Constantin Eliakis, e do primeiro professor de Medicina Legal da Faculdade de Medicina da Ilha de Corfu, Constantin, Vivitzianos, em 1808. A Rússia, a partir de 1858, começa a desenvolver a Medicina Legal com Sergei Gromov, S. G. Gueorguieff e N. S. Bokarius, além dos brilhantíssimos Dragendorf e Pirogoff. Em Portugal, no passado, destacaram-se José Joaquim da Silva Amado, Juan Alberto Pereira de Azevedo Neves, Almeida Ribeiro, Asdrubal Antonio de Aguiar, Luiz Augusto Duarte Santos, Fernando de Almeida Ribeiro e Fernando Manuel Oliveira de Sá. Atualmente, destacam-se Duarte Nuno Pessoa Vieira, José Eduardo Lima Pinto da Costa, Lesseps José Antonio Lourenço Reys, Francisco Manuel Andrade Corte-Real Gonçalves, Ascenção Rebelo, Rita Duarte, Tereza Maria Salgado Magalhães e Jorge Costa Santos. Na Argentina, o ensino da Medicina Legal teve início em 1852 com a organização provisória da Faculdade de Medicina de Buenos Aires, sendo Nicanor Albarellos seu primeiro professor. De lá para cá, surgiram os mestres Eduardo Wilde, Francisco Xavier de la Concepción Muñiz, Eduardo Perez, Horacio San Martin, Eduardo Puyol, Francisco de Veyga, José Ingenieros, Domingos Sáenz Cavia, Nerio Rojas, Juan Ramón Beltran, Luiz Felipe Cia, José Balbey, Emilio Frederico Pablo Bonnet, Alejandro Antonio Basile, Victor Poggi, Mariano Castex, Alfredo Achával, Luis Alberto Kvitko, Julio Alberto Ravioli, José Ángel Patitó, Oscar Augustin, Ignácio Lossetti, Fernando Claudio Trezza, Celminia Gusmán, Carlos Fernandez Dri e Oscar Gervasio Sanchez. No interior do país, destacam-se Juan Bialet Massé, Gregorio Bermann, Ariosto Licurzi, Mário Germán Vignolo, Carlos Alberto Bergese, Emilio Mercado e Victor Alberto Cinelli, em Córdoba; Miguel Garcia Oliveira, Juan José Miorano e Miguel Angelo Maldonado, em La Plata; Raymundo Bosch, León Levit, Victor Augustin José Frigieri, Osvaldo Luiz Avaro, Oscar Sanchez e Leon Julio Lencioni, em Rosário; Pedro Jesus Diaz Colodrero, Rouben Rovner e Alberto José Viturro, em Corrientes; Alberto Semorille, José M. Solá y Paz e Carlos Poquet, em Mendoza; Alberto Daniel e Isaac Freidenberg, em Tucumán. Na Bolívia, destacam-se Rolando Costa Ardúz e Saul Pantoja Vacaflor (La Paz), Manoel Michel Huertas e Jorge Nunes de Arco (Sucre) e Raul Paz Roldan (Cochabamba). No Chile, a primeira Faculdade de Medicina foi criada em Santiago, sendo seu professor inicial de Medicina Legal Guillermo Blest. Foram sucedendo-o Juan Miquel, Vicente Padim, Pablo Zorilla, Frederico Puga Borne, Gregorio Amunategui, Carlos Ibar de la Serra, Alberto Benitez, Jaime Vidal Oltra, Alfredo Vargas Baeza, Alberto Teke Achilicht e, atualmente, Luis Ciocca Gómez. E da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade do Chile os mestres Samuel Gajardo e Luis Cousiño Mc Iver. A Colômbia teve sua primeira Faculdade de Medicina em 1833 na cidade de Bogotá, sendo seu titular de Medicina Legal Felix Merizalde, vindo depois dele Luis Cuervi Márquez, Gabriel Camargo Angulo, Juan David Herrera, Hernando Hueda Herrera e, até pouco tempo atrás, Guillermo Uribe Cualla, o qual foi também diretor da Escola Superior de Ciências Médico-Forenses, fundada em 1945. Hoje, um nome de expressão é o de Cesar Augusto Giraldo. No Equador, Julio Andara e Luis Vásconez Suárez. No Peru, Mariano Arosamena Quesada, que foi o primeiro docente de Medicina Legal da Faculdade de Medicina de Lima, em 1855, sucedendo-o Manoel C. Barrios, Leonidas Avendaño Ureta, Guillermo Fernandez D’Avila, José Dário Torres, Jorge Avedaño Hubner e Carmem Palao Rosa. No Paraguai, a disciplina de Medicina Legal e Deontologia da Faculdade de Medicina de Assunção teve início em 1903 com Manuel Fernandez Sanchez, seguindo-o Flaviano Rubio, Rogelio Alvarez, Moleón Andreo e Gregorio Ortiz Mayans. O Uruguai, por sua vez, desenvolveu a Medicina Legal com José Maria Estapé, Carlos Santin Rossi, Antonio Sicco e Antonio Camaño Rosa. Atualmente pontificam a cátedra Guido Berro Rovira, Hugo Rodríguez Almada, Maria de Carmen Curbelo e Guillermo López. A Venezuela desde 1841 ensina a Medicina Legal por uma sequência de professores, entre os quais destacam-se Antonio José Rodriguez, José Maria Vargas, Gregorio Blanco, Francisco Antonio Risquez, Humberto Giugni e, agora mais recentemente, Ruben Hernandez Serrano, Luiz Alberto Cardoso, José Felix Martin Corona e Alfredo Gonzales Carrero. Na América Central, destacam-se Alfonso Acosta Guzmán, Francisco Rucuvado Leon e Eduardo Vargas Alvarado, na Costa Rica; em Cuba, José Lletor de Castroverde (primeiro professor de Medicina Legal da Faculdade de Medicina de La Habana), Ramón Zambrana Valdés, Oscar Amoedo, Fernando Ortiz, Gonzalo Iturrioz (o criador da prova de parafina), Antonio Barreras Fernández, Raimundo de Castro, José Fernández Benitez, Israel Castellanos, Criner García, Diaz Padrón, Francisco Lancis y Sanchez e, mais recentemente, Mayda Abeledo Concepción, Dayse Ferrer Marrero, Héctor Soto Izquierdo, Francisco Ponce Zerquera, Jorge Gonzalez Perez e Alicia Marlenne Basanta Montesinos. Em Honduras, Dennis Castro Bombadilla. No Panamá, Luigui Barrera, Humberto Más Galzadilla e Rodolfo Ermocilla e na Nicarágua Simeón Rizo Castellón e Hugo Argüello. Em El Salvador, seu maior especialista é Roberto Masferrer. Na América do Norte, destaque no Canadá para Wilfred Derome, Rosario Fontaine e Jean Marie Roussel, todos eles ligados ao Instituto Médico-Legal e de Polícia Científica de Montreal. Nos EUA, em que pese sua posição de grande potência internacional, a contribuição médico-legal é praticamente irrisória, limitando-se apenas aos exames mais sofisticados de laboratórios, inclusive suas Faculdades de Medicina e de Direito não contam com essa disciplina. Citam-se alguns nomes de mais expressão como Milton Helpern, Duane Spencer, Mary Jumbelic, Ivan Balazs e Werner Spitz. Lá, ainda se usa o modelo “coroner”, que é um cargo político e pode ser exercido por um profissional não médico. Ou o sistema de médico-examinador, sempre especializado em anatomia patológica, sendo sua função quase exclusivamente determinar a causa mortis e a sua causa jurídica. Já o México tem uma tradição mais forte no ensino e na prática médico-legal. Entre os professores, evidenciam-se Casemiro Liceaga, Rafael Lucio, José Ignácio Durán, Luiz Hidalgo y Carpio, Augustín Andrade, Nicolás Ramirez de Arellano, Samuel Garcia, Henrique Oregón, Francisco Castillo Nájera, Lucio Gutierrez e José Torres Torija. Grande contribuição à Medicina Legal deu Alfonso Quiróz Cuaron, tanto no ensino da disciplina nas Faculdades de Medicina e de Direito da Universidade Autônoma do México, como nos trabalhos produzidos. Nomes que não se podem omitir são os de Arturo Baledón Gil e Salvador Iturbide. Atualmente, sobressaem-se Alberto Isaac Correa Ramirez e José Ramón Fernandez Caceres. No Brasil No Brasil, a influência da Medicina Legal francesa foi decisiva, embora não se possa negar que influenciaram de maneira marcante a alemã e a italiana. Portugal no passado pouco nos influenciou. Hoje, no entanto, notáveis são as contribuições da nova escola médico-legal portuguesa, com os trabalhos de José Antônio Lourenço Lesseps (Lisboa), José Eduardo Lima Pinto da Costa (Porto) e Duarte Nuno Pessoa Vieira e Francisco Corte-Real (Coimbra). A nacionalização da Medicina Legal brasileira e a sua estruturação como especialidade começaram com a entrada de Agostinho José de Souza Lima, na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, inclusive inaugurando o primeiro curso prático de prática tanatológica forense. Todavia, a verdadeira nacionalização se deu com Raymundo Nina Rodrigues na Bahia, iniciando-se com ele a fase da pesquisa científica médico-legal a partir de nossa própria realidade. Em seguida, surge Oscar Freire de Carvalho, vindo da Bahia para São Paulo, onde iniciou o exercício da especialidade e dando início à publicação de trabalhos experimentais, inclusive com a criação do Instituto em 1922, que hoje tem seu nome. A escola baiana seguiu com Virgílio Clímaco Damásio, José Rodrigues da Costa Dória, Estácio Luiz Valente de Lima, Waldemar da Graça Leite, Maria Tereza Pacheco, Luis Carlos Cavalcanti Galvão. O Rio de Janeiro, que sempre teve uma grande tradição nesta área, desponta com nomes como os de Diógenes de Almeida Sampaio, Nascimento Silva, Antenor Costa, Henrique Tanner de Abreu, Leonídio Ribeiro, Julio Afrânio Peixoto, Juliano Moreira, Gualter Adolpho Lutz, Hélio Gomes, Nilton Salles, Nilson Amaral Sant’Anna. Em São Paulo, depois de Oscar Freire de Carvalho, vieram Famínio Fávero, Hilário Veiga de Carvalho, Arnaldo Siqueira Alcântara Machado, Arnaldo Amado Ferreira, Guilherme Oswaldo Arbens, Armando Canger Rodrigues e Marco Segre. Em Pernambuco, Edgar Altino de Araújo, Raimundo Teodorico de Freitas, José de Aguiar Costa Pinto, Antonio Persivo Cunha e Evaldo Altino. Outros nomes que não se podem deixar de lembrar pela elevada contribuição e significativo exemplo às gerações atuais: Oscar de Oliveira Castro (Figura 1.1), José Geraldo de Freitas Drumond, Ernani Simas Alves, Rubem Lubianca, João Batista Perez Garcia Moreno, Pedro Neiva de Santana, Jorge de Souza Lima, Oswaldo Pataro, José Glauco Lobo, José Alves de Assumpção Menezes, Milton Ribeiro Dantas, Napoleão Teixeira, Benedito Soares Camargo Junior, José Carlos Ribeiro, Holdemar Oliveira de Menezes, José Lima de Oliveira, Luiz Duda Calado, Nativa Salaru José do Ribamar Carneiro Belford, Telmo Ferreira Reis, Olympio Pereira da Silva, Odon Ramos Maranhão, Nivaldo José Ribeiro, Geraldo Alves dos Santos, Ivan Nogueira Bastos, Idelbrando Xavier da Silva, João Henrique de Freitas Filho, Clovis Olinto Bastos Meira, Edilberto Parigot Carlos Alberto Delmonte Printes, Marilu Mota, Gerardo Magela Fortes Vasconcelos, Edson Silveira, Alfredo José da Costa Machado, Acylino de Leão Rodrigues, Alfredo Barroso Rebello, Humberto Fenner Lyra, Leão Bruno, Cezar Papaleo, Antônio Ferreira de Almeida Junior, Francisco Rodrigues de Souza Filho, Hermes Rodrigues de Alcântara, Cristobaldo Motta de Almeida, André Luiz Barbosa Roquette, José Geraldo Vernet Taborda, Serynes Pereira Franco e Nelson Caparelli. Figura 1.1 Prof. Oscar de Oliveira Castro (1899-1971). Mais recentemente, Lamartine de Andrade Lima, Marcos de Almeida, Arnaldo Ramos de Oliveira, Moacir Assein Arus, José Frank Marotta, Barros Azevedo, Lourival Saade, Victor Pereira, Hygino de Carvalho Hércules, Carlos Guido Pereira, José Carlos Ribeiro Filho, José Hamilton Amaral, Glício da Cruz Soares, José Eduardo Zappa, Nilo Jorge Rodrigues Gonçalves, Carmen Cynira Martin, José Hamilton Maciel Silva, Gilka Gattas, Clovis César Mendonza, Alírio Batista de Souza, Hermano José Souto Maior, Luiz Rodolpho Penna Lima, Elias Zacarias, Ramon Sabatér Manubens, Daniel Romero Muñoz, Carlos de Faria, Graccho Guimarães Silveira, José Jozefran Berto Freire, Roberto Blanco, Claudio Cohen, Oscar Luiz de Lima e Cirne Neto, Renato Affonso Meira, Elesbão Munhoz, Leo Meyer Coutinho, Hélcio Miziara, Nelson Massini, Fortunato Antônio Badan Palhares, Anibal Silvany Filho, Elizário Couto Bastos, José Américo Seixas Silva, Edmar Jorge Anunciação, Helena Caúla Reis, Francisco Morais Silva, Wilmes Roberto Gonçalves Teixeira, Talvane Marins Moraes, Ayush Morad Amar, Jorge Paulete Vanrell, Juarez Oscar Montanaro, José Maria Marlet, Eudes Mesquita Martins, Emilio Bicalho Epiphanio, José Frota Vasconcelos, José Mauro de Morais, Jalvo Chucair Granhen, Humberto Soares Guimarães, Francisco Autran Nunes Filho, José Eliomar da Silva, Carlos Campana, Emilio Barbieri, João Francisco Duarte, Elisar Reis Lopes, Isaque Kelbert, Edson Reis Lopes, José Mariano Cavaleiro de Macedo, Renato Posterli, Lena Tereza de Melo Lapertosa, Ivan Chaib Demes, entre tantos. E finalmente um grupo jovem e muito promissor que vai se destacando no magistério e no exercício da legisperícia: Gerson Odilon Pereira, Maria Luisa Duarte, Miguel Angelo Martinez, Aluísio Trindade Filho, Zulmar Coutinho, José Eduardo da Silva Reis, José Emídio Freire, Abelardo Brito, Reginaldo Inojosa Carneiro Campello, Paulo Roberto de Souza, José Ribamar Morais, Luiz Carlos Barreto Silva, Emídio de Brito Freire, Vitor Ribeiro Romeiro, Irene Batista Muakad, Lélia Gerson, Antonio Brussolo Cunha, Vitor Hugo Rangel, João Bosco Penna, Elizabeth Bezerra Azevedo, Misael Fernandes Neto, Maria do Carmo Malheiros Gouvea, Roberto Wagner, Dary Alves de Oliveira, Abelardo Brito, João Carlos Belo da Fonte, Carlos Ehlke Braga Filho, Iris Noburo Nagano, José Roberto Souza Cavaleiro de Macedo, Malthus Fonseca Galvão, Raul Coelho Barreto Filho Aroldo de Souza Rique, Júlio César Fontana-Rosa, Henrique Caivano Soares, Oswaldo Wolf Dick, Anelino José de Resende, Railton Bezerra de Melo, Romildo Rabbi, Luiz Renato da Silveira Costa RenatoRoberto Evando Moreira Filho, Chu En Lay Paes Leme, Manoel Campos Neto, João Arnaldo Damião Melki, Jaque Henrique Mecler, Rita de Cassia M. de Carvalho, Febe Costa, MarioPerez Gimenez, Rogério Eisele, Ronivaldo de Oliveira Barros, Armando Fortunato Filho, Eunice Moreira Vitória, Alecsandro de Andrade Cavalcante, Carlos Henrique Durão, Antonio Batista de Queiroz, Antonio Alves Madruga, Abraão Lincoln de Oliveira, Leonardo Mendes Cardoso, Débora Maria Vargas Lima, Benedita Carneiro Pinto, Sami A. L. J. El Jundi, Luiz Airton Saavedra de Paiva, Jose Roberto de Rezende Costa, Luiz Eduardo Toledo Avelar, Leonardo Santos Bordoni, Marcelo Mari de Castro, Paulo Sérgio P. Cunha, Maximiano Leite Barbosa Chaves, Rita de Cássia Bonfim Leitão Higa, Lilian Cristina Zazá Santos Barreira e muitos outros que irão surgir. As duas primeiras Faculdades de Medicina do Brasil – a da Bahia e a do Rio de Janeiro – incluíram oficialmente a Medicina Legal como disciplina obrigatória a partir de 1832. Neste mesmo ano, o Código de Processo Criminal estabelecia a perícia oficial para a realização dos exames de corpo de delito. Muitos destes dispositivos ainda se encontram no Código de Processo Penal em vigor. Mesmo com a vigência daquele Código a partir de 1832, somente depois de 1856 foi regulamentada a atividade médico-pericial, através do Decreto no 1.746, de 16 de abril de 1856, quando se criou, junto à Secretaria de Polícia da Corte, a Assessoria Médico-Legal, à qual cabia a realização dos exames de “corpo de delito e quaisquer exames necessários para a averiguação dos crimes e dos fatos como tais suspeitados”. Foi criado na Bahia o Serviço Médico-Legal na estrutura da Secretaria de Polícia e Segurança Pública, por um Decreto datado de 24 de abril de 1896. Este Serviço contava com dois médicos que se incumbiam dos exames de lesões corporais, das necropsias, dos exames toxicológicos, das verificações de óbito e de outros exames ou diligências médico-legais afetos à Justiça. Ainda que instalada na Bahia desde 1832 a Cadeira de Medicina Legal, tendo como seu primeiro regente João Francisco de Almeida, sua atividade prática só se concretizou com Virgílio Clímaco Damásio. O apogeu da Medicina Legal baiana se deu com Raymundo Nina Rodrigues (1894-1906). De 1914 a 1918, assume a Cadeira o professor Oscar Freire, que acumulou, também, a direção do Serviço Médico-Legal. De 1918 em diante, Oscar Freire mudou-se para São Paulo, a fim de instalar a disciplina na antiga Faculdade de Medicina Paulista. No Rio de Janeiro, a história do ensino médico-legal registra, inicialmente, o nome do Conselheiro José Martins da Cruz Jobim, que só se projetou com a contribuição de Agostinho José de Souza Lima que, na verdade, foi quem iniciou o ensino e a prática eficaz neste Estado. Nos cursos de Direito e de Medicina Legal, seu ensino foi proposto por Rui Barbosa, que conseguiu aprovar na Câmara dos Deputados um Decreto criando a Cátedra de Medicina Legal nas Faculdades de Direito de todo o país, a partir do ano de 1891. Hoje, com se sabe, a prática médico-legal brasileira é uma atividade oficial e pública, exercida nos Institutos Médico-Legais localizados nas capitais dos 26 Estados federativos e na capital da República, além de sua expansão no interior do país nos chamados Postos Médico-Legais, na sua maioria ainda desprovidos das mínimas condições de trabalho. A maioria dos Institutos Médico-Legais no Brasil permanece no âmbito dos órgãos de segurança pública. A partir de alguns anos, começou-se a verificar a desvinculação destes Institutos da área da Segurança. Um exemplo é o do Estado do Amapá, que criou a Coordenadoria de Perícias, comstatus de Secretaria de Estado, com verbas asseguradas e independência administrativa. Outro é o Estado do Rio Grande do Sul, que vinculou o IML à Secretaria de Estado de Justiça, Trabalho e Cidadania. E, mais recentemente, o Pará, que também desvinculou o Instituto Médico-Legal e o Instituto de Criminalística da Secretaria de Segurança Pública, criando uma estrutura totalmente independente, ligada diretamente ao Governador do Estado. Nos Estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, os IML estão estruturados em uma Coordenadoria Geral de Perícias, junto com a Criminalística e a Identificação, embora ainda vinculados às respectivas Secretarias de Segurança Pública. Há, entre os legistas e professores de Medicina Legal, um movimento a favor da autonomia da perícia médico-legal, liderado pela Sociedade Brasileira de Medicina Legal e Perícias Médicas e pela Associação Brasileira de Criminalística, com o apoio de diversas entidades civis, a exemplo da Associação dos Magistrados do Brasil, da Ordem dos Advogados do Brasil, da Comissão dos Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e da Secretaria Especial de Direitos Humanos. Espera-se que o Governo Federal, que criou desde 1996 o Plano Nacional de Direitos Humanos, enfatizando a questão da perícia médico-legal na luta contra a impunidade, venha a adotar medidas que possam assegurar a autonomia e independência da atividade médico-legal. Tal autonomia se justifica porque a Medicina Legal tem de ser vista como um núcleo de ciência a serviço da Justiça, e o médico nestas condições não pode ser um preposto da autoridade policial. Por uma distorção de origem, quando as repartições médico-legais nada mais representavam senão simples apêndices das Centrais de Polícia e os legistas como meros agentes policiais, permanece o desagradável engano. Foi com esse pensamento que a Comissão de Estudos do Crime e da Violência, criada tempos atrás pelo Ministério da Justiça, propôs ao Governo a desvinculação dos Institutos Médico-Legais e da própria Perícia Criminal, dos órgãos de polícia repressiva. O objetivo era o de “evitar a imagem do comprometimento sempre presente, quando, por interesse da Justiça, são convocados para participar de investigações sobre autoria de crimes atribuídos à Polícia”. Ninguém de bom senso pode assegurar que dessa vinculação possa existir sempre qualquer forma de coação. Mas, dificilmente se poderia deixar de aceitar a ideia de que em algumas ocasiões possa haver pressão, quando se sabe que alguns órgãos de repressão no Brasil estiveram ou estão ainda envolvidos no arbítrio e na violência. Pelo menos, suprimiria esse grave fator de suspeição, criado pela dependência e pela subordinação funcional. CLASSIFICAÇÃO Levando-se em consideração o enfoque ou a sua destinação, a Medicina Legal pode ser classificada sob os ângulos histórico, profissional, doutrinário e didático. A classificação sob o prisma histórico diz respeito às várias fases evolutivas desta ciência, que a divide em Medicina Legal Pericial, Medicina Legal Legislativa, Medicina Legal Doutrinária e Medicina Legal Filosófica. A Medicina Legal Pericial, também chamada de Medicina Forense ou Medicina Legal Judiciária, é a sua forma mais anterior e está voltada aos interesses legispericiais da administração da Justiça. A Medicina Legal Legislativa contribui na elaboração e revisão das leis em que se disciplinam fatos ligados às ciências biológicas ou afins. A Medicina Legal Doutrinária – de caráter mais refinado e compromisso com a ordem do pensar – teve início entre nós com Afrânio Peixoto no segundo quartel do século passado. Trata de temas subsidiários que sustentam e explicam certos institutos jurídicos onde o conhecimento médico e biológico faz-se necessário e, por isso, ela é, na verdade, bem mais uma ordem do pensar do que do agir. E a Medicina Legal Filosófica, mais recente, discute os assuntos ligados à Ética, à Moral e a Bioética Médica no exercício ou em face do exercício da Medicina ou tenta explicar, por meio de ensaios epistemológicos, o agir e o pensar médico-legal. A classificação sob a visão profissional da Medicina Legal está inclinada à forma como se exerce na prática essa atividade. Assim, divide-se em Medicina Legal Pericial, Criminalística e Antropologia Médico-Legal, que são exercidas respectivamente pelos Institutos de Medicina Legal, de Criminalística e de Identificação. Levando-se em conta o interesse doutrinário do Direito, naquilo que lhe é mais específico, podese dividir a Medicina Legal em Medicina Legal Penal, Medicina Legal Civil, Medicina Legal Canônica, Medicina Legal Trabalhista e Medicina Legal Administrativa. Cada uma dessas partes trata dos diversos ramos do Direito positivo mais estruturados. Sob o ponto de vista didático, a Medicina Legal está dividida em Medicina Legal Geral (Deontologia e Diceologia) e Medicina Legal Especial. Na primeira parte, também chamada de Jurisprudência Médica, estudam-se as obrigações e os deveres (deontologia) e os direitos dos médicos (diceologia), particularizando-se nos capítulos sobre Exercício Legal e Exercício Ilegal da Medicina, Segredo Médico, Honorários Médicos, Responsabilidade Médica e Ética Médica, assuntos que orientam o médico no exercício regular da sua profissão. A Medicina Legal Especial disciplina-se nos seguintes capítulos: A) Antropologia médico-legal. Estuda a identidade e a identificação médico-legal e judiciária. B) Traumatologia médico-legal. Trata das lesões corporais sob o ponto de vista jurídico e das energias causadoras do dano. C) Sexologia médico-legal. Vê a sexualidade do ponto de vista normal, anormal e criminoso. D) Tanatologia médico-legal. Cuida da morte e do morto. Analisa os mais diferentes conceitos de morte, os direitos sobre o cadáver, o destino dos mortos, o diagnóstico de morte, o tempo aproximado da morte, a morte súbita, a morte agônica e a sobrevivência; a necropsia médico-legal, a exumação e o embalsamamento. E, entre outros assuntos, ainda analisa a causa jurídica de morte e as lesões in vita e post-mortem. E) Toxicologia médico-legal. Estuda os cáusticos e os venenos, e os procedimentos periciais nos casos de envenenamento. F ) Asfixiologia médico-legal. Detalha os aspectos das asfixias de origem violenta, como esganadura, enforcamento, afogamento, estrangulamento, soterramento, sufocação direta e indireta, e as asfixias produzidas por gases irrespiráveis. G ) Psicologia médico-legal. Analisa o psiquismo normal e as causas que podem deformar a capacidade de entendimento da testemunha, da confissão, do delinquente e da própria vítima. H ) Psiquiatria médico-legal. Estuda os transtornos mentais e da conduta, os problemas da capacidade civil e da responsabilidade penal sob o ponto de vista médico-forense. I) Medicina Legal Desportiva. Justificada, não só pela importância econômica, social e cultural, mas também pelo que os esportes de competição apresentam nos dias atuais, com ênfase para o sigilo profissional, prontuários, dopings consentidos ou tolerados, quantificação e qualificação do dano com repercussão no rendimento esportivo. J ) Criminalística. Investiga tecnicamente os indícios materiais do crime, seu valor e sua interpretação nos elementos constitutivos do corpo de delito. Estuda a criminodinâmica. L ) Criminologia. Preocupa-se com os mais diversos aspectos da natureza do crime, do criminoso, da vítima e do ambiente. Estuda a criminogênese. M) Infortunística. Estuda os acidentes e as doenças do trabalho e as doenças profissionais, não apenas no que se refere à perícia, mas também à higiene e à insalubridade laborativas. N) Genética médico-legal. Especifica as questões voltadas ao vínculo genético da paternidade e maternidade, assim como outros assuntos ligados à herança. O) Vitimologia. Trata da vítima como elemento inseparável na eclosão e justificação dos delitos. IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DA MEDICINA LEGAL A Medicina Legal é a contribuição médica, técnica e biológica às questões complementares dos institutos jurídicos e às questões de ordem pública ou privada quando do interesse da administração judiciária. É, portanto, a mais importante e significativa das ciências subsidiárias do Direito. Hoje, muito mais ainda, grande é o proveito dos juristas na intimidade com as questões médicolegais, seja na sua utilização quando do trato das questões periciais nos seus pleitos judiciais, seja na análise dos diversos ramos do Direito que necessitam de interpretação médico-jurídica que encerra a nova doutrina. Tão grande tem sido a contribuição desta notável disciplina jurídica que é a Medicina Legal, com o alargar dos horizontes que permitem a ciência e a tecnologia hodiernas que, sem exageros, poderse-ia dizer que a administração judiciária fracassaria despencando no fosso do erro judiciário e a doutrina emperraria sem poder explicar certos fenômenos ali expostos e discutidos. O registro criminográfico da violência e seu conteúdo perverso projetam-se além da expectativa mais alarmista. Verifica-se nos dias que correm uma prevalência delinquencial que extrapola os índices tolerados e suas feições convencionais. Uma criminalidade diferente, anômala e muito estranha na sua maneira de agir e na insensata motivação. O Direito moderno não pode deixar de aceitar a contribuição cada vez mais íntima da ciência, e o operador jurídico não deve desprezar o conhecimento dos técnicos, pois só assim é possível a aproximação da verdade que se quer apurar. Não é nenhum exagero afirmar que é inconcebível uma boa justiça sem a contribuição da Medicina Legal, cristalizando-se a ideia de que a Justiça não se limita ao conhecimento da lei, da doutrina e da jurisprudência. Por outro lado, muitos têm pensado que basta ser um bom médico para desempenhar bem e fielmente as funções periciais. É puro engano. A Medicina Legal requer conhecimentos especiais e trata de assuntos exclusivamente seus, como, por exemplo, o infanticídio, a asfixia mecânica e a identificação médico-legal. Exige de quem a exerce conhecimentos jurídicos que só podem ser assimilados com a atividade pericial ante os tribunais no trato das questões médicas de interesse da Lei. É mero engano também acreditar que a Medicina Legal seja apenas aplicada aos casos particulares dos conhecimentos gerais que constituem os diversos capítulos da Medicina. É necessário saber distinguir o certo do duvidoso, explicar clara e precisamente os fatos para uma conclusão acertada, não omitindo detalhes que, para o médico geral, não têm nenhum valor, mas que, na Medicina Legal, assumem importância muitas vezes transcendente. Para o juiz, é indispensável o seu estudo, a fim de que possa apreciar melhor a verdade em um critério exato, analisando os informes periciais e adquirindo uma consciência dos fatos que constituem o problema jurídico. Talvez seja essa a mais fundamental missão da perícia médico-legal: orientar e iluminar a consciência do magistrado. Muitas vezes, a liberdade, a honra e a vida de um indivíduo estão subordinadas ao esclarecimento de um fato médico-legal que se oferece sob os mais diversos aspectos. Se o juiz não possui uma cultura médico-legal razoável, poderá apreciar esses efeitos erroneamente, conduzindo a um erro judicial, um dos mais graves problemas da administração da justiça, transformando a sentença em uma tragédia. Argumenta-se que a falta de conhecimentos médico-legais do juiz nos fatos de implicação médica será suprida pelo perito. Mas nem sempre os informes periciais correspondem à verdade dos fatos ou procedem de pessoas capacitadas, traduzindo, portanto, graves contradições ou pontos de vista menos aceitáveis. Exige, desse modo, do aplicador da Lei, o conhecimento da Medicina Legal para emitir sempre pareceres concisos e racionais. Sobre o assunto, assim se reportou Virgílio Donnice: “A grande novidade, porém, é a dos criminosos habituais ou por tendência, com a aplicação da pena indeterminada, e a reincidência, que não ocorrerá se, depois de uma sentença condenatória, cumprida ou extinta, decorrer período de tempo superior a 5 anos, sendo excluídos, para efeito da reincidência, os crimes puramente militares e políticos. Para a ampliação da pena, o juiz terá, obrigatoriamente, de possuir uma especialização penal e criminológica. pois ele, na sentença, deve expressamente referir os fundamentos da medida da pena, apreciando a gravidade do crime praticado, a maior ou menor extensão do dano ou perigo do dano, os meios empregados, o modo de execução, os motivos determinantes, as circunstâncias de tempo e lugar, os antecedentes do réu e sua atitude de insensibilidade, indiferença ou arrependimento após o crime, levando-se em consideração, também, na fixação da pena de multa, a situação econômica do condenado. Isto obrigará o juiz a ter, além da competência jurídico-penal e criminológica, uma sensibilidade apurada, fazendo-o participar de todo o processo e, muito especialmente, do interrogatório do acusado, fase processual que terá grande importância.” Assim, mais do que nunca, necessitará a autoridade judiciária de elementos de convicção quando apreciar a prova atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I – as penas aplicáveis dentre as cominadas; II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV – a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível, como recomenda o artigo 59 do Código Penal. Em suma, não só a análise da gravidade do crime praticado, nos motivos, nas circunstâncias e na intensidade do dolo ou da culpa, mas a sua forma de indiferença e insensibilidade, a existência, a qualidade e a quantidade do dano, os meios empregados, o modo de execução e, até se possível, a ideia bem aproximada da complexidade do estado emotivo, do transtorno mental e do comportamento do autor. Esse é o grande desafio aos novos magistrados: além do conhecimento humanístico e jurídico, uma sensibilidade cúmplice na apreciação quantitativa e qualitativa da prova. Diga-se mais: não deve o juiz ficar sozinho no cumprimento e nas exigências dessa nova ordem. O advogado, na sua atividade liberal, também necessita muito destes conhecimentos no curso das soluções dos casos de interesse dos seus representados. Deve, na melhor intenção, ser um crítico da prova, no sentido de não aceitar a “absolutização” ou a “divinização” de certos resultados, apenas pelo fato de constituírem avanços recentes da ciência ou da tecnologia moderna. O promotor público, como responsável pelo ônus da produção da prova, tem que justificá-la e explicá-la em seus resultados e suas razões. Exige-se dele, hoje, uma contribuição mais efetiva e mais imediata. Os médicos também carecem de conhecimentos do Direito Médico, no estudo da Jurisprudência Médica, tão imprescindíveis à sua vida profissional, e, ainda, de uma consciência pericial nos casos em que haja um interesse da Justiça na apreciação de um fato inerente à vida e à saúde do homem. Levando em conta as sutilezas das questões médico-legais em que o perito é chamado a intervir, dizia Alcântara Machado: “Tão frequentes e difíceis e relevantes são elas, que fizeram surgir a Medicina Legal como ramo distinto dos outros ramos de conhecimentos, e a prática médico-legal como arte distinta da clínica.” Isto não quer dizer que esta Ciência tenha apenas o caráter prático, informativo, pericial. Hoje, a Medicina Legal moderna, além de contribuir nesse sentido, ainda ajusta o pensamento do doutrinador e complementa as razões do legislador nos fatos de interpretação médica e biológica. Simplesmente “relatar em juízo”, conforme definiu Ambroise Paré, é muito pouco, porque isso qualquer um faz, bastando ter experiência e bom senso. A Medicina Legal também contribui com precisão e eficiência às necessidades gerais do Direito, transcendendo assim ao simples caráter informativo. Onde não há uma verdadeira contribuição da Medicina Legal, fica a Polícia Judiciária à mercê da boa vontade de um ou de outro médico, nos hospitais, maternidades ou clínicas privadas, para a aquisição de um relatório médico-pericial a fim de esclarecer um fato médico de interesse da Lei. Será uma Polícia Judiciária desaparelhada, incapaz de atender a um mínimo necessário para o cumprimento de sua alta e nobre missão: a de ajudar a Justiça quando da apuração dos mais complexos problemas que interessam ao administrador dos tribunais. Cada vez que crescem as necessidades da Justiça, maiores são as possibilidades da ciência médico-legal, pois dia a dia ganha mais impulso e mais perfeição, sendo hoje um instrumento indispensável em toda investigação que exija o esclarecimento de um fato médico. METODOLOGIA DE ENSINO Mesmo que a Medicina Legal seja uma só, no seu conceito e na sua concepção prática, entendemos existirem metodologias de ensino diferentes quanto a sua abordagem nos cursos de Medicina ou de Direito. No curso médico, deve-se enfatizar a Medicina Legal Pericial, tendo em vista um projeto de formação de um profissional capaz de atender à Justiça como perito oficial ou nomeado, levando-se em conta as diversas formas de contribuição técnica no dia a dia da administração dos tribunais. Ao mesmo tempo, quando vinculado à Deontologia Médica, a análise e a discussão de temas que interessem na formação ética de cada médico. A distribuição programática da matéria nos cursos de Medicina deve ser feita de acordo com a sequência dos capítulos ou unidades encontrados nos diversos tratados da especialidade, os quais têm uma progressão de assuntos ditada pela evolução do seu aprendizado. No curso jurídico, recomenda-se a ênfase à Medicina Legal Doutrinária, como forma de subsidiar e complementar as diversas formas de direito positivo ou de propiciar meios para se assimilarem as informações técnicas e científicas constantes dos relatórios legispericiais. Não quer dizer que se deixe de ensinar a Medicina Legal Pericial, pois ela é também necessária na prática diuturna dos operadores jurídicos. A seleção do conteúdo programático nos cursos de Direito pode ser distribuída especificamente de acordo com os interesses de cada ramo do direito positivo, em Medicina Legal Penal (conceito; importância e contribuição da Medicina Legal nas questões criminais; peritos e perícias e de natureza penal; identidade e identificação criminal; energias causadoras do dano; lesões corporais sob o ponto de vista jurídico-penal; periclitação da vida e da saúde; transtornos da identidade sexual e aborto legal e aborto criminoso; posse sexual mediante fraude, estupro e atentado violento ao pudor; infanticídio; toxicofilias, embriaguez alcoólica; tanatologia médico-legal; imputabilidade penal: limites e modificadores), Medicina Legal Civil (conceito; importância e contribuição da Medicina Legal às questões de direito privado; identidade e identificação civil; peritos e perícias de interesse civil; perícia do nascituro e provas do início da personalidade civil; avaliação do dano corpóreo de natureza jurídico-civil; casamento, separação e divórcio; política demográfica; capacidade civil: limites e modificadores; psicologia judiciária civil: estudo do testemunho e da confissão; morte real e morte presumida), Medicina Legal Trabalhista (conceito; relação e contribuição às questões trabalhistas; peritos e perícias das doenças do trabalho, das doenças profissionais e acidentes do trabalho; avaliação do dano corpóreo de natureza trabalhista; deficiência e incapacidade; acidente do trabalho; simulação, dissimulação e metassimulação em infortunística do trabalho; psicologia do trabalho; fisiologia do trabalho; noções de rendimento muscular; poluição ambiental: contaminação, ruídos e irradiações; necropsias de interesse trabalhista) e Medicina Legal Administrativa (conceito; importância e contribuição da Medicina Legal às questões da administração pública; peritos e perícias em servidores públicos; perícia previdenciária; juntas médicas oficiais; avaliação da capacidade laborativa do servidor público; formalidades do exame biométrico; auditorias: tipos, fundamentos e normas; critérios para readaptação de função pública; avaliação do dano corpóreo de natureza administrativa; atividades penosas e periculosidade na função pública; necropsias de interesse administrativo). SITUAÇÃO ATUAL E PROSPECTIVA Mesmo cientes da incorporação de novas técnicas, do avanço da ciência e da contribuição multiprofissional, a Medicina Legal em nosso país dispõe no campo pericial de um pequeno progresso, mediante a atuação de alguns setores públicos na criação, recuperação e aparelhamento dos laboratórios, nas instituições especializadas, e na reciclagem do pessoal técnico. Acreditamos que só com a total incorporação de tais recursos a sociedade resistirá ao resultado anômalo e perverso de uma violência medonha que cresce e atormenta. O correto seria investir mais e mais na contribuição técnica e científica, dotando a administração judiciária de elementos probantes de transcendente valor no curso da apreciação processual, porque uma das funções do magistrado, entre tantas, é buscar a verdade dos fatos. Poderiam ser usados todos esses formidáveis recursos científicos e tecnológicos disponíveis em favor da prova; como, por exemplo, a análise biomolecular, a bioquímica da detecção de drogas e até mesmo a energia nuclear, além dos modernos computadores, cintilógrafos e tomógrafos de ressonância magnética, como contribuição indispensável aos interesses de ordem pública e social. A Medicina Legal no campo experimental no Brasil ainda se mostra incipiente e tímida. Apenas em alguns centros acadêmicos de pós-graduação, ainda verificam-se alguns focos esparsos de pesquisa. As publicações de trabalhos em periódicos desta área, seja em quantidade ou qualidade, são desanimadoras. No terreno doutrinário, em que a Medicina Legal contribui de forma mais eloquente no ajuste dos institutos do direito positivo, tudo ocorrerá a partir das solicitações mais concretas que essas formas de direito venham a fazer e da evolução do próprio pensamento médico-legal; assim, cada vez mais serão enfatizadas as questões ligadas à engenharia genética, como as dos animais transgênicos, clones humanos e terapia gênica ou, nos casos mais delicados da reprodução humana, em que se focalizam principalmente algumas indagações sobre a natureza jurídica e o destino dos embriões congelados. No aspecto pedagógico, a Medicina Legal brasileira já viveu dias mais iluminados, quando as cátedras eram regidas pelos grandes mestres, os quais criaram em torno de si eminentes discípulos e respeitáveis escolas. Hoje, com honrosas exceções, diante da desordenada e irresponsável criação de cursos médicos e jurídicos, recrutam-se profissionais sem nenhuma qualificação e intimidade com a matéria. Assim, essas cátedras estão muito a dever à nossa tradição e, certamente, se não houver um trabalho bem articulado na tentativa de recuperar tal prestígio, no futuro teremos a Medicina Legal ensinada em um padrão muito distante de suas insupríveis necessidades. O exemplo disso é que muitas das Faculdades de Direito já têm esta disciplina como matéria optativa e, noutras, ainda pior: a disciplina não existe. Vai sendo ocupada por outras disciplinas de existência e utilidade duvidosas. Resta, disso tudo, a dúvida sobre a qualidade desses futuros profissionais que estão sendo formados. Mesmo assim, acreditamos no futuro da Medicina Legal com muito otimismo, porque essa área de atividade profissional torna-se cada vez mais necessária às aspirações das pessoas que querem viver bem em uma sociedade organizada, onde tenham as condições de realizar seus destinos e seus sonhares. Para tanto, há de se exigir mais do poder público. No que se refere ao ensino, é preciso valorizar a atividade docente e dotar o aparelho formador de condições para o ensino da Medicina Legal em caráter obrigatório, tanto em Direito como em Medicina, tendo sempre à frente dessas disciplinas profissionais qualificados e compromissados com esse projeto. Fazem-se também necessárias a criação e a ampliação dos cursos de especialização, de mestrado e de doutorado em Medicina Legal, não só como forma de qualificar o pessoal docente, mas também de recrutar outras vocações. O problema da pesquisa e da investigação de interesse médico-legal é ainda mais complexo, no qual devem ser focalizadas as disponibilidades para o setor. O interessante nesse aspecto é sensibilizar as Universidades públicas ou privadas em relação à contratação de pesquisadores, cuja tarefa seria a de possibilitar a produção científica de qualidade nesta área de concentração. MEDICINA LEGAL BASEADA EM EVIDÊNCIAS A exemplo do que ocorre hoje com a medicina em geral, já se fala na existência de uma Medicina Legal fundada em resultados estatisticamente significantes, padronizada, cética, metanalítica, síntese do resultado matemático de vários estudos dirigidos a uma mesma hipótese. E a esta ideia se chamará de Medicina Legal Baseada em Evidências. Significaria, portanto, que o “mais certo” adviria dos resultados científicos disponíveis e procedentes da pesquisa e da investigação, e não do que possam dispor as teorias fisiopatológicas consagradas ou a experiência individual. Em suma, uma medicina legal de resultados. Da avaliação solitária e subjetiva do perito legista passa-se a reconhecer apenas, como de relevante valor científico, as informações oriundas da pesquisa de cientistas de peso em estudos demorados e em expressivo número de casos observados em institutos e laboratórios de excelência. Todavia, a facilidade de analisar e utilizar a perícia priorizada em evidências não está ainda na disponibilidade e no domínio de todos os que exercem a Medicina Legal. As chamadas publicações de elite, com raras exceções, são de utilidade discutível na prática pericial cotidiana. O que se viu nestes últimos anos foi uma verdadeira enxurrada de publicações médico-legais, algumas em notória contradição, o que torna mais complicada ainda a decisão dos peritos, principalmente dos que estão na ponta do sistema. As experiências trocadas entre peritos de mesma área de concentração e que atuam em uma mesma realidade têm se mostrado com mais proveito. O conhecimento médico-legal que se aplica diariamente na prática profissional nem sempre é aquele que existe na literatura mais sofisticada das revistas especializadas. Certamente não. É do aprendizado pessoal, até porque todo conhecimento começa da experiência de cada um no dia a dia. Isso não quer dizer que esta cultura deixe de vir também da experiência de tantos outros que publicam ou divulgam seus conhecimentos. Outra coisa: nem sempre as decisões mais acertadas são as dos que possuem maior saber científico. Toda ciência experimental é um saber dedutivo e não indutivo. Tem uma dedução empírica, nunca é completa e suas conclusões são sempre prováveis. O princípio aristotélico de que as verdades científicas são sempre certas e verdadeiras tende a se modificar quando o assunto em discussão é uma ciência indutiva e experimental. Um dos óbices à incorporação da Medicina Legal Baseada em Evidências é a falta de condições de acesso às publicações que se multiplicam no mundo inteiro e de análise crítica aos artigos e matérias de periódicos, quando o profissional não estaria em condições de elaborar suas próprias conclusões, ficando sempre prisioneiro dos autores dos textos, só pelo fato de estar publicado em revista de qualidade e de conceito garantidos. O risco desta nova ordem é fazer acreditar existir mais evidências do que a Medicina Legal realmente pode ter e apresentar. Nenhum expert pode presumir-se de autoridade incapaz de erro, mesmo não intencional, porque não existe verdade soberana. Por isso, é sempre aconselhável não se procurar certeza absoluta quando tudo isso se mostra impossível diante de decisões instáveis, pois os caminhos da Medicina Legal são contingentes e sujeitos a falhas e não há na sua prática “verdades derradeiras” ou “verdades soberanas”. Mesmo os defensores mais exaltados desta nova ideologia não escondem algumas desvantagens neste método: utilização de muito tempo em pesquisa; elaboração de um trabalho intelectual complexo; dificuldade de se fazer uma revisão sistemática sozinho; falta de subsídios facilmente disponíveis para resolver a maioria das questões periciais; existência de estudos não consensuais ou contraditórios e de estudos quase sempre projetados em um contexto diferente em que se encontra o caso-questão. A própria expressão “evidência”, tal qual vem sendo colocada aqui, já se mostra inconsistente, pois se diz que algo é evidente quando prescinde de prova ou quando dispensa uma justificação. A evidência é inimiga da prova. Ela é a consagração da verdade. Assim, evidente é o que se mostra notório. Mais: o importante é saber o que se pode considerar como evidência e quem a determina como “fato concreto”. Por outro lado, definir evidência em Medicina Legal como “dados e informações que comprovam achados e suportam opiniões”, isto não é o bastante para oferecer a segurança que se espera. Como qualificar uma Medicina Legal que se diz evidente, racional e científica, quando ela depende tão só de percentuais levantados em dados estatísticos? E o que fazer, por exemplo, quando se sabe que há casos na Medicina Legal Pericial para os quais não se conta com nenhuma evidência convincente? O risco das ideologias no campo da Medicina Legal Baseada em Evidências está no seu caráter reacionário e centralizador por não admitir o pensar ou o agir individual. Sua inclinação é pelas ideias abstratas. E o mais desanimador neste paradigma é que, quanto mais complexo é o caso, menos evidências científicas ela dispõe para uma convincente tomada de decisão. Assim, fica bem evidente que ninguém de bom senso poderia voltar-se contra todo este acervo cultural e toda contribuição tecnológica que vem se incorporando às ciências médico-legais nestes últimos tempos, ou pelo menos ficar indiferente a ambos. Nem tampouco o que tudo isto pode resultar de contribuição cada vez mais eficaz em favor dos melhores resultados periciais e do que isto pode representar à ordem pública e social. No entanto, não se pode admitir serenamente que a perícia médico-legal venha abrir mão da intuição, das teorias fisiopatológicas consagradas e da experiência pessoal, pois não existe nenhuma análise metodológica nem nenhuma prova científica aprimorada nesta atividade que não tenham como partida a vivência e a observação individual na prática pericial. O ideal será sempre a associação da investigação científica, do ensino médico-legal continuado, das teorias fisiopatológicas consagradas e da contribuição qualificada de cada experiência pessoal. E que a aplicação racional da informação científica e a experiência da prática pericial estejam voltadas para um objetivo que sempre destacou esta atividade como um instrumento de indiscutível valor. MEDICINA LEGAL E DIREITOS HUMANOS Toda e qualquer ação que tenha como destino as pessoas e o seu modo de viver implica necessariamente o reconhecimento de certos valores. Qualquer que seja a maneira de abordar esta questão se chegará ao entendimento de que o mais significativo desses valores é sempre o próprio ser humano, no conjunto de seus atributos materiais, físicos e morais. A prática da Medicina Legal constitui-se em um instrumento de grande valia em favor dos direitos humanos. Ao assumir a profissão como um ato político e uma maneira de comprometimento social, o perito faz com que a atividade pericial não seja apenas o uso de um amontoado de regras técnicas mas um ato da maior significação na permanente busca da cidadania. A vida humana como valor ético. O valor da vida é de tal magnitude que, até mesmo nos momentos mais graves, quando tudo parece perdido, dadas as condições mais excepcionais e precárias – como nos conflitos internacionais, na hora em que o direito da força se instala negando o próprio Direito, e quando tudo é paradoxal e inconcebível –, ainda assim a intuição humana tenta protegê-la contra a insânia coletiva, criando regras que impeçam a prática de crueldades inúteis. Quando a paz passa a ser apenas um instante entre dois tumultos, o homem tenta encontrar nos céus do amanhã uma aurora de salvação. A ciência, de maneira desesperada, convoca os cientistas a se debruçarem sobre as bancadas de seus laboratórios, na procura de meios salvadores da vida. Nas mesas das conversações internacionais, mesmo entre intrigas e astúcias, os líderes do mundo inteiro tentam se reencontrar com a mais irrecusável de suas normas: o respeito pela vida humana. Assim, no âmago de todos os valores está o mais indeclinável de todos eles: a vida do homem. Sem ela, não existe a pessoa humana. Não existe a base de sua identidade. Mesmo diante da proletária tragédia de cada homem e de cada mulher, quase naufragados na luta desesperada pela sobrevivência do dia a dia, ninguém abre mão dos seus direitos de sobrevivência. Essa consciência é que faz a vida mais que um bem: um valor. Hoje, a partir dessa concepção, a vida passa a ser respeitada e protegida não só como um bem afetivo ou patrimonial, mas pelo que ela se reveste de valor ético. Não se constitui apenas de um meio de continuidade biológica, mas de uma qualidade e de uma dignidade que faz com que cada um realize seu destino de criatura humana. Sendo os direitos humanos uma proposta em favor do bem comum, não pode a Medicina Legal ser desvinculada do conjunto das ferramentas em favor das necessidades individuais e coletivas. Faz parte de um sistema de forças que conduz o homem na luta pela liberdade e pela justiça social. A vida humana como valor jurídico. Vivemos sob a égide de uma Constituição que orienta o Estado no sentido do respeito à “dignidade da pessoa humana”, tendo como normas a promoção do bem comum, a garantia da integridade física e moral do cidadão e a proteção incondicional da vida e da liberdade. Tal proteção é de tal forma solene que o atentado a essa integridade eleva-se à condição de ato de lesa-humanidade: um atentado contra todos os homens. Cada dia que passa, a consciência atual, despertada e aturdida pela insensibilidade e pela indiferença do mundo tecnicista, começa a se reencontrar com a mais lógica de suas normas: a defesa incondicional dos direitos humanos. Essa consciência de que tais direitos necessitam de uma imperiosa proteção cria uma série de regras que vai se ajustando mais e mais com cada agressão sofrida, não apenas no sentido de se criarem dispositivos legais, mas como maneira de estabelecer formas mais fraternas de convivência. Este, sim, seria o melhor caminho. Tudo isso sedimenta a ideia de que o ser humano é ornado de especial dignidade e que isto deve ser aplicado com clareza em defesa da proteção das necessidades e da sobrevivência de cada um. Os direitos fundamentais e irrecusáveis da pessoa humana devem ser definidos por um conjunto de normas, possibilitando que cada um tenha condições de desenvolver suas aptidões. A defesa da pessoa e da vida e os direitos humanos. O mais efetivo marco em favor da defesa da pessoa humana e, consequentemente, da sua vida vem da vitória da Revolução Francesa, com a edição da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789, na qual já no seu artigo 1o se lê: “Todos os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos.” E, no artigo 5o, enfatiza-se ainda mais quando diz: “Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.” Mesmo que o mundo tenha assistido a dois grandes conflitos internacionais no século 20 e que algumas pessoas continuem cada vez mais em busca de privilégios e vantagens individuais, não se pode negar que algo vem sendo feito em favor dos valores humanos. O que nos faz pensar assim é o crescimento de uma parcela significativa da sociedade que já se conscientizou, de maneira isolada ou em grupos, que a defesa dos direitos humanos não é apenas algo emblemático, mas um argumento muito forte em favor da sobrevivência do homem. Isso não quer dizer que não haja, por parte de alguns, a alegação de que a defesa dos direitos humanos seja um risco para a sociedade, uma subversão da ordem pública, um jogo de interesses ideológicos ou uma ameaça aos direitos patrimoniais. E, até mesmo, por parte de outros, seja por ingenuidade ou má fé, os quais admitem que a luta em favor dos direitos humanos é uma apologia ao crime e um endosso ao criminoso. A partir da edição da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas em 1948, embora sem eficácia jurídica, pode-se dizer que ela representa um momento importante na história das liberdades humanas, não apenas pelo que ali se lê em termos do ideal de uma convivência humana, mas pelas declaradas adesões dos países-membros desta Organização. Espera-se que a humanidade vá construindo um ideário em que fiquem evidentes a importância da valorização da pessoa e o reconhecimento irrecusável dos direitos humanos. Não adianta todo encantamento com o progresso da técnica e da ciência se isso não for a favor do homem, assim, este progresso será algo pobre e mesquinho. A verdade é que o fato de o ser humano sofrer dano aos seus direitos deliberadamente é tão antigo quanto a história da própria Humanidade. Atualmente, malgrado um ou outro esforço, muitos são os países que ainda praticam, ou toleram, formas de castigos físicos e privação injustificada da liberdade de pessoas indefesas, sem nenhum motivo ou qualquer fundamento de ordem normativa. Muitas dessas práticas têm por finalidade punir tendências ideológicas ou reprovar e inibir os movimentos libertários ou as manifestações políticas de protesto. Muitas dessas práticas cruéis e degradantes não têm apenas a intenção da chamada “obtenção da verdade”, mas uma tática própria dos sistemas repressivos de que dispõe o Estado, contra os direitos e as liberdades dos seus opositores, como estratégia de manutenção no poder. Não é por outra razão que sua metodologia e seus princípios estão nos currículos, como matérias teórica e prática das corporações militares e policiais. Não quer dizer que não exista também a banalização do instinto malvado como maneira torpe de dobrar o espírito das pessoas para satisfação do próprio torturador. Na realidade, o que se procura com o desrespeito aos direitos humanos é a fragmentação do corpo e da mente e a desmoralização do homem. A Medicina Legal é um instrumento capaz de contribuir de maneira significativa, a partir do momento em que ela possa denunciar, por meio de suas práticas periciais, todas as modalidades de agressões que se verificam neste universo delinquencial que se observa, cada vez mais frequente, nos dias de hoje. 2 Perícia Médico-legal 2. Perícias: Importância da prova; Valor racional da prova; Noções de corpo de delito; Valor do exame realizado por um só perito; Exames para os Juizados Especiais; Junta Médica; Segunda perícia; Prova pericial e consentimento livre e esclarecido; Revista corporal no âmbito dos IMLs; Presença dos advogados em locais de exames; Cadeia de custódia de evidências; Honorários periciais; Perícia – Exposição oral; Assédio pericial. Peritos: Conceito; Deveres de conduta do perito; Responsabilidades civil e penal do perito; Direitos dos peritos; Função do médico-legista; Impugnação do perito;Cadastro de peritos. Prova de esforço físico em concurso para médico-legista. Direitos do periciando. Assistentes técnicos. Documentos médico-legais: Notificações, atestados, prontuários, relatórios, pareceres e depoimento oral. Desvinculação dos IMLs da área de segurança. Modelos de laudos periciais. PERÍCIAS Define-se perícia médico-legal como um conjunto de procedimentos médicos e técnicos que tem como finalidade o esclarecimento de um fato de interesse da Justiça. Ou como um ato pelo qual a autoridade procura conhecer, por meios técnicos e científicos, a existência ou não de certos acontecimentos, capazes de interferir na decisão de uma questão judiciária ligada à vida ou à saúde do homem ou que com ele tenha relação. A perícia, segundo seu modo de realizar-se, pode ser sobre o fato a analisar (peritia percipiendi) ou sobre uma perícia já realizada (pericia deducendi), o que para alguns constitui-se em um Parecer. Assim, a pericia percipiendi é aquela procedida sobre fatos cuja avaliação é feita baseada em alterações ou perturbações produzidas por doença ou, mais comumente, pelas diversas energias causadoras do dano. Ou seja, pericia percipiendi é aquela em que o perito é chamado para conferir técnica e cientificamente um fato sob uma óptica quantitativa e qualitativa. E por pericia deducendi, a análise feita sobre fatos pretéritos com relação aos quais possam existir contestação ou discordância das partes ou do julgador. Aqui o perito é chamado para avaliar ou considerar uma apreciação sobre uma perícia já realizada. Todavia, tanto na peritia percipiendi como na deducendi existe o que se chama de parte objecti e parte subjecti. A parte objetiva é aquela representada pelas alterações ou perturbações encontradas nos danos avaliados. Estas, é claro, como estão baseadas em elementos palpáveis ou mensuráveis, vistos por todos, não podem mudar. Essa parte é realçada na descrição. No entanto, a avaliação dos elementos da parte objecti pode levar, no seu conjunto, a raciocínios divergentes e contraditórios, como, por exemplo, em se determinar a causa jurídica de morte (homicídio, suicídio ou acidente), e onde possam surgir conceitos e teorias discordantes. Essa parte subjecti é sempre valorizada na discussão. A finalidade da perícia é produzir a prova, e a prova não é outra coisa senão o elemento demonstrativo do fato. Assim, tem ela a faculdade de contribuir com a revelação da existência ou da não existência de um fato contrário ao direito, dando ao magistrado a oportunidade de se aperceber da verdade e de formar sua convicção. E o objeto da ação de provar são todos os fatos, principais ou secundários, que exigem uma avaliação judicial e que impõem uma comprovação. Quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico, o juiz será assistido por perito. As perícias se materializam por meio dos laudos, constituídos de uma peça escrita, tendo por base o material examinado. O atestado fornecido por médico particular não substitui o laudo para comprovação da materialidade em processo criminal, a não ser para atender o 1o, do artigo 77, Lei no 9.099/1995. “Tratando-se de infração que deixa vestígios torna-se imprestável o laudo de exame de corpo de delito realizado com base em ficha de atendimento hospitalar, máxime se não havia qualquer impedimento para que a vítima se submetesse à inspeção direta do médico legista, uma vez que fora atendida no mesmo dia da confecção do laudo” (JTA Crim SP, 11:143). Devem as perícias de natureza criminal ser realizadas preferencialmente nas instituições médicolegais e, na inexistência delas, por médicos ou profissionais liberais de nível superior na área de saúde correlata ao fato, nomeados pela autoridade, seja no interesse dos procedimentos policialjudiciários seja nos inquéritos policial-militares. Quanto à legitimidade de requerer a perícia, entendemos que isto não está no fato de alguém ser autoridade, ainda que devidamente nomeada pelo poder público, mas sim daquela que estiver no dever jurídico de determinar a perícia (p. ex., o delegado de polícia que estiver à frente do Inquérito Criminal). A autoridade judiciária investida de sua função tem a prerrogativa de determinar que se procedam aos devidos exames periciais. Ao Ministério Público cabe recomendar a quem de direito a solicitação de perícia. As perícias também podem ser pedidas pela autoridade devidamente nomeada para um determinado procedimento processual em ação pública nos âmbitos penal, administrativo ou militar. Hoje as perícias de natureza criminal estão reguladas pela Lei no 12.030, de 17 de setembro de 2009, estabelecendo como normas gerais que “no exercício da atividade de perícia oficial de natureza criminal, é assegurada autonomia técnica, científica e funcional, exigido concurso público, com formação acadêmica específica, para o provimento do cargo de perito oficial”. Mais: “Em razão do exercício das atividades de perícia oficial de natureza criminal, os peritos de natureza criminal estão sujeitos a regime especial de trabalho, observada a legislação específica de cada ente a que se encontrem vinculados.” E finalmente que “observado o disposto na legislação específica de cada ente a que o perito se encontra vinculado, são peritos de natureza criminal os peritos criminais, peritos médico-legistas e peritos odontolegistas com formação superior específica detalhada em regulamento, de acordo com a necessidade de cada órgão e por área de atuação profissional”. Nas ações penais, o laudo médico-legal não é documento sigiloso. É uma peça pública, como o boletim de ocorrência e o inquérito policial no qual ele é anexado. Quando a autoridade policial acredita que sua divulgação pode prejudicar o andamento da investigação, solicita a um juiz que decrete segredo de Justiça sobre o caso. Nas ações penais privadas, apenas o juiz nomeará o perito, e tal fato não o coloca vinculado à perícia e, por isso, não ficará ele adstrito ao laudo, podendo aceitar ou rejeitá-lo no todo ou em parte (sistema do livre convencimento). Com as modificações do artigo 159 do Código de Processo Penal (Lei no 11.690, de 9 de junho 2008), o exame de corpo de delito e outras perícias poderão ser realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior, e na sua falta pode-se contar com duas pessoas idôneas, “portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame”. Como inovação o fato de ao Ministério Público, ao assistente de acusação, ao ofendido, ao querelante e ao acusado o direito da formulação de quesitos e a indicação de assistente técnico; essa indicação do assistente técnico darse-á a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames, elaboração do laudo pelos peritos oficiais e conhecimento das partes. Quando se tratar de perícia complexa poder-se-á designar mais de um perito oficial e a parte indicar mais de um assistente técnico. Entende-se por perícia complexa aquela que abranja mais de uma área de conhecimento especializado. Nas perícias de natureza civil, o juiz pode nomear o perito tendo as partes 5 (cinco) dias, depois da intimação de despacho de nomeação de perito, a faculdade de indicar assistentes e apresentarem quesitos. O perito apresentará laudo em cartório, no prazo fixado pelo juiz, até vinte (20) dias antes da audiência de instrução de julgamento. Os assistentes técnicos entregarão seus pareceres dez (10) dias após a apresentação do laudo do perito, sem necessidade de intimação. Podem as perícias, de uma forma geral, ser realizadas nos vivos, nos cadáveres, nos esqueletos, nos animais e nos objetos. Nos vivos, visam ao diagnóstico de lesões corporais, determinação de idade, de sexo e de grupo étnico; diagnóstico de gravidez, parto e puerpério; diagnóstico de conjunção carnal ou atos libidinosos em casos de crimes sexuais; estudo de determinação da paternidade e da maternidade; comprovação de doenças profissionais e acidentes do trabalho; evidências de contaminação de doenças venéreas ou de moléstias graves; diagnóstico de doenças ou perturbações graves que interessam no estudo do casamento, da separação e do divórcio; determinação do aborto; entre tantos. Nos cadáveres têm-se como objeto, além do diagnóstico da causa da morte, também da causa jurídica de morte e do tempo aproximado de morte, a identificação do morto, e o diagnóstico da presença de veneno em suas vísceras, a retirada de um projétil, ou qualquer outro procedimento que seja necessário. Nos esqueletos, fundamentalmente, as perícias têm como finalidade a identificação do morto e, quando possível, a causa da morte. As perícias em animais são bem mais raras, mas não se pode dizer que elas não existem. Em face da convivência do homem com os animais domésticos, podem estes, no decurso de um inquérito, apresentar algo de esclarecimento, impondo, assim, uma diligência médico-legal. Desta forma, por exemplo, um animal que participe de uma luta pode apresentar-se ferido ou morto, trazendo em seu corpo um projétil de arma de fogo, tornando-se útil sua retirada para identificação da arma do agressor. Com o advento da disciplina de Medicina Veterinária Legal nos cursos de médicosveterinários, acreditamos que muitas dessas perícias serão realizadas por esses profissionais, principalmente as ligadas à antropologia, aos vícios redibitórios e fraudes, à traumatologia e à toxicologia médico-veterinárias legais. Nos objetos, finalmente, não são raras as vezes em que se pedem identificação de pelos; exames de armas e projéteis; levantamento de impressões digitais; pesquisas de esperma, leite, colostro, sangue, líquido amniótico, fezes, urina, saliva e mucosidade vaginal, nas roupas, móveis ou utensílios. Importância da prova Se há dúvida, a prova não foi feita. Esta é a lógica mais simples. Prova é o elemento demonstrativo da autenticidade ou da veracidade de um fato. Seu objetivo é “formar a convicção do juiz sobre os elementos necessários para a decisão da causa” (Tourinho Filho, FC, in Processo Penal, vol. 3, 16a edição, São Paulo: Saraiva, 1994). O objeto de sua apreciação são todos os fatos, principais ou secundários, que demandam uma elucidação e uma avaliação judicial. Tão grande é a importância da prova, que se pode afirmar que todo processo consiste nela, como disse Mitermayer. É o norte que aponta o rumo da lide. A prova é a voz do fato. Chama-se prova proibida aquela que é obtida por meios contrários à norma. Diz-se que ela é ilícita quando agride uma regra de direito material e de ilegítima quando afronta princípios da lei processual. A avaliação da prova pode ser feita por três sistemas conhecidos: 1. Sistema legal ou tarifado – em que o juiz limita-se a comprovar o resultado das provas e cada prova tem um valor certo e preestabelecido; 2. Sistema da livre convicção, em que o magistrado é soberano, julga segundo sua consciência e não está obrigado a explicar as razões de sua decisão; 3. Sistema da persuasão racional quando o juiz forma seu próprio convencimento baseado em razões justificadas. Este último é o sistema adotado entre nós. Nele, mesmo que o juiz não esteja adstrito às provas existentes nos autos, terá que fundamentar sua rejeição. A sentença terá que discutir as provas ou indicar onde se encontram os fatos do convencimento do juiz. O artigo 157 do Código de Processo Penal diz que o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova. Não se deve confundir convicção íntima com livre convencimento do juiz na apreciação das provas. Dessa forma, o livre convencimento do julgador não é um critério de valoração alternativo secundum conscientiam, mas um princípio racional e metodológico que o leva a aceitar ou rejeitar um resultado pericial capaz de fundamentar sua decisão. A avaliação da prova deve ter o mesmo sentido que tem a decisão judicial: sem motivação ideológica ou emocional, mas tão só baseada na racionalidade e na lei. Assim, ao julgador não se pede uma certeza absoluta, senão que ele encontre a solução mais racional e a juridicamente mais correta para a lide. Não pode ele operar com meras probabilidades ou conjecturas. Bentham sintetizava isso dizendo: “a prova é um meio para se atingir um determinado fim”, e ainda afirmava que “a arte do processo não é essencialmente outra coisa senão a arte de administrar as provas” (in Tratado de las pruebas judiciales, Buenos Aires: Ediciones Juridicas EuropaAmerica, 1971); Malatesta dizia: “a prova é o meio pelo qual o espírito humano se apodera da verdade (in A lógica das provas em matéria criminal, São Paulo: Editora Saraiva, 1960); e Berto Freire (in Medicina legal – fundamentos filosóficos, São Paulo: Editora Pilares, 2010) afirma que a prova deve inserir os elementos necessariamente ligados, e como necessário entende “aquilo que não pode deixar de ser”. Mesmo que exista uma verdade sobre as razões do direito, existe outra: a verdade a respeito dos fatos que se resolve por meio das provas dos autos, ou seja, a verdade material. Assim, cada vez que a astúcia humana torna-se mais e mais sofisticada para fugir da revelação esclarecedora, urge ampliar-se a possibilidade de investir com maior empenho na contribuição da técnica e da ciência como fatores de excelência na elaboração da prova. O verdadeiro destino da perícia é informar e fundamentar de maneira objetiva todos os elementos consistentes do corpo de delito e, se possível, aproximar-se de uma provável autoria. Não existe outra forma de avaliar retrospectivamente um fato marcado por vestígios que não seja pelo seu conjunto probante. Hoje a missão da perícia não é apenas a de “ver e relatar”, traduzida pelo velho dogma do visum et repertum. É muito mais. É também discutir, fundamentar e até deduzir, se preciso for, no sentido de que a busca da verdade seja feita por um modelo de persuasão mais ampliado, principalmente quando algumas evidências são indicadoras ou sugestivas de determinados fatos. É preciso que o clamor da Medicina Legal não cesse nas portas dos tribunais. É indispensável que ela transponha suas soleiras para que a verdade não seja o apanágio de uma avaliação isolada e intimista, e que a sentença seja uma proposta elaborada por um sistema ampliado e por uma decisão compartida. A importância da prova está, pois, na necessidade que tem o julgador de fundamentar a convicção de sua sentença. Mesmo que a jurisprudência admita decisões quando várias evidências se juntam em um único fato. Todavia, o ideal será sempre que elas se inspirem em provas idôneas, veementes e devidamente justificadas. Há motivos políticos e sociais que começam a reclamar do perito médico-legal posições mais coerentes com a realidade que se vive. Um modelo capaz de revelar um melhor papel que o seu trabalho venha a desempenhar no complexo projeto de seus deveres e obrigações, e que possa apontar com justiça e equilíbrio o caminho ideal nas justas e reclamadas exigências do bem comum. Sendo o perito um profissional de conhecimentos e experiências a serviço da Justiça, ele passa a ser um agente do mais indiscutível valor nas decisões em favor das políticas jurídico-sociais, contribuindo assim com o interesse público e com a paz social. Sua missão em favor do cumprimento da ordem legal é tão significativa, que não se pode entendê-la jamais a serviço da injustiça, e sim ao lado da verdade, qualquer que seja a consequência que disto possa advir. É claro que esta forma de atuar com independência e retidão não depende apenas do perito, mas de uma estrutura institucional e hierárquica capaz de assegurar-lhe a segurança de emitir seus pareceres e não sofrer ameaças a sua integridade e a sua honestidade profissional. O primeiro compromisso em favor da prova é a qualidade do trabalho que se realiza. Na avaliação do dano pessoal, a primeira coisa que se exige em exames dessa ordem é a caracterização do dano corporal ou funcional, especificado pelas características e pelos padrões médico-legais a que se propõe a perícia. A boa qualidade da prova também exige do perito uma certa disciplina metodológica em que se levem em consideração três requisitos básicos: a) utilização de técnicas médico-legais reconhecidas e aceitas com a segurança capaz de executar um bom trabalho; b) utilização dos meios subsidiários necessários e adequados para realizar cada caso, em que se tenha a contribuição irrecusável da tecnologia pertinente; c) utilização de um protocolo que inclua a objetividade de roteiros atualizados e tecnicamente garantidos pela prática legispericial corrente. Outro problema não menos complexo é o da avaliação da existência de dano anterior ou do estado anterior da vítima quando se quer estipular existência de dano físico ou psíquico. Valor racional da prova Cada vez mais se confirma a ideia de que a prova médico-legal no âmbito da administração judiciária deve ser constituída não apenas por um relato meramente descritivo sobre uma determinada realidade fática, mas que esteja alicerçada por um processo de fundamentação racional para a apuração da verdade que se quer apurar. O valor racional de uma prova está diretamente no maior ou menor grau de aceitabilidade das informações ali contidas e que podem contribuir na avaliação do conflito como um insuprível meio de comprovação de um fato. Em suma: se as afirmações ali contidas podem ser acatadas como verdadeiras. Isso não quer dizer que diante de afirmações aceitas como verdadeiras elas venham a alcançar um nível de informações capaz de dar ao julgador os elementos suficientes para seu convencimento. Todavia, o princípio da livre convicção de que dispõe o julgador não se constitui um critério alternativo de prova, mas um princípio metodológico que lhe faculta aceitar ou rejeitar a prova e fundamentar sua decisão. Entender que a convicção pessoal do juiz, por si só, não prova nada. A valoração de uma prova produzida ganha força a partir da razoabilidade e da aceitabilidade das informações prestadas, dos meios utilizados para firmar as conclusões e dos elementos que induzem a uma suficiente probabilidade. Os modelos mais convincentes de valoração racional de uma prova são: 1) o que é baseado na utilização de meios ou recursos matemáticos (probabilidade matemática) – deduz-se a partir de dados estatísticos; 2) o que é baseado em esquemas de confirmação (probabilidade indutiva) – deduz-se através da probabilidade lógica. Nos processos civis é mais comum aceitar-se que o resultado da prova seja instruído por uma probabilidade lógica, e nos processos criminais costuma-se aceitar o resultado embasado na probabilidade matemática. Mesmo que a prova médico-legal seja um julgamento pessoal obtido sobre fatos a partir de métodos e recursos técnicos e científicos, ela não deixa também de ter sua apreciação subjetivista e, por isso, pode não contar com a certeza absoluta. Ela não pode ter o caráter de incontrovertibilidade. A verdade real não existe, é uma ficção. O que se pode aceitar é a verdade processual. O conceito de absolutização do fato provado não deve levar ao julgador a ideia de sacralização da prova nem se pode exigir do perito que ele assuma suas convicções como última verdade. Devese permitir a ponderação. Não há nenhum exagero em aceitar-se a prova como um feito dedutivo, demonstrativo ou analítico, assim como se dá ao julgador tal direito sobre a verdade. Nem sempre a prova oferece um resultado que faculte uma solução fácil do caso nem mesmo que ela por si só seja capaz de apontar todas as verdades que encerram o conflito. É imperioso que o laudo pericial não se afaste de sua verdade objetiva ou material representada pela correta descrição do que é visto e se aproxime também da verdade subjetiva ou processual retratada pelas conclusões oriundas do conjunto dos elementos materiais. Na prova médico-legal exige-se identificar e justificar. Quem faz uma afirmação tem de se explicar, principalmente através de uma exposição de razões que sustentem a verdade das afirmações. Quanto mais justificada for a prova, mais credibilidade ela impõe. A prova não pode ficar apenas na afirmação pura e simples de quem a produz, mas nos fundamentos que levaram a tal convicção. A justificativa é uma garantia das razões do convencimento pericial. Mesmo que a identificação do fato seja feita por um processo racional, a simples descrição dos feitos necessita de razões justificatórias para convencer o analista do laudo, o que vai influenciar psicologicamente em cada decisão. Por isso, não é exagerado que os operadores jurídicos motivem a existência de uma justificação como mais um elemento valorativo da prova. Assim, o perito não deve apontar uma verdade que não possa justificar, principalmente porque não é raro existirem ao longo da descrição fatos que parecem irracionais ou de difícil compreensão. Muitos acham que tais justificativas não devem se prender apenas ao que é relevante para a decisão judicial, mas a todo o acervo objetivo que se evidenciou no decorrer da perícia. Nesse particular há duas formas de esclarecimentos: uma de caráter analítico que consiste na exposição pormenorizada de todos os elementos de valor probatório que levaram à afirmação pericial; e outra genérica que se fundamenta na justificação global dos fatos observados. Na prática médico-legal tem prevalecido, malgrado todo esforço, a técnica do relato que se constitui tão só na descrição sumária e pouco detalhada dos danos estudados, muitas vezes com a simples nominação das lesões, como por exemplo ferida contusa, queimadura, carbonização, entre outros. A técnica do relato puro e simples em vez de esclarecer pode confundir e com isso favorecer uma decisão insuficientemente fundamentada por falta de suas necessárias justificações. Um mero assinalamento pode até pressupor uma verdade, mas não representa as razões da mesma. Uma perícia pode até representar um relato fático, mas não aponta a racionalidade do feito. Noções de corpo de delito Para o devido reconhecimento da verdade jurídica que se quer restabelecer, o direito processual penal se vale das provas para a formação da convicção do julgador. Diz o Código de Processo Penal: “Artigo 158: Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.” E mais: “Artigo 167: Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.” A falta ou omissão do exame de corpo de delito leva à nulidade do processo, conforme tem-se confirmada na prática forense. Seja qual for o enfoque dado ao corpo de delito direto – ainda que diverso no seu núcleo conceitual, há de se o admitir como um elenco de lesões, alterações ou perturbações, e dos elementos causadores desse dano, em se tratando dos crimes contra a vida e a saúde do ser humano, desde que possa isso contribuir para provar a ação delituosa. Ipso facto, corpo de delito é uma metáfora, pois supõe que o resultado do delito, considerado nos seus aspectos físicos e psíquicos, registre um conjunto de elementos materiais, mais ou menos interligados, dos quais se compõe e que lhes constituem uma reunião de provas ou de vestígios da existência do fato criminoso. Desta forma, corpo de delito direto aqui considerado tem o sentido somático ou psíquico, composto de elementos percebidos pelos sentidos ou pela intuição humana. Sendo assim, não representa apenas os elementos físicos, mas todos os elementos acessórios que estão conectados a determinado fato delituoso característico de infração penal. Em suma, corpo de delito direto é a base residual do crime, sem o que ele não existe. Quando o exame de corpo de delito não é feito, de maneira direta ou indireta, em crimes que deixam vestígios, o processo pode ser nulo (art. 564 III, b, do CPP). Pode ser de caráter permanente (delicta factis permanentis) ou passageiro (delicta factis transeuntis). É, portanto, o conjunto dos elementos sensíveis do dano causado pelo fato delituoso e a base de todo procedimento processual. Chamam-se elementos sensíveis aqueles que podem afetar os sentidos, ou seja, podem ser percebidos pela visão, gustação, tato, audição e olfato. Só pode ser encontrado naquilo que foi atingido pelo evento criminoso. Todavia, não se deve confundir corpo de delito com corpo da vítima, levando-se em conta o fato elementar que este último é apenas um dos elementos sobre o qual o exame pericial buscará os vestígios materiais que tenham relação com o fato delituoso. O exame do corpo da vítima é apenas uma fase do exame de corpo de delito. O corpo de delito direto se compõe da existência de vestígios do dano criminoso, da análise do meio ou do instrumento que promoveu este dano, do local dos fatos e da relação de nexo causal. Chama-se corpo de delito direto quando realizado pelos peritos sobre vestígios de infração existentes, e corpo de delito indireto quando, não existindo esses vestígios materiais, a prova é suprida pela informação testemunhal. A denominação de corpo de delito indireto não deixa de ser imprópria, pois o corpo de delito existe ou não existe, e, não existindo, constitui apenas um fato testemunhado. Todavia, em nossa jurisprudência, há referências sobre o uso de prova documental existente nos autos como meio de suprir o corpo de delito direto. Habeas Corpus. Exame de Corpo de Delito Indireto. “O exame de corpo de Delito direto pode ser suprido se desaparecidos os vestígios sensíveis da infração penal, por outros elementos de caráter probatório existentes nos autos, notadamente os de natureza testemunhal ou documental”. (STJ, Min. Felix Fischer, 5a Turma, HC 23.898/MG) Quando, para caracterizar uma infração, for necessária a existência de vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito direto, não podendo supri-lo nem mesmo a confissão do suspeito. Tal fato justifica-se na exigência da presença de provas, diretas ou indiretas, e na filosofia penal liberal que se inclina no sentido de salvaguardar as garantias individuais do acusado. Deste modo, em uma circunstância de causa mortis “indeterminada”, com a ausência de vestígios internos ou externos de violência registrada em uma necropsia médico-legal, complementada por exames subsidiários negativos, não se pode cogitar de morte violenta, nem muito menos apontar-se uma autoria, por mais que as aparências possam insinuar. Destarte, o corpo de delito direto fica limitado exclusivamente aos elementos materiais produzidos pela infração ou que tenham concorrido para sua existência. Isso não quer dizer que outros elementos não sejam significativos para se ter um melhor entendimento do corpo de delito e da ação ou do meio gerador desse evento, como por exemplo o estudo de uma arma ou de um objeto utilizado no crime. Díaz, citado por Bonnet (in Medicina Legal. 2a edição, Buenos Aires: Libreros Editores, 1990), afirma que no corpo de delito devem ser considerados: 1. Corpus criminis – a pessoa ou a coisa sobre a qual se tenha cometido uma infração e em quem se procura revelar o corpo de delito. No entanto, sua presença isolada não configura a existência do elemento palpável da antijuridicidade. Ou melhor, o corpo da vítima não é o corpo de delito, senão um elemento no qual poderiam existir os componentes capazes de caracterizar o corpus delicti. 2. Corpus instrumentorum – a coisa material com a qual se perpetrou o fato criminoso e na qual serão apreciadas sua natureza e sua eficiência. 3. Corpus probatorum – o elemento de convicção: provas, vestígios, resultados ou manifestações produzidos pelo fato delituoso. Ou seja, o conjunto de todas as provas materiais de um crime. Há de se considerar ainda o que se passou a chamar de “exame de corpo de delito indireto” ou de “laudo indireto”. Não existe laudo indireto. Todo laudo é direto, mesmo porque ele está consagrado pela expressão “visum et repertum” (ver e repetir ou ver e referir), significando aquilo que foi examinado e é dado a conhecer. Os exames, portanto, são feitos de forma incorreta usando-se dados contidos em cópias de prontuários, relatórios de hospital ou simples boletins de atendimento médico, quando diante da impossibilidade do exame no periciando, principalmente em casos de lesões corporais ou necropsias. Entendemos que os peritos, para elaborarem os laudos ou autos de corpo de delito, devem imperiosamente examinar o paciente, constatando as lesões existentes e analisando com critérios a quantidade e a qualidade do dano, assim como toda e qualquer circunstância digna de registro, respondendo em seguida aos quesitos formulados. Por isso, não podem eles se valer exclusivamente de cópias de prontuários ou relatórios hospitalares. Estes documentos, quando existirem, devem servir, isto sim, para uma análise a critério da autoridade. Nunca solicitar dos peritos, que não examinaram a vítima, tal exame de corpo de delito baseado tão só em prontuários ou boletins de atendimento médico. O máximo que a autoridade pode exigir da perícia, em forma de parecer, é a interpretação de alguns pontos mais obscuros ou controversos contidos naqueles documentos, como, por exemplo, a existência ou não do perigo de vida configurado em circunstâncias iguais àquela. Jamais a reconstituição de um quadro, principalmente quando decorrido um certo tempo. Insistindo-se em tal procedimento, pode-se dizer que este documento médico-legal é imprestável para fins probantes, pois a lei processual penal reporta-se de maneira muito clara: “Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.” O perito ainda pode responder por infração ao artigo 92 do Código de Ética Médica que assim se expressa: “É vedado ao médico: Assinar laudos periciais, auditorias ou de verificação médico-legal quando não tenha realizado ou participado pessoalmente do exame.” Outra questão diversa, no entanto, é a utilização de atestados médicos ou declarações de hospitais, como de uma cirurgia ou de um laudo radiológico, para subsídio no ato do Exame de Corpo de Delito Direto ou do Exame da Sanidade de um paciente que está sendo examinado pelo perito. Em síntese, existem duas formas de consignar danos oriundos de uma agressão: a primeira em que, por terem de algum modo desaparecido os vestígios, se confirma o fato de forma indireta por meio da prova testemunhal (corpo de delito indireto), e a segunda em que este exame é lavrado a partir de vestígios deixados pela infração por meio do exame pericial (corpo de delito direto). Valor do exame realizado por um só perito O laudo de exame de corpo de delito é tão importante no processo, que nossa lei adjetiva penal o considera insuprível e indispensável até mesmo diante da confissão do acusado (artigo 158). Agora, com as mudanças do Código de Processo Penal, fica estabelecido que “o exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior”. E que “na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame”. Logo a lei passa a admitir que as perícias possam ser feitas por um único perito oficial. Todavia, “tratando-se de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, poder-se-á designar a atuação de mais de um perito oficial, e a parte indicar mais de um assistente técnico”. Mesmo que as perícias venham sendo feitas, na sua maioria, por um único perito, será que um laudo elaborado nestas condições tem o valor probante e inquestionável que se espera de uma prova? Tão certo que não basta um só perito é que se faculta ao Ministério Público, ao assistente de acusação, ao ofendido, ao querelante e ao acusado a formulação de quesitos e indicação de assistente técnico. Ou seja, que se traga mais alguém para fortalecer o contraditório. O Supremo Tribunal Federal antes, em sua Súmula 361, deixava o assunto assim definido: “No processo penal, é nulo o exame realizado por um só perito, considerando-se impedido o que tiver funcionado, anteriormente, na diligência da apreensão.” Em matéria relativa ao tema, o juiz Márcio José de Moraes, de São Paulo, em sentença proferida em uma ação declaratória em favor de Clarice Herzog e filhos, contra a União Federal, exclui toda validade do laudo, cujo exame foi efetivado por apenas um perito, ao afirmar: “De tais motivos decorre a ineficácia do laudo de exame de corpo de delito realizado no cadáver de Vladimir Herzog e, consequentemente, ficam prejudicadas todas as conclusões a que o mesmo chegou, o que torna imprestável para fins probatórios pretendidos pela União Federal.” Pode parecer absurdo ou descabida exigência fazer com que, por exemplo, em um exame de lesão corporal, onde existam apenas discretas escoriações, obrigue-se a presença de dois peritos. Não, não é. A experiência tem demonstrado que não. E, no mundo da Medicina Legal, não existem casos simples. Tudo é importante. Cada caso pode encerrar, por mais simples que pareça, significações tão complexas quanto se possa imaginar. Assim, mesmo levando-se em conta a capacidade profissional e a idoneidade do perito; a praxe, entre nós, de o exame ser feito por um só legista e também ser assinado por um outro que não participou do evento; e estar o documento constituído de todas as suas partes e devidamente descrito e fundamentado no melhor rigor técnico, à luz da lógica científica, entendemos que o exame feito por um só perito é insuficiente como valor probante no curso de uma apreciação pericial, pois omite a oportunidade do contraditório. O Supremo Tribunal Federal já considerou corpo de delito indireto o laudo assinado por um só perito, corroborado por testemunhas (RTJ 65/816). Estranho, pois é consenso que o exame de corpo de delito indireto não pode ser admitido quando é possível a realização do exame direto. (Ver Nilo Batista. Decisões Criminais Comentadas. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1976, p. 105.) Exames para os Juizados Especiais Cumprindo o que estatui o artigo 98 da Constituição Federal, que cria os Juizados Especiais Cíveis e Criminais (Tribunais de Pequenas Causas), orientados para julgarem, entre outros, os crimes de menor potencial ofensivo (as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 anos, cumulada ou não com multa), admite-se a dispensa do inquérito policial e do exame de corpo de delito quando a materialidade do crime estiver aferida por boletim médico ou prova equivalente. É o que determina o § 1o, do artigo 77, da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995. As razões desses Juizados Especiais é a simplicidade, a celeridade e a informalidade como mecanismos de economia processual, procurando-se maior rapidez nas soluções de pequenos conflitos, pela transação e conciliação. Entre esses crimes de menor potencial ofensivo estão alguns sujeitos à apreciação técnica. Agora, com o informalismo dessas ações, pode-se dispensar o exame de corpo de delito, desde que substituído por simples boletim de ocorrência médica. Acreditamos que essa tenha sido a maneira encontrada de solucionarem pequenos conflitos que se arrastavam em demorados processos. Também uma forma de desafogar os Institutos MédicoLegais de exames irrelevantes e insignificantes, deixando-se para esses órgãos os casos mais complexos. Todavia, há algumas situações que devem ser consideradas, como, por exemplo: 1 o – Se a ação não se encerrar no Juizado de Pequenas Causas e prosseguir para a Justiça Comum, como resgatar os elementos constitutivos do corpo de delito? 2o – Se a natureza da lesão for leve no momento da agressão e depois da conciliação e da transação vier a ser agravada após a sentença irrecorrível do juiz, como remediar tal questão? 3o – Se não há conciliação ou transação entre as partes, a Justiça comum terá como instruir o processo, sabendo-se que a falta da materialidade por meio do exame de corpo de delito leva à nulidade processual? Como proceder? Hoje, por meio da exegese fornecida por respeitáveis doutrinadores e pelos tribunais superiores, tais indagações já têm respostas. Vejamos: 1. Na prática, se houve um erro dos peritos ao elaborar o laudo, que leve o representante do Ministério Público a entender que a lesão é grave ou gravíssima, o processo é redistribuído para uma das varas criminais comuns e então o novo Promotor de Justiça aditará a denúncia e requisitará ao Juiz um novo exame ou um exame complementar, uma vez que, na hipótese aqui ventilada, a lesão não mais seria leve, e sim grave ou gravíssima. Ou ainda, se não mais existirem vestígios, o mesmo se valerá da prova indireta, através do prontuário médico, das testemunhas, ou de um parecer médicolegal. 2. Da conciliação ou transação aceita pelo Autor do Fato, cabe ao Juiz homologar ou não. Homologada a transação ou a conciliação, e cumpridas as exigências legais, o processo é arquivado. Não aceita a transação ou a conciliação pelo autor do fato, o processo segue para Instrução e Julgamento, instalando-se o contraditório e a ampla defesa, e ao final uma sentença absolutória ou condenatória, cabendo recurso para a Turma Recursal. Porém, nada impede na transação ou na conciliação, uma vez que não é apreciado o mérito da questão, que seja a ação novamente proposta em outra vara criminal se um evento de maiores proporções venha a ocorrer em virtude de uma causa superveniente ou preexistente agravante com nexo causal decorrente da lesão leve inicial. Esta situação já está prevista no Código de Processo Penal. Na Lei no 9.099/95, ficou estabelecido que às situações não contempladas pela lei serão aplicados subsidiariamente o Código Penal e o Código de Processo Penal. Portanto, se após a conciliação ou a transação, ou mesmo, após a sentença transitada em julgado ficar provado que a vítima teve seu estado de saúde agravado ou então venha a falecer em decorrência da lesão leve recebida, o processo será agora apreciado pela Justiça Comum, e novas provas serão realizadas sem prejuízo para o Estado (Acusação). 3. Se não há conciliação ou transação, o processo será remetido para instrução e julgamento no próprio juizado. Ou ainda, o Promotor de Justiça poderá lançar a proposta da suspensão condicional do processo. Junta Médica A Junta Médica, quando no interesse da administração pública, concentra-se em avaliar as condições físicas e psíquicas dos funcionários na sua admissão, no retorno ao trabalho, ou afastamento para tratamento, ou aposentadoria. No Serviço Público Federal, sua composição, sua atribuição e suas características são definidas em lei, decreto, regulamento, resolução ou orientação normativa. A Orientação Normativa no 41 do Departamento de Recursos Humanos/SAF (Secretaria de Administração Federal) estabelece: “Compete aos dirigentes de pessoal dos órgãos da administração direta, das autarquias e das fundações federais a designação de juntas médicas oficiais, compostas de 3 (três) membros.” Para alguns, a Junta Médica pode ser constituída por dois membros, mas, neste caso, pode existir a necessidade de desempate. O parecer CFM (Processo Consulta CFM no 4362/94) diz: “Por junta médica, “lato sensu”, entende-se dois ou mais médicos encarregados de avaliar condições de saúde, diagnóstico, prognóstico, terapêutica etc., que podem ser solicitadas pelo paciente ou pelos familiares, ou mesmo proposta pelo médico assistente. Quando com finalidade específica, administrativa, tem a missão de avaliar condições laborativas ou não e, assim, fundamentar decisões de admissão, retorno ao trabalho, afastamento para tratamento ou aposentadoria. Nesses casos sua composição será definida em lei, decreto, regulamento, resolução ou orientação normativa.” O ideal seria que a Junta Médica fosse constituída por especialistas que atuassem em sua própria área. Mas, como isto é impossível, e tendo o médico competência legal para exercer a medicina em sua amplitude, ele pode ser de uma especialidade mais próxima possível do que avalia e, quando for necessário, pode recorrer a atestados ou laudos de especialistas para esclarecer um diagnóstico ou fundamentar suas conclusões. Em tese, o médico pode compor uma Junta independentemente de sua especialidade. Por analogia, pode-se dizer que o médico não pode participar de uma Junta que examine seu próprio paciente, pessoas da família ou de alguém com o qual tenha relações capazes de influir em seu trabalho (CEM, artigo 93). No que diz respeito aos atestados às Juntas Médicas, o Parecer-Consulta CFM no 01/2002 diz: “A Junta Médica pode e deve, quando em situações de conflito entre o atestado médico emitido pelo médico assistente e o observado pela própria Junta, no exame físico e na análise dos exames complementares do periciado, recusar ou homologar o entendimento semelhante ou diverso do médico assistente, atendendo ao previsto nas diretrizes recomendadas em consenso das Sociedades de Especialidades.” A Junta Médica oficial pode solicitar pareceres de médicos especialistas para esclarecer diagnóstico e fundamentar o laudo conclusivo. A conduta das Juntas de Perícia Médica deve ser norteada pela legislação específica, Resolução CFM no 1.488/98 e Código de Ética Médica. Segunda perícia De acordo com o artigo 182 do Código de Processo Penal: “O juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte.” Tal prerrogativa lhe dá o direito, de ofício, de determinar a realização de uma nova prova, desde que a primeira não tenha lhe conferido as informações necessárias para esclarecimento da matéria ou que ele julgue a perícia sem condições probantes por omissão, incoerência ou falta de sustentação e clareza nas afirmações do perito. Esta faculdade também está exposta no Código de Processo Civil: “O juiz poderá determinar, de ofício ou a requerimento da parte, a realização de nova perícia, quando a matéria não lhe parecer suficientemente esclarecida.” Este ato pode ser proferido antes ou no curso da audiência de instrução e julgamento, mesmo depois dos esclarecimentos do perito e dos assistentes técnicos. A segunda perícia rege-se pelas disposições estabelecidas para a primeira, porém não substitui a primeira, cabendo ao juiz apreciar livremente o valor de ambas. A segunda perícia tem por objeto os mesmos fatos sobre o que recaiu a primeira e destina-se a corrigir eventual omissão ou inexatidão dos resultados a que esta conduziu. Como a segunda perícia não substitui a primeira, verifica-se um fato desconfortante: nos autos, ficam constando duas perícias, uma vez que a segunda não substitui a primeira e, por isso, devem ambas ser livremente apreciadas pelo juiz e pelas partes. Cabendo ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias, entende-se que em casos excepcionais, o juiz pode pedir uma nova perícia, principalmente quando há fatos novos no processo, sempre ao seu talante e não a pedido das partes. Prova pericial e consentimento livre e esclarecido Considerando-se o princípio constitucional expresso no artigo 5o – II que diz: “ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” e, ainda, o que assegura o STF dizendo “ninguém pode ser coagido ao exame ou inspeção corporal, para a prova cível” (RJTJSP 99/35, 111/350, 112/368 e RT 633/70), resta evidente que ninguém está obrigado a ser submetido a qualquer tipo de exame pericial sem sua permissão. Mesmo que se trate de matéria de ordem pública, em que o interesse comum prepondera ao do particular, ainda assim a averiguação da verdade não pode nem deve se sobrepor aos direitos e ao respeito que se impõem ao examinado, que venha a se omitir ou a se deixar examinar. Não cabe dizer que “os fins justificam os meios”. Ninguém discute que a prova médico-legal, em tantos casos, seja de importância indiscutível quando busca evidências no momento de avaliar suas origens e suas consequências diante dos diversos interesses jurisdicionais. Todavia, para se realizar uma perícia médica, qualquer que seja a sua natureza, com ou sem os chamados métodos invasivos, deve-se obter o consentimento livre e esclarecido do examinado ou de quem legalmente o represente. Não seria correto admitir-se apenas o consentimento daqueles que são assistidos nas práticas assistenciais e preventivas das ações de saúde. Desta forma, quando do exame médico-pericial, deve o perito informar previamente sobre o objeto, fins, riscos, métodos e exames que se devem realizar, assim como quem solicitou aquele procedimento. Ainda mais: tais informações devem ser prestadas pelo próprio perito ao examinado capaz ou aos seus representantes legais; devem ser dadas antes do início do exame; devem ser emitidas em linguagem compreensível (princípio da informação adequada). Assim, pode-se afirmar que o examinado diante de uma avaliação médico-legal tem o direito constitucional de recusar-se à realização do exame, pois ele está com essa negativa exercendo a prerrogativa de não submeter o seu próprio corpo a uma prova que não deseja e o direito de não depor ou apresentar provas contra si próprio. Isto já está muito claro quando da decisão do Superior Tribunal de Justiça na recusa de submissão à coleta de sangue nos exames de paternidade, embora seja isto considerado uma ficta confessio ou não dentro da lógica indiciária. A recusa de um periciando menor de idade à realização de um exame médico-legal presume também um princípio de que esta determinação deve ser respeitada. Há quem defenda este fato em determinadas circunstâncias, principalmente quando o examinando não tem a devida compreensão do que se quer apurar, como, por exemplo, em uma perícia dos chamados crimes sexuais. Em casos desta natureza, acredito que os pais ou responsáveis legais não têm permissão para autorizar a realização da perícia contra a vontade do menor. O correto será encaminhar o caso ao Conselho Tutelar da Criança e do Adolescente ou diretamente ao Juizado de Menores. O limite da idade do menor deve ser aquele em que ele entenda a gravidade da ofensa recebida, o alcance de sua decisão e a responsabilização dos autores. A idade, portanto, não é o único parâmetro avaliado, devendo-se levar em conta que o menor tem o direito à reserva de intimidade de sua vida privada. Caso a autoridade competente entenda que a perícia deve ser feita no legítimo interesse do menor e da própria sociedade, tudo deve ser feito de maneira que não coloque em risco o seu bem-estar, o interesse da ordem pública e, principalmente, o superior interesse do examinado. Revista corporal no âmbito dos IMLs A Declaração de Budapeste que trata da procura de objetos em corpos de prisioneiros, adotada pela 45a Assembleia Geral da Associação Médica Mundial em Budapeste, Hungria, em outubro de 1993, preocupada com o modo com que esta busca é realizada nos corpos dos prisioneiros – que inclui exame retal e pélvico, executada na população prisional em vários países do mundo –, chama a atenção para o fato de que estas práticas estão sendo feitas por alegadas razões de segurança e não por motivos médicos. A Associação Médica Mundial chama a atenção dos governos e funcionários públicos responsáveis pela segurança que tais procedimentos invasivos se constituem em agressão séria à privacidade e à dignidade de uma pessoa e que causam riscos de dano físico e psicológico. Se esta questão preocupa quando aplicada aos prisioneiros detidos pela prática de crimes, muito mais séria se torna quando se trata de parentes ou familiares de presos no momento do ingresso para visitas ao detento nos presídios ou quando os encaminhados para exame são apenas suspeitos. Neste caso é mais flagrante o desrespeito ao princípio da presunção da inocência. O mais grave, todavia, é quando o Estado, deixando de lado o que regula a matéria, transforma em seus “inimigos” os familiares do prisioneiro, impondo-lhes procedimentos desprezíveis de revista corporal por ocasião das visitas em estabelecimentos penais, tudo em nome de um estado de direito e de uma paz pública, ambos vistos ainda como uma promessa. É preciso que se desmistifique o conceito de que a intervenção corporal faz parte da revista pessoal. Isto é falso porque a primeira pressupõe a busca de prova de maneira invasiva no interior do corpo e a segunda é externa, superficial, pois é realizada apenas sobre o corpo e as vestes do revistado. A questão referente à pessoas suspeitas de ocultarem objetos ou materiais em seu corpo encaminhadas para exame nos Institutos de Medicina Legal parece-nos, ainda, muito mais grave, tanto pelo aspecto, pois este indivíduo é apenas um suspeito, como pela ótica moral em face do vilipêndio aos seus direitos constitucionais e do ultraje a sua dignidade como ser humano. Em certo relato de denúncia, o Tribunal de Justiça de São Paulo, em um pedido de Habeas Corpus, determinou o trancamento de Ação Penal por considerar inexistência de justa causa. Os policiais levaram uma mulher para ser submetida a exame ginecológico. De acordo com a denúncia, o médico que a atendeu retirou da vagina da acusada 49 gramas de maconha. Para os desembargadores da 16a Câmara Criminal, a prisão da ré só foi determinada no interesse da prática invasiva, feita contra a vontade da acusada e por determinação dos policiais, sem a autorização da Justiça. Nada mais elementar do que entender o quanto tais intervenções afetam o pudor, o recato e a intimidade. “Evidente a incompatibilidade com a ordem constitucional dos fundamentos da determinação de que a paciente fosse submetida ao exame ginecológico, contra a sua vontade, em evidente afronta aos direitos à intimidade, à inviolabilidade de seu corpo e à sua dignidade”, sintetizou o relator. Tribunal de São Paulo – QUINTA CÂMARA CRIMINAL Recurso provido. Julgamento: 06/09/2005 - TRATAMENTO DESUMANO OU DEGRADANTE (ART. o5, III C.F.). PROVA ILÍCITA (ART. 5o LVI, C.F). ABSOLVIÇÃO Constatou-se que a apelante, ao submeter-se a revista íntima no Presídio Muniz Sodré, Complexo Penitenciário de Bangu – onde visitaria um preso –, trazia consigo, dentro da vagina, 317 g de maconha. O modo como se fez a apreensão do entorpecente, no interior da vagina, constitui prova obtida por meios ilícitos, inadmissíveis no processo (art. 5 o, LVI, Constituição Federal). Essa revista pessoal – obrigada a visitante a despir-se completamente, abaixar-se, abrir as pernas, fazer força, pular – é vexatória, degradante, violenta o direito à intimidade (art. 5o, X, C.F.) e a dignidade da pessoa humana (art. 1o, III, C.F.), nenhum valor processual tendo a prova assim obtida. (...).“ (José Frederico Marques). O ato de revista à intimidade do corpo é uma afronta aos direitos humanos e uma prática que foge das atividades médico-legais que são sempre em favor da Justiça e no interesse dela. Esse tipo de perícia degrada e humilha o ser humano que, diante de terceiros, é obrigado a expor suas partes íntimas e ser tocado no ânus e na vagina em nome de uma falsa segurança pública. Isso não é diferente de uma prática de tortura. O Estado deve disponibilizar para os institutos de perícias forenses meios e instrumentos, como a semiologia de imagem radiológica, capazes de respeitar a intimidade dos examinados. E mais: se um indivíduo, qualquer que seja sua condição econômica ou social, se recusar a fazer o exame, seu pedido deve ser respeitado porque isto é um direito assegurado pela Constituição, como uma prerrogativa que todos têm de não apresentar prova contra si. Presença dos advogados em locais de exames A Lei no 8.906, de 4 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia, e a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, em seu Capítulo II – Dos Direitos do Advogado, artigo 7o, diz em seu item VI, letra c, que são direitos do advogado “ingressar livremente em qualquer edifício ou recinto em que funcione repartição judicial ou outro serviço público onde o advogado deva praticar ato ou colher prova ou informação útil ao exercício da atividade profissional, dentro do expediente ou fora dele, e ser atendido, desde que se ache presente qualquer servidor ou empregado”. Desta forma se entende que estando o advogado devidamente habilitado em determinada ação tem ele o direito de comparecer e assistir aos procedimentos onde se colhem as provas em favor de seu constituinte, mesmo durante inquérito policial. Com muito mais razão se esta é a vontade do seu assistido e se não existe assistente técnico indicado. Tais prerrogativas da norma que regula o ingresso do advogado em determinados locais e recintos tem o sentido de ampliar a lisura e a transparência dos atos do inquérito ou do processo. É claro que a presença do advogado em determinados exames pode trazer algum constrangimento, mas isto será facilmente resolvido com a aquiescência ou não do examinado. Se considerarmos tão só o disposto no Código de Processo Penal, pode-se deduzir que os atos policiais praticados no curso do inquérito – incluso o corpo de delito – não estão acessíveis ao constituído do investigado. Todavia os regulamentos concernentes ao exercício da advocacia não são estranhos à circunstância sob análise e, por assim ser, não é possível descartar-se a incidência do disposto na Lei no 8.906/94, artigo 7o, inciso VI, letra c. Pode parecer a ocorrência de uma colisão das normas supracitadas aplicáveis ao caso e que seriam, em princípio, inconciliáveis. Entretanto, há apenas um aparente conflito de normas jurídicas. Imperioso reiterar-se, aqui, a circunstância de a presente análise ser procedida tomando-se como referencial os aspectos próprios do procedimento na fase inquisitorial, pois, como se sabe, na fase processual isto é líquido e certo. A realização do exame de corpo de delito, ainda que inserida no conjunto de meios e condutas utilizáveis na prática do Inquérito Policial para aferição da ocorrência de fato delituoso, não necessita de ser levada a termo de forma secreta, uma vez que esse modo de fazer não se apresenta necessário à validade e à eficiência do que se quer apurar no interesse da sociedade. Sabe-se, extraindo-se da norma penal, que o instituto do sigilo não é absoluto e não pode ser imposto de forma indiscriminada, sem com isso deixar-se de ter em conta o interesse social sempre que exista um crime sob investigação. Nesse sentido, vale registrar decisão proferida pela Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 4a Região, verbis: 1. A constitucional publicidade dos atos processuais e o direito de acesso indispensável ao exercício da advocacia encontram limites na proteção social, nos estritos limites das hipóteses legais e enquanto a descoberta da diligência pudesse frustrar seus objetivos. Precedentes. 2. Não podem ser admitidas medidas restritivas a direitos dos cidadãos (prisão, sequestro de bens, invasão de domicílio para busca e apreensão, violação dos sigilos constitucional ou legalmente protegidos…) baseadas em investigações cujo segredo se mantenha. 3. Sempre terão o investigado e seu advogado acesso aos autos de inquérito policial e, uma vez concluída a diligência sigilosa, mesmo a ela será então permitido acesso imediato dos investigados, não existindo direito ao Estado de vedar tal acesso pelo interesse de continuidade em novas diligências investigatórias. 4. Segurança concedida. (TRIBUNAL – QUARTA REGIÃO. MS – MANDADO DE SEGURANÇA. Proces 200504010332337 UF: PR Órgão Julgador: SÉTIMA TURMA. Data da decisão: 27/09/200 Documento: TRF400114877. Fonte DJU DATA: 19/10/2005 PÁGINA: 1254. Relator(a) NÉF CORDEIRO. Data Publicação 19/10/2005.) No mesmo sentido é a opinião de Guilherme de Souza Nucci (in Manual de Processo Penal e Execução Penal, 2a edição, Revista, atualizada e ampliada, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 150): “Além da consulta aos autos, pode o advogado participar, apenas acompanhando, a produção das provas. É consequência natural da sua prerrogativa profissional de examinar os autos do inquérito, copiar peças e tomar apontamentos. Pode, pois, verificar o andamento da instrução, desde que tenha sido constituído pelo indiciado, que, a despeito de ser objeto de investigação e não sujeito a direito na fase pré-processual, tem o específico direito de tomar conhecimento das provas levantadas contra sua pessoa, corolário natural do princípio constitucional da ampla defesa. (…). Aliás, não há fundamento para a exclusão do advogado na produção da prova, embora no seu desenvolvimento não possa intervir – fazendo reperguntas às testemunhas, por exemplo –, mas somente acompanhar, porque os atos dos órgãos estatais devem ser pautados pela moralidade e pela transparência. Dir-se-á que o inquérito é sigiloso (ausente a publicidade a qualquer pessoa do povo) e não contestamos tal afirmativa, o que não pode significar a exclusão da participação do advogado como ouvinte e fiscal da regularidade da produção das provas, caso deseje estar presente.” Desta forma, qualquer controvérsia entre peritos e advogados pode ser resolvida desde que se entenda que o advogado está ali no exercício regular de um direito e o perito na livre prerrogativa de exercer com plena liberdade os fundamentos técnicos que embasam sua atividade legispericial. E, quando o advogado participar, deve fazê-lo com discrição. Por essas razões – e sem considerar qualquer fundamento técnico – entendemos não ser possível impedir-se que o advogado presencie, sem participação ativa, a realização do exame de corpo de delito. Outrossim, deve entender o perito que o advogado necessita de algumas informações que devem ser sustentadas em favor de suas teses e o advogado deve entender a dinâmica e a importância da atividade pericial cujo sentido é colaborar para que a prova contribua para a verdade material que se deseja alcançar. Alguém pode dizer que tal permissão pode trazer o caráter tumultuário, na medida em que isso poderia atribular a sequência das fases periciais e permitir a manifestação ou o desconforto pela presença do advogado em tal recinto. Mas é necessário entender que este não é o momento apropriado de possibilitar o contraditório. Acreditamos que tal faculdade cedida aos advogados é mais uma oportunidade de se fazer transparente os atos processuais e mostrar que dentro das repartições periciais praticam-se procedimentos que estão de acordo com os princípios gerais do Direito. O Conselho Federal de Medicina, quando abordado sobre a possibilidade de os advogados participarem de ato médico pericial judicial, confirmou em seu Parecer CFM no 31/2013: “A perícia médica é ato privativo de profissional que exerce a Medicina. O médico-perito tem plena autonomia para decidir pela presença ou não de pessoas estranhas ao ato médico pericial.” Desta maneira, o CFM submete a presença do advogado durante uma perícia médico-legal à anuência do médicoperito e não a principios éticos ou legais justificadores de tal decisão. Cadeia de custódia de evidências Entende-se por cadeia de custódia o registro em documento da movimentação dos elementos da prova quando do seu envio, conservação e análise nos laboratórios. Ou, como afirma Josefina Fernandez: “um documento escrito onde ficam refletidas todas as incidências da amostra”. Isso é da maior importância na credibilidade que se espera das conclusões periciais. Nesse documento devem constar a nominação da amostra, sua hora e data, pessoas que a entregam e recebem, sua descrição e fotografia. Devem constar a identificação do local de armazenamento até sua entrega no laboratório, o tempo decorrido e o tipo de substância conservadora quando utilizada. Ainda devem constar o tipo, as condições e a data do transporte. No laboratório devem constar a data e a hora da amostra, o nome da pessoa ou da empresa que faz a entrega, nome da pessoa que recebe o material, o lugar onde fica até a abertura do recipiente, descrição da etiquetagem, tipo de manipulação promovida e a citação do local onde fica até a análise. Durante a análise deve-se colocar hora e data de seu início, a descrição da amostra e sua identificação com as fotos, registro de todos os procedimentos realizados e nome das pessoas envolvidas no exame. Depois da análise deve ser feito o registro da hora e da data de sua conclusão, lugar onde ficará a amostra até o período de pós-análise e a forma e data de sua destruição ou devolução. É claro que existem tipos de amostras que, em virtude de sua estrutura, consistência ou tipo de exame a ser realizado, merecem cuidados especiais. Como se vê, todo esse cuidado é no sentido de proteger a identidade e a integridade da amostra e com isso evitar resultados alterados por má-fé ou de forma acidental, trazendo grandes prejuízos para a obtenção da verdade que se quer conhecer. Honorários periciais Os peritos oficiais que trabalham em instituições públicas não podem cobrar honorários, pois já está incluso em seus vencimentos e em seu contrato de trabalho. Por outro lado, quanto aos médicos não peritos oficiais quando nomeados pela autoridade competente para realizarem perícia em casos de Inquérito Policial, o Conselho Federal de Medicina, em seu Parecer CFM no 08/1990 (baseado no Parecer Jurídico CFM no 08, de 18 de janeiro de 1990), estabelece que eles estão obrigados a aceitar o ônus de perito, exceto nos casos previstos no Código de Processo Penal, devendo, entretanto, se assim for o seu entendimento, cobrar do órgão público solicitante e não da vítima a justa remuneração pelo ato médico realizado. Diz ainda o Parecer: “Não há dúvidas quanto à obrigatoriedade do médico em aceitar o múnus de perito quando nomeado pela autoridade competente, em observância ao disposto no art. 277 do Código de Processo Penal. O perito nomeado pela autoridade será obrigado a aceitar o encargo, sob pena de multa de duzentos cruzeiros a mil cruzeiros, salvo escusa atendível. Parágrafo Único – Incorrerá na mesma multa o perito que, sem justa causa, provada imediatamente: a) deixar de acudir à intimação ou ao chamamento de autoridade; b) não der o laudo, ou concorrer para que a perícia não seja feita, nos prazos estabelecidos, sob pena de responder judicialmente pela recusa ou omissão”. E mais: “Assim procedendo, estar-se-ia cumprindo os princípios do Direito Público e o interesse maior em não estancar a justiça no cumprimento do imperativo legal, vez que tais exames, além de se constituírem em peças processuais de relevante valor técnico no julgamento do mérito das causas que a determinaram, revestem-se de importância social indiscutível para o conhecimento da verdade e para a garantia dos direitos de cidadania”. Não é sem motivo dizer que o Estado tem a responsabilidade em aparelhar adequadamente a administração da justiça no sentido de que esta tenha condições mínimas de arcar com a realização de tais exames e não a vítima, a quem não cabe qualquer despesa por procedimentos médicos realizados por médicos peritos nomeados, vez que os indivíduos submetidos a tais exames não preenchem, nessa relação, a condição de um paciente que celebra com o médico um contrato de trabalho. No caso dos que funcionam em ações de direito privado e quando nomeados pelo juiz em casos de beneficiários da justiça gratuita, mesmo assim, sua função não pode ser honorífica. O Conselho da Justiça Federal do Superior Tribunal de Justiça (STJ) editou a Resolução no 227/2000 reconhecendo isso quando trata do pagamento de honorários periciais prestados nessas condições. Essa norma estabelece os parâmetros mínimos e máximos de remuneração em diversas áreas de atuação. Isso também caberia às entidades civis de classe estabelecerem parâmetros de remuneração dentro de cada área profissional e da complexidade de cada perícia. No que diz respeito aos honorários do assistente técnico, “cada parte pagará a remuneração do assistente técnico que houver indicado (…).” Nos casos em que as partes têm condições de efetuar o pagamento do perito, diz ainda o artigo supracitado: “(…) a do perito será paga pela parte que houver requerido o exame, ou pelo autor, quando requerido por ambas as partes ou determinado de ofício pelo juiz.” Ainda tratando-se da justiça gratuita, o juiz poderá determinar que o pagamento seja feito após o término do prazo para que as partes se manifestem sobre o laudo respectivo, ou, havendo solicitação de esclarecimentos a serem prestados às partes, logo depois desses. É a regra do artigo 2o da Resolução no 227, de 15 de dezembro de 2000, do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Nossa jurisprudência já se pronunciou a respeito: “Ao Estado foi imposto o dever de prestar assistência jurídica e integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos, inclusive pagamento de advogados (…) e honorários do perito” (STJ – 3o T. – Respe. 25.841-1/RJ – Rel. Min. Cláudio Santos – ementário STJ, no 9/551). Na Justiça Trabalhista a questão dos honorários é tratada no artigo 790-B da Consolidação das Leis do Trabalho assim redigido: “A responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, salvo se beneficiário da justiça gratuita”. A Resolução no 35, de 19 de abril de 2007, do Conselho Superior da Justiça do Trabalho determina destinação orçamentária para honorários periciais da justiça gratuita por parte dos Tribunais Regionais do Trabalho fixando um teto de R$ 1.000,00 mediante fundamento, e fixa o limite mínimo de R$ 350,00 como antecipação de despesas iniciais. Com as modificações advindas do Código de Processo Penal, “Serão facultadas ao Ministério Público, ao assistente de acusação, ao ofendido, ao querelante e ao acusado a formulação de quesitos e indicação de assistente técnico”. Durante o curso do processo judicial, é permitido às partes, quanto à perícia: (…); II – indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência. Tratando-se de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, poder-se-á designar a atuação de mais de um perito oficial, e a parte indicar mais de um assistente técnico. Como tal, não há que negar o direito do assistente técnico quando convidado durante o curso do processo judicial a oferecer pareceres ou ser inquirido em juízo cobrar seus honorários à parte que o indicou. Para alguns a situação mais delicada é a quantificação dos honorários. Vieira (in O perito judicial – aspectos legais e técnicos, São Paulo: LTr, 2006) aponta alguns critérios a serem relevados: 1) Carga dos Autos, que compreende o deslocamento e a distância da residência do perito aos Cartórios; 2) Visita técnica ao local ou locais dos fatos; 3) Exigências técnicas especializadas, quando o perito judicial deverá fixar a complexidade do trabalho que estiver enfrentando para a elaboração do laudo. 4) Número de partes; 5) Utilização de equipamentos especiais e análises laboratoriais extraordinários exigida para a perícia; 6) Translado em veículo próprio para a resposta às impugnações e participação em audiências. Perícia – Exposição oral Um fato cada vez mais frequente e relevante é a exposição oral dos peritos sobre suas avaliações técnicas em audiências judiciais e o quanto isso pode representar como impacto psicológico principalmente entre advogados, promotores e peritos. Em cada nova reforma nos ritos processuais surge sempre a possibilidade de o juiz ouvir em audiência os peritos, principalmente nas ações mais céleres, como as dos tribunais especiais chamados de “pequenas causas”. Dada a importância que representa o relato das avaliações e conclusões periciais, é importante que se destaquem as condições emocionais e a capacidade verbal que se deve ter em situações dessa natureza. A primeira coisa que se exige do perito nesses procedimentos é o conhecimento e o domínio completo sobre o conteúdo da perícia transcrita e apresentada nos relatórios e pareceres. A improvisação, por mais fluida que seja a oratória e por melhor que seja a capacidade profissional, deve ser evitada. Ser honesto nas respostas e limitar-se ao que se indaga. Além desse domínio sobre o assunto a que se refere o motivo da exposição, há de se ter controle cognitivo-emocional para que a firmeza e a tranquilidade do relato transpareça a competência e a autoridade de quem relata. O risco que se teme é a apresentação ansiosa, dúbia e reticente capaz de dar impressão de inconsistência e imprecisão naquilo que afirma ou nega como matéria de prova. A precisão e a forma de comunicação verbal são muito importantes para a confiabilidade daquilo que se expõe, sem a necessidade de uma oratória fulgurante. Basta que essa linguagem seja clara, precisa, objetiva, justificada e logicamente convincente. Os dados a serem apresentados devem ser ordenados de maneira que se evite o atropelamento das fases do relato e se tenha uma sequência de clareza e concisão. A prolixidade e a abordagem repetitiva podem soar como insegurança. Por mais agressivas que sejam as perguntas ou intervenções, deve o perito manter sua tranquilidade e urbanidade, pois são sinais de segurança e domínio da matéria que se discute. A arte de convencer e persuadir exige paciência e humildade. Às vezes, os representantes das partes interpelam os peritos com rispidez para intimidá-los. As expressões usadas no relato pericial não devem ser nem excessivamente técnicas, como quem procura se esconder por trás da culta aparência, nem demasiadamente vulgar, dissociada do ambiente onde se encontra. Assédio pericial Denomina-se assédio pericial a situação em que uma das partes ou alguém hierarquicamente acima do perito utiliza-se de recursos ou meios abusivos, no sentido de orientar condutas ou artifícios, que possam alterar o resultado da prova, ou exige práticas que não estão na função regular e específica da legisperícia. Alguns entendem como uma das muitas modalidades de assédio moral. Todavia, no assédio pericial não existe o comportamento que leva a desqualificação do profissional e sua consequente desestabilização emocional e moral, mas tão só a exigência caprichosa e desmedida de procedimentos que se afastam do que é habitual ou que traga benefícios para quem exerce o “poder de mando”. O termo “assédio pericial” aqui utilizado está mais associado ao sentido comum, e não ao técnico, quando fica evidente uma determinação de conduta de maneira contínua e deliberada de uma ação funcional irregular ou abusiva a um perito ou equipes de perícia, o que se constitui em ato atentatório à dignidade da justiça, Dessa forma, o chefe de uma junta de perícia médica de uma autarquia ou de um setor de recursos humanos de empresa que exige ou sugere ao perito maior rigor na avaliação de empregados ou trabalhadores ou, ainda, aquele outro que exige resultados para facilitar seus interesses pessoais ou de alguém de sua relação, comete infração de assédio pericial. Entendemos até que a exigência de metas superiores às habitualmente aceitas, requeridas sob pressão, também constitui tal forma de infração. Quando neste tipo de abuso no exercício do direito da ação pericial o autor propõe demanda que não detém legitimidade ativa do papel político e social desta tarefa tão importante na elaboração da prova, não há que negar o exercício de pressão e de assédio. Não se pode dizer que exista sempre este tipo de ilícito, mas também não se pode dizer que ele não exista. O importante é que, para a sua caracterização, esse abuso de poder aconteça de maneira repetida e sistematizada. Algumas vezes o resultado danoso não é tão relevante; o que é grave passa a ser o comportamento do assediador. E, se a ordem ou o pedido é apenas pontual, mesmo não sendo considerado assédio, cabe representação administrativa e judicial por ofensas e danos morais. PERITOS Conceito O Código de Processo Penal, agora com as corrigendas introduzidas, diz: O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior. Na falta de perito oficial, o exame será realizado por duas pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame. Estes prestarão o compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo. Durante o curso de processo judicial, é permitido às partes, quanto à perícia: requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para responderem a quesitos, desde que o mandado de intimação e os quesitos ou questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com antecedência mínima de 10 (dez) dias, podendo apresentar as respostas em laudo complementar. A atuação do perito far-se-á em qualquer fase do processo ou mesmo após a sentença, em situações especiais. Sua função não termina com a reprodução da sua análise, mas se continua além dessa apreciação por meio de um juízo de valor sobre os fatos, o que a faz diferente da função da testemunha. A diferença entre a testemunha e o perito é que a primeira é solicitada porque já tem conhecimento do fato e o segundo para que conheça e explique os fundamentos da questão discutida, por meio de uma análise técnico-científica. A autoridade que preside o inquérito poderá nomear, nas causas criminais complexas, mais de um perito. Em se tratando de peritos não oficiais, assinarão estes um termo de compromisso cuja aceitação é obrigatória como um “compromisso formal de bem e fielmente desempenharem a sua missão, declarando como verdadeiro o que encontrarem e descobrirem e o que em suas consciências entenderem” (peritos ad hoc). Terão um prazo de 5 dias prorrogável razoavelmente, conforme dispõe o Código de Processo Penal. Apenas em casos de suspeição comprovada ou de impedimento previsto em lei é que se eximem os peritos da aceitação. O mesmo diploma ainda assegura, como dever especial, que os peritos nomeados pela autoridade não podem recusar a indicação, a não ser por escusa atendível; não podem deixar de comparecer no dia e local designados para o exame, não podem deixar de entregar o laudo ou concorrer para que a perícia não seja feita nos prazos estabelecidos. Pode ainda em casos de não comparecimento, sem justa causa, a autoridade determinar a condução do perito. E a falsa perícia constitui crime contra a administração da Justiça. O juiz, que é o peritus peritorum, aceitará a perícia por inteiro ou em parte, ou não a aceitará em todo, pois dessa forma determina o Código de Processo Penal, facultando-lhe nomear outros peritos para novo exame. As partes poderão arguir de suspeitos os peritos, e o juiz decidirá de plano e sem recurso, à vista da matéria alegada e prova imediata. Não poderão ser peritos: I – os que estiverem sujeitos à interdição de direito mencionada nos nos I e IV do art. 69 do Código Penal; II – os que tiverem prestado depoimento no processo ou opinado anteriormente sobre o objeto da perícia; III – os analfabetos e menores de 21 anos. É extensível aos peritos, no que lhe for aplicável, o disposto sobre a suspeição dos juízes: I – se for amigo ou inimigo capital de qualquer das partes; II – se ele, seu cônjuge ou descendente estiver respondendo a processo análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia; III – se ele, seu cônjuge, ou parente consanguíneo, ou afim, até o terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes; IV – se tiver aconselhado qualquer das partes; V – se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes; VI – se for sócio, acionista, ou administrador de sociedade interessada no processo. Para que a Justiça não fique sempre na dependência direta de um ou de outro perito, criaram-se, há alguns anos, em Estados, como Bahia e São Paulo, os Conselhos Médico-Legais, espécies de corte de apelação pericial cujos objetivos são a emissão de pareceres médico-legais mais especializados, funcionando também como órgãos de consultas dos próprios peritos. Eram, normalmente, compostos de autoridades indiscutíveis em Medicina Legal e representados por professores da disciplina, diretores de Institutos Médicos-Legais, professores de Psiquiatria, pelo diretor do Manicômio Judiciário e por um membro do Ministério Público indicado pela Secretaria do Interior e Justiça. Deveres de conduta do perito Quando da avaliação da responsabilidade profissional em um contestado ato pericial, seja nos Conselhos Profissionais, seja na Justiça Civil ou Criminal, recomenda-se sejam levados em conta os deveres de conduta do acusado. A prática tem demonstrado que isto, além de imprescindível, torna a tarefa mais objetiva e racional. Desta forma, para se caracterizar a responsabilidade do perito nestas atividades, não basta apenas a evidência de um dano ou de um ilícito, mas que reste demonstrada uma forma de conduta contrária às normas morais e às regras técnicas vigentes e adotadas pela prudência e pelos cuidados habituais, e que o resultado fosse evitado por outro profissional em mesmas condições e circunstâncias. As regras de conduta, arguidas quando de uma avaliação da responsabilidade do perito, são relativas aos seguintes deveres: a) Deveres de informação. Neste tipo de dever, estão todos os esclarecimentos que se considerem necessários e imprescindíveis para o correto desempenho quando da elaboração de uma perícia, principalmente se ela é mais complexa, de maior intimidade e de interesse discutível. O fundamento destes deveres de informação encontra-se justificado pela existência dos princípios da transparência e da vulnerabilidade do periciando e pelas razões que justificam a obtenção de um consentimento livre e esclarecido, qualquer que sejam os motivos que levem o indivíduo a submeterse a essa perícia. O dever de informar é imprescindível como requisito prévio para o consentimento e a legitimidade do ato pericial a ser utilizado. Isso atende ao princípio da autonomia ou princípio da liberdade, em que todo indivíduo tem por consagrado o direito de ser autor de sua vontade e de escolher o caminho que lhe convém. A obrigação de informar quando há riscos está na proporção na existência de um dano real e efetivo. Por isso, quanto mais complexa e arriscada for a conduta pericial, mais imperiosa se torna a advertência sobre seus riscos. Estas informações devem ser dadas pelo próprio perito ao examinado ou aos seus representantes legais. Além do mais, exige-se que o consentimento seja esclarecido, entendendo-se como tal o obtido de um indivíduo capaz de considerar razoavelmente determinada conduta pericial, sem a necessidade de se chegar aos detalhes das complicações mais raras e mais graves e sempre de forma simples, aproximativa, honesta e inteligível (princípio da informação adequada). O examinado tem também o direito de recusar um tipo ou forma de abordagem pericial, desde que isso lhe traga algum prejuízo, pois é princípio de direito que ninguém está obrigado a fazer provas contra si próprio. Entendemos que praticar qualquer ato pericial contra a vontade do examinado é uma afronta constitucional e um grave desrespeito aos mais elementares princípios de civilidade. Mesmo que a indicação de uma perícia seja uma decisão ligada a um interesse em favor da sociedade, em algumas situações o examinado pode se recusar a prestar informações ou colaborar com o exame. Se o examinado é menor de idade ou incapaz, o consentimento deve ser dado pelos seus representantes legais (consentimento substituto). b) Deveres de atualização profissional. Para o pleno e ideal exercício da atividade pericial, não se exige do facultativo apenas uma habilitação legal. Há também de se requerer deste perito um aprimoramento sempre continuado, adquirido através de conhecimentos recentes da profissão, no que se refere às técnicas dos exames e dos meios modernos de diagnóstico, através de publicações especializadas nos congressos, cursos de especialização ou estágios em centros e instituições de referência. Em suma, o que se quer saber é se naquele discutido ato pericial poder-se-ia admitir a imperícia. Se o profissional estaria credenciado minimamente para exercer suas atividades, ou se poderia ter evitado o engano, caso não lhe faltasse o que ordinariamente é conhecido em sua profissão e consagrado pela experiência médico-legal. Em tese, todo mau resultado resultante de uma atividade pericial é sinônimo de negligência; todavia, tal fato deve ser avaliado de forma concreta, pois nem sempre é possível caracterizar como culpa um equívoco decorrente da falta de aprimoramento técnico e científico, pois o acesso às informações atualizadas tem um custo e uma exigência que podem não estar disponíveis a todos os profissionais. O correto será avaliar caso a caso e saber se em cada um deles era possível se exigir a contribuição de um conhecimento atualizado. c) Deveres de abstenção de abusos. É necessário também saber se o perito agiu com a cautela devida e, portanto, descaracterizada de precipitação, de inoportunismo ou de insensatez. Isso se explica por que a norma moral exige das pessoas o cumprimento de certos cuidados cuja finalidade é evitar danos aos bens protegidos. Exceder-se em medidas arbitrárias e desnecessárias é uma forma de desvio de poder ou de abuso. E o resultado disto pode ser a obtenção da prova chamada proibida, seja ela ilícita (obtida com violação das normas materiais) ou ilegítima (obtida contra as determinações processuais). Podem-se também incluir entre as condutas abusivas aquelas que atentam contra a proteção da dignidade humana, da tutela da honra, da imagem e da vida privada, inclusive quando se expõe desnecessariamente o examinado a certos procedimentos, quando se invade sua privacidade e aviltam-se a imagem e a honra alheias. Diga-se o mesmo quanto à inexistência de práticas indevidas e arriscadas como a exibição de técnicas experimentais, à utilização de um procedimento dispendioso e inadequado, à prática de riscos inconvenientes e desnecessários ou à imprevidente exibição do paciente em aulas e conferências, entre outros. d) Deveres de vigilância, de cuidados e de atenção. Na avaliação de um ato pericial, quanto a sua legitimidade e licitude, deve ele estar isento de qualquer tipo de omissão que venha a ser caracterizada por inércia, passividade ou descaso. Portanto, este modelo de dever obriga o facultativo a ser diligente, agir com cuidado e atenção, procurando de toda forma evitar danos e prejuízos que venham a ser apontados como negligência ou incúria. Está claro que estes deveres são proporcionalmente mais exigidos quanto maior for o resultado que se quer apurar. Em uma análise mais fria, vamos observar que os casos apontados como falta dos deveres de conduta do perito resultam quase sempre da falta do cumprimento deste dever. É mais do que justo, diante de um caso de mau resultado ou equívoco na prática avaliativa de uma perícia, existirem a devida compreensão e a elevada prudência quando se consideraram alguns resultados, pois eles podem ser próprios das condições e das circunstâncias que rodearam o indesejado resultado, sem imputar a isso uma transgressão aos deveres de conduta. Responsabilidades civil e penal do perito No que concerne à responsabilidade do perito, seja perito oficial ou por nomeação do juiz, no exercício de sua função, seus deveres de conduta decorrem de dois aspectos distintos. Um de ordem técnica, quando são exigidas certas formalidades imprescindíveis para o desempenho satisfatório de sua função, como ser prudente, cuidadoso e conhecedor de seu ofício. O outro diz respeito aos aspectos legais quando de sua atuação, pois a não observância pode fazê-lo violar a norma legal e por isso responder civil, penal e disciplinarmente. Em tese, pode-se dizer que os peritos na área civil são considerados auxiliares da justiça, enquanto na perícia criminal são servidores públicos. Quanto ao fiel cumprimento do dever de ofício, os primeiros prestam compromissos a cada vez que são designados pelo juiz e, os segundos, o compromisso está implícito com a posse no cargo público, a não ser nos casos dos chamados peritos nomeados ad hoc (Alcântara, HR de; França, GV; Vanrell, JP; Galvão, LCC; Martin, CCS,Perícia médica judicial. 2a ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan 2006, p. 11). Responsabilidade civil Em ações cíveis, os peritos serão escolhidos entre profissionais de nível universitário, devidamente inscritos no órgão de classe competente e segundo a especialidade na matéria, e “nas localidades onde não houver profissionais qualificados a indicação dos peritos será de livre escolha do Juiz”. Poderão atuar junto com os assistentes técnicos nomeados para cada uma das partes envolvidas. O perito exerce um encargo, do qual não pode escusar-se, salvo se alegar motivo legítimo, conforme estabelece o artigo 378 do Código de Processo Civil: “Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade.” E, no artigo 158, enfatiza: “O perito que, por dolo ou culpa, prestar informações inverídicas responderá pelos prejuízos que causar à parte e ficará inabilitado para atuar em outras perícias no prazo de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, independentemente das demais sanções previstas em lei, devendo o juiz comunicar o fato ao respectivo órgão de classe para adoção das medidas que entender cabíveis.” A atividade do perito está sujeita a uma ação de reparação de danos quando caracterizada a má prática, caso ela se afaste das regras pertinentes ao trabalho pericial (Kfouri Neto, M., Culpa médica e ônus da prova. São Paulo: Editora Saraiva, 2002, p. 71). Diz o artigo 186 do Código Civil: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda, que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” Se o perito exceder os limites de sua função, comete ato ilícito. E o artigo 187: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede, manifestamente, os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.” Uma das obrigações do perito está no dever de zelar pela boa técnica e pelo aprimoramento dos conhecimentos científicos. A lei, a técnica e o conhecimento científico são requisitos que se impõem dentro de um mesmo grau de responsabilidade. Macena observa: “Agirá com culpa e excederá os seus limites o perito que não manifestar a insuficiência de conhecimentos científicos e de habilidades técnicas para exercício da atividade pericial. Não somente isso, mas também a experiência e o domínio da matéria, uma vez que essa atividade exige experiência profissional” (in Perito judicial – aspectos jurídicos: responsabilidade civil e criminal. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2009). Todavia, para que se configure a responsabilidade civil do perito, há de se observar os três requisitos fundamentais à obrigação de indenizar: O dano, a culpa e o nexo. Mas é preciso que esse dano tenha sido de uma ação ou omissão voluntária (dolo), ou de negligência, imprudência ou imperícia (culpa em sentido estrito) e que também exista um nexo de causalidade entre a culpa e o dano. Por outro lado, o Estado, na qualidade de pessoa jurídica de direito público, pode responder pelos danos que seus agentes venham causar a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa (Constituição Federal, artigo 37, § 6o). Há uma corrente que é favorável à participação do agente público no polo passivo de demandas de responsabilidade civil contra o Estado, tanto pelo acionamento do particular como através da denunciação à lide feita pela Fazenda Pública. Existe outra corrente, majoritária, que se opõe à participação do agente público no polo passivo de ações de responsabilidade civil contra o Estado em face de o agente causador do dano somente ser ajuizado após o Estado ter sido condenado e efetuado o pagamento ao particular. Mesmo que não exista nenhuma legislação específica sobre o tema, análise legal deste assunto será feita levando em conta o regramento geral. Segundo Gasparini, a responsabilidade civil do Estado pode ser entendida como: “(...) a obrigação que se lhe atribui, não decorrente de contrato nem de lei específica, para recompor os danos causados a terceiros em razão de comportamento comissivo ou omissivo, legítimo ou ilegítimo, que lhe seja imputável. Se a reparação decorre de ato ilícito, chama-se ressarcimento; se deriva de ato lícito, denomina-se indenização” (in Direito Administrativo, 5a ed., São Paulo: Saraiva, 2000). No caso específico em que o perito forense causa dano no exercício de suas atividades profissionais, a pessoa que se sentiu lesada, por tratar-se de uma responsabilidade objetiva, não em decorrência da ação ou omissão do Estado, deve provar a existência da culpa lato sensu do agente ao prestar o serviço em nome do Estado. Para se configurar esse tipo de responsabilidade, basta a existência de três elementos: o fato administrativo, o dano e o nexo de causalidade. Como se viu anteriormente, existe o direito de regresso contra os agentes públicos envolvidos por culpa ou dolo nos atos praticados em nome do Estado, o que garante à Fazenda Pública uma ação indenizatória. RESPONSABILIDADE CIVIL. [...] AÇÃO INDENIZATÓRIA AJUIZADA EM FACE SERVENTUÁRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA. [...] 1. O art. 37, § 6o, da CF/1988 prevê uma garantia para o administrado de buscar a recomposição dos danos sofridos diretamente da pessoa jurídica que, em princípio, é mais solvente que o servidor, independentemente de demonstração de culpa do agente público. Vale dizer, a Constituição, nesse particular, simplesmente impõe ônus maior ao Estado decorrente do risco administrativo; não prevê, porém, uma demanda de curso forçado em face da Administração Pública quando o particular livremente dispõe do bônus contraposto. Tampouco confere ao agente público imunidade de não ser demandado diretamente por seus atos, o qual, aliás, se ficar comprovado dolo ou culpa, responderá de outra forma, em regresso, perante a Administração. 2. Assim, há de se franquear ao particular a possibilidade de ajuizar a ação diretamente contra o servidor, suposto causador do dano, contra o Estado ou contra ambos, se assim desejar. A avaliação quanto ao ajuizamento da ação contra o servidor público ou contra o Estado deve ser decisão do suposto lesado. Se, por um lado, o particular abre mão do sistema de responsabilidade objetiva do Estado, por outro também não se sujeita ao regime de precatórios. Doutrina e precedentes do STF e do STJ. [...] (REsp 1325862/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado 05/09/2013, DJe 10/12/2013.) Responsabilidade penal Na responsabilidade penal, o interesse não é mais patrimonial ou pecuniário, mas coletivo. O interessado é a sociedade, o ato infrator atinge uma norma de direito público e sua consequência é uma pena. Nesta área o perito tem deveres relacionados com as regras processuais penais de incompatibilidade,impedimentos e suspeição. Diz o Código de Processo Penal: “O juiz, o órgão do Ministério Público, os serventuários ou funcionários de justiça e os peritos ou intérpretes abster-seão de servir no processo, quando houver incompatibilidade ou impedimento legal, que declararão nos autos. Se não se der a abstenção, a incompatibilidade ou impedimento poderá ser arguido pelas partes, seguindo-se o processo estabelecido para a exceção de suspeição.” Os peritos, estando por força da lei sujeitos a disciplina judiciária, são obrigados a seguir algumas formalidades. Os peritos oficiais, no processo penal, em geral, fazem parte das instituições médico-periciais públicas, ou não oficiais, pessoas idôneas e qualificadas nomeadas para prestar seus serviços em cada processo em particular, também igualmente sujeitas às regras da autoridade judiciária. Toda vez que uma conduta do perito seja qualificada como dolosa poderá ser tipificada como crime. O Código Penal, a partir de 28 de agosto de 2001, em face da Lei no 10.268/2001, alterou dispositivos do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940, como segue: Os artigos 342 e 343 passam a vigorar com a seguinte redação: Tipos penais 1. Falso-testemunho ou falsa perícia “Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral: Pena – reclusão, de 1 a 3 anos, e multa. § 1o [1a parte] As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é praticado mediante suborno, ou [2a parte] se cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal, ou [3a parte] em processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta. § 2o O fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade.” Desta maneira, o falso-testemunho e a falsa perícia no processo judicial, seja no âmbito civil, administrativo, penal ou mesmo no inquérito policial, configuram crime. De acordo com o parágrafo 2o do artigo 342, embora o falso testemunho ou perícia já esteja consumado, sua punição depende de o agente não se retratar ou declarar a verdade antes da sentença do processo em que depõe ou foi perito. Assim, pode o acusado de falso testemunho ou falsa perícia se retratar até antes da sentença, ficando assim livre da punição. Por isso, pode o juiz receber a denúncia antes da conclusão do processo em que a verdade foi agredida pelo falso testemunho ou pela falsa perícia. “HABEAS CORPUS – Processo: 58483 Ementa: Retratação. Crime de falsa perícia. A retratação, admitida no crime de falsa perícia, é causa de extinção de punibilidade, e tem caráter exclusivamente pessoal, pois só se justifica pelo arrependimento que encerra e pela índole honesta que manifesta, o que faz com que a pena não mais tenha finalidade para seu autor. É, portanto, incomunicável. Denúncia que descreve outros delitos com relação aos quais não se admite a retratação. Recurso ordinário a que se nega provimento. Relator: Moreira Alves.” Três são as formas do crime de perícia falsa: fazer afirmação falsa, negar a verdade e calar a verdade. Se o perito agir por culpa, engano ou esquecimento prestando informações inverídicas, não incorrerá em qualquer sanção penal, pois a lei penal não reconhece a modalidade culposa. Assim, considera-se falsa perícia quando o perito distorce a verdade, com objetivo específico de favorecer alguém e influir sobre a decisão judicial, enganando a autoridade julgadora, ainda que não atinja o fim desejado (TJSP, RT 507/346; STJ, RT 707/367). A simples diferença de diagnóstico entre laudos médios não leva a concluir que houve deliberada distorção da verdade (TJRJ, RT 584/391). A diferença de diagnóstico entre laudos não constitui falsa perícia: STJ, H/C no 42.727 – DF (2005/0046564-3). 2. Corrupção ativa “Artigo 343 c/c 333 – Dar, oferecer ou prometer dinheiro ou qualquer outra vantagem a testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete, para fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade em depoimento, perícia, cálculos, tradução ou interpretação: Pena – reclusão, de 3 a 4 anos, e multa. Parágrafo único. As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal ou em processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta.” Nesta condição considera-se conduta incriminadora dar, oferecer ou prometer dinheiro ou vantagem a perito para fazer afirmação falsa. 3. Exploração de prestígio “Artigo 357 – Solicitar ou receber dinheiro ou qualquer outra utilidade, a pretexto de influir em juiz, jurado, órgão do Ministério Público, funcionário de justiça, perito, tradutor, intérprete ou testemunha: Pena – reclusão, de 1 a 5 anos, e multa. Parágrafo único – As penas aumentam-se de um terço, se o agente alega ou insinua que o dinheiro ou utilidade também se destina a qualquer das pessoas referidas neste artigo.” Tratando-se de funcionário público, em geral, aplica-se o artigo 332. No tráfico de influência o “elemento subjetivo é a vontade de obter vantagem ou promessa desta, sabendo que não tem prestígio para influir no funcionário ou que este não é acessível a suborno (TJSP, RT 519/319)”. 4. Extravio de documento Em casos de extravio de processo ou de qualquer outro documento sob sua guarda será o perito responsabilizado pela reorganização do mesmo, pelos custos, pelos atrasos do processo e pelo prejuízo às partes. As partes, inclusive, poderão processá-lo por danos materiais e morais que porventura vier a acarretar. Sob a ótica penal: “Artigo 314 – Extraviar livro oficial ou qualquer documento, de que tem a guarda em razão do cargo; sonegá-lo ou inutilizá-lo, total ou parcialmente: Pena – reclusão, de 1 a 4 anos, se o fato não constitui crime mais grave.” 5. Prevaricação Prevaricar, de acordo com o artigo 319 do Código Penal, é “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal: Pena – detenção, de 3 meses a 1 ano, e multa”. Este crime atinge o perito na qualidade de funcionário público. E de acordo com o Código de Processo Penal “considera-se funcionário público, para efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública”. 6. Violação do segredo na prática da perícia O artigo 154 do Código Penal afirma: “Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem: Pena – detenção de 3 meses a 1 ano ou multa.” No exercício da medicina o médico pode revelar o segredo a pedido do paciente, por dever legal ou por justa causa. A infração de quebra do sigilo profissional é sempre por dolo, ou seja, quando o agente divulga conscientemente uma confidência e quando ele sabe que está agindo de forma contrária à norma. Nunca por culpa, pois nesta faltariam os elementos necessários para sua caracterização. Assim, por exemplo, a perda de um envelope contendo resultados de exame de um paciente, possibilitando alguém conhecer sobre sua doença, não caracteriza o crime de divulgação do segredo. O mesmo se diga quando o rompimento do sigilo ocorre por coação física ou moral. A perícia médica, quando da realização dos exames em juntas oficiais e por interesse administrativo, no tocante ao segredo médico, está regulada pelo artigo 205, da Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que assim estatui: “o atestado e o laudo de junta médica não se referirão ao nome ou natureza da doença, salvo quando se tratar de lesões produzidas por acidentes em serviço, doença profissional ou qualquer das doenças especificadas no artigo 186, parágrafo 1o.” No entanto, essas regras não se aplicam à perícia criminal porque o perito está sempre obrigado a dizer a verdade. Direitos dos peritos Assim como o perito está cercado de deveres, tem determinados direitos que lhe fazem jus em virtude da importância e do significado de seu trabalho em favor da ordem pública e social. Dentre eles: 1. Do direito de recusar o encargo . Pode o perito não aceitar o encargo, desde que se justifique no prazo legal. Tal alegação deve ser sempre por motivo legítimo e com respaldo no Código de Processo Civil (“O perito tem o dever de cumprir o ofício, no prazo que lhe assina a lei, empregando toda a sua diligência; pode, todavia, escusar-se do encargo alegando motivo legítimo.” E mais: “A escusa será apresentada dentro de 5 (cinco) dias, contados da intimação ou do impedimento superveniente, sob pena de se reputar renunciado o direito a alegá-la.” Nesse sentido, diz o Código de Processo Civil, “o perito pode recursar-se ou ser recusado por impedimento ou suspeição”. Constituem motivos legítimos para a escusa, entre outras justificativas, por motivo de força maior, em perícia relativa à matéria sobre a qual se considere inabilitado para apreciá-la, seja por falta de um melhor domínio sobre o assunto controverso ou ainda se o assunto não tiver pertinência com sua especialidade; versar a perícia sobre questão à qual não possa responder sem grave dano a si próprio ou ao seu cônjuge e parentes consanguíneos ou afins, em linha reta, ou na colateral em segundo grau; versar a perícia sobre assunto em que interveio como interessado e dentre os casos já relacionados por imposição dos dispositivos precedentes. Pode também se recusar a atender a solicitação judicial, ainda, recusar o encargo de perito por motivo de impedimento como ser parte no processo; ter atuado no processo como mandatário de uma das partes, oficiou como assistente técnico, perito, promotor, prestou depoimento como testemunha; ser parte do processo seu cônjuge ou qualquer parente seu, consanguíneo ou afim, até o segundo grau; quando for órgão de direção ou de administração de pessoa jurídica, parte na causa. Finalmente pode alegar motivo de suspeição para escusar-se da perícia, nas seguintes situações: a) amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes; b) algumas das partes for sua credora ou devedora, ou de seu cônjuge ou seu parente até o terceiro grau; c) se for herdeiro de alguma das partes; d) se receber presentes de uma das partes antes ou depois de iniciado o processo ou aconselhar alguma das partes sobre o objeto da perícia; e) se tiver interesse no julgamento ou favorecimento da perícia em favor de uma das partes; f) declarar-se suspeito, ou seja, recusar o encargo de perito por motivo íntimo. 2 . Do direito de proteção contra desobediência ou desacato. Os artigos 330 e 331, respectivamente, do Código Penal dão ao perito certas prerrogativas legais, como por exemplo, o respeito como funcionário público contra a desobediência (“Desobedecer a ordem legal de funcionário público: Pena – detenção, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, e multa”) e o desacato (“Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa), quando isso vier a interferir ou dificultar o trabalho pericial. 3. Do direito aos honorários periciais. O perito e o assistente técnico têm direito à remuneração de seus encargos em ações civis. Como assistente técnico, a responsabilidade do pagamento é da parte solicitante, e como perito, pela parte que houver requerido o exame, ou pelo autor, quando requerido por ambas as partes ou determinado de ofício pelo juiz. Nos casos dos honorários de beneficiados pela justiça gratuita cabe ao Estado a responsabilidade pelo pagamento dos honorários do perito. Os assistentes técnicos podem também funcionar em ações penais. 4. Do direito de desempenho livre da função pericial. O perito tem o direito de agir com toda liberdade e independência, ter acesso ao processo nos Cartórios, pedir os exames e documentos necessários a sua análise, ter acesso às instituições onde se encontrem o periciando, além do contato com as partes: advogados, assistentes técnicos, diretores técnicos de hospitais e centros de custódia, e entrevista com médicos assistentes. Diz o Código de Processo Civil: “para desempenho de sua função, podem o perito e os assistentes técnicos utilizar-se de todos os meios necessários, ouvindo testemunhas, obtendo informações, solicitando documentos que estejam em poder de parte ou em repartições públicas, bem como instruir o laudo com plantas, desenhos, fotografias e outras quaisquer peças.” Para total liberdade as perícias devem ser realizadas nos órgãos de perícia oficial, sem a presença de policiais ou carcereiros, evitando assim a intimidação e o constrangimento. 5. Do direito de reserva de prestar esclarecimentos . Tanto o perito como o assistente tem o direito de prestar esclarecimento técnico apenas à autoridade competente quando devidamente intimado e no devido prazo legal: A parte, que desejar esclarecimento do perito e do assistente técnico, requererá ao juiz que mande intimá-lo a comparecer à audiência, formulando desde logo as perguntas, sob forma de quesitos. 6. Do direito de prorrogação de prazo. Se o perito, por motivo justificado, não puder apresentar o laudo dentro do prazo, o juiz conceder-lhe-á, por uma vez, prorrogação, segundo o seu prudente arbítrio. 7. Direito de recorrer a fontes de informação . O perito tem o direto de recorrer a fontes de informação e citá-las em seus laudos e pareceres. Tanto os peritos como os assistentes técnicos têm a opção de escolha dos meios, da metodologia e das fontes de informação que eles utilizarão para atingir a finalidade de seu mister. Poderão consultar os autos do processo, documentos e o que tiver relação com o objeto do exame, consultar obras pertinentes ao assunto em questão, e, até mesmo, ouvir testemunhas, além de instruir o laudo, se preciso for, com plantas, desenhos, gráficos e fotografias. Todavia, recomenda-se que se evite anexar aos laudos fotografias que identifiquem as vítimas ou as exponham em situações constrangedoras que possam violar a imagem, a vida privada, a intimidade e a honra dos examinados, com maior destaque, quando se tratar de exames de crianças e adolescentes, como nos casos de crimes contra a dignidade sexual, principalmente quando não forem constatados lesões ou vestígios comprobatórios. Tais cuidados, nestes casos, não esvaziam o objeto da prova pericial. Há outros meios. 8 . Direito a indenização de despesas. O perito tem direito a ser ressarcido pelas despesas relativas à perícia. Enquanto as despesas feitas pelo perito deverão ser satisfeitas por aquele que a requereu, ou pelo autor, quando se tratar de perícia determinada de ofício, as feitas pelo assistente técnico o serão pela parte que o indicou. Função do médico-legista O médico-legista é o médico habilitado profissional e administrativamente a exercer a medicina legal, por meio de procedimentos médicos e técnicos, tendo como atividade principal colaborar com a administração judiciária nos inquéritos e processos criminais. Sua lotação é sempre nos Institutos ou Departamentos ou Núcleos Regionais de Medicina Legal. Sendo assim, ele deve ser formado em medicina, estar legalmente habilitado a exercer a função de médico nos Conselhos Regionais de Medicina de sua jurisdição e ter seu ingresso na função por meio de concurso público com edital constando exigências cabíveis ao referido cargo. Hoje a atividade do médico-legista está regulada pela Lei no 12.030, de 17 de setembro de 2009, que dispõe sobre as perícias oficiais e dá providências, em que está estabelecido que na atividade pericial de natureza criminal está assegurada a autonomia técnica, científica e funcional, exigido concurso público, com formação acadêmica específica; que, em razão do exercício destas atividades, os peritos de natureza criminal estão sujeitos a regime especial de trabalho, observada a legislação específica de cada ente que o perito se encontra vinculado. São peritos de natureza criminal os peritos criminais, peritos médicos-legistas e peritos odontolegistas com formação superior específica detalhada em regulamento, de acordo com a necessidade de cada órgão e por área de atuação profissional. O Regimento Interno da Polícia Civil de algumas unidades federativas em nosso país especificam as atividades dos Institutos de Medicina Legal e de seus agentes. Impugnação do perito O perito pode ser recusado pela parte, sob a alegação de que é impedido ou suspeito. Ao julgar procedente a impugnação, o juiz nomeará outro perito. A parte interessada deverá arguir o impedimento ou a suspeição, em petição fundamentada e devidamente instruída, na primeira oportunidade em que lhe couber falar nos autos, e assim que tomar conhecimento daquela nomeação; o juiz mandará processar o incidente em separado e sem suspensão da causa, ouvindo o arguido no prazo de 5 (cinco) dias, facultando a prova quando necessária e julgando o pedido. Ao julgar procedente a impugnação, o juiz nomeará novo perito. A substituição do perito poderá ocorrer em duas situações: I – quando carecer de conhecimento técnico ou científico; II – quando sem motivo legítimo, deixar de cumprir o encargo no prazo que lhe foi assinado. Na primeira hipótese, a substituição poderá verificar-se de ofício ou a pedido das partes, em situações que se alegue a falta de capacidade técnica ou científica do perito; na segunda hipótese, a substituição de ofício, por despacho do juiz, em vista de descumprimento de um dos deveres do perito, podendo ainda o juiz aplicar a sanção prevista em lei. Sob a égide do Código de Processo Civil, reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do perito (igual à do juiz) quando: I – for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes; II – alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou de parentes destes, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau; III – for herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes; IV – receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para atender às despesas do litígio; V – estiver interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes. Pode ainda o perito declarar-se suspeito por motivo íntimo. Cadastro de peritos Para questões civis, pode haver um cadastro de peritos, conforme estabelece o Código de Processo Civil, quando assim se expressa: “Art. 156 – O juiz será assistido por perito quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico. § 1º – Os peritos serão nomeados entre os profissionais legalmente habilitados e os órgãos técnicos ou científicos devidamente inscritos em cadastro mantido pelo tribunal ao qual o juiz está vinculado. § 2º – Para formação do cadastro, os tribunais devem realizar consulta pública, por meio de divulgação na rede mundial de computadores ou em jornais de grande circulação, além de consulta direta a universidades, a conselhos de classe, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e à Ordem dos Advogados do Brasil, para a indicação de profissionais ou de órgãos técnicos interessados. § 3º – Os tribunais realizarão avaliações e reavaliações periódicas para manutenção do cadastro, considerando a formação profissional, a atualização do conhecimento e a experiência dos peritos interessados. § 4º – Para verificação de eventual impedimento ou motivo de suspeição, nos termos dos arts. 148 e 467, o órgão técnico ou científico nomeado para realização da perícia informará ao juiz os nomes e os dados de qualificação dos profissionais que participarão da atividade. § 5º – Na localidade onde não houver inscrito no cadastro disponibilizado pelo tribunal, a nomeação do perito é de livre escolha do juiz e deverá recair sobre profissional ou órgão técnico ou científico comprovadamente detentor do conhecimento necessário à realização da perícia.” O caput deste artigo se refere ao termo “perito” de forma generalizada, pois a perícia será definida a partir do objeto da perícia. Quando se diz que o juiz nomeará perito especializado no objeto da perícia, ou seja na área de especialidade, nos parece que não se trata de especialidades médicas e sim de pessoas que atuem na área de conhecimentos técnicos pertinentes ao tipo de perícia desejada, portanto não há impedimento legal ou ético para que o médico, quando devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina da sua jurisdição e que se sinta capacitado a realizar perícia médica, seja nomeado como perito do juiz. Desta forma, entendemos que o cadastro de peritos especialistas dos Tribunais poderá ser feito a partir da lista de médicos inscritos no CRM independentemente de ter ou não o Registro de Qualificação de Especialidade em Medicina Legal ou Perícia Médica (ver o Parecer CFM nº 45/2016). PROVA DE ESFORÇO FÍSICO EM CONCURSO PARA MÉDICO-LEGISTA Introdução Ninguém é contrário que o gestor público, em favor da natureza da prestação de serviço dado à população, levando em conta a especificidade de cada atividade, se cerque de cuidados na avaliação do estado de saúde física e mental dos seus servidores, seja durante os exames admissionais, seja em relação a esta condição no tempo em que eles prestam seus serviços. Isto levando-se em consideração as regras estipuladas pelos dispositivos do Regime Jurídico dos Servidores Civis da União e dos Estatutos dos Funcionários Públicos Estaduais e Municipais de cada Estado ou Município, além das normas emanadas pela Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE), cuja proposta é integrar indivíduos portadores de deficiências em atividades socioeconômicas. Está disposto na Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que versa sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, em seu art. 14: “A posse em cargo público dependerá de prévia inspeção médica oficial. Parágrafo único. Só poderá ser empossado aquele que for julgado apto física e mentalmente para o exercício do cargo.” Ainda no que diz respeito aos requisitos para ingresso no serviço público, referentes aos concursos, deve-se observar o art. 37, I e II, da Constituição Federal: “Art. 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei; II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração”. Em geral, esta avaliação é feita em serviços médicos e biométricos da repartição ou em setores credenciados. Neste exame consideram-se o levantamento de dados históricos (base de orientação para os demais exames), de exames objetivos (estatura, peso, reflexos, acuidades visual e auditiva, pressão arterial, ausculta cardíaca etc.), subjetivos (exames da integridade mental) e complementares (laboratoriais e radiológicos), quando surgem dúvidas. Os critérios periciais da avaliação da incapacidade laborativa do servidor público que exerce atividades técnicas ou científicas, nas quais o esforço físico é o de menor significado, devem ser eminentemente clínicos em que são considerados alguns fatores como enfermidades graves, avaliação das necessidades físico-psíquicas de cada pessoa para o exercício de suas atividades (in França, GV – Flagrantes Médico-Legais VII, Recife: Edupe, pp. 239-241). Sempre orientamos, quando possível, mesmo diante de uma incapacidade relativa: 1. analisar as sequelas em vez de somar perdas; 2. avaliar as capacidades possíveis ou restantes e não apenas as incapacidades existentes; 3. valorizar a capacidade residual ou remanescente do servidor ou do pretenso servidor. Temos proposto, na avaliação da capacidade laborativa de indivíduos com capacidade diminuída, quando do seu ingresso em determinadas funções, sejam permitidas algumas tolerâncias dentro do que se denominou “normal”. A consciência social hodierna deve atender às condições mínimas de saúde e não a um estado de perfeição física e mental como se estivéssemos selecionando pessoas para disputar torneios ou gincanas físicas. Os portadores de capacidade residual compatível com as necessidades de cada tarefa podem e devem, na medida do possível, exercer certas e determinadas atribuições da administração pública. Discussão O fato de se exigirem esforços sobre-humanos de mesmo tipo e intensidade, para pessoas de idade, peso e compleição física diferentes, como quem está selecionando atletas de esporte de competição, leva a crer tratar-se de um exagero. Impor um único padrão de desempenho físico para pessoas que se encontram em condições naturais diversas é uma forma indisfarçável de discriminação, o que na prática vai gerar prejuízos de uns em favor de outros. Isto fica muito evidente entre candidatos de faixas etárias distintas, entre pessoas de sexos opostos e de compleição física e atlética diversa, quando a Constituição Federal já assegura a estes últimos condição diferenciada de disputa mediante a reserva de vagas (artigo 37, inciso VIII). Malgrado todo esforço, aquele exagero vem sendo exigido em determinados editais de concursos para o cargo de médico-legista, no qual o esforço físico é o de menor importância, enquanto que a capacidade intelectual para desenvolver com inteligência as tarefas da melhor forma à população é o que deveria ser avaliada. Isto certamente promoverá a exclusão de candidatos de excelente potencial intelectivo para a execução da função de legisperito, em razão de um despreparo físico configurado no teste de aptidão física a que se submeteram e que certamente eram dispensados quando da sua formação acadêmica. Tal metodologia vai resultar em inegável prejuízo para o bom funcionamento da administração pública nessa relevante missão estatal, e, portanto, um grave dano à sociedade que fica lesada, e a nosso ver, prejudicando integralmente o interesse público quando se perde um profissional capacitado intelectualmente para o exercício da função. Muitos são os editais de concurso público para provimento de vagas e formação de cadastro de reserva em cargos de médico-legista, dos quais consta, de maneira genérica, que “todos os candidatos aprovados na prova objetiva devem se submeter a teste de capacidade física (barra fixa, abdominais e corrida de 12 minutos, de caráter eliminatório, entre outros). Não é preciso ir muito longe para entender que tal exigência é desproporcional e exagerada, desnecessária e injustificável, para quem vai exercer uma carreira técnico-científica, de caráter eminentemente intelectual, além de se mostrar desmotivada e frontalmente contrária à essência do referido concurso, pois este certamente afastará, dos já aprovados nas provas escritas das matérias indicadas, uma boa parte dos melhores candidatos, apenas porque não podem realizar as flexões em barra fixa e os abdominais em número requerido ou tiveram a má sorte de chegar 2 ou 3 minutos depois do prazo de uma corrida, índices estes arbitrariamente atribuídos. Para estes profissionais que hoje não pertencem mais à carreira de polícia, é o mesmo que exigir de juízes, promotores, médicos e engenheiros que ingressam no serviço público estas exigências tão desproporcionais. Em vez de se estar em busca de candidatos mais capacitados intelectualmente, por meio de critérios baseados na adequação e na eficiência em favor do serviço a ser prestado à sociedade, buscam-se os de melhor porte físico e capazes de correr e se flexionar tantas vezes quanto queira o administrador desatento. A rejeição a estes testes, chamados de aptidão física, não exclui os de porte atlético e de prática desportiva mais sofisticada. Não. Basta que estes estudem e se apliquem ao conteúdo programático do concurso. Tem-se a impressão de que o administrador descuidado que redige editais daquela natureza desconhece por completo a natureza dos cargos disputados no concurso e a sua real forma de exercício. Não será nenhuma surpresa que este administrador não intime também os aprovados na cota dos deficientes (dentre eles hemiplégicos e amputados) a alcançarem em uma corrida o percurso exigido para os 12 minutos, tão valorizados naqueles editais. Quando ali diz não existir limite de idade, dentro do que prescreve a norma regulamentadora da função pública, isto soa muito mais como um deboche. Isto sem levar em conta as candidatas grávidas, os recém-operados, os quais deverão cumprir as regras desarrazoadas do teste de aptidão física, sob pena da reprovação imediata do concurso. Mesmo que estes testes não fossem eliminatórios, mas tão só para o efeito de classificação entre os aprovados, ainda assim, seriam injustos. Só se justificaria uma imposição da prática de testes de aptidão física se isto estiver previsto em lei e que sejam exigidos pela função a ser desempenhada, ou seja, quando esta atividade exigir esforço físico considerável. Se a função a ser exercida de médico-legista tem o caráter técnicocientífico e não de natureza policial, como muitos ainda teimam em considerar, não há como negar tratar-se de provas desnecessárias, rigorosas e desproporcionais. Some-se a isso o fato de que muitos destes candidatos nem sabem se vão ser aproveitados, pois estarão entre aqueles que formarão um “cadastro de reserva”, prática esta cada vez mais comum nestes últimos tempos, mesmo sem o amparo no ordenamento jurídico, pois todo concurso público deve ser realizado unicamente para provimento de cargos vagos. Entre outros, esta prática tem o sentido de a Administração Pública ficar sem a obrigação de nomear um único aprovado sequer. Assim, julgou o STF num caso de ilegalidade na exigência do teste de aptidão física para o cargo de médico-legista: STF – AGRAVO DE INSTRUMENTO AI 278127 MA CONCURSO PÚBLICO – PROVA ESFORÇO FÍSICO – MÉDICO-LEGISTA – EXIGÊNCIA – IMPROPRIEDADE. AGRA DESPROVIDO. 1. O Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão concedeu a segurança requerida pelo ora Agravado, pelos fundamentos assim sintetizados: MANDADO DE SEGURANÇA CONCURSO PÚBLICO. O MÉDICO-LEGISTA. EDITAL. ESFORÇO FÍSICO. EXIGÊN INADMISSIBILIDADE. Afigura-se ilegal, passível de exame pelo Judiciário, a exigênci editalícia do teste de esforço físico, com caráter eliminatório, a candidato a cargo (médicolegista), que, pela sua própria natureza, pode ser exercido até por um deficiente físico que tenha recebido licença do Conselho de Medicina para exercer a profissão (folha 9). (...). Coaduna-se com a razoabilidade a glosa da exigência de esforço físico em concurso voltado a preencher cargo de médico. A atuação deste, embora física, não se faz no campo da força bruta, mas a partir de técnica específica. Além dos princípios explícitos, a Carta da República abrange também os implícitos, entre os quais estão o da razoabilidade, o da proporcionalidade, aplicáveis ao caso concreto. (...) 4. Publique-se. Brasília, 18 de agosto de 2000. Ministro Marco Aurélio, Relator. Quanto à absurda exigência de testes físicos de aptidão para candidatos com deficiência, ainda se pronunciou o STF: STF – Processo: AI 730757 MG CONCURSO PÚBLICO – PROVA DE ESFORÇO FÍSICO – MÉDICO LEGIS CANDIDATO INSCRITO EM VAGA DE DEFICIENTE – EXIGÊNCIA – IMPROPRIEDA AGRAVO DESPROVIDO. 1. O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais confirmou entendimento constante na sentença, que implicou a concessão da segurança requerida, ante os seguintes fundamentos (folha 11): [...] Nesse sentido, não se discute a importância da realização do exame médico para cargos afeitos à atividade policial, visto que seu exercício exige agentes preparados fisicamente e emocionalmente. [...] Todavia, no presente caso, tenho que se trata de um candidato inscrito para as vagas de deficientes físicos, não podendo a administração compeli-lo a realizar testes biofísicos no mesmo parâmetro dos demais candidatos sem qualquer tipo de deficiência. A própria administração pública atestou a deficiência do impetrante, tendo sido considerada, inclusive, a sua limitação compatível com o cargo de médico legista. Ora, se o cargo não fosse compatível com a deficiência física, não poderia ocorrer previsão para o preenchimento dessas vagas no edital. (...). Coaduna-se com a razoabilidade a glosa da exigência de esforço físico, em igualdade de condições aos demais inscritos, em concurso voltado a preencher cargo de médico-legista, considerado o fato de ter o candidato disputado vaga na reserva para deficientes físicos. A respectiva atuação, embora física, não se faz no campo da força bruta, mas a partir de técnica específica. Além dos princípios explícitos, a Carta da Republica abrange também os implícitos, entre os quais estão o da razoabilidade, o da proporcionalidade, aplicáveis ao caso concreto. 3. Conheço do agravo e o desprovejo. 4. Publiquem. Brasília, 30 de março de 2009. Ministro Marco Aurélio, Relator. Características da atividade pericial forense Como sempre, mas hoje muito mais, os órgãos de perícia são de importância significativa na prevenção e reparação dos delitos, porque a prova técnico-científica, pelo menos sob o prisma doutrinário, tem maior relevância entre as demais provas ditas racionais, notadamente nas questões criminais. Assim, a Perícia Forense não pode deixar de ser vista como um núcleo de tecnologia e ciência a serviço da Justiça, e o perito nessas condições é sempre um analista a serviço da Lei, e não um preposto da autoridade policial. Desse modo, sente-se a necessidade cada vez mais premente de transformar esses Institutos em órgãos auxiliares do Poder Judiciário, e sempre com a denominação de Institutos Médico-Legais, como a tradição os consagrou pelo seu transcendente destino. Lamentavelmente, por distorção de origem, quando as repartições periciais nada mais representavam senão simples apêndices das Centrais de Polícia e os peritos, meros agentes policiais, permanece o desagradável engano, ficando até hoje a ideia, entre muitos, de que a legisperícia é parte integrante e inerente da atividade policial. Basta ver os editais de concurso desta categoria divulgados pelas Secretarias de Segurança. E o mais grave: isso fez com que se criasse, num bom número de peritos brasileiros, uma postura nitidamente policialesca que se satisfaz com a exibição de carteiras de polícia ou de portes de arma, o que fazem insistir na permanência de seu status atual. A Medicina Legal tem outra missão, mais ampla e mais decisiva dentro da esfera do judiciário, no sentido de estabelecer a verdade dos fatos, na mais ajustada aspiração e interpretação da lei. Mais recentemente, em relatório sobre a Tortura no Brasil, produzido pelo Relator Especial sobre Tortura da Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), Sir Nigel Rodley, afirmou, no item 22 de suas conclusões: “Os serviços médico-forenses deveriam estar sob a autoridade judicial ou outra autoridade independente, e não sob a mesma autoridade governamental que a polícia; nem deveriam exercer monopólio sobre as provas forenses especializadas para fins judiciais.” Neste particular, um modelo alentador é o da criação da Perícia Forense do Estado do Ceará (PEFOCE), que, em linhas gerais, tem como missão executar perícias forenses por peritos oficiais em tempo hábil e legal em todo Estado. É um órgão com autonomia financeira, administrativa e patrimonial. Na PEFOCE, a atividade pericial deixou de ser uma atividade de polícia para se constituir em um cargo público de natureza técnico-científica. Conclusão Os testes de avaliação de aptidão física, nos concursos públicos, têm sempre o sentido de verificar a habilidade física do candidato quanto a força, destreza e agilidade, levando em conta a natureza do cargo a ser exercido. Para a função de médico-legista não é razoável tal exigência pois, em sua atividade, não estão incluídos o esforço físico e a destreza, e sim a capacidade intelectual conquistada na sua formação acadêmica. Sendo assim, aquela medida é desproposital entre os meios e os fins, e como traz o ranço da ilegalidade e a evidente falta de relação entre a previsão constante do edital e o real exercício das atividades inerentes ao cargo de médico-legista, é abusiva e ilícita. Diante da evidência de que a atividade de médico-legista não é de caráter policial e sim de natureza estritamente técnico-científica e da ausência de dispositivos legais que amparem o exame de avaliação da aptidão física aos candidatos nos seus concursos, entendo a permanência destes testes como um comportamento ilegal, ilegítimo e discriminador em desfavor de uma categoria específica de candidatos, além de revelarem-se como inaceitáveis em face da ordem constitucional em vigor em nosso país. Não é possível admitir-se como razoável a exigência de testes de aptidão física em concurso público de natureza técnico-científica em que o exercício da força bruta se mostra irrelevante e desnecessário. Além do mais, isto não deixa de ser um fator inibidor e de restrição ao acesso de candidatos por exigências tão descabidas nestas provas de resistência, obstruindo o livre acesso ao cargo público anunciado. Dizer inexistir, no caso, ato ilegal ou abusivo da autoridade pelo fato de os candidatos, ao se inscreverem, se sujeitaram às cláusulas do edital de concurso é falso, pois cada um se inscreveu certo de que os despropósitos da natureza dos testes citados irão encontrar amparo em recurso administrativo ou um remédio jurídico pertinente. E mais: um edital de concurso público não pode criar cláusulas e condições que ultrapassem aquilo que se encontra na lei. Até entende-se que, para o exercício de determinadas funções públicas, possa se exigir testes de aptidão física, quando a força bruta possa ser eventualmente usada, mas isto não se aplica ao caso dos médicos-legistas, pois estes testes estariam descaracterizados pela desproporcionalidade entre o exigido e as suas reais atividades, as quais se concentram exclusivamente em uma realidade técnica e científica. DIREITOS DO PERICIANDO Aquele que se apresenta à perícia ou está sendo examinado tem, como todo cidadão, assegurados pela Constituição Federal, seus direitos individuais e coletivos, sem distinção de qualquer natureza. Entre tantos, o que está expresso em seu artigo 5o, item II: “Ninguém está obrigado a fazer alguma coisa senão em virtude da lei.” Isto também se aplica a quem está sendo submetido a perícia quando está envolvida sua própria pessoa na dimensão física ou moral que merece. Portanto, cabe ao investigando decidir sobre certas circunstâncias quando submetido a determinados testes ou exames, certo também de que arcará com o ônus decorrente da sua negativa. Mesmo se tratando de matéria de ordem criminal, em que sempre se assinala o interesse público em detrimento do particular; ainda assim mantém-se o direito individual, porque todo interesse coletivo começa do respeito a um indivíduo. Assim, por exemplo, no processo penal (matéria de direito público), está pontificado que a descoberta da verdade jamais ultrapassará limites da decência do réu, que tem o direito de ficar calado, omitir a verdade e até recusar-se a participar da prova, sem que isso seja interpretado como prejuízo a sua defesa ou como confissão de culpa. Se fosse diferente, ou seja, se a busca da verdade fosse irrestrita, sem barreiras, submetendo-se os examinandos a todas as formas de coações e violações quando submetidos às perícias, certamente voltaríamos à época da Inquisição. Aqui não cabe o jargão de que “os fins justificam os meios”, princípio despótico baseado nos modelos fascistas, os quais não encontram mais guarida em solo democrático. Eis alguns dos seus direitos: 1. Recusar o exame no todo ou em parte. O periciando manifestando a recusa de se submeter ao exame ou parte dele não comete crime de desobediência, nem tampouco arca com as duras consequências da confissão ficta; isso se dá por duas razões: uma, pela total falta de amparo legal que possa tipificá-lo no delito mencionado; outra, porque ninguém, por autoridade que seja, poderia obrigar alguém a submeter-se a um exame. Sendo o periciando menor de idade, pode ele recusar a perícia, sendo o limite de idade o fator que o faça entender a gravidade do caso em estudo. Alguns entendem que em determinadas circunstâncias, por exemplo, diante de circunstâncias graves, como em uma perícia dos chamados crimes sexuais, o exame deve ser feito. O correto será encaminhar o caso ao Conselho Tutelar da Criança e do Adolescente ou diretamente ao Juizado de Menores. Se a autoridade competente entender que a perícia deva ser feita, tudo deve correr de maneira que se priorize o interesse da ordem pública e o superior interesse do examinado. 2. Ter conhecimento dos objetivos das perícias e dos exames. A informação é um pressuposto ou requisito prévio do “consentimento livre e esclarecido”. É necessário que o examinando dê seu consentimento sempre de forma livre e consciente e as informações sejam acessíveis aos seus conhecimentos para evitar a compreensão defeituosa, principalmente quando a situação é complexa e difícil de avaliar (princípio da informação adequada). 3. Ser submetido a exame em condições higiênicas e por meios adequados. Nada mais justo do que ser examinado, qualquer que seja sua condição de periciando, dentro de um ambiente recatado, higiênico e dotado das condições mínimas do exercício do ato pericial. Fora dessas condições, além do comprometimento da qualidade do atendimento prestado, há um evidente desrespeito à dignidade humana. Não é de hoje que se pede à administração pública pertinente a melhoria dos equipamentos, insumos básicos e recursos humanos para a efetiva prática da perícia nas instituições médicopericiais. Essa realidade vem contribuindo para justificar a má prática pericial médica e o descaso que se tem com a pessoa do examinando. 4. Ser examinado em clima de respeito e confiança. Mesmo para aqueles que cometeram ou são suspeitos de práticas de delitos, qualquer que seja sua gravidade ou intensidade, o exame legispericial deve ser procedido em um ambiente de respeito e sem a censura daquele que os examina. Com muito mais razão, se o periciando for a vítima. 5. Rejeitar determinado examinador. O examinando não tem o direito de escolher determinado examinador, mas pode, por qualquer razão apontada ou mesmo sem explicar os motivos, rejeitar determinado examinador, por suspeição ou impedimento, ou mesmo por questões de ordem pessoal que vão desde a da inimizade até mesmo da amizade próxima. 6 . Ter suas confidências respeitadas. Certas confidências contadas pelo periciando, cujas confirmações ele não queira ver registradas, podem ser omitidas, desde que isso não venha comprometer o exame cuja verdade se quer apurar, mesmo sendo algumas delas em seu próprio favor. 7. Exigir privacidade no exame. O exame do periciando deve ser sempre realizado respeitandose sua privacidade, evitando-se a presença de pessoas estranhas ao feito. Quando se tratar de estagiários, residentes ou estudantes, deve-se pedir a autorização do examinando sempre respeitando seu pudor e permitindo a presença de pequenos grupos. O examinando pode solicitar a presença de algum parente ou alguma pessoa de sua intimidade e confiança, pois isso não compromete a privacidade exigida. 8. Rejeitar a presença de peritos de outro gênero. Esta é outra questão que se apresenta como justa e razoável. É o respeito ao pudor do examinando, seja homem ou mulher, atender ao pedido na escolha de um perito do seu gênero. 9. Ter um médico de sua confiança como observador durante o exame pericial. Mesmo que na fase da produção da prova ainda não seja a oportunidade de indicação do assistente técnico, não vemos nenhum óbice justificável para se impedir a presença de um médico da confiança do examinando durante a perícia, seja em um exame de lesão corporal, necropsia ou exumação. Trata-se apenas de uma forma de medida que tranquiliza o periciando ao ser examinado pela perícia oficial. Isso não é desdouro ou ofensa à credibilidade do órgão periciador, muito menos a quem o examina. 10. Exigir a presença de familiares durante os exames. Quanto à presença de um familiar durante o exame pericial, cremos que não exista qualquer rejeição, principalmente quando isto se verifica a pedido do examinando. Todavia, quanto à presença de um advogado a questão é muito controvertida. ASSISTENTES TÉCNICOS O novo Código de Processo Civil estabelece que o juiz nomeará perito especializado no objeto da perícia e fixará de imediato o prazo para a entrega do laudo, incumbindo às partes, dentro de 15 (quinze) dias contados da intimação do despacho de nomeação do perito, indicar assistente técnico. Quando se tratar de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, o juiz poderá nomear mais de um perito, e, a parte, indicar mais de um assistente técnico. As partes serão intimadas para, querendo, manifestar-se sobre o laudo do perito do juízo no prazo comum de 15 (quinze) dias, podendo o assistente técnico de cada uma das partes, em igual prazo, apresentar seu respectivo parecer. O perito do juízo tem o dever de, no prazo de 15 (quinze) dias, esclarecer ponto divergente apresentado no parecer do assistente técnico da parte. Se ainda houver necessidade de esclarecimentos, a parte requererá ao juiz que mande intimar o perito ou o assistente técnico a comparecer à audiência de instrução e julgamento, formulando, desde logo, as perguntas, sob forma de quesitos. O perito ou o assistente técnico será intimado por meio eletrônico, com pelo menos 10 (dez) dias de antecedência da audiência. As partes serão intimadas para, querendo, manifestar-se sobre o laudo do perito do juízo no prazo comum de 15 (quinze) dias, podendo o assistente técnico de cada uma das partes, em igual prazo, apresentar seu respectivo parecer. O perito do juízo tem o dever de, no prazo de 15 (quinze) dias, esclarecer ponto divergente apresentado no parecer do assistente técnico da parte. Se ainda houver necessidade de esclarecimentos, a parte requererá ao juiz que mande intimar o perito ou o assistente técnico a comparecer à audiência de instrução e julgamento, formulando, desde logo, as perguntas, sob forma de quesitos. O perito ou o assistente técnico será intimado por meio eletrônico, com pelo menos 10 (dez) dias de antecedência da audiência. O perito do juízo tem o dever de, no prazo de 15 (quinze) dias, esclarecer ponto divergente apresentado no parecer do assistente técnico da parte. Se ainda houver necessidade de esclarecimentos, a parte requererá ao juiz que mande intimar o perito ou o assistente técnico a comparecer à audiência de instrução e julgamento, formulando, desde logo, as perguntas, sob forma de quesitos. O perito ou o assistente técnico será intimado por meio eletrônico, com pelo menos 10 (dez) dias de antecedência da audiência. § 1o A segunda perícia tem por objeto os mesmos fatos sobre os quais recaiu a primeira e destina-se a corrigir eventual omissão ou inexatidão dos resultados a que esta conduziu. Pelo que se vê do novo Código de Processo Civil, continua valendo a prerrogativa de as partes serem livres para indicar seus assistentes técnicos, sem impedimento e suspeição destes. Assim, assistente técnico é o rótulo que a lei processual civil empresta ao profissional especializado em determinada área, indicado e contratado por uma das partes, no sentido de lhe ajudar na elaboração da prova pericial. Os assistentes técnicos podem ouvir testemunhas, solicitar documentos e obter as devidas informações, a não ser a questão de prazo, pois o do assistente técnico é de apenas 10 dias após a entrega do laudo do perito. Entende-se, por outro lado, que não cabe ao assistente técnico a produção da prova pericial, tarefa esta do perito judicial. E ficaria a pergunta: Qual a função do assistente técnico? Ao que nos parece, cabe-lhe fiscalizar a elaboração da prova e do laudo pericial, conferindo a meios avaliativos utilizados. a verificação do nexo de causalidade, a utilização dos meios subsidiários procedentes, a possível omissão de detalhes, além de manifestar por escrito suas próprias conclusões sobre o fato averiguado, após a entrega do laudo pericial do perito em cartório. Com o advento da Lei no 11.690, de 9 de junho de 2008, que altera o artigo 159 do Código de Processo Penal, será facultada ao Ministério Público, ao assistente de acusação, ao ofendido, ao querelante e ao acusado a formulação de quesitos e indicação de assistente técnico (§ 3o). O assistente técnico atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais, sendo as partes intimadas desta decisão (§ 4o). Durante o curso do processo judicial, é permitido às partes, quanto à perícia: I – requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para responderem a quesitos, desde que o mandado de intimação e os quesitos ou as questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com antecedência mínima de 10 (dez) dias, podendo apresentar as respostas em laudo complementar; II – indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência (§ 5o). Havendo requerimento das partes, o material probatório que serviu de base à perícia será disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua guarda, e, na presença de perito oficial, para exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação (§ 6o). Tratando-se de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, poder-se-á designar a atuação de mais de um perito oficial, e a parte indicar mais de um assistente técnico (§ 7o). DOCUMENTOS MÉDICO-LEGAIS Documento é toda anotação escrita que tem a finalidade de reproduzir e representar uma manifestação do pensamento. No campo médico-legal da prova, são expressões gráficas, públicas ou privadas, que têm o caráter representativo de um fato a ser avaliado em juízo. Os documentos que podem interessar à Justiça, são: as notificações, os atestados, os prontuários, os relatórios e os pareceres; além desses, os esclarecimentos não escritos no âmbito dos tribunais, constituídos pelos depoimentos orais. Notificações São comunicações compulsórias feitas pelos médicos às autoridades competentes de um fato profissional, por necessidade social ou sanitária, como acidentes de trabalho, doenças infectocontagiosas, crimes de ação pública que tiverem conhecimento e não exponham o cliente a procedimento criminal e a morte encefálica, quando em instituição de saúde pública ou privada, de acordo com o artigo 12 da Lei no 8.489, de 18 de novembro de 1992. Não são mais notificados, de forma compulsória, os viciados em substâncias capazes de determinar dependência física ou psíquica, conforme determinava a Lei no 6.368, de 21 de outubro de 1976. Atestados Entende-se por atestado ou certificado o documento que tem por objetivo firmar a veracidade de um fato ou a existência de determinado estado, ocorrência ou obrigação. É um instrumento destinado a reproduzir, com idoneidade, uma específica manifestação do pensamento. O atestado ou certificado médico, portanto, é uma declaração pura e simples, por escrito, de um fato médico e suas possíveis consequências. Tem a finalidade de resumir, de forma objetiva e singela, o que resultou do exame feito em um paciente, sua doença ou sua sanidade, e as consequências mais imediatas. É, assim, um documento particular, elaborado sem compromisso prévio e independente de compromisso legal, fornecido por qualquer médico que esteja no exercício regular de sua profissão. Desta forma, tem unicamente o propósito de sugerir um estado de sanidade ou de doença, anterior ou atual, para fins de licença, dispensa ou justificativa de faltas ao serviço, entre outros. Tão singelo e desprovido de formalidades é o atestado médico, que se admite, estando o médico inscrito regularmente no Conselho Regional de Medicina competente, possuir competência para atestar, independentemente de especialidade, desde que se sinta capacitado para tanto. Assim se manifesta o Parecer-Consulta CFM no 28/87. É elaborado de forma simples, em papel timbrado, podendo servir até o usado em receituário ou, para quem exerce a profissão em entidades públicas ou privadas, em formulários da respectiva instituição, como recomenda Arbenz. É quase sempre a pedido do paciente ou de seus responsáveis legais. Não tem o atestado uma forma definida, porém deve conter as seguintes partes constitutivas: cabeçalho – onde deve constar a qualificação do médico; qualificação do interessado – que é sempre o paciente; referência à solicitação do interessado; finalidade a que se destina; o fato médico quando solicitado pelo paciente ou seus familiares; suas consequências, como tempo de repouso ou de afastamento do trabalho; e local, data e assinatura com o respectivo carimbo profissional, onde contenham nome do médico, CGC e número de inscrição no Conselho Regional de Medicina da jurisdição sede de sua atividade. A utilidade e a segurança do atestado estão necessariamente vinculadas à certeza de sua veracidade. Sua natureza institucional e seu conteúdo de fé pública é o pressuposto de verdade e exatidão que lhe é inerente, daí a preocupação e o interesse que o atestado desperta, como diz Sérgio Ibiapina Ferreira Costa (in Atestado médico – considerações ético-jurídicas, na obra Desafios Éticos, Brasília: Publicação do Conselho Federal de Medicina, 1993). E mais: “uma declaração duvidosa tem, no campo das relações sociais, o mesmo valor de uma declaração falsa, exatamente por não imprimir um conteúdo de certeza ao seu próprio objeto”. O atestado médico quanto a sua procedência ou finalidade pode ser: administrativo, quando serve ao interesse do serviço ou do servidor público; judiciário, quando por solicitação da administração da justiça; e oficioso, quando dado no interesse das pessoas física ou jurídica de direito privado, como para justificar situações menos formais em ausência das aulas ou para dispensar alunos da prática da educação física. Há um fato que sempre mereceu profundas controvérsias: a questão da declaração do diagnóstico nos atestados. Uns admitem que deve ser omitida a fim de responder aos imperativos dogmáticos que norteiam o sigilo médico; outros acham desnecessária a guarda do segredo, principalmente quando a autoridade administrativa exige o diagnóstico com a finalidade de estabelecer a relação entre os dias perdidos e a gravidade da doença, por exemplo. O certo é que, na medida do possível, deve-se evitar a declaração do diagnóstico no atestado, a não ser quando permite o Código de Ética Médica: por justa causa, dever legal ou a pedido do paciente ou de seus representantes legais. Quanto à necessidade de se colocar o CID (Código Internacional de Doenças e Causas de Morte) nos atestados médicos, resultante da Portaria nos 3.291, de 20 de fevereiro de 1984, do Ministério da Previdência Social, decidiu o Conselho Federal de Medicina, nos Pareceres Consulta nos 11/88, 25/88 e 32/90, que o médico só pode firmar atestado revelando o diagnóstico, na forma codificada ou não, nas hipóteses referidas no artigo 73 do Código de Ética Médica (por justa causa, dever legal ou permissão do paciente ou de seus responsáveis legais). Deve-se entender ainda que o atestado é diferente de declaração. No atestado, quem o firma, por ter fé de ofício, prova, reprova ou comprova. Na declaração, exige-se apenas um relato de testemunho. Entendemos que, na área de saúde, apenas os profissionais responsáveis pela elaboração do diagnóstico são competentes para firmarem atestados. Os demais podem declarar o acompanhamento ou a coadjuvação do tratamento, o que não deixa, também, de constituir uma significativa contribuição como valor probante. Hermes Rodrigues de Alcântara (in Deontologia e diceologia – normas éticas e legais para o exercício da medicina, São Paulo: Organização Andrei Editora, 1979) classifica o atestado médico, quanto ao seu conteúdo ou veracidade, em: idôneo, gracioso, imprudente e falso. O compromisso ético e legal do médico é fornecer sempre um atestado idôneo. Mesmo não sendo exigidos uma certa formalidade e um compromisso legal de quem o subscreve – por ser uma peça meramente informativa e não um elemento final para decidir vantagens e obrigações –, deve merecer o atestado todos os requisitos de comprovada idoneidade, visto que ele exerce, dentro dos seus limites, uma função de certo interesse social. Fica o médico, portanto, no dever de dizer a verdade sob pena de infringir dispositivos éticos e legais, seja ao artigo 80 do Código de Ética Médica, seja por delito de falsidade de atestado médico por infração ao artigo 302 de nosso diploma penal. Não deve ser recusado “a priori”, como vez por outra ocorre, pois se deve ter sua presunção de lisura pelo respeito à credibilidade de quem firma o atestado. Isto não quer dizer, todavia, que o atestado seja um fato conclusivo ou consumado, ou que não tenha um limite de eficácia em certas eventualidades, principalmente para o que ele não se destina. Em documentos particulares, escritos e assinados, ou apenas assinados, presumem-se verdadeiros em relação ao signatário. Quando houver referência de determinado fato ligado à ciência, o documento particular prova a declaração, mas não o fato declarado, competindo ao interessado em sua veracidade o ônus de provar o fato. O atestado gracioso, também chamado de complacente ou de favor, tem sido concedido por alguns profissionais menos responsáveis, desprovidos de certos compromissos e que buscam por meio deste condenável gesto uma forma sub-reptícia de obter vantagens, sem nenhum respeito ao Código de Ética Médica. Muitos destes atestados graciosos são dados na intimidade dos consultórios ou das clínicas privadas, tendo como finalidade a esperteza de agradar o cliente e ampliar, pela simpatia, os horizontes da clientela. Já o atestado imprudente é aquele que é dado de maneira inconsequente, insensata e intempestiva, quase sempre em favor de terceiros, tendo apenas o crédito da palavra de quem o solicita. O atestado falso seria aquele dado quando se sabe do seu uso indevido e criminoso, tendo por isso o caráter doloso. Se é fato que alguns médicos resistem, igualmente certo é também que, em alguns casos, o profissional é induzido por questões de amizade ou de parentesco, e, assim, sem uma análise mais acurada, fornece um atestado gracioso ou falso, mesmo que seu Código de Ética diga que tal atitude é ilícita e o Código Penal veja como infração punível. Tais sanções são justas porquanto o Estado tem o direito de resguardar o bem jurídico da fé pública, cuja finalidade é proteger uma verdade. A falsidade do atestado médico está na sua falsificação ideológica. Está fraudado na sua substância, no seu conteúdo. A sua irregularidade, portanto, está no seu teor, na sua natureza intelectual, praticada por um agente especial que é o médico, quando subverte o exercício regular de um direito. Na sua essência material ele pode até ser correto, pois foi firmado por alguém habilitado a fazê-lo. A falsidade material diz respeito apenas no tocante a sua falsificação quando, por exemplo, ele é expedido por alguém que não possui habilitação legal nem habilitação profissional, ou seja, por alguém que não é médico. A falsidade pode estar na afirmação da existência ou da inexistência de uma enfermidade, na falsa condição de higidez pretérita ou atual, em um tipo de patologia, na causa mortis e no seu agente causador, ou em qualquer outra informação dessa ordem que não reflita a verdade. Ou ainda, como diz Heleno Claúdio Fragoso (in Lições de direito penal, vol. 4, São Paulo: José Bushatsky, 1965): “pode também referir-se a outros fatos, como a origem de uma doença, a existência de morte e suas causas, a vacinação, as consequências de moléstias ou ferimento etc.” Enfim, incide sobre tudo aquilo que compete ao médico verificar, não apenas circunscrito aos fatos, mas ainda pode recair sobre opinião ou conceito sobre os mesmos. O que se pune nesta forma de delito é tão somente a inveracidade que o atestado pretende provar. Acrescenta-se, ainda, que a falsidade pode ser praticada tanto em relação ao que é fundamental, como ao que é secundário, desde que altere em substância o conteúdo do atestado e o juízo feito sobre ele. Entre os atestados falsos, surge um novo tipo: o atestado piedoso. São pedidos como forma de suavizar um diagnóstico mais grave, principalmente quando se trata de pacientes portadores de doenças graves e incuráveis. E assim, alguns facultativos, atendendo à solicitação de familiares, atestam enfermidade diversa, sempre de caráter benigno, na intenção de confortar o paciente. Embora piedoso, tal gesto é reprovável. Concordamos com o pensamento de que o médico ao conceder conscientemente um atestado de óbito falso, alterando assim a verdade no Registro Público, comete crime de falsidade ideológica em documento público e não falsidade de atestado médico, inclusive com pena muito mais grave. Mesmo assim, com todo zelo que se deve ter pelo atestado, é justo dizer que ele tem seus limites. A comprovação de uma entidade mórbida, complexa, multifatorial e de origem ainda no campo das teorias – de tantos detalhes e de tantas e possíveis implicações – não pode ser decidida apenas com três ou quatro linhas simplistas, apostas em um mero atestado médico, cuja finalidade é tão só servir de início de informações em uma arguição de direitos. Há de se valorizar cada particularidade existente no processo mórbido. Por isso existem as Juntas Médicas e por isso elas não estão adstritas aos atestados, podendo aceitá-los no todo, na parte, ou simplesmente não acatá-los, como claramente recomenda o Parecer Consulta CFM no 01/2002. Muitas vezes é necessário um laudo ou relatório bem elaborado onde esteja realçada a descrição, fundamentada em elementos fisiopatológicos consagrados pela lex artis e em resultados laboratoriais, e onde fique patente em que foi baseada esta ou aquela afirmativa. Só assim é possível a confirmação do diagnóstico, a avaliação evolutiva do processo mórbido, a devida e necessária observação dos resultados terapêuticos e o prognóstico esperado. Levando em conta a delicadeza de certas circunstâncias em que se apura uma determinada patologia, que traz na sua esteira um amontoado de dúvidas na sua etiologia e na sua causalidade ou concausalidade, e quando um erro de interpretação pode redundar em prejuízos para as partes envolvidas, torna-se imprescindível uma declaração mais detalhada. Não registrar ou analisar tais características é uma maneira de despojar quem vai utilizar o laudo de uma ideia pessoal e tirar-lhe a oportunidade de se convencer da verdadeira natureza do dano. Pelo menos, a inadmissibilidade da concessão de interdição com base apenas em atestado médico e a imprescindibilidade do laudo pericial está na norma processual civil que após prazo estabelecido, o juiz nomeará perito para proceder ao exame do interditando. Apresentado o laudo, o juiz designará audiência de instrução e julgamento. Há, portanto, necessidade de apresentação de laudo completo e circunstanciado das condições do interditando sob pena de anulação do processo. Nesses casos, o laudo médico é obrigatório e não facultativo, e o exame pericial é imprescindível para a segurança da decisão judicial (RT 715/133). Como afirmam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery: “A lei exige a realização de perícia médica em processo de interdição, sob pena de nulidade. A tarefa do perito consiste em apresentar laudo completo e circunstanciado da situação físico-psíquica do interditando, sob pena do processo ser anulado. O laudo não pode se circunscrever a mero atestado médico em que se indique por código a doença do suplicado” (in Código de processo civil comentado, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999). Está mais do que provado ser o laudo médico ou pericial o instrumento mais valorizado nas questões de maior complexidade na área médica, pois o atestado pela sua singeleza e carência de descrição não alcança todas as particularidades que certos casos encerram. Daí porque só o laudo atende a tal necessidade. Todo dano corporal à saúde, seja físico ou psíquico – como um verdadeiro corpo lesional – carrega no seu conjunto uma lista sem fim de detalhes que necessitam de registro para uma apurada interpretação. E tudo depende de quem vai valorizá-lo na medida exata de cada caso. Nem sempre se pode considerar como elemento probante, de consistência técnica e científica, a afirmação simples e por escrito contida em um atestado, sem uma descrição judiciosa das estruturas comprometidas, de suas causas e de seus nexos causais, capazes de justificar aquela afirmação. O atestado, em que pese o respeito que merece seu ilustre subscritor, é um documento unilateral e singelo que não pode se sobrepor ao laudo médico. Por isso, em casos de maior relevância, onde se discute questões de maior transcendência sobre diagnóstico, prognóstico e agente causal, o médico e o perito têm obrigação de mencionar no relatório em que elementos estruturais ou funcionais ou em que resultados laboratoriais ou radiológicos se basearam para fazer tal ou qual afirmativa. Em suma: é necessário que fique muito claro em que elementos se fundamentaram para suas conclusões. Prontuários O prontuário médico constitui-se não apenas no registro da anamnese do paciente, mas em todo o acervo documental padronizado, organizado e conciso, referente ao registro dos cuidados médicos prestados, assim como dos documentos pertinentes a essa assistência. Mesmo sendo um documento criado para interesses médicos, o prontuário pode produzir efeitos jurídicos de grande significação médico-legal. Consta de exame clínico do paciente, suas fichas de ocorrências e de prescrições terapêuticas, os relatórios da enfermagem, da anestesia e da cirurgia, a ficha do registro dos resultados de exames complementares e, até mesmo, cópias de solicitação e de resultado de exames complementares. Constituem um verdadeiro dossiê que tanto serve para a análise da evolução da doença, como para fins estatísticos que alimentam a memória do serviço e como defesa do profissional, caso ele venha ser responsabilizado por algum resultado atípico ou indesejado. Não se pode admitir que o prontuário seja uma peça meramente burocrática para fins da contabilização da cobrança dos procedimentos ou das despesas hospitalares. Pensar sempre em possíveis complicações de ordem técnica, ética ou jurídica que possam eventualmente ocorrer, quando o prontuário seria um elemento de valor probante fundamental nas contestações sobre possíveis irregularidades. Pode em certos momentos ter significativa contribuição quando da elaboração de relatórios ou pareceres médico-legais sobre a assistência ao paciente ou, ainda, parte dele servir de subsídios informativos como peças dos autos processuais. Por outro lado, não existe nenhum dispositivo ético ou jurídico que determine ao médico ou ao diretor clínico de uma instituição de saúde entregar os originais do prontuário, de fichas de ocorrências ou de observação clínica a quem quer que seja, autoridade ou não, porque “ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei”. No Parecer-Consulta CFM no 02/94, ficou estabelecido que as instituições de saúde não estão obrigadas a enviar, mesmo por empréstimo, os prontuários aos seus contratantes públicos ou privados, e, segundo o Parecer-Consulta CFM no 05/96, “o diretor clínico não pode liberar cópia de prontuários de paciente para Conselhos de Saúde, porém tem o dever de apurar quaisquer fatos comunicados, dando-lhes conhecimento de suas providências, sob pena de responsabilidade ética ou mesmo criminal”. O Supremo Tribunal Federal, em acórdão do Recurso Extraordinário Criminal no 91.218-5SP, 2a Turma, entendeu que a instituição ou o médico não tem a obrigação de atender a requisição de fichas clínicas, admitindo que apenas ao perito cabe o direito de consultá-la, mesmo assim obrigando-o ao sigilo pericial, como forma de manter o segredo profissional (RT, 562, ago./1982, 407/425). Uma questão bem interessante: A quem pertence o prontuário? Antes pensava-se que ele pertencia ao médico assistente ou à instituição para a qual ele prestava seus serviços. Mesmo sendo o médico, indubitavelmente, o autor intelectual do dossiê por ele recolhido, é claro que esse documento pertence ao paciente naquilo que é mais essencial: nas informações contidas. É de propriedade do paciente a disponibilidade permanente das informações que possam ser objeto da sua necessidade de ordem pública ou privada. Em síntese, são de propriedade do paciente de forma permanente as informações que possam ser objeto da necessidade de ordem social ou de outro profissional que venha a tê-lo na sua relação, dentro da conveniência que a informação possa merecer. Do médico e da instituição, apenas o direito de guarda. Relatórios O relatório médico-legal é a descrição mais minuciosa de uma perícia médica a fim de responder à solicitação da autoridade policial ou judiciária frente ao inquérito (peritia percipiendi). Se esse relatório é realizado pelos peritos após suas investigações, contando para isso com a ajuda de outros recursos ou consultas a tratados especializados, chama-se laudo. E quando o exame é ditado diretamente a um escrivão e diante de testemunhas, dá-se-lhe o nome de auto. O relatório é constituído das partes descritas a seguir. Preâmbulo. Constam dessa parte a hora, data e local exatos em que o exame é feito. Nome da autoridade que requereu e daquela que determinou a perícia. Nome, títulos e residências dos peritos. Qualificação do examinado. Quesitos. Nas ações penais, já se encontram formulados os chamados quesitos oficiais. Mesmo assim, podem, à vontade da autoridade competente, existir quesitos acessórios. Os quesitos oficiais foram formulados por uma comissão composta pelo Dr. Miguel Sales, exdiretor do Instituto Médico-Legal do Rio de Janeiro; pelo Professor de Medicina Legal e médicolegista Antenor Costa; e, finalmente, pelo eminente mestre do Direito Penal brasileiro, Professor Roberto Lira, e aprovados pela comissão que elaborou o Código de Processo Penal (Decreto-Lei no 3.639, de 3 de outubro de 1941). Em Psiquiatria Médico-Legal, assim como no cível, não existem quesitos oficiais, ficando o juiz e as partes no direito de livremente formularem conforme exigências do caso. Histórico. Consiste no registro dos fatos mais significativos que motivam o pedido da perícia ou que possam esclarecer e orientar a ação do legisperito. Isso não quer dizer que a palavra do declarante venha a torcer a mão do examinador. Outra coisa: essa parte do laudo deve ser creditada ao periciado, não se devendo imputar ao perito nenhuma responsabilidade sobre seu conteúdo. Mesmo não sendo o momento mais expressivo do documento médico-legal, o histórico tem-se revelado na experiência pericial, muitas vezes, como uma fase imprescindível, necessária e importante. Tão valiosa, que a norma procesual civil assegura ao perito o direito de ouvir testemunhas e recorrer a qualquer outra fonte de informação que possa orientar seu trabalho. E essa orientação na ação pericial tem justificativas, principalmente nas questões penais, no que diz respeito à criminodinâmica, como as condições da violência, posição e distância do agressor, tempo de ofensa, local da violência, condições anteriores da vítima e outras circunstâncias que certamente tornar-se-ão úteis à complementação do raciocínio e das conclusões do periciador. Para não falar na perícia psiquiátrica, em que a história do periciando constitui-se em um dos pontos de maior relevo do projeto médico-pericial. Ainda que a prática médico-legal não tenha o caráter de ato de investigação ou de instrução, mas de prova, o histórico inclui-se, hoje, na moderna concepção pericial, como um instante de indiscutível necessidade. O laudo deve apontar uma ideia real não só da lesão, mas, também, do modo pelo qual ela foi produzida. Só assim ele alcançará seu verdadeiro sentido: o de exibir uma imagem bem viva, pelo menos a mais aproximada da dinâmica do evento, do qual a agressão foi a consequência. Vez por outra, surgem certas autoridades julgando plenamente dispensável a transcrição de informações do periciando, pelo simples fato, segundo elas, de a vítima nem sempre relatar a verdade, inovando, assim, conceitos sobre laudo pericial. Não nos causa nenhuma estranheza. Sabiase que 1 dia alguém, em nome do arbítrio, iria se insurgir contra as informações do examinado. Tais pontos de vista, além de subverterem todo princípio científico, são uma indisfarçável intromissão na livre iniciativa técnica e um constrangimento no direito de liberdade intelectual que devem assegurar toda proposta de ciência. Qual o sentido de se excluir a anamnese do laudo pericial? Ao que nos ocorre, apenas um: o desconforto dos interesses inconfessáveis. Privar um indivíduo, principalmente quando vítima, de fazer seu relato ao perito no momento do exame não somente compromete os seus mais elementares direitos, mas atenta profundamente contra as conquistas fundamentais da pessoa humana, asseguradas na Declaração Universal dos Direitos do Cidadão e do Homem, e na Constituição Federal, que resguarda a livre prerrogativa de prestar informações, ou até mesmo, aos detentos presidiários, a obrigação que deve dispensar toda autoridade à sua integridade física e moral. Desse modo, devem os peritos continuar inserindo o histórico em seus laudos, principalmente aquilo que acharem importante, sempre de forma simples e objetiva, de maneira que tragam subsídios à perícia. Sem o comprometimento com sua veracidade e sem a preocupação de agradar ou desagradar a quem quer que seja, autoridade ou não. Descrição. É a parte mais importante do relatório médico-legal. Por isso, é necessário que se exponham todas as particularidades que a lesão apresenta, não devendo ser referida apenas de forma nominal, como, por exemplo, ferida contusa, ferida de corte, queimadura, marca elétrica, entre outras. Devem-se deixar para a última parte do documento: respostas aos quesitos, a referência ao meio ou o tipo de ação que provocou a ofensa. Citar nominalmente uma lesão é o mesmo que diagnosticá-la. Omitir suas características é uma maneira de privar de uma ideia pessoal quem vai analisar o laudo e tirar-lhe a oportunidade de se convencer do aspecto real e da natureza da lesão. É necessário afirmar justificando, mencionar interpretando, descrever valorizando e relatar esmiuçando. Não se está mais na época do “é porque deve ser”, nem se pode admitir que alguém venha simplesmente a se escudar por trás de uma autoridade capaz de lhe dar condições de se fazer sempre acreditar. Assim, a descrição deve ser completa, minuciosa, metódica e objetiva, não chegando jamais ao terreno das hipóteses. A descrição é a parte mais eloquente do laudo. Na verdade, toda lesão no domínio da prova e, portanto, da medicina legal traz no seu conjunto um elenco de particularidades que necessitam de interpretação e ajuste para um deliberado fim. Tudo depende, é claro, de quem vai interpretá-la na riqueza de cada detalhe. A verdadeira finalidade do laudo médico-legal é oferecer à autoridade julgadora elementos de convicção para aquilo que ela supõe mas de que necessita se convencer. A essência da perícia é dar a imagem mais aproximada possível do dano e do seu mecanismo de ação, do qual a lesão foi resultante. Portanto, para que um ferimento tenha força elucidativa, preciso se faz que todos os seus elementos de convicção estejam bem definidos em forma, direção, número, idade, situação, extensão, largura, disposição e profundidade. Por mais humilde que seja uma lesão violenta, ela sempre traz consigo muitas das suas características. Qualquer particularidade bem descrita, técnica e artisticamente, tem o poder de transferir a lesão para o laudo ou de transportar o pensamento do analista para o instante em que se verificou a agressão. Outra coisa: a lesão violenta, vista por um perito, não pode ter, por exemplo, o mesmo significado da análise do cirurgião, o qual necessita somente de tratá-la, enquanto ao legista cabe compreendê-la, analisá-la, esmiuçando, comparando, compondo e recompondo-a como quem arma as peças de um quebra-cabeça. Só assim ele é capaz de retirar todos os valores ali inseridos, naquilo que pode existir de insondável e misterioso. Depois disso, deve ser colocado esse pensamento em uma linguagem que represente o retrato vivo do evento e daquilo que o produziu. A arte pericial requer mais que o simples conhecimento da ciência hipocrática. Exige, além dessa intimidade com todas as especialidades médicas, uma certa intuição e um relativo interesse por outras formas de conhecimento, a fim de elevar suas concepções a um melhor plano do entendimento, como forma de contribuir para a análise e a interpretação dos julgadores. É claro que não cabem ao perito o rebuscado literário nem a ficção ornamental, tão ao gosto de outras manifestações artísticas. Cabem, sim, o relato simples e a arte pura da verdade pura e simples. A arte aqui deve ser entendida como um feito colocado nas mãos da clareza e da lógica, voltada para a crueza do dano, sem os impulsos da exagerada inclinação literária. A arte aqui tem de se estreitar nos limites da realidade violenta, da verdade científica e da especulação exclusivamente comprobatória. Além disso, a descrição não deve ficar adstrita somente à lesão. É imprescindível que se registre também com precisão a distância entre ela e os pontos anatômicos mais próximos, e, se possível, se anexem esquemas ou fotografias das ofensas físicas, pois somente assim poder-se-ão evitar dúvidas ou interpretações de má-fé, em face da localização duvidosa da agressão (Figuras 2.1 a 2.15). Discussão. Nesta fase, serão analisadas as várias hipóteses, afastando-se o máximo das conjecturas pessoais, podendo-se inclusive citar autoridades recomendadas sobre o assunto. O termo discussão não quer dizer conflito entre as opiniões dos peritos, mas a lógica de um diagnóstico a partir de justificativas racionais e baseadas na avaliação tendo em conta todas as circusntâncias do contexto analisado. Conclusão. Compreende-se nesta parte a síntese diagnóstica redigida com clareza, disposta ordenadamente, deduzida pela descrição e pela discussão. É a análise sumária daquilo que os peritos puderam concluir após o exame minucioso. Respostas aos quesitos. Ao encerrarem o relatório, respondem os peritos de forma sintética e convincente, afirmando ou negando, não deixando escapar nenhum quesito sem resposta. É certo que, na Medicina Legal, que é ciência de vastas proporções e de extraordinária diversificação, em que a certeza é às vezes relativa, nem sempre podem os peritos concluir afirmativa ou negativamente. Não há nenhum demérito se, em certas ocasiões, eles responderem “sem elementos de convicção”, se, por motivo justo, não se puder ser categórico. O “pode resultar” ou “aguardar a evolução” são, em alguns quesitos, respostas perfeitamente aceitáveis, principalmente por se saber da existência do Exame da Sanidade realizado após os 30 dias. Sempre que o assunto causar estranheza ao examinador, tal fato deve ser confessado sem receio ou vacilação. Todavia, lembrar sempre que um exame médico-legal, de tantos detalhes e de tantas e possíveis implicações, não pode ser resolvido com respostas simplistas que apenas afirmam ou negam. Há de se valorizar cada particularidade. Quando se defrontam de um lado questões diagnósticas delicadas e de outro o constrangimento de quem é acusado, não pode o perito limitar-se a dizer com extrema simplicidade “sim” ou “não” em uma perícia. É obrigação precípua do perito mencionar, no relatório, em que elementos anatômicos ou resultados laboratoriais se baseou para fazer tal ou qual afirmativa. Dizer, apenas, por exemplo, que houve lesão corporal é subtrair suas características e não leva ninguém a nenhuma convicção. Dizer pura e simplesmente que houve conjunção carnal sem nenhuma justificativa também não concorre para a busca da verdade. Isto porque só a descrição pode nos colocar em uma correlação lógica entre a lesão encontrada e a verdade que se quer chegar. A força desta fidelidade descritiva é que irá instruir a curiosidade do operador jurídico nas suas ânsias. E, sempre que possível, juntar à descrição, à maneira de reforço, os desenhos, gráficos e fotografias. Quanto às fotografias, recomendamos não anexar aos laudos as que identifiquem as vítimas ou as exponham em situações de constrangimentos ou de violação à vida privada e à honra dos examinados, como exames de crianças e adolescentes a exemplo dos casos de crimes contra a dignidade sexual. Tais cuidados, nestes casos, não esvaziam o objeto da prova pericial. Há outros meios como gráficos e esquemas. Pareceres A arte médico-legal não se resume apenas ao exame clínico ou anatomopatológico da vítima. Daí não bastar, como diz Hélio Gomes, um médico ser simplesmente médico para que se julgue apto a realizar perícias, como não basta a um médico ser simplesmente médico para que faça intervenções cirúrgicas. Por isso, são-lhe indispensáveis educação médico-legal, conhecimento de legislação, prática de redação de documentos e familiaridade processual. Quando um perito é chamado para intervir em uma ação em andamento, estudando situações de fatos definidos e contra os quais não haja controvérsias, nem sempre há necessidade de entrevistar o examinado ou realizar qualquer exame técnico, mas, tão só, avaliar as peças processuais à óptica médico-legal e oferecer seu parecer, principalmente quando as entidades nosológicas ou suas consequências estão bem definidas, e contra as quais ninguém fez objeção. Assim, quando na marcha de um processo um estudioso da Medicina Legal é nomeado para intervir na qualidade de perito, e quando a questão de fato é pacífica, mas apenas o mérito médicolegal é discutido, cabe-lhe, apenas, emitir suas impressões sob forma de parecer e responder aos quesitos formulados pelas partes (pericia deducendi). E o documento final dessa análise chama-se parecer médico-legal, em que suas convicções científicas e, até, doutrinárias são expostas, sem sofrer limitações ou insinuações de quem quer que seja. Isso não quer dizer que o perito possa ter caprichos, antipatias ou preconceitos. Não. A liberdade pericial não admite exageros dessa ordem. Na consulta médico-legal, quando dúvidas são levantadas no bojo de um processo, ou quando as partes se contradizem e se radicalizam nas suas posições mais obstinadas, chega a hora de ouvir a voz mais experiente, a autoridade mais respeitada, capaz de iluminar o julgador no seu instante mais denso. O parecer médico-legal é, pois, a definição do valor científico de determinado fato, dentro da mais exigente e criteriosa técnica médico-legal, principalmente quando esse parecer está alicerçado na autoridade e na competência de quem o subscreve, como capaz de esclarecer a dúvida constitutiva da consulta. A função pericial, dizia o extraordinário e inesquecível Alves Menezes, não exige apenas ciência, senão, também, talento e imaginação, dois recursos da inteligência capazes de criar um universo de interpretações mais vivas, contrastando com a vulgaridade das aparências primárias. Cria-se, dessa forma, outro mundo de cores mais vivas e de novas formas, onde a análise mais apurada se eleva a outras significações. Em um parecer médico-legal, distante, pois, da trivialidade das perícias de rotina, cria-se um universo diferente, melhorado, possuído de uma eloquência rara, que só a inteligência é capaz de conhecer e acreditar. Em suma: não se deve limitar a ser, tão somente, um artesão da parte pericial, analista objetivo e descritivo do exame físico da vítima, mas, ainda, um participante ativo na área contemplativa, doutrinária, teórica, constituenda da matéria, capaz de revolver muitas controvérsias e inspirar muitas soluções. Tudo isso por quem é possuidor de uma educação médico-legal mais aprimorada, de conhecimentos de legislação, de prática de redação de documentos forenses e de familiaridade processual. Diante disso, como sempre e hoje muito mais, o juiz, para se munir dos subsídios de convicção, precisa de informações especializadas e não apenas de meros exames clínicos, técnicos, frios, simplistas, distantes, pois, da realidade que se quer configurar. Fora dessas considerações, qualquer sabedoria judicante será temerária e improfícua. O parecer médico-legal é constituído de todas as partes do relatório, com exceção da descrição. A discussão e a conclusão passam a ser os pontos de maior relevo desse documento. Depoimento oral Cabe ainda ao juiz a faculdade de convocar os peritos, a fim de esclarecerem oralmente certos pontos duvidosos de perícias realizadas por eles ou por outrem ou para relatarem sobre qualquer assunto de interesse da lei. É o esclarecimento ou depoimento oral. Consiste na declaração tomada ou não a termo em audiências de instrução e julgamento sobre fatos obscuros ou conflitantes. DESVINCULAÇÃO DOS IMLS DA ÁREA DE SEGURANÇA Ninguém de bom senso poderia ficar indiferente à maré de violência que se observa mais e mais nos dias de agora. Não é tanto a violência comum que preocupa. A que nos causa maior aflição é a violência institucional ou a que flui do crime organizado, que se reflete nas execuções sumárias e arbitrárias, nas mortes suspeitas sob custódia, nas torturas e nos tratamentos desumanos, tipos de agressão estas que tornam toda a comunidade refém e contra a qual se exige uma política de segurança eficaz e inteligente. Por outro lado, não se pode esconder que parte da estrutura policial tornou-se viciada pelo arbítrio ou pela corrupção, imbuída de uma mentalidade repressiva, reacionária e preconceituosa, na mais absoluta fidelidade que o Sistema lhe impôs desde os anos de repressão. Hoje tal fração dessa estrutura não somente perdeu a credibilidade da população mas lhe causa medo. Dentro desse quadro, um dos fatos mais graves e desalentadores tem sido a inserção dos Institutos Médico-Legais e demais órgãos periciais nos organismos de repressão. Isso infelizmente pode comprometer os interesses mais legítimos da sociedade e deixar em dúvida a imparcialidade dos resultados periciais. Por isso, pela incidência da violência e do arbítrio de parte expressiva dos órgãos de repressão, sempre defendemos a ideia da imediata desvinculação dos Institutos de Medicina Legal e dos outros institutos de perícia forense da área de Segurança, não só pela possibilidade de se estabelecer pressões, mas pela oportunidade de se levantar desconfiança, dúvidas, na credibilidade do ato pericial. A polícia que prende, espanca e mata é a mesma que conduz o inquérito. Como sempre, mas hoje muito mais, os órgãos de perícia são de importância significativa na prevenção e reparação dos delitos, porque a prova técnico-científica, pelo menos sob o prisma doutrinário, tem prevalecido sobre as demais provas ditas racionais, notadamente nas questões criminais. Assim, a Medicina Legal não pode deixar de ser vista como um núcleo de ciência a serviço da Justiça, e o médico legista nessas condições é sempre um analista do juiz, e não um preposto da autoridade policial. Desse modo, sente-se a necessidade cada vez mais premente de transformar esses Institutos em órgãos auxiliares do Poder Judiciário, e sempre com a denominação de Institutos Médico-Legais como a tradição os consagrou pelo seu transcendente destino. Lamentavelmente, por distorção de origem, quando as repartições médico-legais nada mais representavam senão simples apêndices das Centrais de Polícia e os legistas meros agentes policiais, permanece o desagradável engano, ficando até hoje a ideia, entre muitos, de que a legisperícia é parte integrante e inerente da atividade policial. Basta ver os editais de concurso dessa categoria divulgados pelas Secretarias de Segurança. E o mais grave: isso fez com que se criasse, em um bom número de legistas brasileiros, uma postura nitidamente policialesca que se satisfaz com a exibição de carteiras de polícia ou de portes de arma. A Medicina Legal tem outra missão, mais ampla e mais decisiva dentro da esfera do judiciário, no sentido de estabelecer a verdade dos fatos, na mais ajustada aspiração e interpretação da lei. Foi com esse pensamento que algum tempo atrás a Comissão de Estudos do Crime e da Violência, criada pelo Ministério da Justiça, propôs ao Governo a desvinculação dos Institutos Médico-Legais e da própria Perícia Criminal dos órgãos de polícia repressiva. O objetivo era “evitar a imagem do comprometimento sempre presente, quando, por interesse da Justiça, são convocados para participar de investigações sobre autoria de crimes atribuídos à Polícia”. A solução apresentada pela Comissão, tendo como presidente o Professor Viana de Moraes, era “que estes serviços técnicos, hoje sujeitos à Secretaria de Segurança Pública, passem a integrar o quadro administrativo das Secretarias de Justiça”. Pessoalmente acho que pouco mudaria se os órgãos de perícias fossem para tais Secretarias, ou mesmo para o Ministério da Justiça. Os locais mais adequados seriam o Ministério Público Estadual, as Universidades Públicas, ou, com mais propriedade, a criação de uma Coordenadoria Geral de Perícia ligada diretamente ao governo estadual, a exemplo do Estado do Pará, cujos resultados têm sido exemplares. Ao Ministério Público por motivos constitucionais, pois lhe cabe o ônus da produção da prova. Às universidades públicas, por sua independência, isenção e qualidade científica. E às Coordenadorias Gerais de Perícia, na forma de autarquias, pela possibilidade de sua autonomia administrativa, financeira e operacional. A justificativa, já tempos atrás, era baseada em trabalhos do juiz João de Deus Mena Barreto e do criminalista Serrano Neves, documentados por vários crimes atribuídos aos policiais, em que os laudos elaborados por peritos oficiais subordinados às Secretarias de Segurança, segundo aqueles autores, contestavam e negavam a autoria. Não seria justo dizer que desta vinculação possa existir sempre qualquer forma de coação. Mas, dificilmente se poderia deixar de aceitar a ideia de que em algumas ocasiões possa existir pressão, quando se sabe que alguns órgãos de repressão no Brasil estiveram ou estão ainda envolvidos no arbítrio e na violência. Pelo menos, suprimiria esse grave fator de suspeição, criado pela dependência e pela subordinação funcional. Enquanto fração expressiva do aparelho policial permanecer comprometida com esses lamentáveis episódios e as repartições periciais forenses estiverem sob sua dependência e subordinação, haverá, no mínimo, dúvidas em alguns resultados. Pelo menos foi assim que decidiu o juiz Márcio José de Moraes sobre o laudo pericial do jornalista Vladimir Herzog. Mais recentemente, em relatório sobre a Tortura no Brasil, produzido pelo Relator Especial sobre Tortura da Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), no item 22 de suas conclusões: “Os serviços médico-forenses deveriam estar sob a autoridade judicial ou outra autoridade independente, e não sob a mesma autoridade governamental que a polícia; nem deveriam exercer monopólio sobre as provas forenses especializadas para fins judiciais.” Pelo exposto, a vinculação, a subordinação e a dependência dos Institutos Médico-Legais aos órgãos ostensivos e repressivos ligados às Secretarias Estaduais de Segurança Pública mostram-se fora de propósito pela falta de sintonia nos seus objetivos e na sua metodologia funcional, além da descrença e do desconforto que podem causar o resultado de seus laudos à sociedade, principalmente quando o fato a apurar aponta a responsabilidade direta ou indireta da polícia. Um modelo que pode ser seguido é o da criação da Perícia Forense do Estado do Ceará (PEFOCE), que, em linhas gerais, tem como missão executar perícias forenses por intermédio de peritos oficiais em tempo hábil e legal em todo Estado. Foi criada por meio da Lei Estadual no 14.055, de 7 de janeiro de 2008, regulamentada pelo Decreto Estadual no 29.304, de 30 de maio de 2008, deixando de ser uma Coordenadoria da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social, passando a ser um Órgão com autonomia financeira, administrativa e patrimonial. A PEFOCE engloba: Medicina Legal, Perícia Criminal, Setor de Planejamento e Gestão, Perícia Veicular, Setor de Tecnologia de Informação, Setor de Análise Laboratorial Forense, Sistema de Identificação Automática de Digitais, Central de Custódia e Defensoria Pública, além da Central de Registro de Óbitos, Área de Preparo para Funerárias, Atendimento Especial e Individualizado a Mulher, Criança e Adolescente, Setor de Acolhimento à Família das vítimas e uma Sala de Antropologia Forense. MODELOS DE LAUDOS PERICIAIS A seguir representaremos alguns modelos de laudos periciais que podem tornar-se úteis àqueles que, mesmo sem serem legistas, possam vir a ter necessidade de responder a certos fatos médicos de interesse da Justiça. Auto de exame cadavérico (aborto) João Pessoa, PB. Aos… dias do mês de… do ano de 20… nesta cidade e no…, compareceram os médicos peritos Drs…., designados pelo Sr…., para procederem ao exame no cadáver de…, a fim de atender à requisição de exame no…, do…, descrevendo, com verdade e com todas as circunstâncias, o que encontrarem e descobrirem, bem como para responderem aos seguintes quesitos: PRIMEIRO – Se houve morte; SEGUNDO – Se a morte foi precedida de provocação de aborto; TERCEIRO – Qual meio empregado para a provocação do aborto?; QUARTO – Qual a causa da morte?; QUINTO – Se a morte da gestante sobreveio em consequência do aborto ou do meio empregado para provocá-lo. Em consequência, passaram os peritos a fazer o exame ordenado, bem como as investigações que julgaram necessárias, findos os quais declaram: Auto de exame de estupro João Pessoa, PB. Aos… dias do mês de… do ano de 20… nesta cidade e no…, foram designados peritos os Drs…., para procederem ao exame de atentado ao pudor em…, a fim de se atender à requisição de exame no…, do…, descrevendo, com verdade e com todas as circunstâncias, o que encontrarem, descobrirem e observarem, bem como para responderem aos seguintes quesitos: PRIMEIRO – Se há vestígios de ato libidinoso (em caso positivo especificar); SEGUNDO – Se há vestígios de violência, e, no caso afirmativo, qual o meio empregado; TERCEIRO – Se da violência resultou para a vítima incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 (trinta) dias, ou perigo de vida, ou debilidade permanente de membro, sentido ou função, ou aceleração de parto, ou incapacidade permanente para o trabalho, ou enfermidade incurável, ou perda ou inutilização de membro, sentido ou função, ou deformidade permanente e/ou aborto (em caso positivo especificar); QUARTO – Se a vítima é alienada ou débil mental; QUINTO – Se houve outro meio que tenha impedido ou dificultado a livre manifestação de vontade da vítima (em caso positivo especificar). Em consequência, passaram os peritos a fazer o exame ordenado, bem como as investigações que julgaram necessárias, findos os quais declaram Auto de exame de aborto João Pessoa, PB. Aos… dias do mês de… do ano de 20… nesta cidade e no…, foram designados peritos os Drs…., para procederem ao exame de corpo de delito (aborto) em…, a fim de se atender à requisição de exame no… do…, descrevendo, com verdade e com todas as circunstâncias, o que encontrarem, descobrirem e observarem, bem como para responderem aos seguintes quesitos: PRIMEIRO – Se há vestígio de provocação de aborto; SEGUNDO – Qual o meio empregado? TERCEIRO – Se, em consequência do aborto ou meio empregado para provocá-lo, sofreu a gestante a incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias ou perigo de vida ou debilidade permanente ou perda ou inutilização de membro, sentido ou função ou incapacidade permanente para o trabalho ou enfermidade incurável ou deformidade permanente (resposta especificada); QUARTO – Se não havia outro meio de salvar a vida da gestante (no caso de aborto praticado por médico); QUINTO – Se a gestante é alienada ou débil mental. Em consequência, passaram os peritos a fazer o exame ordenado, bem como as investigações que julgaram necessárias, findos os quais declaram: Auto de exame de lesão corporal João Pessoa, PB. Aos… dias do mês de… do ano de 20… nesta cidade e no…, foram designados peritos os Drs…., para procederem ao exame de corpo de delito em…, a fim de se atender à requisição de exame no…, do…, descrevendo, com verdade e com todas as circunstâncias, o que encontrarem, descobrirem e observarem, bem como para responderem aos seguintes quesitos: PRIMEIRO – Se há ofensa à integridade corporal ou à saúde do paciente; SEGUNDO – Qual o instrumento ou meio que produziu a ofensa?; TERCEIRO – Se resultou incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias; QUARTO – Se resultou perigo de vida; QUINTO – Se resultou debilidade permanente de membro, sentido ou função; SEXTO – Se resultou aceleração do parto; SÉTIMO – Se resultou perda ou inutilização do membro, sentido ou função; OITAVO – Se resultou incapacidade permanente para o trabalho, ou enfermidade incurável; NONO – Se resultou deformidade permanente; DÉCIMO – Se resultou aborto. Em consequência, passaram os peritos a fazer o exame ordenado, bem como as investigações que julgaram necessárias, findos os quais declaram: Auto de exame de embriaguez João Pessoa, PB. Aos… dias do mês de… do ano de 20… nesta cidade e no…, foram designados peritos os Drs…., para procederem ao exame de embriaguez em…, a fim de se atender à requisição de exame no…, do…, descrevendo, com verdade e com todas as circunstâncias, o que encontrarem, descobrirem e observarem, bem como para responderem aos seguintes quesitos: PRIMEIRO – O paciente apresentado a exame está embriagado?; SEGUNDO – No caso afirmativo, que espécie de embriaguez?; TERCEIRO – No estado em que se acha, pode o mesmo pôr em risco a segurança própria ou alheia?; QUARTO – É possível determinar se o paciente se embriaga habitualmente?; QUINTO – No caso afirmativo, qual o prazo aproximadamente em que deve ficar internado para o necessário tratamento? Em consequência, passaram os peritos a fazer o exame ordenado, bem como as investigações que julgaram necessárias, findos os quais declaram: Auto de exame de validez João Pessoa, PB. Aos… dias do mês de… do ano de 20… nesta cidade e no…, foram designados peritos os Drs…., para procederem ao exame de validez em…, a fim de se atender à requisição de exame no…, do…, descrevendo, com verdade e com todas as circunstâncias, o que encontrarem, descobrirem e observarem, bem como para responderem ao seguinte quesito: – Se o examinado tem saúde e aptidão para trabalhar. Em consequência, passaram os peritos a fazer o exame, bem como as investigações que julgaram necessárias, findos os quais declaram: Auto de exame de conjunção carnal João Pessoa, PB. Aos… dias do mês de… do ano de 20… nesta cidade e no…, foram designados peritos os Drs…., para procederem ao exame de corpo de delito (conjunção carnal) em…, a fim de se atender à requisição de exame no…, do…, descrevendo, com verdade e com todas as circunstâncias, o que encontrarem, descobrirem e observarem, bem como para responderem aos seguintes quesitos: PRIMEIRO – Se houve conjunção carnal; SEGUNDO – Qual o tempo dessa conjunção?; TERCEIR – Se houve violência; QUARTO – Qual o meio empregado para a violência?; QUINTO – Se da violência resultou para a vítima incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias ou perigo de vida ou debilidade permanente ou perda ou inutilização de membro, sentido ou função ou incapacidade permanente para o trabalho ou enfermidade incurável ou deformidade permanente ou aceleração do parto ou aborto (resposta especificada); SEXTO – Se a vítima é alienada ou débil mental; SÉTIMO – Se houve outra causa que impossibilitasse a vítima de oferecer resistência. Em consequência, passaram os peritos a fazer o exame ordenado, bem como as investigações que julgaram necessárias, findos os quais declaram: Auto de exame cadavérico (infanticídio) João Pessoa, PB. Aos… dias do mês de… do ano de 20… nesta cidade e no…, foram designados peritos os Drs…., para procederem ao exame de infanticídio no cadáver de…, a fim de se atender à requisição de exame no…, do…, descrevendo, com verdade e com todas as circunstâncias, o que encontrarem, descobrirem e observarem, bem como para responderem aos seguintes quesitos: PRIMEIRO – Se houve morte; SEGUNDO – Se a morte foi ocasionada durante ou logo após o parto; TERCEIRO – Qual a causa da morte?; QUARTO – Qual o instrumento ou o meio que produziu a morte?; QUINTO – Se foi produzida por meio de veneno, fogo, explosivo, asfixia ou tortura ou por outro meio insidioso ou cruel (resposta especificada). Em consequência, passaram os peritos a fazer o exame ordenado, bem como as investigações que julgaram necessárias, findos os quais declaram: Auto de exame cadavérico João Pessoa, PB. Aos… dias do mês de… do ano de 20… nesta cidade e no…, foram designados peritos os Drs…., para procederem ao exame no cadáver de…, a fim de se atender à requisição de exame no…, do…, descrevendo, com verdade e com todas as circunstâncias, o que encontrarem, descobrirem e observarem, bem como para responderem aos seguintes quesitos: PRIMEIRO – Se houve morte; SEGUNDO – Qual a causa da morte?; TERCEIRO – Qual o instrumento ou meio que produziu morte?; QUARTO – Se foi produzida por meio de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou por outro meio insidioso ou cruel (resposta especificada). Em consequência, passaram os peritos a fazer o exame ordenado, bem como as investigações que julgaram necessárias, findos os quais declaram: Auto de exame complementar João Pessoa, PB. Aos… dias do mês de… do ano de 20… nesta cidade e no…, foram designados peritos os Drs…., a fim de se atender à requisição de exame no…, do…, descrevendo, com verdade e com todas as circunstâncias, o que encontrarem, descobrirem e observarem, bem como para responderem aos seguintes quesitos: PRIMEIRO – O paciente acha-se curado das ofensas físicas recebidas?; SEGUNDO – No caso negativo, quantos dias mais serão necessários para sua completa cura?; TERCEIRO – Resultou debilidade permanente de membro, sentido ou função?; QUARTO – Resultou perda ou inutilização de membro, sentido ou função?; QUINTO – Originou incapacidade permanente para o trabalho ou enfermidade incurável?; SEXTO – Resultou deformidade permanente? Em consequência, passaram os peritos a fazer o exame ordenado, bem como as investigações que julgaram necessárias, findos os quais declaram: Auto de exame de acidente do trabalho João Pessoa, PB. Aos… dias do mês de… do ano de 20… nesta cidade e no…, foram designados peritos os Drs…., para procederem ao exame de acidente de trabalho em…, a fim de se atender à requisição de exame no…, do…, descrevendo, com verdade e com todas as circunstâncias, o que encontrarem, descobrirem e observarem, bem como para responderem aos seguintes quesitos: PRIMEIRO – O paciente apresenta alguma lesão no corpo, perturbação funcional ou qualquer moléstia capaz de ter sido ocasionada em acidente de trabalho?; SEGUNDO – Da lesão pode resultar a morte?; TERCEIRO – No caso contrário, em que tempo se operará a cura?; QUARTO – O paciente pode voltar ao trabalho antes de completamente curado?; QUINTO – Depois de curado, o paciente poderá ficar incapaz para o seu trabalho, ou qual o grau e a duração dessa incapacidade?; SEXTO – No caso de incapacidade parcial e permanente, o paciente poderá acomodar-se com segurança à mesma profissão? Em consequência, passaram os peritos a fazer o exame ordenado, bem como as investigações que julgaram necessárias, findos os quais declaram: Auto de exame de parto pregresso João Pessoa, PB. Aos… dias do mês de… do ano de 20… nesta cidade e no…, foram designados peritos os Drs…., para procederem ao exame de parto pregresso em…, a fim de se atender à requisição de exame de no…, do Sr…., descrevendo, com verdade e com todas as circunstâncias, o que encontrarem, descobrirem e observarem, bem como para responderem aos seguintes quesitos: PRIMEIRO – Houve parto?; SEGUNDO – Qual a data provável desse parto? Em consequência, passaram os peritos a fazer o exame ordenado, bem como as investigações que julgaram necessárias, findos os quais declaram: Auto de exame psíquico da parturiente (infanticídio) Aos… dias do mês de… do ano de 200… nesta cidade e no…, foram designados peritos os Drs…., para procederem ao exame psíquico na parturiente de nome…, a fim de se atender à requisição de exame de no…, do Sr…., descrevendo, com verdade e com todas as circunstâncias, o que encontrarem, descobrirem e observarem, bem como para responderem ao seguinte quesito: A paciente se encontrava sob a influência do estado puerperal ao tempo do fato que lhe é imputado? Em consequência, passaram os peritos a fazer o exame ordenado, bem como as investigações que julgaram necessárias, findos os quais declaram: Boletim médico Atesto para os fins do artigo 77, § 1o, da Lei no 9.099/95, que o Sr.(a.) __________________________________________apresenta as seguintes lesões (descrever as lesões):___________________________________________________________________________ __________________________________________________ _________________________________________________________________________________ As lesões acima podem ser consideradas LEVES, preliminarmente, sem prejuízo de exames complementares ou em instituições especializadas. OBSERVAÇÕES: ______________________________________________________________________________ __________________________________________________ _________________________________________________________________________________ de ___________________ de 20 ____ Assinatura do médico: _______________________________ Nome legível: _______________________________________ CRM: ____________________________________________ Figura 2.1 Esquema das lesões localizadas na face e pescoço de um cadáver. Figura 2.2 Esquema das lesões localizadas na face direita da cabeça de um cadáver. Figura 2.3 Esquema das lesões localizadas na face posterior de um cadáver. Figura 2.4 Esquema das lesões localizadas na face anterior de um cadáver. Figura 2.5 Esquema das lesões localizadas na face lateral esquerda de um cadáver. Figura 2.6 Esquema das lesões localizadas na face lateral direita de um cadáver. Figura 2.7 Esquema das lesões localizadas no tórax, ventre e genitais de um cadáver. Figura 2.8 Esquema das lesões localizadas na região palmar esquerda. Figura 2.9 Esquema das lesões localizadas no dorso da mão esquerda. Figura 2.10 Esquema das lesões localizadas no pavilhão auricular direito. Figura 2.11 Esquema das lesões localizadas internamente em um cadáver. Figura 2.12 Esquema das lesões localizadas no crânio de um cadáver. Figura 2.13 Esquema vulvar. Figura 2.14 Esquema odonto-legal. Figura 2.15 Esquema odonto-legal (verso). 3. Outros meios de prova: Confissão; Testemunho; Acareação; Reprodução simulada na cena dos fatos. OUTROS MEIOS DE PROVA Pode-se admitir a confissão, o testemunho, a acareação e a reprodução simulada na cena dos fatos como meios de prova de significativa importância quando da avaliação de uma verdade processual que se quer alcançar. O juiz é o destinatário da prova e a finalidade dela é contribuir para o seu convencimento. Dele é o direito de apreciar e valorizar a prova, vinculando o seu convencimento ao material probatório constante dos autos com a obrigação de fundamentar sua decisão. Diz o artigo 156 do Código de Processo Penal: “A prova da alegação incumbirá a quem a fizer; mas o juiz poderá, no curso da instrução ou antes de proferir a sentença, determinar, de ofício, diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.” A prova é, portanto, um instrumento pelo qual as partes poderão convencer o julgador da veracidade ou não do que se alega nos autos processuais, a fim de que possam aceitar ou não a decisão final, e se acharem que ela não é justa podem recorrer da decisão. Cabe fazer uma distinção entre motivos de prova, meios de prova e procedimentos probatórios. São chamados motivos de prova as alegações que determinam, de imediato ou não, a convicção do juiz; meios de prova são fontes de onde o juiz retira suas convicções; e procedimentos probatórios, o ato reservado à coleta de provas em um processo ou à avaliação da credibilidade delas. Os sistemas de valoração da prova seguem a própria evolução histórica do direito e são classificados em três tipos: o sistema legal ou tarifado, em que o juiz limita-se a comprovar o resultado das provas e cada prova tem um valor certo e preestabelecido; o sistema da livre convicção, em que o magistrado é soberano, julga segundo sua consciência e não está obrigado a explicar as razões de sua decisão; e o sistema da persuasão racional em que o juiz forma seu próprio convencimento baseado em razões justificadas. Este é tipo de sistema adotado entre nós. Nele, mesmo que o juiz não esteja adstrito às provas existentes nos autos, terá que fundamentar sua rejeição. A sentença terá que discutir as provas ou indicar onde se encontram os fatos do convencimento do juiz. A tendência é se ter um controle das decisões judiciais não apenas dentro das regras processuais mas também na forma como o juiz administra a justiça. 1. Confissão No artigo 158 do Código de Processo Penal está expresso: “Quando a infração deixar vestígios será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.” Todavia, ainda hoje, o valor da confissão é discutido, pois encontra resistências em uma certa fração de processualistas que atribuem à confissão um caráter absoluto no mundo das provas. O Código de Processo Penal em vigor não define o que seja a confissão, apenas limita-se a particularizar o ato dizendo que ela é feita no interrogatório policial (art. 6o, inciso V – Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: (...) V – ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título VII, deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por 2 (duas) testemunhas que lhe tenham ouvido a leitura), ou judicial (art. 186 – Antes de iniciar o interrogatório, o juiz observará ao réu que, embora não esteja obrigado a responder às perguntas que lhe forem formuladas, o seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa), e como é descriminado seu valor na ordem probatória (art. 197 – O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância). A confissão ainda pode ser obtida fora do interrogatório, desde que se faça por meio de termo nos autos, rubricado pelo escrivão e, ao final, assinado pelo juiz e pelo acusado. O problema é aceitar a confissão como prova superior, pois depois dela nada mais resta, senão a aplicação da pena. A verdade é que nem sempre a confissão estabelece culpabilidade. Não é absurdo dizer que, ainda nos dias atuais, a confissão vem sendo obtida pela tortura, mesmo que se invoque aqui e ali a Convenção da Organização das Nações Unidas e a Convenção Interamericana que previne e sanciona esta prática. Entre nós, a Lei no 9.455/97, que regulamentou o artigo 5o da Constituição Federal, sistematizou no sentido de inibir e refutar toda e qualquer manobra que se constitua no constrangimento da dignidade humana ou na diminuição de sua capacidade física ou mental, com o interesse de obter informação ou confissão. Para que a confissão tenha validade e credibilidade são necessários alguns requisitos, dentre os quais se destacam a verossimilhança, a clareza, a persistência e a concordância com as demais circunstâncias probatórias. Há de ser, ainda, pessoal, expressa, livre e espontânea, ou seja, livre de coação, assim como é necessário que o confidente disponha de condições mentais compatíveis com este ato exercido. Hoje, com o advento da nova ordem constitucional, este entendimento está sendo pouco a pouco superado, prevalecendo a orientação de se banir toda e qualquer prova obtida por meios ilícitos (art. 5o, inciso LVI, da Constituição Federal). O pleno estado de direto entre nós ainda é uma promessa e uma esperança. Hoje, o valor da confissão, como prova, perdeu força. Tanto é verdade que a lei ordinária determina que o valor da confissão se avaliará pelo confronto com outros elementos de prova, e, por isso, deve ser cotejada com as demais peças probantes do processo. Houve época em que a confissão era rotulada com a “rainha das provas – la reine des preuves” quando apenas ela era suficiente para autorizar uma condenação sem, ao menos, ser comparada com outras provas. Frederico Marques (in Elementos de Direito Processual Penal, v. II, Bookseller, 1a Edição, 2a Tiragem, 1988, p. 302) comenta que “Os juízes sentiam-se com a consciência apaziguada, e com sua tarefa pronta e perfeita, quando podiam proclamar o ‘habemus confitentem reum’. A confissão do acusado chegou a equiparar-se, por isso, a própria coisa julgada – ‘confessio habet vim rei judicate’”. Deste modo, mesmo que a confissão continue como um meio de prova, ela não tem o valor absoluto que alguns imaginam, pois mesmo que exista o interesse da Justiça na punição dos infratores, ela também está comprometida em não condenar inocentes. Menos valor tem a confissão quando ela não guarda pertinência com os elementos de prova presentes nos autos. Em nossa legislação a confissão só terá força de condenação quando provada e quando for livre e espontânea. Assim decidiu o STF quando da seguinte decisão (RTJ 88/371): “Valor da confissão corroborada – STF: ‘As confissões judiciais ou extrajudiciais valem pela sinceridade com que são feitas ou verdade nelas contidas, desde que corroboradas por outros elementos de prova inclusive circunstanciais.” Outro fato a considerar é a chamada confissão extrajudicial, obtida na maioria das vezes nos porões das Delegacias de Polícia, onde não é difícil imaginar o modo como são obtidas as confissões. Por isso não se pode aceitar toda e qualquer confissão simplesmente pelo fato de alguém ter assinado um documento afirmando a prática de um delito. É preciso saber das condições como estão sendo conduzidos os inquéritos e como são tratados os que estão sob custódia judicial. Para muitos, a confissão extrajudicial não confirmada em juízo deverá ser desconsiderada como indício de prova, a menos que seja devidamente confrontada com o restante probatório e pelos meios legais. Em geral, os autores classificam os meios de confissão em astuciosos, coercitivos, tóxicos e científicos. Os astuciosos são aqueles em que o interrogador usa de meios habilidosos para fazer o interrogado confessar ou usa de táticas para levá-lo a entrar em contradições até chegar a uma confissão indireta que leve à verdade que se quer e com isso relatar de forma convincente a veracidade dos fatos. Nos meios coercitivos são usadas práticas arbitrárias e extralegais por meio da violência física e psíquica ou de outros meios desumanos cruéis e degradantes. Os meios tóxicos, que não deixam de ser um meio violento por ação farmacológica, têm seus resultados produzidos pela ação química provocada pelo uso de certas substâncias, quase sempre por via intravenosa, com o objetivo de fazer o indivíduo relatar fatos involuntariamente devido ao comprometimento da razão e do autodomínio. Este método, entre outros de natureza extralegal, é chamado de método do terceiro grau, em referência a uma obra de valor científico e moral desprezível, cujo título era esse. Um dos meios tóxicos usados era o “soro da verdade”, representado por um composto de morfina e escopolamina injetado na veia do interrogado. A experiência demonstrou que seu valor prático é inexpressivo e seu emprego é moralmente insustentável. Os meios científicos, embora moralmente aceitáveis, têm nos seus resultados um valor duvidoso, e, por isso, hoje são tão desacreditados. Entre eles estariam o hipnotismo com seus riscos da simulação; a psicanálise com seus fins diversos dos seus ensinamentos; a máquina da verdade (lie detector) explorando as reações emotivas por meio de perturbações vagossimpáticas registradas nas alterações respiratórias, circulatórias e emotivas, com seus resultados falso-positivos e falso-negativos; e o reflexo psicogalvânico na produção de uma resistência galvânica alterada diante de determinados estados emotivos como os decorrentes de uma mentira dita. O fato é que estes métodos não trouxeram resultados práticos e confiáveis ao que se necessita na prática judiciária em busca da verdade contida em cada uma dessas confissões. 2. Testemunho São divergentes os conceitos de valor sobre prova testemunhal. Mittermaier (in Tratado da Prova em Matéria Criminal, 3a ed., Campinas: Bookseller, 1996) diz que testemunha é “o indivíduo chamado a depor segundo sua experiência pessoal, sobre a existência e a natureza de um fato” e Malatesta (in A Lógica das Provas em Matéria Criminal, vol. II, São Paulo: Saraiva, 1960) ensina que a prova testemunhal se fundamenta “na presunção de que os homens percebam e narrem a verdade, presunção fundada, por sua vez, na experiência geral da humanidade, a qual mostra como na realidade, e no maior número de casos, o homem é verídico”. Qual o valor que se deve emprestar à prova testemunhal e o que fazer em favor de sua credibilidade? O primeiro passo é conscientizar a população da importância de seu testemunho em favor da ordem pública, da paz social e do bem comum. Se em nosso país este meio de prova não goza de uma merecida credibilidade, em outros países, testemunhar em favor da verdade faz parte da cidadania e que ninguém pode ficar fora de tal projeto. De acordo com Camargo Aranha (in Da Prova no Processo Penal, 5a ed., São Paulo: Saraiva, 1999), a prova testemunhal apresenta as seguintes características: (a) oralidade: a prova testemunhal deve ser colhida mediante uma narrativa verbal prestada em contato direto com o juiz; (b) objetividade: a testemunha deve se limitar apenas aos fatos percebidos por seus sentidos e objeto da demanda; (c) retrospectividade: a função da testemunha é reproduzir fatos passados e conhecidos, sem fazer previsões para o futuro ou juízo de valor. Há autores que acrescentam ainda: (d) judicialidade: a prova deve ser produzida em juízo; (e) imediação: a testemunha deve falar sobre o que dizer aquilo que assimilou através dos sentidos; (f) individualidade: cada testemunha será ouvida sem a presença das demais. Testemunhas e peritos são coisas diferentes. Estes falam sempre sobre assuntos técnicos usados como prova na busca da verdade processual. Pode-se dizer que o perito se distingue da testemunha pela natureza do conhecimento e sobre o momento do conhecimento dos fatos. Já a testemunha em juízo criminal é uma pessoa diversa, um terceiro desinteressado no processo, que é intimado a declarar a partir de sua percepção sensitiva sobre circunstâncias referentes a um fato delituoso do qual esteve presente ou teve conhecimento. Em matéria processual penal está assegurado que toda pessoa poderá ser testemunha e que fará a promessa de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado, devendo declarar seu nome, sua idade, seu estado e sua residência, sua profissão e o lugar onde exerce sua atividade, se é parente, e em que grau, de alguma das partes, ou quais suas relações com qualquer delas, e relatar o que souber, explicando sempre as razões de sua ciência ou as circunstâncias pelas quais possa avaliar-se de sua credibilidade. Está também assegurado que “não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta”. E que “a falta de exame complementar poderá ser suprida pela prova testemunhal”. A testemunha não poderá negar-se da obrigação de depor. Com exceção se o fizer na qualidade de ascendente ou descendente, de afim em linha reta, de cônjuge, ainda que desquitado, de irmão e de pai, de mãe, ou de filho adotivo do acusado, salvo quando não for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias. O depoimento será prestado oralmente, não sendo permitido à testemunha trazê-lo por escrito, no entanto, breve consulta a apontamentos poderá ser efetuada. Não será incluída como testemunha a pessoa que não souber nada que interesse à decisão da causa. As testemunhas serão inquiridas cada uma de per si, de modo que uma não saiba nem ouça os depoimentos das outras, devendo o juiz adverti-las das penas cominadas ao falso-testemunho. Se o juiz, ao pronunciar sentença final, reconhecer que alguma testemunha fez afirmação falsa, calou ou negou a verdade, remeterá cópia do depoimento à autoridade policial para a instauração de inquérito. Não será permitido que a testemunha manifeste suas apreciações pessoais, salvo quando inseparáveis da narrativa do fato, sendo reduzido a termo, assinado por ela, pelo juiz e pelas partes. Quando o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, inquirição poderá ser feita por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor. Se, regularmente intimada, a testemunha não comparecer sem motivo justificado, o juiz poderá requisitar à autoridade policial a sua apresentação ou determinar que seja conduzida por oficial de justiça, o qual poderá solicitar o auxílio da força pública. O juiz poderá aplicar à testemunha faltosa a multa prevista no art. 453, sem prejuízo do processo penal por crime de desobediência, e condenála ao pagamento das custas da diligência. Informante ou declarante é a testemunha que está dispensada por lei a prestar o compromisso e só está obrigado a depor quando, sem os seus respectivos testemunhos, não for possível obter-se por outro modo ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias. Sob o ponto de vista psicológico, o testemunho se forma por meio de um processo constitutivo de quatro fases: sensação, percepção, fixação e exteriorização. A fase de sensação é mais física que fisiológica e por isso é o estágio responsável pelo maior número de erros porque é necessário que ela alcance um “limiar de excitação”. A fase de percepção, também sensível a erros, porque apenas um pequeno número de dados sensoriais passa para o campo da consciência, podendo ainda ter um caráter apenas ilusório. Das percepções a mais importante e a que tem maior valor probatório é a visual. A percepção auditiva tem também certo valor e é mais significativa do que as percepções olfativas e gustativas; a percepção tátil é aquela que menos tem importância pelo pouco valor convincente para um testemunho. A fixação é a fase em que a impressão se projeta no cérebro, no campo da consciência, e quando as imagens passam a ser recordadas por meio de lembranças, mas, mesmo assim, não está livre de deformações. Finalmente, é na fase de exteriorização que se cristaliza o processo testemunhal, permitindo a narração de um fato em arguido quando do depoimento. Mesmo assim, estando consolidadas as fases da formação da lembrança, ela pode ser deformada. Um dos elementos mais influentes nesta deformação é o ambiente onde vive a testemunha, pois ela sofre influência dos demais membros de seu grupo que podem modificar ou alterar os fatos conforme seu entendimento. Quanto mais tempo passar, mais fácil será esta deformação. A imprensa é outro forte elemento deformador do testemunho pelo seu poder de persuadir a opinião pública. Devem ser levadas em conta ainda as alterações involuntárias que podem surgir durante um depoimento e que devem ser consideradas como as imprecisões, o exagero de números e as deformações verbais. Para Manzini, portadores de transtornos mentais, crianças, surdos-mudos, cegos, ébrios, condenados etc., podem testemunhar desde que tenham presenciado o fato e possam relatá-lo. É válido lembrar, porém, que os menores de 14 anos e os portadores de transtornos mentais, em nossa legislação, não prestarão compromisso e, portanto, serão testemunhas informantes ou declarantes. Os críticos do testemunho infantil chegam a desprezar seus depoimentos. Afirmam que “crianças ainda estão em fase de desenvolvimento psíquico, sem a necessária experiência de vida, sem o apuro dos sentidos, sem o controle das emoções e sem o domínio da atenção, o que só ocorrerá com o tempo”. Acrescentam ainda que “as crianças, em face do desenvolvimento mental incompleto, são maleáveis, aceitam facilmente as sugestões e têm a tendência à fabulação e à mentira sendo levadas aos primeiros impulsos”. Todavia, este não é o entendimento da moderna psicologia infantil que, além de defender tal testemunha, prova o quanto as crianças, após determinada idade, podem contribuir com a verdade a ser revelada. Pede-se apenas que as mais novas sejam avaliadas por especialistas e estes, quando possível, estejam presentes durante o depoimento. Assim, desde que se mostre compatível com outros fatos existentes nos autos, o testemunho infantil não pode ser desprezado de modo absoluto, até porque pode ser a única oportunidade de uma prova. Sobre o assunto, o Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo assim decidiu: “O testemunho de criança, que deve ser cercado de todo cuidado, não pode, de per si, ser execrado, ignorado ou tido como suspeito; na espécie, não procedem as críticas apresentadas, que se fundam em teses anciãs e sovadas doutrinas, insuficientes à desqualificação da prova apresentada.” O testemunho do ancião, principalmente depois de certa idade, embora possa merecer alguma crítica dos autores, não se pode dizer sem valor, a não ser que não se tenha como base uma avaliação psicológica competente e criteriosa. Sobretudo porque nesta idade mais avançada o esquecimento dos fatos recentes é natural, o que não invalida seu depoimento, a não ser que se trate de uma demência senil capaz de comprometer o relato fiel do seu depoimento. Também não se deve levar em conta algumas contradições secundárias de um ou outro detalhe insignificante. Duvidosos são os testemunhos idênticos. A questão mais difícil é a do testemunho dos portadores de transtornos mentais e de comportamento, principalmente, nos casos das personalidades psicopáticas que se caracterizam, alguns deles, pela mentira contumaz, como as personalidades mitômanas e amorais. Podem depor como testemunhas em ações civis todas as pessoas, exceto as incapazes, impedidas ou suspeitas. São considerados incapazes: I – o interdito por demência; II – o que, acometido por enfermidade ou debilidade mental, ao tempo em que ocorreram os fatos, não podia discerni-los; ou, ao tempo em que deve depor, não está habilitado a transmitir as percepções; III – o menor de 16 (dezesseis) anos, embora possa ser ouvido na qualidade de informante; IV – o cego e o surdo, quando a ciência do fato depender dos sentidos que lhes faltam. São impedidos: I – o cônjuge, bem como o ascendente e o descendente em qualquer grau, ou colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes, por consanguinidade ou afinidade, salvo se o exigir o interesse público, ou, tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, não se puder obter de outro modo a prova, que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito; II – o que é parte na causa; III – o que intervém em nome de uma parte, como o tutor na causa do menor, o representante legal da pessoa jurídica, o juiz, o advogado e outros, que assistam ou tenham assistido as partes. São suspeitos: I – o condenado por crime de falso testemunho, havendo transitado em julgado a sentença; II – o que, por seus costumes, não for digno de fé; III – o inimigo capital da parte ou seu amigo íntimo; IV – o que tiver interesse no litígio. Todavia, sendo estritamente necessário, o juiz ouvirá testemunhas impedidas ou suspeitas; mas os seus depoimentos serão prestados independentemente de compromisso e o juiz lhes atribuirá o valor que possam merecer. São deveres da testemunha não se eximir de colaborar com o Poder Judiciário para a elucidação da verdade, informar ao juiz os fatos e as circunstâncias de que tenha conhecimento, comparecer em juízo na audiência de instrução e julgamento, falar de forma objetiva e responder a verdade de tudo quanto lhe for perguntado. Por outro lado, podem deixar de depor sobre fatos que lhes acarretem graves danos, bem como ao seu cônjuge e aos seus parentes consanguíneos ou afins, em linha reta, ou na colateral em segundo grau, ou a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo ou quando diante de justa causa, situação esta que será decidida pelo juiz. O Código Civil, em seu artigo 228, diz: “Não podem ser admitidos como testemunhas: (…) II – aqueles que, por enfermidade ou retardo mental, não tiverem discernimento para a prática dos atos da vida civil (…).” Todavia em questões penais, em situações mais excepcionais, tem-se a necessidade de se ouvir o depoimento de um portador destes transtornos como autor ou como vítima, e, excepcionalmente como testemunha. Há situações em que, na cena dos fatos, existiam apenas integrantes da população manicomial. Este pode parecer um meio imprestável de prova. No entanto, isto nem sempre é como se pensa. Primeiramente, deve-se levar em conta que nesta população existe uma gradação muito grande de tipos de perturbações mentais e um grau muito diverso de seus transtornos e, sendo assim, uma capacidade de entendimento muito variável. Depois, confiar que os psiquiatras e psicólogos devidamente inteirados dos seus pacientes podem dizer da capacidade de testemunhar e até da veracidade do que eles relatam. A experiência nos testemunhos dos pacientes portadores de transtornos mentais diz que a qualidade de seus depoimentos em geral é inferior, mas que em determinados grupos destes indivíduos a fidelidade de seus relatos é quase igual à dos ditos normais. Em suma, não há motivos para se recusar, em termos absolutos, os seus depoimentos, desde que avaliados com o devido critério pelos especialistas que acompanham o tratamento e a progressão dos seus transtornos. Juliano Moreira dizia que o grande desafio diante desses transtornos mentais é que eles sejam desconhecidos, como no caso dos portadores de transtorno da personalidade – cuja inteligência é igual ou superior à normalidade, e não se tenha tal conhecimento. Daí serem chamados de “loucos racionais” e de “loucos sem delírios”. Essas personalidades anormais não são “doentes mentais” e caracterizam-se por alteração de conduta, ausência de sentimento de culpa e agem sem perder o senso da realidade. O que mais prejudica a veracidade e a credibilidade no testemunho de certos portadores de transtornos mentais é o fato de eles apresentarem ideias delirantes e alucinações. Um depoimento de uma destas entidades fora do contexto de outras provas deve ser visto com muita reserva. Maior cuidado deve-se ter com o relato dos portadores de transtornos mitomaníacos, cujo traço de personalidade é a tendência patológíca à mentira e à fabulação. No caso dos portadores de retardo mental leve, cuja idade mental seja a de uma criança entre 7 e 12 anos, mesmo levando em conta a sugestibilidade e a puerilidade, seus relatos sempre devem ser avaliados por especialistas. Outra situação delicada é a avaliação do depoimento de moribundos. Neste particular devem ser levadas em conta as condições emocionais, psíquicas e orgânicas do declarante e, em algumas ocasiões, a veracidade de quem testemunhou a última vontade. Há, neste cenário, muitos interesses inconfessáveis. Depor ou testemunhar in articulo mortis ou in extremis quer dizer fazê-lo “no momento da morte”, “próximo da morte”, “na hora extrema” ou “na hora da morte”. Isto se observa em algumas situações como testemunha ou como a confissão de crimes ou a participação em vários atos da vida civil. Um desses momentos é no caso dos casamentos nuncupativos ou “in articulo mortis”, ou “in extremis vitae momenti”. Trata-se de uma forma especial de celebração do casamento, em que um dos nubentes está em risco de vida, e, devido à urgência e à falta de tempo em cumprir todas as formalidades para este ato, é dispensada a presença de autoridade, contanto que estejam presentes seis testemunhas e desde que não sejam parentes dos nubentes. Estas são convidadas pelo enfermo para ouvir a manifestação de vontade do casal de contrair núpcias. Após esta celebração, as testemunhas devem procurar a autoridade competente no prazo de 10 dias para reduzir a termo as suas declarações. Isto está regulado em nosso Código Civil da seguinte forma: Art. 1.540: “Quando algum dos contraentes estiver em iminente risco de vida, não obtendo a presença da autoridade à qual incumba presidir o ato, nem a de seu substituto, poderá o casamento ser celebrado na presença de seis testemunhas, que com os nubentes não tenham parentesco em linha reta, ou, na colateral, até segundo grau.” E, no art. 1.541: “Realizado o casamento, devem as testemunhas comparecer perante a autoridade judicial mais próxima, em dez dias, pedindo que lhes tome por termo a declaração de: I – que foram convocadas por parte do enfermo; II – que este parecia em perigo de vida, mas em seu juízo; III – que, em sua presença, declararam os contraentes, livre e espontaneamente, receber-se por marido e mulher.§ 1 o. Autuado o pedido e tomadas as declarações, o juiz procederá às diligências necessárias para verificar se os contraentes podiam ter-se habilitado, na forma ordinária, ouvidos os interessados que o requererem, dentro em quinze dias. § 2o. Verificada a idoneidade dos cônjuges para o casamento, assim o decidirá a autoridade competente, com recurso voluntário às partes. § 3o. Se da decisão não se tiver recorrido, ou se ela passar em julgado, apesar dos recursos interpostos, o juiz mandará registrá-la no livro do Registro dos Casamentos. § 4o. O assento assim lavrado retrotrairá os efeitos do casamento, quanto ao estado dos cônjuges, à data da celebração. § 5o. Serão dispensadas as formalidades deste e do artigo antecedente, se o enfermo convalescer e puder ratificar o casamento na presença da autoridade competente e do oficial do registro.” Quanto à profissão do depoente, é claro que pode ser chamado a sua atenção aquilo que é parte do seu mister. Sobre o nível cultural, é nossa impressão que, quanto mais simples for a testemunha, mais fiel é o seu relato, até porque a verdade é inimiga do artifício. No relato de uma testemunha não se exigem explicações nem justificativas. Quanto ao sexo, pode-se afirmar com segurança que o testemunho do homem e o da mulher tem o mesmo valor e deve merecer a mesma credibilidade. Há, todavia, que se considerar por um processo naturalmente explicado e entendido, que a narrativa masculina é mais acentuada no juízo de conjunto e a feminina, nos elementos de detalhes. Por fim, um tipo de testemunho ainda discutido é aquele advindo da informação de um criminoso, através de delações premiadas, principalmente nos delitos praticados por organizações criminosas em tráfico de drogas, terrorismo e corrupção governamental. Os exemplos mostram que seria impossível chegar-se a uma conclusão nos casos em que a ruptura dos segredos foi a chave do sucesso. Todavia, deve-se considerar que a delação premiada não se trata de meio de prova, mas tão somente um instrumento que pode ser utilizado para obtenção da verdade procurada. Muito se discute se o fato de o delator ser pessoa desonesta não traz desconfiança ao seu relato. Primeiro, é necessário que se tome seu depoimento e o que eles têm a dizer como informação relevante, e depois investigar. Também não há nenhum inconveniente que se dê algum incentivo para que ele fale. É melhor diminuir a pena de um criminoso do que não se fazer justiça. O difícil é estabelecer uma medida justa entre o valor da delação e o significado de um crime cometido. Uma coisa é suspeitar dos delatores, pois eles são criminosos; outra é ouvilos e investigar se são precedentes suas delações. O importante, pois, é investigar se aquilo que foi revelado é verdade ou não. O importante é avaliar cuidadosamente cada depoimento, pois podem existir delações incompletas com omissões de nomes ou simplesmente incriminações mentirosas como forma de valorizar o testemunho. O mais significativo nesses casos é considerar o fato revelado apenas como o início de uma investigação e que tudo que for dito deve ser provado. O que não se pode é basear toda investigação unicamente nas palavras do delator. 3. Acareação Acarear quer dizer colocar “cara a cara”, “frente a frente”, “vis-à-vis” vítima, acusado e testemunhas para novas inquirições em virtude de pontos divergentes em depoimentos anteriores de fatos e circunstâncias e que sejam considerados decisivos para a verdade que se quer apurar. Este meio de prova está previsto no artigo 6o, VI e disciplinado nos artigos 229 e 230 do Código de Processo Penal brasileiro. (Art. 229 – “A acareação será admitida entre acusados, entre acusado e testemunha, entre testemunhas, entre acusado ou testemunha e a pessoa ofendida, e entre as pessoas ofendidas, sempre que divergirem, em suas declarações, sobre fatos ou circunstâncias relevantes. Parágrafo único – Os acareados serão reperguntados, para que expliquem os pontos de divergências, reduzindo-se a termo o ato de acareação.” Art. 230 – “Se ausente alguma testemunha, cujas declarações divirjam das de outra, que esteja presente, a esta se darão a conhecer os pontos da divergência, consignando-se no auto o que explicar ou observar. Se subsistir a discordância, expedir-se-á precatória à autoridade do lugar onde resida a testemunha ausente, transcrevendo-se as declarações desta e as da testemunha presente, nos pontos em que divergirem, bem como o texto do referido auto, a fim de que se complete a diligência, ouvindo-se a testemunha ausente, pela mesma forma estabelecida para a testemunha presente. Esta diligência só se realizará quando não importe demora prejudicial ao processo e o juiz a entenda conveniente”.) Ainda que exista um cenário rico de reações emocionais e estados psicológicos que não se encontram na inquirição comum, a acareação ou acareamento é um tema da psicologia judiciária que tem sido pouco trabalhado pelos estudiosos da psicologia judiciária penal. Mesmo se dizendo que ela raramente contribui com as divergências entre as declarações, pelo fato de os acareados sustentarem suas versões anteriores, acreditamos que sendo a acareação realizada com mais cuidado e com uma metodologia de cunho científico, os resultados serão mais bem utilizados como um meio esclarecedor diante de depoimentos conflitantes. E, se bem analisado, seu valor não o faz menor daquele que se empresta à prova testemunhal e às declarações do autor e do réu. Embora possa ser realizada por decisão ex officio, a acareação não é providência obrigatória, mesmo quando existam divergências irreconciliáveis entre os depoimentos. Portanto, o indeferimento do requerimento de sua realização pelo Juiz não caracteriza cerceamento de defesa (RJDTACRIM31/240). Na verdade, este procedimento só deveria existir entre as testemunhas, pois estas são as que estão constitucionalmente obrigadas a dizer a verdade. Os demais não estão obrigados a oferecerem provas em seu desfavor. Portanto, o réu ou indiciado não está obrigado a submeter-se a este meio de prova, levando em consideração as razões previstas no Pacto de São José da Costa Rica no “Art. 8o – Garantias judiciais. (...). 2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: (...); g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada; (...)”. Hoje isso está incorporado em nosso ordenamento jurídico baseado no princípio de que ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo, e consagrado no inciso LXIII, artigo 5o da Constituição Federal. 4. Reprodução simulada na cena dos fatos Este tipo de prova é previsto no Código de Processo Penal com a finalidade de verificar o modo, a sequência e as circunstâncias de determinada infração, principalmente no que diz respeito à criminodinâmica de certas infrações envoltas em dúvida e contradições. (Art. 7o – “Para verificar a possibilidade de haver a infração sido praticada de determinado modo, a autoridade policial poderá proceder à reprodução simulada dos fatos, desde que esta não contrarie a moralidade ou a ordem pública”). A reprodução simulada na cena dos fatos pode ser realizada ex officio pela autoridade policial, se tal procedimento trouxer elementos esclarecedores aos atos investigados e desde que não traga nenhum constrangimento aos participantes, bem como não atente contra a segurança pública, a moralidade e os bons costumes. O representante do Ministério Público também pode solicitar a reconstituição do crime, caso esta diligência seja imperativa para tirar suas dúvidas e oferecer denúncia. A norma processual penal não se manifesta sobre a reprodução simulada na cena dos fatos depois de instaurado o processo, mas acredita-se que o juiz pode determinar esta forma de diligência para dirimir dúvidas mais sérias e para garantir o contraditório e a ampla defesa. Diz ainda a velha regra processual: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.” Esta “teatralização” na cena dos fatos, quando colocada em prática, e, sempre que possível, deve contar com todos os que estiveram presentes no local dos acontecimentos investigados e com o máximo de cuidado para não trazer ainda mais dúvidas além das que já existem. Enfatiza o Código de Processo Penal que a reprodução simulada na cena dos fatos deve ocorrer na fase investigatória, ou seja, no inquérito policial quando o suspeito está sendo investigado. Ele não está obrigado a participar dos atos de reconstituição, nem a autoridade pode obrigá-lo a ser figurante nesta representação, pois isto importaria em uma violência, em uma aberração. Sendo assim, o suposto autor do delito penal não pode ser compelido a participar da encenação sob pena de caracterização de injusto constrangimento. Alguns autores têm duvidado do valor da reconstituição da cena dos fatos. Mehmerj (in Inquérito Policial (dinâmica), São Paulo: Saraiva, 1992. p. 259) diz que “é peça de pouca valia, ou quase nenhuma, posto que não gera fato novo, nem fornece elementos autônomos, destinando-se apenas a esclarecer algumas dúvidas”. Délio Maranhão (apud Mehmerj, in op. cit. p. 260) afirma que este método não alcança resultados práticos, “provocando apenas alarde da imprensa com esse método de investigação, e atraindo aos locais de diligência a curiosidade popular”. A norma processual não impõe este procedimento. Fica na determinação da autoridade competente. Quando houver concurso de autores ou de crimes, o procedimento pode mostrar-se de certa utilidade em certos detalhes relativos à participação de cada um dos indivíduos no fato delituoso. Rocha (in Investigação Policial. Teoria e prática. 1a ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 104) afirma que a reconstituição tem as seguintes características: “(a) quanto à natureza, é uma prova mista, baseada nas informações e nas fotografias, filmagens ou vídeos feitos na ocasião da diligência; b) quanto ao objetivo, verificar como o crime foi praticado; c) quanto ao modo de fixação, é documentada pelo relatório pericial, ilustrado com fotografias seriadas com legendas e croquis; d) quanto à oportunidade, é procedida geralmente na apuração de crimes de homicídio, acidentes de trânsito e crimes contra o patrimônio.” Seria muito interessante que na reforma da lei processual se incluísse a prévia intimação do Ministério Público, além das partes, pois desta forma estariam consolidadas as razões do contraditório. A não intimação do defensor para a reconstituição da cena do crime constitui-se em cerceamento do direito de defesa e violação do princípio do contraditório. Durante a realização de uma acareação deve-se sempre levar em conta: o nível de timidez dos acareados, a influência de um acareado sobre outro, a diferença de nível cultural de uma parte sobre outra e a resposta emocional mais fluente, como ruborização, pigarros e gagueira. 4. Decálogo do perito médico-legal. Decálogo ético do perito. DECÁLOGO DO PERITO MÉDICO-LEGAL O Prof. Nerio Rojas apresenta um guia objetivo ao perito, resumido em 10 postulados com a denominação de Decálogo do Perito Médico-Legal. Representa este oportuno documento tão somente certos princípios técnicos de ordem prática no sentido de orientar a perícia médico-legal para que ela cumpra seu verdadeiro destino: o de esclarecer a autoridade judicial, no exato momento de valorizar as provas, em uma imagem exata ou, pelo menos, bem aproximada da verdade que se quer esclarecer. Eis os postulados: 1. O perito deve atuar com a ciência do médico, a veracidade da testemunha e a equanimidade do juiz. Exige-se do perito um conhecimento amplo da Medicina e sua atualização junto ao êxito crescente da ciência, sem, contudo, querer-se dele uma cultura especializada em cada matéria, o que seria impossível. Muitas vezes, questões que se apresentam complexas e de soluções discutíveis e apaixonantes não têm nenhum valor na prática médico-legal. Por outro lado, lesões ou achados aparentemente insignificantes podem ter para a perícia um valor decisivo. É necessário o conhecimento de todas as disciplinas médicas e levar em conta que o melhor especialista nem sempre é o melhor perito, nem basta ser um bom médico para realizar perícias perfeitas. A prática, no entanto, vem demonstrando que certas especialidades têm, como, por exemplo, a Traumatologia, a Anatomia Patológica, a Psiquiatria e a Obstetrícia, mais importância no mundo médico-legal que outras. Em um relatório, a sinceridade e a veracidade são tão necessárias quanto o saber, devido à importância da palavra pericial nas questões judiciais, não apenas pelo fato de fugir-se ao crime de falso testemunho, senão também pela necessidade imperiosa de justificar sua ação à justiça. Embora o perito não julgue, deve, porém, ter em mente que o juiz analisa os feitos à luz dos fatos e que o laudo pericial é uma peça fundamental no processo. A honra, a inocência e a liberdade comumente estão a depender das suas conclusões e apreciações. A missão do perito é a de um verdadeiro juiz de fato, quando sua afirmação tem influência capital, senão até decisiva. 2 . É necessário abrir os olhos e fechar os ouvidos. Ver com os próprios olhos e fechar os ouvidos às insinuações, aos comentários do público. Não se influenciar pelas histórias contadas pelos familiares ou pelos amigos, que são as mais suspeitas e perigosas das informações. O perito deve ser um eterno desconfiado, só acreditando naquilo que vê e pode provar. Procurar nas evidências dos fatos o raciocínio das conclusões para não se perder nas insinuações fúteis e carentes de fundamentos científicos. 3. A exceção pode ser tanto valor quanto a regra. Em Medicina Clínica, é comum o médico pensar no mais constante, embora não se descuide das possibilidades mais raras. Em Medicina Legal, esse cuidado deve ser maior, pois os casos excepcionais não são tão esporádicos. 4. Desconfiar dos sinais patognomônicos. Não se pode concluir um diagnóstico baseado em um só sinal. Aqui é necessário que se faça uma diferença entre sinais e provas: os primeiros são achados ou alterações objetivas que aparecem mais ou menos espontaneamente na investigação pericial; as segundas são modificações ou reações provocadas deliberadamente pelos peritos. Os sinais patognomônicos são na realidade pura ilusão clínica. É inegável que existem determinados sinais de grande valor, os quais não podem ser relegados pela perícia, como, por exemplo, o enfisema aquoso subpleural, a tatuagem de pólvora no ferimento de entrada de bala ou a diluição do sangue no hemicoração esquerdo dos afogados. O fundamento da perícia é juntar o maior número de elementos para uma determinada conclusão, pouco importando se cada dado isolado é discutível ou de pouca significação. A perícia deve concluir por síntese e por conclusão lógica e não pela análise fragmentada de cada sinal, separadamente. 5. Deve-se seguir o método cartesiano. Consiste em dividir o problema tanto quanto possível, dirigindo ordenadamente o pensamento, começando pelo mais fácil, evitando as complicações, enumerando tudo e revisando posteriormente. Orientar-se segundo aconselhava o filósofo Descartes: a) não admitir jamais como verdadeira nenhuma coisa que não pareça evidente como tal, evitando a precipitação e a suposição; b) dividir as dificuldades no maior número de parcelas possível, para resolvê-las melhor; c) ordenar o pensamento pelo mais simples para chegar ao mais complexo; d) anotar e revisar tudo sem omitir nada. Aprender a duvidar, pois a dúvida não nasceu do acaso nem surgiu anônima. É criação da ciência. Acreditar sempre é fácil. Difícil é descrer, porque exige recurso, imaginação e autoridade. Só acredita em tudo quem não pode descrer. 6. Não confiar na memória. O perito ordenará seu relatório e, à medida que observa, faz as devidas anotações ou as dita a alguém, proporcionando uma interpretação final mais fácil e eficiente. Não há lembrança que não tenha um pouco de esquecimento, por isso esse conselho está ao alcance de todo entendimento. Anotando-se tudo, as referências serão mais exatas, permitindo, inclusive, no final ver melhor o conjunto das observações, não deixando escapar nem mesmo os pequenos detalhes. 7. Uma necropsia não pode ser refeita. Antes de iniciar a incisão da necropsia, deve o perito fazer um exame circunstanciado dos diversos segmentos do corpo, inclusive do dorso e dos orifícios naturais. Além de minuciosa, a necropsia deverá ser completa, a fim de se esclarecerem todas as dúvidas e chegar-se a uma conclusão sólida e definitiva, evitando assim perícias sucessivas nas quais outros peritos terão dificuldades maiores pelo avançado estado de putrefação ou pelas modificações na forma ou na localização das vísceras ou alterações provocadas pela primeira necropsia. Uma necropsia é uma tarefa de paciência e um trabalho de equipe. Não deve ser uma visão displicente e superficial nem a confirmação precipitada de uma primeira impressão, pois a história da Medicina Legal registra casos surpreendentes e dramáticos. Uma necropsia benfeita esclarece pontos duvidosos e evita o constrangimento e a repulsividade das exumações. 8. Pensar com clareza para esclarecer com precisão . Se todo o problema médico é um ato de raciocínio, em Medicina Legal o é muito mais. Devem os peritos concluir seus relatórios dentro de um fundamento lógico e uma coerência de fatos, evitando desse modo as contradições. Quando as ideias são claras, a descrição adquire precisão. As afirmações não devem conter um caráter dogmático para justificar uma conclusão. Ao contrário, devem ser fundamentadas nas provas e na coerência das justificações. Quando o pensamento não é claro ou quando a forma verbal não adquire precisão, o entendimento do analista pode ser confuso e temerário. Um efeito bem assinalado tem a força de transportar o pensar de quem analisa o laudo para o instante em que se deu o evento. 9. A arte das conclusões consiste nas medidas. A dificuldade maior nos relatórios periciais é, sem dúvida, a redação das conclusões do informe. As palavras deverão ser contadas, medidas e pesadas, pois um conceito poderá se prestar a interpretações que não são as do perito. Não deverá ser um denunciante precipitado nem excessivamente prudente. Seu raciocínio e suas afirmações deverão fugir dos extremos: da audácia e da timidez. A descrição deverá ser a imagem real e lógica do que se observa, de tal maneira que, da leitura do laudo, se tenha a impressão exata do fato. Sua palavra deve ser tão fiel que possa satisfazer a curiosidade do julgador que tem de solucionar o caso em apreciação. O bom critério pericial é aquele capaz de permitir o valor das diferentes comprovações, entendendo o que pode ser aceito como certo e provado, e o que se deve ter como dado absoluto para negar ou afirmar. 1 0 . A vantagem da Medicina Legal está em não formar uma inteligência exclusiva e estritamente especializada. A Medicina Legal guarda relações com todos os ramos da Medicina, com o Direito, com a Criminologia, com a Química e a Física e com diversas ciências, abrindo ante elas amplas perspectivas sociológicas e filosóficas. Existe uma cultura maior, superior e mais profunda do que em qualquer outra modalidade médica. Essa amplitude de conhecimentos pode ter resultados perigosos devido à superficialidade do conhecimento dado ao excessivo número de ciências afins. Não deve ser o perito simplesmente um médico a serviço dos mais diversos males físicos e psíquicos do homem, mas, e acima de tudo, um especialista na patologia geral da humanidade. Também não deve limitar-se a ser apenas um bom relator das mais diversas lesões violentas ou um fiel narrador das circunstâncias periciais, mas também um ativo participador das polêmicas doutrinárias, nas quais sua palavra possa inspirar novos rumos e novas soluções. DECÁLOGO ÉTICO DO PERITO Assim como o mestre Nerio Rojas condensou em dez itens um guia prático para nortear a perícia médico-legal em seus aspectos técnicos e científicos, estamos propondo este decálogo como orientação ética na condução da arte pericial, baseado na tradição moral que fez desta atividade uma inestimável contribuição para as conquistas da cidadania e do respeito aos interesses mais justos da sociedade. São estes os postulados éticos: 1 . Evitar conclusões intuitivas e precipitadas. Conscientizar-se de que a prudência é tão necessária quanto a produção da melhor e mais inspiradora perícia. Jamais se firmar no subjetivismo e na precipitada presunção para concluir sobre fatos que são decisivos para os interesses dos indivíduos e da sociedade. Concluir pelo que é racional e consensual na prática convencional da legisperícia. 2. Falar pouco e em tom sério. Convencer-se de que a discrição é o escudo com que se deve proteger dos impulsos irrefreáveis da vaidade, sobretudo quando a verdade que se procura provar ainda está sub judice ou quando ainda não se apresenta nítida e isenta de contestação. Fugir das declarações precipitadas e sensacionalistas em entrevistas espalhafatosas. Falar o imprescindível, com argumentação e sempre com a noção da exata oportunidade. 3. Agir com modéstia e sem vaidade. Aprender a ser humilde. Controlar o impulso ao vedetismo. O sucesso e a fama devem ser um processo lento e elaborado pela convicção do aprimoramento e da boa conduta ética e nunca pela presença ostensiva do nome ou do retrato nas colunas dos jornais e nos vídeos das tevês. Não há nenhum demérito no fato de as atividades periciais correrem no anonimato, delas tendo conhecimento apenas a administração judiciária e as partes interessadas. 4. Manter o segredo exigido. O sigilo pericial deve ser mantido na sua relativa necessidade e na sua compulsória solenidade, não obstante os fatos que demandam perícias terem vez ou outra suas repercussões sensacionalistas e dramáticas, quase ao sabor do conhecimento de todos. Nos seus transes mais graves, deve o perito manter sua discrição, sua sobriedade, evitando que suas declarações sejam transformadas em ruidosos pronunciamentos e nocivas repercussões. 5. Ter autoridade para ser acreditado . Exige-se também uma autoridade capaz de se impor ao que se afirma e conclui, fazendo calar com sua palavra as insinuações cavilosas e oportunistas. Tudo fazer para que seu trabalho seja respeitado pelo timbre da fidelidade à sua arte, à sua ciência e à tradição médico-legal. Decidir com firmeza. A titubeação é sinal de insegurança e afasta a confiança que se deve impor em momentos tão delicados. Se uma decisão é vacilante, a arte e a ciência tornamse fracas, temerárias e duvidosas. 6. Ser livre para agir com isenção. Concluir com acerto, com convicção, comparando os fatos entre si, relacionando-os e chegando a conclusões sempre claras e objetivas. Não permitir de forma alguma que suas crenças, ideologias e paixões venham influenciar um resultado para o qual se exige absoluta imparcialidade e isenção. 7 . Não aceitar a intromissão de ninguém. Não permitir a intromissão ou a insinuação de ninguém, seja autoridade ou não, na tentativa de deformar sua conduta ou dirigir o resultado para um caminho diverso das suas legítimas e reais conclusões, para não trair o interesse da sociedade e os objetivos da Justiça. 8. Ser honesto e ter vida pessoal correta. É preciso ser honesto para ser justo. Ser honesto para ser imparcial. Só a honestidade confere um cunho de respeitabilidade e confiança. Ser íntegro, probo e sensato. Ser simples e usar sempre o bom senso. A pureza da arte é como a verdade: tem horror ao artifício. Convém evitar certos hábitos, mesmo da vida íntima, pois eles podem macular a confiança de uma atividade em favor de quem irremediavelmente acredita nela. 9 . Ter coragem para decidir. Coragem para afirmar. Coragem para dizer não. Coragem para concluir. Ter coragem para confessar que não sabe. Coragem para pedir orientação de um colega mais experiente. Ter a altivez de assumir a dimensão da responsabilidade dos seus atos e não deixar nunca que suas decisões tenham seu rumo torcido por interesses inconfessáveis. 10. Ser competente para ser respeitado. Manter-se permanentemente atualizado, aumentando cada dia o saber. Para isso, é preciso obstinação, devoção ao estudo continuado e dedicação apaixonada ao seu mister, pois só assim seus laudos terão a elevada consideração pelo rigor que eles são elaborados e pela verdade que eles encerram. 3 Antropologia Médico-legal 5. Identidade e identificação: Processos utilizados no vivo, no morto e no esqueleto. Identificação médico-legal: Espécie, Raça, Sexo, Idade, Estatura, Sinais individuais, Malformações, Sinais profissionais, Biotipo, Tatuagem, Cicatrizes, Identificação pelos dentes, Palatoscopia, Queiloscopia, Identificação por superposição de imagens, pelo pavilhão auricular, por radiografias, pela superposição craniofacial por vídeo, Cadastro de registro de artroplastias, identificação pelo registro da voz. Impressão digital genética do DNA. Banco de dados com DNA. Bases de dados. Protocolo para Exame Antropológico Forense. IDENTIDADE Conceitua-se identidade como o conjunto de caracteres que individualiza uma pessoa ou uma coisa, fazendo-a distinta das demais. É um elenco de atributos que torna alguém ou alguma coisa igual apenas a si próprio. “É a qualidade de ser a mesma coisa, e não diversa” (Dicionário Morais). Afrânio Peixoto afirmava que “identidade é o conjunto de sinais ou propriedades que caracterizam um indivíduo entre todos, ou entre muitos, e o revelam em determinada circunstância, e que estes sinais são específicos e individuais, originários ou adquiridos”. Leonídio Ribeiro dizia que “a identidade é um fato e não uma convenção; torna-se, pois, necessário fixar meio inequívoco e único de prová-la, legalmente, para facilitar a prática de atos civis dos indivíduos, na vida jurídica, isto é, nas relações familiares, sucessórias, contratuais, políticas, no exercício de todos os direitos e obrigações pessoais que se baseiam na certeza da identidade individual”. Arbenz ensinava que “identidade é o conjunto de atributos que caracterizam alguma coisa ou alguma pessoa”. E fazia diferença entre semelhança, igualdade e identidade. Semelhança como relação de qualidade; igualdade como relação de quantidade; e identidade como a essência de uma coisa ser ela mesma. Cada dia que passa, maiores são as exigências no que diz respeito à identidade individual nos interesses da vida civil ou de comércio, sem se falar na necessidade de se estabelecer a falsa identidade ou caracterizar o reincidente criminal. Tudo isso em relação ao vivo. Acrescentem-se mais os imperativos de identificar cadáveres decompostos, restos cadavéricos, esqueletos e até mesmo peças ósseas isoladas. Aqui, pois, trataremos da identidade objetiva, como sendo aquela que nos permite afirmar tecnicamente que determinada pessoa é ela mesma por apresentar um elenco de elementos positivos e mais ou menos perenes que a faz distinta das demais. E não da identidade subjetiva, tida como a sensação que cada indivíduo tem de que foi, é e será ele mesmo, ou seja, a consciência da sua própria identidade, ou do seu “eu”. Esta é uma questão ligada à estrutura da personalidade e será estudada noutro capítulo. IDENTIFICAÇÃO Chama-se identificação o processo pelo qual se determina a identidade de uma pessoa ou de uma coisa, ou um conjunto de diligências cuja finalidade é levantar uma identidade. Portanto, identificar uma pessoa é determinar uma individualidade e estabelecer caracteres ou conjunto de qualidades que a fazem diferente de todas as outras e igual apenas a si mesma. Não se discute hoje o valor da identificação. As relações sociais ou as exigências civis, administrativas, comerciais e penais exigem e reclamam essa forma de comprovação. Mesmo na vida social, há instantes em que o indivíduo tenta provar que é ele mesmo, e não consegue, a menos que obtenha prova de sua identidade. Quando, em 1889, nos arredores de Lião (França), foi encontrado um corpo humano altamente putrefeito, coube ao Prof. Alexander Lacassagne identificá-lo. Entrementes, a Medicina Legal estava cercada de descrédito. Os coroners, membros leigos eleitos pela comunidade, efetuavam as perícias médico-forenses. A primeira iniciativa do mestre foi a transladação do corpo para o necrotério, situado em uma velha barca ancorada às margens do rio Rhône. Ambiente repulsivo e deprimente, enegrecido pela fealdade do crime. Somente alguém dotado de obstinação e apaixonado pela ciência resistiria a tamanha precariedade. Iniciou-se a necropsia abrindo a cavidade abdominal. Não constatando útero nem ovários, mas próstata, confirmou que era indivíduo do sexo masculino. Utilizando, em seguida, a Tabela Osteométrica de Étienne Rollet, multiplicou suas constantes pelo comprimento dos ossos longos dos membros superiores e inferiores. Assim, achou a altura em torno de 1,78 m. Ao limpar os músculos da perna direita, notou-os mais fracos que os da esquerda. Pesando separadamente os ossos do pé direito e do pé esquerdo, percebeu pequena diferença naqueles, como também uma infecção óssea antiga nos mais leves. Desta forma, chegou à dedução de que o examinado claudicava da perna direita. Pelo desgaste da dentina, pelo acúmulo de tártaro nas raízes dos dentes e pelo adelgaçamento dessas raízes, concluiu ele tratar-se de alguém com cerca de 50 anos. Mercê desta descrição perfeita para a época, surgiram amigos e parentes de um desaparecido, alegando ser este portador de todos aqueles detalhes descritos pelo mestre de Lião. E, sendo Lacassagne apontado naquele instante como um homem de misteriosos poderes e detentor de uma ciência curiosa e apaixonante, limitou-se ele a dizer apenas: “O grande mérito foi do morto. O cadáver é a testemunha mais importante de um crime.” De fato, há uma eloquência silenciosa na mudez do cadáver. A história da identificação é muito antiga. Já no Código de Hamurabi, dos caldeus e babilônios, há referências a uma forma de identificação dos criminosos, tal como a amputação da orelha, do nariz, dos dedos ou da mão, e até mesmo o vazamento dos olhos, conforme o grau de suas infrações. Na França, até antes da Revolução, era praxe ferrar os ladrões e vagabundos com uma flor-de-lis no rosto ou nas espáduas. Os criminosos primários eram marcados com um V, e os reincidentes com GAL (gallerien). Com a humanização dos costumes, essas formas arbitrárias e desumanas foram desaparecendo. A ciência foi oferecendo meios e recursos para uma estruturação científica da identificação. No começo, a partir dos recursos antropológicos e antropométricos. Hoje, graças às técnicas aperfeiçoadas da hemogenética forense. Tais processos podem efetivar-se no vivo (desaparecidos, pacientes mentais desmemoriados, menores de idade, recusa de identidade); no morto (desastres de massa, cadáveres sem identificação, mutilados, estados avançados de putrefação e restos cadavéricos); e no esqueleto (decomposição em fase de esqueletização, esqueletos e ossos isolados). Em qualquer perícia dessa natureza sua técnica é realizada em três fases: (a) um primeiro registro, em que se dispõe de certos caracteres imutáveis do indivíduo, e que possa distingui-lo dos outros; (b) um segundo registro dos mesmos caracteres, feito posteriormente, na medida em que se deseja uma comparação; (c) a identificação propriamente dita, em que se comparam os dois primeiros registros, negando ou afirmando a identidade procurada. Os fundamentos biológicos ou técnicos que qualificam e que preenchem as condições para um método de identificação ser considerado aceitável são: Unicidade. Também chamado de individualidade, ou seja, que determinados elementos sejam específicos daquele indivíduo e diferentes dos demais. Imutabilidade. São as características que não mudam e não se alteram ao longo do tempo. Perenidade. Consiste na capacidade de certos elementos resistirem à ação do tempo, e que permanecem durante toda a vida, e até após a morte, como por exemplo o esqueleto. Praticabilidade. Um processo que não seja complexo, tanto na obtenção como no registro dos caracteres. Classificabilidade. Este requisito é muito importante, pois é necessária certa metodologia no arquivamento, assim como rapidez e facilidade na busca dos registros. A identificação do vivo ou do cadáver é mais fácil. Já a identificação do esqueleto fundamentase em uma criteriosa investigação da espécie, da raça, da idade, do sexo, da estatura e, principalmente, das características individuais. Dessas características individuais, as mais importantes são os dentes, mas para tanto é necessário existir previamente uma ficha dentária bem assinalada, não só com o número de dentes, senão também com as alterações, anomalias e restaurações. Ou, por exemplo, pela identificação de uma prótese, de uma anomalia mais rara ou de uma alteração de caráter ortopédico, de uma radiografia com sequelas traumatológicas, de uma simples radiografia óssea ou dentária, ou de um exame da Impressão Digital Genética do DNA, para serem confrontados com os padrões analisados. Finalmente, é necessário que se diferencie o reconhecimento da identificação. O primeiro significa apenas o ato de certificar-se, conhecer de novo, admitir como certo ou afirmar conhecer. É pois uma afirmação laica, de um parente ou conhecido, sobre alguém que se diz conhecer ou de sua convivência. Pode, essa pessoa que reconhece inclusive, assinar um “termo de reconhecimento”, cujos formulários habitualmente existem nas repartições médico-legais. Já a identificação é um conjunto de meios científicos ou técnicas específicas empregados para que se obtenha uma identidade. É um procedimento médico-legal cuja finalidade é afirmar efetivamente por meio de elementos antropológicos ou antropométricos que aquele indivíduo é ele mesmo e não outro, conforme afirma Galvão. A identificação divide-se em médico-legal e judiciária ou policial. Identificação médico-legal Neste processo de identificação, exigem-se não só conhecimentos e técnicas médico-legais, como também entendimento de suas ciências acessórias. Sempre é feita por legistas. A identificação médico-legal pode ser efetuada quanto aos seguintes aspectos. Espécie Quando se encontra um animal, vivo ou morto, com configuração normal, a identificação se apresenta como tarefa fácil. Às vezes, no entanto, podem-se surpreender fragmentos ou partes de seu corpo, inspirando maiores cuidados na sua distinção com restos humanos. Este estudo pode ser levado a efeito nos elementos definidos a seguir. Ossos. A distinção entre os ossos de animais e do homem é feita de início, morfologicamente, pelo exame de suas dimensões e caracteres que os tornam diferentes. Microscopicamente, a diferença é dada pela análise da disposição do tamanho dos canais de Havers, que são em menor número e mais largos no homem, com até 8 por mm2. Nos animais, são mais estreitos, redondos e mais numerosos, chegando a 40 por mm2 (Quadro 3.1). Finalmente, pelas reações biológicas, usando-se as provas de anafilaxia, fixação do complemento e soroprecipitação. Quadro 3.1 Canais de Havers. Características Homem Animal Forma Elíptica ou irregular Circular Diâmetro Superior a 3 mm Inferior a 25 mm Número 8 a 10 por mm2 Muito superior ao homem, chegando a 40 por mm2 Sangue. A primeira providência é saber se o material mandado a exame é sangue. Para tanto, utiliza-se uma técnica muito simples, que consiste na procura dos cristais de Teichmann. Para evidenciar esses cristais, coloca-se um pouco do material sobre a lâmina, cobre-se com a lamínula e deita-se uma gota de ácido acético glacial, levando-a ao calor para uma evaporação lenta, repetindo-se algumas vezes o mesmo processo. Em seguida, leva-se a lâmina ao microscópio e, nos casos positivos, observa-se a presença dos cristais, de forma rômbica, alongados, cor de chocolate, isolados ou em grupos ou em forma de charuto ou de roseta, conforme a disposição em que se encontrem. Ou, pela Técnica de Addler, na qual é empregada uma solução saturada de benzidina em álcool a 96° ou em ácido acético, solução essa preparada no momento de usá-la. Recomenda-se diluir a mancha em água destilada e colocar 2 ml desse material em tubo de ensaio, adicionando 3 gotas de água oxigenada de 10 ou 12 volumes e mais 1 ml do reagente benzidínico. Nos casos positivos, aparece uma cor azul-esverdeada que se transforma imediatamente em azul-intenso. Depois de ter-se a certeza de que o material pesquisado é sangue, passa-se à identificação específica. A forma e a dimensão dos glóbulos sanguíneos, a presença ou não de núcleos, tudo isso pode ser a pedra de toque para a perícia. Nos mamíferos, as hemácias são anucleadas e circulares; no homem, medem elas aproximadamente sete micra; e, nos demais vertebrados, apresentam-se nucleadas e elípticas. Porém, o método mais seguro é o da albuminorreação ou processo de Uhlenhuth, que consiste em colocar o sangue pesquisado em contato com o soro preparado com diversos animais. A consecução do soroprecipitante para o antígeno humano dá-se com o soro sanguíneo humano recente. De ordinário, lança-se mão do soro de cobaias, cavalos, bois e carneiros. Qualquer um deles passa a ser o soro anti-homem. Raça Antes de tudo, é bom que se diga não existir raça superior ou raça inferior. Existem sim raças privilegiadas, ricas e prósperas, e outras economicamente miseráveis. Entre nós, no Brasil, ainda não existe um tipo definido. Acreditamos, todavia, que, no futuro, constituiremos uma raça própria: a raça dos mulatos. Tipos étnicos fundamentais Ottolenghi classifica em cinco os tipos étnicos fundamentais. Tipo caucásico. Pele branca ou trigueira; cabelos lisos ou crespos, louros ou castanhos; íris azuis ou castanhas; contorno craniofacial anterior ovoide ou ovoide-poligonal; perfil facial ortognata e ligeiramente prognata. Tipo mongólico. Pele amarela; cabelos lisos; face achatada de diante para trás; fronte larga e baixa; espaço interorbital largo; maxilares pequenos e mento saliente. Tipo negroide. Pele negra; cabelos crespos, em tufos; crânio pequeno; perfil facial prognata; fronte alta e saliente; íris castanhas; nariz pequeno, largo e achatado; perfil côncavo e curto; narinas espessas e afastadas, visíveis de frente e circulares. Tipo indiano. Não se afigura como um tipo racial definido. Estatura alta; pele amarelotrigueira, tendente ao avermelhado; cabelos pretos, lisos, espessos e luzidios; íris castanhas; crânio mesocéfalo; supercílios espessos; orelhas pequenas; nariz saliente, estreito e longo; barba escassa; fronte vertical: zigomas salientes e largos. Tipo australoide. Estatura alta; pele trigueira; nariz curto e largo; arcadas zigomáticas largas e volumosas; prognatismo maxilar e alveolar; cinturas escapular larga e pélvica estreita; dentes fortes; mento retraído; arcadas superciliares salientes e crânio dolicocéfalo. Elementos de caracterização racial Os elementos mais comuns observados na caracterização racial são: Forma do crânio. Sua relação é com as figuras geométricas vistas de cima para baixo, de diante para trás e lateralmente. Quando vistos de cima para baixo, são classificados em formas longas (dolicocrânios), formas curtas (braquicrânios) e formas médias (mesocrânios). Quando vistos de diante para trás, em crânios altos e estreitos (esternocrânios), em baixos e largos (tapinocrânios) e nos de forma intermediária (metriocrânios). E, por fim, quando vistos lateralmente, em crânios altos (hipsicrânios), nos baixos (platicrânios) e nos intermediários (mediocrânios). Índice cefálico. Obtém-se pela relação entre a largura e o comprimento do crânio, utilizando-se a fórmula de Retzius: Daí surgirem os seguintes tipos: • Dolicocéfalos: índice igual ou inferior a 75 • Mesaticéfalos: índice de 75 a 80 • Braquicéfalos: índice superior a 80. Índice tibiofemoral. É o resultado da divisão do comprimento da tíbia vezes 100 pelo comprimento do fêmur. Nos brancos é inferior a 83 e nos negros superior a esse índice. Índice radioumeral. É o resultado da divisão do comprimento do rádio vezes 100 pelo comprimento do úmero. Nos negros é superior a 80 e, nos brancos, inferior a 75. Esses dois últimos índices são utilizados também para saber se ambos os ossos pertencem ou não ao mesmo esqueleto (Quadro 3.2). Ângulo facial. Sua importância está na determinação do prognatismo, constituindo-se em um valioso elemento da distinção racial. Segundo Jacquart, o ângulo é dado por uma linha que passa pelo ponto mais saliente da fronte e pela linha nasal anterior, e por outra linha que vai da espinha nasal anterior ao meio da linha medioauricular, conseguindo, aproximadamente, um ângulo de 76,5° para os brancos, de 72 para os amarelos e de 70,3 para os negros. Quadro 3.2 Identificação racial pelos índices tibiofemoral (ITF) e radioumeral (IRU). Índice Negros Brancos Tibiofemoral Superior a 83 Inferior a 83 Radioumeral Superior a 80 Inferior a 75 ITF = Tíbia x 100/Fêmur; IRU = Rádio x 100/Úmero. São importantes também os ângulos de Curvier (uma linha que passa pela parte mais saliente da fronte até o ângulo dentário superior, e por outra linha que vai do ângulo dentário superior até o conduto auditivo externo) e de Cloquet (uma linha que vai da parte mais saliente da fronte até o ponto alveolar, e outra linha que vai do ponto alveolar até o conduto auditivo externo) (Quadro 3.3 e Figura 3.1). Finalmente, utilizando-se a anatomia dentária, no que diz respeito à cúspide do primeiro molar inferior, autores diversos, entre eles Vargas Alvarado, falam da predominância da forma mamelonada na raça branca, da forma estrelada na raça negra e da forma intermediária na raça amarela (Figura 3.2). Galvão e cols. introduzem neste estudo os mulatos, levando em conta mais a cor da pele, e os encontraram em 50% com cúspides de forma intermediária. E concluem que nenhum indivíduo de raça negra apresentava o padrão mamelonado e nem os de raça branca o formato estrelado, o que já contribui como fator excludente para a busca de uma estratégia de identificação. Quadro 3.3 Identificação racial pelo ângulo facial. Variantes Raça Caucásica Mongoloide Negra Jacquart 76,5° 72° 70,3° Cloquet 62° 59,4° 58° Curvier 54° 53° 48° Figura 3.1 Ângulos faciais. Figura 3.2 1. mamelonada (raça branca); 2. estrelada (raça negra); 3. intermediária (raça amarela). Sexo Nos nossos dias, não há somente um sexo – o somático –, mas, pelo menos, nove tipos de sexo: o morfológico, o cromossomial, o gonadal, o cromatínico, o da genitália interna, o da genitália externa, o jurídico, o sexo de identificação e o sexo médico-legal. Sexo morfológico. É representado pela configuração fenotípica do indivíduo. Sexo cromossomial. É definido pela avaliação dos cromossomas sexuais e pelo corpúsculo fluorescente. É masculino aquele que apresentar 46 XY e tiver corpos fluorescentes, e feminino quando apresentar uma constituição cromossômica de 46 XX e não contiver corpos fluorescentes. Este conjunto de cromossomos chama-se cariótipo. Sexo gonadal. Caracteriza o masculino como portador de testículos e o feminino como portador de ovários. Sexo cromatínico. Determinado pelos corpúsculos de Barr, pequenos corpos de cromatina que se encontram no nucléolo das células dos organismos femininos, daí a classificação em cromatínicos positivos (femininos) e cromatínicos negativos (masculinos). Cada cromossomo encerra informações codificadas em genes através de moléculas de DNA. Sexo da genitália interna. Caracteriza o masculino quando houve o desenvolvimento dos ductos de Wolff, e o feminino quando desenvolvidos os ductos de Müller. Sexo da genitália externa. Define o masculino com a presença de pênis e escroto, e o feminino com a presença de vulva, vagina e mamas. Sexo jurídico. É o designado no registro civil, ou quando a autoridade legal manda que se registre uma pessoa em um ou outro sexo, após suas convicções médico-legais, morais ou doutrinárias. Está regulamentado pela Lei dos Registros Públicos (Lei no 6.015/73). Sexo de identificação ou psíquico ou comportamental. É aquele cuja identificação o indivíduo faz de si próprio e que se reflete no comportamento. Também é chamado por alguns de sexo moral. Sexo médico-legal. É constatado por meio de uma perícia médica nos portadores de genitália dúbia ou sexo aparentemente duvidoso, como, por exemplo, um portador de uma grande hipospadia, facilmente confundível com uma cavidade vaginal (Figura 3.3). Em um ente normal, vivo ou morto recentemente, a determinação do sexo não é uma atribuição complexa. Há, na verdade, situações complicadas, como em um cadáver em avançado estado de putrefação, com destruição da genitália externa, ou no esqueleto, ou, ainda, em situações como nos estados intersexuais e no pseudo-hermafroditismo, nas quais são empregadas técnicas mais sofisticadas, entre elas a pesquisa da cromatina sexual ou do corpúsculo de Barr, que é encontrado no sexo feminino. Figura 3.3 Sexo dúbio. No cadáver mutilado ou em fase de putrefação avançada, a técnica mais comum é a de abrir a cavidade abdominal, ensejando a consequente presença de útero e ovários ou de próstata. No esqueleto, a separação sexual faz-se pela discriminação dos ossos, principalmente os do crânio, da mandíbula, do tórax e da pelve. O esqueleto humano, visto de conjunto, pode mostrar-se ao antropólogo com alguns aspectos singulares no que atine ao diagnóstico diferencial do sexo. O esqueleto do homem é, em geral, maior, mais resistente e com as extremidades articulares maiores. O crânio no sexo masculino tem espessura óssea mais pronunciada, processos mastóideos mais salientes e separados um do outro, fronte mais inclinada para trás, glabela mais pronunciada, arcos superciliares mais salientes, rebordos superorbitários rombos, articulação frontonasal angulosa, apófises estiloides longas e grossas e mandíbula mais robusta. Na mulher, a fronte é mais vertical, a glabela menos pronunciada, os arcos superciliares menos salientes, os rebordos superorbitários cortantes, a articulação frontonasal curva, as apófises estiloides curtas e finas e a mandíbula menos robusta. Os côndilos occipitais são longos, delgados e em forma de sola de sapato no homem, e curtos, largos e em forma de rim na mulher (Quadro 3.4). Galvão, em Tese de Mestrado (1994), trabalhando com crânios de indivíduos maiores de 20 anos e sexo determinado, usando um aparelho por ele denominado “craniômetro” (Figura 3.4) e tomando medidas das distâncias entre o meato acústico externo (mae) e os pontos craniométricos gnátio (gn), próstio (pr), espinha nasal anterior (ena), glabela (g), bregma (b), vértex (v), lambda (l), opistocrânio (op), ínio (i), mastóideo (ms) e gônio (go), chegou a conclusões bem interessantes (Figura 3.5). Quadro 3.4 Identificação do sexo pelas características cranianas (apud Bonnet). Caracteres anatômicos Homem Mulher Capacidade 1.400 cm3 ou mais 1.300 cm3 Apófises mastóideas Rugosas e proeminentes Pouco proeminentes Arcos superciliares Salientes Suaves Côndilos occipitais Longos e delgados Curtos e largos Mandíbula Peso médio: 80 g Peso médio: 63 g Figura 3.4 Craniômetro de Galvão. Quando o crânio é ajustado neste aparelho, introduzidas as hastes no meato acústico externo de ambos os lados, permite que uma régua corrediça se movimente tocando com precisão em todos os pontos craniométricos citados. A vantagem desse método é que o crânio fica sempre em uma posição horizontal estável, permitindo apenas que as réguas milimetradas sejam deslizadas para a tomada de cada medida com absoluta precisão. Figura 3.5 Pontos craniométricos (Galvão). Os dados obtidos nas medidas entre o meato acústico externo e os onze pontos craniométricos assinalados possibilitaram ao autor afirmar que é possível a determinação do sexo por meio das medidas craniométricas propostas. Quando se obtém um somatório inferior a 1.000 mm, há “uma tendência estatisticamente significativa para se afirmar que o crânio estudado pertence a um indivíduo do sexo feminino”. Medindo-se o ângulo mandibular, com um transferidor, é possível obterem-se distâncias que nos levam a considerar existir um dimorfismo sexual no osso em questão. Sabendo-se que os ramos ascendentes da mandíbula formam com o eixo do seu corpo um ângulo que é mais aberto na mulher (em média 127,6°) do que no homem (cerca de 124,4°), pode-se a partir desses dados encontrar uma metodologia com parâmetros nacionais que, a par de outros dados, venha a oferecer condições para a contribuição quanto ao diagnóstico do sexo. No estudo do dimorfismo sexual, também tem-se utilizado a distância entre os forames infraorbitários. Acredita-se que esses índices venham a ter em breve um valor bem acentuado, em face do número reduzido de erros. A grande vantagem deste método é a sua simplicidade operacional e a possibilidade que ele oferece de trabalhar em partes de crânios ou naqueles que sofreram disjunção de suas suturas. Os forames infraorbitários são orifícios localizados a cerca de 1,5 cm para baixo da borda inferior das órbitas em sua porção mediana. Por esses orifícios passam os nervos e os vasos infraorbitários. A mensuração deve ser feita da borda lateral externa do conduto, e o comprimento deve ser assinalado em milímetros. Em média, têm-se encontrado 57,79 mm para a mulher e 61,28 mm para o homem, adultos, com um desvio padrão de 4.3447 e 4.3185, respectivamente (Galvão e cols.). Ainda no crânio pode-se determinar o sexo pelo índice de Baudoin (largura máxima do côndilo occipital vezes 100, e o resultado dividido pelo comprimento máximo desse côndilo). Esses índices não são muito confiáveis, pois seu percentual de acerto é de apenas 60%. Com mais frequência, no homem este índice é menor de 50 e na mulher maior de 55. Se o resultado estiver entre 50 e 55, o resultado é duvidoso e aconselham-se outros padrões. A mandíbula apresenta elementos importantes para se determinar o sexo. Há muitos anos que se vêm apontando significativas diferenças entre a mandíbula do homem e a da mulher. Até se considera que essas medidas sejam mais específicas que as do crânio. Estudos atuais demonstram, todavia, que largura condilar, comprimento total da mandíbula, espessura mandibular anterior, distância interforâmen mentoniano, distância bicondilar externa, distância interapófise coronoide e altura do tramo mandibular permitem estabelecer fórmulas com índices de acerto em torno de 81,7%. Nesse particular, têm-se observado que no sexo masculino o comprimento e a largura mandibular são 0,5 cm a mais que os femininos e que estes apresentam os ramos da mandíbula mais largos e o ângulo mandibular mais aberto. Além disso, há características morfológicas que podem contribuir no diagnóstico do sexo, como aspecto geral da mandíbula, aspecto morfológico dos côndilos, formato do arco dental, ângulo mandibular e áreas de inserção muscular (Quadro 3.5). No entanto, quanto ao aspecto e tamanho dos seios da face vistos sob o aspecto radiológico pode-se dizer que não existem diferenças entre o homem e a mulher ou em outro qualquer parâmetro estudado. O tórax do homem assemelha-se a um cone invertido; o da mulher tem a semelhança de um ovoide. Na mulher, vê-se uma predominância da cintura pélvica, enquanto, no homem, nota-se a cintura escapular mais larga. Quadro 3.5 Aspectos morfológicos da mandíbula. Masculina Feminina Robusta Discreta Côndilos mandibulares robustos Côndilos mandibulares discretos Forma do arco dental retangular ou triangular Forma do arco dental arredondado ou triangular Ângulo mandibular mais fechado média – 126 Ângulo mandibular mais aberto – 127,9 Rugosidades das inserções musculares: ásperas ou marcadas Rugosidades das inserções musculares: planas ou discretas Fonte: Galvão, em Tese de Concurso a Professor Titular, UEFS. A pelve apresenta os caracteres mais palpáveis da diferenciação sexual. No homem, além de existir uma consistência óssea mais forte, com rugas de inserção mais pronunciadas, as dimensões verticais predominam sobre as horizontais; ao passo que, na mulher, dá-se o inverso: o diâmetro transversal supera a altura da bacia (Figura 3.6). O ângulo sacrovertebral na mulher é mais fechado e saliente para diante que no homem (Quadro 3.6). Soares (in Investigação do sexo por mensurações do calcâneo, Tese de Mestrado – UNICAMP, Odontologia, 2000), medindo altura, largura e comprimento, diâmetro articular e superfície articular do calcâneo, chegou à conclusão de que é possível determinar o sexo por meio desses dados, e inclusive propôs uma fórmula com intervalo de confiança, utilizando um programa computadorizado que, alimentado, permite determinar tal característica. Figura 3.6 Pelve óssea feminina. Quadro 3.6 Determinação do sexo por meio das características morfoscópicas da pélvis (Ramírez). Caracteres Masculino Em geral Rugosa com inserções musculares marcadas Feminino Lisa com inserções pouco proeminentes Forma De coração Circular Íleo Alto Baixo Articulação sacroilíaca Grande Pequena e mais oblíqua Acetábulo Grande e dirigido para o lado Pequeno e dirigido anterolateralmente Buraco obturador Grande e oval Pequeno e triangular Corpo do púbis Triangular Quadrangular Sínfise do púbis Alta Baixa Ângulo subpubiano Estreito e em forma de V Amplo e em forma de U Sacro Longo, estreito e pouco curvo, podendo ter mais de 5 segmentos Curto, largo e marcadamente curvo em S1 a S2 e S3 a S5, sempre com 5 segmentos A sexagem fetal é o exame realizado durante a gravidez para determinar o sexo do bebê. É feito a partir do sangue da mãe após a 8a semana de gestação. Este exame é baseado na identificação do cromossomo Y no sangue da gestante e tem um grau de certeza aproximado de 100%. Assim, se for identificado o cromossomo Y pode-se afirmar que o bebê é do sexo masculino, e, caso ele não for encontrado, pode-se admitir que nascerá uma menina. Em suma, este exame revela tão somente o sexo do feto, ou melhor, se é ou não do sexo masculino. Caso exista uma gravidez gemelar e se o exame for negativo para o cromossomo Y, a mãe saberá que está grávida só de meninas. Por outro lado, se em uma gravidez gemelar o resultado for positivo para o cromossomo Y, pode-se dizer que há pelo menos um menino, não podendo-se afirmar que o outro bebê seja também do sexo masculino. A identificação de um feto do sexo feminino é feita sempre por exclusão. A vantagem desse exame é a de não ser necessário a coleta do sangue fetal por métodos invasivos tais como a punção do cordão umbilical (cordocentese), punção de líquido amniótico e biopsia de placenta. Com a simples coleta de uma amostra de sangue materno, pode-se determinar o sexo genético do feto para o diagnóstico pré-natal de enfermidades de origem genética ou, simplesmente, para o interesse especulativo dos pais. A razão pela qual se viabiliza este exame é a presença durante a gravidez de uma pequena quantidade de células fetais que migram para o sangue materno onde está presente o material genético (DNA) do bebê. Dessa maneira, é possível por meio da técnica de PCR (reação de amplificação em cadeia) identificar quantidades de DNA fetal circulante no sangue da grávida. Idade A determinação da idade na vida intrauterina é feita pelo aspecto morfológico do feto ou embrião, pela sua estatura e pelos raios X (Quadro 3.7). Do 1o ao 3o mês, eles crescem 6 cm por mês e, do 4o em diante, 5,5 cm também a cada mês (Figura 3.7). Nas crianças nascidas a termo, observa-se macroscopicamente em 98% delas, na extremidade distal do fêmur, o ponto de ossificação de Blecard de tonalidade arroxeada sobre o branco da cartilagem, com diâmetro de 4 a 5 mm. Depois de nascido, o problema deve ser visto no vivo, no morto e no esqueleto, sendo sua abordagem realizada através dos elementos disponíveis. Figura 3.7 Feto de 3 meses. Quadro 3.7 Tabela de Told (idade fetal). Idade fetal Occipital Altura (mm) Largura (mm) Parietal Altura (mm) Largura (mm) Frontal Altura (mm) Largura (mm) Temporal Altura (mm) Largura (mm) 3 1/2 meses 7 11 15 12 10 14 2,5 4 4 1/2 meses 14 21 30 28 22 21 4 8 6 meses 32 40 50 46 36 34 11 17 7 meses 43 45 69 61 48 41 16 21 7 1/2 meses 42 49 65 64 51 43 20 23 8 1/2 meses 54 61 71 67 54 45 19 24 9 1/2 meses 63 64 84 79 57 51 22 31 Na determinação da idade, consideram-se os elementos descritos a seguir. Aparência. Até certo ponto, é fácil distinguir um recém-nascido de um jovem ou de um ancião. A dificuldade está em estabelecer essa diferença nos períodos transitórios e na aproximação da determinação etária. À medida que passam os anos, mais penosa é essa incumbência. A aparência, em perícias dessa natureza, não nos oferece precisão. Pele. A importância desse elemento na determinação da idade é pequena e reside na formação das rugas. Começam elas, em geral, a surgir entre os 25 e 30 anos nas imediações das comissuras externas das pálpebras. Depois aparecem nas regiões nasolabiais, pescoço e fronte. Mostram-se, após os 30 anos, na parte anterior do trágus, em sentido vertical. Dos 40 em diante, elas são em número de duas (Figura 3.8). Pelos. No sexo feminino, os pelos pubianos apontam-se dos 12 aos 13 anos. Os pelos axilares, por seu turno, 2 anos depois dos pubianos. No sexo masculino, dos 13 aos 15 anos. A calvície é de aparecimento irregular, como também o fenômeno do encanecimento. Globo ocular. O elemento mais significativo no estudo externo do globo ocular, referente à idade, é o arco senil, que se caracteriza por uma faixa periférica e acinzentada da córnea. Contrastada na íris, presente em 20% dos quadragenários e em 100% nos octogenários (Figura 3.9). Pelo visto, esta característica é muito relativa para a especificação etária. Esse arco semitranslúcido compõe-se de colesterol, triglicerídios e fosfolipídios, mais constante no sexo masculino e em determinadas patologias, como o diabetes, carências vitamínicas e hipertensão arterial. É também chamado arcus corneae ou arcus senilis, ou simplesmente arco lipídico. Dentes. Como os dentes têm uma época própria para o surgimento, exercem eles grande influência sobre a classificação da idade. Dessa forma, levando-se em conta a primeira e a segunda dentições há, embora de maneira não tão rigorosa, condições de se ter uma aproximação da idade de um indivíduo, a partir de 5 meses de nascido, tomando por base a cronologia da erupção dentária (Quadros 3.8 e 3.9). Figura 3.8 Rugas da parte anterior do trágus. Figura 3.9 Arco senil. Na prática, a fórmula dentária de 16/16 presume a idade superior a 18 anos; 14/14, idade maior de 14 e menor de 18 anos; e de 12/12, menor de 14 anos, provocando assim lato interesse no que diz respeito ao aferimento da idade nos crimes de sedução e estupro. Por outro lado, é também possível determinar a idade de um indivíduo a partir do estudo do crescimento de cada dente, desde a vida intrauterina até cerca dos 25 anos, com uma possibilidade de aproximação muito maior do que pela cronologia da erupção dentária decídua ou permanente. N o Quadro 3.10 apresentamos como se processa cronologicamente o crescimento dos dentes humanos. Quadro 3.8 Primeira dentição. Dente Mínimo Máximo Média Incisivos centrais inferiores 5 12 7 meses Incisivos centrais superiores 6 14 9 meses Incisivos laterais superiores 7 18 11 meses Incisivos laterais inferiores 8 19 13 meses Primeiros molares superiores 12 26 15 meses Primeiros molares inferiores 12 25 17 meses Caninos 16 30 22 meses Segundos molares 18 36 26 meses Quadro 3.9 Segunda dentição. Dente Mínimo Máximo Média Primeiros grandes molares 5 8 5 anos e meio a 6 anos Incisivos centrais 6 10 6 anos e meio a 10 anos Incisivos laterais 7 12 8 anos a 8 anos e meio Primeiros pré-molares 8 14 9 anos a 9 anos e meio Segundos pré-molares 10 15 10 anos e meio a 11 anos Caninos 9 15 11 anos Segundos grandes molares 10 15 12 anos Terceiros grandes molares 15 28 18 anos Quadro 3.10 Crescimento dos dentes humanos. Formação do germe Início da aposição do esmalte Coroa dentário e da dentina completa Raiz completa Incisivo central 7 SIU 4 a 4,6 MIU 1,6 a 2,6 M 1,6 A Incisivo lateral 7 SIU 4,6 MIU 2,6 a 3 M 1,6 a 2 A Canino 7,6 SIU 5 MIU 9M 3,3 A Primeiro molar 8 SIU 5 MIU 5,6 a 6 M 2,6 A Dente Decídua Segundo molar 10 SIU 6 MIU 10 a 11 M 3A Permanentes Primeiro molar 3,6 a 4 MIU Ao nascer 2,6 a 3 A 9 a 10 A Incisivo central 5 a 5,3 MIU 3a4M 4a5A 9 a 10 A Incisivo lateral 5 a 5,6 MIU Sup. 10 a 12 M 4a5A 10 a 11 A Inf. 3 a 4 M 4a5A 10 a 11 A Canino 5,6 a 6 MIU 4a5M 6a7A 12 a 15 A Primeiro préAo nascer molar 1,6 a 2 A 5a6A 12 a 15 A Segundo pré-molar 7,6 a 8 M 2 a 2,6 A 6a7A 12 a 15 A Terceiro molar 3,6 a 4 A 7 a 10 A 12 a 16 A 18 a 25 A SIU, semana de vida intrauterina; MIU, mês de vida intrauterina; M, meses; A, anos. Radiografia dos ossos. O surgir dos pontos de ossificação e a soldadura das epífises a diáfises são referências da maior significação a respeito da determinação da idade óssea (Quadro 3.11). A radiografia do punho, do cotovelo, do joelho e do tornozelo, da bacia e do crânio é peça valiosa e positiva para o assunto (Figuras 3.10 e 3.11). O núcleo da epífise radial surge em torno do 18o ao 24o mês de vida; na ulna, dos cinco aos 8 anos. O escafoide aparece entre os oito e 9 anos; o pisiforme, dos 10 aos 13; o semilunar e o piramidal, dos quatro aos sete; o trapézio e o trapezoide, dos cinco aos oito; e o capitato e o hamato, dos 4 aos 5 anos. Pode-se também estimar a idade por meio do estudo comparativo da mineralização dos ossos do carpo com a ajuda de radiografias padronizadas; o trapezoide é aquele que apresenta melhor índice de segurança. Aconselha-se a utilização de radiografias da mão e do punho direitos e de filmes radiográficos no tamanho 18 3 24 cm. O resultado é obtido por meio da avaliação de áreas em milímetros quadrados e pela maturidade de ossificação obtidas nos ossos do carpo, levando-se em conta o sexo do examinado (ver Tovano, O. A radiografia carpal como estimador da idade óssea. Faculdade de Odontologia de Bauru, USP, 1992). Quadro 3.11 Determinação radiológica da idade óssea. Art. do cotovelo a) núcleo epifisial proximal do rádio No homem: dos 15 para os 16 anos Na mulher: dos 12 para os 14 anos b) núcleo condilar do úmero No homem: dos 14 para os 15 anos Na mulher: dos 12 para os 14 anos c) núcleo epicondilar médio do úmero No homem: dos 15 para os 16 anos Na mulher: dos 14 para os 15 anos a) núcleo epifisial distal do rádio No homem: dos 18 para os 19 anos Na mulher: dos 17 para os 18 anos b) núcleo epifisial distal da ulna No homem: dos 18 para os 19 anos Na mulher: dos 17 para os 18 anos Núcleos epifisiais distais dos metacarpos II a V e proximais das falanges No homem: dos 16 para os 17 anos Na mulher: dos 15 para os 16 anos a) núcleo epifisial distal do fêmur No homem: dos 15 para os 16 anos Na mulher: dos 14 para os 15 anos b) núcleos epifisiais proximais da tíbia e fíbula No homem: dos 16 para os 17 anos Na mulher: dos 15 para os 16 anos Art. do punho Mão Art. do joelho a) núcleos da crista e espinhas ilíacas e túber isquiático b) cartilagem trirradiada do acetábulo Pelve No homem: dos 14 para os 15 anos Na mulher: dos 13 para os 14 anos No homem: dos 15 para os 16 anos c) núcleos epifisiais da cabeça e trocânteres do fêmur Art. do tornozelo Núcleos epifisiais distais da tíbia e fíbula Figura 3.10 Idade de 13 a 14 anos (mulher). Na mulher: dos 14 para os 15 anos No homem: dos 16 para os 17 anos Na mulher: dos 15 para os 16 anos Figura 3.11 Idade de 14 a 15 anos (homem). Faz-se a soldadura das epífises 2 anos mais cedo nas mulheres. No rádio, para o sexo feminino, é entre 18 e 19 anos. No masculino, entre 20 e 21 anos. A ulna da mulher, entre 17 e 18 anos, e, no homem, entre 19 e 20. Suturas do crânio. As suturas cranianas vão se ossificando e desaparecendo na idade adulta, de maneira lenta e progressiva, com um maior surto de atividade na idade avançada. Outra característica marcante na idade senil é a redução do tamanho das maxilas e mandíbula pela perda dos dentes, reabsorção óssea e alteração dos ângulos da mandíbula (Quadro 3.12). Costa (em Tese de Doutorado, FOP/UNICAMP/SP, 2000), estudando a população brasileira, analisou as suturas do crânio tendo em conta a estimativa da idade, em indivíduos masculinos e femininos, e elaborou um programa computadorizado. Considerou o endocrânio e o exocrânio, e utilizou a sutura coronal ou frontal (situada entre o osso frontal e os parietais direito e esquerdo); a sagital (situada entre os ossos parietais); e a lambdoide (situada entre os ossos parietais e o osso occipital). A sutura sagital foi dividida em: segmento sagital anterior (SSA), segmento sagital médio (SSM) e segmento sagital posterior (SSP); a sutura coronal foi dividida em: segmento coronal superior (SCS), segmento coronal médio (SCM) e segmento coronal inferior (SCI); e a sutura lambdoide em: segmento lambdoide superior (SLS), segmento lambdoide médio (SLM) e segmento lambdoide inferior (SLI). Em seguida, fez uma avaliação qualitativa, com o registro do grau de apagamento da linha demarcatória interóssea, em cada segmento, mediante os critérios seguintes: linha de sutura não visualizada no segmento 5 0 (zero); linha de sutura visualizada em parte do segmento 5 1 (um); linha de sutura visualizada em todo o segmento 5 2 (dois). Observou que em todas as suturas analisadas o apagamento das linhas demarcatórias interósseas ocorria mais precocemente no endocrânio e nesta face do crânio o estudo mostrou resultados mais confiáveis. Dentre as suturas analisadas, observou-se que a sutura sagital, tanto no exocrânio quanto no endocrânio, mostrou resultados mais confiáveis. E assim, através de uma longa tabela, levando em conta os segmentos das três suturas mencionadas, o sexo do indivíduo e a face da calota craniana, o autor distingue as diversas idades (ver Anexos, in op. cit.). Ângulo mandibular. A idade pode também ser avaliada, determinando-se o ângulo mandibular. Em graus, a média é a seguinte: 150° no feto, 135° no recém-nascido; 130° de 0 a 10 anos; 125° de 10 a 20 anos; 123° de 20 a 30 anos; 125° de 30 a 50 anos; 130° acima dos 70 anos. Quadro 3.12 Determinação da idade pelo apagamento das suturas cranianas. Idade Suturas Face externa Face interna Mediofrontal 2 a 8 anos 2 a 8 anos Frontoparietal 25 a 45 anos 30 a 50 anos Biparietal 20 a 35 anos 20 a 40 anos Parietoccipital 25 a 50 anos Mais de 50 anos Temporoparietal 35 a 80 anos 30 a 65 anos Estatura No vivo, a estatura é obtida com o indivíduo em pé, em perfeita posição de verticalidade; no cadáver, com uma régua especial, cujas hastes tocam no ponto mais alto da cabeça e na face inferior do calcanhar. Porém, quando dispomos apenas dos ossos longos dos membros, podemos alcançar a estatura baseada na tábua osteométrica de Broca ou nas tabelas de Étienne-Rollet, de Trotter e Gleser, de Mendonça ou de Lacassagne e Martin. Basta multiplicarmos o comprimento de um dos ossos longos pelos seus índices, para nos aproximarmos da sua altura quando vivo (Quadros 3.13 a 3.23). Quadro 3.13 Tábua osteométrica de Broca. Fêmur Tíbia Fíbula Úmero Rádio Ulna Homens 3,66 4,53 4,58 5,06 6,86 6,41 Mulheres 3,71 4,61 4,66 5,22 7,16 6,66 Quadro 3.14 Tabela de Étienne-Rollet | Comprimento dos ossos segundo as estaturas. Estatura (m) Membro inferior (mm) Membro superior (mm) Fêmur Tíbia Fíbula Úmero Rádio Ulna 1,52 415 334 330 298 223 233 1,54 421 338 333 302 226 237 1,56 426 343 338 307 228 240 1,58 431 348 343 311 231 244 1,60 437 352 348 315 234 248 1,62 442 357 352 319 236 252 1,64 448 361 357 324 239 255 1,66 453 366 362 328 242 259 1,68 458 369 366 331 244 261 1,70 462 373 369 335 246 264 1,72 467 376 373 338 249 266 1,74 472 380 377 342 251 269 1,76 477 383 380 345 253 271 1,78 481 386 384 348 255 273 1,80 486 390 388 352 258 276 1,40 373 299 294 271 200 214 1,42 379 304 299 275 202 217 1,44 385 309 305 278 204 219 1,46 391 314 310 281 206 221 1,48 397 319 315 285 208 224 Homens Mulheres 1,50 403 324 320 288 211 226 1,52 409 329 325 292 213 229 1,54 415 334 330 295 215 231 1,56 420 338 334 299 217 234 1,58 424 343 339 303 219 236 1,60 429 347 343 307 222 239 1,62 434 352 348 311 224 242 1,64 439 356 352 315 226 244 1,66 444 360 357 319 228 247 1,68 448 365 361 323 230 250 1,70 453 369 365 327 232 253 1,72 458 374 370 331 235 256 Quadro 3.15 Tabela de Trotter e Gleser para homens brancos. Úmero (mm) Rádio (mm) Ulna (mm) Estatura (cm) Fêmur (mm) Tíbia (mm) Fíbula (mm) Fêmur 1 Tíbia (mm) 265 193 211 152 381 291 299 685 268 196 213 153 385 295 303 693 271 198 216 154 389 299 307 701 275 201 219 155 393 303 311 708 278 204 222 156 398 307 314 716 281 206 224 157 402 311 318 723 284 209 227 158 406 315 322 731 288 212 230 159 410 319 326 738 291 214 232 160 414 323 329 746 294 217 235 161 419 327 333 753 297 220 238 162 423 331 337 761 301 222 240 163 427 335 340 769 304 225 243 164 431 339 344 776 307 228 246 165 435 343 348 784 310 230 249 166 440 347 352 791 314 233 251 167 444 351 355 799 317 235 254 168 448 355 359 806 320 238 257 169 452 359 363 814 323 241 259 170 456 363 367 821 327 243 262 171 461 367 370 829 330 246 265 172 465 371 374 837 333 249 267 173 469 375 378 844 336 251 270 174 473 379 381 852 339 254 273 175 477 383 385 859 343 257 276 176 482 386 389 867 346 259 278 177 486 390 393 874 349 262 281 178 490 394 396 882 352 265 284 179 494 398 400 889 356 267 286 180 498 402 404 897 359 270 289 181 503 406 408 905 362 272 292 182 507 410 411 912 365 275 294 183 511 414 415 920 369 276 297 184 515 418 419 927 372 280 300 185 519 422 422 935 375 283 303 186 524 426 426 942 378 286 305 187 528 430 430 950 382 288 308 188 532 434 434 957 385 291 311 189 536 438 437 965 388 294 313 190 540 442 441 973 391 295 316 191 545 446 445 980 395 299 319 192 549 450 449 988 398 302 321 193 553 454 452 995 401 304 324 194 557 458 456 1.003 404 307 327 195 561 462 460 1.010 408 309 330 196 566 466 463 1.018 411 312 332 197 570 470 467 1.026 414 315 335 198 574 474 471 1.033 Quadro 3.16 Tabela de Trotter e Gleser para mulheres brancas. Úmero (mm) Rádio (mm) Ulna (mm) Estatura (cm) Fêmur (mm) Tíbia (mm) Fíbula (mm) Fêmur 1 Tíbia (mm) 244 179 193 140 348 271 274 624 247 182 195 141 352 274 278 632 250 184 197 142 356 277 281 639 253 186 200 143 360 281 285 646 256 188 202 144 364 284 288 653 259 190 204 145 368 288 291 660 262 192 207 146 372 291 295 668 265 194 209 147 376 295 298 675 268 196 211 148 380 298 302 682 271 198 214 149 384 302 305 689 274 201 216 150 388 305 309 696 277 203 218 151 392 309 312 704 280 205 221 152 396 312 315 711 283 207 223 153 400 315 319 718 286 209 225 154 404 319 322 725 289 211 228 155 409 322 326 732 292 213 230 156 413 326 329 740 295 215 232 157 417 329 332 747 298 217 235 158 421 333 336 754 301 220 237 159 425 336 340 761 304 222 239 160 429 340 343 768 307 224 242 161 433 343 346 776 310 226 244 162 437 346 349 783 313 228 246 163 441 350 353 790 316 230 249 164 445 353 356 797 319 232 251 165 449 357 360 804 322 234 253 166 453 360 363 812 324 236 256 167 457 364 366 819 327 239 258 168 461 367 370 826 330 241 261 169 465 371 373 833 333 243 263 170 469 374 377 840 336 245 265 171 473 377 380 847 339 247 268 172 477 381 384 855 342 249 270 173 481 384 387 862 345 251 272 174 485 388 390 869 348 253 275 175 489 391 394 876 351 255 277 176 494 395 397 883 354 258 279 177 498 398 401 891 357 260 282 178 502 402 404 898 360 262 284 179 506 405 407 905 363 264 286 180 510 409 411 912 366 266 289 181 514 412 414 919 369 268 291 182 518 415 418 927 372 270 293 183 522 419 421 934 375 272 296 184 526 422 425 941 Quadro 3.17 Tabela de Trotter e Gleser para homens negros. Úmero (mm) Rádio (mm) Ulna (mm) Estatura (cm) Fêmur (mm) Tíbia (mm) Fíbula (mm) Fêmur 1 Tíbia (mm) 276 206 223 152 387 301 303 704 279 209 226 153 391 306 308 713 282 212 229 154 396 310 312 721 285 215 232 155 401 315 317 730 288 218 235 156 406 320 321 739 291 221 238 157 410 324 326 747 294 224 242 158 415 329 330 756 297 226 245 159 420 333 335 765 300 229 248 160 425 338 339 774 303 232 251 161 430 342 344 782 306 235 254 162 434 347 349 791 310 238 257 163 439 352 353 800 313 241 260 164 444 356 358 808 316 244 263 165 449 361 362 817 319 247 266 166 453 365 367 826 322 250 269 167 458 370 371 834 325 253 272 168 463 374 376 843 328 256 275 169 468 379 381 852 331 259 278 170 472 383 385 861 334 262 281 171 477 388 390 869 337 264 284 172 482 393 394 878 340 267 287 173 487 397 399 887 343 270 291 174 491 402 403 895 346 273 294 175 496 406 408 904 349 276 297 176 501 411 413 913 352 279 300 177 506 415 417 921 356 282 303 178 510 420 422 930 359 285 306 179 515 425 426 939 362 288 309 180 520 429 431 947 365 291 312 181 525 434 435 956 368 294 315 182 529 438 440 965 371 297 318 183 534 443 445 974 374 300 321 184 539 447 449 982 377 302 324 185 544 452 454 991 380 305 327 186 548 456 458 1.000 383 308 330 187 553 461 463 1.008 386 311 333 188 558 466 467 1.017 389 314 336 189 563 470 472 1.026 392 317 340 190 567 475 476 1.034 395 320 343 191 572 479 481 1.043 398 323 346 192 577 484 486 1.052 401 326 349 193 582 488 490 1.061 405 329 352 194 586 493 495 1.069 408 332 355 195 591 498 499 1.078 411 335 358 196 596 502 504 1.087 414 337 361 197 601 507 508 1.095 417 340 364 198 605 511 513 1.104 Quadro 3.18 Tabela de Trotter e Gleser para mulheres negras. Úmero (mm) Rádio (mm) Ulna (mm) Estatura (cm) Fêmur (mm) Tíbia (mm) Fíbula (mm) Fíbula 1 tíbia (mm) 245 186 195 140 352 275 278 637 248 189 198 141 356 279 282 645 251 191 201 142 361 283 286 653 254 194 204 143 365 287 290 661 258 197 207 144 369 291 294 669 261 199 210 145 374 295 298 677 264 202 213 146 378 299 302 685 267 205 216 147 383 303 306 693 271 208 219 148 387 308 310 701 274 210 222 149 391 312 314 709 277 213 225 150 396 316 318 717 280 216 228 151 400 320 322 724 284 218 231 152 405 324 326 732 287 221 235 153 409 328 330 740 290 224 238 154 413 332 334 748 293 227 241 155 418 336 338 756 297 229 244 156 422 340 342 764 300 232 247 157 426 344 346 772 303 235 250 158 431 348 350 780 306 238 253 159 435 352 354 788 310 240 256 160 440 357 358 796 313 243 259 161 444 361 362 804 316 246 262 162 448 365 366 812 319 249 265 163 453 369 370 820 322 251 268 164 457 373 374 828 326 254 271 165 462 377 378 836 329 257 274 166 466 381 382 843 332 259 277 167 470 385 386 851 335 262 280 168 475 389 390 859 339 265 283 169 479 393 394 867 342 268 286 170 484 397 398 875 345 270 289 171 488 401 402 883 348 273 292 172 492 406 406 891 352 276 295 173 497 410 410 899 355 279 298 174 501 414 414 907 358 281 301 175 505 418 418 915 361 284 304 176 510 422 422 923 365 287 307 177 514 426 426 931 368 289 310 178 519 430 430 939 371 292 313 179 523 434 434 947 374 295 316 180 527 438 438 955 378 298 319 181 532 442 442 963 381 300 322 182 536 446 446 970 384 303 325 183 541 450 450 978 387 306 328 184 545 454 454 986 Quadro 3.19 Tabela de Lacassagne e Martin. Fêmur Tíbia Fíbula Úmero Rádio Ulna Homens 3,66 4,53 4,58 5,06 6,86 6,41 Mulheres 3,71 4,61 4,66 5,22 7,16 6,66 Estatura 5 comprimento do osso 3 uma constante. Quadro 3.20 Tabela de Mendonça – sexo masculino. Úmero Fêmur Comprimento total Estatura média Comprimento (mm) (cm) fisiológico (mm) Comprimento perpendicular (mm) 277 150 386 388 280 151 390 392 283 152 394 396 286 153 397 399 289 154 401 403 292 155 405 407 295 156 409 411 299 157 412 414 302 158 416 418 305 159 420 422 308 160 424 426 311 161 427 429 314 162 431 433 317 163 435 437 320 164 439 441 323 165 442 445 326 166 446 448 329 167 450 452 332 168 454 456 335 169 457 460 338 170 461 463 341 171 465 467 344 172 469 471 347 173 472 475 351 174 476 478 354 175 480 482 357 176 484 486 360 177 487 490 363 178 491 493 366 179 495 497 369 180 499 501 372 181 503 505 375 182 506 509 378 183 510 512 381 184 514 516 384 185 518 520 387 186 521 524 390 187 525 527 393 188 529 531 396 189 533 535 399 190 536 539 Quadro 3.21 Tabela de Mendonça – sexo feminino. Úmero Fêmur Comprimento total Estatura média Comprimento (mm) (cm) fisiológico (mm) Comprimento perpendicular (mm) 247 140 347 348 250 141 352 352 254 142 356 357 257 143 360 361 260 144 364 365 263 145 368 369 267 146 372 374 270 147 376 378 273 148 380 382 276 149 385 386 280 150 389 391 283 151 393 395 286 152 397 399 290 153 401 403 293 154 405 408 296 155 409 412 299 156 413 416 303 157 418 420 306 158 422 425 309 159 426 429 312 160 430 433 316 161 434 437 319 162 438 441 322 163 442 446 325 164 446 450 329 165 450 454 332 166 455 458 335 167 459 463 338 168 463 467 342 169 467 471 345 170 471 475 348 171 475 480 352 172 479 484 355 173 483 488 358 174 488 492 361 175 492 497 365 176 496 501 368 177 500 505 371 178 504 509 374 179 508 514 378 180 512 518 Fonte: In Mendonça MC, Determinação da estatura pelo comprimento dos ossos longos, Porto: Tese, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, 1999. Quadro 3.22 Fórmulas de regressão de Trotter e Gleser. Homens brancos Homens negros 1,30 (FEM 1 TIB) 1 63,29 6 2,99 1,15 (FEM 1 TIB) 1 71,04 6 3,53 2,38 FEM 1 61,41 6 3,7 2,19 TIB 1 86,02 6 3,78 2,68 FIB 1 71,78 6 3,29 2,11 TIB 1 70,35 6 3,94 2,52 TIB 1 78,62 6 3,37 2,19 FIB 1 85,65 6 4,08 3,08 UME 1 70,45 6 4,05 3,42 RAD 1 81,56 6 4,30 3,78 RAD 1 79,01 6 4,32 3,26 ULN 1 79,29 6 4,42 3,70 ULN 1 74,05 6 4,32 3,26 UME 1 62,10 6 4,43 Mulheres brancas Mulheres negras 1,39 (FEM 1 TIB) 1 53,20 6 3,55 1,26 (FEM 1 TIB) 1 59,72 6 3,28 2,93 FIB 1 59,61 6 3,57 2,28 FEM 1 59,76 6 3,41 2,90 TIB 1 61,53 6 3,66 2,45 TIB 1 72,65 6 3,70 2,47 FEM 1 54,10 6 3,72 2,49 FIB 1 70,90 6 3,80 4,74 RAD 1 54,93 6 4,24 3,08 UME 1 64,67 6 4,25 4,27 ULN 1 57,76 6 4,30 3,67 RAD 1 71,79 6 4,59 3,36 UME 1 57,97 6 4,45 3,31 ULN 1 75,38 6 4,83 Homens amarelos Homens mexicanos 1,22 (FEM 1 TIB) 1 70,37 6 3,24 ************************ **************** 2,40 FIB 1 80,56 6 3,24 2,44 FEM 1 58,67 6 2,99 2,39 TIB 1 81,45 6 3,27 2,50 FIB 1 75,44 6 3,52 2,15 FEM 1 72,57 6 3,80 2,36 TIB 1 80,62 6 3,73 2,68 UME 1 83,19 6 4,25 3,55 RAD 1 80,71 6 4,04 3,54 RAD 1 82,00 6 4,60 3,56 ULN 1 74,56 6 4,05 3,48 ULN 1 77,45 6 4,66 2,92 UME 1 73,94 6 4,24 FEM 5 fêmur; TIB 5 tíbia; FIB 5 fíbula; UME 5 úmero; RAD 5 rádio; ULN 5 ulna. Quadro 3.23 Fórmulas de regressão de Mendonça. Sexo feminino EST 5 [64,26 1 0,3065 CTU] +/2 7,70 EST 5 [55,63 1 0,2428 CFF] +/2 5,92 EST 5 [57,86 1 0,2359 CPF] +/2 5,96 Sexo masculino EST 5 [59,41 1 0,3269 CTU] +/2 8,44 EST 5 [47,18 1 0,2663 CFF] +/2 6,90 EST 5 [46,89 1 0,2657 CPF] +/2 6,96 EST 5 estatura que pretendamos estimar (cm); CTU 5 comprimento total do úmero (mm); CFF 5 comprimento fisiológico do fêmur (mm); CPF 5 comprimento perpendicular do fêmur (mm). Como se vê, estamos até agora utilizando em nosso país tabelas osteométricas para a obtenção da estimativa da estatura a partir de padrões europeus e norte-americanos e sempre com base no comprimento dos ossos longos. Recentemente, Berto Freire (in Estatura: Dado Fundamental em Antropologia Forense, Tese de Mestrado – UNICAMP, Odontologia, 2000) estudou a possibilidade da obtenção desta estimativa a partir do comprimento do úmero, rádio, fêmur e tíbia. Verificou que: “1. Existe correlação positiva entre as variáveis estudadas, isto é, com o aumento do comprimento dos ossos existe uma tendência de aumento na estatura, tanto para o sexo masculino quanto para o sexo feminino: Sexo Úmero Rádio Fêmur Tíbia Masculino r = 5 0,4732 r = 5 0,5358 r = 5 0,7524 r = 5 0,7011 Feminino r = 5 0,5993 r = 5 0,6057 r = 5 0,6823 r = 5 0,5734 2. Os modelos ajustados para a obtenção da estimativa da idade foram respectivamente: • Sexo masculino: ο Úmero: Estatura 5 123,03 + 0,1606 U r2 5 0,2239 ο Rádio: Estatura 5 108,31 + 0,2417 R r2 5 0,3487 ο Fêmur: Estatura 5 77,67 + 0,2019 F r2 5 0,5662 ο Tíbia: Estatura 5 102,62 + 0,1807 T r2 5 0,4916 • Sexo feminino: ο Úmero: Estatura 5 91,22 + 0,2495 U r2 5 0,3592 ο Rádio: Estatura 5 101,61 + 0,2549 R r2 5 0,3669 ο Fêmur: Estatura 5 62,89 + 0,2385 F r2 5 0,4656 ο Tíbia: Estatura 5 94,03 + 0,2001 T r2 5 0,3288 Para a avaliação dos modelos ajustados, foi calculado o coeficiente de determinação (r2) em relação a cada osso e para os sexos masculino e feminino: Sexo Úmero Rádio Fêmur Tíbia Masculino r2 5 0,2239 r2 5 0,2871 r2 5 0,5662 r2 5 0,4916 Feminino r2 5 0,3592 r2 5 0,3669 r2 5 0,4656 r2 5 0,3288 Foi constatado que os ossos fêmur e tíbia, respectivamente, são mais importantes nos cálculos para o estabelecimento da estatura, fato já citado nas pesquisas de Mendonça (1999). Trotter e Gleser (1971) também fizeram esta inferência a respeito destes ossos. Já os estudos de Krogman e Iscan (1986) referem a maior importância ao fêmur quando se estudam as raças branca e amarela, e a tíbia quando se estuda a raça negra. Conforme relatado, na presente pesquisa, os ossos que conferiram maior assertividade aos cálculos da estatura foram o fêmur e a tíbia, com uma pequena margem de prevalência para o fêmur. Quando na ausência dos ossos dos membros inferiores, pode-se apelar para os ossos do membro superior, porém com uma maior margem de erro. Identificados os sexos, por meio de estudos também nos ossos longos, pode-se perceber que, na análise de ossos femininos, as medidas dos ossos dos membros superiores são bem mais significativas, ou seja, conferem mais assertividade à busca da estatura que a mesma busca quando se está examinando ossos masculinos dos mesmos membros.” Recomendações. Enfatiza ainda o autor: “Esta pesquisa foi realizada utilizando-se amostra de cadáveres frescos, o que permitiu, portanto, estabelecer-se a estatura previamente. O cálculo da estimativa da estatura no indivíduo vivo pode ser feito através de medidas no cadáver, sabendo-se que existe uma diferença de aproximadamente dois centímetros. Desde Manouvrier, em 1892, é reconhecida a diferença entre a estatura no indivíduo vivo e no cadáver. Levando-se em consideração os estudos de Trotter e Gleser, de 1952, a diferença seria de 2,5 centímetros, devendose tal diferença ao achatamento dos discos intervertebrais na posição bípede no vivo, o que, no cadáver, não acontece. Quando o perito examinar ossadas humanas, deve levar em consideração que os ossos secos são menores que os ossos frescos em cerca de 3 milímetros, fato já estabelecido há cerca de cem anos. Ao examinar esqueletos, o perito deve acrescer de 4 a 6 centímetros na estatura, devido à espessura do couro cabeludo, aos discos intervertebrais, à espessura das cartilagens e das solas dos pés, fatos já citados por Arbenz, em 1988. As medidas dos ossos foram realizadas na posição anatômica por se entender que, assim sendo feitas, as correlações entre estatura e ossos longos seriam estabelecidas com maior segurança. Quanto às medidas realizadas no fêmur, levou-se em consideração o chamado comprimento fisiológico, oblíquo ou bicondiliano, pois as medidas foram realizadas no cadáver sem a retirada do osso do seu locus anatômico. A medida, que também pode ser realizada pelo comprimento perpendicular máximo, não foi realizada, pois implicaria a retirada do osso e não mudaria o referencial, fato já comprovado por Mendonça, em 1999.” Sinais individuais Há certos sinais particulares que, mesmo não identificando uma pessoa, servem para excluí-la. Desta forma, todo e qualquer sinal apresentado por alguém é útil para ajudar na busca de sua identificação. As unhas roídas, por exemplo, serviram de primeiros indícios para que Hoffmann chegasse à identidade de uma das vítimas do incêndio do Ring Theatre de Viena. O nevo, as manchas, as verrugas, enfim, todo e qualquer sinal individual influi intensamente nas medidas iniciais para uma identificação. Malformações São características relevantes em um processo de identificação quando se lhe faltam outros requisitos de maior valia. O lábio leporino, o genus valgus, o genus varus, o pé torto, a consolidação viciosa de uma fratura, uma mama supranumerária, um desvio de coluna, a polidactilia, a sindactilia, entre outros, são usados como meios acessórios de uma identificação (Figuras 3.12 a 3.16). Figura 3.12 Consolidação óssea viciosa. Figura 3.13 Malformação congênita (ectrodactilia). Figura 3.14 Malformação congênita (sindactilia). Figura 3.15 Mama supranumerária no abdome. Figura 3.16 Malformação adquirida. Figura 3.17 Tatuagem. Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. Figura 3.18 Tatuagem no dente. Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. Um dos casos mais célebres de identificação médico-legal, entre nós, é o de Castro Malta, acontecido no Rio de Janeiro, em 1885. O reconhecimento se deveu à existência de um calo de fratura no úmero direito e pela presença de um genus valgus duplo. Sinais profissionais São estigmas deixados pela constância de um tipo de trabalho, por exemplo, a calosidade dos sapateiros e alfaiates, as alterações das unhas dos fotógrafos e tipógrafos e o calo dos lábios dos sopradores de vidro e dos trompetistas. Biotipo Modernamente, a biotipologia não apresenta mais o interesse que se dava há alguns anos à antropometria. Hoje, só para a psiquiatria é que ela tem marcado relevo. Tatuagem Afirma-se que essa expressão é derivada de To-Tau ou To-Tatu que, no polinésio, significa desenho. As tatuagens são feitas através de perfurações com agulhas, escarificação ou incisão com o fito de infiltrar, na derme, substâncias corantes e deixar gravado um desenho desejado (Figuras 3.17 a 3.19). Figura 3.19 Tatuagem. Tão ingente é o seu valor médico-legal que Lacassagne chamou-as “cicatrizes que falam”. Sua importância é ainda maior porque parte delas é encontrada naqueles que levam vida ociosa e marginalizada e nos criminosos reincidentes, embora, em nosso meio, a fina flor da sociedade já pratique a tatuagem por “charme” ou “modismo”. A motivação da escolha do desenho pode ser a mais variada. Ipso facto, elas se classificam em: amorosas, políticas, profissionais, históricas, afetivas, religiosas, patrióticas, belicosas, imorais, atípicas e acidentais. Cicatrizes São caracteres valiosos para ajudar uma identificação individual. Devem ser estudadas quanto à forma, região, dimensões, colorido, resistência e mobilidade (Figura 3.20). Têm interesse não apenas quanto à identificação, mas também no que se refere a fatos ocorridos anteriormente. Essas cicatrizes podem ser traumáticas, por ação de agentes mecânicos, por queimaduras ou por ação de cáusticos; patológicas, como as da vacina ou da varíola; e, finalmente, cirúrgicas. Identificação pelos dentes A identificação pela arcada dentária é algo relevante, principalmente em se tratando de carbonizados ou esqueletizados. Para tanto, é preciso dispor de uma ficha dentária anterior fornecida pelo dentista da vítima. Essa ficha é a peça mais importante para a identificação de desconhecidos ou vítimas de catástrofes de qualquer espécie. Seria muito interessante que ela fosse adotada em caráter obrigatório. Destarte, a posição e as características de cada dente, seja ele temporário ou permanente, as cáries em sua precisa localização, a ausência recente ou antiga de uma ou várias peças, os restos radiculares, a colocação de uma prótese ou de um aparelho ortodôntico, os detalhes de cada restauração, a condição dos dentes no que diz respeito a cor, erosão, limpeza e malformações, tudo é importante no processo de uma identificação (Figura 3.21). Esse processo é também conhecido como Sistema Odontológico de Amoedo, que tem como estratégia o levantamento completo do arco dentário e os assinalamentos de cada peça dentária, formando um conjunto individualizador. Essa técnica, entre nós, foi há muito desenvolvida pelo Prof. Luiz Silva, de São Paulo, e contribui grandemente para a identificação daqueles casos em que os outros meios revelam-se ineficazes. Entre as alterações dentárias significativas para registro em uma identificação, destacam-se as alterações adquiridas pelos agentes mecânicos, químicos, físicos e biológicos. Entre eles, figuram os desgastes dos dentes dos fumadores de cachimbo. Importantes, também, no tocante à identificação, são as mutilações que compreendem extrações, fraturas, cortes, limagens e incrustações. Há de se registrar a real contribuição para a identificação humana de que se revestem as alterações dentárias profissionais, quando elas são anotadas no primeiro registro, ou seja, na ficha do dentista. Essas alterações referem-se a determinados estigmas que se traduzem pela longa repetição de certos hábitos de trabalho, como, por exemplo, nos sopradores de vidro. O mesmo se diga da importância das alterações motivadas pelos hábitos comuns, como o desgaste dos fumadores de cachimbo, dos rangedores de dentes e dos onicófagos, e o escurecimento dos dentes nos fumantes. Outras alterações, como a abrasão dos dentes pelos aparelhos protéticos, as cimentoses, as fendas, as fraturas dentárias e as luxações, devem igualmente ser anotadas. O sistema de anotações mais moderno é o adotado pela Federação Dentária Internacional. Os dentes permanentes são numerados de 11 a 18 no maxilar superior direito, de 21 a 28 no maxilar superior esquerdo, de 31 a 38 no maxilar inferior esquerdo e de 41 a 48 no maxilar inferior direito, conforme disposição adotada no esquema odontolegal do DML da Paraíba. Os dentes temporários também podem ser anotados, assim como as anomalias e as alterações encontradas (ver modelo nos esquemas do Capítulo 2). Figura 3.20 Cicatrizes. Figura 3.21 Disposição e formato das próteses. (Sousa Lima – IML/MG.) No entanto, esse método de identificação apresenta alguns inconvenientes, tais como: dificuldade de classificação e arquivamento das fichas, mutabilidade das peças dentárias por processos naturais ou patológicos ou por desgastes, e dificuldade de manter uma rotina obrigatória de registro dos dentes ausentes ou presentes, juntamente com suas possíveis características anatômicas ou restauradoras pelos dentistas, além de não se apresentar como um método de execução muito prática. Em suma, a identificação pelos dentes, levando em conta os requisitos de um bom método, no que diz respeito a cada uma das peças dentárias não seria esse bom método. No entanto, no seu conjunto de caracteres, pode-se dizer que satisfaz, principalmente diante de certas circunstâncias. Pode-se dizer que a arcada dentária é a “caixa preta” do nosso corpo. Outro elemento muito significativo nesse estudo é a valorização do conjunto dos dentes, caracterizado pelo que se chama de arcos dentários (superior e inferior). São elementos importantes na identificação de vítimas ou autores, nas lesões apresentadas por “dentadas”. Qualquer que seja a forma apresentada por um arco dentário, sua curva representativa é sempre de elipse. Só excepcionalmente esses arcos podem apresentar a forma parabólica ou de elipse alongada. As formas em V ou U são mais raras ainda. As dimensões dos arcos variam, tanto na largura como no comprimento, e são motivadas por fatores craniofaciais (aumento da base do crânio, redução da face etc.), maxilares (volume das maxilas, distância intercondiliana etc.) e dentários (redução do volume dos molares, regressão do último dente etc.). Com o aparecimento dos molares, o comprimento do arco vai aumentando. Levase em conta ainda que esse comprimento varia em função do biotipo do indivíduo, sendo os arcos dentários estreitos nos longilíneos (dolícove), alargados nos brevilíneos (euríove) e intermediários nos normolíneos (mésove). A forma da face tem um valor muito grande na forma e nas dimensões dos arcos. Assim, os leptoprosópios (face estreita e longa) têm arcos alongados e estreitos e os euriprosópios (face larga e baixa) têm arcos curtos e largos. A diferença entre o arco superior e o inferior é feita através do estudo da oclusão, que é o estado em que se encontram os dentes quando os maxilares superior e inferior estão fechados. O raio de curvatura do arco superior é maior do que o do inferior. Outros elementos considerados são os pontos incisivos (superior e inferior) e a relação de inclinação dos molares. Em geral, segundo Arbenz, o ponto incisivo superior está situado em plano inferior e anterior ao ponto incisivo inferior. O aparecimento do segundo molar e a substituição pelos permanentes determinam a inclinação final dos incisivos (in Medicina Legal e Antropologia Forense, Rio: Livraria Atheneu, 1988). No entanto, o que tem interesse médico-legal não é o aspecto teórico ou geométrico dos arcos dentários, mas o registro deixado pelas impressões dentárias. Assim, não é difícil a identificação de um indivíduo por meio das impressões dentárias deixadas no corpo da vítima ou mesmo no do agressor. Nesse particular, além do estudo dos arcos dentários, devem-se levar em conta as marcas da mordida no que diz respeito ao número, posição, forma e dimensões das peças dentárias, além de suas presenças ou ausências, da regularidade na disposição dos dentes, da modificação do eixo dentário e dos problemas de oclusão. Palatoscopia Palatoscopia ou rugoscopia palatina é o processo pelo qual pode-se obter a identificação humana, inspecionando as pregas palatinas transversas encontradas na abóbada da boca. Consiste na reprodução que a impressão deixa nas saliências existentes no palato, que são facetas imutáveis. A impressão palatina é feita na ficha palatoscópica com o uso de material plastiforme, que, aderindo extensamente a toda a mucosa palatina, emite vestígios registrados nas respectivas fichas. O palato, ou face superior da abóbada bucal, é revestido por uma mucosa muito delicada, que produz rugosidades em face do relevo da superfície óssea dos maxilares superiores. Na linha média existe, a partir do espaço entre os incisivos centrais, um rafê saliente que percorre toda a abóbada bucal. Para um lado e outro desse rafê, existe uma série de cristas, simples ou ramificadas, de formas mais variadas, chamadas dobras palatinas. De acordo com a disposição dessas rugas, chamadas inicial, complementar, subinicial ou subcomplementar, recebem elas a designação de números e letras e, depois de impressas em material próprio, de acordo com cada fórmula, terão seu destino em fichas para arquivamento. Luiz Silva, na obra Ficha Rugoscópica Palatina, Brasil Odonto, 1938; 14: 307-16) apresenta uma classificação que distingue estas rugas em formas simples (retas, curvas, angulosas, circulares, onduladas e puntiformes) e formas complexas. Queiloscopia Na identificação humana, em situações muito especiais, podem-se utilizar os sulcos da estrutura anatômica dos lábios, através de suas impressões quando os lábios estão com pintura ou batom comum (impressões visíveis) ou por meio de impressões deixadas pelos lábios cobertos apenas pela saliva (impressões latentes). O método de identificação pelas impressões labiais foi idealizado pelo norte-americano Lemoyne Snyder e aperfeiçoado pelo brasileiro Martin Santos, cuja comunicação foi feita em 1966, durante o IV Congresso Internacional de Medicina Forense, em Copenhague. Sua classificação divide os sulcos em simples (os que têm um só elemento em sua forma) e compostos (os que se constituem de duas ou mais formas distintas). Dessa forma: sulcos labiais simples (linhas labiais retas, curvas, angulares e sinuosas) e sulcos labiais compostos (linhas bifurcadas, trifurcadas, anômalas). Outra classificação sempre referida e usada é a de Suzuki e Tsuchihashi, que se baseia em seis elementos principais de acordo com a forma e o curso dos sulcos na impressão labial. Dividem-se em: tipo I (linhas verticais completas); tipo IA (linhas verticais incompletas, retas e sem cobrir todo o lábio); tipo II (linhas ramificadas ou bifurcadas, com sulcos que se bifurcam em seu trajeto); tipo III (linhas entrecruzadas que se cortam em forma de “x”); tipo IV (linhas reticuladas que se entrecruzam de forma reticular); tipo V (linhas em outras formas e que não estão nas disposições anteriores). Para as devidas anotações, a impressão labial é dividida em quadrantes formados por uma linha horizontal que passa na comissura labial e outra perpendicular que divide o lábio ao meio em esquerdo e direito. Assim, a impressão ficará constituída por quatro quadrantes (dois superiores e dois inferiores), e as anotações serão feitas utilizando-se o mesmo sistema usado na fórmula dentária. Mesmo não sendo um sistema comum e prático a ser usado na identificação humana, pelas dificuldades de classificação e pelas modificações que essas impressões sofrem no passar do tempo com a idade das pessoas, ele pode tornar-se útil quando no confronto recente de impressões deixadas em objetos ou pertences, como copos, taças, vasos, ou em pontas de cigarro e guardanapos de papel com marcas de batom, ou ainda em almofadas ou similares usados em casos de sufocação. Seu emprego, portanto, é mais significativo na investigação criminal, pois como método de identificação padronizado necessitaria de um arquivo prévio e de uma metodologia de classificação para futuras comparações a partir de fichas labiais em um grande número de pessoas. Mesmo que o desenho dessas impressões seja imutável, deve-se considerar que o envelhecimento das pessoas leva a sensíveis modificações dos lábios pela diminuição da massa muscular, principalmente a do lábio superior, levando a um apagamento progressivo das pregas labiais. O estudo comparativo entre o método queiloscópico e o dactiloscópico mostra ser o primeiro mais complexo porque não conta com um sistema único e universal de classificação e porque não se define quanto a um número de impressões coincidentes para se determinar uma identidade. Os lisocromos e os reagentes fluorescentes são os mais usados para a revelação das impressões labiais latentes em um número muito variado de superfícies, exceto para a pele, por exemplo, devido a sua identidade com os elementos orgânicos que produzem tais impresses e por não se conservarem por muito tempo. Fato relevante ainda é que se pode, através das impressões queiloscópicas, colher material representado por células epiteliais encontradas nelas para exame em DNA, desde que tal coleta seja anterior ao uso dos meios e reativos de revelação. Outro fato é considerar que, com a ajuda da informática, podem surgir oportunidades para a criação de bancos de dados que ofereçam, de forma rápida e eficaz, dados de significativa importância ou ainda se identificar determinadas substâncias nessas impressões (impressões químicas). Em suma, a aplicação da queiloscopia como meio de identificação humana ainda é um estudo em fase de avaliação para se definir claramente um protocolo de procedimentos confiável, cuja prática metodológica seja eficiente em todas as suas fases. O obstáculo mais desafiador para sua inserção como método de qualidade no campo da identificação humana é, sem dúvida, elaborar uma classificação universal como parte de sua devida e necessária operabilidade, principalmente no que diz respeito à coleta de impressões labiais em bases de dados. Identificação por superposição de imagens Também conhecido por método de Piacentino ou craniofotocomparativo, consiste na identificação individual por demonstração fotográfica, utilizando-se a superposição de negativos de fotos do indivíduo tiradas em vida sobre as do esqueleto do crânio. Não é um método de grande segurança. É usado quando falharem os mais significativos. Fundamenta-se em encontrar perfeita correspondência dos vários pontos ósseos e das partes moles da face, principalmente na fronte, no nariz, no mento e nas órbitas, cotejados em fotografias de frente e três quartos perfil. Os pontos mais importantes para a presumível identificação devem ser: arcadas orbitárias espinha nasal, meato acústico externo, ângulo nasofrontal, dentes incisivos, prognatismo, forma do nariz e bordas alveolares (Figuras 3.22 e 3.23). Identificação pelo pavilhão auricular O pavilhão auricular apresenta características individuais que persistem pela vida inteira e, por isso, na ausência de outros elementos mais significativos, pode constituir um conjunto valioso na identificação humana. Este órgão é formado de um elenco de características como elevações, depressões, sulcos, fossetas, pregas e contornos, de dimensões variadas, formando partes anatômicas definidas como hélix, antélice, concha acústica, trágus, antetrágus, lóbulo, meato acústico externo e fossa triangular (ver Figura 2.10). Figura 3.22 Identificação por superposição de imagens (coincidências). (Laboratório de Antropologia Forense, IML/DF.) Esse processo é um avanço do método otométrico de Frigério, o qual não teve uma aplicação prática mais razoável. Os elementos mais importantes para se alcançar uma identidade são o contorno posterior e o superior, a forma da concha, a separação em relação ao plano lateral da cabeça e as suas dimensões, alterações e deformações. A técnica para a identificação deve basear-se na ampliação de fotografias, em uma mesma escala, do pavilhão auricular anteriormente registrado do indivíduo e o do agora estudado, ou pela montagem de transparências raiadas em milímetros e em uma mesma escala, onde serão anotadas e analisadas as partes principais das coincidências. A identidade tem de ser perfeita em todos os seus detalhes. Dessa forma, pode-se deduzir que esse método, na ausência de outro mais específico, mesmo que não apresente a exemplo das impressões digitais uma suficiente quantidade de detalhes pode, através de seu formato, tamanho, curvaturas e inflexões, oportunizar a formação de padrões diferenciados bem apreciáveis. Ter em conta ainda que as impressões da orelha esquerda são diferentes da orelha direita e que esse método tem como inconveniente a dificuldade da formação de um banco de dados pela inexistência de uma classificação. Figura 3.23 Identificação por superposição de imagens (não coincidências). (Laboratório de Antropologia Forense, IML/DF.) Identificação por radiografias Outro meio de identificação a ser utilizado, quando não se conta com opções mais confiáveis, é a comparação de radiografias antigas com as obtidas do indivíduo questionado. As mais frequentemente usadas são as radiografias do crânio, da face, dos ossos longos e dos dentes. O tempo decorrido entre uma e outra não tem muita importância. Entre essas comparações, as que se prestam melhor a uma identificação são as radiografias da face em que possam ser analisados os seios frontais e maxilares, quando são observados seus contornos de figuras geométricas variadas, as quais venham a se superpor precisamente em uma identidade. No crânio é muito importante o estudo das marcas vasculares correspondentes à ramificação da artéria meníngea média. Outros elementos importantes nesse estudo radiográfico são as presenças de próteses, as malformações, as placas metálicas e as consolidações viciosas. Por fim, a identificação pode ser possível por radiografias dentárias, desde que se tenham os padrões anteriormente registrados e eles sejam bem evidentes na confrontação das características identificadoras (Figura 3.24). Figura 3.24 Radiografia em vida e radiografia após a morte com as respectivas coincidências: restaurações, obturação endodôntica, formato das raízes e contorno do assoalho do seio maxilar. (Laboratório de Antropologia Forense, IML/DF.) Superposição craniofacial por vídeo Este método tem uso relativamente recente entre nós e se baseia na superposição de fotografias ampliadas e radiografias do crânio, cuja expectativa é identificar uma pessoa pela coincidência dos elementos antropológicos daquele segmento. Sua técnica, em síntese, é simples. Basta o uso adequado do computador e seu ajuste no vídeo, para se ter ou não uma probabilidade de identificação, inclusive permitindo uma exibição rotativa das regiões analisadas, em uma angulação de 360°. Seus resultados têm sido animadores para alguns autores. Todavia, recomendamos a utilização desse método com certa reserva, principalmente quando não se conta com outros elementos mais conclusivos para uma identificação médico-legal (Figura 3.25). Cadastro de registro de artroplastias O registro obrigatório da prática de artroplastia (cirurgia que consiste na substituição de uma articulação seriamente lesada por um espaçador articulado), em nível nacional, seria de grande valia e um importante subsídio nas questões da identificação humana, principalmente pela segurança, rapidez e simplicidade que este processo oferece em algumas situações como, por exemplo, grandes catástrofes. Durão, CH; Miguel, M; Dupico, Carlos; Pinto Rui; Cabral Trigo; e Vieira, DN in ( Importância do Registro Português de Artroplastia e identificação por material de osteossíntese, Revista da Sociedade Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia, Vol. 18, Ano 2010, p. 7) relatam essa premissa. Além do registro identificador destas peças, deve-se levar em conta ainda que alguns dos componentes das próteses, feitas de titânio ou ligas de aço, apresentam grande resistência a temperaturas bem altas (por vezes até acima de 1.000°C) e a traumas. O valor deste registro, devidamente identificado com nome do paciente, características do material, nome ou logotipo do fabricante e numeração em série, permite a conclusão de que cada prótese terá um único portador. Sendo assim, um cadastro nacional de registro, a partir de uma base de dados de cirurgias artroplásticas, por ser um dos procedimentos ortopédicos cada vez mais utilizados na ortopedia, com certeza, poderá trazer inúmeros benefícios para a área da antropologia forense. Figura 3.25 Reconstituição craniana. (Laboratório de Antropologia Forense, IML/DF.) No entanto, o total êxito desse sistema só seria possível caso fosse elaborada uma lei que tornasse compulsória, em todo território nacional, a obrigatoriedade de a empresa fabricante de próteses acrescentar em um cadastro nacional o número em série de tais peças e as demais informações pessoais acrescidas nos serviços médicos especializados que as utilizaram. Estes serviços médicos, por sua vez, complementariam as devidas informações e as remeteriam mensalmente ao Ministério da Saúde. Dessa maneira, a consulta às bases de dados de tal registro no arquivo central do Ministério da Saúde possibilitaria a identificação em casos de catástrofes ou de corpos de indivíduos não identificados. Identificação pelo registro da voz Kersta, a partir de 1962, começou a desenvolver um método eletroacústico capaz de identificar a voz humana utilizando um sonógrafo; esse processo baseia-se nas particularidades da voz de cada indivíduo. Esse método tinha como base o registro das vibrações da voz emitidas por meio de um microfone em um tambor de anotações. O estudo seria feito pela gravação do sonograma da voz com a do indivíduo questionado. Mesmo que alguns recusem este tipo de prova, o fato é que a cada dia mais esses métodos se aperfeiçoam, a ponto de se falar inclusive em uma “fonética forense”. O fundamento da prova está na comparação do registro da frequência da voz, pois nela se encontram, entre outros, o número de vibrações por segundo e a excursão máxima e mínima da onda, desde a posição de repouso, a partir da comparação de palavras idênticas. Quando ambos os oscilogramas coincidem, diz-se que há identificação do indivíduo estudado. Tudo se baseia no fato de que cada pessoa tem vibrações de cordas vocais próprias e idênticas, mesmo quando tenta dissimular sua voz ou simular a voz alheia. Todavia, deve-se ter em conta que existem diferenças fonéticas nas pessoas destituídas dos dentes incisivos superiores quando a produção articulatória é feita com ou sem a prótese dentária, principalmente nos espectrogramas dos sons |s| e |z|, produzidos pelas lufadas de ar quando sem o uso da prótese. Impressão digital genética do DNA A Medicina Legal também beneficiou-se com o avanço indiscutível que se verifica em torno do estudo do genoma humano e, por isso, tem-se observado uma acentuada evolução no campo da identidade, tanto nas questões da identificação civil como nas da identificação criminal. Amplia-se assim essa importante área da Hemogenética Médico-legal. Além das perícias de investigação do vínculo genético da paternidade, abriu-se um novo campo na Criminalística, em que a análise de vestígios humanos pode trazer grande contribuição ao interesse pericial, pelo uso dos marcadores genéticos e da aplicação do polimorfismo do DNA. Neste sentido, manchas de sangue, de sêmen, pelos, saliva e partes cadavéricas podem ser objetos de identificação de indivíduos, para quem as técnicas mais tradicionais mostravam-se precárias e inconclusivas. Em nosso país, poucas vezes se têm utilizado aquelas técnicas no interesse criminal, certamente por motivos financeiros. O mesmo não se verifica no trato das perícias privadas de investigação da paternidade e maternidade, em que os especialistas estão mais concentrados e mais empenhados. Sob o ponto de vista operacional, a dificuldade de tal metodologia nas questões criminais não está apenas na ampliação dos exames, mas na padronização e no eventual encontro de dados que venha a facilitar uma imediata confrontação. Já não se levam em conta as dificuldades das minúsculas amostras, das amostras degradadas e do tempo de que se necessita para a obtenção dos resultados. Mesmo que a prática indique cada vez mais uma elevada taxa de segurança na comprovação dos resultados em que se empregou a técnica em DNA, essas provas deverão ser analisadas e avaliadas no conjunto de outros elementos probantes, quando se tiver de tomar uma decisão mais séria. A observação tem demonstrado que, cada dia que passa, os tribunais acreditam mais no resultado do polimorfismo do DNA em questões forenses, mas sem terem ainda uma ideia muito precisa de sua metodologia e de seus fundamentos. Qualquer que seja o ponto de vista de um ou outro analista, a prova em DNA não está ainda cientificamente consolidada e reconhecida como de inquestionável valor probatório, restando apenas à sua justa aplicação a credibilidade do laboratório e os seus imperativos éticos. Assim, por exemplo, toda e qualquer amostra para prova deve ser utilizada de acordo com as determinações da nossa legislação processual. Se a prova é obtida por meios ilícitos ou ilegais, isso pode comprometer o princípio da privacidade constitucional. É claro que para se realizar o exame de certos vestígios para fins de direito criminal, nem sempre é possível obter-se uma permissão, nem isso iria constituir invasão da liberdade e da intimidade da pessoa. Outro fato discutível é a conservação da amostra ou dos dados de pessoas indiciadas para se criarem os bancos de informação. Alguns defendem que as amostras obtidas nos locais do crime ou retiradas de indivíduos suspeitos possam ter um determinado tempo de guarda estabelecido em lei. Embora não se tenha registro entre nós de uma determinação judicial que exija a destruição das amostras, isso pode ensejar medidas naquela direção. Tal omissão poderá levar sem dúvida à criação clandestina de bancos de dados de DNA, inicialmente para indivíduos punidos em certos crimes violentos e, depois, com certeza, para toda a população. Tal conduta, é claro, redundará na invasão da privacidade das pessoas. Mesmo havendo o cuidado no uso da informação genética, seria difícil manter-se a confidencialidade das redes informáticas e o uso indevido das informações. Também não se pode esquecer que a credibilidade dos laboratórios e dos serviços encarregados das provas em DNA deve ser analisada com muito cuidado. Esse controle de qualidade tem de ser rigorosamente exigido, para que não se venha credenciar todo e qualquer serviço na confecção de uma prova tão delicada. Levando-se em conta a precariedade dos serviços médico-legais em nosso país, podemos até admitir o nível de dificuldades na execução dessas provas. Por fim, não se deve esquecer que na prova em DNA, pelo fato de ela não ser assimilada facilmente pelos que lidam com o processo, as suas conclusões podem ser confundidas quando da valorização dos resultados, principalmente pelo fato da evolução muito rápida de sua metodologia. O polimorfismo do DNA é sem dúvida a prova mais avançada de que se dispõe no momento em termos de identificação, mas isso não quer dizer que a coincidência de um padrão de uma “tira”, encontrada em uma mancha de sangue, por exemplo, seja de modo inquestionável uma identificação confirmada. Paralelamente a isto, é imperioso saber se os analistas desse método estão usando com critério o devido valor probante de cada resultado. Daí se exigir que eles, no mais breve tempo possível, adquiram o conhecimento de que se necessita para a realização dessas provas. E mais: nunca iniciar um processo de identificação com uma metodologia mais sofisticada, principalmente quando se leva em conta a carência dos setores especializados. Só em última instância ela deve ser utilizada. A experiência tem demonstrado que, com a ajuda das técnicas tradicionais, têm-se obtido bons e espetaculares resultados. Ver mais sobre impressão digital genética do DNA no Capítulo 14. Banco de dados com DNA Desde Alphonse Bertillon, com a criação da antropometria como método de catalogar criminosos, pensa-se em uma forma capaz de identificar cada delinquente por meio de uma marca registrada. Agora, discute-se entre nós a criação de um banco de dados com o DNA de pessoas investigadas ou condenadas por crimes violentos ou hediondos. Os EUA, por exemplo, armazenam mais de 9 milhões de perfis genéticos e o Reino Unido, mais de 6 milhões de exemplares. Foi a partir desses exemplos que órgãos periciais ligados ao sistema policial passaram a defender a implantação de uma rede integrada de bancos de dados de perfis genéticos, como meio para reprimir ou diminuir a criminalidade em nosso país. Já circulam em nossas casas legislativas federais alguns destes projetos que permitem o armazenamento de material genético de suspeitos, indiciados ou autores de crimes mais graves em banco de dados a fim de disponibilizá-lo às autoridades que conduzem o Inquérito Policial. Há quem proponha que não apenas autores de crimes hediondos devam ser submetidos a esse tipo de coleta, pois isto “poderia soar discriminatório e muito restritivo”. Sugerem, ainda, que essa coleta seja mais ampla e o estudo em conjunto com parlamentares seria interessante, pois possibilitaria a implementação deste banco de dados em perspectiva mais ampla, porque acreditam que “tudo que contribua para elucidação de crimes, que contribua para a redução da impunidade no país, é bemvindo”. Acreditamos que se conseguirem estender a coleta de perfil genético a toda população, todos os cidadãos brasileiros, desde seu nascimento, serão tratados como criminosos em potencial. Para muitos este projeto é inconstitucional, pois atua por meio da coerção para se obterem amostras orgânicas, uma vez que ninguém é obrigado a criar provas contra si mesmo fornecendo, em uma investigação criminal, material orgânico que possa fazer prova em seu desfavor. Na realidade, a Convenção de Direitos Humanos conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, em 1969, pontificou em seu artigo 8o que ninguém é obrigado a “depor contra si mesmo nem confessar-se culpado”. A Constituição Federal segue esta mesma linha. Em tese, o que se discute não é o uso adequado do perfil genético de um indivíduo em uma investigação criminal, mas o seu sigilo em banco de dados que permanecerá até terminar o prazo de prescrição do crime atribuído ao identificado. Assim, por exemplo, se alguém foi acusado de crime de homicídio, seu material genético ficará armazenado por, no mínimo, 20 anos. Como se deve proceder quando o indivíduo alvo deste método de armazenamento não aceitar ou resistir à coleta do material orgânico? Constrangê-lo pela força bruta? Em uma das casas legislativas, há um dos textos já aprovados em que se admite que os investigados por crimes violentos ou hediondos sejam “obrigatoriamente” identificados por meio da coleta de material genético através de “técnica adequada e indolor”. Dizer-se também que o indivíduo não está obrigado a fornecer provas contra si mesmo mas, a exemplo da prova de paternidade, considerar a recusa como uma confissão de culpa não é de todo correto, pois para admitir-se tal paternidade o julgador deve se convencer com outras provas dentro do processo. Não será nenhum favor se o magistrado proceder da mesma maneira. Muitos até chegam a propor um banco de dados de DNA para todos os cidadãos brasileiros e estrangeiros naturalizados ou com visto de permanência em nosso país, mesmo que para tanto se alterassem algumas garantias constitucionais. Isso para seus defensores “traria soluções não só para crimes, mas para outros tipos de problema”. E, ainda, defendem a criação desses bancos de dados com o argumento da possibilidade da identificação de vítimas de acidentes coletivos e catastróficos. Não esquecer, no entanto, que quanto mais bancos de dados de perfis genéticos forem criados, maiores serão os riscos de violação do sigilo e do uso indevido das informações. Todavia, com o advento da Lei no 12.654, de 28 de maio de 2012, que altera as Leis no 12.037, de 1o de outubro de 2009, e 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei de Execução Penal, está autorizada a coleta de perfil genético como forma de identificação criminal. Dispõe que os dados relacionados com a coleta do perfil genético deverão ser armazenados em bancos de dados de perfis genéticos, gerenciado por unidade oficial de perícia criminal, e que as informações contidas neles não poderão revelar traços somáticos ou comportamentais das pessoas, exceto determinação genética de gênero, consoante as normas constitucionais e internacionais sobre direitos humanos, genoma humano e dados genéticos. Os dados constantes dos bancos de dados de perfis genéticos terão caráter sigiloso, respondendo civil, penal e administrativamente aquele que permitir ou promover sua utilização para fins diversos dos previstos naquela Lei ou em decisão judicial. As informações obtidas a partir da coincidência de perfis genéticos deverão ser consignadas em laudo pericial firmado por perito oficial devidamente habilitado. A exclusão dos perfis genéticos dos bancos de dados ocorrerá no término do prazo estabelecido em lei para a prescrição do delito. Essa mesma norma ainda modifica a Lei de Execução Penal (Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984), que passou a vigorar acrescida do art. 9o-A com a seguinte redação: “Os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA – ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor.” LEI NO 12.037, DE 1O DE OUTUBRO DE 2009 Dispõe sobre a identificação criminal do civilmente identificado, regulamentando o art. 5 o, inciso LVIII, da Constituição Federal. O VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA , no exercício do cargo de PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1o O civilmente identificado não será submetido à identificação criminal, salvo nos casos previstos nesta Lei. Art. 2o A identificação civil é atestada por qualquer dos seguintes documentos: I – carteira de identidade; II – carteira de trabalho; III – carteira profissional; IV – passaporte; V – carteira de identificação funcional; VI – outro documento público que permita a identificação do indiciado. Parágrafo único. Para as finalidades desta Lei, equiparam-se aos documentos de identificação civis os documentos de identificação militares. Art. 3o Embora apresentado documento de identificação, poderá ocorrer identificação criminal quando: I – o documento apresentar rasura ou tiver indício de falsificação; II – o documento apresentado for insuficiente para identificar cabalmente o indiciado; III – o indiciado portar documentos de identidade distintos, com informações conflitantes entre si; IV – a identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa; V – constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações; VI – o estado de conservação ou a distância temporal ou da localidade da expedição do documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais. Parágrafo único. As cópias dos documentos apresentados deverão ser juntadas aos autos do inquérito, ou outra forma de investigação, ainda que consideradas insuficientes para identificar o indiciado. Art. 4o Quando houver necessidade de identificação criminal, a autoridade encarregada tomará as providências necessárias para evitar o constrangimento do identificado. Art. 5o A identificação criminal incluirá o processo datiloscópico e o fotográfico, que serão juntados aos autos da comunicação da prisão em flagrante, ou do inquérito policial ou outra forma de investigação. Parágrafo único. Na hipótese do inciso IV do art. 3o, a identificação criminal poderá incluir a coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético (incluído pela Lei no 12.654, de 2012). Art. 5o-A. Os dados relacionados com a coleta do perfil genético deverão ser armazenados em banco de dados de perfis genéticos, gerenciado por unidade oficial de perícia criminal. (Incluído pela Lei no 12.654, de 2012.) § 1o As informações genéticas contidas nos bancos de dados de perfis genéticos não poderão revelar traços somáticos ou comportamentais das pessoas, exceto determinação genética de gênero, consoante as normas constitucionais e internacionais sobre direitos humanos, genoma humano e dados genéticos. (Incluído pela Lei no 12.654, de 2012.) § 2o Os dados constantes dos bancos de dados de perfis genéticos terão caráter sigiloso, respondendo civil, penal e administrativamente aquele que permitir ou promover sua utilização para fins diversos dos previstos nesta Lei ou em decisão judicial. (Incluído pela Lei no 12.654, de 2012.) § 3o As informações obtidas a partir da coincidência de perfis genéticos deverão ser consignadas em laudo pericial firmado por perito oficial devidamente habilitado. (Incluído pela Lei no 12.654, de 2012.) Art. 6o É vedado mencionar a identificação criminal do indiciado em atestados de antecedentes ou em informações não destinadas ao juízo criminal, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. Art. 7o No caso de não oferecimento da denúncia, ou sua rejeição, ou absolvição, é facultado ao indiciado ou ao réu, após o arquivamento definitivo do inquérito, ou trânsito em julgado da sentença, requerer a retirada da identificação fotográfica do inquérito ou processo, desde que apresente provas de sua identificação civil. Art. 7o-A. A exclusão dos perfis genéticos dos bancos de dados ocorrerá no término do prazo estabelecido em lei para a prescrição do delito. (Incluído pela Lei no 12.654, de 2012.) Art. 7o-B. A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigilosos, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo. (Incluído pela Lei no 12.654, de 2012.) Art. 8o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 9o Revoga-se a Lei no 10.054, de 7 de dezembro de 2000. Brasília, 1o de outubro de 2009; 188o da Independência e 121o da República. JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA LEI NO 7.210, DE 11 DE JULHO DE 1984 Institui a Lei de Execução Penal (…). Art. 9o A. Comissão, no exame para a obtenção de dados reveladores da personalidade, observando a ética profissional e tendo sempre presentes peças ou informações do processo, poderá: I – entrevistar pessoas; II – requisitar, de repartições ou estabelecimentos privados, dados e informações a respeito do condenado; III – realizar outras diligências e exames necessários. Art. 9o-A. Os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA – ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor. (Incluído pela Lei no 12.654, de 2012.) § 1o A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo. (Incluído pela Lei no 12.654, de 2012.) § 2o A autoridade policial, federal ou estadual, poderá requerer ao juiz competente, no caso de inquérito instaurado, o acesso ao banco de dados de identificação de perfil genético. (Incluído pela Lei no 12.654, de 2012.) (…) BASES DE DADOS Os critérios de inclusão segundo o tipo de crime são: • EUA: crimes sexuais (homicídios, roubos, outros – variável com os Estados) • Grã-Bretanha: qualquer tipo de crime • Holanda: crime com pena máxima maior de 4 anos (após autorização judicial) e com menos de anos apenas com consentimento, sem inclusão se confessar • Suécia: crime com pena acima de 2 anos • Noruega: crimes contra a vida e saúde, crimes sexuais, roubo, chantagem • Suíça: com pena acima de 1 ano • Canadá: infrações primárias (crimes sexuais, homicídio e outros crimes graves), infrações secundárias com indicação judicial. Fonte: ENFSI–EU, 2009. Normas protetoras em Portugal As Normas protetoras em Portugal (Lei no 5/2008, de 12 de fevereiro)são as seguintes: • Obrigatoriedade de utilização exclusiva para identificação • Autorização legal/judicial para a comunicação dos dados • Duplo registro codificado para perfis de DNA e dados pessoais, • Manipulados por utilizadores distintos em locais separados • Fiscalização dos procedimentos • Responsabilidade no caso de utilização indevida • Acessos restritos, codificados e identificativos dos utilizadores • Laboratórios oficiais que cumpram os requisitos internacionais • Proibição da transferência de material biológico para outros países • Comprovação laboratorial • Princípio do contraditório • Proibição do acesso de terceiros à Base de Dados • Modo de coleta não invasiva que respeite a dignidade humana • Direito de qualquer pessoa a exigir a correção dos seus dados • Destruição imediata de amostras identificadas • Liberdade na valorização da prova pelos tribunais Regulamento de funcionamento da base de dados de perfis de DNA em Portugal Deliberação no 3191/2008, D.R., 2a série, 3 de dezembro de 2008. Instituto Nacional de Medicina Legal (…) Artigo 2o – O perfil de DNA constitui uma prova a ser ponderada em articulação com as outras provas existentes no processo (…). Artigo 6o – 2 – A confirmação da autenticidade da identificação é realizada mediante apresentação de documento de identificação, do qual é feita cópia a integrar no processo, mediante recolha da impressão digital, e fotografia para a qual tenha sido previamente solicitado o consentimento (…). Artigo 8o – A recolha de amostras em pessoas é feita em duplicado, através da coleta de células da mucosa bucal ou de outro método não invasivo que respeite a dignidade humana e a integridade física e moral individual (…). Artigo 10o – 1 – As análises são realizadas em duplicado, sempre que possível, por profissionais diferentes, utilizando kits de amplificação diversos que incluam os marcadores estabelecidos, seguindo as regras, metodologias e técnicas internacionalmente estabelecidas para análise forense. (…). Artigo 12o – Os perfis de DNA e os dados pessoais do titular apenas podem ser inseridos na Base de Dados desde que se verifique a manutenção da cadeia de custódia da amostra (…). Bases de dados de perfis de DNA em Portugal Lei no 5/2008, de 12 de fevereiro (Artigos 15 e 18). Critérios de inclusão Arquivos: a) voluntários: consentimento livre informado POR escrito b) amostras-problema para identificação civil: AUTORIZAÇÃO DO JUIZ c) amostras-referência para identificação civil 1) vestígios-referência: AUTORIZAÇÃO DO JUIZ 2) amostras de parentes de desaparecidos: consentimento livre informado POR escrito d) amostras-problema para investigação criminal: AUTORIZAÇÃO DO JUIZ e) condenados: crime doloso com pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos AUTORIZAÇÃO DO JUIZ CRIMINAL f) profissionais: consentimento livre informado POR escrito. Critérios de remoção dos dados de DNA • • • • • Suíça: 30 anos ou em caso de morte: (ou 20 anos em alguns casos) França: após 40 anos ou idade superior a 80 anos Suécia: 10 anos após sentença cumprida Dinamarca: idade acima 80 anos ou 2 anos após a morte Bélgica: 10 anos após a morte • Canadá: apenas suspeitos absolvidos • Croácia: apenas suspeitos absolvidos • Grã-Bretanha: sem remoção. Fonte: ENFSI–EU, 2009. PROTOCOLO PARA EXAME ANTROPOLÓGICO FORENSE (Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Departamento de Patologia, Centro de Medicina Legal – CEMEL — Laboratório de Antropologia Forense) Data do exame:____________________________________________________________ A. Geral A.1. Descrição geral dos restos e estado de preservação A.2. Resumo e conclusões Responsável pelo Relatório Assinatura: ____________________________________________________________ Nome: __________________________________________________________________ Qualificação: ____________________________________________ Data: __________________________________________________________________ B. Características de identificação e achados patológicos do esqueleto B.1a. Inventário do esqueleto Inventory of skeleton Elemento Element Crânio Cranium Frontal Frontal Occipital Occipital Esfenoide Sphenoid Maxilar Maxilla Palatino Palatine Vômer Vomer Parietal esquerdo Parietal left Temporal esquerdo Temporal left Concha nasal inferior Inferior nasal concha Número/Number Comentário/Comment esquerda left Etmoide esquerdo Ethmoid left Lacrimal esquerdo Lacrimal left Nasal esquerdo Nasal left Zigomático esquerdo Zygomatic left Parietal direito Parietal left Temporal direito Temporal right Concha nasal inferior direita Inferior nasal concha right Etmoide direito Ethmoid right Lacrimal direito Lacrimal right Nasal direito Nasal right Zigomático direito Zygomatic right Hioide Hyoid Cartilagem da tireoide Thyroid cartilage Mandíbula Mandible Elemento Element Axial Axial Manúbrio Manubrium Mesosterno Mesosternum C1 Atlas C1 Atlas C2 Áxis C2 Axis C3-7 C3-7 T1-12 T1-12 L1-5 L1-5 Sacro Sacrum Cóccix Coccyx Costelas e pelve Ribs and pelvis Costela 1 esquerda Rib 1 left Costela 2 a 12 esquerdas Ribs 2-12 left Número/Number Comentário/Comment Costela 1 direita Ribs 1 right Costelas 2 a 12 direitas Ribs 2-12 right Pelve esquerda Pelvis left Pelve direita Pelvis right Elemento Element Apêndice superior esquerdo Left superior appendicular Clavícula esquerda Clavicle left Escápula esquerda Scapula left Úmero esquerdo Humerus left Rádio esquerdo Radius left Ulna esquerda Ulna left Escafoide esquerdo Scaphoid left Semilunar esquerdo Lunate left Piramidal esquerdo Triquetral left Pisiforme esquerdo Pisiform left Trapézio esquerdo Trapezium left Trapezoide esquerdo Trapezoid left Capitato esquerdo Capitate left Hamato esquerdo Hamate left Metacarpo 1 esquerdo Metacarpal 1 left Metacarpo 2 esquerdo Metacarpal 2 left Metacarpo 3 esquerdo Metacarpal 3 left Metacarpo 4 esquerdo Metacarpal 4 left Metacarpo 5 esquerdo Metacarpal 5 left Falange proximal 1 esquerda Proximal phalanx 1 left Falange proximal 2 a 5 esquerdas Proximal phalanx 2-5 left Falange intermediária 2 a 5 esquerdas Intermediate phalanx 2-5 left Número/Number Comentário/Comment Falange distal 1 esquerda Distal phalanx 1 left Falange distal 2 a 5 esquerdas Distal phalanx 2-5 left Elemento Element Apêndice inferior esquerdo Left inferior appendicular Fêmur esquerdo Femur left Patela esquerda Patella left Tíbia esquerda Tibia left Fíbula esquerda Fibula left Tálus esquerdo Talus left Calcâneo esquerdo Calcaneous left Cuboide esquerdo Cuboid left Navicular esquerdo Navicular left Cuneiforme medial esquerdo Medial cuneiform left Cuneiforme intermediário esquerdo Intermediate cuneiform left Cuneiforme lateral esquerdo Lateral cuneiform left Metatarso 1 esquerdo Metatarsal 1 left Metatarso 2 esquerdo Metatarsal 2 left Metatarso 3 esquerdo Metatarsal 3 left Metatarso 4 esquerdo Metatarsal 4 left Metatarso 5 esquerdo Metatarsal 5 left Falange proximal 1 esquerda Poximal phalanx 1 left Falange proximal 2 a 5 esquerdas Proximal phalanx 2-5 left Falange intermediária 2 a 5 esqeurdas Intermediate phalanx 2-5 left Falange distal 1 esquerda Distal phalanx 1 left Falange distal 2 a 5 esquerdas Distal phalanx 2-5 left Número/Number Comentário/Comment B.1b. Fotografias dos restos do esqueleto Inserir foto dos restos em posição anatômica. B.1c. Fotografias dos achados patológicos no esqueleto Inserir fotos de detalhes patológicos. B.2a. Determinação do sexo pela pelve Sexing of pelvis Característica Feature Tamanho do ângulo subpúbico Size of subpubic angle Presença de arco ventral Presence of ventral arc Presença da crista medial isquiopúbica Presence of medial ischiopubic ridge Tamanho do sulco isquiático maior Size of greater sciatic notch Espessura da asa do sacro Width of sacral alae Curvatura do sacro Curvature of sacrum Tamanho da superfície auricular sacral Extent of sacral auricular surface Projeção da superfície auricular Projection of auricular surface Presença do sulco préauricular Presence of preauricular sulcus Sexo/Sex Comentário/Comment B.3a. Determinação do sexo pelo crânio Sexing of skull Característica Feature Forma da glabela/pontes supraorbitais Shape of glabella/supraorbital ridges Presença da protuberância occipital Presence of occipital protuberance Tamanho do processo mastoide Size of mastoid processes Presença da crista Presence of supramastoid Sexo/Sex Comentário/Comment supramastoide crest Altura/robustez do zigomático Height/robusticity of zygomatic Tamanho e forma do mento Size and shape of mentum Abertura do ângulo mandibular Flaring of mandibular angle B.4a. Ancestralidade Ancestry B.5a. Idade em adultos Age in adults Estado de fusão State of fusion Característica Feature Epífise medial da clavícula Medial clavicle epiphysis Característica Feature Citada em Citaded in Sínfise púbica Pubic symphysis Suchey/Brooks Auricular do ilíaco Auricular ilium Lovejoy/White Final (esternal) da 4a costela 4th sternal rib end Isçan/Loth Fase E Phase L Faixa E Range L Característica Feature Suturas cranianas Cranial sutures Mudanças artríticas nas vertebras Arthritic changes in vertebrae Fase D Phase R Comentário Comment Faixa D Comentário Range Comment R Estado State Comentário Comment B.5b. Idade em jovens Age in juveniles Epífise/Epiphysis Estado de Faixa tipicamente fusão/State of fusion fundida/Range typically fused Citado em/Cited in Elemento/Element Comprimento diafisário/Diaphyseal length Faixa de idade/Age Citado range em/Cited in B.6. Estatura Stature B.6a. Estimativa de estatura para o provável sexo e ancestralidade Stature estimation for probable sex and ancestry Elemento do esqueleto: Skeletal element: Fêmur/Femur (Se ausente usar/If absent use) Lado: Side: Direito/Right (Se ausente usar/If absent use) Comprimento: Length: Fórmula: Formula: Trotter & Gleser Citado em: Cited in: Bass/Burns Faixa: Range: B.6b. Resumo da estimativa de estatura Stature estimation summary Copiar da planilha eletrônica Copy from spreadsheet B.7. Destreza manual Handedness B.7a. Estimativa da destreza manual Handedness estimation Elemento Element Característica pessoal Trait Clavícula Clavicle Comprimento máximo (menor Max length (shorter on no lado dominante) dominant side) Clavícula Clavicle Área de ligação do ligamento costoclavicular Úmero Humerus Máxima distância biepicondilar Max biepicondylar breadth Úmero Humerus Largura do sulco intertubercular Area of costoclavicular ligament attachment Breadth of intertubercular groove Mão/Handedness Úmero Humerus Diâmetro do forame nutriente Diameter of nutrient foramen Úmero + rádio Humerus + radius Comprimentos máximos somados Summed maximum lengths Rádio Radius Distância do tubérculo dorsal ao processo estiloide Breadth from dorsal tubercle to styloid process Rádio Radius Área de ligação do bíceps Area of biceps attachment C. Identificação de características e achados patológicos na dentição Se não estiver presente, declare “NADA”. C.1. Inventário da dentição Dente UNS Número Comentário UNS Número Comentário Inferior esquerdo Dente Superior esquerdo 3o molar 1 21 2o molar 2 22 1o molar 3 23 2o pré-molar 4 24 1o pré-molar 5 25 Canino 6 26 Incisivo lateral 7 27 Incisivo central 8 28 Superior direito Incisivo central 9 11 Incisivo lateral 10 12 Canino Canine 11 13 1o pré-molar 1st premolar 12 14 2o pré-molar 2nd premolar 13 15 1o molar 1st molar 14 16 2o molar 2nd molar 15 17 3o molar 3rd molar 16 18 Inferior direito 3o molar 17 41 2o molar 18 42 1o molar 19 43 2o pré-molar 20 44 1o pré-molar 21 45 Canino 22 46 Incisivo lateral 23 47 Incisivo central 24 48 Inferior esquerdo Incisivo central 25 31 Incisivo lateral 26 32 Canino 27 33 1o pré-molar 28 34 2o pré-molar 29 35 1o molar 30 36 2o molar 31 37 3o molar 32 38 C.2. Descrição da idade estimada pela dentição C.3a. Fotografia dentária (superior) Inserir fotos da dentição superior. C.3b. Fotografia dentária (inferior) Inserir fotos da dentição inferior. D. Descrição das vestes e outros itens Se não estiver presente, declare “NADA”. D.1. Descrição das vestes D.2. Descrição de outros itens D.3. Fotografia das vestes e outros itens Fotos de vestes e outros pertences. E. Identificação de características e achados patológicos do corpo Se não estiver presente, declare “NADA”. E.1. Sexo E.2. Estatura E.3. Compleição E.4. Cabelo E.5. Barba E.6. Bigode E.7. Tatuagens E.8. Cicatrizes E.9. Outras características identificadas E.10. Achados patológicos: cabeça e pescoço E.11. Achados patológicos: tronco E.12. Achados patológicos: braços E.13. Achados patológicos: pernas E.14. Achados patológicos: tecidos internos E.15. Diagrama anterior do corpo (Apêndice B) E.16. Diagrama posterior do corpo (Apêndice C) E.17. Causa da morte Outros profissionais envolvidos no Exame de Antropologia Forense: _________________________________________________________________________________ 6. Identificação judiciária: Processos antigos, Assinalamento sucinto, Fotografia simples, Retrato falado, Sistema antropométrico de Bertillon, Sistema geométrico de Matheios, Sistema dermográfico de Bentham, Sistema craniográfico de Anfosso, Sistema otométrico de Frigério, Sistema oftométrico de Capdeville, Sistema oftalmoscópico de Levinsohn, Sistema radiológico de Levinsohn, Sistema flebográfico de Tamassia, Sistema flebográfico de Ameuille, Sistema palmar de Stockes e Wild, Sistema onfalográfico de Bert e Viamay, Sistema poroscópico de Locard, Fotografia sinalética, Sistema dactiloscópico de Vucetich e Registro inicial de identificação (recém-nascidos). IDENTIFICAÇÃO JUDICIÁRIA A identificação judiciária ou policial independe de conhecimentos médicos, e sua fundamentação reside, sobretudo, no uso de dados antropométricos e antropológicos para a identidade civil e caracterização dos criminosos, quer primários, quer reincidentes. Esse processo é efetuado por peritos em identificação. Acima de tudo, repetimos, o bom método de identificação é o que apresenta as seguintes particularidades: a) Unicidade. Um conjunto de caracteres que torne o indivíduo diferente de todos os outros. b ) Imutabilidade. Os elementos registrados devem permanecer sempre sem sofrer a ação de qualquer fator endógeno ou exógeno. c) Perenidade. Uma capacidade que alguns elementos têm de resistir ao tempo. d ) Praticabilidade. Deve dispor de elementos de fácil obtenção e que não lhe dificultem a maneira de registrar. e) Classificabilidade. O processo deve ser executado de tal modo a ponto de permitir não só uma classificação adequada, como também facilidade para encontrar as respectivas fichas. Processos antigos O ferrete foi talvez o primeiro processo de identificação usado pelo homem. Consistia ele em marcar as pessoas com ferro em brasa. Esta marca era feita em algumas partes do corpo, como na fronte, nas espáduas ou nas coxas. Tinha ela o objetivo de punir e identificar. Para cada infração cometida, lançava-se mão de uma letra correspondente. Outro processo antigo para identificar delinquentes foi a mutilação. Baseava-se ela, principalmente, na amputação de certas partes do corpo, qual a ablação das orelhas, das narinas, das mãos, dos dedos, da língua, e até mesmo na castração. Assinalamento sucinto Esse método foi de uso corrente entre nós. Ainda hoje, é utilizado em documentos, daí a anotação da estatura, da raça, da compleição física, idade, cor dos olhos e dos cabelos e algumas alterações mais apelativas da atenção. Tem aceitação, ainda pela imprensa, quando se procura individualizar alguém desaparecido. Fotografia simples É um processo ainda em voga nas cédulas de identificação. Até pouco tempo, foi por demais empregado como meio de reconhecimento. Apresenta, no entanto, vários inconvenientes, entre os quais: dificuldade de classificação, alterações dos traços fisionômicos com o decorrer dos anos e o problema dos sósias. Apesar dos pesares, seria leviandade relegar a contribuição que ela tem dado ao trabalho policial nas questões do reconhecimento de pessoas procuradas. Retrato falado Neste sistema, aproveitam-se minúcias, reveladas por pessoas de boa memória, que produzem detalhes mais importantes de uma fisionomia, emprestando-se maior destaque ao rosto. As testemunhas relatam uma série de pormenores até formar uma fisionomia que, em certas ocasiões, coincide quase precisamente com o real. Estes pormenores são de ordem cromática (cor da íris, do cabelo e da pele); morfológica (altura, inclinação e proeminência da fronte; forma, dimensões e particularidades do nariz; forma, separação e particularidades das orelhas); complementar (configuração do crânio; forma dos lábios e do queixo; configuração do cabelo e do penteado; destaque dos lábios, da barba, das sobrancelhas e bigodes). Embora não inserido como um meio de prova, este método pode ser útil no sentido de apontar no conjunto dos elementos investigados indivíduos suspeitos. O retrato dessas pessoas procuradas pode ser feito por meio artístico, do ident-kit e do photo-kit. O método artístico é feito por desenhistas que tentam reproduzir os aspectos físicos do procurado. O segundo é realizado por meio de películas transparentes que recebem partes do rosto, como o formato do nariz, dos olhos, da boca etc. O terceiro, melhor que o anterior, é feito por recortes de fotografias que se encaixam como peças de um quebra-cabeças. Esses processos são baseados na memória humana e, por isso, aconselha-se que sejam procedidos logo após a testemunha ter visto a pessoa procurada. As mulheres em geral são mais precisas em face de sua memória detalhista. Hoje o computador pode auxiliar neste processo por intermédio de programas especiais, sendo mais conhecido o comphoto kit plus 4.0 da Sirchie. É um programa que se adapta às diversas características raciais em seu banco de dados, inclusive com opções para o sexo e a cor da pele. Em seu menu, no título “imagem”, encontram-se as partes constitutivas da face humana: testa, olhos, nariz, boca, queixo, bigode, barba, óculos e detalhes do cabelo. Sistema antropométrico de Bertillon Para uns, este processo foi criado por Alphonso Bertillon, funcionário da Polícia de Paris. Para outros, ele apenas o desenvolveu. Universalmente, é reconhecido como o primeiro método científico de identificação. Embasava-se ele em dados antropométricos, em descrição e sinais individuais. Os dados antropométricos fundamentam-se na fixidez do esqueleto humano, após os 20 anos, inspirando-se, não obstante, nas 11 medidas preconizadas pelo autor: a) diâmetro anteroposterior da cabeça; b) diâmetro transversal da cabeça; c) comprimento da orelha direita; d) diâmetro bizigomático; e) comprimento do pé esquerdo; f) comprimento do dedo médio esquerdo; g) comprimento do dedo mínimo; h) comprimento do antebraço; i) estatura; j) envergadura (comprimento dos braços abertos); l) altura do busto. Eram essas as medidas para classificação e arquivamento. No assinalamento descritivo, as fichas eram anotadas com caracteres morfológicos, como altura e largura da fronte, dimensões e forma da boca, dimensões e forma do nariz etc.; com caracteres cromáticos, como a cor dos cabelos, da pele e dos olhos; e com caracteres complementares , denunciando as particularidades de cada pessoa. E, finalmente, os sinais individuais exarando as marcas, cicatrizes, manchas, tatuagens, amputações, anquiloses, deformidades que eram descritas minuciosamente. Todas as anotações dos dados antropométricos eram em milímetros, e o arquivamento de cada ficha era feito nesta ordem: a) sexo; b) ficha de menores; c) ficha de maiores; d) diâmetro anteroposterior da cabeça; e) diâmetro transversal da cabeça; f) comprimento do dedo médio esquerdo; g) comprimento do pé esquerdo; h) comprimento do antebraço; i) estatura; j) comprimento do dedo mínimo; l) cor dos olhos. Mesmo estando em desuso em todos os países do mundo, o sistema de Bertillon ou bertillonagem apresenta grande valor histórico pelo motivo de ter sido a base dos atuais processos científicos da identificação civil ou criminal. As críticas que se lhe fazem prendem-se aos empecilhos práticos de execução, de arquivamento e de classificabilidade; ao fato de não ser classificador, mas excludente, às dificuldades de tomadas das medidas exatas, à indisponibilidade de pessoal técnico competente e ao seu aproveitamento de pessoas apenas em uma determinada faixa etária. Sistema geométrico de Matheios Alicerça-se nas medidas de regiões fixas da face depois de uma certa idade. Todo o trabalho é levado a cabo sobre fotografias tiradas anterior e posteriormente, isto é, no confronto entre fotografias ampliadas, no mesmo tamanho de pessoas suspeitas. Essa técnica assenta-se particularmente em traçar-se uma linha vertical passando pelo dorso do nariz, duas linhas paralelas à primeira passando pelas pupilas e várias linhas horizontais capazes de dividir a face em muitas frações, passando pela base da implantação dos cabelos, pelo meio da testa, pelas asas do nariz, pelos lábios superior e inferior, pelo meio do mento, duas linhas passando por cima e por baixo tangentes às sobrancelhas e uma cortando as pupilas. Subsequentemente, cotejam-se as fotografias sobrepondo-as e comparando as diversas partes divididas. A inconveniência desse método é a classificação. Os resultados práticos obtidos são desanimadores. Sistema dermográfico de Bentham O autor, neste processo, difundia a ideia de identificar todas as pessoas, logo ao nascer, forjando-lhes marcas de tatuagens, método esse que dispensa maiores comentários, embora alguns países o tenham como forma de identificar criminosos ou como forma perversa antes utilizada nos campos de concentração nazistas. Sistema craniográfico de Anfosso Esta técnica preceituava o levantamento dos perfis cranianos e as medidas dos ângulos formados pelos dedos indicador e médio da mão direita por meio de um aparelho, chamado pelo autor “taquiantropômetro”, que tornava mais viáveis aquelas medidas. As ressalvas a essa operação (hoje em completo abandono) ligam-se ao seu restrito aproveitamento de indivíduos avançados em idade, aos obstáculos de recrutamento de pessoal hábil, à grande margem de erros e ao óbice da exatidão das medidas. Sistema otométrico de Frigério Baseia-se na imutabilidade e na pluralidade das formas dos pavilhões auriculares. Tem por meta medir a orelha com um aparelho que o inventor denominou de “otômetro”, empregando a distância entre o pavilhão auricular e a imediata parede craniana (ângulo auriculotemporal), o diâmetro máximo e o diâmetro mínimo da orelha. Sistema oftométrico de Capdeville Esteia-se na detecção da cor e na da medida dos olhos, por meio de um instrumento idealizado por Javard e Schilitz, e modificado por João Maurício Capdeville, cuja técnica é a seguinte: a) medida da curvatura das córneas; b) medida da distância interpupilar; c) medida interorbital máxima; d) anotação de certas particularidades dos olhos. Sistema oftalmoscópico de Levinsohn Consiste na identificação por meio da fotografia do fundo do olho e de suas variabilidades produzidas pelo nervo óptico. Sistema radiológico de Levinsohn Este processo tem seu substrato na radiografia do metacarpo e do metatarso com as consequentes medidas das imagens ósseas. Sistema flebográfico de Tamassia Estriba-se na imutabilidade individual e nas múltiplas ramificações venosas do dorso da mão por meio de fotografias. Sistema flebográfico de Ameuille Em vez de firmar-se nos desenhos fotográficos constituídos pelas veias do dorso das mãos, valeu-se do levantamento fotográfico dos ramos venosos da fronte. Sistema palmar de Stockes e Wild Tem como princípio o registro dos delineamentos dos sulcos palmares. Sistema onfalográfico de Bert e Viamay Adotava a variabilidade formal da cicatriz umbilical, provando a multiplicidade de variações existentes e adaptando esse aspecto à identificação humana. Sistema poroscópico de Locard Esse autor ministrou nesta operação de identidade a individualização e a imutabilidade dos poros com que se abrem, na pele, as glândulas sudoríparas. Fotografia sinalética Preconizada por Bertillon, essa técnica resumia-se em fotografar de frente e de perfil o indivíduo, na redução fixa de 1/7. As fotografias obtidas dessa forma eram superpostas e comparadas em seus menores detalhes, como estatura da fronte, aspecto da fenda palpebral, diâmetros da boca e do nariz, altura do pavilhão auricular, entre outros. Sistema dactiloscópico de Vucetich Este notável processo de identificação foi lançado em 1891 e instituído oficialmente no Brasil em 1903, convertendo-se no método exclusivo e mais eficiente da ciência da identidade, disputando a primazia de excelência com a impressão digital genética do DNA. Juan Vucetich definiu Dactiloscopia como “a ciência que se propõe a identificar as pessoas, fisicamente consideradas, por meio das impressões ou reproduções físicas dos desenhos formados pelas cristas papilares das extremidades digitais”. Chama-se de desenho digital ao conjunto de cristas e sulcos existentes nas polpas dos dedos, apresentando muitas variedades; e de impressão digital ao reverso do desenho, exibindo-se como um ajuntamento de linhas brancas e pretas sobre determinado suporte. Um dos elementos mais importantes do desenho digital é o delta – pequeno ângulo ou triângulo formado pelo encontro dos três sistemas de linhas (Figura 3.26). O delta é a característica fundamental na classificação de uma impressão digital. Esta, todavia, põe à vista dois ou três sistemas lineares: nuclear, basilar e marginal e na união deles o delta. O sistema nuclear é representado por linhas colocadas entre as basilares e as marginais (Figura 3.27). O sistema marginal é constituído pelas linhas superiores que se sobrepõem ao núcleo. E o sistema basilar é composto pelas linhas que ficam na base da impressão digital, isto é, abaixo do núcleo. A presença de um, dois ou nenhum delta em uma impressão digital estabelece os quatro tipos fundamentais do Sistema Dactiloscópico de Vucetich: a) Verticilo. Presença de dois deltas e um núcleo central (Figura 3.28). b) Presilha externa. Presença de um delta à esquerda do observador e de um núcleo voltado em sentido contrário ao delta (Figura 3.29). c ) Presilha interna. Presença de um delta à direita do observador e de um núcleo voltado à esquerda (Figura 3.30). d) Arco. Ausência de deltas e apenas os sistemas de linhas basilares e marginais. Não tem núcleo (Figura 3.31). Esses tipos essenciais são simbolicamente representados por letras maiúsculas para os polegares e por algarismos para o restante dos dedos. Assim: Verticilo: V – 4 Presilha externa: E – 3 Presilha interna: I – 2 Arco: A – 1 Redundando na palavra VEIA, como um meio de memorização. Anotam-se com × os desenhos com defeito, por cicatrizes ou por qualquer alteração, e por 0 (zero) as amputações. Denomina-se fórmula dactiloscópica a sucessão de letras e algarismos que configuram os tipos fundamentais de uma pessoa a partir do polegar direito até o mínimo esquerdo, sentida por meio de uma fração que tem como numerador a mão direita e denominador a mão esquerda (Figura 3.32). Figura 3.26 Delta. Figura 3.27 Núcleo. Figura 3.28 Verticilo. Figura 3.29 Presilha externa. Figura 3.30 Presilha interna. Figura 3.31 Arco. Figura 3.32 Fórmula dactiloscópica. Se a fórmula dactiloscópica é representada por: V – Verticilo – polegar direito; 3. Presilha externa – indicador direito; 3. Presilha externa – médio direito; 3. Presilha externa – anular direito; 4. Verticilo – mínimo direito. I – Presilha interna – polegar esquerdo; 2. Presilha interna – indicador esquerdo; 2. Presilha interna – médio esquerdo; 2. Presilha interna – anular esquerdo; 1. Arco – mínimo esquerdo. O escopo da fórmula dactiloscópica é facilitar o arquivamento. A impressão do polegar da mão direita denomina-se fundamental e é a base da classificação do sistema. O arquivamento original criado pelo autor era feito em dois armários. Ao primeiro eram destinadas as fichas cuja fundamental era A-I-E; e, ao segundo, as fichas cuja fundamental era V, as impressões defeituosas e as de dedos amputados. Como já foi dito, a fórmula dactiloscópica tem o objeto precípuo de tornar mais fácil o arquivamento das fichas. Mas a identidade das impressões digitais é realizada pelo estudo dos pontos característicos (Figura 3.33). Esses pontos são acidentes encontrados nas cristas papilares. Se se evidenciam 12 pontos característicos idênticos, em uma e noutra impressão digital, em mesma localização e sem nenhuma discrepância, a identidade é estabelecida. Os pontos característicos mais comuns são: o ponto, a cortada, a bifurcação, a forquilha e o encerro (Figura 3.34). No assinalamento desses pontos, em primeiro lugar procede-se à ampliação fotográfica da impressão testemunha e da impressão suspeita. Depois, divide-se o desenho em quatro quadrantes, começando-se a marcar os acidentes que se devem iniciar do quadrante superior direito em sentido dos ponteiros do relógio. As linhas que dividem em quadrantes são traçadas da seguinte maneira: a vertical, da característica mais alta à mais baixa; a horizontal, das mais laterais. Posteriormente, procede-se à enumeração dos pontos característicos encontrados em uma impressão e depois na outra, verificando-se, em seguida, a identidade ou a não identidade entre ambas. No estudo de uma impressão digital, notam-se, em cada linha papilar, diversos pontos claros, representados pelos poros. Em um fragmento de impressão, dá-se um grande valor à poroscopia, levando-se em conta, em uma determinada linha, o número, a forma, a posição e a dimensão dos poros sudoríparos (Figura 3.35). Por fim, examinando-se certas impressões digitais, podem-se notar, além dos desenhos das linhas negras papilares e dos espaços correspondentes aos sulcos interpapilares, algumas linhas brancas, de forma, direção e tamanho os mais variados, as quais, em seu conjunto, são conhecidas sob a denominação de “albodactilograma” (Figura 3.36). Figura 3.33 Pontos característicos. Figura 3.34 Pontos característicos. Figura 3.35 Poroscopia. Figura 3.36 Albodactilograma. Para uma melhor visualização dessas linhas, é necessário que, na tomada da impressão digital, sejam usados uma camada de tinta bem fina, papel apropriado e dê-se uma pressão muito delicada. Em sua maioria, são representadas por cicatrizes ou ferimentos. No entanto, algumas delas são resultantes da impressão de cristas muito rasas e de caráter congênito. Neste último caso, os sulcos têm bordas bem regulares e não existe retração do tecido circunvizinho. Essas linhas brancas apresentam um valor muito significativo na identificação, não dificultam a classificação pelo sistema decadactilar, mas podem comprometer a subclassificação, pois, algumas vezes, prejudicam os elementos apreciáveis em uma visualização monodactilar. Têm influência a idade, o sexo, a raça e a atividade profissional. São mais comuns na mão direita e nos polegares e indicadores. Na maioria das vezes, persistem definitivamente e, em outras circunstâncias, aparecem apenas quando a pele se pregueia. Finalmente, pode-se dizer que o método de identificação pelo sistema dactiloscópico de Vucetich é um processo de grande valia e de extraordinário efeito, porque ele apresenta os requisitos essenciais de um bom método: unicidade, praticabilidade, imutabilidade e classificabilidade. Só não apresenta o requisito da perenidade. Registro inicial de identificação (recém-nascidos) Com o advento da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, dispondo sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, ficam os hospitais e os estabelecimentos de atenção à saúde da gestante, públicos ou privados, na obrigação de manter pelo prazo mínimo de 18 anos os meios capazes de identificar o recém-nascido, mediante o registro de sua impressão digital ou plantar e a impressão digital da mãe, sem prejuízo de outros procedimentos recomendados pela autoridade administrativa competente (artigo 10). Muitos admitem até que tais providências sejam tomadas também em relação ao natimorto (Tavares, JF, Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, Rio: Companhia Editora Forense, 1992). O referido Estatuto ainda pune o dirigente ou funcionário responsável que não identificar corretamente, por ocasião do parto, conforme disciplina o artigo 229. O registro inicial de identificação dos recém-nascidos, em face das dificuldades que surgem na tomada das impressões digitais, é a da tomada das impressões plantares, pois essa região mostra as cristas papilares mais salientes que as dos dedos, apresentando também as mesmas características de perenidade e imutabilidade das cristas digitais, além de serem mais salientes que elas. A própria técnica da tomada das impressões plantares é mais simples e mais confortável para o recém-nascido. Recomenda-se, em uma planilha própria, recolher a impressão digital do polegar direito da mãe e a impressão plantar do recém-nato (plantograma ou papilograma), antes do corte do cordão umbilical ou quando o médico assistente achar conveniente, seguindo a técnica de Preller, que considera apenas o registro das impressões da região tenar (na base do primeiro dedo do pé), onde podem ser evidenciados os desenhos, tais como arco transversal, arco vertical oblíquo esquerdo, arco vertical oblíquo direito, delta central, presilha esquerda, presilha direita, verticilo espiral ou circular, verticilo sinuoso, verticilo ovoide, além de figuras, tais como pontos, ilhotas, cortadas, forquilhas, bifurcações, encerros, entre outros. Recentemente, com os recursos das conquistas em biologia celular e molecular, dispõe-se de tecnologias do estudo genético, a partir do princípio de que o DNA (ácido desoxirribonucleico) é estruturado de forma única em cada pessoa e o mais perfeito sistema de individualização e de caracterização dos vínculos de parentesco entre os seres humanos. Uma das técnicas mais conhecidas é a de PCR (polimerase chain reaction), capaz de em uma só célula permitir a identificação individual ou a determinação da paternidade e da maternidade, quando se deparam com os padrões preestabelecidos. A identificação por meio das impressões plantares dos recém-nascidos, a partir do confronto das impressões digitais da mãe, vem acumulando cada vez mais certas dúvidas, em face da limitação da técnica ao interferir negativamente sobre a identificação, principalmente pelo embotamento dos sulcos plantares devido a edema, prematuridade, maceração, impregnação de induto sebáceo, mecônio ou sangue, além dos equívocos e da negligência na tomada das impressões. O uso de pulseiras, mesmo sendo universalmente adotado, tem mostrado que pode haver falhas neste sistema, ora pela falta de preenchimento correto, ora por extravio ou ruptura das pulseiras. Ou simplesmente por dados incompletos ou errados em casos de mães que abandonam o hospital, sendo necessária a prova da vinculação genética. Aquele novo sistema de identificação permite a organização de um banco de material genético específico para as técnicas em DNA, tendo como material de estudo pequenas amostras de sangue (2 gotas) da gestante na sala de parto, por venóclise ou punção digital, e de idênticas amostras obtidas do neonato, geralmente de sangue coletado no cordão umbilical. Esse material seria guardado em suportes protegidos por algodão hidrófilo, no sentido de proteger o material genético, e enviado aos centros de referência, constituindo-se em verdadeiro banco de DNA perinatal (ver Parecer-Consulta CFM no 14/97). No banco de DNA perinatal, o material da coleta será cadastrado em um sistema de administração de dados informatizados, em temperatura adequada e por um tempo não inferior a 18 anos. Somente quando houver alegação de troca de crianças, serão procedidos os verdadeiros testes do estabelecimento ou não do vínculo genético, por meio da coleta de novas amostras de sangue da mãe e do suposto filho. Esse método vem sendo aplicado com sucesso no mundo inteiro, mesmo levando-se em conta o custo de tal tecnologia, desde que utilizado apenas quando necessário. Sua importância ressalta-se mais ainda a partir do momento em que esse material venha a ser usado como instrumento de pesquisa geneticoepidemiológica. 4 TraumatologiaMédico-legal 7. Energias de ordem mecânica: Conceito. Lesões produzidas por ações perfurante, cortante, contundente, perfurocortante, perfurocontundente e cortocontundente. CONCEITO A Traumatologia ou Lesonologia Médico-legal estuda as lesões e estados patológicos, imediatos ou tardios, produzidos por violência sobre o corpo humano, nos seus aspectos do diagnóstico, do prognóstico e das suas implicações legais e socioeconômicas. Trata também do estudo das diversas modalidades de energias causadoras desses danos. É um dos capítulos mais amplos e mais significativos da Medicina Legal, constituindo cerca da metade das perícias realizadas nas instituições especializadas. Seu maior interesse volta-se principalmente para as causas penais, trabalhistas e civis. A convivência no meio ambiental pode causar ao homem as mais variadas formas de lesões produzidas por diversos tipos de energias. Essas energias dividem-se em: • energias de ordem mecânica • energias de ordem física • energias de ordem química • energias de ordem físico-química • energias de ordem bioquímica • energias de ordem biodinâmica • energias de ordem mista. ENERGIAS DE ORDEM MECÂNICA Os meios mecânicos causadores do dano vão desde as armas propriamente ditas (punhais, revólveres, soqueiras), armas eventuais (faca, navalha, foice, facão, machado), armas naturais (punhos, pés, dentes), até os mais diversos meios imagináveis (máquinas, animais, veículos, quedas, explosões, precipitações). As lesões produzidas por ação mecânica no ser humano podem ter suas repercussões externa ou internamente. Podem ter como resultado o impacto de um objeto em movimento contra o corpo humano parado (meio ativo), ou o instrumento encontrar-se imóvel e o corpo humano em movimento (meio passivo), ou, finalmente, os dois se acharem em movimento, indo um contra o outro (ação mista). Esses meios atuam por pressão, percussão, tração, torção, compressão, descompressão, explosão, deslizamento e contrachoque. De conformidade com as características que imprimem às lesões, os meios mecânicos classificam-se em: • perfurantes • cortantes • contundentes • perfurocortantes • perfurocontundentes • cortocontundentes. E, por sua vez, produzem, respectivamente, feridas puntiformes, cortantes, contusas, perfurocortantes, perfurocontusas e cortocontusas. Não aceitamos as denominações feridas dilacerantes, cortodilacerantes, perfurodilacerantes e contusodilacerantes pelo fato de não existirem instrumentos dilacerantes, cortodilacerantes, perfurodilacerantes nem, tampouco, contusodilacerantes. As feridas, por exemplo, produzidas por fragmentos de vidro, lança, dentes ou explosão, ainda que venham a apresentar perdas vultosas de tecidos, não deixam de ser cortantes, perfurocortantes, cortocontusas e contusas, correspondentemente. Lesões produzidas por ação perfurante As lesões causadas por meios ou instrumentos perfurantes, de aspecto pontiagudo, alongado e fino, e de diâmetro transverso reduzido, têm características bem próprias. Como exemplos mais comuns destes instrumentos apontam-se o estilete, a sovela, a agulha, o florete e o furador de gelo, os quais quase sempre atuam por percussão ou pressão, afastando as fibras do tecido e, muito raramente, seccionando-as. Figura 4.1 Ferimentos punctiformes (garfo). As lesões oriundas desse tipo de ação denominam-se feridas punctiformes ou punctórias, pela sua exteriorização em forma de ponto (Figura 4.1). Têm como características a abertura estreita; são de raro sangramento, de pouca nocividade na superfície e, às vezes, de certa gravidade na profundidade, em face desse ou daquele órgão atingido; e, por fim, quase sempre de menor diâmetro que o do instrumento causador, graças à elasticidade e à retratilidade dos tecidos cutâneos. O trajeto dessas feridas é representado por um túnel estreito que se continua pelo tecido lesado, representado no cadáver por uma linha escura. O ferimento de saída, quando isso ocorre, é em geral mais irregular e de menor diâmetro que o de entrada, em face do instrumento atuar nessa fase através de sua parte mais afilada. Quando o instrumento perfurante é de médio calibre, a forma das lesões assume aspecto diferente, obedecendo às leis de Filhos (Edouard Filhos) e Langer (Karl Ritter von Langer): a) primeira lei de Filhos: as soluções de continuidade dessas feridas assemelham-se às produzidas por instrumento de dois gumes ou tomam a aparência de “casa de botão” (Figura 4.2); b) segunda lei de Filhos: quando essas feridas se mostram em uma mesma região onde as linhas de força tenham um só sentido, seu maior eixo tem sempre a mesma direção (Figura 4.2); c) lei de Langer: na confluência de regiões de linhas de forças diferentes, a extremidade da lesão toma o aspecto de ponta de seta, de triângulo, ou mesmo de quadrilátero. As feridas produzidas por instrumentos perfurantes de médio calibre, de acordo com a região atingida, tomam as seguintes direções: Figura 4.2 Lesões produzidas por instrumento de médio calibre (furador de gelo). • Pescoço ο linha média: no sentido dos músculos hióideos ο face lateral: no sentido do músculo esternocleidomastóideo ο face posterior: no sentido do músculo trapézio • Tórax ο face anterolateral: no sentido dos feixes do músculo peitoral maior ou no sentido do músculo serrátil maior ο face posterior: no sentido do músculo romboide • Abdome ο linha média: no sentido dos músculos retos abdominais ο face anterolateral: no sentido dos feixes do músculo oblíquo maior ο face posterior: no sentido dos feixes do músculo transverso • Membro superior ο face anterior: braço, no sentido dos feixes do músculo bíceps braquial; antebraço, no sentido dos feixes pronador redondo e do flexor radial do carpo ο face posterior: braço, no sentido dos feixes do deltoide; no sentido do tríceps braquial; antebraço, no sentido dos feixes do músculo extensor dos dedos • Membro inferior ο face anterior: coxa, no sentido dos feixes do músculo costureiro; no sentido dos feixes do músculo reto da coxa; perna, no sentido dos feixes do músculo tibial anterior ο face posterior: coxa, no sentido dos feixes do músculo grácil; perna, no sentido dos feixes do músculo gastrocnêmio • Região glútea ο no sentido dos feixes do músculo glúteo máximo. Somente no vivo esses ferimentos tomam tais direções, em virtude da elasticidade e da retratilidade dos tecidos. As lesões produzidas nos órgãos profundos assumem forma de acordo com sua estrutura fibrosa, cartilaginosa, óssea etc. Nos órgãos constituídos de várias túnicas, como, por exemplo, o estômago, as lesões são orientadas em sentidos diversos: a serosa se mostra com a solução de continuidade alongada; a túnica muscular tem o ferimento em direção às próprias fibras musculares; e, na mucosa, há uma terceira direção, distinta das outras. Em seu trajeto, os instrumentos perfurantes podem produzir ferimentos que terminam em fundo de saco, em uma cavidade, ou podem transfixar um segmento, redundando assim em dois orifícios: um de entrada e outro de saída, além de um trajeto. O orifício de entrada, como já se disse, tem formato de ponto, de reduzidas dimensões e pouco sangrante. O orifício de saída, quando existe, é muito parecido com o de entrada, apresentando, no entanto, suas bordas discretamente evertidas. O trajeto dependerá, no que diz respeito à sua profundidade, do tamanho do instrumento ou da pressão utilizada pelo agressor. No entanto, não se pode estabelecer o comprimento do meio perfurante pela profundidade de penetração. Além de nem sempre penetrar em toda a sua extensão, pode ainda variar essa profundidade com a posição da vítima. Pode acontecer de a profundidade de penetração ser maior que o próprio comprimento da arma quando esta, por exemplo, atinge uma região onde haja depressibilidade dos tecidos superficiais, como no ventre. Lacassagne chamou essas lesões de “feridas em acordeão”. A gravidade desses ferimentos depende do caráter vital dos órgãos e estruturas atingidos ou da eventualidade de infecções supervenientes. Sua causa jurídica é, na maioria das vezes, homicida e, mais raramente, de origem acidental ou suicida. Lesões produzidas por ação cortante Os meios ou instrumentos de ação cortante agem através de um gume mais ou menos afiado, por um mecanismo de deslizamento sobre os tecidos e, na maioria das vezes, em sentido linear. A navalha, a lâmina de barbear e o bisturi são exemplos de agentes produtores dessas ações. As feridas produzidas por essa forma de ação, preferimos denominá-las, embora não convenientemente, feridas cortantes, em vez de “feridas incisas”, deixando esta última expressão para o resultado da incisão verificada em cirurgia, cujas características são bem diversas daquelas das feridas produzidas pelos mais distintos meios cortantes, como também admitem Bonnet, Patitó, Lachica, Guido Berro Rovira, Teke e Achával, entre tantos. Essa preferência se dá pelo fato de que há momentos em que temos de distingui-las. Se em determinada perícia encontram-se ferimentos produzidos por arma branca e outros provenientes de incisões cirúrgicas, temos de fazer a diferença entre eles. Se em uma descrição o perito afirma existir uma ferida “com as características das produzidas por uma incisão cirúrgica”, alguém pode indagar quais são tais características que permitiram ao legista afirmar com convicção tal fato. Daí a necessidade de se estabelecerem não só suas reais particularidades como se ter uma nomenclatura própria. Malgrado todo esforço, “cortante” foi a expressão encontrada para rotular a ferida produzida por instrumento de gume diverso do bisturi. A ferida da incisão cirúrgica começa e termina a pique, em uma mesma profundidade que se estende de um extremo ao outro. Tem bordas bem regulares e excepcionalmente apresenta cauda de escoriação. Já as feridas cortantes têm suas extremidades mais superficiais e a parte mediana mais profunda, nem sempre se apresentando de forma regular. Tem como característica principal a chamada “cauda de escoriação”. São também conhecidas como feridas fusiformes (em forma de fuso) (Figura 4.3). Essas feridas diferenciam-se das demais lesões pelas seguintes características: • forma linear • regularidade das bordas • regularidade do fundo da lesão • ausência de vestígios traumáticos em torno da ferida • hemorragia quase sempre abundante • predominância do comprimento sobre a profundidade • afastamento das bordas da ferida • presença de cauda de escoriação voltada para o lado onde terminou a ação do instrumento • vertentes cortadas obliquamente • centro da ferida mais profundo que as extremidades • paredes da ferida lisas e regulares • perfil de corte de aspecto angular, quando o instrumento atua de forma perpendicular, ou em forma de bisel, quando o instrumento atua em sentido oblíquo ao plano atingido. A forma linear da ferida é devida à ação cortante por deslizamento, principalmente quando um instrumento afiado atua em sentido perpendicular à pele. Figura 4.3 Ferida produzida por meio cortante (cauda de escoriação voltada para baixo). (Arquivo do Prof. Nilo Jorge Rodrigues Gonçalves.) Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. A regularidade das bordas das feridas cortantes deve-se ao gume mais ou menos afiado do instrumento usado. São geralmente retilíneas graças à ação de deslizamento, embora, algumas vezes, possam apresentar-se curvas ou em ziguezague pelo enrugamento momentâneo ou permanente da região atingida. Esses desvios, no entanto, não produzem irregularidade das bordas da ferida. A regularidade do fundo da lesão tem as mesmas explicações anteriores, devendo, portanto, aos gumes afiados dos instrumentos utilizados. Nesses tipos de ferimentos, não há vestígios de outra ação traumática, em virtude da ação rápida e deslizante do instrumento e, ainda, pelo fio de gume, que não permite uma forma de pressão mais intensa sobre os tecidos lesados. Assim, não se observam escoriações, equimoses ou infiltração hemorrágica nas bordas ou em volta da ferida, nem, tampouco, pontes de tecido ligando uma vertente da ferida à outra. Quase sempre a hemorragia é vultosa, devido à fácil secção dos vasos, que, não sofrendo hemostasia traumática, deixam seus orifícios naturalmente permeáveis. Outro fato explicativo desse fenômeno é a maior retração dos tecidos superficiais, deixando o sangramento se processar livremente. Tanto mais afiado o gume do instrumento, a profundidade da lesão e a maior riqueza vascular da região atingida, mais abundante será a hemorragia. O comprimento predomina sobre a profundidade nessas feridas, fato este devido à ação deslizante do instrumento, à extensão usual do gume, ao movimento em arco exercido pelo braço do agente e ao abaulamento das muitas regiões ou segmentos do corpo. A extensão da ferida é quase sempre menor da que realmente foi produzida, em virtude da elasticidade e da retração dos tecidos moles lesados. Nas regiões onde esses tecidos são mais ou menos fixos, como, por exemplo, nas palmas das mãos e nas plantas dos pés, essas dimensões são teoricamente iguais. O afastamento das bordas da ferida cortante tem explicação na elasticidade e tonicidade dos tecidos e é mais acentuado onde os tecidos cutâneos são mais solicitados pela ação muscular, como no pescoço e, ao contrário, onde essas solicitações não se mostram tão evidentes. Mais uma vez, o exemplo são as plantas dos pés e as palmas das mãos. A retração dos tecidos é um fenômeno exclusivo das lesões in vivo e depende do coeficiente de elasticidade de cada tecido. A maior retração é a da pele, seguindo de forma descendente na tela subcutânea, nos vasos sanguíneos, nos músculos e no tecido fibroso. O instrumento cortante, agindo por deslizamento e seguindo uma direção em semicurva (como um arco de violino) condicionada pelo braço do agressor ou pela curvatura da região ou do segmento atingido, deixa, no final do ferimento, e apenas na epiderme, uma cauda de escoriação. Isso, no entanto, não se constitui em regra geral. Há autores que consideram cauda inicial e cauda terminal. Contra isso nos opomos por considerar que caudal é o mesmo que terminal. Cauda terminal é redundância. O início do ferimento é mais brusco e mais fundo: portanto, não pode apresentar-se em forma de cauda. Ao determinar-se cauda de escoriação, subentende-se que é a parte final da ação que provocou a lesão, caracterizada pelo traço escoriado superficial da epiderme. Esse elemento tem grande importância no diagnóstico da direção do ferimento, na diferença entre homicídio e suicídio, na forma de crime e na posição do agressor. Como a elasticidade e a retração dos tecidos moles são distintas nos diversos planos, mais acentuadamente da superfície para a profundidade, as vertentes da ferida são cortadas obliquamente. Levando-se em conta que geralmente o ferimento começa e termina mais superficial, pela ação em arco já descrita, o centro da ferida é sempre mais profundo. Essa profundidade, entretanto, não é muito acentuada. É difícil um tipo de instrumento cortante capaz de alcançar órgãos cavitários ou vitais, exceção feita ao pescoço, onde a morte pode sobrevir pela síndrome de “esgorjamento”. As paredes da ferida são lisas e regulares , a não ser quando são atingidos planos superpostos de estrutura e elasticidade diferentes, o que provoca desigualdade deste segmento de tecidos. Se as feridas cortantes pudessem ser mostradas em corte sagital, teriam um perfil de aspecto angular, de abertura para fora, ou seja, bem afastadas na superfície e seu término em ângulo agudo, em uma legítima forma de V, isso quando o instrumento de corte age de forma perpendicular sobre o plano ou segmento. Se, porém, o instrumento de corte atua obliquamente, sua forma é em bisel. O diagnóstico das feridas produzidas por ação cortante é relativamente fácil. A dificuldade podese apresentar à distinção dos mais diversos instrumentos porventura utilizados. Uma questão de suma importância é a ordem das lesões que se cruzam. Como a segunda lesão foi produzida sobre a primeira, de bordas já afastadas, coaptando-se às margens de uma das feridas, sendo ela a primeira a ser produzida, a outra não segue um trajeto em linha reta (sinal de Chavigny). Esse fato não interessa apenas ao legista, mas também ao cirurgião, no sentido de suturar as feridas pela ordem de agressão. A data das feridas será avaliada pela evolução de sua própria cicatrização. Quanto ao aspecto de terem sido as lesões produzidas in vitam ou post mortem, será discutido em um item próprio do capítulo Tanatologia. O prognóstico desses ferimentos é, em geral, de pouca gravidade, a não ser que sejam eles profundos e venham a atingir vasos ou nervos, e até mesmo órgãos, como no esgorjamento, levando a vítima, em muitas ocasiões, à morte. No tocante à causa jurídica das feridas cortantes, devem-se levar em conta, entre outros dados, o número de lesões, as regiões atingidas, a direção, a profundidade e a regularidade. Aqui, ninguém pode esquecer as clássicas lesões de defesa – nas mãos, nos braços e até mesmo nos pés. Em tese, as feridas cortantes são mais acidentais e homicidas que suicidas. Levar em conta que tais lesões, chamadas de defesa, podem também ser resultantes de ações perfurantes, perfurocortantes, cortocontundentes e contundentes. Dentro do conjunto das lesões produzidas por ação cortante, existe o que se chama de esquartejamento, traduzido pelo ato de dividir o corpo em partes (quartos), por amputação ou desarticulação, quase sempre como modalidade de o autor livrar-se criminosamente do cadáver ou impedir sua identificação (Figura 4.4 A). A castração é também uma lesão produzida por ação cortante e tem na maioria das vezes a finalidade e o instinto de vingança (Figura 4.4 B). A decapitação é também de ocorrência rara e se traduz pela separação da cabeça do corpo e pode ser oriunda de outras formas de ação além da cortante. Sua etiologia pode ser acidental ou homicida e, mais raramente, suicida. Observam-se com mais frequência as decapitações depois da morte, como forma de prejudicar a identificação da vítima (Figura 4.5 A). A s feridas profundas da parede abdominal , conhecidas sob o rótulo de haraquiri, ainda que fortuitas, não se pode dizer que elas não ocorram, principalmente levando-se em conta as colônias japonesas entre nós. As lesões mais comuns nesses episódios são o amplo ferimento, as grandes hemorragias, as eventrações e as eviscerações. Essas feridas podem ainda ser produzidas como forma de estigmatizar a vítima, viva ou depois da morte, para enfeiá-la ou deixar a marca de seus executores ou de suas facções (Figura 4.5 B). Figura 4.4 A. Esquartejamento (IML/BA). B. Castração e feridas perfurocortantes (Arquivo do Prof. Penna Lima). Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. Figura 4.5 A. Decapitação (IML/DF). B. Feridas estigmatizantes. (Arquivo do Prof. Luiz Rodolpho Penna Lima.) A figura B encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. Figura 4.6 Esgorjamento suicida. (Arquivo do Prof. Nilo Jorge Rodrigues Gonçalves.) Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. Figura 4.7 Esgorjamento homicida. Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. Finalmente, neste contexto há ainda um tipo de lesão conhecida por esgorjamento e que se caracteriza por uma longa ferida transversal do pescoço, de significativa profundidade, lesando além dos planos cutâneos, vasculonervosos e musculares, órgãos mais internos como esôfago, laringe e traqueia. Sua etiologia pode ser homicida ou suicida. Nos casos de suicídio, quando o indivíduo é destro, o ferimento se dá da esquerda para a direita, sua localização é mais anterolateral esquerda e termina ligeiramente voltada para baixo. Sua profundidade é maior no início da lesão, pois no final da ação a vítima começa a perder as forças. As lesões da laringe e da traqueia no suicídio são menos graves. Podem ocorrer nesses casos várias marcas no pescoço traduzidas por tentativas frustradas, principalmente quando elas são paralelas e próximas umas das outras. Na maioria das vezes, a mão da vítima que segura a arma está suja de sangue. A morte, nesses casos, se verifica por hemorragia, pela secção dos vasos do pescoço; por asfixia, devido à secção da traqueia e aspiração do sangue; e por embolia gasosa, por secção das veias jugulares (Figuras 4.6 e 4.7). Nos casos de homicídio, há características bem diversas que podem fazer a diferença com o suicídio. O autor desta ocorrência homicida sempre se coloca por trás da vítima, provocando um ferimento da esquerda para direita, em sentido horizontal, uniforme, terminando com a mesma profundidade do seu início, mas ligeiramente voltada para cima, atingindo algumas vezes a coluna vertebral, onde é comum ficar a marca do instrumento usado (ver direção da ferida em Causas Jurídicas da Morte – Capítulo 17). Armas brancas As armas brancas são assim chamadas pela brancura e pelo brilho de suas lâminas, enquanto as “armas negras”, por serem feitas de ferro ordinário, sem gume e sem brilho. As armas brancas são caracterizadas pela agressividade de seu gume afiado ou de sua extremidade pontiaguda ou de ambos de uma vez só, e pelo uso dependente do manejo da ação humana. Tantas são as suas formas, tamanhos e utilidades que um conceito mais preciso se torna difícil. Seus exemplos mais comuns são: punhal, florete, estoque, navalha e faca-peixeira. Habitualmente usados para o ataque ou a defesa, alguns instrumentos assim considerados também são destinados a outros fins como trabalhos artesanal, culinário ou doméstico. Em geral, classificam-se quanto à forma de agir em quatro espécies: perfurantes (forma alongada, largura pouco significante e ponta afilada), cortantes (lâmina de pouca espessura e gume afiado), perfurocortantes (de lâmina estreita e extremidade pontiaguda) e, também admitidas por alguns, as cortocontundentes (de gume mais ou menos afiado e de peso considerável, o que dá ao instrumento maior poder de dano). Quanto a sua forma, dividem-se em arma branca laminar com ponta e fio (bisturi, adaga), arma branca laminar com fio (navalha), arma branca laminar com ponta (punhal, sabre) e arma branca cilíndrica com ponta (florete, estilete). As armas brancas clássicas são constituídas de um cabo ou empunhadura e de uma lâmina, mas podem se constituir em uma única peça. No ponto de união entre o cabo e a lâmina pode existir uma estrutura mais larga que a lâmina chamada cruz ou guarda-mão cuja finalidade é proteger a mão do gume da arma. A lâmina apresenta duas bordas, duas faces e uma ponta. Em geral, uma borda é romba e a outra é afiada, podendo, em casos mais raros, ter um duplo fio, sendo chamadas de armas “vazadas”. Nas faces pode haver uma depressão rasa e longitudinal que serve para dar maior flexibilidade e mais resistência do material. Há uma crença popular de que essas fendas servem para entrada de ar e que isso levaria ao agravamento da lesão. Lesões produzidas por ação contundente Entre os agentes mecânicos, os instrumentos contundentes são os maiores causadores de dano. Sua ação é quase sempre produzida por um corpo de superfície, e suas lesões mais comuns se verificam externamente, embora possam repercutir na profundidade. Agem por pressão, explosão, deslizamento, percussão, compressão, descompressão, distensão, torção, fricção, por contragolpe ou de forma mista. São meios ou instrumentos geralmente com uma superfície plana, a qual atua sobre o corpo humano, produzindo as mais diversas modalidades de lesões. Essa superfície pode ser lisa, áspera, anfratuosa ou irregular. Geralmente esses meios são sólidos e, com maior frequência, líquidos ou gasosos. A contusão pode ser ativa, passiva ou mista, de conformidade com o estado de repouso ou de movimento do corpo ou do meio contundente. É ativa a contusão quando apenas o meio ou o instrumento se desloca. É passiva quando só o corpo humano está em movimento. As mistas também são chamadas de biconvergentes ou biativas (quando o corpo humano e o instrumento se movimentam com certa violência). O resultado da ação desses meios ou instrumentos é conhecido geralmente por contusão. As lesões produzidas por essa forma de energia mecânica sofrem uma incrível variação. Entre elas, distinguem-se as variedades descritas a seguir. Rubefação. Não chega a ser uma lesão, sob o ponto de vista anatomopatológico, por não apresentar significativas e permanentes modificações de ordem estrutural, mas o é sob o ângulo da Medicina Legal. Qualquer alteração da normalidade individual de origem violenta interessa ao estudo e à análise técnico-pericial. A rubefação ou eritema traumático caracteriza-se pela congestão repentina e momentânea de uma região do corpo atingida pelo traumatismo, evidenciada por uma mancha avermelhada, efêmera e fugaz, que desaparece em alguns minutos, daí sua necessidade de averiguação exigir brevidade. Seu surgimento é imediato ao trauma. A bofetada na face ou nas nádegas de uma criança, onde muitas vezes ficam impressos os dedos do agressor, configura exemplo dessa tipificação lesional. Ao se restabelecer a normalidade circulatória regional atingida, desaparecem todos os seus vestígios. A rubefação é a mais humilde e transitória de todas as lesões produzidas por ação contundente. Knight chama a atenção para o fato da possibilidade de se encontrar na pele do cadáver, em contato com calor, uma zona de rubefação (pseudoeritema) até uma hora depois da cessação da circulação. Escoriação. Tem quase sempre como origem a ação tangencial dos meios contundentes. Pode ser encontrada isolada ou associada a outras modalidades de lesões contusas mais graves. Tem pouco significado clínico, mas assume um valor indiscutível na perícia médico-legal. Define-se, de forma mais simples, como o arrancamento da epiderme e o desnudamento da derme, de onde fluem serosidade e sangue. Simonin chamou-a de erosão epidérmica e Dalla Volta de abrasão. Essa singela lesão epidérmica, que não traz um maior valor aos clínicos e cirurgiões pela sua irrelevante importância médica, tem, no entanto, para a Medicina Legal, um valor transcendental. Afirma Olympio Pereira da Silva, quando se refere à importância para o médico legista de uma simples escoriação. “Vale, para este, como o ponteiro da bússola para o navegante indeciso; como o facho de luz para quem tateia na escuridão; como o dedo providencial que aponta o pormenor interessante na tela multifária da paisagem” (in Medicina Legal, Rio de Janeiro: Editora Liber Juris, 1974, p. 94). Escoriação típica é aquela em que apenas a epiderme sofre a ação da violência. Quando a derme é atingida, não é mais escoriação, e sim uma ferida. A escoriação não cicatriza, não deixa marcas. A regeneração da área lesada é por reepitelização. Há o restitutio ad integrum. Quando a ação atinge as cristas das papilas dérmicas, a crosta não é serosa, como na escoriação típica, mas de constituição sero-hemática ou hemática, seguindo-se a uma tonalidade amareloavermelhada até um final pardacento, quando a crosta vai-se despregando, pouco a pouco, da periferia para o centro, deixando uma área despigmentada. Nas escoriações produzidas post mortem, não há formação de crosta; a derme é branca e não sugila serosidade nem sangue de suas papilas. O leito da escoriação produzida depois da morte é seco, descorado e apergaminhado. Escoriação que deixa cicatriz não é escoriação. O único vestígio de recenticidade é uma mancha rósea, descorada, que desaparece com poucos dias. A idade de uma escoriação tem fundamental interesse médico-legal, e isto é feito através da observação cuidadosa do aspecto da lesão, da crosta e da coloração concernente ao tempo de reepitelização. A forma dessa lesão também tem importância pericial. Como na sua maioria as escoriações são produzidas por ação contundente, elas têm a forma de placa. Algumas vezes, o instrumento ou meio causador da escoriação deixa impresso, no corpo da vítima, sua marca. Os saltos de sapato, as palmatórias e as fivelas de cintos são exemplos dessa natureza. Mesmo que as escoriações sejam estudadas entre as lesões produzidas por ação contundente, a observação delas tem demonstrado que outros tipos de ação também produzem tais alterações. Assim, não é nenhuma surpresa uma escoriação desse tipo ter sido produzida por pedaços de vidro, agulhas, pregos, farpas de arame, pontas de faca-peixeira, lâminas de barbear, unhas, entre outros. Todavia, nessas circunstâncias, a escoriação tem sempre a forma linear: retilínea, curva, sinuosa, curta, longa, em estrias, em faixas etc. A sede da escoriação não deixa de ter certa relevância na perícia da vítima ou do agressor, principalmente no que diz respeito à natureza da agressão ou da defesa. Escoriações ungueais ou rastros escoriativos ungueais, no pescoço ou em volta das asas do nariz, são importantes na suposição homicida (Figura 4.8). Nas coxas, nas mamas, nos genitais externos, nas nádegas, supõe-se parte de agressão sexual. Outro elemento de realce é o número dessas lesões. Se múltiplas, em várias regiões e de formas diversas, levanta-se a hipótese de traumatismos sucessivos, como, por exemplo, nos atropelamentos. Lesões de formas idênticas, mesmo em regiões diferentes, pode-se pensar em sevícias, principalmente quando são de cronologia diferente. Figura 4.8 Rastros escoriativos ungueais. Equimose. Trata-se de lesões que se traduzem por infiltração hemorrágica nas malhas dos tecidos (Figura 4.9). Para que ela se verifique, é necessária a presença de um plano mais resistente abaixo da região traumatizada e de ruptura capilar, permitindo, assim, o extravasamento sanguíneo. Em geral, são superficiais, mas podem surgir nas massas musculares, nas vísceras e no periósteo. Thoinot dizia que a equimose era uma prova irrefutável de reação vital. Quando se apresenta em forma de pequenos grãos, recebe o nome de sugilação e, quando em forma de estrias, toma a denominação de víbice (Figura 4.10). E petéquias, pequenas equimoses, quase sempre agrupadas e caracterizadas por um pontilhado hemorrágico. Equimona, como sinônimo de equimose de grande proporção, é expressão pouco usada entre nós. As equimoses nem sempre surgem de imediato ou nos locais de traumatismo. Não é muito raro, nos traumatismos cranioencefálicos mais graves, surgirem tardiamente equimoses palpebrais, subconjuntivas, mastóideas, faríngeas e, com menos frequência, cervicais. Uma contusão no terço médio do braço pode ocasionar uma equimose na prega anterior do cotovelo. Pode ela também ser de origem espontânea, mais comum nos braços e nas coxas das mulheres. A forma das equimoses significa muito para os legistas. Às vezes, imprime a marca dos objetos que lhe deram origem (equimoses figuradas) com mais fidelidade do que as escoriações. Dedos de uma mão, anéis, pneus de automóveis (estrias pneumáticas de Simonin) e tranças de corda podem deixar suas impressões em regiões atingidas (Figura 4.11). A equimose de sucção, provocada pelo beijo, imprime, vez por outra, em locais como o pescoço e o colo, a forma dos lábios, explicada pela diferença das pressões infra e extravasal, dando um aspecto de “violetas róseo-equimóticas”. Figura 4.9 Equimose palpebral. Figura 4.10 Víbices (IML-DF). Quando a equimose é produzida por objetos cilíndricos, como bastões, cassetetes, bengalas, deixa, em vez de uma marca, duas equimoses longas e paralelas, conhecidas por víbices, em virtude de o extravasamento do sangue verificar-se ao lado do traumatismo e não na sua linha de impacto. A tonalidade da equimose é outro aspecto de grande interesse médico-pericial. De início, é sempre avermelhada (Figura 4.11). Depois, com o correr do tempo, ela se apresenta vermelhoescura, violácea, azulada, esverdeada e, finalmente, amarelada, desaparecendo, em média, entre 15 e 20 dias. Essa mudança de tonalidades que se processa em uma equimose tem o nome de “espectro equimótico de Legrand du Saulle”. Em geral, é vermelha no primeiro dia, violácea no segundo e no terceiro, azul do quarto ao sexto, esverdeada do sétimo ao 10o, amarelada por volta do 12o dia, desaparecendo em torno do 15o ao 20o. O valor cronológico dessas alterações é relativo. O tempo de duração e por consequência a implicação na modificação da tonalidade das equimoses variam de acordo com a quantidade e a profundidade do sangue extravasado, com a elasticidade do tecido que pode ou não facilitar a reabsorção, com a capacidade individual de coagulação, com a quantidade e o calibre dos vasos atingidos e com algumas características das vítimas como idade, sexo, estado geral etc. Por isso, este valor cronológico é relativo. Figura 4.11 Estrias pneumáticas de Simonin. (Arquivo do Prof. Penna Lima.) Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. As equimoses podem até ser vistas melhor ou mesmo identificadas quando são pouco evidentes ou não visíveis, como em pessoas de pele escura, se examinadas sob o efeito da luz ultravioleta (toda luz ultravioleta não é da lâmpada de Wood). Todavia, esse recurso não é o bastante para se avaliar a idade da equimose e, por conseguinte, o tempo da contusão. O meio utilizado ainda é o critério clínico pela inspeção baseando-se na tonalidade da equimose, mesmo sob um prisma subjetivo. As equimoses da conjuntiva ocular não sofrem a sucessão de tonalidades em virtude de ser a conjuntiva muito porosa e de oxigenação fácil, não permitindo que a oxi-hemoglobina se transforme e se decomponha. Esta se mantém de colorido vermelho até sua total reabsorção (Figura 4.12). A sucessão das diversas tonalidades noutras regiões tem como explicação a transformação da hemoglobina extravasada das hemácias em hematina e globina. A primeira vai-se reduzindo aos seus produtos finais de decomposição – a hematoidina e a hemossiderina. Essa variação de tonalidades se processa, na maioria das vezes, da periferia para o centro da mancha equimótica, até seu desaparecimento total. Há certas causas que retardam ou aceleram a absorção das equimoses. Na criança, é mais rápida que nos velhos. Será tanto mais lenta quanto mais extenso, mais profundo e mais abundante for o extravasamento hemorrágico. No morto, a equimose mantém seu colorido até surgirem os fenômenos putrefativos que lhe modificam as peculiaridades. A absorção dos pigmentos verifica-se por atividade fagocitária. Esse dado é importante à perícia, pois algum tempo mais tarde pode esse pigmento ser encontrado na rede ganglionar da região atingida, mesmo após o desaparecimento da equimose (sinal de Kunckel). Também pode ser realizado o estudo histológico da evolução das equimoses. Módica, em Viena, emprestou a maior contribuição a este aspecto. Observou que, nas primeiras 24 h, as hemácias se descoram; no terceiro dia, se descoram muito mais e se deformam; no quarto dia, surgem células fagocitárias; no nono dia, maior é a destruição das hemácias e os fagócitos digerem glóbulos e pigmentos; no 12o dia, todos os glóbulos estão rotos; e, no 18o, predominam as células pigmentárias e as hemácias estão todas destruídas. A hemoglobina se mantém nos glóbulos apenas no primeiro dia, depois difunde-se nos tecidos. No terceiro dia, surge hemossiderina e só muito mais tarde aparece a hematoidina, que, segundo Düerck, permanece cristalizada até 60 dias. Não se deve esperar que essa evolução seja cronometricamente certa. Figura 4.12 Equimoses palpebral e conjuntival. (Arquivo do Prof. Guido Berro.) Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. O diagnóstico diferencial da equimose deve ser feito com o livor hipostático. A equimose apresenta sangue coagulado, presença de malhas de fibrina, infiltração hemorrágica, presença em qualquer lugar do corpo, sangue fora dos vasos, rupturas de vasos e mais particularmente de capilares, sinais de transformação de hemoglobina e ausência de meta-hemoglobina. O livor hipostático mostra sangue não coagulado, ausência de malhas de fibrina, ausência de infiltração hemorrágica, presença em locais específicos – é visível nas zonas de decúbito –, integridade de vasos capilares, sangue dentro dos vasos, ausência de transformação hemoglobínica, presença de meta-hemoglobina neutra e sulfídrica vista através da espectroscopia. É importante também sua diferença com as equimoses não traumáticas, como as que ocorrem em certas doenças, a exemplo da púrpura, do eritema nodoso, do escorbuto e das doenças de Werlhof e de Barlow. As equimoses profundas mais habituais são as petéquias pequeninas e arredondadas, vistas por transparência através das serosas das vísceras ou de certas regiões, como as equimoses subpleurais e subpericárdicas (sinal de Tardieu), ou no tecido subpalpebral, quando das asfixias mecânicas. Não confundir a hipóstase visceral com equimose. Sendo assim, o estudo das equimoses empresta um grande subsídio ao perito médico-legal. Sua tonalidade permite esclarecer a idade. Sua forma pode denunciar o tipo de instrumento que a produziu (Figura 4.11). E o local em que ela se encontra conduz a uma avaliação sobre a natureza da causalidade jurídica. A localização e o aspecto das contusões, como também sua multiplicidade, embora de valor significativo na conclusão de vários traumatismos, podem ter causas diversas. Balthazard foi, certa vez, chamado para examinar o corpo de um homem encontrado morto em um bordel, onde passara a noite com uma mulher. Na manhã seguinte, ela fugira e o cadáver apresentava várias equimoses no lado esquerdo. A polícia pensou em crime. Após o mestre necropsiar o corpo, provou ter havido hemorragia cerebral com hemiplegia consecutiva. Cada vez que ele tentava levantar-se, caía sempre do mesmo lado: o da hemiplegia. E as equimoses nada mais representavam senão cada impacto do corpo nas tentativas de erguer-se. Por fim, devemos considerar que para a formação de uma equimose é necessário que o indivíduo esteja vivo, permitindo assim que o fenômeno se processe e se organize por meio da homodinâmica. São necessários traumatismo, ruptura capilar, extravasamento sanguíneo, circulação ativa e sua infiltração progressiva através da pulsação continuada dos pequenos vasos nas malhas dos tecidos atingidos. Logo, a equimose só pode ser verificada em vida. Simonin afirma que “uma equimose nitidamente caracterizada por sangue coagulado incorporado às malhas do tecido prova que a lesão se deu em vida” (in Medicina Legal Judicial, 2a edição em espanhol, Barcelona: Editorail Jims, 1973, p. 69). Falando sobre as equimoses, Alberto Teke diz que “são sempre vitais, isto é, não se produzem no cadáver” (in Medicina Legal, 2a edição, Santiago: Publicaciones Técnicas Mediterraneo, 2001, p. 54). Emilio Pablo Bonnet observa de forma enfática: “a equimose é uma lesão vital por excelência.” E cita Thoinot que de forma dogmática sintetiza: “a equimose é uma prova irrefutável de que a contusão teve lugar em vida” (in Medicina Legal, 2a edição, volume I, Buenos Aires: Lopez Libreros Editores, 1980, p. 447), ou seja, só o vivo tem o poder de reagir e ter em consequência este tipo de lesão. José Nagel Patitó se reporta da seguinte maneira: “Em resumo a equimose se caracteriza por: estado cutâneo, ruptura de elemento vascular, existência de condições de hemodinâmica ativa, extravasamento hemático e infiltração hemática tissular. Por tudo isto, a equimose é uma lesão vital” (in Tratado de Medicina Legal y Elementos de Patologia Forense, Buenos Aires: Editorial Quorum, 2003, p. 433). Flamínio Fávero assegura que “uma equimose que se apresente com tonalidade própria à sua evolução, traduz fenômeno vital, indicando, pois, que, na ocasião, a vítima vivia, na hipótese de se apresentar cadáver” (in Medicina Legal, 4a edição, São Paulo: Livraria Martins Editora, 1951, p. 275). No morto, por não haver circulação sanguínea ativa, o máximo que se pode ter é a tonalidade mantida da equimose do vivo até surgirem os fenômenos putrefativos que lhe modificam suas peculiaridades. Mas nunca a produção de uma equimose post mortem. Por essas e outras razões que, por menor que seja uma equimose, ela sempre empresta um grande subsídio ao perito médico-legal. Sua tonalidade permite esclarecer a idade e sua presença uma reação vital. Edema. É o acúmulo de líquido no espaço intersticial e é constituído por uma solução aquosa de sais e proteínas do plasma, variando de acordo com sua etiologia. Quando aparece em determinado local e circunscrito a pequenos volumes chama-se de edema localizado. No estudo das lesões decorrentes da ação contundente interessa mais o chamado “edema por ação mecânica direta”, que tem como causas principais a torção, a percussão ou a pressão. Em muitos casos, o edema é agravado pela ação endógena da histamina. Hematoma. O maior extravasamento de sangue de um vaso bastante calibroso e a sua não difusão nas malhas dos tecidos moles dão, em consequência, um hematoma. Formam-se, no interior dos tecidos, verdadeiras cavidades, onde surge uma coleção sanguínea. Pela palpação da região afetada, percebe-se a sensação de flutuação. O hematoma, em geral, faz relevo na pele, tem delimitação mais ou menos nítida e é de absorção mais demorada que a equimose. Pode também ser profundo e encontrado nas cavidades ou dentro dos órgãos, e, por isso, é chamado de hematoma intraparenquimatoso (intra-hepático, intrarrenal ou intracerebral) (Figuras 4.13 e 4.14 A). Figura 4.13 Lesão produzida por ação contundente (hematoma subdural). Figura 4.14 A. Lesão produzida por ação contundente (hematoma extradural). B. Desenluvamento por tração de anel. (Arquivo do Dr. Carlos Henrique S. Durão.) A figura A encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. Bossa sanguínea. A bossa sanguínea diferencia-se do hematoma por apresentar-se sempre sobre um plano ósseo e pela sua saliência bem pronunciada na superfície cutânea. É muito comum nos traumatismos do couro cabeludo e é vulgarmente conhecida por “galo”. Ferida contusa. Trata-se de lesões abertas cuja ação contundente foi capaz de vencer a resistência e a elasticidade dos planos moles. São produzidas por compressão, pressão, percussão, arrastamento, explosão e tração (Figura 4.14 B). Como as feridas contusas são produzidas por meios ou instrumentos de superfície e não de gume, mais ou menos afiados, apresentam elas as seguintes características: • forma estrelada, sinuosa ou retilínea • bordas irregulares, escoriadas e equimosadas • fundo irregular • vertentes irregulares • pontes de tecido íntegro ligando as vertentes • retração das bordas da ferida • pouco sangrantes • integridade de vasos, nervos e tendões no fundo da lesão • ângulo tendendo à obtusidade. A forma da ferida contusa é quase sempre sinuosa ou estrelada, e mais raramente retilínea, variando de acordo com a forma do instrumento, a região atingida e a violência da contusão. A irregularidade das bordas da ferida contusa é justificada pela ação brusca da superfície do meio ou instrumento causador da agressão. A ferida da pele é irregular, desigual, anfratuosa, serrilhada ou franjada. As escoriações em torno do ferimento ou nas bordas da própria ferida são justificadas pelo mecanismo de contusão por ação oblíqua ou perpendicular ao plano cutâneo. E as equimoses das bordas da lesão são de pouca monta em virtude do extravasamento do sangue, que sai para o exterior pelo próprio ferimento. O fundo da ferida é sempre irregular pela ação mais evidente dos planos superficiais e seu irregular mecanismo de agressão. A s vertentes são irregulares , pois o meio traumático, atingindo de maneira disforme e não alcançando ele próprio a profundidade, torna essas margens irregulares. Não é muito raro existirem, entre uma borda e outra da ferida, pontes de tecido íntegro constituídas principalmente de fibras elásticas da derme que distenderam durante a contusão, mas não chegaram a se romper (Figura 4.15). Podem também surgir, nesses tipos de ferimentos, fragmentos de pele de dimensões várias ligados apenas a uma das vertentes. A retração das bordas da ferida deve-se à reação vital e é maior na pele e menor nos planos mais profundos. As feridas contusas são menos sangrantes que as cortantes, pois a compressão exercida pelo meio ou instrumento esmaga a luz dos vasos lesados, levando, por assim dizer, a uma hemostasia traumática. O fundo da lesão sempre mostra vasos, nervos ou tendões que não se rompem devido à maior elasticidade e maior resistência desses elementos. Os ângulos da ferida, em número de dois ou mais, de acordo com a forma da lesão apresentam tendências à obtusidade. As características das feridas contusas orientam o perito sobre a direção do meio ou instrumento lesivo, podem demonstrar se foram realizados em vida ou depois da morte, a forma do instrumento utilizado, a natureza da violência e, ainda, a sua gravidade e prognóstico. A causalidade jurídica desses ferimentos é sempre acidental ou homicida e, mais esporadicamente, suicida. As feridas contusas no couro cabeludo, além das características anteriores, apresentam o que Simonin chamou de erosão epidérmica marginal apergaminhada, em derredor da lesão. Fraturas. Decorrem dos mecanismos de compressão, flexão ou torção e caracterizam-se pela solução de continuidade dos ossos. São chamadas de diretas, quando se verificam no próprio local do traumatismo, e indiretas, quando provêm de violência em uma região mais ou menos distante do local fraturado. Estas últimas têm como exemplo o indivíduo que cai de uma certa altura em pé e fratura a base do crânio por contragolpe. Figura 4.15 Lesão produzida por ação contundente (pontes de tecido íntegro). Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. A fratura pode estar reduzida a um simples traço ou a vários traços. Ou, ainda, reduzida a vários fragmentos, tomando a denominação de fratura cominutiva (Figura 4.16). Algumas vezes, é a fratura fechada (subcutânea) e, outras vezes, aberta (exposta). Quanto à sua extensão, dividem-se as fraturas em completas e incompletas. Nas crianças, pelo fato de terem o esqueleto mais cartilaginoso, pode haver apenas a deformação do osso sem fratura ou esta apresentar-se de forma incompleta (fratura em galho verde). No que diz respeito à orientação das fraturas, elas classificam-se em: transversais, longitudinais, oblíquas, espiraladas, em hélice, em passo de parafuso, em galho verde, em T e em Y. Na produção das fraturas, incidem os seguintes elementos: violência da ação do agente traumático, local onde se exerce a ação e causas predisponentes. O diagnóstico da fratura deve ser orientado pela dor local espontânea e aumentada com os movimentos e pela palpação, redução dos movimentos, deformidades, execução de movimentos anormais, sensação pela palpação de ossos crepitando e, principalmente, pelos raios X. Por fim, pode ocorrer a desarticulação dos ossos da cabeça, na maioria das vezes acompanhada de fraturas, conhecida por disjunção craniofacial e sempre motivada por grande impacto, principalmente quando o corpo humano é deslocado de encontro a um objeto parado, como nos acidentes de trânsito (Figura 4.17 A). Além das fraturas da calvária, há uma forma especial que deve ter a devida atenção da perícia: a fratura da base do crânio. Na maioria das vezes, tem como origem a propagação da fissura que parte da calvária até os andares anterior, médio e posterior da base. De acordo com o mecanismo compressivo de ação, agindo com potência ou resistência, teremos a direção da linha da fratura: longitudinal – quando a incidência da força é anteroposterior; transversal – quando a incidência é laterolateral; circular – quando, por exemplo, em redor do buraco occipital, provocada por queda em que o indivíduo cai em pé, ajoelhado ou sentado, pelo impacto da coluna vertebral sobre o crânio. Ou, ainda, em volta da apófise crista galli, com o seu afundamento, nas quedas sobre o nariz ou o mento (Figura 4.17 B). No estudo das fraturas, é muito importante, em determinados casos, tanto nas necropsias comuns como nas necropsias pós-exumáticas tardias, o diagnóstico dos sinais vitais para a convicção de a fratura ter se verificado antes ou depois da morte. Este diagnóstico pode ser feito por meios macroscópico, histológico, químico e espectrográfico. O diagnóstico macroscópico consiste na constatação de infiltração hemorrágica em foco de fratura. O estudo histológico é realizado pelos meios microscópicos convencionais. O exame químico, através dos percentuais de histamina, catepina D, serotonina, ferro, cobre, zinco e proteínas liberadas no local da fratura, em relação com os tecidos normais adjacentes. E o exame espectrográfico, por meio da microscopia eletrônica de varredura. Figura 4.16 Fraturas múltiplas da calvária. Figura 4.17 A. Esmagamento craniofacial (IML/DF). B. Fraturas de base de crânio e o sentido das forças de potência e resistência: 1. longitudinal; 2. transversal; 3. nas quedas com impacto da coluna vertebral contra a base do crânio (in Vanrell, apud Teixeira, modificado). Uma das mais graves complicações das fraturas diafisárias dos ossos longos e da pélvis é a embolia gordurosa, que ocorre em 90% dos casos e é consequente ao desgarramento de pequenos fragmentos da medula óssea desses ossos. As embolias gordurosas podem também surgir, embora raramente, em casos de lesões de vísceras maciças, principalmente de um fígado gorduroso. A quantidade mínima de gordura (90 a 120 ml) que circula no sangue humano não gera essas formas de embolias. Luxações. São caracterizadas pelo deslocamento de dois ossos cujas superfícies de articulação deixam de manter suas relações de contato que lhes são comuns. São denominadas completas, quando as superfícies de contato se afastam totalmente, e incompletas, quando a perda de contato das superfícies articulares é parcial. Podem ser fechadas e expostas. As mais comuns são as luxações do ombro, do cotovelo, do joelho e do tornozelo. Entorses. São lesões articulares provocadas por movimentos exagerados dos ossos que compõem uma articulação, incidindo apenas sobre os ligamentos. Uma flexão intensa de uma mão sobre o antebraço, uma abdução mais brusca do polegar sobre o seu metacarpo, um pé mal assentado no solo ou uma rotação mais violenta de um joelho são exemplos de causas capazes de produzir uma entorse. A sintomatologia mais comum é a dor intensa, ao nível da articulação atingida, que se exacerba com a movimentação ativa ou passiva e pela palpação. Notam-se ainda perturbação funcional com redução temporária da função, tumefação, rubor local, movimentos articulares anormais e, às vezes, equimose ou hematoma da região lesada. Nos casos mais graves, podem verificar-se rupturas de ligamentos, desinserções de ligamentos, rupturas musculares, rupturas de tendões, derrame seroso ou hemorrágico na cavidade articular, fraturas ósseas e até mesmo arrancamento de pequenas porções do osso que se prende a ligamentos. Em geral, seu prognóstico é bom, e, quando não existem complicações mais sérias, sua cura se processa de 10 a 15 dias, principalmente quando são tratadas corretamente. Rupturas de vísceras internas. Um impacto violento sobre o corpo humano pode resultar em lesões mais profundas, determinando rupturas de órgãos internos. Os ferimentos externos nem sempre são proporcionais ao caráter grave dos resultados internos. Há circunstâncias que condicionam ou agravam essas lesões: força do traumatismo, região atingida, condições fisiológicas especiais (útero grávido, repleção da bexiga, do estômago e dos intestinos), certas condições patológicas; um baço ou um fígado aumentados são mais facilmente atingidos. A ação traumática pode ser por compressão, pressão, percussão, tração e explosão. Todas as vísceras estão sujeitas a essa forma de lesão. No entanto, as mais comuns são: fígado, baço, rins, pulmões, intestinos, pâncreas e suprarrenais. As teorias que explicam o mecanismo dessas rupturas são as seguintes: Teoria da pressão hidráulica. Segue a lei de Pascal. A pressão sofrida por um órgão interno equipara-se a um recipiente cheio de água onde a força é exercida em todas as direções, vencendo no lugar de menor resistência. Essa teoria é mais aplicada para os órgãos ocos. Teoria da hipercurvatura. Certas rupturas dependem da própria curvatura do órgão. É sempre transversal nas faces anterior e posterior das vísceras encurvadas. Assim, no fígado, se o agente atua em sentido anteroposterior, a ruptura será transversal e na face convexa. E será em sentido longitudinal, se o traumatismo for em sentido lateral (Figura 4.18). Estes ferimentos, em geral arqueados e paralelos, são conhecidos como sinal de Vinokurova, podendo em casos de atropelamento apontar a direção do veículo. Teoria das modificações de forma. Um órgão arredondado, quando comprimido em certa direção, modifica sua forma e diminui seu eixo no ponto onde sofre a pressão. No mesmo instante, esse órgão tem seus meridianos desviados passando sobre aquele ponto e, ainda, uma ampliação dos círculos paralelos. A ruptura será sempre na direção dos meridianos, isto é, na direção da ação traumática (Figura 4.19). Há um conjunto de lesões que, ao ser encontrado – rupturas de órgãos maciços, ausência de sinais de violência sobre o tegumento abdominal e prolapso retal –, em casos de suspeita de crueldade ou tortura, pode ser proveniente de pisões propositais sobre o abdome, principalmente de adultos contra crianças (tríade do pisão). Há outras causas, como: do contragolpe, da ruptura pelo aumento brusco da pressão interna (pulmões) e da laceração motivada pelos ligamentos de suspensão. Figura 4.18 Ruptura do fígado por contusão (sentido lateral). Figura 4.19 Ruptura do coração (ação contundente). O perito não pode esquecer das rupturas e hemorragias espontâneas de órgãos doentes cuja lesão nada tem a ver com uma contusão. Assim, são as perfurações do estômago e intestinos por processo infeccioso, a ruptura de aneurisma da aorta e o desgarramento de um baço gigantesco por hiperesplenismo. Pode também a perícia determinar se o traumatismo foi causa agravante ou condicionante de uma ruptura em uma lesão corporal seguida de morte quando o agente não quis o resultado, mas assumiu o risco de produzi-lo. Aí, a lesão é dolosa, mas o resultado é culposo. Prolapso de vísceras internas. Sob o efeito de uma violenta pressão sobre o abdome ou tórax pode ocorrer um prolapso retal, inclusive com a exposição dos intestinos ou um prolapso genital com a saída do útero e da bexiga. Mais raramente pode-se observar a projeção de órgãos torácicos e abdominais pela boca (Figura 4.20 A). Lesões produzidas por artefatos explosivos. Chama-se de explosão um mecanismo produzido pela transformação química de determinadas substâncias que, de forma violenta e brusca, produz uma quantidade excessiva de gases com capacidade de causar malefícios à vida ou à saúde de um ou de vários indivíduos. Na maioria das vezes, sem contar com o seu uso bélico, ela é de origem acidental, mas pode ter como etiologia o homicídio e mais raramente o suicídio. As lesões produzidas por esses artefatos podem ser por ação mecânica e por ação da onda explosiva. As primeiras são provenientes do material que compõe o artefato e dos escombros que atingem as vítimas. As outras são decorrentes das ondas de pressão e sucção, que compõem a chamada síndrome explosiva ou blast injury. As lesões provocadas pela ação mecânica da explosão estão representadas por ferimentos, mutilações e fraturas, os quais são produzidos quase exclusivamente pelos escombros das estruturas atingidas, variando, é claro, com o grau de intensidade do explosivo e da distância que se encontra a vítima. A região do corpo também varia muito, pois depende da forma do artefato usado. Se é cartabomba, por exemplo, as regiões mais atingidas são as mãos e a face. Se é na modalidade mina, os pés são os mais atingidos (Figura 4.20 B). A blast injury é um conjunto de manifestações violentas e produzida pela expansão gasosa de uma explosão potente, acompanhada de uma onda de pressão ou de choque que se desloca brusca e rapidamente em uma velocidade muito grande, a pouca distância da vítima e, mais grave, em locais fechados. Segundo William, esta força, para produzir lesões no homem, deve ser no mínimo de 3 libras por polegada quadrada. Se a expansão da onda explosiva ocorre dentro d’água, verificam-se os mesmos efeitos, levando em conta que a água apresenta uma velocidade de propagação e intensidade de 1.600 m por segundo. As lesões provocadas pela expansão gasosa atingem diversos órgãos e se caracterizam de acordo com a sua forma, disposição e consistência. A lesão mais comum é a ruptura do tímpano (“blast” auditiva). É representado por rupturas lineares da metade anterior do tímpano, comumente bilateral. Nos casos mais benignos, pode-se verificar uma surdez passageira por comoção labiríntica. A “blast” pulmonar é também muito comum e apresenta-se com hemorragia capilar difusa dos lobos médio e inferiores e equimoses subpleurais, e suas vítimas têm escarros hemoptoicos. Os alvéolos ficam distendidos e rotos, podendo os pulmões apresentarem impressões costais na sua superfície. A “blast” abdominal mostra o estômago com infiltrados hemorrágicos da mucosa ou serosa, e em alguns casos até rupturas. Os intestinos também são mais agredidos, exibindo sangramentos dispostos em anéis na parte terminal do íleo e do ceco, podendo apresentar perfurações. A “blast” cerebral caracteriza-se, na maioria das vezes, pela presença de hematomas subdurais ou hemorragia ventricular. A “blast” ocular, de menor frequência, caracteriza-se pela hemorragia do vítreo, equimose subconjuntival intensa e cegueira definitiva ou temporária. O coração é o órgão que suporta melhor as ondas de expansão da blast injury. A necropsia das vítimas da blast injury, em casos nos quais houve apenas a ação da onda explosiva, pode não mostrar nenhuma lesão externa e tão só lesões internas, caracterizadas pelos danos graves em órgãos internos, principalmente pulmões, estômago, intestinos, baço, rins e fígado. Hoje, com o surgimento dos atentados suicidas por bombas, além dos objetos de metal de que se compõem os artefatos explosivos, há também a preocupação com a dispersão do material biológico do próprio responsável por tais ações, pois este material, principalmente fragmentos ósseos, pode representar uma fonte de transmissão de doenças infecciosas graves, como AIDS e hepatite. Lesões por martelo. De causa quase sempre dolosa, essas lesões, quando produzidas com certa violência, podem apresentar danos graves, como, por exemplo, afundamentos ósseos do segmento golpeado, reproduzindo a perda de tecidos quase semelhante à forma e às dimensões daquele objeto agressor. Quando a ação é em sentido perpendicular, estas lesões são conhecidas como “fratura perfurante” ou “fratura em vazador” ou “fratura em saca-bocados” de Strassmann (Figura 4.21). Figura 4.20 A. Prolapso intestinal (ação contundente – pressão). B. Lesões produzidas por explosivos. Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. Pode ocorrer também um afundamento parcial e uniforme com inúmeras fissuras, em forma de arcos e meridianos, e, por isso, denominado sinal do mapa-múndi de Carrara (Figura 4.22). Quando o traumatismo se verifica tangencialmente, produz uma fratura de forma triangular com a base aderida à porção óssea vizinha e com o vértice solto e dirigido para dentro da cavidade craniana. Esse é o sinal em “terraza” de Hoffmann. Estas lesões também podem ser produzidas por outros objetos como coronhas de revólver ou pistola, caibros ou mesmo quinas de objetos mais resistentes. Encravamento. É uma modalidade de ferimento produzida pela penetração de um objeto afiado e consistente, em qualquer parte do corpo. São ocorrências de grande impacto, quando o corpo do indivíduo se desloca violentamente de encontro ao objeto, ou quando ambos se defrontam em grande velocidade (Figura 4.23). Sua natureza etiológica é quase sempre acidental. Empalamento. Essa forma especial de encravamento caracteriza-se pela penetração de um objeto de grande eixo longitudinal, na maioria das vezes consistente e delgado, no ânus ou na região perineal. As lesões são sempre múltiplas e variadas, sua profundidade varia de acordo com o impacto e as dimensões do objeto contusivo. Figura 4.21 Lesão produzida por ação contundente na calvária (sinal de Strassmann). Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. Figura 4.22 Fratura da calvária vista pela lâmina interna (sinal do “mapa-múndi” de Carrara). Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. Figura 4.23 Encravamento (IML/CE). Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. É necessário, no entanto, em certas ocasiões, fazer a diferença entre o empalamento e a introdução voluntária de corpos estranhos no ânus. Nesta última hipótese, não se observam grandes mutilações perineais; dificilmente ocorrem lesões intra-abdominais, e os objetos são menos irregulares. Lesões por achatamento. Também chamadas “por esmagamento”, são provenientes de violenta ação por pressão ou compressão sobre o corpo ou parte dele, e que tem como exemplo mais comum aquelas produzidas pela passagem de um veículo em movimento. Estas lesões apresentam escoriações de arrastão, feridas contusas com desgarramento de retalhos de pele, hematomas, fraturas costais, cranianas e dos membros superiores e inferiores, e rupturas viscerais. Quando esta forma de ação se dá no segmento toracoabdominal, a morte pode ser por asfixia, na modalidade sufocação indireta. Lesões por arrancamento. Estas lesões são produzidas por trações violentas de segmentos corporais, principalmente dos membros superiores e inferiores, quer sejam desprendidos do restante do corpo. A superfície cruenta destas lesões traumáticas se caracteriza pelo aspecto de desgarramento com retalhos irregulares e anfractuosos de tecidos moles (pele, aponeurose, músculos, vasos, nervos e tendões) que se comportam de acordo com seus graus de retração, e desarticulação ou amputação traumática. São comuns estas lesões em acidentes ferroviários, máquinas com polias de transmissão à base de correias ou em acidentes onde a vítima fica presa pelo braço ou perna tracionado pelo peso do corpo. Quando preso pelos cabelos pode produzir arrancamento do couro cabeludo, conhecido como escalpo. Lesões por cinto de segurança. Três são os tipos de cintos de segurança usados comumente pelos condutores e pelos passageiros de veículos a motor: o pelviano ou subabdominal, que mantém a pélvis presa ao assento; o toracodiagonal, que prende o tronco de encontro ao encosto da poltrona; e o combinado ou de “três pontos”, que é uma combinação dos dois modelos citados. A prática tem demonstrado que o cinto pelviano, em um choque mais grave, não evita que a cabeça e o tronco se projetem para diante, originando traumatismos craniofaciais, ruptura de vísceras internas e fratura de coluna. O cinto toracodiagonal, mesmo fixando o tronco ao encontro do assento, em um impacto mais violento não chega a evitar que o corpo deslize para baixo, redundando em lesões dos joelhos, da perna e da coluna cervical. Mesmo sendo o cinto combinado o mais usado e aconselhado, não oferece ele uma proteção incondicional, ainda que fixe a pélvis e o tórax na poltrona. Pode ocorrer, em um choque mais sério, a hiperflexão ou a hiperextensão brusca da região cervical, provocando, entre outros, o traumatismo do mento sobre o tórax com luxação da mandíbula ou ferimentos da língua pelos dentes. No entanto, o mais grave, e que devem ser observadas com maior cuidado nas necropsias de tais eventos, são as fraturas e luxações das vértebras cervicais, ocasionando, até, secções totais ou parciais da medula. Lesões produzidas por explosão de bolsas de ar (air bags). Ninguém desconhece o número assustador de lesões traumáticas graves e de morte causadas em proporções epidêmicas pelos acidentes automobilísticos. Também não se desconhece que a utilização das bolsas pneumáticas protetoras (air bags) venha preservando tantas vidas e reduzindo cada vez mais as taxas de gravidade das lesões em acidentes de veículos a motor. Ainda assim, não se pode deixar de consignar o efeito que sua explosão pode causar em um conjunto de lesões produzido por esse resultado, sendo as crianças as vítimas que mais preocupam em face da posição que elas ocupam dentro do veículo. Leve-se em conta também a inadequação da distância entre as vítimas e a bolsa de ar. As lesões mais comuns desse efeito são produzidas por barotrauma, que atua por onda de pressão oriunda da explosão da bolsa de ar, sendo mais comuns lesões oftalmológicas, surdez, pneumotórax bilateral, lesões da face e dos membros superiores e inferiores, luxação do ombro e do punho, lesões da parte anterior do tórax, além da perda da consciência. Uma das lesões que tem chamado a atenção é a do nervo radial, embora ainda não bem especificada, ficando algumas vezes incluída em outras lesões. Lesões por atropelamento terrestre. Certamente os acidentes de tráfego terrestre são os causadores do maior índice de mortes violentas entre nós. Isso se deve não apenas ao número excessivo e progressivo de veículos e à evolução da potência das máquinas, mas sobretudo à ausência de uma política séria de trânsito capaz de investir na prevenção dos acidentes. Na maioria das vezes, as lesões decorrentes de atropelamento terrestre são múltiplas e distribuídas por diversas regiões do corpo. As primeiras lesões da vítima são as produzidas pelo impacto do veículo em movimento e dependem muito da velocidade dele e do local atingido. As outras lesões são oriundas do impacto do corpo e da sua projeção no solo. Uma das lesões mais comuns é a fratura das pernas, na mesma altura do para-choque. No entanto, essas lesões podem-se verificar em regiões mais baixas das pernas, principalmente se, no momento do impacto, o veículo estava freando. Podem também ocorrer lesões torácicas ou abdominais, inclusive com as marcas das partes impactantes, como, por exemplo, telas, faroletes, distintivos de fabricantes ou traços da pintura do veículo (contusão-tatuagem), e que são chamadas, genericamente, de “lesões-padrão”. Após o choque, além do movimento brusco da coluna vertebral e do deslocamento violento das vísceras em seus continentes, em geral vem a projeção do corpo quase sempre para cima e para diante, verificando-se a queda da vítima de encontro ao solo, recebendo, deste modo, o segundo impacto. Pode ocorrer, simultaneamente, a passagem do veículo sobre o corpo caído (esmagamento), comprimindo-o violentamente sobre o solo, deixando impressas as chamadas “estrias pneumáticas” de Simonin (Figura 4.11). Ou verificar-se o rolamento do corpo sobre seu próprio eixo, causando escoriações em diversas regiões ou fraturas dos ossos da cabeça e dos membros superiores e inferiores. Ou, finalmente, lesões provocadas por arrastão, tendo a vítima permanecido presa por algum tempo ao veículo em movimento, caracterizadas por escoriações ou perdas significativas de tecidos das regiões escapulares, lombares, genitais, torácicas, abdominais e dos joelhos, conhecidas por “escoriações de arrastão”. Têm como características serem representadas por estrias paralelas na direção do arrastão, que começam mais profundas e terminam mais rasas e mais largas na medida em que o veículo ou o corpo diminui de velocidade. Lesões dos passageiros do veículo. Em geral, as lesões verificadas nos passageiros de veículos sinistrados são mais graves que as do condutor, e entre aqueles a maior incidência de morte é do ocupante do assento dianteiro. Isso se justifica pelo impacto direto sobre a bancada do veículo. As lesões mais comuns são as cranioencefálicas, costais e esternais. Lesões do condutor do veículo. Os condutores de veículos, quando acidentados, geralmente apresentam lesões do tórax por choque violento sobre o volante e lesões do crânio por traumatismo sobre o para-brisa, além de outras eventuais lesões cutâneas, ósseas e viscerais. As lesões provenientes do traumatismo do tórax sobre o volante são mais significativas, pois elas podem caracterizar exatamente a posição do indivíduo no comando do veículo. Muitas vezes, ele apresenta o que se chama de “tatuagem traumática”, pelo fato de ficar impresso no tórax a parte do desenho do volante. As lesões do crânio são, quase sempre, na região frontal, quando o acidente é por impacto violento, e estão relacionadas com o tipo de traumatismo sobre o para-brisa. Outras lesões podem estar representadas por fraturas dos joelhos e colo dos fêmures pela brusca projeção do corpo da vítima sobre as estruturas abaixo do painel no momento do impacto e por ferimentos no dorso dos dedos dos pés, principalmente do que está sobre o pedal, por hiperflexão e contusão deles no momento do impacto do veículo. Isto serve, inclusive, para indicar quem o conduzia. Em suma, quatro são os pontos possíveis de impacto em acidentes automobilísticos, principalmente quando o condutor não estava usando o cinto de segurança: a fronte, o tórax, os joelhos e os pés. No que diz respeito à legislação disponível sobre “danos pessoais causados por veículos automotores de vias terrestres” (DPVAT), o artigo 5o da Lei no 6.194, de 19 de dezembro de 1974, modificado pela Lei no 8.441, de 13 de julho de 1992, diz o seguinte: § 3o Não se concluindo na certidão de óbito o nexo de causa e efeito entre a morte e o acidente, será acrescentada a certidão de auto de necropsia, fornecida diretamente pelo instituto médico-legal, independentemente de requisição ou autorização da autoridade policial ou da jurisdição do acidente; § 4o Havendo dúvida quanto ao nexo de causa e efeito entre o acidente e as lesões, em caso de despesas médicas suplementares e invalidez permanente, poderá ser acrescentado ao boletim de atendimento hospitalar relatório de internamento ou tratamento, se houver, fornecido pela rede hospitalar e previdenciária, mediante pedido verbal ou escrito, pelos interessados, em formulário próprio da entidade fornecedora. (Incluído pela Lei no 8.441/92.); § 5o O instituto médico-legal da jurisdição do acidente ou da residência da vítima deverá fornecer, no prazo de até noventa dias, laudo à vítima com a verificação da existência e quantificação das lesões permanentes, totais ou parciais (redação dada pela Lei no 11.945/2009). Desta maneira, a lei vincula obrigatoriamente a realização dos laudos do DPVAT aos institutos médico-legais de todo território brasileiro, independentemente de uma ou outra opinião em contrário que admite se tratar de uma transferência de responsabilidade para o Estado, o que deveria ser das seguradoras. Lembrar também que esses exames não se guiam pelos parâmetros de avaliação do dano corporal de natureza penal, e, sim, pelos de natureza civil pelo seu caráter indenizatório. O seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de vias terrestres, ou por sua carga, a pessoas transportadas ou não (seguro DPVAT) foi criado com a finalidade de amparar as vítimas de acidentes de trânsito em todo o território nacional, não importando de quem seja a culpa dos acidentes. A seguradora efetuará o pagamento das indenizações, não importando de quem seja a culpa dos acidentes, nos seguintes casos: (1) morte – quando a vítima falecer em virtude do acidente de trânsito, seus beneficiários terão direito ao recebimento de indenização correspondente à importância segurada vigente na época da ocorrência do sinistro; (2) invalidez permanente total ou parcial – quando a vítima de acidente de trânsito ficar inválida, atestando com o fim do tratamento, o caráter definitivo da invalidez. A quantia deve ser apurada, tomando-se por base o percentual da incapacidade de que se tornou portadora, de acordo com a tabela de Danos Corporais Totais, constante do anexo à Lei no 6.194/74, com a alteração dada pela Lei no 11.945/09, tendo como indenização máxima a importância segurada vigente na época da ocorrência do sinistro; (3) despesas de assistência médica e suplementares – quando a vítima de acidente de trânsito realizar tratamento sob orientação médica, despesas com assistência médica e suplementares, tendo o direito de receber uma indenização, a título de reembolso, correspondente ao valor dos respectivos gastos médicos e hospitalares de R$ 2.700,00, até o limite definido em tabela, com teto máximo do valor vigent Lesões por atropelamento náutico. Cada dia que passa a incidência de pessoas vitimadas em acidentes provocados por veículos náuticos de pequeno e médio portes, geralmente de uso esportivo, tem sido mais constante. O mecanismo de produção das lesões em tais acidentes é diferente dos demais sinistros, não só pelo meio onde o indivíduo é agredido, mas pela forma como o próprio atropelamento se desenrola. Aqui observam-se três fases nesse tipo de acidente: a primeira é a do traumatismo do veículo náutico sobre a vítima; depois a sua projeção no meio líquido; e, finalmente, uma possível ação vulnerante das hélices. Em geral, as lesões produzidas pelo traumatismo da embarcação se localizam na cabeça ou na parte superior das faces anterior e posterior do tórax, e mais raramente na região dorsolombar, estas últimas quando o indivíduo procura evitar o acidente. Estas lesões são na sua maioria contusas, com grande perda de tecido e acompanhadas quase sempre de fraturas. Na fase de projeção, quando o indivíduo é arremessado contra o próprio meio líquido, as lesões não apresentam maior significado, a não ser que essa projeção seja contra um meio mais consistente ou que ele venha a sofrer um novo impacto. Finalmente, as lesões provocadas pelas hélices da embarcação que são de grandes dimensões, perdas vultosas de tecidos e características cortocontusas, afetando a pele, a musculatura, os ossos e, às vezes, as vísceras internas. A pele apresenta ferimentos de forma curvilínea, em arcos paralelos e equidistantes, apresentando uma característica bem própria: cauda inicial e cauda terminal. Em geral ocorre a laceração de grandes áreas de massa muscular e os vasos são cortados em forma de “bico de gaita”, o que facilita a hemostasia e, consequentemente, uma sobrevivência mais demorada. As fraturas são quase sempre expostas nos ossos longos e nos chatos, podendo ocorrer perdas ósseas consideráveis. Finalmente, é possível verificar-se em alguns casos a amputação traumática de membros superiores ou inferiores e lesões graves em órgãos internos, principalmente abdominais. Quando as vítimas não morrem imediatamente, podem ter morte por afogamento em virtude da dificuldade de se manterem conscientes e flutuando. Lesões por atropelamento ferroviário. Um dos fatos mais chamativos da atenção na perícia de casos de atropelamento ferroviário é a redução do corpo a diversos e irregulares fragmentos conhecida como espostejamento. Quando os despojos de um corpo são encontrados à margem da linha férrea, temos de considerar as seguintes hipóteses: suicídio, homicídio, acidente ou atropelo post mortem para dissimular homicídio ou morte natural. Todas estas questões poderão ser solucionadas por meio da necropsia, do estudo do local dos fatos, da posição do corpo e das informações de testemunhas. A necropsia constitui-se nesses casos no mais importante meio de diagnóstico, a partir principalmente do estudo das reações vitais das diferentes lesões traumáticas. Nos casos de suicídio, em geral se observa a secção transversal do corpo ao nível do pescoço ou do abdome. Nos acidentes, é mais comum as secções das pernas. Em ambas as situações o que chama a atenção é a presença acentuada das reações vitais das lesões como manchas equimóticas, infiltrados hemorrágicos dos tecidos e placas de sangue coagulado. Nos atropelamentos post mortem para dissimular homicídio, nota-se um grande número de lesões sem reação vital e apenas se veem tais reações nas lesões produzidas dolosamente. Por fim, nas situações de dissimulação de morte natural, por vezes para adquirir vantagens de seguro, observamse as vestes manchadas de sangue e todas as lesões sem qualquer manifestação de reação vital, podendo-se, inclusive, diagnosticar a verdadeira causa orgânica natural de morte. Lesões por acidente aéreo. Como os acidentes de aviação são os mais variados possíveis, em face do tipo de aeronave, a altura do voo e as próprias circunstâncias do sinistro (precipitação contra o solo, explosão no ar ou em terra, queda no mar, colisão com outras aeronaves etc.), as lesões produzidas nessas ocorrências são as mais diversificadas. Em geral, quando de acidentes desta ordem, a causa da morte e a descrição das lesões passam a ser um fato secundário, prevalecendo então a identificação de uma grande quantidade de vítimas e a elaboração dos atestados de óbito. O óbito dessas vítimas ocorre sempre por múltiplas lesões e fragmentação do corpo, decorrentes de traumatismos intensos, somando-se em alguns casos os efeitos do fogo e da explosão. A causa mortis dos tripulantes é muito significativa no exame das vítimas de acidentes aéreos, principalmente dos comandantes de voo, assim como a presença de determinadas doenças e a pesquisa de um possível uso de medicamentos, álcool ou drogas (ver mais em Morte Coletiva e Catastrófica – Capítulo 17). Lesões por precipitação. As lesões por precipitação foram sumariamente descritas por Leon Thoinot: “Pele intacta ou pouco afetada, rupturas internas e graves das vísceras maciças e fraturas ósseas de características variáveis.” Além da precipitação de edifícios ou de estruturas de grande altitude, existem também os acidentes graves do paraquedismo profissional ou amador, que vão desde as luxações ou fraturas por retenção da cinta extratora ou os ferimentos por arrastão em terra, até a morte quando os paraquedas funcionam mal ou não funcionam. Um detalhe que chama a atenção no conjunto das alterações produzidas no corpo pela precipitação é a desproporção entre as lesões cutâneas – relativamente insignificantes, e as gravíssimas lesões ósseas e viscerais. No que diz respeito às lesões internas, pode-se dizer que todas as vísceras estão sujeitas a serem afetadas, principalmente as chamadas vísceras maciças. O coração, por exemplo, apresenta algumas características bem peculiares: o átrio e o ventrículo direitos são em quase todas as vezes os mais atingidos; e, por sua vez, a cavidade atrial é mais afetada que a ventricular. A aorta apresenta muito mais lesões em sua porção ascendente. Quando o corpo é impactado pela sua extremidade superior, ou seja, quando a cabeça choca-se com o solo, encontra-se geralmente um tipo de fratura chamado em “saco de noz”, caracterizada pela integridade ou quase integridade do couro cabeludo e de múltiplas fraturas da calvária, laceração da massa encefálica e herniamento do cérebro. Podem ocorrer também fraturas vertebrais e rupturas de vísceras maciças pela contusão e hiperflexão do corpo. Se a queda verifica-se sobre a extremidade inferior do corpo, resultam nas fraturas de pélvis e dos membros inferiores. Piga Pascual descreve um elenco de lesões ósseas, conhecidas por “sinal de quatro fraturas”, caracterizado por fraturas dos terços inferiores das pernas e dos terços médios dos braços, estas últimas justificadas pela tentativa de o indivíduo amortecer o impacto da queda com os membros superiores. Há também fraturas outras e luxações, além das aludidas lesões viscerais. Quando o impacto da precipitação ocorre sobre a parte lateral do corpo, chamam à vista as fraturas múltiplas das costelas e mais raramente as fraturas de vértebras. Também surgem as rupturas de vísceras, notadamente do fígado, do baço, rins e encéfalo, e, em menor incidência, dos pulmões. As lesões destes órgãos são sempre acompanhadas de intensa hemorragia interna e por isso levam à morte rápida. As rupturas de vísceras ocas, como estômago, intestino e bexiga, são mais raras, aumentando essa possibilidade se elas estiverem repletas. Não se pode esquecer das precipitações como forma de simulação de suicídio em indivíduos já mortos. Nesses casos, levam-se em conta as reações vitais das lesões cutâneas e viscerais, inclusive a presença de outras formas de lesões, produzidas por energias ou modalidades diversas e não explicadas pela precipitação. Também não se pode deixar de se levar em conta a determinação da causa jurídica de morte por precipitação, utilizando-se como elementos significativos diferenciais entre suicídio, homicídio e acidente: a distância entre o local do impacto do corpo no solo e a projeção vertical do ponto de lançamento; o aspecto do ambiente de onde a vítima precipitou-se; o estudo das leis que regulam a queda dos corpos no espaço; e o estudo das regiões do corpo afetadas pelo impacto. Nas quedas acidentais, é comum que o corpo quase deslize bem próximo ao local da precipitação até encontrar um elemento de resistência, caindo bem perto dele, em face da ausência de impulso inicial, como se houvesse apenas a ação da gravidade. Nesses casos, como o corpo não recebeu nenhum impulso horizontal ele cai sob a ação exclusiva do seu próprio peso e por isso o ponto de chegada do corpo (ponto de incidência) fica exatamente na projeção vertical do ponto de partida (ponto de lançamento), normalmente junto do perfil do prédio onde o fato ocorreu. Em geral, essa distância é maior nos homicídios do que nos acidentes, levando-se em consideração que o corpo foi impulsionado por alguém, mesmo que tenha existido certa resistência pela vítima traduzida às vezes por lesões de atrito nas extremidades dos dedos e dos pulsos, excetuando-se os casos de menores ou desacordados. Já nas situações de suicídio, a experiência ensina que aquela distância é sempre maior, em virtude do maior impulso da vítima, ajudada quase sempre pela flexão dos joelhos, levando-a a um ponto de queda mais distante. Nesses dois últimos casos, como na queda o corpo sofre um impulso horizontal (forças interna ou externa), a trajetória do corpo durante a queda é parabólica. Dessa maneira, vai se verificar um distanciamento horizontal do ponto de partida, produzindo um afastamento lateral do ponto de incidência do corpo. Quanto ao aspecto da arrumação do ambiente de onde se verificou a precipitação, em casos de acidente podem ser vistos no local inicial da queda móveis e utensílios onde a vítima pudesse estar mais elevada para uma determinada tarefa. No homicídio, pode-se encontrar ambiente em desordem, vestes rasgadas, manchas de sangue e ferimentos diversos dos produzidos pela precipitação. E, no suicídio, a presença, junto ao local do impulso, de meios que pudessem facilitar a projeção, isso quando, para alcançar o ponto desejado, a vítima necessitasse desse recurso. No que se refere às leis da Física e da Mecânica que regem a queda dos corpos no espaço, podese dizer que o movimento de translação acha-se alternado em um movimento horizontal e noutro vertical, cada um deles sujeito às forças externas que venham a atuar. Quando não há impulso horizontal – como nos casos de acidente –, admite-se que o corpo caia verticalmente, fazendo com que seu impacto (ponto de incidência) seja muito perto do perfil do prédio, embora, em um desequilíbrio, haja qualquer coisa, por menor que seja, de impulso. Quando há impulsão horizontal, encontra-se um relevante afastamento entre o ponto de impacto e o ponto de lançamento. É no deslocamento entre esses dois pontos que o corpo descreve uma trajetória parabólica, decorrente da decomposição de um movimento retilíneo uniformemente variado, que sofre a influência da força gravitacional (Y), e de um movimento retilíneo uniforme na direção horizontal, decorrente do impulso (X). Conhecendo-se a altura do ponto de queda (Yi) e a aceleração da gravidade (g), que é de 9,80 m/s2, levanta-se a velocidade final do corpo (vf). Assim, digamos que a altura seja de 9,60 m. Exemplo: Calculando-se o tempo de queda em que v0 é a velocidade inicial, y0 é altura do ponto de queda, a a aceleração da gravidade e t o tempo, teremos: Em seguida, basta calcular a velocidade horizontal: Em que xf é a posição final do corpo, ou seja, a distância do ponto de impacto para o perfil do prédio, v0x a velocidade horizontal e t o tempo. Assim, digamos que a distância seja de 2,50 m. Desse modo, quanto maior for a velocidade horizontal calculada, maior foi o impulso da vítima (Figura 4.24). A região do corpo que sofre o impacto da queda é também muito importante nesse estudo. No suicídio, é mais comum o lançamento do corpo com a posição em pé, e, mais raramente, de mergulho de cabeça; até cinquenta metros, a vítima em geral conserva a mesma posição. Nos casos de acidente ou de homicídio em face da surpresa ou da manipulação da vítima, a tendência é que ela sofra movimentos de rotação, em virtude da precipitação desordenada, tomando as mais variadas posições no espaço e impactando-se em regiões bem diversas, principalmente na região lateral do corpo. Figura 4.24 a, acidente; b, homicídio; c, suicídio. Concluindo, pode-se dizer que não é tão difícil se chegar à conclusão dos casos de precipitação acidental, mas o diagnóstico diferencial entre homicídio e suicídio não é fácil. Isto em vista de não se contar com parâmetros de aferição e avaliação confiáveis que distingam com clareza o nível da distância entre o presumido ponto de impacto e o perfil do prédio. Simplesmente porque estes impulsos horizontais sofrem influências muito variáveis tendo em conta, entre outros, a força do impulso, o grau de consciência, o peso e a resistência ou determinação da vítima. O uso da distância entre o ponto de incidência do corpo e a projeção vertical do ponto de lançamento visto isoladamente em um diagnóstico de causa jurídica de morte em casos de precipitação ainda é temerário e discutível. Hoje, a tendência dos que fazem a pericia de local em casos desta natureza é considerar que no acidente o corpo quase que desliza rente à parede, a pouca distância, até encontrar um obstáculo por não haver impulso inicial mas somente a ação da gravidade. No homicídio, a distância horizontal de afastamento entre o ponto de queda e a projeção vertical do ponto de lançamento seria mais considerável em face do impulso proporcionado por alguém à vítima. E, no suicídio, aquela distância ainda seria maior, uma vez que o suicida seria projetado por um impulso desejado que o levaria a uma distância ainda maior. Com tais imprecisões, oriundas da ausência de parâmetros confiáveis de aferição e avaliação da distância entre o presumido ponto de impacto e o perfil do prédio, recomenda-se em casos de determinação da causa jurídica de morte em casos de precipitação a valorização do exames necroscópico, toxicológico e do ambiente onde se deu a precipitação, valorizando as lesões encontradas na vítima e no suposto autor, coleta de material orgânico e inorgânico encontrado sob as unhas deles, a pesquisa de substâncias estupefacientes e as condições de alinhos e desalinhos de móveis e quebras de objetos. Lesões produzidas por ação perfurocortante As lesões perfurocortantes são provocadas por instrumentos de ponta e gume, atuando por um mecanismo misto: penetram perfurando com a ponta e cortam com a borda afiada os planos superficiais e profundos do corpo da vítima. Agem, portanto, por pressão e por secção. Há os de um só gume (faca-peixeira, canivete, espada), os de dois gumes (punhal, faca “vazada”) e os de três gumes ou triangulares (lima). As soluções de continuidade produzidas por instrumentos perfurocortantes de um só gume resultam em ferimentos em forma de botoeira com uma fenda regular, e quase sempre linear, com um ângulo agudo e outro arredondado. Sua largura é notadamente maior que a espessura da lâmina da arma usada e o seu comprimento, menor que a largura da folha, se o trajeto da arma foi perpendicular ao plano do corpo, saindo da mesma direção, e maior se agiu obliquamente. Se, ao sair, tomou um sentido inclinado, corta mais a pele, aumentando o diâmetro da fenda (Figura 4.25). Os ferimentos causados por arma de dois gumes produzem uma fenda de bordas iguais e ângulos agudos. As armas de três gumes originam feridas de forma triangular ou estrelada. Figura 4.25 Ferimentos produzidos por ação perfurocortante. O trajeto das feridas produzidas por esses instrumentos tem as características das resultantes da ação dos meios perfurantes. A perícia, diante dessas lesões, entre outros problemas, tem de levar em conta a identificação da arma usada, a gravidade dos ferimentos, o tempo da lesão, se esta foi produzida em vida ou depois da morte, sua causa jurídica, a posição da vítima e do agressor, a ordem das lesões e o número de agressores. No diagnóstico da arma usada, devem-se levar em consideração as dimensões, a forma e a profundidade do ferimento, atentando-se para o fato de que o tamanho dessas lesões, devido à elasticidade da pele, pode ser inferior, igual ou superior ao diâmetro da arma. Os ferimentos penetrantes do abdome, por esse tipo de instrumento, podem ter um trajeto maior ou menor que o comprimento dele, e isto é explicado pela movimentação aflita da vítima em uma luta corporal, nos seus recuos e avanços, comuns nas flexões do corpo durante a contenda. As feridas penetrantes são geralmente graves, não apenas pela infecção causada no interior do organismo, como também pelas lesões sofridas pelos órgãos de maior importância. As mais graves, e que impõem tratamento cirúrgico imediato, são as penetrantes à cavidade peritoneal. O tempo da lesão é verificado pela evolução da ferida, através do aspecto cicatricial, da reação inflamatória ou da infecção. Há casos em que se utilizam os recursos do exame histológico do ferimento por meio de secções paralelas à superfície cutânea. É claro que esses elementos são de pouca significação para as lesões daqueles que morrem imediatamente. O diagnóstico diferencial entre as lesões produzidas in vitam ou post mortem será estudado mais adiante em um capítulo especial. A mais comum das causas jurídicas dessas lesões é o homicídio, enquanto o suicídio e o acidente são mais raros. O diagnóstico diferencial entre elas é feito, observando-se a direção, o número e o local dos ferimentos, outros sinais de violência, mais de dois ferimentos mortais, a variedade das feridas e o local da morte. O acidente e o suicídio por essa forma de ação são bem esporádicos. Entre nós, no Estado da Paraíba, o homicídio com instrumento perfurocortante é muito comum. As chamadas lesões de defesa, encontradas na palma da mão, nas bordas mediais dos antebraços, no ombro, no dorso e até nos pés falam em favor de homicídio como esforço da vítima na tentativa angustiante e desesperada de salvar a vida, expondo aquelas partes do corpo como escudo. Estudaremos melhor esse assunto em Tanatologia Médico-legal. A posição da vítima e a do agressor pode ser ressaltada pelo estudo da localização e da direção dos ferimentos. As feridas dorsais indicam, quase sempre, que a vítima estava de costas para o agressor. O trajeto, a profundidade e a cauda de escoriação voltada para esse ou aquele lado levam à conclusão da direção que tomou o instrumento, de cima para baixo ou de baixo para cima, se da direita para a esquerda ou vice-versa. Em geral, o agressor usa a arma de características perfurocortantes com o gume voltado para dentro ou para baixo. A ordem da sucessão das lesões fundamenta-se na direção e na quantidade da hemorragia das feridas. Se um indivíduo tem um ferimento no tórax e o sangramento flui em direção vertical, de cima para baixo, e outro no flanco esquerdo derramado para o lado e para dentro, diz-se que a primeira lesão foi a do tórax, quando ele ainda estava de pé, e a segunda, a do flanco esquerdo, com a vítima caída. Quando as feridas se cruzam, a sequência dos ferimentos é dada pelas características discutidas sobre o assunto quando do estudo das feridas cortantes (sinal de Chavigny). O número de agressores pode constituir um problema a ser elucidado pela perícia. Muitas lesões de mesmos caracteres induzem-nos a pensar na existência de um só agressor. No entanto, isso não é regra geral, pois uma vítima pode ser ferida por dois agressores usando a mesma arma. E, também, pode um agressor usar dois tipos de instrumentos, sucessivamente. É mais difícil um mesmo autor usar duas facas-peixeiras, por exemplo. A multiplicidade de vítimas e a gravidade dos traumatismos orientam o raciocínio no sentido de muitos agressores. No contexto dessas lesões, há aquelas produzidas por tesouras, as quais podem ser utilizadas com seus ramos fechados ou abertos. No primeiro caso, a ferida é única e de forma ovalar. Quando a ação se dá com os ramos abertos é muito comum verificar-se a presença de duas pequenas feridas de forma linear e que se colocam em forma de V completo ou incompleto, podendo inclusive mostrar nas extremidades proximais de ambas as feridas, que correspondem às bordas cortantes dos ramos da tesoura, a formação de uma pequena cauda de escoriação, segundo relata Gisbert Calabuig (in Medicina legal y toxicologia, 6a edição, Barcelona: Masson, 2004). Lesões produzidas por ação perfurocontundente As feridas perfurocontusas são produzidas por um mecanismo de ação que perfura e contunde ao mesmo tempo. Na maioria das vezes, esses instrumentos são mais perfurantes que contundentes. Esses ferimentos são produzidos quase sempre por projéteis de arma de fogo; no entanto, podem estar representados por meios semelhantes, como, por exemplo, a ponta de um guarda-chuva. Ainda assim, nosso estudo será orientado apenas para o projétil de arma de fogo. Conceito de arma de fogo São peças constituídas de um ou dois canos, abertos em uma das extremidades e parcialmente fechados na parte de trás, por onde se coloca o projétil, o qual é lançado a distância por causa da força expansiva dos gases devida à combustão de determinada quantidade de pólvora. Produzido o tiro, escapam pela boca da arma o projétil ou projéteis, gases superaquecidos, chama, fumaça, grânulos de pólvora incombusta e a bucha. Classificam-se as armas, segundo suas dimensões, em portáteis, semiportáteis e não portáteis. As primeiras são as mais usadas, e, por isso, suas lesões são bem estudadas nos serviços especializados. Quanto ao modo de carregar, são elas de antecarga (carregadas pela boca) e de retrocarga (munição colocada no pente, no tambor ou na parte posterior do cano). Quanto ao modo de percussão, existem as que agem pela pederneira, por espoleta existente no ouvido ou por espoleta encontrada no estojo. E, finalmente, quanto ao calibre, as armas podem ser classificadas pelo peso dos projéteis ou pela medida de extensão. Nas armas raiadas, o calibre é dado em milímetros e em centésimos ou milésimos de polegada. Os americanos preferem em centésimos de polegada, os franceses em milímetros e os ingleses em milésimos de polegada. Nessas armas, o calibre deve ser tomado exatamente nas raias dentro da boca do cano. Nas armas de cano liso, como, por exemplo, nas de caça, o calibre é calculado em peso. Uma arma será de calibre 36 se sua carga constar de 36 projéteis iguais pesando juntos uma libra. Raias são saliências encontradas na face interna do cano, seguindo uma orientação curva de grande abertura no sentido do maior eixo da alma do cano. Sua finalidade é imprimir um movimento de rotação ao projétil, garantindo uma trajetória estável. Ora estão espiraladas para a direita, ora para a esquerda, e em número variável. A munição compõe-se de cinco partes: estojo, espoleta, bucha, pólvora e projétil. O estojo ou cápsula é um receptáculo de latão ou papelão prensado, de forma cilíndrica, contendo elementos da munição. A espoleta é a parte do cartucho que se destina a inflamar a carga. É constituída, em sua mistura iniciadora, de estifnato de chumbo, tetrazeno, nitrato de bário, trissulfeto de antimônio e alumínio. A bucha é um disco de feltro, cartão, couro, borracha, cortiça ou metal que separa a pólvora do projétil. A pólvora é uma substância que explode pela combustão. Há a pólvora negra e a pólvora branca. Esta última não tem fumaça. Ambas produzem de 800 a 900 cm3 de gases por grama de peso. Em geral, são compostas de uma mistura de carvão pulverizado, enxofre e salitre. O projétil é o verdadeiro instrumento perfurocontundente, quase sempre de chumbo nu ou revestido de níquel ou de outra liga metálica. Os mais antigos eram esféricos. Os mais modernos são cilíndrico-ogivais. Nos casos de munição com projéteis múltiplos deve-se levar em conta que esses muitos projéteis são lançados juntos e, depois, começam a separar-se, dando uma área de projeção com diâmetro cada vez maior, originando a chamada rosa do tiro. Noções de balística forense Domingos Tochetto define Balística Forense como “uma disciplina, integrante da criminalística, que estuda as armas de fogo, sua munição e os efeitos dos tiros por elas produzidos, sempre que tiverem uma relação direta ou indireta com infrações penais, visando esclarecer e provar sua ocorrência” (in Balística Forense – Aspectos Técnicos e Jurídicos, 3a edição, Campinas: Millennium Editora, 2003). Antes, este assunto pertencia aos capítulos da Medicina Legal e era tratado pelos peritos médicos. Hoje, é uma matéria da Criminalística, justificada plenamente como uma disciplina autônoma em seus métodos de pesquisa e aplicação. Sua melhor classificação é aquela que a divide em balística interna, balística externa e balística dos efeitos. Balística interna trata do funcionamento das armas, da sua estrutura e mecanismo, e da técnica do tiro. Balística externa estuda o trajeto e a trajetória do projétil, desde sua saída da arma até seu impacto ou sua parada. E balística dos efeitos ou balística do ferimento manifesta-se sobre os efeitos produzidos pelo projétil disparado, incluindo, entre outros, os ricochetes, os impactos e as lesões e danos sofridos pelos corpos atingidos, sejam eles animados ou inanimados. No que tange à identificação das armas de fogo, esta pode ser direta ou indireta. É direta quando a identificação é feita na própria arma. E indireta quando feita através de estudo comparativo de características deixadas pela arma nos elementos de sua munição. Na identificação direta, leva-se em conta os chamados dados de qualificação, representados pelo conjunto de caracteres físicos constantes de seus registros e documentos, como tipo da arma, calibre, número de série, fabricante, escudos e brasões, entre tantos. Na identificação indireta, usam-se métodos comparativos macro- e microscópicos nas deformações verificadas nos elementos da munição da arma questionada ou suspeita. Dentre eles, o mais importante é o projétil, quando se trata de arma de fogo raiada. Nas armas de alma lisa, a identificação indireta é feita nas deformações impressas no estojo e suas espoletas ou cápsulas de espoletamento. Os outros elementos, como buchas e discos divisórios, não apresentam significado identificador. O projétil de uma arma de fogo raiada, ao passar pelo cano, inevitavelmente deixa-se gravar de impressões de cheios e de raias, sob a forma de cavados e ressaltos, os quais produzirão microdeformações no projétil, conhecidas como estrias. As deformações macroscópicas têm valor insignificante para uma identificação específica. Desse modo, tais microdeformações, pelo fato de não se reproduzirem jamais em dois ou mais canos diferentes, ainda que fabricados pelo mesmo fabricante e trabalhados pela mesma broca, contribuem com segurança à identificação individual da arma que deflagrou o projétil. Estas deformações, sejam elas normais (provocadas no deslocamento no interior do cano da arma) ou periódicas (provocadas pelo mau alinhamento entre o tambor e o cano), são muito importantes para aquela identificação chamada individual. Já as deformações acidentais (produzidas não especificamente por uma mesma arma) servem, por exemplo, para identificar a natureza do alvo impactado pelo projétil. Nunca para sua identificação específica. Ao contrário, até dificulta essa identificação pelas grosseiras deformações produzidas. As deformações produzidas na base do estojo ou na cápsula de sua espoleta são aquelas oriundas da ação do percutor ou pelas irregularidades da superfície da culatra. Quando da reutilização dos estojos de munição já utilizada em armas raiadas ou de alma lisa, contanto que seja de percussão central, é possível que se encontrem as impressões na base do estojo de dois ou mais tiros com uma mesma ou com diversas armas. Pelo visto, esse sistema de identificação nos estojos e nas espoletas é muito importante nos casos em que o projétil não é encontrado ou quando ele se apresenta muito deformado para uma identificação microcomparativa, tratando-se de armas raiadas. Nos casos de armas de alma lisa, pode-se afirmar que os estojos e as cápsulas das espoletas são os únicos elementos capazes de fornecer condições para uma identificação individual pelo método indireto. Nos casos de armas automáticas ou semiautomáticas com canos removíveis, aconselha-se combinar o exame comparativo das microdeformações notadas no projétil com as encontradas na cápsula da espoleta e na base dos estojos percutidos existentes no local da ocorrência. Assim, em um processo procura-se identificar o cano da arma e no outro, a identificação da própria arma. Para se proceder a um exame comparativo nos elementos da munição, é necessário que se tenham à mão, por exemplo, em um caso de arma raiada, projéteis-padrão, projétil(eis) questionado(s) e os equipamentos necessários para o exame. Para se obterem os projéteis-padrão ou testemunha, deve-se utilizar um método de coleta que não lhes proporcionem nenhum dano ou deformação. Os mais comuns são a água, a solução glicosada e o algodão. O(s) projétil(eis) questionado(s) é(são) aquele(s) encontrado(s) no corpo da vítima, no interior de outras estruturas ou nos locais de ocorrência. Os equipamentos usados na macrocomparação são balança, macrômetro, paquímetro, projetor horizontal de perfil, lupas manuais etc. O exame microscópico requer um microscópio de comparação, também chamado de microcomparador balístico, acoplado a dispositivos que permitam fotografar as imagens, e que tenham um visor, uma câmara de vídeo e um comparador. O método mais usado na comparação dos projéteis é o que se alia à macro e à microcomparação. O mais importante é o exame microcomparativo, em que se procura estabelecer a identidade ou não identidade entre os elementos característicos do projétil-padrão e do projétil questionado, principalmente nas estrias ou microestrias convergentes . Nessas convergências ou coincidências, estão os fundamentos da identificação individual da arma, mesmo tendo-se em conta que essas coincidências jamais poderão ser perfeitas ou totais pelas modificações surgidas na arma e na munição (Figura 4.26). Em casos de projéteis encamisados, em face de sua disposição, a maior parte dos seus microelementos está dentro das cavadas. Quanto ao exame microcomparativo dos estojos devem-se ressaltar algumas características ou elementos capazes de contribuir em uma identificação indireta, principalmente por se tratar de armas não estriadas. Isso é feito através da marca de percussão e das microestrias encontradas na espoleta ou cápsula de espoletamento dos estojos. Até mesmo nas armas de dois ou mais canos, embora raras, é fácil identificar em qual deles foi percutido o estojo. Em relação às armas automáticas ou semiautomáticas, podem-se considerar como elementos para identificação a mais a marca do extrator e a marca do ejetor no culote dos estojos. Deve-se combater aquela ideia de que os resultados só podem ser positivos ou negativos. Eles devem ser oferecidos nos moldes de possibilidade, probabilidade e certeza, até porque os meios de identificação nem sempre são os melhores. Em termos de possibilidade, quando os microelementos forem poucos, mas tenham o padrão e o questionado os macroelementos coincidentes, como calibre, massa, largura, profundidade e inclinação dos ressaltos e cavados. Em forma de probabilidade, quando os projéteis comparados apresentem poucos microelementos coincidentes. E o resultado de certeza, quando existam elementos quantitativos e qualitativos que possam afirmar ou negar com convicção a identidade ou a não identidade da arma em questão. Figura 4.26 Concordâncias e coincidências (microcomparação). Na arma, outros exames podem ser realizados, como: determinação da precisão da pontaria, determinação da distância de um certo tiro, alteração das suas características originais, condições de funcionamento, ocorrência de tiro acidental e deformações anteriores, contemporâneas ou posteriores ao evento. Na munição, podem ser examinados os cartuchos em sua composição ou alteração de suas características originais, os estojos quanto ao tipo, marca e calibre e quanto às suas características originais. No projétil, para determinar seu tipo e calibre, número e orientação dos ressaltos e cavados, além das deformações acidentais, exame microscópico de comparação e outras consequências do impacto, em que se possa identificar o tipo de estrutura atingido. Nas espingardas, podem-se também examinar os chumbos dos cartuchos quanto à sua classificação e ao número de esferas; e o exame na bucha e nos discos divisórios dos cartuchos, a fim de identificar seu calibre e tipo de material utilizado na sua confecção. Por fim, podem-se examinar ainda a pólvora, quanto à sua origem e à sua composição e quanto ao formato de seus grãos, e também as espoletas dos cartuchos, podendo-se determinar o tipo de fabricante e a data de fabricação. Lesões No estudo das lesões produzidas por projéteis de arma de fogo (balística dos efeitos), devem-se considerar o ferimento de entrada, o ferimento de saída e o trajeto. Ferimento de entrada Pode ser resultante de tiro encostado, a curta distância ou a distância. Ferimentos de entrada nos tiros encostados. Estes ferimentos (Figura 4.27), com plano ósseo logo abaixo, têm forma irregular, denteada ou com entalhes, devido à ação resultante dos gases que descolam e dilaceram os tecidos. Isso ocorre porque os gases da explosão penetram no ferimento e refluem ao encontrar a resistência do plano ósseo. É muito comum nos tiros encostados na fronte e chama-se câmara de mina de Hoffmann. A expressão melhor seria golpe de mina. Na redondeza do ferimento, nota-se crepitação gasosa da tela subcutânea proveniente da infiltração dos gases. Em geral, não há zona de tatuagem nem de esfumaçamento, pois todos os elementos da carga penetram pelo orifício da bala e, por isso, suas vertentes mostram-se enegrecidas e desgarradas, com aspecto de cratera de mina. Nos tiros dados no crânio, costelas e escápulas, principalmente quando a arma está sobre a pele, pode-se encontrar um halo fuliginoso na lâmina externa do osso referente ao orifício de entrada (sinal de Benassi ou de Benassi-Cueli – Figura 4.28). Como este sinal é constituído por um halo de fuligem de contorno suave sobre a superfície externa do crânio, precisamente sobre o periósteo (membrana fibrosa que reveste os ossos) e não uma zona de tatuagem por impregnação da pólvora não combusta, pode apresentar-seborrado ou desaparecer com a lavagem. Sua tendência é desparecer, isto quando as partes moles que cobrem aqueles ossos forem afetados pela putrefação cadavérica e o crânio ficar esqueletizado. Os tiros encostados ainda permitem deixar impresso na pele o chamado sinal de Werkgaertner (Figura 4.29), representado pelo desenho da boca e da massa de mira do cano, produzido por sua ação contundente ou pelo seu aquecimento. Figura 4.27 Ferimento de entrada – tiro encostado. Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. O diâmetro dessas lesões pode ser maior do que o do projétil em face de explosão dos tecidos pelo efeito “de mina”, e suas bordas algumas vezes voltadas para fora, devido ao levantamento dos tecidos pela explosão dos gases. Estes tiros ainda podem ser caracterizados pelo sinal do “schusskanol”, representado pelo esfumaçamento das paredes do conduto produzido pelo projétil entre as lâminas interna e externa de um osso chato, a exemplo dos ossos do crânio. Figura 4.28 Sinal de Benassi – tiro encostado (IML/DF). Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. Figura 4.29 Sinal de Werkgaertner. Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. É importante, como aconselha Gisbert Calabuig, para um diagnóstico seguro de tiro encostado, encontrar carboxi-hemoglobina no sangue do ferimento, assim como nitratos da pólvora, nitritos de sua degradação e enxofre decorrente da combustão da pólvora (in Medicina Legal e Toxicologia, op. cit.). Ferimentos de entrada nos tiros a curta distância. Estes ferimentos podem mostrar: forma arredondada ou elíptica, orla de escoriação, bordas invertidas, halo de enxugo, halo ou zona de tatuagem, orla ou zona de esfumaçamento, zona de queimadura, aréola equimótica e zona de compressão de gases. Diz-se que um tiro é a curta distância quando, desferido contra um alvo, além da lesão de entrada produzida pelo impacto do projétil (efeito primário) são encontradas manifestações provocadas pela ação dos resíduos de combustão ou semicombustão da pólvora e das partículas sólidas do próprio projétil expelido pelo cano da arma (efeitos secundários). Quando além das zonas de tatuagens e de esfumaçamento há alterações produzidas pela elevada temperatura dos gases, como crestação de pelos e cabelos (entortilhados e quebradiços), manifestações de queimadura sobre a pele (apergaminhada e escura ou amarelada) e zona de compressão de gases (no vivo), considera-se essa forma de tiro a curta distância como à queima-roupa. O conceito de tiro a curta distância não diz respeito a essa ou aquela extensão entre a boca da arma e o alvo, referido às vezes, em distância fixa determinada em centímetros. Esse conceito deve ser eminentemente prático e admitido até quando se podem evidenciar os estigmas dos efeitos secundários. A determinação da distância do tiro nessas circunstâncias não é uma tarefa muito difícil. Usam-se tiros de prova com a arma suspeita e a munição idêntica à utilizada originariamente, até encontrar-se a mesma área, a mesma concentração e a mesma especificidade dos resíduos expelidos. Também através da pesquisa dos efeitos secundários do tiro sobre o alvo, no que diz respeito à composição química dos resíduos encontrados. Ou seja, pela análise do residuograma, que se constitui no estudo da origem e dos efeitos das partículas metálicas e não metálicas expelidas juntamente com o projétil, além do estudo das características físicas e químicas destas partículas de cada unidade de munição. A forma dos ferimentos de entrada em tiros a curta distância é geralmente arredondada ou elíptica, dependendo da incidência do projétil. Quanto maior a inclinação do tiro sobre o alvo, maior será o eixo longitudinal do ferimento. O ferimento de entrada, quando produzido por projéteis de alta energia, é sempre maior que o diâmetro destes. A orla de escoriação ou de contusão, em tais ferimentos, deve-se ao arrancamento da epiderme motivado pelo movimento rotatório do projétil antes de penetrar no corpo. Apresenta-se, portanto, como uma orla escoriada ou desepitelizada em redor do ponto de impacto na pele. Todavia, se o projétil encontra um obstáculo antes de penetrar no corpo, perde parte ou o todo do movimento e rotação, desmotivando assim a formação da orla de escoriação. As bordas invertidas da ferida devem-se à ação traumática de fora para dentro sobre a natureza elástica da pele. O halo de enxugo ou orla de Chavigny é explicado pela passagem do projétil através dos tecidos, atritando e contundindo, limpando neles suas impurezas. É concêntrico, nos tiros perpendiculares, ou em meia-lua, nos oblíquos. A tonalidade depende das substâncias que o projétil levava consigo ao penetrar no alvo. Em geral, é escura. O halo ou zona de tatuagem é mais ou menos arredondado nos tiros perpendiculares, ou em forma de crescente, nos oblíquos. Essa tatuagem varia de cor, forma, extensão e intensidade conforme a pólvora. É resultante da impregnação de grãos de pólvora incombustos que alcançam o corpo. Pela análise desse halo, a perícia pode determinar a distância exata do tiro, usando-se a mesma arma e a mesma munição em vários tiros de prova, até alcançar um halo de mesmo diâmetro que o original. Serve para orientar a perícia quanto à posição da vítima e do agressor. Nos tiros oblíquos, a tatuagem é mais intensa e menos extensa do lado do ângulo menor de inclinação da arma. A tatuagem é um sinal indiscutível de orifício de entrada em tiros a curta distância (Figura 4.30). Nas armas com “compensador de recuo”, tanto o halo de tatuagem como a orla de esfumaçamento e a zona de queimadura sofrem alterações. A zona ou orla de esfumaçamento é decorrente do depósito deixado pela fuligem que circunscreve a ferida de entrada, formado pelos resíduos finos e impalpáveis da pólvora combusta. É também chamada de zona de falsa tatuagem, pois, lavando-se, ela desaparece. Está sempre presente nesses tipos de ferimentos, a não ser quando a região do corpo está protegida pelas vestes que retêm o depósito de fuligem. A zona de queimadura, também chamada de zona de chama ou zona de chamuscamento, tem como responsável a ação superaquecida dos gases que atingem e queimam o alvo. Nas regiões cobertas de pelos, há um verdadeiro chamuscamento mostrando-os crestados, entortilhados e quebradiços. Essa reação fala sempre em favor de orifício de entrada em deflagração à queimaroupa. A pele apresenta-se apergaminhada, de tonalidade vermelho-escura em geral, ou de acordo com a cor da pólvora. A aréola equimótica é representada por uma zona superficial e relativamente difusa, decorrente da sufusão hemorrágica oriunda da ruptura de pequenos vasos localizados nas vizinhanças do ferimento. Esta aréola é vista bem próximo à periferia do ferimento de entrada, de tonalidade violácea, podendo, todavia, estar encoberta por outros elementos. Figura 4.30 Ferimento de entrada de projétil de arma de fogo. Halo de tatuagem e orla de escoriação e zona de queimadura (tiro à queima-roupa). Por fim, a zona de compressão de gases, vista apenas nos primeiros instantes no vivo, é representada pela depressão da pele em virtude da ação mecânica da coluna de gases que segue o projétil nos chamados tiros à queima-roupa. Ferimentos de entrada nos tiros a distância. Os ferimentos de entrada de bala, nos tiros a distância, têm as seguintes características: diâmetro menor que o do projétil, forma arredondada ou elíptica, orla de escoriação, halo de enxugo, aréola equimótica e bordas reviradas para dentro (Figuras 4.31 e 4.32). Diz-se que uma lesão tem as características das produzidas por tiro a distância quando ela não apresenta os efeitos secundários do tiro, e por isso não se pode padronizar essa ou aquela distância. Nesses tipos de lesões, quando o tiro é dado em perpendicular, o diâmetro da ferida é quase sempre menor que o do projétil, explicado pela elasticidade e retratilidade dos tecidos cutâneos. Essa diferença será mais acentuada quanto maior for a elasticidade dos tecidos da região atingida, mais pontiaguda for a ogiva do projétil e maior for a sua velocidade. Por outro lado, quando o projétil se mostra com deformações do tipo acidental, tanto pela alteração da velocidade como pelas modificações de seu formato cilindro-cônico, as dimensões do ferimento tendem a aumentar. No entanto, os projéteis de alta energia, pela capacidade de poderem girar 90° sobre si mesmos, são capazes, por isso, de provocarem um orifício de entrada muito maior que o seu diâmetro, chegando até ao seu comprimento total. Em face do disposto, afirma Domingo Tochetto, a cavitação ou cavidade temporária será maior próximo ao orifício de entrada (in Balística Forense – Aspectos Técnicos e Forenses, op. cit.). Mesmo assim não se pode afirmar o calibre da arma pelo diâmetro dos ferimentos. A forma também varia de acordo com a inclinação do tiro. Quando é perpendicular, o orifício é arredondado ou ligeiramente oblíquo, em virtude das linhas de força de certas regiões capazes de alterar a direção no sentido de suas fibras. Quando o tiro é oblíquo, a ferida é sensivelmente elíptica. Quando o projétil é deformado por colisão em superfície dura antes de penetrar no corpo, sua tendência é alterar a forma do ferimento, mesmo se sua incidência for perpendicular à superfície da pele. A orla de escoriação, ou anel de Fisch, também é conhecida como zona de contusão de Thoinot, zona inflamatória de Hoffmann, halo marginal equimótico-escoriativo de Leoncini, orla erosiva de Piedelièvre e Desoille ou orla desepitelizada de França. Essa orla tem aspecto concêntrico nos orifícios arredondados, e em crescente ou meia-lua, nos ferimentos ovalares. Seu exame detalhado é muito importante, pois pode esclarecer a direção do tiro. Nos tiros perpendiculares ao corpo, a orla de escoriação é concêntrica, e, quando inclinados, tem a forma oblíqua. É um sinal comprovador de entrada de bala a qualquer distância. Nas vísceras, principalmente no pulmão, o ferimento de entrada apresenta o halo hemorrágico visceral de Bonnet (Figuras 4.33 e 4.34). Não se observa no de saída (Figura 4.35). A orla de enxugo, também chamada de orla detersiva de Canuto e Tovo, é representada pelas impurezas deixadas pelo projétil no anel interno do ferimento de entrada. Apresenta ainda a aréola equimótica, fenômeno já descrito e que tem por origem a formação de uma equimose bem justa ao ferimento em face do rompimento de capilares, vênulas e arteríolas atingidos pelo projétil. Quando presente, tem um colorido violáceo. Figura 4.31 Ferimento de entrada de projétil de arma de fogo. Orla de escoriação e halo de enxugo (tiro a distância). Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. Figura 4.32 Orla de escoriação (ferimento de entrada). Figura 4.33 Halo hemorrágico visceral (pulmonar). Figura 4.34 Halo hemorrágico visceral (cardíaco). Figura 4.35 Ferimentos de saída de projétil de arma de fogo. Bordas irregulares, evertidas e sangrantes. A figura B encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. Os ferimentos de entrada de bala em tiros a distância têm as bordas reviradas para dentro , fato explicado pela ação contundente das margens do ferimento, o qual, agindo de fora para o interior, deixa-as invertidas. O diagnóstico diferencial entre o ferimento de entrada e o de saída no plano ósseo, principalmente nos ossos do crânio, é feito pelo sinal de funil de Bonnet ou do cone truncado de Pousold. Na lâmina externa do osso, o ferimento de entrada é arredondado, regular e em forma de “saca-bocado”. Na lâmina interna, o ferimento é irregular, maior do que o da lâmina externa e com bisel interno bem definido, dando à perfuração a forma de um funil ou de um tronco de cone. O ferimento de saída é exatamente o contrário, como um amplo bisel externo, repetindo a forma de tronco de cone, mas, desta vez, com a base voltada para fora. Em outros ossos chatos, como, por exemplo, a escápula, levando em conta tais características, é plenamente possível determinar a direção do tiro, se de diante para trás ou de trás para diante (Figuras 4.36 e 4.37 A e B). Figura 4.36 Ferimento de entrada de projétil de arma de fogo (lâmina externa da calvária). Figura 4.37 Sinal do funil de Bonnet. A. Ferimento de entrada de projétil de arma de fogo (lâmina interna da calvária) B. Ferimento de entrada de bala (lâmina interna da calvária) (SML-HCE). A figura B encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. Há também quem aceite os ferimentos de entrada de tiros a média distância, considerando que sua forma é semelhante às entradas dos tiros a longa distância, caracterizando-se pelo chamado halo ou zona de tatuagem por causa dos grãos de pólvora incombusta e pela incrustação de partículas metálicas. Deixam para os tiros a curta distância tão só a zona de esfumaçamento, produzida pela fuligem advinda da queima de pólvora, e, para a caracterização dos tiros à queima-roupa, a presença da zona de chamuscamento da pele e de pelos crestados em torno do ferimento de entrada (Quadro 4.1). Quadro 4.1 Distâncias, geralmente, correspondentes às modalidades de disparo para armas convencionais de empunhadura (revólver e pistola) com munição usual (carga simples) utilizadas no Brasil (apud Muñoz & Almeida). Modalidade do disparo Distância Tiro de contato (arma apoiada na vítima e gases 1 projétil 1 partículas 1 fuligem 1 chama penetram no subcutâneo) Zero Tiro a queima-roupa (projétil 1 partículas 1 fuligem 1 chama atingem a vítima) Geralmente até 10 cm Tiro a curta distância (projétil 1 partículas atingem a vítima, mas não a chama) Geralmente de 10 a 50 cm Tiro a média distância (projétil 1 partículas atingem a vítima, mas não a fuligem nem a chama) Geralmente de 50 cm até 60 ou 70 cm, excepcionalmente até 2 a 3 m Tiro a longa distância (apenas o projétil atinge a vítima) Geralmente de 60 a 70 cm em diante Figura 4.38 Ferimento de entrada de projétil de arma de fogo em formato de “buraco de fechadura”. (Arquivo do Prof. Jorge Paulete Vanrell.) Finalmente, chamamos a atenção para um tipo de ferimento de entrada em formato de “buraco de fechadura”, nos ossos da calvária, quando o projétil tem incidência tangencial, porém com um mínimo de inclinação suficiente para penetrar na cavidade craniana. Assim, de início o projétil atinge tangencialmente o crânio, depois sua ponta começa a levantar um fragmento do osso e em seguida se verifica a sua penetração na cavidade craniana (Figura 4.38). FERIMENTO ÚNICO DE ENTRADA POR VÁRIOS PROJÉTEIS Excepcionalmente pode ocorrer a existência de um só ferimento de entrada e serem encontrados dois ou mais projéteis no interior do corpo ou projétil e ferimento de saída. Duas são as situações mais comuns para tais achados: a) tipos de cartuchos fabricados com dois ou mais projéteis acoplados; b) tiro disparado com projétil ou projéteis retido(s) na arma: “fenômeno do tiro encaixado” (Figura 4.39 A e B). Outras hipóteses como a de tiros encostados com arma automática são tão excepcionais que não se encontra registro sobre isso, em face do recuo e da ascendência da arma. Quando tal fenômeno acontece, geralmente a arma é do tipo revólver. O primeiro passo da perícia é identificar os projéteis com a arma suspeita, depois ver se estão oxidados ou brilhantes os projéteis, pois é comum encontrar-se só um deles brilhante. Examinar a base de um dos projéteis para ver se apresenta alguma depressão que abrigou a ogiva do outro projétil e ver também se nessa depressão da jaqueta de cobre existe chumbo (Figura 4.40 A e B). Nesses casos, os projéteis se comportam como um só, mas a tendência é que o primeiro seja empurrado pelo outro e que mesmo havendo um único ferimento de entrada, na maioria das vezes ele é irregular e bifenestrado. VÁRIOS FERIMENTOS DE ENTRADA POR UM SÓ PROJÉTIL Para que isso aconteça, basta que o projétil entre e saia de alguns segmentos ou regiões. Assim, por exemplo, é possível um projétil transfixar a coxa esquerda, o saco escrotal e a coxa direita deixando nesses seus trajetos três orifícios de entrada e três orifícios de saída. Apenas deve-se considerar que a partir do segundo ferimento de entrada estes não apresentam mais a forma circular e a regularidade do primeiro ferimento de entrada. Figura 4.39 A. Projéteis encaixados após tiro com um deles retido. (Instituto de Criminalística de Pernambuco.) B. Projéteis encaixados após tiro com dois deles retidos (a, b, c). (Instituto de Criminalística de São Paulo.) A figura B encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. Figura 4.40 A. Depressão na base do projétil anterior com fragmentos de chumbo (Instituto de Criminalística de Pernambuco). B. Ogiva do projétil posterior (Instituto de Criminalística de Pernambuco). Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. Ferimento de saída A lesão de saída das feridas produzidas por projéteis de arma de fogo tem forma irregular, bordas reviradas para fora, maior sangramento e não apresenta orla de escoriação nem halo de enxugo e nem a presença dos elementos químicos resultantes da decomposição da pólvora (Figura 4.35). A forma dessas feridas é irregular (em forma de fenda ou de desgarro), e o diâmetro, maior que o do orifício de entrada, pois o projétil que sai não é o mesmo que entrou. Deforma-se pela resistência encontrada nos diversos planos e nunca conserva seu eixo longitudinal. Todavia, em feridas produzidas por projéteis de alta energia, quando eles transfixam ao mesmo tempo dois corpos, o segundo corpo pode ter o ferimento de entrada com o diâmetro maior que o de saída, em face da possibilidade de o projétil sofrer uma rotação de até 90°, reencontrando-se, assim, com o seu verdadeiro eixo. A s bordas são reviradas para fora, em virtude de a ação do projétil se processar em sentido contrário ao de entrada, ou seja, de dentro para fora. São mais sangrantes pelo maior diâmetro, pela irregularidade de sua forma e pela eversão das bordas, permitindo, assim, um maior fluxo sanguíneo. Não têm halo de enxugo, porque as impurezas do projétil ficam retidas através de sua passagem pelo corpo. Não apresentam orla de escoriação em decorrência de sua ação no complexo dermoepidérmico, atuando de dentro para fora, a não ser que o corpo atingido pelo disparo esteja encostado em um anteparo e o projétil, ao sair, encontre resistência dos tegumentos (sinal de Romanese). Esses ferimentos também não apresentam em redor de si os chamados elementos químicos que se originam após o tiro pela decomposição da pólvora. Pode ser encontrada a aréola equimótica em derredor do ferimento de saída, pois o mecanismo de produção é o mesmo dos ferimentos de entrada. Finalmente, podem-se utilizar os trabalhos de Ökros por meio da prova histológica para estabelecer a diferença entre os ferimentos de entrada e os de saída: maior infiltração gordurosa no ferimento de saída e a presença de um anel de fibras colágenas no ferimento de entrada (in Contribuition à l’identification de l’orifice d’entrée et de sortie des blessures par arme à feu, Ann. Méd. Leg. Criminolog., Paris, 33(2), 83-89, 1953). Trajeto É o caminho percorrido pelo projétil no interior do corpo. Quando o ferimento é transfixante, seria teoricamente traçado por uma linha reta, ligando a ferida de entrada à da saída (Figura 4.41 A). Pode terminar em fundo cego ou perder-se dentro de uma cavidade. Alguns usam a expressão trajetória para todo o percurso do projétil, desde a sua saída da boca do cano até o local de sua parada final. O trajeto dessas feridas é o mais variável, desde as linhas retas até as linhas curvas, criando ângulos os mais caprichosos e inesperados. Vai depender de muitas condições, desde a distância do disparo à região atingida do corpo. Em geral, são as estruturas ósseas responsáveis pelos desvios mais acentuados do projétil. Diante de um plano elástico e móvel, ou sobre a superfície curva de determinados ossos, como, por exemplo, as costelas e a calvária, pode a bala fazer um semicírculo, entrando na parte anterior do corpo e saindo lateralmente, sem penetrar em uma das cavidades. São o s colpi circungerandi ou colpi contornandi, dos italianos; coups tornants, dos franceses; ringschuss, dos alemães; ou, simplesmente, fenômeno da bala giratória. A luz do canal formado pelo trajeto sempre apresenta sangue coagulado – sinal valioso de reação vital; tecidos lacerados, desorganizados e infiltrados por sangue; corpos estranhosprovenientes de outras regiões, como esquírolas ósseas. Para rastrear um projétil, basta seguir a infiltração de sangue. Não é raro o projétil desviar-se por encontrar um órgão móvel. Uma bala que entre no coração, seu movimento poderá dar a esse projétil o destino mais desconcertante possível. Não se diga que é absurdo uma bala penetrar no coração e ser levada pela corrente circulatória até a bifurcação das artérias ilíacas. O desvio, às vezes, chega a formar um ângulo agudo. Nerio Rojas relata um caso de suicídio em que o projétil penetrou na região temporal direita, foi até a região temporal esquerda, daí voltando em ângulo para baixo, indo alojar-se no lobo temporal direito, bem próximo ao ferimento de entrada. Não é tão raro encontrar situações em que um único projétil é capaz de transfixar vários segmentos ou partes do corpo, com orifícios de entrada e saída, constituindo o que se poderia chamar de “trajeto em chuleio” ou “trajeto em alinhavo”. Por exemplo, transfixar um braço, uma mama, a outra mama e o outro braço, ou outras variantes (Figura 4.41 B). Nesses casos a primeira ferida de entrada chama-se “ferida primária” e as demais “feridas secundárias” ou “feridas de reentrada”. Assim, não deve esquecer o perito desses interessantes e paradoxais trajetos das feridas produzidos por um projétil de arma de fogo. Só uma necropsia cuidadosa poderá esclarecer, com detalhes, todas essas particularidades, a fim de que o julgador encontre na prova técnica uma imagem, se não exata, pelo menos bem aproximada da dinâmica do evento. Só um pormenor bem assinalado tem o poder de transportar o analista do relatório para o momento circunstancial do delito. Figura 4.41 A. Trajetos de projéteis de arma de fogo (IML/DF). B. Trajeto em “chuleio” por um único projétil de arma de fogo. (Arquivo do Prof. Gerson Odilon Pereira.) Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. Ter sempre em conta que é importante considerar a relação entre o trajeto do projétil e a posição da vítima em referência ao agressor ou à linha de tiro, pois nem sempre o trajeto estudado no cadáver em decúbito dorsal no necrotério é a continuidade exata da linha de trajetória da bala até o corpo. Finalmente, jamais deve esquecer o perito que esses projéteis, ao serem encontrados, não podem ser retirados com ajuda de instrumental metálico, a fim de não lhes causar qualquer alteração que possa falsear um resultado no exame de balística. Usar sempre as mãos para retirar o projétil e, mesmo que sua retirada seja dificultada, por exemplo, pelo encravamento em uma estrutura óssea, ainda assim deve ser libertado por manobras que não venham a atingi-lo. Lesões produzidas por projéteis múltiplos O disparo de projéteis múltiplos pode produzir um ou vários ferimentos, com características que dependem da distância do tiro ou dos elementos integrantes da carga. Em geral são constituídos de pequenas e inúmeras esferas metálicas, de chumbo ou antimônio, contidas em cartuchos cilíndricos de metal ou papelão. Nos disparos dados a curta distância, o ferimento é geralmente único, em virtude de todos os elementos da munição, como uma só massa, entrarem por um único pertuito (Figura 4.41 A). É de grande dimensão e, quase sempre, com perda ou desgarramento parcial de retalhos da pele, dandolhe uma forma irregular e estrelada. Pode apresentar em seu derredor orla de esfumaçamento, zonas de queimaduras, pequenas feridas de uma ou outra esfera e halo de tatuagem. O trajeto está caracterizado por um túnel de paredes irregulares, anfratuosas e laceradas. O ferimento de saída é sempre representado por uma ferida contusa, muito irregular, com bordas evertidas e, de acordo com a região atingida, acompanhada de conteúdo visceral ou de fraturas múltiplas. Nos disparos dados a distância, os ferimentos são múltiplos e pequenos, perfurocontusos, de cor enegrecida, de forma e tamanhos que variam conforme o tipo de esfera utilizada. Seus inúmeros trajetos são variados, dependendo das regiões atingidas e dos impactos sofridos. Os ferimentos de saída são muito raros, principalmente quando a área de dispersão é grande; exceção se faz quando a estrutura atingida não oferece maior resistência. Lesões produzidas por projéteis deformados As deformações do projétil, quando alteram seu aspecto cilindro-cônico por colisão em superfície dura, tendem a modificar a forma e as dimensões do ferimento por ele causado, mesmo quando incide perpendicularmente sobre a superfície da pele. Este tipo de ferimento tem sempre a forma irregular-estrelada, em forma de fenda ou de sulco. Em geral, os ferimentos de entrada produzidos por projétil de arma de fogo, quando incidem perpendicularmente sobre o corpo, mostram-se de forma arredondada. Além disso, têm como característica importante a orla de escoriação, motivada pelo movimento rotatório da bala antes de penetrar no corpo. Todavia, se o projétil encontra um obstáculo antes de entrar no corpo, deformando-se, perde em parte ou no todo este movimento de rotação e, portanto, desmotiva a formação da orla de escoriação ou orla erosiva. Estes ferimentos, também, quando penetram em sentido perpendicular ao plano atingido, têm sempre dimensões iguais ou inferiores às do calibre da bala, e são tanto menores quanto mais elástica for a pele da região afetada e quanto mais pontiaguda for a ogiva do projétil. No entanto, quando este se mostra com deformações do tipo acidental, tanto pela alteração da velocidade como pelas modificações do seu formato cilindro-cônico, as dimensões do ferimento tendem a aumentar. As deformações que se podem verificar em um projétil após o tiro são produzidas pela alma raiada do cano da arma (normais), pelo desalinhamento cano-câmara (periódicas) ou pelo seu impacto em estruturas atingidas (acidentais). As primeiras deformações chamadas normais, sejam macro- ou microscópicas, são aquelas que se verificam durante o trajeto do projétil no interior do cano, impressões essas deixadas pelos “cheios” e “ressaltos” das armas de alma raiada, e são utilizadas para identificação da arma. São pequenas irregularidades conhecidas como raias. As deformações ditas periódicas são aquelas produzidas pela má apresentação de câmara ao cano, em face de seu mau alinhamento. São chamadas de periódicas porque com o giro do tambor uma ou outra câmara pode apresentar estas alterações em virtude do desalinhamento em relação ao cano. Sendo assim, nem todos os projéteis expelidos por esta arma de fogo com tal alteração vão apresentar tais deformações. As deformações acidentais são motivadas por impacto posterior e não produzido pela arma. Estas deformações acidentais podem estar representadas por amolgamentos, torções, dilacerações, sulcagens e fragmentações, sempre provocadas por alvos de razoável consistência. Mesmo para os projéteis de chumbo nu, tendo em conta sua relativa plasticidade, há necessidade de uma certa resistência dos locais atingidos. Assim, no corpo humano, admite-se que apenas os ossos sejam capazes de favorecer uma deformidade a ponto de imprimir modificações na ogiva e no corpo cilíndrico do projétil. Diagnóstico das feridas cicatrizadas Os pacientes que sobrevivem aos ferimentos por bala e procuram a perícia algum tempo depois, ou os que morrem alguns dias após tais eventos, pelo fato de apresentarem esses ferimentos já cicatrizados, constituem situações muito delicadas, principalmente quando o processo de cicatrização já está muito adiantado. Nesses casos, pelo mascaramento provocado, não só pela regeneração dos tecidos, mas também pelo desaparecimento dos elementos característicos das feridas perfurocontusas, é muito difícil o diagnóstico médico-legal da ferida e do tipo de instrumento causador. Diante de tal circunstância, recomenda-se o diagnóstico histoquímico, por meio de uma técnica microquímica específica para chumbo, utilizando o rodizonato de sódio, com a finalidade de evidenciar, nos cortes histológicos da lesão, algum fragmento do projétil, sob forma metálica ou iônica. A técnica é simples e consiste na retirada de um pequeno fragmento de pele da cicatriz, sua fixação em formaldeído a 10% tamponado, inclusão e impregnação em parafina, cortes histológicos de 6 micrômetros de espessura, desparafinação em xilol ou tolueno, desidratação em alcoóis de concentração decrescente e água destilada. Depois, gotejamento sobre o corte histológico de solução do rodizonato de sódio a 0,1% e secagem em estufa por um minuto. Novo gotejamento de uma solução-tampão contendo bitartarato de sódio ou potássio (1,9 g), ácido tartárico (1,5 g) e água destilada q.s.p. 100 ml (Técnica do Instituto Médico-legal Renato Chaves). Nos casos positivos, vamos encontrar um halo intensamente violeta em torno dos grânulos incrustados no tecido conjuntivo denso da derme. Pesquisa de microvestígios orgânicos em projéteis Hoje, mais do que nunca, o exame do projétil de arma de fogo é de incalculável valor na aplicação da moderna criminodinâmica. Tendo-se em conta a disponibilidade cada vez maior dos recursos técnicos em práticas laboratoriais, tornou-se imprescindível a pesquisa de microvestígios orgânicos em projéteis retirados do corpo humano, no sentido de se determinar a identificação da vítima com seus autores. Ao penetrar na intimidade dos tecidos, o projétil guarda consigo inúmeras micropartículas orgânicas capazes de permitir o diagnóstico destas estruturas permeadas como fragmentos de pele, de ossos, de músculos e de vísceras e sangue. Tais estruturas podem ser identificadas pelos processos histológicos e pelos reagentes conhecidos. Isto não só para comprovar seu contato com o corpo humano ou animal, mas para afirmar se eles atingiram determinados órgãos, ou ainda para estabelecer um vínculo de relação entre eles e determinada vítima. Atualmente, com as técnicas em DNA, avançou-se muito na questão da identificação da vítima com o projétil. Recomendamos para este fim retirar com muita delicadeza a matéria orgânica do projétil que se alojou no corpo ou o traspassou e colocar este material dentro de um recipiente contendo pequena quantidade de soro fisiológico. Ou retirando-se com muito cuidado pequenos fragmentos do material existente no projétil, esmagando-o suavemente entre duas lâminas, e depois enviando-as ao laboratório para a devida preparação e leitura. Tão importante é este exame, que não se pode mais aceitar a ideia de que a solicitação de pesquisa de microvestígios fique a critério dos peritos criminais, pois, em não se agindo assim, é possível se levantarem dúvidas quanto a sua autenticidade de origem. É do conhecimento de todos que um projétil que penetra ou transfixa a vítima sempre apresenta vestígios de tecidos humanos. Por isso, é de significativa importância a coleta de projéteis no local dos fatos, principalmente quando há mais de um morto e quando se presume ter vários autores. Somente com a retirada do material orgânico neles contidos, existe a possibilidade de identificá-los com as vítimas. O fato de não se realizar uma pesquisa de microvestígios orgânicos em projéteis encontrados em locais dos fatos impossibilita a afirmação de sua intimidade com um corpo de cada vítima e, portanto, dando margem a especulações de que ele carece de uma autenticidade de origem. O verdadeiro destino da perícia é informar e fundamentar de maneira objetiva os elementos consistentes do corpo de delito e, se possível, aproximá-lo mais e mais de uma provável autoria. Só assim, é possível garantir o direito das partes, fazendo com que a dúvida não atormente a Justiça, e a sentença não se transforme em uma tragédia. Lesões produzidas por projéteis de alta energia Hoje, com o advento de novas técnicas utilizadas no aprimoramento das armas de fogo, com modificações significativas da velocidade inicial, da aceleração e do deslocamento do centro de gravidade do projétil, algumas alterações vão surgindo no seu resultado final. Assim, os ferimentos de entrada produzidos por esses projéteis de alta velocidade foram mudando de forma, podendo apresentar vultosas áreas de destruição dos tecidos atingidos, deixando à mostra regiões ou estruturas mais profundas, com orifícios muito maiores que o diâmetro do projétil. Outras vezes, a orla de escoriação está ausente ou pouco nítida, e as bordas do orifício são irregulares e apresentam radiações (Figura 4.42). Quando encontram maior resistência, como, por exemplo, no tecido ósseo, apresentam-se como verdadeiras explosões. Os ferimentos de saída, na maioria das vezes, têm a forma de rasgões, como se a pele fosse puxada e rasgada (Figura 4.43). O estudo da balística de alta energia nos leva a rever alguns conceitos e algumas razões da balística tradicional. Assim, nos projéteis de alta energia, com velocidade superior a 750 m/s, alterase o coeficiente balístico (CB 5 m/ld2) e foram introduzidas variáveis nos elementos estabilizadores (rotação, massa elevada e posição frontal do centro da massa), alteração no tocante ao arrasto (resistência que o meio oferece ao deslocamento do projétil), o qual pode se alterar pelos fatores velocidade, calibre do projétil e densidade do meio. A penetrabilidade do projétil: , em que B é o espaço percorrido, P o peso do projétil, S a área da secção (pd2/4), d o diâmetro e V a velocidade linear. Figura 4.42 Ferimento de entrada de projétil de alta energia (Delmonte, IML/SP). Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. Figura 4.43 Ferimento de saída de projétil de alta energia. (Arquivo do Dr. Carlos Henrique S. Durão.) Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. Quando se trata de balística dos ferimentos por projéteis de alta energia, um fenômeno que não pode ser esquecido é o das ondas pressórica e de choque, principalmente quando elas apresentam grande amplitude, pois, ao colidirem com tecidos mais resistentes, essa ação origina ondas muito mais intensas que se potencializam pela superposição de uma outra onda incidente, provocando um efeito verdadeiramente arrasador. O fenômeno da cavitação, embora já observado há muitas décadas nos projéteis de baixa energia, agora, com o surgimento dos projéteis de alta resolutividade, apresenta cavidades temporárias nos sentidos transversal e longitudinal, em face da aceleração brusca dos tecidos. Figura 4.44 Formação da cavidade temporária e da lesão definitiva: (1) primeira expansão; (2) primeiro colapso; (3) segunda expansão; (4) rastros de bolhas de ar (apud Berlin, in Delmonte). Esta cavidade, formada de vapor de água, entra em colapso, ocorrendo várias expansões, conhecidas como cavitação temporária pulsante. E, no final do processo, observa-se um rastro de pequenas bolhas de ar. Por outro lado, verifica-se a cavidade permanente, que tem em média as dimensões transversais do projétil. Assim, têm-se: (1) a primeira expansão; (2) o primeiro colapso; (3) a segunda expansão; e (4) a formação de bolhas de ar (Figura 4.44). Desse modo, hoje, além do interesse do estudo dos ferimentos de entrada e saída e do trajeto do projétil, não se podem omitir as considerações do túnel de lesão. Da mesma maneira, não se pode ficar indiferente aos ferimentos de entrada dos projéteis de alta energia, quando se mostram maior que a secção transversal do projétil, exatamente em face da formação precoce da cavidade temporária e da proximidade do ponto de colisão. O túnel da lesão, nos casos de projéteis de alta energia, é formado de extensa laceração de tecidos, mostrando, às vezes, material aspirado do meio e de estruturas vizinhas. Isso sem levar em conta os efeitos dos projéteis secundários, provenientes de estruturas laceradas de maior consistência, como os fragmentos ósseos. Todos esses fatos, porém, em nada alteram os conceitos e os efeitos conhecidos dos projéteis de baixa energia, os quais continuam a merecer as mesmas interpretações e justificativas. Novos conceitos de distância de tiro e de ferimentos de entrada em tiros próximos As armas que apresentam compensadores de recuo alteram profundamente o formato do residuograma e deixam de apresentar os formatos habituais nos tiros encostados ou bem próximos ao alvo. Assim, por exemplo, os ferimentos em “boca de mina” nos tiros encostados não são encontrados quando as armas que os deflagram apresentam os compensadores de recuo, isso em virtude da dispersão dos gases pelos furos da extremidade distal do cano da arma (Figura 4.45). Deliberações sobre técnicas recentes Durante o I Seminário Nacional de Balística Forense, realizado de 20 a 25 de outubro de 1996, na cidade de Porto Alegre, tendo-se levado em conta os novos fundamentos técnicos aplicáveis à balística forense e considerando-se: (I) que os chamados exames de recenticidade do tiro não se revestem de idoneidade, por não definirem data nem período provável de tiro de arma de fogo; (II) a especificidade dos reagentes disponíveis, a não garantia de que as espécies químicas liberadas da munição durante o tiro se depositam na mão do atirador, assim como a comprovada ineficiência dos meios disponíveis das pré-faladas espécies e as suas origens, não se podem valorar estes exames sob critérios técnico-científicos irrefragáveis; (III) que os exames de resíduos de tiro nas armas de fogo e nas mãos, vestes e objetos de suspeitos podem ser feitos pelo uso das técnicas de rodizonato de sódio, absorção atômica e, de preferência, por microscópio eletrônico de varredura, devendo ser excluída, definitivamente, a prova de parafina (difenilamina sulfúrica); (IV) que a presença ou ausência de resíduos compatíveis com os provenientes do tiro, na mão do suspeito, não pode ser usada como único elemento de vinculação com a ocorrência, não devendo ser utilizada para diagnóstico diferencial entre suicídio e homicídio; (V) que a determinação da distância de tiro, tendo em vista a diversidade de configurações de canos e acessórios produtores de distintas configurações morfológicas de residuogramas, não poderá ser realizada se não se utilizar da mesma arma e de munição com a mesma especificidade das utilizadas no fato gerador de exame. Figura 4.45 Diferenças entre disparos de arma de fogo com e sem compensador de recuo, em tiros encostados e a 5 cm, em tecido e papel. A. Revólver Taurus, calibre .38 Special, cano com 4”: (1) tiro encostado (papel); (2) tiro a 5 cm (papel). B. Revólver Taurus, calibre .357 Magnum, cano com 4”, com compensador de recuo: (1) tiro encostado (papel); (2) tiro encostado (tecido); (3) tiro a 5 cm (tecido). (Arquivo de Domingos Tochetto.) Recomendaram-se: • que os exames mencionados no item I sejam considerados obsoletos • que os exames referidos nos itens III e IV sejam realizados conforme proposto, devendo as autoridades competentes providenciar a qualificação dos profissionais e fornecer os equipamentos necessários para a realização de tais exames • que o contido no item V deva ser considerado apenas de orientação. Ainda reivindicaram-se às autoridades que sejam tomadas medidas no sentido de proibir a fabricação, venda e importação de projéteis e/ou cartuchos em revestimento de náilon ou “teflon”, bem como a recarga destes projéteis; que sejam estudadas medidas visando fazer com que as fábricas de armamentos também gravem no cano das armas de fogo a mesma numeração de série da arma, bem como uma simbologia que indique peça de reposição: que seja criado pelas autoridades um banco de dados sobre balística no Distrito Federal, visando ao acesso de consulta dos órgãos interessados dos Estados brasileiros e demais países do Mercosul; que seja implementado o intercâmbio dos Cadastros Nacionais de Armas de Fogo e dos Bancos de Dados de Balística Forense nos países do Mercosul; que seja viabilizada a obrigatoriedade da participação de Perito Oficial nas licitações para aquisição de arma de fogo por órgãos públicos, e na sua aquisição de equipamentos específicos para os Institutos de Criminalística. Protocolo de necropsia em morte por arma de fogo suspeita de execução sumária RECOMENDAÇÕES DAS NAÇÕES UNIDAS (MANUAL DE PREVENÇÃO E INVESTIGAÇÃO DAS EXECUÇÕES EXTRALEGAIS, ARBITRÁRIAS E SUMÁRIAS) Toda morte suspeita de causa controvertida necessita de esclarecimentos, exigindo que a perícia seja feita de forma minuciosa. O ideal seria que nos casos de suspeita de execução extralegal, arbitrária e sumária por disparo de arma de fogo a perícia fosse realizada de forma isenta de conivência, em locais dotados de meios e recursos para tais fins e feitas por peritos especificamente preparados para exames nessas circunstâncias e capazes de seguir um protocolo mínimo para assegurar um exame sistemático no sentido de facultar uma ideia positiva ou negativa em torno do fato que se quer apurar (Figura 4.46). A finalidade em tais perícias é reunir o maior número de informações para assegurar a identificação do morto, a determinação precisa da causa mortis e da causa jurídica da morte e a descrição e caracterização das lesões violentas. Para tanto se propõe que o cadáver fique à disposição da instituição médico-legal pelo menos por 12 h. Figura 4.46 Execução sumária e arbitrária. (Arquivo do Prof. Penna Lima.) RECOMENDAÇÕES, ALÉM DO QUE É PRAXE EM TODAS AS NECROPSIAS MÉDICO-LEGAIS 1. Proteger, analisar e encaminhar as vestes para os devidos exames em laboratório; 2. Proteger as mãos da vítima com sacos de papel ou plástico, anotar a hora do início e do término da perícia e fotografar em cores as lesões mais significativas e, também, fotografar a sequência do exame interno e externo, tendo o cuidado de usar escalas, números e nomes para identificação do caso; 3. Valorizar o exame externo do cadáver, o que, em muitos casos, é a parte mais importante, como nos casos de tortura ou maus-tratos. O mesmo se diga quanto à valorização da temperatura, do estado de preservação, da rigidez e dos livores cadavéricos para avaliação do tempo aproximado de morte; 4. Descrever em detalhes as lesões produzidas pelos projéteis de arma de fogo quanto a forma, direção, trajeto, inclinação e distância de tiro e, se possível, estabelecer a determinação da ordem dos ferimentos; 5. Recolher amostras de sangue de pelo menos 50 ml de um vaso subclávio ou femoral; 6. Examinar bem a face, com destaque para os olhos, nariz e ouvido, assim como o pescoço interna e externamente em todos os seus aspectos; 7. Examinar os genitais e, em casos suspeitos de violência sexual, examinar todos os orifícios, recolher pelos pubianos, secreções vaginal e anal para exames em laboratório; 8. Trocar o maior número de informações com a criminalística; 9. Recolher insetos presentes em cadáveres encontrados após algum tempo de morte para estudo entomológico forense; 10. Acondicionar os projéteis encontrados no local e retirados do cadáver assegurando da melhor forma a sua inviolabilidade; 11. Documentar e radiografar toda lesão do sistema ósseo, especialmente as fraturas dos dedos das mãos e pés; 12. Extrair amostras de tecido no trajeto da ferida e microvestígios biológicos dos projéteis para exame microscópico; 13. Recolher amostras de vísceras para exame toxicológico e guardar parte das amostras para possível reexame; 14. Utilizar todos os meios possíveis e necessários para a identificação da vítima; 15. Obter, quando o paciente foi hospitalizado antes da morte, todos os dados e registros relativos a admissão, evolução, medicação e causa mortis. Lesões produzidas por ação cortocontundente São ferimentos produzidos por instrumentos que, mesmo sendo portadores de gume, são influenciados pela ação contundente, quer pelo seu próprio peso, quer pela força ativa de quem os maneja. Sua ação tanto se faz pelo deslizamento, pela percussão, como pela pressão. São exemplos desse tipo de instrumento: a foice, o facão, o machado, a enxada, a guilhotina, a serra elétrica, as rodas de um trem, a tesoura, as unhas e os dentes. As lesões verificadas por essa forma de energia são chamadas cortocontusas. Têm forma bem variável, dependendo da região atingida e da inclinação, do peso, do gume e da força viva que atua. Sendo o instrumento mais afiado, predominam as características dos ferimentos cortantes. Quando o fio de corte não for vivo, prevalecem os caracteres de contusão nos tecidos. São lesões quase sempre graves, fundas, alcançando mais profundamente os planos interiores e determinando as mais variadas formas de ferimentos, inclusive fraturas (Figura 4.47) . Não apresentam cauda de escoriação nem pontes de tecidos íntegros entre as vertentes da ferida, o que as diferencia das feridas cortantes e contusas, respectivamente. Figura 4.47 Lesão produzida por ação cortocontundente (foice). O diagnóstico é feito através do estudo cuidadoso das bordas da ferida, sua profundidade, comprometimento com os órgãos mais internos, entre eles os ossos, fazendo-se assim a distinção entre esses instrumentos e os cortantes propriamente ditos. Pode-se incluir dentro do conjunto destas lesões um quadro representado pela redução do corpo a fragmentos diversos e irregulares, mais comuns nas mortes por acidentes ferroviários, denominado espostejamento (Figura 4.48). Esta ocorrência, no entanto, pode ser usada como forma de dissimular uma morte por homicídio, quando o cadáver é colocado na via férrea para confundir com suicídio ou acidente, mas que a perícia tem condições de evidenciar as características vitais dos ferimentos, a verdadeira causa da morte e outros achados que possam desqualificar aqueles intentos. A tesoura, quando utilizada de forma convencional, é um instrumento de ação cortocontundente. No entanto, quando é usada de modo agressivo, produz lesões cutâneas de entrada de acordo com a disposição de suas lâminas. Quando introduzida com as lâminas fechadas produz uma ferida única, de forma ovalar, semelhante às produzidas por instrumentos perfurantes de médio calibre. Quando produzida com as lâminas abertas produz quase sempre duas feridas. As extremidades proximais das feridas, correspondentes às produzidas pelas bordas cortantes da tesoura, têm formato de ângulo agudo e podem apresentar pequenas caudas de escoriação, e as extremidades distais têm ângulos arredondados. Mordeduras Um exemplo bem peculiar dessas lesões cortocontundentes, que se apresentam com características próprias, é a mordedura ou dentada, produzida pelo homem ou por animais, que são sempre pesquisadas na pele humana, em alimentos e em objetos. Tem por ação uma forma de mecanismo que atua por pressão e secção, principalmente quando provocada pelos dentes incisivos. O mesmo se diga dos animais herbívoros, cujas peças dentárias anteriores se assemelham aos incisivos humanos. Por outro lado, os dentes dos animais carnívoros são mais perfurantes. O mecanismo da dentada é o mesmo da mastigação, mudando apenas a intensidade com que o agressor impõe nessa ação. Raramente atuam os pré-molares e molares. Já o animal morde sempre com mais intensidade, com golpes múltiplos, com movimentos de lateralidade e, por isso, em geral produzem feridas multiangulares e com perda de substância. Dessa forma, as marcas de mordidas produzidas por mordeduras de pouca violência se apresentam em forma de equimoses e escoriações. As produzidas com maior violência são representadas por feridas, lacerações e em algumas oportunidades acompanhadas de arrancamento de tecidos, muitas delas mutilantes, como na orelha, nariz ou papila mamilar (Figura 4.49). A impressão deixada pela mordida corresponde a cada elemento dentário e a sua ausência pelos elementos faltosos, e quanto maior for essa ausência mais difícil torna-se a identificação do seu autor. Entender também que dificilmente se encontra a impressão completa de uma mordedura, pois muitos são os fatores que contribuem para tanto, como a pressão da mordedura, a reação da vítima, a elasticidade dos tecidos atingidos, a proteção das vestes, entre outros (Figura 4.50). Quando a dentada na pele não é muito violenta, permanecem apenas as marcas dos dentes (arcos dentários), alinhados em forma de meia-lua, tomando o aspecto de duplo parêntese com o outro arco dentário. Podem resultar em simples feridas, mais ou menos profundas ou no degradamento em bloco de tecidos. Em geral, são de pouca gravidade, quando produzidas pelo homem, e mais graves quando por animais. A maior gravidade, no entanto, reside no aspecto estético da lesão. Se produzidas pelo homem, tais lesões são sempre dolosas ou simuladas. Têm um grande valor para a perícia. Pode a marca de uma dentada na vítima identificar o agressor, como uma dentada no agressor pode estabelecer o relacionamento com a vítima. Figura 4.48 Espostejamento. Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. (Arquivo do Prof. Penna Lima.) Figura 4.49 Amputação da papila mamilar por dentada humana. Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. Figura 4.50 Marca de mordida. (Arquivo do Dr. Carlos Henrique S. Durão.) Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. Foi assim o caso francês da viúva Cremieux, morta por estrangulamento, deixando na mão do criminoso a marca de sua dentada. Um farmacêutico que atendeu ao ferido informou à polícia. O mestre Paul Brouardel foi convidado a intervir, tirando o molde das arcadas dentárias da vítima, que coincidiu exatamente com a ferida do acusado, que veio a confessar o crime. A primeira providência da perícia é fotografar a lesão produzida pela mordida e, em seguida, tratar dos meios para sua modelagem (Figura 4.51 A e B). Caso sejam encontradas partes destacadas de tecido, estas devem ser preservadas convenientemente para os estudos comparativos e histológicos. Na descrição da lesão deve-se indicar a sua localização, sabendo-se que os locais prediletos são as partes descobertas de vestes, pontos mais salientes da face e regiões de menor resistência tecidual. Deve-se também assinalar se a dentada foi produzida no indivíduo vivo e, como tal, qual o tempo decorrido da agressão. Não perder de vista que algumas dentadas podem ter sido provocadas por animais depois da morte do indivíduo. Na maioria das vezes, o diagnóstico das dentadas não é difícil, notadamente se as lesões delas decorrentes são recentes e se foram produzidas pelo homem. Nas dentadas produzidas por animais, levando-se em conta os ferimentos irregulares, com arrancamento de tecidos e certa mutilação, a multiplicidade de golpes, escoriações em torno das mordeduras e lesões produzidas pelas garras do animal, o diagnóstico é mais complexo, sendo mais difícil ainda dizer-se qual o tipo da espécie agressora. Podem-se dividir essas lesões em quatro graus: 1o grau: equimoses e escoriações representadas por mossas superficiais, com reais possibilidades de identificar as arcadas do agressor; 2o grau: equimoses e escoriações mais nítidas e profundas, prestando-se melhor à identificação do seu autor; 3o grau: feridas contusas comprometendo a pele e a tela subcutânea e a musculatura, porém sem avulsões de tecidos; 4o grau: lacerações com perda razoável de tecidos e possíveis alterações estéticas (orelhas, nariz e lábios), que, na sua maioria das vezes, não permitem uma identificação com os dentes do autor da dentada. Quando a dentada é produzida em alimentos, modifica-se de acordo com a sua consistência, variando pois, e de acordo com a maior ou menor penetração dos dentes. Nesses casos, devido à fragmentação de uma porção do alimento, a perícia será realizada da parede de fratura remanescente e o estudo será através da identificação das marcas das superfícies vestibulares dos dentes superiores e inferiores e pelo percurso realizado pela dentada. Quase sempre as unidades dentárias inferiores alcançam maior profundidade, como por exemplo nas mordidas em uma maçã. Figura 4.51 A. Modelo de gesso, com as faces incisais circundadas. B. Imagens sobrepostas. (Marques, Nogi e Melqui.) Modelos de laudos de mordeduras 1. LESÃO POR MORDEDURA HUMANA Preâmbulo Em atendimento ao Ofício de no 15/99, da 1a DP, referente à ocorrência de no 72/99, solicitando exame de marcas, suspeitas das produzidas por dentada no corpo da estudante MLM, o Diretor deste Departamento de Medicina Legal designou os Drs. Robson Paredes Moreira e Maria do Socorro Pereira, ambos odonto-legistas, para realizarem os exames periciais pertinentes e responderem aos seguintes quesitos: 1. Trata-se de marca de mordida? 2. Se a mordida é humana ou animal? 3. Se a mordida foi produzida em vida ou após a morte? 4. Se há condições de identificação de quem a produziu? Histórico Estudante, MLM, 17 anos, encontrada sem vida no interior de sua residência após festa de confraternização com alguns amigos. Descrição Às treze horas do dia 10/10/99, nas dependências deste DML, realizamos exame pericial no cadáver do sexo feminino, sobrancelhas retilíneas, íris castanho-escuras, nariz mesorrino, boca média, a face guardando sua integridade anatômica, a mesma apresentando na região deltoide posterior, lado direito, um conjunto de feridas contusas, com muitas características cortantes, produzidas pelo mecanismo das contusões, isto é, por pressão sem deslizamento, tendo formato de dois semiarcos de concavidades voltadas uma para a outra, com bordas irregulares, mostrando equimoses nas adjacências, e medindo o arco maior, aproximadamente 3,8 cm, e o arco menor em torno de 3,4 cm, de profundidades variáveis de 2,0 mm a 4,0 mm, mostrando-se com forma de simples escoriação e equimose de coloração vermelha (02); as demais lesões apresentam-se com área de contusão, equimose, laceração tecidual, extravasamento de sangue nos seus leitos, tendo sido identificado um total de 12 lesões, que formam todo conjunto (foto 1); removido fragmento de pele e tecido subcutâneo adjacente do ombro da vítima (foto 2). Discussão As escoriações simples encontradas na lesão referem-se a pouca pressão aplicada nessas localidades, possivelmente devidas ao uso de peças protéticas, cuja energia se faz diminuir consideravelmente; as impressões das lesões adjacentes mostram-se com angulações mesiovestibularizadas; a ausência dos pontos naturais de contato dos elementos dentários, decorrentes de avulsões, faz com que os elementos dentários migrem, buscando preencher aquele espaço, levando ainda a esses elementos a girarem em seu próprio eixo, levando ainda, a extração dos elementos antagônicos. As equimoses de morfologia e coloração vermelha são condizentes com a lesão recente, produzida em vida e, no caso, o óbito se deu com menos de vinte e quatro horas após a lesão ter sido produzida. O conjunto de tecidos adjacentes à lesão foi removido e permanecerá sob a guarda, conservação e preservação deste DML, para possível exame de identificação do portador das arcadas que a produziu. Conclusão Ferimentos produzidos por instrumentos cortocontundentes, de características compatíveis com as mordeduras humanas, cujo traumatismo foi produzido em um tempo menor que vinte e quatro horas. Anexo Fotografias da lesão e do retalho tecidual, contendo a lesão, colhido do ombro da vítima. Resposta aos quesitos 1. Sim; 2. Mordedura é humana; 3. Produzida em vida; 4. Sim. 1o perito: Robson Paredes Moreira 2o perito: Maria do Socorro Pereira 2. IDENTIFICAÇÃO DA ARCADA DE UM SUSPEITO DE MORDEDURA Preâmbulo Nas dependências deste DML, em 10/10/99, os peritos RPM e MSP, odonto-legistas, designados pelo Diretor deste DML, passam a realizar perícia de identificação das arcadas que produziu mordedura no corpo da estudante MLM, 17 anos, encontrada sem vida no interior de sua residência em 10/10/99, e tendo como suspeito AAA. Quesitos 1. É possível se estabelecer uma identidade para mordeduras humanas? 2. Existem condições de identificação da sua autoria? 3. Pode-se precisar quem a produziu? Histórico O suspeito AAA conta que no dia 09/10/99 esteve na festa da casa de sua colega MLM, tendo o mesmo deixado o local por volta das duas horas da madrugada na companhia de outros convidados desconhecidos. Descrição Do material colhido do suspeito AAA a. Odontograma; b. Modelagem das arcadas, com prótese (perereca) instalada; c. Impressão da mordedura em material plástico, com a prótese instalada, e seus respectivos modelos em gesso Paris (foto 2); d. Fotografia da impressão colhida em material plástico (cera). Análise do material de confronto Do material colhido no ato pericial na vítima MLM a. Fotografia da lesão; b. Peça com conteúdo da lesão em bom estado de conservação; c. Esquema com diagrama da lesão. Análise da imagem fotográfica colhida no corpo da vítima 1a – Múltiplas lesões contusas de aspecto misto, formando dois semiarcos opostos de convexidade voltada para fora; 2a – Presente em cada semiarco o número de seis lesões com as seguintes características. Arco superior Em suas extremidades, as lesões apresentam características semelhantes em suas formas, tamanhos e profundidades; e mostram escoriação, equimoses de cor vermelha; no seu leito, observase laceração tecidual, com crostas de sangue, correspondendo na arcada dentária aos elementos dentários 1.3 e 2.3 (caninos superior direito e esquerdo); identificamos ainda duas lesões pouco profundas com escoriações e equimoses, que correspondem aos elementos dentários 1.2 e 2.1 (incisivo lateral superior direito e incisivo central superior esquerdo); interposto entre esses elementos, visualizamos outras duas escoriações superficiais que guardam o formato dos elementos dentários 1.1 e 2.2 (incisivo central superior direito e incisivo lateral superior esquerdo), e ausência de uma maior pressão nessas áreas, o que depõe a favor de alterações na arcada dentária. Arco inferior Apresentam seis ferimentos, que guardam a forma peculiar dos elementos dentários que as produziu 3.3; 3.2; 3.1; 4.3; 4.2; 4.1; e mostram escoriações, equimoses adjacentes de coloração avermelhada. Características comuns aos dois arcos a. Formato das lesões, guardam peculiaridades com o instrumento que as produziu; b. Apresentam equimoses de coloração avermelhada; c. Mostram atresia das arcadas. Análise do material colhido no suspeito AAA a. O odontograma nos fala de elementos dentários faltosos, 1.2 incisivo lateral superior direito (ILSD), e 2.1 incisivo central superior esquerdo (ICSE). b. Presença de peça protética superior, confeccionada em resina contendo os seguintes elementos: incisivo lateral superior esquerdo e incisivo central superior direito. c. Ao exame clínico explorador do arco superior, retirada a peça protética, apresenta ausência dos elementos dentários 1.2 (ILSD) e do 2.1 (ICSE). d. Alteração na inclinação, mesiovestibularização, dos referidos elementos dentários; com discreta extrusão de seus antagônicos. e. Os modelos mostram atresia das arcadas dentárias. Análise do modelo superior com a prótese no suspeito AAA A presença da prótese superior na cavidade bucal, no ato da moldagem, e a obtenção do modelo em gesso Paris demonstram uma diferença de cerca de 1,0 mm, dos elementos nela contidos, em relação à linha de oclusão dos dentes naturais. Análise da mordedura em material plástico (cera) no suspeito AAA a. Encontradas para as impressões correspondentes aos dentes inferiores mossas com profundidades aproximadamente de 3,0 mm, correspondentes no arco dentário aos caninos inferiores; e quatro outras dispostas intermediárias, com aproximadamente 2,0 mm; b. Quanto às impressões correspondentes ao arco superior, constatamos mossas com 3,0 mm, correspondentes aos caninos; com 2,0 mm, o incisivo lateral direito; medindo aproximadamente 1,0 mm, o incisivo central direito e o incisivo lateral esquerdo (ambos supostos), para o incisivo central superior esquerdo, apresentava o seu leito com discreta inclinação mesiovestibular, de profundidade aproximada de 2,2 mm a 2,5 mm; c. Presença de atresia nas arcadas. Confronto fotográfico Análise de confronto comparativo das impressões dentárias através das fotos obtidas no corpo da vítima e das impressões do suspeito, AAA: a. Realizadas aplicações, de forma a se obter uniformidade de tamanho 10 3 7 cm, em ambas as fotos. b. Conferida a distribuição dos elementos dentários no arco, suas falhas e inclinações, bem como aferidas as dimensões dos arcos no nível da face distal dos caninos e as distâncias dos demais incisivos. c. Anotada a maior distância apresentada em cada uma das mossas, de cada um dos elementos dentários, deixadas com ambas as mordeduras. Análise da sobreposição dos modelos das arcadas (positivo) do suspeito A; com material orgânico tecidual, colhido do corpo da vítima. a. Observado por diversas vezes, e em diversas angulações, verificamos o perfeito acoplamento das peças examinadas (positivo 3 negativo). Discussão Obtidos os mesmos padrões fotográficos tanto para as imagens da lesão colhida no corpo da vítima MLM, como para a mordedura do suspeito AAA em material plástico, tendo sido observada a mesma distribuição dos elementos dentários nos arcos, a mesma inclinação mesiovestibular dos elementos vizinhos ao espaço protético, observados ainda seus formatos, confirmadas suas mensurações e realizado o fechamento do modelo da arcada superior do suspeito AAA, confeccionado em gesso Paris, com a peça de tecido colhido do corpo da vítima (foto 1) correspondente a este arco, observado em variadas angulações, verificamos que o mesmo produziu um perfeito acoplamento de ambas quando sobrepostas. Conclusão As características das arcadas, a distribuição dos elementos dentários nos arcos, suas particularidades peculiar e coincidências nos levam a concluir tratar-se de uma mordedura humana, cujo indivíduo fazia uso de peça protética superior, pouco estável, contendo dois elementos dentários e que correspondem aos elementos 1.2 e 2.1, e que a lesão foi produzida pela pessoa examinada (suspeito AAA). Respostas aos quesitos 1. Sim; 2. Sim; 3. AAA é o autor da lesão. 1o perito: Robson Paredes Moreira 2o perito: Maria do Socorro Pereira 3. IDENTIFICAÇÃO DE MORDEDURA ANIMAL Preâmbulo Em atendimento à solicitação de no 29/98, referente à ocorrência de no 15/98 do diretor deste DML, PB, o qual nomeou os Drs. Robson Paredes Moreira e Maria do Socorro Pereira, ambos odontolegistas, para realizarem os exames periciais pertinentes. Quesitos 1o – Se o cadáver apresenta lesões produzidas por animal? 2o – Teria condições de identificar qual o tipo de animal, se de pequeno, médio ou grande portes? 3o – Se existem outros tipos de lesões, pertinentes ao caso? 4o – Qual o meio que as produziu? Histórico Criança de aproximadamente 6 anos de idade, encontrada morta nas proximidades do local da família, localizado no município do Conde, Paraíba, zona rural, após alguns dias do seu desaparecimento, estando com dois suspeitos presos, o caseiro e seu filho. Descrição Cadáver de criança, contando com 6 anos de idade, de coloração parda, íris castanha, sobrancelhas retilíneas, nariz mesorrino, boca pequena, elementos dentários em estado de higidez, a face apresentando múltiplas lesões de forma e tamanhos variados, com características das lesões produzidas por animais pertencentes à fauna silvestre e pelo deslocamento do corpo, pela vegetação; digno de nota a escoriação em formato de semicírculo, medindo em seu maior diâmetro cerca de 3,5 cm e composta de seis feridas contusas de coloração avermelhada, situadas na região escapular, que lembra, a pata de um animal (foto 1); na região supraclavicular direita, encontramos uma ferida com características das lesões contusas com laceração de tecido mole, com cerca de 5,5 cm em sua maior largura e aproximadamente 1,0 cm de profundidade, atingindo músculos e vasos; a mesma apresenta crostas de sangue no seu interior (foto 2); o couro cabeludo apresenta duas feridas de forma circular, de aproximadamente 0,5 cm, o que após feita a incisão bimastóidea e rebatidos os retalhos, visualizamos duas perfurações de aproximadamente 0,5 cm, de bordas irregulares, e fratura da tábua óssea interna, distando uma da outra em torno de seis cm; ambas apresentam infiltrado hemorrágico (foto 3). Discussão O mecanismo das mordeduras é análogo ao mecanismo da mastigação, de início se dá a apreensão, obedecendo à mesma dinâmica, com os mesmos elementos anatomofuncionais. A mordedura humana, proferida como meio de ataque ou defesa, em geral é única e deferida em local isolado, nas partes descobertas do corpo e onde se possa fazer apreensão, envolvendo apenas a bateria de dentes anteriores 1.3 a 2.3 (canino a canino), o que difere em muito da mordedura animal, em que se verifica uma multiplicidade de golpes no mesmo local, proferidos com grande mobilidade com que lacera os tecidos moles, comprometendo os planos subjacentes, músculos, vasos, tendões, nervos, bem como trituram os tecidos duros (ossos); uma outra característica própria do animal é procurar ocultar sua caça, logo após seu domínio e morte, cravando suas presas no segmento cefálico da vítima, arrastando-a por entre a vegetação. Conclusão Pelos vestígios encontrados no segmento corporal, adicionados às lesões do segmento cefálico, foi-nos permitido concluir que as lesões que mais se evidenciam são de características cortocontusas produzidas por mordedura animal. Respostas aos quesitos 1o – Sim; 2o – Sim, médio porte; 3o – Sim, vide descrição; 4o – Ação cortocontundente. 1o perito: Robson Paredes Moreira 2o perito: Maria do Socorro Pereira 8. Energias de ordem física: Conceito. Temperatura, pressão atmosférica, eletricidade, radioatividade, luz e som. CONCEITO No capítulo concernente às energias de ordem física, estudam-se todas as lesões produzidas por uma modalidade de ação capaz de modificar o estado físico dos corpos e cujo resultado pode resultar em ofensa corporal, dano à saúde ou morte. As energias de ordem física mais comuns são: temperatura, pressão atmosférica, eletricidade, radioatividade, luz e som. TEMPERATURA Suas modalidades são: o frio, o calor e a oscilação de temperatura. Frio O frio pode atuar de maneira individual ou coletiva, e sua natureza jurídica ocorre no crime, no suicídio e, mais habitualmente, no acidente. Embora a forma acidental seja mais constante, não é raro o caráter doloso, principalmente em abandono de recém-nascidos. Na ação generalizada do frio, não existe uma lesão típica. A perícia deve orientar-se pelos comemorativos, dando valor ao estudo do ambiente e, ainda, aos fatores individuais da vítima, tais como: fadiga, depressão orgânica, idade, alcoolismo e certas perturbações mentais. A ação geral do frio leva à alteração do sistema nervoso, sonolência, convulsões, delírios, perturbações dos movimentos, anestesias, congestão ou isquemia das vísceras, podendo advir a morte quando tais alterações assumem maior gravidade. O diagnóstico de morte pela ação do frio é difícil. Têm-se alguns elementos, como: hipóstase vermelho-clara, rigidez cadavérica precoce, intensa e extremamente demorada, sangue de tonalidade menos escura, sinais de anemia cerebral, congestão polivisceral, às vezes disjunção das suturas cranianas, sangue de pouca coagulabilidade, repleção das cavidades cardíacas, espuma sanguinolenta nas vias respiratórias, erosões e infiltrados hemorrágicos na mucosa gástrica (sinal de Wischnewski), e, na pele, poderão ser observadas flictenas semelhantes às das queimaduras. A perícia deve nortear-se fundamentalmente pelo diagnóstico das lesões vitais durante a estada do corpo no ambiente refrigerado ou se o óbito desperta outra causa de morte,questões essas a que se pode responder com a prática da necropsia, pelo histórico e pelo exame do local de óbito. A ação localizada do frio, também conhecida como geladura, produz lesões muito parecidas com as queimaduras pelo calor e tem sua classificação em graus: primeiro grau, lesão caracterizada pela palidez ou rubefação local e aspecto anserino da pele; segundo grau, eritema e formação de bolhas ou flictenas de conteúdo claro e hemorrágico; terceiro grau, necrose dos tecidos moles com formação de crostas enegrecidas, aderentes e espessas; quarto grau, pela gangrena ou desarticulação. Na primeira Grande Guerra, foram descritas lesões, designadas como pés de trincheira, que consistiam na gangrena dos pés pela permanência e falta de proteção ao frio. Calissen classificou em três graus: primeiro grau, eritema; segundo grau, vesificação; terceiro grau, gangrena. Calor O calor pode atuar de forma difusa ou direta. Calor difuso. Ocorre de duas maneiras: a insolação e a intermação. A insolação é proveniente do calor ambiental em locais abertos ou raramente em espaços confinados, concorrendo para tanto, além da temperatura, os raios solares, a ausência da renovação do ar, a fadiga, o excesso de vapor d’água. A interferência do sol não desempenha maior significação nessa síndrome, segundo se julgava anteriormente. Há de se levar em conta também alguns fatores intrínsecos, tais como: estado de repouso ou de atividade, patologias preexistentes, principalmente as ligadas aos sistemas circulatório e respiratório, o metabolismo basal, hipofunção paratireoidiana e suprarrenal do indivíduo. A intermação decorre capitalmente do excesso de calor ambiental, lugares mal arejados, quase sempre confinados ou pouco abertos e sem a necessária ventilação, surgindo, geralmente, de forma acidental. Alguns fatores, como alcoolismo, falta de ambientação climática, vestes inadequadas, são elementos consideráveis. Os sintomas variam de caso para caso. Nos resultados letais, não se encontram características iguais. Podem aparecer: secreção espumosa e sanguinolenta das vias respiratórias, precocidade da rigidez cadavérica, putrefação antecipada, congestão e hemorragia das vísceras (coup de chaleur). O diagnóstico é feito pelos antecedentes, pela análise das condições locais e pela ausência de outras lesões sugestivas de causa mortis percebidas pela necropsia. Essas termonoses têm etiopatogenias discutíveis: ação do calor sobre a miosina cardíaca, produzindo sua coagulação; sobre o sangue, destruindo os elementos figurados e a consequente formação de trombose; bloqueio da perspiração cutânea e da sudorese; efeito direto sobre o encéfalo, principalmente sobre os centros termorreguladores; choque anafilático decorrente de elementos estranhos na circulação; destruição das proteínas hemáticas e a consecutiva ação tóxica dos centros nervosos. Calor direto. Tem por consequência as queimaduras, de maior ou menor extensão, mais ou menos profundas, infectadas ou não, advindas das ações da chama, do calor irradiante, dos gases superaquecidos, dos líquidos escaldantes, dos sólidos quentes e dos raios solares. São, portanto, lesões produzidas geralmente por agentes físicos de temperatura elevada, que, agindo sobre os tecidos, produzem alterações locais e gerais, cuja gravidade depende de sua extensão e profundidade (Figura 4.52). São ordinariamente de origem acidental, apesar de não se poder negar uma certa incidência de suicídios por queimaduras provocadas pelas chamas. É mais rara a ação criminosa. A classificação das queimaduras, em Medicina Legal, toma como princípio a profundidade das lesões, ao contrário do critério clínico, que se baseia na área corporal atingida. Todavia, em certas circunstâncias, como na caracterização do perigo de vida para classificação da lesão corporal sob o ponto de vista jurídico, este último conceito é de grande valia. Para esses casos usa-se a Regra dos Noves de Pulaski e Tennisson (Figura 4.53). Dupuytren classificou as queimaduras em seus graus: primeiro grau, eritema; segundo grau, flictena; terceiro grau, desorganização da epiderme com comprometimento da camada de Malpighi; quarto grau, destruição total da pele; quinto grau, formação de escaras negras; sexto grau, carbonização. Todavia, a melhor classificação é a de Hoffmann que divide essa lesão em quatro graus: (1) Primeiro grau. Distinguem-se pelo eritema simples, em que apenas a epiderme é afetada pela vasodilatação capilar, como, por exemplo, nas queimaduras por raios solares. A pele conserva-se íntegra. O tecido subepitelial pode apresentar-se edemaciado e, no período de cura, não raramente ocorre a descamação dos planos mais superficiais da epiderme. Não produzem cicatrizes, embora possam mostrar-se posteriormente de pigmentação desigual ao restante da pele. Em regra, as vestes protegem o corpo das vítimas desta forma de lesão. Suas características principais são: eritema, edema e dor (sinal de Christinson). Finalmente, como o eritema representa uma reação vital, as queimaduras de 1o grau não se evidenciam no cadáver. Figura 4.52 Queimadura de 2o grau por líquido escaldante (flictenas). Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. Figura 4.53 Regra dos Noves de Pulaski e Tennisson (in Bunaim, apud Bonnet). (2) Segundo grau. Além do eritema, apresentam as lesões desse grau vesículas ou flictenas, existindo em seu interior líquido amarelo-claro, seroso, rico em albuminas e cloretos (sinal de Chambert). Quando a flictena se rompe, a derme fica desnuda, de cor escura e, pela ação do ar, disseca-se, ostentando uma rede capilar fina e de aspecto apergaminhado. (3) Terceiro grau . São produzidas geralmente por chamas ou sólidos superaquecidos, seguindo então a coagulação necrótica dos tecidos moles. Esses tecidos, depois de algum tempo, são substituídos por outros de granulação formados por cicatrizes de segunda intenção. A cicatriz pode ser retrátil ou meramente queloidiana. A queimadura do 3 o grau incide até os planos musculares. São mais facilmente infectadas e menos dolorosas em virtude da destruição dos corpúsculos sensíveis da epiderme (Figura 4.54). (4) Quarto grau. São mais destrutivas que as queimaduras do 3o grau e se particularizam pela carbonização do plano ósseo. Podem ser locais ou generalizadas (Figura 4.55). Figura 4.54 Queimadura de 3o grau (coagulação necrótica dos tecidos). Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. Figura 4.55 Queimadura de 4o grau (carbonização generalizada). A carbonização generalizada tem como escopo a redução do volume do corpo por condensação dos tecidos. Corpos de adultos carbonizados chegam a uma estatura de 100 a 120 cm. O morto toma a posição de lutador em face da semiflexão dos membros superiores e dedos em garras, posição essa explicada pelos leigos como o desespero da vítima surpreendida pelo fogo. A “posição de boxer” ou a “atitude de saltimbanco”, também chamada “atitude em epistótomo”, motivada pela hiperextensão da cabeça sobre o pescoço e hiperextensão do tronco em forma de arco de concavidade posterior, são motivadas pela retração dos músculos da nuca, da goteira vertebral como também da região lombar. Os cabelos tornam-se crestados, quebradiços e entortilhados; o couro cabeludo, com extensas fendas, deixando a descoberto os ossos da calvária, os quais, por vezes, expõem-se como verdadeiras fraturas, devido à intensa ação do calor, e por onde podem sobrevir massas encefálicas herniadas. Cílios e supercílios tostados, pálpebras semicerradas, córneas opacas. As cavidades torácica e abdominal exibem, em algumas situações, largas fendas ou fissuras, que se abrem até a cavidade, confundindo, de quando em vez, com ferimentos acarretados por outra forma de ação. A pele amparada pelas vestes pode permanecer íntegra. Na parte atingida, ela é negra, acartonada e ressoa à percussão. No rosto, pela retração da pele, desaparecem os sulcos nasogenianos, a boca se mostra aberta e os dentes salientes. Em algumas ocasiões, notam-se disjunções articulares e, inclusive, amputações dos pés e das mãos. Os ossos longos podem apresentar grandes fissuras e fraturas, notadamente no fêmur, na união dos terços superiores com o terço inferior, e no úmero, na junção dos dois terços inferiores com o terço superior. Muito raro, os dentes estão calcinados e, juntamente com o palato e as próteses, servem de elementos importantíssimos na identificação do morto. A observação através dos fornos crematórios revela que o cadáver de um adulto demora cerca de uma hora e meia a duas horas para sua total redução a cinzas, e de um feto a termo, de 50 a 70 min. Perícia. Nos casos de carbonização total a primeira providência é identificar o morto. Na morte pelo fogo, a perícia também deve ter como norma esclarecer se o indivíduo morreu durante o incêndio ou se já se achava morto ao ser alcançado pelas chamas. Se ele sobrevive ao incêndio, a questão é fácil de ser dirimida; porém, se ele é encontrado morto no palco do incêndio é necessário um certo cuidado para elucidar alguns pontos (Figura 4.56 A). Primeiramente, devem-se procurar, no corpo, outras lesões distintas das queimaduras; em seguida, ter-se a certeza de que o indivíduo respirou na duração do incêndio, pela pesquisa do óxido de carbono no sangue e pela presença de fuligem ao longo das vias respiratórias conhecido como sinal de Montalti (Figura 4.56 B). O calor da fumaça aspirada provoca também hiperemia e edema da laringe, da faringe, da parte superior do esôfago e da mucosa traqueobrônquica, nesta com acentuado aumento do muco. Figura 4.56 A. Queimadura produzida post mortem. B. Fuligem na via respiratória inferior – sinal de Montalti. (Arquivo do Instituto Médico-legal de Valência.) A figura B encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. É também importante saber se as lesões provocadas pelo calor foram produzidas no vivo ou no morto. As flictenas, mesmo podendo ser provocadas no cadáver, neste elas não têm conteúdo seroso com exsudato leucocitário (sinal de Janesie-Jeliac). No vivo, em derredor das flictenas, veem-se, ao microscópio, hemácias descoradas, migração leucocitária e edema das papilas dérmicas. A escara originada de uma queimadura em vida tem vesículas e eritema em seu redor. É importante que a perícia leve em conta alguns fenômenos que podem confundir, como: bolhas de putrefação, soluções de continuidade da pele e do panículo adiposo, disjunção dos ossos do crânio, fratura dos ossos longos e coleção hemática no espaço extradural, pois estes são próprios dos queimados por alta temperatura. Outro ponto importante da perícia é o diagnóstico da origem e de modo de distribuição das queimaduras. Nas oriundas de líquidos e gases superaquecidos, as lesões não são tão profundas quanto as produzidas pelas chamas, e os cabelos não se chamuscam nem se carbonizam. As queimaduras produzidas pelo calor irradiante e pelos líquidos e gases respeitam as partes do corpo cobertas pelas vestes. As oriundas de corpos sólidos superaquecidos mostram-se de dimensões limitadas, podem deixar a marca dos objetos e sua profundidade depende da intensidade térmica produzida. As motivadas pelas chamas dirigem-se de baixo para cima e, pelos líquidos, de cima para baixo, dando às lesões o aspecto de contornos geográficos. Por fim, é importante a questão da causa mortis quando das necropsias médico-legais em casos de queimados, levando-se em conta duas situações bem distintas: 1a – Na morte imediata: apresenta um interesse pericial mais evidente, pois a vítima exibe apenas as lesões produzidas pela ação térmica. A morte, neste caso, estaria justificada pela exsudação plasmática aguda com diminuição do volume circulatório (teoria humoral), ou pela desintegração das albuminas cujo efeito é semelhante ao chamado “choque anafilático”. 2a – Na morte tardia: apresenta no transcurso de vários dias um processo infeccioso, sendo o mais comum a broncopneumonia, além de hemorragia intestinal, de processo hepatotóxico e de insuficiência renal aguda. Temperaturas oscilantes Seu estudo interessa, essencialmente, aos casos de acidentes de trabalho, bem como às doenças profissionais. Esse tipo de ação expõe o organismo humano, debilitando e propiciando determinadas patologias, por exaltação da virulência dos germes ou por diminuição da resistência individual. Sendo assim, doenças como pneumonia, broncopneumonia e tuberculose podem ser desencadeadas ou agravadas pela oscilação brusca da temperatura, quando o nexo de causalidade entre a mortalidade e a forma de trabalho é sempre aceito. PRESSÃO ATMOSFÉRICA Quando a pressão atmosférica alterna para mais ou para menos do normal, pode importar em danos à vida ou à saúde do homem. Portanto, merece a consideração da perícia médico-legal. Diminuição da pressão atmosférica A pressão atmosférica normal corresponde a uma coluna de mercúrio de 760 mm ao nível do mar ou também 1.036 kg/cm2, o que equivale a 1 atmosfera. À medida que subimos, essa pressão diminui e o ar vem a ficar mais rarefeito. Há diminuição do oxigênio e do gás carbônico, e a composição do ar altera o fenômeno da hematose. Tais perturbações recebem o nome de mal das montanhas, compensadas pela “poliglobulina das alturas”, que se constitui em um considerável aumento do número de glóbulos vermelhos no sangue e que no indivíduo aclimatado reverte espontaneamente em poucos dias. É comum nas altitudes acima de 2.500 m, é agravado com o esforço físico e tem como sintomas mais comuns cefaleia, dispneia, anorexia, fadiga, insônia, tonturas e vômitos. Nos países andinos é conhecido como soroche e puna. Na estrutura alveolar do pulmão, o oxigênio, o gás carbônico e o azoto impõem uma pressão global em torno de 713 mm, tendo cada um destes elementos uma pressão parcial, dependendo de sua concentração na intimidade dos alvéolos. Assim, o oxigênio (14,5%), com uma pressão de 95 a 105 mmHg; o azoto (80%), com 565 a 580 mmHg; e o gás carbônico (5,5%), com 40 mmHg. Desse modo, toda vez que há diminuição da pressão atmosférica, cai a concentração dos gases dissolvidos no sangue, tanto mais rapidamente quanto maior for a velocidade da descompressão. Além do mais, surge o fenômeno da anoxia, explicado também pela diminuição da pressão parcial do oxigênio no interior dos alvéolos. Isso força o coração a trabalhar mais no sentido de compensar a carência de oxigênio. Daí, pessoas não habituadas a grandes altitudes passam mal quando nestes locais. A natureza jurídica desse evento é quase sempre acidental, despertando maior interesse ao capítulo dos acidentes de trabalho, principalmente com o pessoal da aviação que opera sem os recursos das cabinas altimétricas, razão pela qual era conhecido antes com o nome de “mal dos aviadores”, que consistia em dispneia, náuseas, taquicardia, obnubilação e até perda da consciência. Dentro deste capítulo chamado “patologia da altitude”, além do mal das montanhas, podemos encontrar um grupo de entidades de maior ou menor gravidade, como o edema agudo do pulmão e o edema cerebral das alturas, as hemorragias retinianas, o mal crônico das montanhas (doença do monge), o embolismo pulmonar e até mesmo a psicose das grandes altitudes. Aumento da pressão atmosférica Sofrem efeito desse tipo de ação os mergulhadores, escafandristas e outros profissionais que trabalham debaixo d’água ou em túneis subterrâneos. Não incorrem só no perigo do aumento da pressão atmosférica, mas especialmente na descompressão brusca que pode ocorrer, dando como desfecho lesões muito graves. Essa síndrome é conhecida por mal dos caixões. O aumento da pressão atmosférica, ao mesmo tempo que acarreta uma patologia de compressão, caracterizada pela intoxicação por oxigênio, nitrogênio e gás carbônico, produz também uma patologia de descompressão, proveniente do fenômeno da embolia, consequente à maior concentração dos gases dissolvidos no sangue. São conhecidas por “barotraumas”. Mesmo que o interesse médico-legal, nessa modalidade de energia, circunscreva-se ao diagnóstico do acidente de trabalho, pode-se admitir ainda como causa jurídica o suicídio ou o homicídio, embora mais raramente. ELETRICIDADE A eletricidade natural ou cósmica e a eletricidade artificial ou industrial podem atuar como energia danificadora. A eletricidade natural, quando agindo letalmente sobre o homem, denomina-se fulminação e, quando apenas provoca lesões corporais, chama-se fulguração. Esses fenômenos são os mais comuns entre os chamados fenômenos naturais. Os fatores que determinam a natureza, a intensidade e a gravidade das lesões são os seguintes: corrente contínua da eletricidade atmosférica; resistência de corpo atingido; tensão elétrica (voltagem); intensidade da corrente; duração do contato da vítima com a corrente; trajeto da corrente através do corpo da vítima. O diagnóstico das lesões é dado pelos comemorativos orientados pelas tempestades e descargas elétricas, provenientes dos choques de nuvens, e pelo exame das próprias lesões. As lesões externas tomam aspecto arboriforme e tonalidade arroxeada, cognominadas sinal de Lichtenberg ou marcas queraunográficas (do grego keraunos, que significa raio), procedente de fenômenos vasomotores, podendo desaparecer com a sobrevivência. Essa marca surge cerca de uma hora depois da descarga e desaparece gradualmente em torno das 24 h subsequentes à descarga elétrica. Em geral, a morte pelos efeitos da eletricidade atmosférica se dá por inibição direta dos centros nervosos por paralisia respiratória e asfixia. Em outros casos predominam os efeitos cardíacos com fibrilação ventricular. Podem surgir outras alterações, como queimaduras, hemorragias musculares, ruptura de vasos de grosso calibre e até mesmo do coração; fraturas ósseas, congestão e hemorragia dos globos oculares; congestão polivisceral, fluidez do sangue, distensão dos pulmões e equimoses subpleurais e subpericárdicas. As lesões mais intensas são encontradas nos locais de entrada e saída da corrente elétrica (mais comuns na cabeça, no tórax e nos pés). A eletricidade artificial ou industrial, por sua vez, pode resultar o que se denomina eletroplessão (Figura 4.57 A). É, geralmente, acidental, podendo, no entanto, ter origem suicida ou homicida. Conceitua-se a eletroplessão como qualquer efeito proporcionado pela eletricidade industrial, com ou sem êxito letal. As lesões superficiais dessa forma de eletricidade alteram-se de acordo com a corrente de alta ou baixa tensão. A lesão mais típica é conhecida como marca elétrica de Jellinek (Figura 4.57 B), embora nem sempre esteja presente. Constitui-se em uma lesão da pele, tem forma circular, elítica ou estrelada, de consistência endurecida, bordas altas, leito deprimido, tonalidade branco-amarelada, fixa, indolor, asséptica e de fácil cicatrização. Pode apresentar também a forma do condutor elétrico (Figura 4.58). As lesões por corrente elétrica no couro cabeludo são semelhantes às da pele; todavia, podem-se verificar grandes perdas de tecido, dando o aspecto do destacamento da casca que se verifica em certos frutos. Os pelos apresentam uma característica bem interessante: apenas suas pontas mostram-se chamuscadas, embora inteiramente enrodilhados de forma helicoidal. Por meio da raspagem do local onde se encontra essa lesão é possível identificar em laboratório a presença de metais fundidos pela ação local da corrente elétrica e com isso ter a composição química do condutor (cobre, bronze, alumínio etc.). Quando a eletricidade é de alta tensão, dá margem às lesões mistas, ou seja, à marca elétrica e à queimadura (Figura 4.58). Se esta forma de eletricidade é usada como pena judicial de morte através da “cadeira elétrica” chama-se eletrocussão. Nesta circunstância, a morte é provocada por uma intensa carga de energia elétrica que passa por todo corpo e atinge com maior intensidade o coração e o cérebro. Difere das diversas formas de eletroplessão pela generalização e pela gravidade das lesões que se verificam no interior do corpo. Tendo em conta a consistência do cérebro e a utilização de capacetes metálicos na cabeça do executado, este é o órgão que apresenta lesões mais intensas representadas por lacerações e profundas fissuras, entre outras. Figura 4.57 A. Eletroplessão. (Arquivo do Prof. Penna Lima.) B. Marca elétrica de Jellinek (SML-HCE). A figura A encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. Figura 4.58 Queimadura por eletricidade de alta voltagem. Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. A marca elétrica é diferente da queimadura elétrica. A primeira representa exclusivamente a porta de entrada da corrente elétrica no organismo, pouco significativa, podendo até passar despercebida ou estar ausente. Sua ausência não quer dizer que não houve passagem da corrente elétrica. As queimaduras elétricas são resultantes do calor de uma corrente, têm a forma de escara pardacenta ou escura, apergaminhada, bordas nítidas, sem área de congestão, nem tampouco presença de flictenas. Há também lesões muito graves que vão desde a amputação de membros até secção completa do corpo (Figura 4.59 A). Figura 4.59 A. Hemicorporectomia por ação de corrente elétrica de alta voltagem (IML/RN). B. Lesões de saída (eletroplessão). Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. O corte histológico de uma marca elétrica mostra destacamento da epiderme, células da camada basal e espinhosa com núcleos retraídos ou vacuolizados, estiramento das células poliédricas mais profundas, configurando-se em feixes de pelos. Isto vem a ser uma lesão típica. Algumas vezes, encontra-se nos pés a lesão denominada de saída (Figura 4.59 B). Outro ferimento superficial dessa modalidade de energia é a metalização elétrica, cuja característica é o destacamento da pele, com o fundo da lesão impregnado de partículas da fusão e vaporização dos condutores elétricos. Podem surgir também os salpicos metálicos, caracterizados pela incrustação de pequenas partículas de metal distribuídas de forma dispersa. E, finalmente, pelas pigmentações que se originam da impregnação de minúsculas partículas metálicas que se desprendem do condutor. Ocorre também a chamada queimadura elétrica (Figura 4.58), que pode ser cutânea, muscular, óssea e até visceral, dependendo do efeito e da lei de Joule. “A passagem de uma corrente elétrica através de um condutor determina calor” (efeito). “O calor desenvolvido por uma corrente elétrica é proporcional à resistência do condutor, ao quadrado da intensidade e ao tempo durante o qual passa pelo condutor” (lei). Essas lesões apresentam-se em forma de escaras negras, de bordas relativamente regulares, podendo ou não apresentarem as marcas do condutor. Piga classificou as queimaduras elétricas cutâneas em três formas: tipo poroso (com aspecto das imagens histológicas do pulmão); tipo anfratuoso (parecido com esponja rota e gasta); e tipo cavitário (em forma de crateras com zonas de tecidos carbonizados). Quando no tecido ósseo, essas queimaduras, em face da resistência deste tecido, podem ocasionar sua fusão, produzindo pequenas esferas denominadas “pérolas ósseas”. A ação da eletricidade cósmica de forma fatal pode criar dúvidas, principalmente pela ausência de vestígios característicos, pois nem sempre a vítima apresenta lesões tegumentares, mas tão somente lacerações das vestes devido à explosão do raio. Uma das lesões típicas é a queimadura nos locais próximos de objetos metálicos, como fivelas, medalhas, fecho ecler, moedas. Na maioria das vezes, esses metais ficam imantados. As lesões produzidas pelo raio têm variações as mais distintas, que vão desde as figuras arborescentes até as queimaduras mais ou menos profundas, semelhantes àquelas produzidas por eletricidade artificial. A necropsia revela sempre sinais de asfixia, a não ser que a vítima, arremessada a grande distância, venha a morrer por traumatismo indireto. Os que vêm a sobreviver após a ação dessa forma de eletricidade podem apresentar surdez, quase sempre unilateral, devido ao deslocamento de ar produzido pelo raio rompendo violentamente a membrana do tímpano. Podem também apresentar sérias lesões do aparelho visual. O exame do local é fundamental. A etiologia da morte pela corrente elétrica é justificada por três teorias: • Morte pulmonar. Os defensores desse conceito inspiram-se nos achados necroscópicos compatíveis com a asfixia: edema dos pulmões, enfisema subpleural, congestão polivisceral, coração mole contendo sangue escuro e líquido; hemorragias puntiformes subpleurais e subpericárdicas; congestão da traqueia e dos brônquios, com secreção espumosa e sanguinolenta. Esses resultados são decorrentes da tetanização dos músculos respiratórios (diafragma e intercostais) e dos fenômenos vasomotores. A observação tem demonstrado que a parada de respiração antecede a parada do coração • Morte cardíaca. Explicada pelo efeito da corrente elétrica sobre o coração, provocando contração fibrilar do ventrículo, alternando-lhe a condução elétrica normal • Morte cerebral. Ocasionada pela hemorragia das meninges, hiperemia dos centros nervosos, hemorragia das paredes ventriculares do cérebro, do bulbo, dos cornos anteriores da medula espinal, e edema da substância branca e cinzenta do cérebro, lesões estas com que sempre se defronta a necropsia. Ao que nos parece, essas causas variam conforme a intensidade da corrente: na alta-tensão, acima de 1.200 volts, a morte é cerebral, bulbar e cardiorrespiratória; nas tensões de 1.200 a 120 volts, a morte é por tetanização respiratória e asfixia; e, abaixo de 120 volts, por fibrilação ventricular e parada cardíaca. Perícia. A perícia médico-legal, nos casos de eletroplessão, deve guiar-se pela busca dos comemorativos, pela existência das marcas elétricas, pelas alterações respiratórias, cardíacas e encefálicas e pela ausência de outros tipos de lesões que justifiquem a morte. Nos comemorativos, pode ser importante o depoimento de testemunhas, principalmente quando se quer determinar a causa jurídica da morte. Significativa também é a caracterização da marca elétrica, assim como as lesões de entradas e de saída produzidas pela corrente e a natureza in vitam e post mortem de cada lesão. Deve-se fazer uma avaliação criteriosa da existência ou não de outras alterações que possam influir no diagnóstico da morte. Em suma, se existem manifestações de asfixia, micro-hemorragia dos 3o e 4o ventrículos cerebrais, edema dos pulmões, cavidades cardíacas dilatadas e repletas de sangue, lesão eletroespecífica e ausência de outras lesões ou alterações, tudo isso fala em favor da morte por eletricidade industrial, mesmo que se diga não existir um quadro anatomopatológico específico de morte por eletricidade. Não muito raro encontra-se intenso pontilhado hemorrágico nas regiões cervicais e dorsais e na face lateral do tórax em forma de micropápulas cianóticas, conhecido como sinal de Piacentino. Às vezes, nota-se, no exame, a marca elétrica, mas a morte é devida a outras causas, sobrevindas da queda: ao receber o choque elétrico, a vítima é precipitada ao solo, morrendo por ação mecânica (contusão). Outras vezes, a morte se dá por patologias diversas, necessitando-se estabelecer a relação de causa e efeito. A perícia no vivo é mais simples. Interessa mais nos casos de acidentes de trabalho, principalmente quando apresentam sequelas mais graves, sejam elas anatômicas ou funcionais. Finalmente, a perícia deve ficar atenta para o diagnóstico das lesões produzidas pela ação da eletricidade em “sessões de tortura”, principalmente nos órgãos genitais das vítimas. Sob o ponto de vista microscópico, nem sempre essas lesões provocadas por descarga elétrica são típicas. Ainda mais: as lesões eletroespecíficas (marca elétrica de Jellinek) não são muito diferentes das lesões produzidas em “sessões de tortura”, a não ser o fato destas últimas não apresentarem depósitos metálicos (ferro ou cobre), em face dos cuidados de não se deixarem vestígios. Hoje, estudam-se as modificações histoquímicas e histológicas dessas formas de ação. Pistolas elétricas (stum guns) As pistolas elétricas, conhecidas, em alguns lugares, por Taser(nome de um dos seus fabricantes), têm a finalidade de imobilizar pessoas por meio de dardos energizados lançados em seus disparos. Seu uso mais comum é na atividade policial. Essa arma, quando acionada, dispara dois miniarpões ou dardos presos a fios elétricos que penetram no corpo da vítima, imobilizando-a e derrubando-a na maioria das vezes. A carga dessas pistolas contém nitrogênio e dois miniarpões com farpas parecidas com as de um anzol e presos à arma por fios de cobre. Quando os arpões se fixam no corpo da vítima, o circuito elétrico se fecha, pois um de seus polos se torna positivo e o outro negativo. Sua ação é em torno de 5 segundos e o alcance do seu disparo varia de 4,5 a 10,5 m. Sua corrente é produzida por pilhas ou baterias. Hoje existe um modelo novo, chamado Taser X3, capaz de aplicar choques elétricos em até três pessoas sem necessidade de recarga. As vítimas dessas descargas perdem a coordenação pela paralisia muscular, passando a se debaterem sem esboçar resistência, o que facilita a contenção. As lesões produzidas pela descarga dessas pistolas caracterizam-se por pequenos eritemas ou queimaduras puntiformes, podendo causar danos sérios e até mesmo a morte, principalmente nos portadores de doenças cardíacas. Esse risco é mais grave, mesmo em indivíduos sem essa patologia, quando se repetem os disparos. Seu uso, mesmo com a desculpa de tratar-se de um meio inócuo e protetor da sociedade em casos de distúrbios ou de contenção de suspeitos ou infratores, é falso porque ele é desnecessário e não se trata de uma ação inofensiva. Mais grave ainda é o uso dessas pistolas como forma de tortura em indivíduos detidos e sem condições de fuga ou de reação. Pelo fato de a pistola de eletrochoques paralisantes provocar sofrimentos sua utilização tem se verificado muito mais para intimidar, humilhar ou tirar confissões de suspeitos, detidos, prisioneiros ou simples cidadãos. Se levarmos em conta o que diz a Convenção das Nações Unidas contra a tortura, de 1984, não há como negar que se trata de uma arma cruel e degradante. O uso da “arma de choque” como ação repressiva ou preventiva nos programas de combate ao crack pela polícia é uma prática abominável que não reflete outra coisa senão a falência do Estado no tratamento de dependentes da droga, pois, como se sabe, o viciado é antes de tudo um doente e tais medidas não têm o sentido curativo que se espera das autoridades ligadas ao problema. O tratamento dos portadores de dependência química deve ser orientado e tratado por equipes multiprofissionais ligadas a áreas específicas e capacitadas para tal. O pior de tudo é que tais procedimentos são estimulados e regulamentados pelos órgãos governamentais. O problema das “cracolândias” é muito mais uma questão de miséria social do que de dependência de drogas. RADIOATIVIDADE Os efeitos da radioatividade, como energia causadora do dano, têm nos raios X, no rádio e na energia atômica o seu motivo. Os raios X são de implicações médico-legais mais assiduamente e podem perpetrar lesões locais ou gerais. As lesões locais são conhecidas por radiodermites e as de ação geral incidem sobre órgãos profundos, principalmente as gônadas. Seu estudo compete à infortunística ou como elemento da responsabilidade médica nas modalidades imperícia, imprudência e negligência. As radiodermites podem ser agudas ou crônicas: Agudas. As radiodermites do 1o grau, geralmente temporárias, apresentam duas formas: depilatória e eritematosa. Essa fase dura cerca de 60 dias e deixa uma mancha escura que desaparece muito lentamente. As do 2o grau (forma papuloeritematosa) são representadas geralmente por ulceração muito dolorosa e recoberta por crosta seropurulenta. Têm cicatrização difícil, deixando em seu lugar uma placa esbranquiçada de pele rugosa, frágil e de características atípicas. As radiodermites do 3o grau (forma ulcerosa) estão representadas por zonas de necrose, de aspecto grosseiro e grave. São conhecidas por úlceras de Röentgen. Nos profissionais que trabalham com raios X, sem os devidos cuidados, podem aparecer essas lesões nas mãos (mãos de Röentgen). Crônicas. Essas lesões podem ser locais e apresentar a forma úlcero-atrófica, teleangiectásica ou neoplásica. Esta última também chamada de câncer cutâneo dos radiologistas ou câncer röentgeniano, quase sempre do tipo epitelioma pavimentoso. Podem ser ainda de efeitos gerais, compreendendo várias síndromes: digestivas, cardíacas, oculares – úlcera de córnea e cataratas –, ginecológicas, esterilizantes, cancerígenas, sanguíneas e mortes precoces. O rádio, quando usado de maneira indiscriminada, pode ser motivo de sérios danos à saúde ou à vida do paciente, quer por ação externa, quer por ação interna. Já sob a forma de arma nuclear (bomba atômica), custosamente justifica intervenção médicolegal, haja vista sua responsabilidade escapar à ação pericial. Alguns dos seus efeitos são parecidos com os dos raios X e da radiação; outros são provenientes da onda explosiva (blast), das queimaduras e das sequelas tardias, pela disseminação dos raios alfa, beta e gama. Assim, os efeitos dessa modalidade de energia são de ordem traumática, térmica e radioativa. As lesões de ordem mecânica são produzidas pela explosão, podendo levar à morte por desgarramento cutâneo, hemorragias viscerais, projeção a distância com traumatismo indireto. As lesões térmicas são caracterizadas por amplas áreas de queimaduras que vão até a carbonização. Em Hiroshima e Nagasaki, foram observadas queimaduras de 2o grau com a distância até de 3 km. Para alguns, no centro da explosão a temperatura chegou a 4.000°C. Segundo Bonnet, dos hospitalizados por queimaduras naquelas cidades, quando da explosão das primeiras bombas atômicas, 75% deles morreram antes da segunda semana. Os efeitos radioativos estão representados pelas consequências tardias, com graves repercussões genéticas, neoplásicas e cutâneas. Genaud afirma que, dentro de um raio de 1 km, todas as mulheres abortaram; entre 1 e 2 km, tiveram filhos prematuros, os quais morreram pouco depois; e, em uma distância de 3 km, apenas 33% das mulheres chegaram ao fim da gravidez com recém-nascidos aparentemente normais. LUZ E SOM Cada uma dessas formas de energia física pode comprometer gravemente os respectivos órgãos dos sentidos, produzindo lesões e perturbações de ordem funcional que, em muitas ocasiões, implicam perícia médico-legal. A ação intensiva da luz sobre os órgãos da visão pode levar a consequências graves, como à cegueira total. Infelizmente, uma certa forma arbitrária de obter confissões em delegacias de polícia e órgãos de repressão, que fazia projetar, sobre os olhos de interrogados, feixes luminosos de alta intensidade, produziu, de maneira irreversível, danos à estrutura óptica em prisioneiros e detidos. Outras radiações não ionizantes, como o infravermelho e o ultravioleta, podem acarretar lesões sobre o cristalino e as conjuntivas, respectivamente. O raio laser, por ser uma forma de energia que se concentra muito em um único lugar, apresenta um efeito fotoquímico e fototérmico muito maior. Os órgãos mais vulneráveis a sua ação são a córnea e o cristalino; a pele também pode sofrer danos por esta ação. Já o som, por sua vez, tem seus efeitos mais comuns, como em acidentes de trabalho, notadamente entre as pessoas que permanecem, sem proteção, em ambientes de grande poluição sonora, o que produz, pela exposição continuada dos ruídos, alterações ao aparelho auditivo. Uma das perturbações citadas pelos autores contemporâneos é a epilepsia acustogênica, motivada pela intensidade e permanência de certos ruídos, não muito rara entre telefonistas e radiotelegrafistas. O som acima de 20.000 ciclos/s e 85 decibéis pode produzir lesões auditivas e perturbações psíquicas. O infrassom também acarreta lesões do tipo labirintite e o ultrassom, destruição celular. Sendo assim, o som é um dos agentes que contribui com o risco ocupacional e que tem o ruído como fator mais comum da perda auditiva temporária ou permanente. Aqui, cabe a diferença entre ruído e barulho. O primeiro pode ser definido como um fenômeno físico vibratório, audível, de características indefinidas e de frequência desarmônica. Já o barulho é tido como qualquer tipo de som indesejável e inútil. A exposição crônica ao ruído excessivo pode produzir perda auditiva irreparável. A perda auditiva temporária, conhecida como mudança temporária do limiar de audição, ou TTS (temporary threshold shift), surge por um período curto de tempo, em face da exposição a ruído muito intenso. A perda auditiva permanente é sempre motivada pela exposição continuada e permanente em ambientes de muito ruído, ainda que seus efeitos sejam progressivamente instalados, e é conhecida como perda auditiva induzida pelo ruído. É quase sempre bilateral, permanente, lenta e progressiva. As perdas auditivas variam em torno de 3.000 a 6.000 Hz, em um período de 10 a 15 anos. Um ruído acima de 85 decibéis, considerado tecnicamente aceito pela nossa legislação, ainda não é considerado como fator de exposição, caso o indivíduo esteja corretamente protegido. Assim, ele estará exposto ao risco de perda auditiva quando o ruído estiver acima de 85 decibéis, durante um tempo médio de 40 h semanais e sem nenhuma forma adequada de proteção. Além da perda auditiva permanente, o ruído intenso pode produzir outros efeitos como os zumbidos, o recrutamento, a perda da discriminação da fala e a otalgia. O zumbido, embora ainda não esclarecido no seu aspecto fisiopatológico, é um sintoma muito comum entre as pessoas que se queixam de perturbações auditivas produzidas pelo ruído. O recrutamento é uma sensação de desconforto para o som de alta intensidade. A perda da discriminação da fala caracteriza-se pela dificuldade de estabelecer a altura da voz e a inteligibilidade da fala, o que prejudica o processo de comunicação. A otalgia, de sensação desagradável, repercute muito mal nas atividades e no rendimento do indivíduo portador desta sintomatologia. Pelo visto, muitas são as situações em que a perícia médico-legal pode ser convocada com a finalidade de diagnosticar alterações com perturbações destes sentidos, analisando cuidadosamente a relação e o nexo de causa e efeito entre as lesões alegadas pelo examinado e a sua forma de atividade e convivência, além dos cuidados necessários para caracterizar as simulações e metassimulações que, nestes casos, não são muito raras. E, por fim, estabelecer a existência ou a não existência de percentuais de debilidade ou a invalidez oriunda da perda auditiva. A perícia nos casos de perdas auditivas é feita a partir da anamnese, da otoscopia e dos testes audiométricos. Na anamnese, serão registradas todas as formas de atividades e ocupações do examinado, seus antecedentes nosológicos, a herança, a sintomatologia geral e específica, o uso de drogas ototóxicas e possíveis traumatismos craniocervicais. Na otoscopia, devem ser procuradas as afecções e alterações das orelhas e dos meatos acústicos externo e interno. Os testes audiométricos são feitos em laboratórios especiais e por especialistas dessa área; são utilizados a prova com diapasão, a audiometria tonal, a logoaudiometria e a impedanciometria, ou, até mesmo, a audiometria do tronco cerebral , além dos exames de laboratório e de raios X. Em geral, usa-se mais a audiometria tonal para avaliação dos aspectos quantitativo e qualitativo das perdas da audição. 9. Energias de ordem química: Conceito. Cáusticos. Venenos. Envenenamento. Síndrome do body packer. Necropsia dos envenenados. Noções de Toxicologia Forense: Modelo de laudo toxicológico. CONCEITO Neste capítulo dedicado às energias de ordem química, serão estudadas todas as substâncias que, por ação física, química ou biológica, são capazes de, entrando em reação com os tecidos vivos, causar danos à vida ou à saúde. Estudam-se também a síndrome do envenenamento e do body packer, a necropsia dos envenenados e algumas noções de Toxicologia forense ou Toxicologia médico-legal. As energias de ordem bioquímicas podem agir externa (cáusticos) ou internamente (venenos). CÁUSTICOS Os cáusticos são substâncias que, de acordo com sua natureza química, provocam lesões tegumentares mais ou menos graves. Essas substâncias podem resultar em efeitos coagulantes ou liquefacientes. As de efeito coagulante são aquelas que desidratam os tecidos e lhes causam escaras endurecidas e de tonalidade diversa, como, por exemplo, o nitrato de prata, o acetato de cobre e o cloridrato de zinco. As de efeito liquefaciente produzem escaras úmidas, translúcidas, moles e têm como modelo a soda, a potassa e a amônia. A importância do estudo das lesões externas acarretadas pela ação dos cáusticos reveste-se de grande significação, não apenas pelo interesse de determinar sua gravidade, mas também quanto à necessidade de distinguir uma lesão in vitam e outra post mortem, e, finalmente, a identidade da substância usada. A gravidade da lesão varia de acordo com a quantidade, a concentração e a natureza do cáustico; seu prognóstico depende do seu desdobramento por infecção, cicatrizes retráteis ou lesões mais graves como a cegueira. A diferença entre as escaras produzidas em vida ou depois da morte nem sempre é fácil, pois alguns ácidos, por exemplo, atuam com a mesma intensidade e características no vivo ou no cadáver, e sua diferença é tanto mais difícil quanto mais precocemente o morto foi atingido. E a identidade da substância é feita pelo aspecto das lesões e por reações químicas. Os ácidos produzem escaras secas e de cor variável: as do ácido sulfúrico são esbranquiçadas; as do ácido nítrico: amareladas; as do ácido clorídrico, cinza-escuras; as do ácido fênico, esbranquiçadas. As escaras resultantes da ação dos álcalis são úmidas, moles e untosas. As escaras produzidas pelos sais geralmente são brancas e secas. A identidade das escaras também pode ser feita quimicamente: o ácido sulfúrico se identifica com o cloreto de bário a 10%, dando um precipitado branco; o ácido nítrico com a paradifenilamina, mostrando uma cor azul; o ácido clorídrico com o nitrato de prata, resultando em uma tonalidade esbranquiçada que se enegrece com a luz; a potassa com o cobaltinitrito sódico, dando um precipitado amarelado. Em geral, a natureza jurídica desses tipos de lesões é acidental ou criminosa e, muito raramente, voluntária. Quando criminosa, a sede mais constante das lesões é a face e as regiões do pescoço e do tórax, pela evidente intenção do agressor em enfeiar a vítima, motivando-lhe uma deformidade permanente e aparente. Essas formas de lesão tornaram-se conhecidas como vitriolagem, visto que antigamente se usou criminosamente o óleo de vitríolo (ácido sulfúrico) em tais intentos. Seu emprego não foi muito esporádico no passado, sobretudo a partir de 1639, na França, com o célebre atentado contra a Duquesa de Chaulnes. O diagnóstico diferencial das escaras produzidas in vitam ou post mortem não é muito difícil. Quando produzidas após a morte, elas não têm propriamente a forma de escara, mostram-se apergaminhadas e de tonalidade marrom-escura. E, sob o ponto de vista histológico, não apresentam reação vital através dos exames histoquímicos e histológicos. VENENOS Nada mais complexo que definir veneno. Até mesmo os alimentos e os medicamentos podem, em determinadas situações, ser prejudiciais à vida ou à saúde, especialmente quando sua nocividade sofre profundas modificações em face da dosagem posta, da resistência individual, da maneira de ministração e do veículo utilizado. Veja-se só: a estricnina em pequenas doses serve de estimulante, porém, em dosagem excessiva, é mortal. Entre os elementos da resistência individual que alteram a maior ou menor ação maléfica do veneno, citem-se os seguintes: a idade, o sexo, a tolerância adquirida, as condições hepáticas, o estado de repleção do estômago, entre outros. O veículo adotado é de suma valia. Assim, o cianeto de potássio, associado ao meio glicosado, perde acentuadamente o poder mortal. Pode-se conceituar veneno como qualquer substância que, introduzida pelas mais diversas vias no organismo, mesmo homeopaticamente, danifica a vida ou a saúde. A velha Lei Penal de 1890 dava ao veneno esta definição: “Toda substância mineral ou orgânica que, ingerida no organismo ou aplicada ao seu exterior, quando absorvida, determine a morte, ponha em perigo a vida ou altere profundamente a saúde.” Vê-se, pois, que a própria lei, como ninguém, não nos traz esclarecimento a respeito, porquanto o legislador atual prudentemente evitou qualquer conceito sobre o assunto. Peterson, Haines e Webster, apud Guilherme Arbenz, definem veneno como a “substância que, quando introduzida no organismo em quantidades relativamente pequenas e agindo quimicamente, é capaz de produzir lesão grave à saúde, no caso do indivíduo comum e no gozo de relativa saúde” (in Medicina Legal e Antropologia Forense, Rio: Livraria Atheneu, 1988). Os venenos se classificam em: • quanto ao estado físico: líquidos, sólidos e gasosos • quanto à origem: animal, vegetal, mineral e sintético • quanto às funções químicas: óxidos, ácidos, bases e sais (funções inorgânicas): hidrocarbonetos, alcoóis, acetonas e aldeídos, ácidos orgânicos, ésteres, aminas, aminoácidos, carboidratos e alcaloides (funções orgânicas) • quanto ao uso: doméstico, agrícola, industrial, medicinal, cosmético e venenos propriamente ditos. Fisiopatologia O percurso do veneno através do organismo tem as seguintes fases: penetração, absorção, distribuição, fixação, transformação e eliminação. Há algumas situações ou fenômenos que podem ocorrer após a penetração do veneno, tais como: mitridatização, toxicidade, intolerância, sinergismo e equivalente tóxico. As vias de penetração do veneno são: oral, gástrica, retal, inalatória, cutânea, subcutânea, intramuscular, intraperitoneal, intravenosa, intra-arterial e intratecal. A via orogastrintestinal é a mais usada. A absorção é o processo pelo qual o veneno chega à intimidade dos tecidos. As mucosas são, em sua maioria, aquelas que mais prontamente absorvem os tóxicos. A absorção gastrintestinal é a mais comum e a pulmonar, a mais grave pelo fato de os gases venenosos caírem diretamente na circulação, estendendo-se pelos mais diversos tecidos do corpo. A velocidade da absorção depende da solubilidade, da concentração, da superfície de contato e da via de penetração do veneno. A fixação é a etapa do envenenamento em que a substância tóxica se localiza em certos órgãos de acordo com o seu grau de afinidade. Assim, a digitalina fixa-se no músculo cardíaco, os barbitúricos nas hemácias e nos centros nervosos e a cocaína na substância branca da medula espinal. A transformação é o processo pelo qual o organismo tenta se defender da ação tóxica do veneno, facilitando sua eliminação e diminuindo seus efeitos nocivos, através de reações cujos resultados são derivados mais solúveis, menos agressivos e mais fáceis de serem eliminados. Desse modo, o cianeto de potássio em contato com o ácido clorídrico do estômago produz o cloreto de potássio e o ácido cianídrico. A distribuição é a fase em que o veneno, penetrando na circulação, estende-se pelos mais diversos tecidos, graças ao sangue e aos líquidos intersticial, celular e transcelular e dependendo da menor ou maior afinidade do veneno por determinados tecidos. A eliminação é a etapa na qual o veneno é expelido seguindo as vias naturais. As vias de eliminação mais importantes são: sistema urinário (o mais fundamental), sistema digestivo (vômitos e evacuações), ar expirado, suor, saliva, bile e, até mesmo, pelos cabelos, unhas, placenta e leite. Chama-se de mitridatização o fenômeno caracterizado pela elevada resistência orgânica aos efeitos tóxicos dos venenos, conseguida através da ingestão repetida e progressiva de substâncias de alto teor venenoso, até alcançar um estágio de resistência não encontrado nas outras pessoas. Por outro lado, denominam-se toxicidade a propriedade que tem determinada substância de causar internamente, por efeito químico, um dano a um organismo vivo e intolerância a exaltada sensibilidade de alguns indivíduos a pequenas doses de veneno, algumas delas imperceptíveis noutras pessoas. Sinergismo é a ação potencializadora dos efeitos tóxicos decorrentes da ingestão simultânea de várias substâncias venenosas. E equivalente tóxico, a quantidade mínima de veneno capaz de, por via intravenosa, matar 1 kg do animal considerado. ENVENENAMENTO Por envenenamento entende-se o conjunto de elementos caracterizadores da morte violenta ou do dano à saúde ocorridos pela ação de determinadas substâncias de forma acidental, criminosa ou voluntária. Há alguns autores que fazem distinção entre intoxicação e envenenamento. A primeira, como um quadro caracterizado por reações do metabolismo interno, de origem acidental e estudado juntamente com as energias de ordem bioquímica. O segundo, como de caráter acidental, criminoso, ou intencional, de origem exógena e produzido por uma energia de ordem química. De acordo com a quantidade, a velocidade da absorção e a sensibilidade individual ao veneno, o envenenamento pode ser agudo ou crônico, apresentando manifestações e importância bem diferentes. Por outro lado, evidenciam-se no envenenamento, tanto agudo como crônico, manifestações inespecíficas – próprias da síndrome geral de adaptação; e manifestações específicas – identificadas por fenômenos da patologia orgânica para cada grupo de venenos. Esses fenômenos próprios têm sua intensidade ainda dependente da via de penetração, da localização e da afinidade do veneno por certos órgãos ou tecidos, além da idade, do estado nutricional e da sensibilidade do indivíduo envenenado. No entanto, sob o ponto de vista pericial é necessário que se chame a atenção para o fato da existência de envenenamento sem a identificação do veneno e de casos de identificação do veneno sem que se evidenciem manifestações de envenenamento. No primeiro caso, porque há situações em que o veneno agiu, mas não pôde ser percebido por suas doses infinitesimais, por modificação de sua composição em face da oxidação ou redução, por ter sido totalmente eliminado pela desintegração da substância devido aos fenômenos putrefativos, por sua rápida volatização, ou, finalmente, por escapar à pesquisa em virtude da precariedade dos métodos vigentes ou dos padrões comparativos. No segundo caso, pode ocorrer que alguém, por exemplo, venha a ingerir uma dose não mortal de veneno, apelando depois para outra forma de suicídio, ou naqueles episódios em que a ação do veneno, mesmo em dose mortal, não chegou a ser a causa da morte. Diagnóstico Vários são os critérios de que se valem na exclusão ou identificação dos envenenamentos. Critério clínico. Fundamenta-se na análise dos sintomas e sinais apresentados pela vítima e na marcha progressiva do envenenamento em relação aos antídotos ministrados. Assim, a semiótica toxicológica trata da metodologia de exames do paciente vivo envenenado, por meio da observação, com a finalidade de estabelecer um diagnóstico, um tratamento e um prognóstico. Como o envenenamento é uma síndrome caracterizada por sinais e sintomas, deve-se levar em conta a anamnese, valorizando-se os dados pessoais, os antecedentes e a história do quadro atual, atentando bem para a inspeção geral, para a atitude (de indiferença, de opistótono), marcha (titubeante, oscilante, incoordenada), fácies (tetânica, bulbar, renal), odores peculiares (aliáceo, de amêndoas amargas, aromático), sinais cutaneomucosos (alopecia, prurido, coloração da pele), sintomas e sinais psiconeurológicos, oculovisuais, otoauditivos, naso-olfativos, respiratórios, hepatorrenais, orogastrintestinais, musculares e osteoarticulares. Critério circunstancial. Conclui a partir de circunstâncias ligadas ao evento e, em virtude disso, é também chamado de critério histórico ou policial. Baseia-se no estudo do local de morte, no depoimento de testemunhas, na presença de determinadas substâncias do suposto envenenamento e cartas ou bilhetes deixados pela vítima. Critério anatomopatológico. Baseia-se na informação de natureza anátomo- ou histopatológica, através de processos degenerativos da ação de certas substâncias, que o exame microscópico pode patentear. Geralmente, esse critério é utilizado nas lesões produzidas por substâncias cáusticas, cuja ação corrosiva é muito mais grave do que os efeitos do envenenamento. Assim, por exemplo, quando há morte pela ingestão de vidro moído ou de soda cáustica, não se pode considerar como meio ou ação o veneno, mas a ação mecânica que foi capaz de produzir lesões no esôfago, estômago e intestinos, e a peritonite aguda. Critério físico-químico ou toxicológico. Tem por princípio isolar, identificar e dosar, no material examinado, as substâncias tóxicas suspeitas, por meio de métodos qualitativos e quantitativos específicos ou de métodos cujos indicadores apontam um grupo de substâncias sujeitas a um tipo de biotransformação. Embora o critério toxicológico seja bem completo, não é, por si só, decisivo, porque depende de uma apreciação médico-legal. Há situações em que se encontra veneno sem envenenamento ou, viceversa, envenenamento sem veneno, como foi visto anteriormente. Critério experimental. Este método é comum quando os meios químico-analíticos se mostram ineficazes, como na suspeita de envenenamento ofídico. Tem por embasamento usar o material suspeito em animais de laboratório e no acompanhamento da sintomatologia que vem à tona. O organismo animal passaria a ser um verdadeiro reativo a fim de que o toxicologista clínico pudesse investigar e identificar as reações da substância suspeitada. Critério médico-legal. Este é o mais importante entre os critérios, uma vez que é a síntese de todos os outros e um raciocínio lógico, tomando como subsídios de sua dedução dos demais dados disponíveis e a ausência de outras lesões que possam justificar o envenenamento. É claro que os subsídios mais valiosos são a análise toxicológica ou físico-química e os achados anatomopatológicos colhidos da vítima. Nos casos de morte, o diagnóstico do envenenamento deve ter como base a perinecroscopia, a necropsia e os exames complementares pertinentes. Dessarte, o envenenamento não é só um diagnóstico toxicológico, clínico ou anatomopatológico, mas uma operação médico-legal complexa e multiprofissional em que os peritos reúnem e avaliam todos os procedimentos periciais, tendo em vista um resultado lógico e conclusivo. SÍNDROME DO BODY PACKER A expressão body packer, conhecida também como “mula” ou “correio”, é usada para aqueles que conduzem no interior do seu organismo (estômago e intestinos) drogas ilícitas do tipo cocaína, anfetaminas e heroína, sempre com a finalidade de contrabando. É diferente da chamada body pusher, pois esta se dá aos que transportam pequenas quantidades de droga nos orifícios naturais (ânus e vagina). Figura 4.60 A. Body packer (cápsulas no estômago). (Arquivo do Dr. S. Diaz Ruiz, IML de Málaga.) B. Bolsas contendo cocaína. (Arquivo do Dr. Campos Neto.) Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. Essa síndrome é caracterizada pelos efeitos graves à vida e à saúde oriundos do transporte dessas drogas no interior do corpo (Figura 4.60 A e B). Os problemas mais graves surgem quando do rompimento de pequenas bolsas ou cápsulas contendo drogas no interior do estômago ou dos intestinos, o que vem resultando uma intervenção médico-legal que aumenta a cada dia. A ruptura dessas bolsas ou cápsulas produz sempre uma invasão maciça da droga, principalmente a cocaína, na corrente sanguínea, o que provoca graves danos à saúde e quase sempre a morte. Outra complicação é a obstrução intestinal, principalmente quando as embalagens são confeccionadas com material resistente. No vivo, o diagnóstico da presença dessas cápsulas é sempre feito por meio do estudo radiológico do abdome. Quando ocorre a ruptura de algumas cápsulas, pode-se verificar hipertermia, sudorese, agitação, convulsões, arritmias do tipo fibrilação auricular, bradicardia ou taquicardia. Também pode ocorrer um quadro obstrutivo ao nível do piloro ou da válvula ileocecal provocando inicialmente náuseas, vômitos e epigastralgia. Geralmente, a maioria das complicações cardiovasculares, cerebrovasculares, gastrintestinais ocorre nas primeiras horas após a absorção da droga. A intoxicação aguda pela cocaína pode apresentar o seguinte quadro clínico: hipertermia, convulsões, infarto agudo de miocárdio, arritmias cardíacas letais, distúrbios hidreletrolíticos e insuficiência renal aguda. A manifestação mais grave é a de origem cardiovascular devido o poder cardiotóxico da cocaína. Na necropsia, além da presença das pequenas bolsas de látex ou plástico ou de cápsulas, notamse também o aumento e a dilatação dos intestinos e do estômago, variando de acordo com a quantidade ingerida. Em face da ruptura das cápsulas, tanto no conteúdo gastrintestinal como no sangue e na urina, será evidenciado na análise toxicológica o tipo de droga transportada na devida proporção de sua ingestão. No estudo histopatológico, pode-se evidenciar: congestão vascular generalizada e extensas zonas hemorrágicas ou congestas da mucosa gastrintestinal. Os demais órgãos abdominais também apresentam-se congestos e hiperemiados. A morte sempre se dá por intoxicação aguda e maciça da droga ingerida, sendo a mais comum a cocaína. Esta droga é rapidamente metabolizada por enzimas plasmáticas e hepáticas em compostos hidrossolúveis como a metilecgonina, a benzoilecgonina e a ecgonina, excretando-se sem modificar associados os seus metabólitos pela urina entre 1 e 5%. NECROPSIA DOS ENVENENADOS A necropsia dos envenenados deve ser considerada se feita imediata ou tardiamente à morte. Se esta prática é realizada no tempo legal após a morte e há suspeita de envenenamento, devemse ter alguns cuidados com certas condutas consideradas como imprescindíveis. Em primeiro lugar, não esquecer de anotar todos os detalhes e características, como as tonalidades do livor cadavérico, do sangue e das vísceras, os fenômenos cadavéricos, assim como o tipo de odor que se possa perceber; nunca colocar substâncias desinfetantes ou aromatizantes com a finalidade de minimizar o mau cheiro; não realizar qualquer reação química sobre o cadáver; não abrir o estômago ou os intestinos na cavidade abdominal; ligar as extremidades do tubo digestivo no cárdia, no piloro e na parte mais distal do colo; retirar sangue, sempre que possível, das cavidades cardíacas; e não esquecer de descrever as lesões degenerativas do fígado e dos rins, quando houver. Procedimentos de coleta de material para pesquisa Estas são as Recomendações do Departamento de Polícia Técnico-Científica de Santa Catarina para a investigação de elementos tóxicos desconhecidos. “1. Materiais: Frascos de plástico de boca larga para amostras sólidas e frascos de vidro para amostras líquidas. 2. Amostras: a) Conteúdo estomacal: deve ser enviado todo e em frasco de plástico de boca larga. b) Sangue: amostra de 30 ml sem conservante. A amostra deve ser enviada em frasco de vidro. c) Urina: toda urina disponível deve ser enviada e preservada com fluoreto de sódio a 1% em frasco de vidro. d) Fígado: uma amostra de aproximadamente 250 g enviada sem meios preservativos e em frascos de plástico de boca larga. A vesícula biliar deve ser retirada antes e enviada separada. e) Bile: deve ser retirada e enviada como item separado em frasco de plástico de boca larga, pois ela é particularmente útil quando das mortes devido a compostos de morfina. f) Cérebro: parte do cérebro deve ser colocado em frasco de plástico de boca larga e é muito importante na investigação das mortes por barbitúricos e cianetos, mesmo alguns dias após a morte. g) Pulmão: deve ser enviado em frasco de plástico de boca larga e bem fechado, pois é muito valioso quando das mortes provocadas por inalação de drogas anestésicas e cocaína. h) Rins: sempre que possível um rim inteiro, coletado e armazenado em frasco de plástico de boca larga. i) Outros tecidos: nos casos de suspeita de envenenamento crônico por metais pesados devem ser colhidas amostras de cabelo, unhas e ossos e, quando a suspeita for de inalação de cocaína, colher material do muco nasal. Hoje, o cabelo passa a ser um material biológico alternativo de grande utilidade no campo da toxicologia forense, desde que seus resultados sejam interpretados com muita cautela, tendo em conta os múltiplos fatores que podem comprometer seus resultados. 3. Recomendações: a) Não usar formol para conservação do material, a não ser quando for para uso anatomopatológico. b) Colher o material o mais rápido possível para evitar os fenômenos putrefativos, pois eles interferem com reações e podem desaparecer em certas substâncias. c) Enviar o material sempre que possível em caixa com gelo. d) Evitar mandar amostras juntas. e) Em caso de demora do encaminhamento do material, mantê-lo em freezer ou congelador. f) Nos casos de doentes hospitalizados, cuja morte se dá muitos dias após o internamento, valorizar os registros médicos do seu ingresso e as manifestações e as complicações secundárias do exame anatomopatológico, como os de origem encefálica, neurológica e renal. g) Todo material enviado para exame toxicológico deve ser encaminhado em vidros lacrados e rubricados, acompanhado de relatório hospitalar ou médico-legal para o setor toxicológico. h) Os frascos utilizados para esse fim devem ter uma capacidade de 500 a 2.000 ml, boca larga, de plástico ou de vidro, com rolhas esmerilhadas, e rigorosamente limpos e assépticos.” Se o exame não pode ser realizado imediatamente, o material deve ser conservado em geladeira sem acrescentar-lhe nenhuma solução preservativa, tal como formol ou álcool. Por outro lado, necropsias tardias ou pós-exumáticas sempre podem oferecer resultados positivos, qualquer que seja o tempo de morte. Nestes casos, além dos cuidados que se devem ter com a identificação da sepultura e do morto, recomendam-se colher amostras de tecidos do vestuário do cadáver e do forro do ataúde, da terra que cerca o corpo ou do que resta dele na sepultura para análise toxicológica, pois, em alguns casos, somente nesses elementos pode-se encontrar o veneno que se dissipou juntamente com o líquido orgânico da decomposição cadavérica. A conduta a ser seguida varia de acordo com a condição de conservação do cadáver. Tanto pode ser sobre estruturas preservadas e identificadas, quando deve-se seguir a técnica habitual, como sobre o recolhimento de escassas quantidades de putrilagem, em que não mais se distingue a estrutura específica de cada víscera. Não esquecer de recolher, nos casos de avançado estado de putrefação, material que fica ao lado da coluna lombar, pois pode-se estar colhendo material referente aos rins. Não é demais repetir que no exame pós-exumático de um corpo suspeito de envenenamento, sempre é possível identificar um veneno, qualquer que seja o tempo da morte. Até mesmo quando totalmente esqueletizado. Nos casos de remessa de material para análise anatomopatológica deve ser colocado em solução de formol a 10% em uma quantidade tal que as peças fiquem totalmente submersas no líquido fixador. O ideal seria que esses órgãos fossem cortados com uma espessura não superior a 2 cm. NOÇÕES DE TOXICOLOGIA FORENSE A ciência que estuda os venenos e o envenenamento de um modo geral recebeu o nome de Toxicologia. Evoluiu de tal forma, nos dias presentes, que, em um dos seus capítulos – a Toxicologia Forense –, deixou de ser um simples ramo da Medicina Legal, para constituir-se em uma atividade autônoma e que cada vez mais se amplia em seus objetivos e em sua metodologia. Alcântara define Toxicologia como “o conjunto de conhecimentos físicos, químicos e biológicos aplicados ao estudo das substâncias nocivas à saúde e à vida”, ou como “o estudo da ação e dos efeitos tóxicos sobre os organismos vivos” (in Toxicologia Clínica e Forense, 2a edição, São Paulo: Andrei Editora, 1985). Na verdade, a Toxicologia, hodiernamente, assumiu um lugar de muito destaque, pois ela não se restringe apenas ao estudo da origem, das propriedades e do modo de agir das substâncias tóxicas, senão também na contribuição da prevenção e do tratamento da ação nociva de determinados agentes sobre o homem, sobre os seres vivos e sobre o meio ambiente. A história do envenenamento perdeu-se na poeira do tempo. Sua importância realçou-se desde o momento em que o homem passou a desconfiar e a se defender de alguma coisa que ele usava como alimento ou como remédio. Ou quando ele começou a usar algumas substâncias venenosas para fins letais. Todavia, foi Orfila quem deu à Toxicologia a dimensão de ciência e a fez disciplina acadêmica, em 1828, com o lançamento de sua obra Traité des poisons tirés mineral, vegetal et animal ou toxicologie generale sous les rapports de la patologie et de la Médecine Légale. A Toxicologia divide-se em: profilática, industrial, alimentar, clínica, analítica e médicolegal. A Toxicologia profilática trata das diversas maneiras de evitar a ação nociva de agentes poluidores do meio ambiente, identificando sua existência, sua origem e sua quantidade, criando medidas higiênicas cabíveis, como no tratamento dos esgotos, da água potável e do ar respirável. A Toxicologia industrial preocupa-se com o aprimoramento das substâncias que podem contribuir com a indústria farmacêutica na fabricação dos remédios, dos antissépticos e dos produtos de limpeza, além da sua participação nas mais diversas atividades produtivas. A Toxicologia alimentar trata do estudo da contaminação alimentar por agentes tóxicos, principalmente como ação ligada aos órgãos de saúde pública. A Toxicologia clínica ou Toxicologia médica volta-se para o estudo das manifestações e das perturbações causadas no homem pela ação dos venenos, por meio de uma estratégia mais fácil de diagnosticar e orientar o tratamento específico. Este ramo da Toxicologia está agregado à Clínica Médica. A Toxicologia analítica se propõe, com os formidáveis recursos da tecnologia moderna, a proceder a exames laboratoriais em amostras de certas substâncias, não só para identificar sua presença, mas também para saber sua concentração e o seu maior ou menor grau de toxicidade. A Toxicologia médico-legal ou forense encerra um conjunto de procedimentos no sentido de orientar a Justiça nos problemas atinentes ao envenenamento e suas consequências, de causa jurídica dolosa, culposa, suicida ou acidental. Também utiliza-se de tais conhecimentos diante de inúmeras formas de intoxicações de origem casual (alimentar) ou profissional (produtos tóxicos), sempre que a ação pericial depender desses recursos, seja de origem civil, penal ou trabalhista. A perícia pode ser prospectiva (atual) e retrospectiva (anterior). As investigações toxicológicas, em regra, são possíveis de realizar em qualquer tempo, principalmente no cadáver ou no que resta dele. Modelo de laudo toxicológico “Aos doze dias do mês de novembro de mil novecentos e setenta e cinco, na cidade de João Pessoa, capital do Estado da Paraíba, e no Departamento de Polícia Técnica, foram designados os peritos A e B a fim de procederem a exame toxicológico (vísceras), atendendo à solicitação do Sr. Secretário de Segurança Pública do Estado da Paraíba, por meio do ofício no 175/75-SSP, datado de nove de novembro de mil novecentos e setenta e cinco, descrevendo com verdade e com todas as circunstâncias o que encontrarem e bem assim para responder a tudo que interessar possa. Acompanham o ofício três (3) frascos de vidro incolor, transparente e de rolhas esmerilhadas, contendo estômago e conteúdo, rim e bexiga e fígado. Exame: o estômago tem serosa lisa, mucosa de pregueamento normal, e o conteúdo pastoso é de tonalidade brancacenta; os rins descapsulam fácil e as camadas cortical e glomerular não apresentam anormalidades; o fígado tem cápsula lisa, superfície regular, e a parte enviada para exame tem superfície vermelho-escura e estrutura de aspecto habitual. A reação do conteúdo estomacal é ácida – pH5. Depois de exaustivos exames, os peritos, através de cromatografia de face gasosa e cromatografia de camada delgada, resultaram-nas positivas para barbitúricos (ciclobarbital). Conclusão: os peritos concluem que o material contém um sal derivado do ácido barbitúrico – ciclobarbital. Nada mais havendo a tratar, deu-se por encerrado o presente laudo, que, depois de lido e achado conforme, vai assinado pelos peritos e rubricado pelo Diretor.” 10. Energias de ordem físico-química: Conceito. Asfixia em geral: Fisiopatologia e sintomatologia. Classificação. Asfixia em espécie: Asfixia por confinamento, por monóxido de carbono e por outros vícios de ambientes,por sufocação: direta e indireta, asfixia por sufocação posicional, por soterramento, por afogamento,por enforcamento, por estrangulamento e por esganadura. CONCEITO As energias de ordem físico-químicas são aquelas que impedem a passagem do ar às vias respiratórias e alteram a composição bioquímica do sangue, produzindo um fenômeno chamado asfixia; que alteram a função respiratória, inibindo a hematose (transformação do sangue venoso em sangue arterial), podendo, em consequência, levar o indivíduo até a morte. ASFIXIA EM GERAL Literalmente, asfixia significa “sem pulso”, pois os antigos acreditavam que, através das artérias, circulava o “pneuma”. A expressão científica mais correta seria anoxemia (ausência de oxigênio no sangue) ou hipoxemia (pouco oxigênio no sangue), porém, se admitirmos em sentido amplo, o termo “asfixia” assume igual proporção, considerando-se que o transporte de oxigênio é feito pelo sangue arterial. Asfixia, sob o ponto de vista médico-legal, é a síndrome caracterizada pelos efeitos da ausência ou baixíssima concentração do oxigênio no ar respirável por impedimento mecânico de causa fortuita, violenta e externa em circunstâncias as mais variadas. Ou a perturbação oriunda da privação, completa ou incompleta, rápida ou lenta, externa ou interna, do oxigênio. Assim, na asfixia, consome-se o oxigênio presente nos pulmões e acumula-se o gás carbônico que se vai formando. Finalmente, fica claro que as expressões hipoxemia e anoxemia seriam mais adequadas; no entanto, a tradição consagrou asfixia como o termo mais usado. Fisiopatologia e sintomatologia É necessário entender que, na respiração normal, exige-se um ambiente externo que contenha ar respirável, com oxigênio em quantidade aproximada de 21 por cento, orifícios e vias respiratórias permeáveis, elasticidade do tórax, expansãopulmonar, circulação sanguínea normal, volume circulatório em quantidade e qualidade suficientes para transportar oxigênio aos tecidos e pressão atmosférica compatível com a fisiologia respiratória. Quando, no ar atmosférico, o oxigênio atinge 7 por cento, surgem distúrbios relativamente graves, sobrevindo a morte, se essa taxa é em torno de 3 por cento, ou se esse ar respirável contém grande concentração de gases irrespiráveis ou tóxicos. Em uma respiração normal, são necessárias a entrada e a saída livres do ar atmosférico através de uma razoável permeabilidade das vias respiratórias e do tecido pulmonar. O tórax, em seu conjunto, deve ter condição de livre expansão para um funcionamento perfeito. O sangue circulante necessariamente deverá apresentar condições para efetuar a hematose dentro de uma harmonia satisfatória. Desta forma, pode-se afirmar que nas síndromes hipoxêmicas ou anoxêmicas existem causas externas ou internas. As asfixias mecânicas têm como causa mais frequente o obstáculo nas trocas gasosas pulmonares devido a causas externas. Há, no entanto, situações em que as dificuldades de oxigenação dos tecidos não estão no aparelho respiratório, mas em outros locais do organismo, nos tecidos, sangue ou nervos, sendo nestes casos uma asfixia de causa interna. Por outro lado, sabe-se que o oxigênio chega aos tecidos através da ventilação pulmonar, da hemoglobina, da circulação e das trocas gasosas, e por sua vez, cada um desses mecanismos dá lugar há um tipo diferente de anoxia, quais sejam: • anoxia de ventilação ou anóxica • anoxia anêmica • anoxia de circulação e de estase • anoxia tissular ou histotóxica. A anoxia de ventilação pode-se verificar quando a concentração de oxigênio diminui no ar ambiente e a hemoglobina do sangue arterial atinge baixos níveis de concentração; quando se verifica uma compressão mecânica das vias respiratórias (são as asfixias de maior interesse médico-legal); quando há alterações na dinâmica respiratória (compressão do tórax, pneumotórax, derrames pleurais, paralisias diafragmáticas, fratura múltipla de costelas e comprometimento dos músculos respiratórios por efeitos de eletricidade, drogas, tétano, epilepsia, crucificação); e quando há dificuldades nas trocas gasosas alveolares (edema agudo do pulmão, silicoses e esclerose pulmonar). Em tais situações, verifica-se uma insuficiente oxigenação do sangue nos pulmões. A anoxia anêmica surge quando da diminuição qualitativa e/ou quantitativa da hemoglobina, como nos casos de intoxicação pelo CO ou de venenos meta-hemoglobinizantes, nas anemias crônicas ou nas grandes hemorragias. Existe, nesses casos, uma diminuição da capacidade de oxigenação do sangue. A anoxia circulatória ou de estase é decorrente de alterações que afetam a grande e pequena circulação, como na insuficiência circulatória periférica, na embolia das artérias pulmonares e na coarctação da aorta. Há nessas ocorrências transtornos circulatórios que dificultam a chegada de sangue oxigenado aos capilares. A anoxia tissular surge quando da queda da tensão diferencial arteriovenosa de oxigênio ou quando ocorre a inibição de enzimas oxidantes celulares, como nos casos de intoxicações pelo ácido cianídrico e/ou pelo hidrogênio sulfurado. Ocorrem em tais situações mecanismos tóxicos que impedem o aproveitamento do oxigênio pelos tecidos. Antes admitia-se que em todo caso de asfixia devia-se levar em conta também a retenção de CO2. Hoje já se sabe que na evolução das asfixias podem ocorrer dois tipos de anoxias: uma com acapneia (sem acúmulo de gás carbônico) e outra com hipercapneia (com a presença expressiva de gás carbônico). No primeiro caso se enquadram as asfixias mecânicas e no segundo o mal das alturas ou mal das montanhas. Na anoxia com acapneia (falta de oxigênio sem aumento de CO2), com o aumento da frequência respiratória, há perda de CO2 e o sangue se torna mais alcalino. Verificam-se transtornos psíquicos, sensoriais e motores (marcha do ébrio) e com frequência hiper-reflexia. Produzem-se então poliglobulia e irritabilidade dos centros nervosos, ainda com a consciência mantida. Depois a respiração vai diminuindo até surgirem o aumento da pressão arterial e a diminuição dos batimentos do pulso. Seguem-se os espasmos musculares, convulsões e inconsciência. Em seguida, surgem depressão dos centros nervosos, parada da respiração, colapso vascular e vasodilatação profunda, relaxamento muscular, arreflexia e morte aparente durante três minutos, até sobrevir a morte. Na anoxia com hipercapneia (diminuição do oxigênio e aumento do CO2), observam-se efeitos diferentes da anoxia com acapneia em sua fase inicial, embora nos seus momentos finais as alterações e os transtornos sejam semelhantes. Isto se explica em face da hipercapneia atuar sobre os centros nervosos, aumentando as reações próprias da anoxia, principalmente no que se refere à taquicardia e à pressão arterial e às convulsões tônico-clônicas provenientes da ação excitadora do gás carbônico. Nesta forma de asfixia, consome-se o oxigênio existente nos pulmões e no sangue, ao mesmo tempo em que o CO2 progressivamente se acumula. Nas asfixias mecânicas é possível estabelecer um cronograma de suas diversas fases por meio do aparecimento das seguintes manifestações clínicas: • 1a fase. Esta etapa é também conhecida como “fase cerebral”, caracterizando-se pelo aparecimento de enjoos, vertigens, sensação de angústia e lipotimias. Ao redor de um minuto e meio, ocorre a perda do conhecimento de forma brusca e rápida e surge bradipneia taquisfigmia (duração de 1 a 2 min) • 2a fase. Neste estágio chamado de “fase de excitação cortical e medular”, notam-se convulsõ generalizadas e contrações dos músculos respiratórios e da face, além de relaxamento dos esfíncteres com emissão de matéria fecal e urina devido aos movimentos peristálticos dos intestinos e da bexiga. Há também a presença de bradicardia e aumento da pressão arterial (duração de 1 a 2 min) • 3a fase. Também chamada de “fase respiratória”, caracteriza-se pela lentidão e superficialidade dos movimentos respiratórios e pela insuficiência ventricular direita, o que contribui para acelerar o processo de morte (duração de 1 a 2 min) • 4a fase. Conhecida como “fase cardíaca”, tem como registro específico o sofrimento do miocárdio, quando os batimentos do coração são lentos, arrítmicos e quase imperceptíveis ao pulso, embora possam persistir por algum tempo até a parada dos ventrículos em diástole e somente as aurículas continuam com alguma contração, mas incapazes de impulsionar o sangue (duração de 3 a 5 min). Características das asfixias mecânicas em geral Nas asfixias mecânicas em geral, existem certos sinais que em conjunto permitem desde logo um diagnóstico, porém nenhum é constante e, muito menos, patognomônico. Os sinais encontrados são numerosos e variáveis, podendo ser divididos, segundo sua situação, em externos e internos. Sinais externos. Têm valor desigual e alguns deles de valor relativo, como as manchas de hipóstase, congestão da face, as equimoses externas e alguns fenômenos cadavéricos atípicos. Outros de valor mais considerável, como o cogumelo de espuma, projeção da língua e exoftalmia. Manchas de hipóstase. São precoces, abundantes e de tonalidade escura, variando essa tonalidade, nas asfixias por monóxido de carbono quando essas manchas assumem uma tonalidade rósea. Congestão da face. É um sinal mais constante, alcançando maior frequência em tipos especiais de asfixias, principalmente na compressão torácica, dando em consequência a máscara equimótica da face – conhecida como máscara equimótica de Morestin ou como cianose cervicofacial de Le Dentut, proveniente da estase mecânica da veia cava superior. Deve-se fazer a diferença entre congestão da face e manchas de hipóstase por posições especiais do cadáver, como nos afogados que, submersos, ficam de cabeça para baixo. Segundo Gisbert Calabuig, a expressão congestão é mais adequada que cianose, pois esta apenas reflete um sinal que se traduz pela tonalidade azul. É muito mais um fenômeno post mortem (in Medicina Legal y Toxicologia, op. cit.). Equimoses da pele e das mucosas. Na pele, são arredondadas e de pequenas dimensões, não ultrapassando as de uma lentilha, formando agrupamentos em determinadas regiões, principalmente na face, no tórax e pescoço, tomando tonalidade mais escura nas partes de declive. As equimoses das mucosas são encontradas mais frequentemente na conjuntiva palpebral e ocular, nos lábios e, mais raramente, na mucosa nasal (Figura 4.61). O mecanismo de aparecimento dessas equimoses é explicado através da queda do sangue pela gravidade aos planos mais baixos do corpo e pelo peso da coluna sanguínea que rompe os capilares, extravasando-se nos tecidos vizinhos. Quem primeiro observou esse fenômeno foi Engel, em 1854, colocando a cabeça do cadáver em declive, formando-se, dessa maneira, não somente as manchas de hipóstase, mas verdadeiras equimoses. Figura 4.61 Equimoses das conjuntivas (asfixia). Essas equimoses são muito importantes para o diagnóstico post mortem da asfixia mecânica, mesmo que elas possam surgir em outras formas de morte, como, por exemplo, na insuficiência cardíaca aguda, embolia pulmonar, transtorno da coagulação sanguínea, algumas intoxicações exógenas e até mesmo em algumas doenças da pele. Têm sido referidas também nas conjuntivas em casos de reanimação cardiorrespiratória. Ter em conta ainda que elas não se desenvolvem nem de imediato nem muito tardiamente, mas em algumas horas depois da morte. Não é fácil fazer a distinção entre as hemorragias petéquias vitais e post mortem, principalmente se elas estão nas conjuntivas. Por fim, considerar que a posição de decúbito ventral do cadáver pode favorecer o surgimento dessas petéquias. Nessa posição as petéquias têm sempre dimensões maiores quando produzidas depois da morte e com uma aparência muito próxima das hemorragias petéquias secundárias na congestão vital (apud Bockholdt B, Maxeiner H, Hegenbarth W, in Factors and circumstances influencing the development of hemorrhages in livor mortis. Forensic Sci Int 2005 May 10; 149(2-3):133-7). Fenômenos cadavéricos. Nas asfixias mecânicas, em geral, alguns fenômenos cadavéricos se processam de forma diferente: os livores de decúbito são mais extensos, mais escuros e mais precoces; o esfriamento do cadáver se verifica em proporção mais lenta; a rigidez cadavérica, mesmo sendo mais lenta, mostra-se intensa e prolongada; e a putrefação é muito mais precoce e mais acelerada que nas demais causas de morte. Cogumelo de espuma. É formado de uma bola de finas bolhas de espuma que cobre a boca e as narinas e se continua pelas vias respiratórias inferiores. É mais comum nos afogados, mas pode surgir em outras formas de asfixias mecânicas, no edema agudo do pulmão e nos casos de morte precedida de grandes convulsões. Projeção da língua e exoftalmia. São achados comuns nas asfixias mecânicas, mas não esquecer que os cadáveres putrefeitos na fase gasosa ou enfisematosa também apresentam exoftalmia e projeção da língua, mesmo sem ter nenhuma relação com a morte por asfixia. Sinais internos. Podem-se observar internamente os seguintes sinais: Equimoses viscerais. Também conhecidas por manchas de Tardieu, por terem sido descritas por esse autor em 1847, em um caso de infanticídio, como “equimoses puntiformes dos pulmões e do coração” (Figura 4.62 A e B). São equimoses diminutas, do tamanho da cabeça de um alfinete, localizando-se, não raro, sob a pleura visceral, mais notadamente nos sulcos interlobares e bordas dos pulmões, no pericárdio e no pericrânio, e, nas crianças, no timo. Figura 4.62 Manchas de Tardieu: no pulmão (SML-HCE) ( A), e no coração (B). (SMLHCE.) A figura B encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. Essas manchas são de tonalidade violácea, de número variável, às vezes esparsas ou em aglomerações. São mais comuns na infância e na adolescência e, mais raras, no adulto e no velho. A teoria mais aceita para explicar o seu aparecimento é o aumento da pressão arterial, defendida por Brown-Séquard, Vulpian e Traube, entre outros. É explicado pela excitação dos centros bulbares pelo gás carbônico aumentando a pressão sanguínea, rompendo os capilares e produzindo as equimoses viscerais. Yosida admite a existência da hipertensão pela descarga de adrenalina que se segue às síndromes asfíxicas. Garcia Pastor acha que a ação da adrenalina é importante mas não é exclusiva, pois confia que a ruptura capilar é decorrente do aumento da pressão sanguínea generalizada e uma vasodilatação pulmonar. Já Krogh defende a teoria de que essas hemorragias que dão origem às manchas de Tardieu são provenientes de uma lesão da parede capilar em face do acúmulo no sangue de CO2. E Krahmer justifica pelos esforços respiratórios durante a asfixia, quando grande quantidade de sangue nos pulmões rompe os capilares em virtude da pressão e da violência verificadas. Aspectos do sangue. Em geral, o sangue é escuro e líquido, não se encontrando no coração os coágulos cruóricos (negros) e fibrinosos (brancos). A tonalidade do sangue é negra, com exceção da morte por monóxido de carbono, onde ele é acarminado. A fluidez, embora de alto valor do diagnóstico, não constitui sinal patognomônico de asfixia, pois poderá ser encontrada na morte súbita em que não houve, por conseguinte, a agonia. Figura 4.63 Fígado congesto e distensão dos pulmões (asfixia). Todas as explicações sobre a fluidez do sangue na morte por asfixia são de caráter eminentemente teórico e, por isso, não vale a pena salientá-las. Sabe-se apenas que é oriunda da atividade fibrinolítica. Podem-se ainda assinalar outras modificações do sangue: viscosidade diminuída devido a maior concentração de CO2; alteração do pH com diminuição da reserva alcalina nos casos em que não se priva a movimentação respiratória, e aumento da reserva alcalina quando não se verifica a eliminação de CO2 (hipercapnia); queda do ponto crioscópico nas cavidades esquerdas do coração por aumento da taxa de CO2 (sinal de Palmiere) ; aumento do coeficiente cloro-globular-cloroplasmático, em face da mudança da concentração de CO2 sanguíneo (sinal de Tarsitano); e hiperglicemia asfíxica surgida na agonia e comprovada depois da morte. Congestão polivisceral. Entre os órgãos, o fígado e o mesentério são os que se apresentam mais congestos, sendo que o baço, na maioria das vezes, se mostra com pouco sangue devido às suas contrações durante a asfixia (sinal de Étienne Martin). O fígado pletórico comumente se chama fígado asfíxico devido a essa eventualidade (Figura 4.63). Distensão e edema dos pulmões. Além da acentuada distensão, os pulmões ainda se apresentam com relativa quantidade de sangue líquido finamente espumoso. É necessário que se entenda não existir nenhum sinal que, isoladamente, seja de capital importância no diagnóstico das asfixias mecânicas. Portanto, deve-se ter um critério baseado na somação das lesões estudadas, associando-se os sinais especiais de cada caso de asfixia em particular e o estudo das circunstâncias de cada evento. CLASSIFICAÇÃO A classificação de Afrânio Peixoto é a que mais se aproxima do critério médico-legal, dividindo as asfixias mecânicas em três grupos distintos: puras, complexas e mistas. Asfixias puras. São manifestadas pela anoxemia e hipercapnia: A. Asfixia em ambientes por gases irrespiráveis: • confinamento • asfixia por monóxido de carbono • asfixia por outros vícios de ambientes. B. Obstaculação à penetração do ar nas vias respiratórias: • sufocação direta (obstrução da boca e das narinas pelas mãos ou das vias respiratórias mais inferiores) • sufocação indireta (compressão do tórax). C. Transformação do meio gasoso em meio líquido (afogamento). D. Transformação do meio gasoso em meio sólido ou pulverulento (soterramento). Asfixias complexas. Constrição das vias respiratórias com anoxemia e excesso de gás carbônico, interrupção da circulação cerebral e inibição por compressão dos elementos nervosos do pescoço: A. Constrição passiva do pescoço exercida pelo peso do corpo (enforcamento); B. Constrição ativa do pescoço exercida pela força muscular (estrangulamento). Asfixias mistas. São as que se confundem e se superpõem, em graus variados, aos fenômenos circulatórios, respiratórios e nervosos (esganadura). ASFIXIA EM ESPÉCIE Asfixia por confinamento O confinamento é um tipo de asfixia mecânico-pura, caracterizado pela permanência de um ou mais indivíduos em um ambiente restrito ou fechado, sem condições de renovação do ar respirável, sendo consumido o oxigênio pouco a pouco e o gás carbônico acumulado gradativamente. Não existe uma concordância entre os autores sobre a etiopatogenia do confinamento. A teoria química acentua a acumulação do gás carbônico e a redução do oxigênio, enquanto a teoria física afirma que, além das alterações químicas do ar, existem o aumento da temperatura e a saturação do ambiente por vapores de água. Na maioria das vezes, o confinamento é acidental, podendo, no entanto, ser homicida ou suicida. Além dos sinais encontrados nas asfixias em geral, podem ser vistas algumas lesões produzidas em ações desesperadas da vítima, como escoriações do pescoço, ferimentos da face, lesões de defesa, desgastes das unhas e erosão das extremidades dos dedos. Nestes casos é muito importante o exame do local dos fatos pela perícia criminal e as investigações anatomopatológica e toxicológica. Asfixia por monóxido de carbono A ação do monóxido de carbono (CO) fixando-se na hemoglobina dos glóbulos vermelhos, impedindo o transporte do oxigênio aos diversos tecidos, levando, em consequência, a um tipo especial de asfixia por caboxiemoglobinemia (O2Hb 1 CO 5 COHb 1 O2). Daí se admitir não se tratar de uma morte por intoxicação, mesmo existindo uma ação química sobre a hemoglobina. Na verdade, o que se verifica é uma forma de asfixia tissular. Os que defendem a teoria do monóxido de carbono como elemento tóxico baseiam-se nos casos de tentativas frustradas de suicídio em que o indivíduo apresenta transtornos psíquicos e neurológicos semelhantes a uma intoxicação. A asfixia por monóxido de carbono é mais constante como forma de suicídio e, mais raramente, acidental ou homicida. Nesse tipo de morte, encontram-se vários sinais de grande valor, tais como rigidez cadavérica mais tardia, pouco intensa e de menor duração, tonalidade rósea da face (“como de vida”), manchas de hipóstases claras, pulmões e demais órgãos de tom carmim, sangue fluido e róseo, putrefação tardia e, finalmente, os comemorativos da morte. O monóxido de carbono poderá ser pesquisado por meio de reações químicas especiais, permitindo-se a dosagem e coeficientes de saturação, tendo-se, porém, o cuidado de obter o sangue nas cavidades cardíacas ou em outras vísceras, pois a morte poderá ter-se verificado em situações diferentes e o corpo ter sido colocado em um ambiente em que exista um gás. Assim, usam-se vários processos na determinação do gás carbônico, tais como: (1) prova de Katayama: consiste na diluição, de 1 para 50, do sangue suspeito adicionado a gotas de sulfeto de amônio e ácido acético a 30 por cento, dando uma tonalidade esverdeada nos casos negativos e positivando-se se essa reação apresentar-se vermelho-clara; (2) prova de Liebmann: usa-se a solução de formalina a 10 por cento, obtendo-se tonalidades vermelha ou pardacenta nos casos positivos e negativos, respectivamente; (3) prova de Kunckel e Weltzel: utiliza-se o sangue suspeito diluído em partes iguais com solução de tanino a 1,5 por cento, produzindo um pesado coágulo que irá ao fundo do tubo em uma tonalidade rósea, se houver monóxido de carbono, e castanho-escura nos casos negativos; (4) prova de Stockis: aqui, usa-se o cloreto de zinco a 25 por cento e, na eventualidade do monóxido de carbono, o sangue se precipita em um tom vermelho-cereja-claro e, nos casos negativos, tonalidades chocolate. A pesquisa do monóxido de carbono pode ser realizada ainda pela espectroscopia. O processo consiste em levar-se o sangue ao espectroscópio, observando-se duas faixas escuras: carboxihemoglobina e hemoglobina oxicarbonada – a primeira, mais escura e mais estreita no amarelo, e a segunda, mais clara e mais larga no verde, entre as estrias D e E de Fraunhoffer. Associa-se um agente redutor no sangue, como o sulfidrato de amônia ou hidrossulfito de sódio; as duas faixas persistem, não se obtendo a faixa única de Stockis. Absorção post mortem do monóxido de carbono. O monóxido de carbono pode penetrar no sangue depois da morte, e isso deverá ser levado em conta para afastar possíveis causas de erro. Para prevenir-se, basta recolher o sangue do coração, dos grandes vasos ou das vísceras. Wachnolz e Lemberger, em 1902, já tinham observado que cadáveres de fetos colocados em frascos com monóxido de carbono apresentavam manchas na pele semelhantes às encontradas nos indivíduos mortos por efeito desse gás. Asfixias por outros vícios de ambientes A morte por asfixia também pode advir em ambientes saturados por outros gases, tais como os de iluminação, de esgoto e de fossas, de pântano e, principalmente, por agentes irritantes, como gás de pimenta e gás lacrimogêneo. O gás de pimenta (spray de pimenta) tem sido utilizado por forças policiais para conter distúrbios civis ou como forma de defesa pessoal. Seu efeito imediato se dá sobre olhos, nariz e boca, ocasionando grave sensação de queimor e ardor. Seu princípio ativo é o oleoresin capsicum, oriundo da pimenta. Em alguns países seu uso é proibido e a Anistia Internacional considera o uso do gás de pimenta uma prática de tortura. É tido como um agente não letal, mas a experiência tem demonstrado que esse fato não é verdadeiro: registram-se mortes principalmente em pessoas com alta sensibilidade àquela substância. As mortes, na sua maioria, são decorrentes de asfixia em vítimas portadoras de problemas respiratórios ou cardíacos ou por reação anafilática. Na maioria das vezes essa substância causa danos superficiais nas conjuntivas, sensação de intenso ardor em olhos, nariz e boca e uma sensação de náuseas e vômito, sintomas esses que podem desaparecer dentro de uma hora. O estudo histopatológico das vias respiratórias superiores e inferiores e a análise toxicológica têm pouca importância, pois não trarão um resultado específico. Mas pode-se registrar na faringe, laringe, traqueia, brônquios e cordas vocais hiperemia e edema consideráveis, além de secreção grossa e cristalina. Já o gás lacrimogêneo, dentro do conjunto dos “agentes irritantes”, é uma denominação comum dada a todo agente químico capaz de causar uma incapacidade temporária através do efeito irritativo sobre os olhos (daí o termo lacrimogêneo) ou do sistema respiratório, também utilizado para dispersar grupos contestadores ou em situação de motim. Entre esses compostos, os mais comuns são o brometo de benzilo e o gás CS (clorobenzilideno malononitrilo). Tido como não letal por sua baixa toxicidade e por ter efeito passageiro, tem no entanto contribuído para danos como náuseas e vômitos e, em casos mais raros, até a morte. São utilizados por meio de sprays (aerossol) ou granadas de mão ou de morteiros com ou sem ritmos explosivos. Nos casos de morte por gás lacrimogêneo, o exame histopatológico pode evidenciar necrose da mucosa respiratória e edema do pulmão, e, principalmente, o exame toxicológico tem importância considerável pela possibilidade da evidência do tipo do composto químico utilizado nesse tipo de gás. Sufocação Sufocação é a modalidade de asfixia mecânica produzida pelo impedimento da passagem do ar respirável por meio direto ou indireto de obstrução. Por meio direto, entendem-se os casos devidos à oclusão dos orifícios ou dos condutos respiratórios, e por meio indireto, a compressão do tórax e a sufocação posicional. Sufocação direta. Existem as seguintes modalidades: Sufocação por oclusão da boca e das fossas nasais. É quase sempre de caráter criminoso e há necessidade de acentuada desproporção de forças entre a vítima e o agente. É uma prática muito comum no infanticídio, com a ajuda das mãos que comprimem a face do recém-nascido, ou sob o travesseiro, e por meio de uso de papel molhado sobre a face, como era antigamente praticada no Japão. Outra forma criminosa nesta modalidade é a utilização de sacos plásticos envolvendo a cabeça e presos ao pescoço, o que leva a uma morte muito rápida, explicada não apenas pela privação do oxigênio, mas também por um mecanismo reflexo inibidor (in Knight, B. – Forensic pathology, London: Arnold, 1996). Sufocação direta por oclusão das vias respiratórias. Acontece na obstrução dos condutos aéreos por corpos estranhos, impedindo a passagem do ar até os pulmões. É mais frequente nos acidentes, mais rara no suicídio e mais difícil no homicídio. Marache relata que, na China antiga, os velhos mandarins, sem mais interesse de viver, colocavam uma lâmina delgada de ouro no interior da boca, aspirando-a bruscamente, tendo morte por asfixia. Existem casos registrados na literatura médico-legal de asfixia por obstrução mecânica das vias respiratórias decorrente da aspiração de goma de mascar. Não é rara, também, a morte nessa circunstância por aspiração de corpos estranhos os mais variados, até de porções alimentares que penetram na laringe, matando por asfixia, principalmente, crianças. Não é tão rara a morte por oclusão das vias respiratórias inferiores motivada por alimentos e confundidas com cardiopatias agudas durante as refeições em casa ou em restaurantes e, por isto, chamada por autores de língua inglesa de “coffee coronary” (coronária do café), também conhecida como “infarto do restaurante”. Acrescentem-se ainda a aspiração de vômitos dos debilitados, a obstrução por prótese dentária e a “queda da língua” nos vitimados por descarga elétrica, por crises epilépticas ou nos comatosos. Sinais cadavéricos. São encontrados: • Sinais locais. Pode-se encontrar a presença de marcas ungueais em redor dos orifícios nasais da boca nos casos de sufocação pelas mãos, faltando, no entanto, quando o agressor usa objetos moles, como, por exemplo, lençóis, vestes, travesseiros etc. É também comum encontrar-se lesões da mucosa labial pelo traumatismo desta sobre os dentes. Finalmente, poderá estar presente, na árvore respiratória, o corpo estranho causador de sufocação (Figura 4.64) • Sinais de asfixia. Apresentam os clássicos sinais de asfixia já descritos no estudo geral • Sinais específicos. É comum, em casos de sufocação por oclusão das vias respiratórias, encontrar-se o corpo estranho obstruindo a glote, a bifurcação brônquica ou um dos brônquios fontes, inclusive alimentos e aspirações de vômito. Sufocação indireta. A compressão, em grau suficiente, do tórax e abdome impede os movimentos respiratórios, levando, em consequência, à asfixia. É sempre acidental ou criminosa. Conhecida também como “congestão compressiva de Perthes”. Nos casos acidentais, surgem nas grandes multidões em pânico. Os autores franceses relatam que, nas bodas de Luiz XVI com Maria Antonieta, morreram 40 pessoas na multidão, por compressão torácica, na Praça da Concórdia. Na coroação do Tzar Nicolau II, celebrada em São Petersburgo, morreram aproximadamente 3 mil pessoas asfixiadas durante a divisão de víveres. Há relatos de casos de crianças ou recém-nascidos que morreram quando dormiam com adultos no mesmo leito. Fato curioso relatado por Oscar de Castro (in Medicina na Paraíba – Flagrantes de sua evolução, João Pessoa: Publicações A União Editora, 1944) é, sem dúvida, o do “exortador”. Quando um ancião enfermo se agravava e demorava a morrer, depois dos últimos sacramentos, a família chamava esse técnico. Isto, nos sertões do Nordeste, há muito tempo. Figura 4.64 Sufocação direta – peixe na traqueia (IML/CE). Figura 4.65 Máscara equimótica da face (sinal de Morestin). Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. Ajudar a morrer ou exortar consistia, além das orações de praxe, na compressão do tórax e abdome, matando-se por asfixia. Exortar, portanto, segundo o mestre, era profissão como outra qualquer, exercida com certa dignidade e sempre por indivíduos loquazes e inteligentes, remunerados de forma generosa pela família do moribundo. Lesões anatomopatológicas. Em alguns casos, surgem lesões no esqueleto torácico e nas vísceras, sendo as manifestações de asfixia inaparentes. Noutros, não existem tais lesões, ou são de pouca monta, apresentando-se com sinais evidentes de asfixia. Um dos sinais mais importantes é a máscara equimótica da face, também conhecida como congestão cefalocervical ou máscara equimótica de Morestin (Figura 4.65), produzida pelo refluxo sanguíneo da veia cava superior em face da compressão torácica. Os pulmões se mostram distendidos (sinal de Valentin), congestos, com sufusões hemorrágicas subpleurais. O fígado é congesto e o sangue do coração, escuro e fluido. Sufocação posicional. Alguns autores, entre eles Luis Concheiro Carro e Suárez Peñaranda, chamam a atenção para uma forma de asfixia mecânica produzida pela posição em que o indivíduo se encontra no momento da morte, capaz de impedir ou dificultar seriamente a ventilação pulmonar, após a instauração da fadiga e da falência muscular respiratória. Um dos exemplos desse quadro seria a “crucificação” ou o posicionamento demorado do indivíduo de “cabeça para baixo”. Na realidade, esse tipo de asfixia mecânica pode parecer uma modalidade de sufocação indireta, pois o que se nota em tais casos é a dificuldade ou o impedimento dos movimentos respiratórios. Difere apenas pela ausência das lesões traumáticas que se verificam na compressão do tórax ou do abdome. O mecanismo de morte seria a fadiga aguda dos músculos da respiração, seguida de apneia e anoxia. Favorecem tais ocorrências a embriaguez, a debilitação e a idade avançada. Para seu diagnóstico, deve-se levar em conta o fato de o cadáver ser encontrado em uma posição que dificulte ou inviabilize a ventilação pulmonar, de o indivíduo não poder livrar-se daquela posição, de serem evidenciados os sinais gerais de asfixia e, também, de se excluir de outras causas de morte violenta ou por antecedentes patológicos. Soterramento Soterramento é uma forma de asfixia mecânica motivada por obstrução das vias respiratórias por terra ou substâncias pulverulentas. É, na sua maioria, acidental e, muito raramente, homicida ou suicida, sendo a situação mais frequente o desmoronamento ou o desabamento. Figura 4.66 Soterramento. O diagnóstico se faz pelo estudo dos comemorativos e do local, pela presença de substâncias estranhas, sólidas ou semissólidas, principalmente pulverulentas, no interior das vias respiratórias, na boca, no esôfago e estômago e, ainda, pelos sinais gerais de asfixia. A presença desse material estranho nas vias respiratórias e digestivas é do mais alto valor no diagnóstico, porque depende essencialmente do ato vital de respiração e deglutição, não podendo, portanto, introduzirem-se tais substâncias post mortem (Figura 4.66). Não se deve esquecer que, no soterrado, sempre se encontram lesões traumáticas de várias espécies, pelo desabamento ou desmoronamento; muitas delas capazes de, por si sós, produzir a morte ou contribuir para tanto. Afogamento Afogamento é um tipo de asfixia mecânica, produzido pela penetração de um meio líquido ou semilíquido nas vias respiratórias, impedindo a passagem do ar até os pulmões. O termo “submersão”, largamente usado, não é correto, em virtude de fornecer uma ideia de morte por imersão completa do corpo. Na prática, observam-se casos de afogamento em que apenas os orifícios respiratórios se achavam em contato com o líquido. Sempre que se retira um cadáver de dentro da água ou que se supõe ter estado nela, muitas são as questões que se podem levantar, como: a identificação da vítima, se a morte foi por afogamento, se ela estava viva ou morta antes de entrar na água, se sua causa de morte foi devida ao afogamento ou teve morte natural ou violenta dentro ou fora da água, se a morte foi por inibição, se houve outras causas tóxicas ou medicamentosas que tenham dificultado a sobrevivência na água, quanto tempo passou submerso o corpo, entre outros. Etiologia O afogamento pode ser acidental, suicida ou homicida. O afogamento-acidente é mais comum em indivíduos que, ousadamente, penetram em águas de grande profundidade, ou por imprevistos como convulsão, luxação, mal-estar e traumatismo de cabeça. O afogamento-homicida é muito raro, a não ser que a vítima seja muito inferior em forças ao agressor. O afogamento-suicida é menos frequente que o acidente, e se mostra muitas vezes com características verdadeiramente estranhas, para dissimular tais gestos, como, por exemplo, amarrar as pernas ou os braços. Do nosso ponto de vista, o suicídio típico por afogamento é teoricamente quase impossível. A vítima não suportaria a angústia e o sofrimento da asfixia lenta. Tentaria, a todo custo, a respiração. O que se verifica comumente é o suicídio-acidente, isto é, depois de o indivíduo procurar a morte e faltando-lhe as condições de sobrevivência, terminaria por afogar-se. De início, a tentativa de suicídio e, depois, o acidente. Fisiopatologia e mecanismo de morte A morte por afogamento geralmente passa por três fases ou períodos: fase de defesa, fase de resistência e fase de exaustão. A primeira fase tem dois períodos: o de surpresa e o de dispneia. A segunda fase está representada pela parada dos movimentos respiratórios como mecanismo de defesa. A terceira fase é na qual termina a resistência pela exaustão e começa uma inspiração profunda, iniciando-se o processo de asfixia com perda de consciência, insensibilidade (às vezes, convulsões) e morte. Há, no entanto, casos em que o indivíduo, ao tocar na água, morre por inibição, constituindo os afogados brancos de Parrot, ou afogados secos, necessitando, para isso, de uma predisposição constitucional, lesões cardiovasculares agravadas pela ação térmica ou nos estados tímico-linfáticos. Nessa modalidade de afogamento, não se encontra nenhum sinal de asfixia. O afogamento verdadeiro dos afogados úmidos ou afogados azuis é caracterizado pela penetração de líquidos nas vias respiratórias e asfixia consequente, pode variar em dois grupos: (1) forma rápida: o indivíduo submerge rapidamente, permanecendo no interior da água, sucedendo-se as fases de asfixia em um período de 5 min, aproximadamente; (2) forma lenta: neste tipo de afogamento, a vítima luta, reage, vai ao fundo, retorna à superfície várias vezes, morrendo depois de grande resistência. Tourdes descreve três períodos no afogamento experimental com animais: • fase de resistência ou de dispneia: depois de uma inspiração de surpresa, retêm, energicament a respiração, procurando ao mesmo tempo defender-se, enquanto a consciência permanece lúcida, conservando os movimentos reflexos. • fase de grandes inspirações e convulsões: é caracterizada por uma série de inspirações profundas com penetração violenta do líquido nos pulmões e perda da consciência. • fase de morte aparente: ausência da respiração e dos reflexos, perda da sensibilidade; o coraç permanece batendo até surgir a morte real. Essas fases ou períodos têm o endosso de vários autores quando se referem a experiências em animais. Nos seres humanos, todavia, muitos desses fenômenos ainda são desconhecidos. Mesmo assim, Zangani e cols. sintetizaram nos humanos as seguintes fases: • 1a fase: de surpresa, em que existe uma profunda inspiração fora da água • 2a fase: de apneia, para evitar a penetração da água nas vias respiratórias • 3a fase: de dispneia, em que se verifica a inalação de água seguida de uma expiração por estimulação da água sobre a mucosa laríngea • 4a fase: de convulsões asfíxicas, na qual o líquido continua penetrando de forma descontínua n vias respiratórias • 5a fase: de estágio terminal, que se constitui de uma ou mais inspirações profundas, precedida de uma pausa respiratória pré-terminal. Antes, imaginava-se que a morte por afogamento fosse produzida por anoxia. Após as pesquisas de Swann e cols., deu-se muito valor às alterações eletrolíticas que a água provoca ao penetrar na corrente circulatória, dependendo, entretanto, da quantidade, do tipo e da osmolaridade do líquido aspirado. Nos casos de afogamento em água doce, que é hipotônica em relação ao plasma, ela é absorvida rapidamente nos alvéolos passando para a circulação pulmonar e provocando hemodiluição e hipervolemia. Quando o afogamento é em água salgada, que é hipertônica em relação ao plasma, ocorre de forma diferente, pois o líquido ocupa os alvéolos aumentando em muito a osmolaridade do sangue, que atrai a água das vias respiratórias para a circulação pulmonar, provocando hipovolemia, hemoconcentração e edema pulmonar. Outros, entre eles Hasibeder, acham que a parada cardíaca dos afogados se deve à prolongada hipoxia, às alterações graves do equilíbrio acidobásico, à descarga de catecolaminas e, algumas vezes, à influência da hipotermia por baixa temperatura da água. Há um quadro, não raro, de indivíduos que morrem dentro da água e permanecem com “pulmões secos”, ou seja, sem nenhum líquido nas vias respiratórias e nos pulmões. Para alguns bastaria um espasmo da glote impedindo a entrada da água nas vias respiratórias ou a parada cardíaca de origem vagal influenciada por temperatura muito baixa da água. Luneta e Modell consideram que o volume de líquido aspirado varia de uma vítima para outra e depende de alguns elementos, como frequência e duração do espasmo laríngeo, número e frequência dos movimentos respiratórios antes da morte e o tempo transcorrido até a parada cardíaca. Para outros, isso não representaria outra coisa senão a morte natural de indivíduos dentro da água. Em crianças, principalmente, pode ocorrer uma situação em que o ritmo cardíaco diminui muito, a pressão arterial baixa sensivelmente, o consumo de oxigênio é diminuído, o metabolismo é lento, há presença de bradicardia, assistolia e fibrilação ventricular e, de forma paradoxal, mantêm-se em sobrevivência por alguns minutos, podendo, inclusive recuperar-se integralmente ou com sequelas. Isso se deve, segundo alguns, ao chamado “reflexo mamário” que consiste no espasmo da glote, desenvolvido mais intensamente na vida intrauterina e entre os recém nascidos e lactentes, desaparecendo gradualmente na idade infantil. Sinais cadavéricos do afogado Os sinais cadavéricos do afogado estão caracterizados pelos sinais externos e internos. Sinais externos. São provenientes, em quase sua totalidade, da permanência do cadáver dentro da água e dos sinais vitais do corpo dentro da massa líquida: a . Temperatura baixa da pele. Os cadáveres dos afogados baixam a temperatura mais rapidamente devido ao equilíbrio térmico mais fácil no meio líquido. Esse sinal só não tem valor se o cadáver for retirado imediatamente da água. b . Pele anserina. Também chamada vulgarmente de “pele de galinha”, é ocasionada pela contração dos delicados músculos erectores dos pelos, tornando os folículos desses pelos salientes, devido a rigidez cadavérica. Aparece mais comumente nos ombros, face lateral das coxas e braços (Sinal de Bernt). Para alguns, como Gisbert Calabuig, este é simplesmente um fenômeno cadavérico, sem nenhum significado de reação vital. c. Retração do mamilo, do saco escrotal e do pênis. Tem o mesmo significado da pele anserina. d. Maceração da epiderme. Localiza-se principalmente nas mãos (mãos de lavadeira) e nos pés devido à maior espessura da epiderme. De início, a epiderme se apresenta grossa, enrugada e de tonalidade esbranquiçada, depois destaca-se como se fossem verdadeiros dedos de luva, inclusive desprendendo-se junto com as unhas (Figura 4.67). e . Tonalidade mais clara dos livores cadavéricos . Os livores hipostáticos do cadáver dos afogados tomam tonalidade mais clara que nas demais formas de asfixias mecânicas, devido às modificações hemáticas dessa síndrome, em face da hemodiluição e pela permanência do corpo em ambiente de temperatura baixa. Às vezes, esta tonalidade se torna generalizada. f. Cogumelo de espuma. Em alguns casos, nota-se um cogumelo de espumas de tonalidade branca ou rósea sobre a boca e narinas, estendendo-se o líquido espumoso até a traqueia e os brônquios. Sua formação depende da entrada de água no interior das vias respiratórias, do muco e do ar, surgindo apenas nas pessoas que reagiram dentro da massa líquida. Só aparece nos cadáveres retirados cedo da água e quando os gases da putrefação põem para fora a espuma dos brônquios e da traqueia (Figura 4.68). g . Erosão dos dedos e presença de corpos estranhos sob as unhas. Na face palmar das extremidades dos dedos, encontram-se, em algumas situações de afogamento, erosões devido à resistência do indivíduo ao se debater no plano mais profundo da massa líquida. Sob as unhas, poderão ser encontrados grãos de areia, lama, lodo e corpos estranhos pelo mesmo mecanismo das erosões. h. Equimoses da face das conjuntivas. Algumas vezes, notam-se, nos cadáveres dos afogados, tais equimoses, principalmente em líquidos espessos, como das latrinas e pântanos. Figura 4.67 Maceração da epiderme (afogamento). Figura 4.68 Cogumelo de espuma (afogamento). i. Mancha verde da putrefação. No esterno ou na parte inferior do pescoço, e não na fossa ilíaca direta, como classicamente se conhece noutras situações. j . Lesões post mortem produzidas por animais aquáticos. Essas lesões produzidas depois da morte por animais aquáticos têm como sede de eleição as pálpebras, lábios e cartilagem do nariz e dos pavilhões auriculares (Figura 4.69). Na Amazônia, existe um peixe da espécie Hemicetopsis candiru, de formato cilíndrico, de boca circular e dentes cônicos, capaz de grande poder devorador, que produz lesões iniciais em forma de moeda (Figuras 4.70 e 4.71). l. Embebição cadavérica. A presença demorada do corpo afogado dentro da água faz com que os tecidos sejam embebidos e dificulte a desidratação, inclusive com alteração da rigidez cadavérica. m. Dentes e unhas róseos. Em 1829, em Londres, Bell descreveu um fenômeno chamado dentes róseos post mortem (pink teeth post mortem), em face de uma tonalidade rosada encontrada nos dentes de algumas vítimas de enforcamento e afogamento. Ainda hoje se busca a explicação para esse fenômeno (Figura 4.72 A). É justificado por alguns, através de estudos histológicos, pela dissociação da hemoglobina em subprodutos devido a autólise da polpa dentária mais ampla e mais vascularizada, invadindo os canalículos da dentina e dando assim o aspecto róseo à parte aparente do dente. Por isso é mais comum em pessoas jovens quando as cavidades das polpas são mais amplas. Depois de alguns anos esse fenômeno desaparece. Figura 4.69 Lesões produzidas post mortem por animais aquáticos. Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. Figura 4.70 Lesões post mortem produzidas por candiru (IML/AM). Mesmo que não se conheça a relação desse fenômeno com a causa direta de morte, o certo é que ele quando aparece a decomposição cadavérica se processou em lugar úmido ou na água por determinado tempo, e quando o corpo se encontrava com a cabeça mais baixa que os pés. Para muitos essa explicação não tem sido suficiente para justificar esse achado, principalmente quando se quer relacionar os dentes róseos com o tipo de morte. No entanto, pode-se dizer que mesmo ocorrendo esse fenômeno em diversas causas de morte, ele é muito mais comum nas mortes violentas, principalmente entre os afogados. A coloração dos dentes pode variar entre o róseo-claro e o vermelho pouco intenso e não se apresenta com um mesmo padrão, podendo aparecer apenas em algumas peças dentárias e diversificadas em forma, cor e tamanho. A explicação etiopatogênica do fenômeno dos dentes róseos voltou à tona com o estudo das vítimas dos “assassinatos de Christie”, verificados em Londres a partir de 1953, quando foram intoxicadas por monóxido de carbono e estranguladas. Das oito vítimas apenas uma apresentava os dentes róseos, o que aumenta ainda mais as dificuldades de explicação, pois todas elas foram mortas por um mesmo meio e colocadas em um mesmo lugar. Figura 4.71 Lesões post mortem em forma de moeda por ação necrófaga de candiru (IML/AM). Figura 4.72 A. Dentes rosados. B. Unhas rosadas. (Arquivo da Dra. Dilana Penna Lima.) Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. Estudos posteriores vêm demonstrando que os dentes róseos são encontrados em outras causas de morte. Sendo assim, recomenda-se que não se use o fenômeno dos dentes róseos como sinal patognomônico, nos casos de estrangulamento ou afogamento. Por outro lado, não se deve esquecer que esse fenômeno não é encontrado apenas nos cadáveres, mas também em vivos, e muitas são as suas causas. Entre elas se destacam: traumatismo dental (mais comum nos incisivos temporários), enfermidades sistêmicas (entre elas o tifo e a porfiria congênita), reabsorções internas da parede da polpa e traumatismo por alteração da pressão (mais comum em pilotos de avião de combate). Tem-se encontrado também em cadáveres putrefeitos um fenômeno chamado de “unhas rosadas” (pink nails post mortem) que nada tem de específico em afogamentos, mas tão só a certas condições especiais das unhas como porosidade e a determinadas alterações oriundas da autólise do sangue (Figura 4.72 B). Sinais internos. Podem ser evidenciados nas seguintes circunstâncias: A. Lesões internas determinadas pela presença do líquido no interior das vias respiratórias e outros: a . Presença de líquido nas vias respiratórias. A presença desse elemento, além de ser importante como valor diagnóstico no afogamento, poderá dizer o tipo do meio líquido pela presença de corpos estranhos, fungos, lama ou material fecal ou de vômitos, podendo-se, assim, avaliar se o afogamento deu-se em águas doces, salgadas, pantanosas ou em latrinas. O líquido, no interior das vias respiratórias, sempre é em forma de espuma branca ou rósea, amarelada ou sanguinolenta. Sua quantidade varia de acordo com o tempo de agonia do afogado. Figura 4.73 Tecido vegetal em pulmão de afogado (Elizabeth Azevedo, IML/AM). Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. b. Presença de corpos estranhos no líquido das vias respiratórias dos afogados. Encontra-se maciçamente nos afogados em latrinas, lamaçais e em outras massas pantanosas e, mais raramente, nos casos ocorridos em águas correntes. Deve-se dar importância aos corpos estranhos microscópicos, minerais, vegetais e animais que possam existir no líquido, cujo conjunto se chama de plâncton (Figura 4.73). A inclusão desses elementos na estrutura pulmonar pode ser evidenciada pelo exame histológico, sendo de real valor para um diagnóstico de afogamento. c. Alterações e lesões dos pulmões. Os pulmões dos afogados podem-se encontrar aumentados, pesados, crepitantes e distendidos, e com enfisema aquoso e equimoses subpleurais. Ao se abrir a cavidade torácica, depara-se com o aumento excessivo dos pulmões, que se entrecruzam na porção anterior encobrindo o coração e, quando retirados, mostram-se com marcas de costelas. A presença do enfisema aquoso subpleural decorre da embebição do tecido pulmonar proveniente da água aspirada (sinal de Brouardel). Pela palpação, dá uma sensação de esponja molhada, fenômeno esse mais acentuado nos lobos superiores e próximo ao hilo. Casper chamava-o de hiperaeria (Figura 4.74). Ao corte, e pela espremedura, há saída de grande quantidade de líquido em cascata. Uma teoria aceita é a de Paltauf, que responsabiliza a entrada do líquido inspirado aos alvéolos rotos e tecidos intersticiais, através da via linfática (Figura 4.75). Figura 4.74 Enfisema aquoso subpleural (afogamento). Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. Figura 4.75 Ruptura das paredes alveolares no afogado. (Elizabeth Azevedo, IML/AM.) As equimoses subpleurais, também conhecidas como manchas de Tardieu, são raras no afogamento. Mais comuns são as manchas de Paltauf, de dimensões maiores, de 2 cm ou mais, de contornos irregulares, tonalidade vermelho-clara, explicadas pela ruptura das paredes alveolares e capilares sanguíneos (Figura 4.76). Por fim, pode existir nos pulmões a presença de geo-, zoo- ou fitoplânctons, muitas vezes envoltos em fibrina, o que denota reação vital do processo (Figura 4.73). d. Diluição do sangue. Esse fenômeno é devido à entrada da água no sistema circulatório ao nível do tecido pulmonar. Percebe-se essa manifestação pela mudança do colorido do sangue, que se torna vermelho-claro, pela maior fluidez, pela coagulabilidade e, finalmente, com a ajuda do laboratório. O sangue das cavidades esquerdas do coração, proveniente da circulação pulmonar, é mais diluído do que o das cavidades direitas. Isso pode ser visto pela “prova carto-hematométrica de Zangani”, que consiste em colocar gotas de sangue de mesmo volume de cada ventrículo sobre um papel de filtro, notando nos casos de afogamento uma ampla e rápida difusão do sangue do ventrículo esquerdo sobre o papel, com coloração menos intensa e margens bem irregulares. A tonalidade do sangue dos afogados difere da encontrada nos outros tipos de asfixia. A fluidez é bem acentuada, diversa do sangue normal. E a incoagulabilidade do sangue nessa síndrome asfíxica não tem explicações razoáveis. e . Presença de líquidos no sistema digestivo. Nos afogados, algumas vezes encontra-se, no estômago e nas primeiras alças do intestino delgado, conteúdo espumoso que, colocado em um tubo de ensaio, forma três camadas: a superior, espumosa; a intermediária, aquosa; e a inferior, sólida (sinal de Wydler). Figura 4.76 Manchas de Paltauf (afogamento). Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. f . Presença de líquidos no ouvido médio. Na cavidade timpânica, poderá ser determinada a presença de líquidos em afogados, inclusive com uma amostragem de corpos estranhos. g . Presença de líquidos nas cavidades pleurais. Não é raro se encontrar uma considerável quantidade de líquido seroso ou sero-hemático nas cavidades pleurais nos afogados; nos casos de cadáveres putrefeitos esse sinal tem pouco valor em virtude da difusão post mortem dos líquidos pulmonares. Inoue estudou nesse líquido a diferença de concentração de sódio, potássio, cloro e proteínas obtida em experimentações com animais afogados em água doce e água salgada. h. Aumento do coração. Tem-se referido também o aumento do coração dos afogados, segundo alguns autores, pela dilatação do ventrículo direito devido à hipervolemia e à resistência vascular pulmonar. i . Hemorragias intramusculares. Carter e Pusched relatam em seus trabalhos hemorragias situadas ao nível do pescoço, tórax e membros superiores motivadas pelas convulsões agônicas e sofrimento muscular decorrentes da anoxia, embora autores outros discordem dessas justificativas. B. Lesões na base do crânio: a . Hemorragia temporal. Conhecida como sinal de Niles, consistindo no extravasamento sanguíneo no ouvido médio e nos seios mastóideos, caracterizado por uma zona azulada na face anterossuperior da parte petrosa do osso temporal. b . Hemorragia etmoidal. Descrita como sinal de Vargas-Alvarado, constituído de um extravasamento sanguíneo no osso etmoide e caracterizado por uma zona azulada no compartimento anterior da base do crânio de cada lado da apófise crista galli. Esses sinais perdem seu valor quando existe também traumatismo craniano. C. Laboratório: Há certos exames laboratoriais considerados imprescindíveis no estudo do afogado. Primeiro, nos casos de cadáveres putrefeitos ou de desconhecidos, no sentido de facultar uma identificação. Depois, os chamados exames específicos, com o propósito de diagnosticar o próprio afogamento, do tipo de líquido e, quando possível, também, o local onde se verificou o afogamento. No exame macroscópico, nota-se que a diluição do sangue é mais acentuada no hemicoração esquerdo (hidremia), justificada pela própria dinâmica circulatória. Pode-se confirmar esse fenômeno pela contagem dos glóbulos vermelhos, pela dosagem da hemoglobina, pela densidade do sangue, pela determinação do resíduo seco, pela crioscopia, pela condutibilidade elétrica, pelo poder hemolítico, pelo hematócrito, pelas alterações químicas do sangue e, finalmente, pela microscopia polarizada. A contagem dos glóbulos vermelhos no sangue do hemicoração esquerdo poderá ser menor se o afogamento tiver determinado uma diluição nessas cavidades. A diluição do sangue demonstrará uma diferença na concentração de hemoglobina no sangue de ambos os hemicorações. A determinação do resíduo seco entre os sangues dos hemicorações direito e esquerdo também poderá ser de grande valor, levando-se em conta que 100 cm3 de sangue dão um resíduo de 19,6 g. Tanto mais diluído o sangue, menor será, naturalmente, sua densidade. Quanto maior a concentração molecular de um líquido, tanto mais baixa será a temperatura para sua congelação. O ponto de congelação do sangue humano é em torno de 20,55°C a 20,57°C. Se o afogamento determinou diluição do sangue de um dos hemicorações, é óbvio que o grau de crioscopia seja diferente no esquerdo e no direito. Mario Carrara aconselha tirar o coração depois de ligadura completa dos grossos vasos da base, abrir as cavidades ventriculares separadamente e colher o sangue de cada uma. Se a água é doce, o ponto crioscópio se eleva e, na água salgada, baixa, em virtude de o teor salínico influir nesse abaixamento. Uma solução salina dá condução à eletricidade tanto melhor quanto maior for a sua concentração. Logo, em um afogado em que houve diluição do sangue de um dos corações, logicamente sua condutibilidade elétrica será diferente. Porém, se essa diluição for devida à água do mar, o valor será inverso. A hemólise do sangue dos afogados é mais intensa no coração esquerdo do que no direito. Gettler foi quem primeiro propôs a dosagem dos cloretos no sangue com a finalidade de diagnosticar a morte por afogamento. Entre nós, Alfredo de Andrade estudou bem o assunto e chegou a conclusões razoáveis sobre a importância dessa técnica. Se o afogamento se verifica em águas doces, a taxa de cloreto de sódio é mais elevada no hemicoração direito, em face da diluição do sangue do coração oposto. Se ocorreu no mar, essa taxa é mais elevada no hemicoração esquerdo, em decorrência da maior concentração de cloreto de sódio do líquido proveniente do afogamento. Gilbert Calabuig aconselha a dosagem da taxa de magnésio no sangue dos dois corações para determinar o afogamento no mar, pois levaria a um aumento desse elemento no sangue do coração esquerdo. Pode ser identificado pelo processo de microscopia polarizada o plâncton de origem mineral no sangue do hemicoração esquerdo, quando diante de uma diluição do líquido oriundo dos pulmões. Agora, em estudos mais atuais, Pette e Tiperman aconselham a dosagem do estrôncio sérico para caracterizar o afogamento em águas salgadas; Chen Yu Chuan, a pesquisa do flúor em afogamentos que possam ter ocorrido em ambientes com esse material; e Lorente propõe a averiguação dos níveis plasmáticos do peptídio natriurético auricular para o diagnóstico de afogamento por água doce ou salgada. Através do exame de laboratório, é possível se determinar o local onde se verificou o afogamento, levando-se em conta o estudo microscópico dos elementos geológicos e do plâncton mineral, vegetal ou orgânico encontrados nas vias respiratórias, nos pulmões e até mesmo no sangue do hemicoração esquerdo da vítima. O importante seria encontrar-se um marcador bioquímico capaz de determinar com segurança o diagnóstico de afogamento. Zhu e cols. vêm estudando as concentrações de cloro, sódio, cálcio, magnésio, ureia e creatinina no sangue de cada ventrículo dos afogados em água doce e salgada e comparando tais resultados com outras formas de morte. Todavia, admite-se que para o sucesso de tal metodologia seria necessário que o marcador estivesse presente em grande quantidade no meio aquoso do afogamento e em pequenas concentrações nos indivíduos normais, e que o marcador não pudesse penetrar na circulação por outras vias que não pelas vias respiratórias nem pelos fenômenos de difusão post mortem. No que diz respeito aos marcadores biológicos, tendo em conta as lesões alveolares permitirem a penetração da água na circulação sanguínea, é possível a presença de pequenas partículas oriundas do meio aquoso do afogamento. Esse estudo começou com a pesquisa das diatomáceas, que são microrganismos autotróficos encontrados na água doce e na salgada. Todavia, sua utilidade como marcador tem sido criticada, pois elas não foram encontradas em todos os afogados. E mais: foram encontradas em outras formas de morte de indivíduos que permaneceram dentro d’água. Para que esse marcador tenha um significado positivo, é necessário que se considerem o aspecto quantitativo das diatomáceas e a determinação e a morfometria de suas espécies, no sentido de se promover a identidade delas quando encontradas no corpo e no meio onde se deu o afogamento. Luci e Cirnelli estudam a presença de bactérias típicas de contaminação fecal, entre elas o estreptococo fecal e o Coliformes fecales no sangue dos ventrículos, na artéria e veia femoral, sendo alta suas incidências em afogados. D. Exame radiológico: Em caso de afogamento, a radiografia da face pode demonstrar a opacidade dos seios maxilares, como prova de reação vital. E. Exame histológico: O exame microscópico do pulmão do afogado pode apresentar alterações bem características, como: enfisema do tecido pulmonar e edema alveolar; hemorragias peribrônquicas acentuadas; e ruptura e hemorragia das paredes alveolares, predominando nas regiões centrais do pulmão (Figura 4.75). F. Sinais gerais de asfixia: Nos afogados, geralmente encontram-se sinais de asfixia, como congestão polivisceral, mais evidente no fígado – chamada por Étienne Martin de fígado asfíxico. Ainda há presença de equimoses de dimensões variáveis nos músculos do pescoço e do tórax, sendo explicadas tais equimoses pelo esforço violento da vítima em tentar salvar-se ou pelas convulsões surgidas no período final do afogamento. • Afogados secos. Cerca de 10 a 15% dos casos de afogamento não se encontra água nos pulmõe Vários autores apontam o espasmo da glote como o mecanismo que impede a entrada do líquido nos pulmões. A apneia inicial seria a causa primeira capaz de estimular os quimiorrecptores carotídeos contribuindo com o mecanismo de uma parada cardíaca de origem vagal, a qual poderia ser igualmente facilitada quando o indivíduo entra em contato com a água. Este seria o motivo pelo qual, em algumas necropsias, a presença de líquidos é nula ou insignificante nos pulmões dos chamados afogamentos secos (dry drowning) ou afogamentos de pulmões secos. Putrefação e flutuação dos afogados O cadáver retirado da água sofre, com o ar atmosférico, uma aceleração do fenômeno putrefativo. Isto se deve também à posição do corpo submerso com a cabeça mais baixa que os pés. Essa posição contribui para uma congestão acentuada do segmento cefálico, iniciando a putrefação com o aparecimento da mancha verde na face ou nas proximidades da região esternal. Em uma primeira fase, em virtude de a densidade do corpo ser sempre maior que a do líquido de submersão (1,035 a 1,110), a tendência do cadáver é ir para o fundo, contribuindo, ainda, a maior ou menor quantidade de líquido ingerida. Em uma segunda fase, com o aparecimento dos gases da putrefação, o cadáver flutuará, pois verificam-se o aumento do volume do corpo, a permanência relativa do peso e a consequente diminuição da sua densidade. Em geral, flutua com 24 h após a morte ou até 5 dias, a não ser que algo estranho possa ocorrer, como a destruição rápida das partes moles por animais da fauna aquática, ou que o cadáver fique preso no fundo da água. No mar, ele flutua mais cedo, em virtude do maior peso específico da água salgada, que é em torno de 1,027. Em uma terceira fase, com a ruptura dos tecidos moles e o esvaziamento dos gases, a densidade do corpo volta a prevalecer sobre a da água e verifica-se a segunda imersão. Finalmente, em uma quarta fase, muito mais adiante, com a evolução para a adipocera, diminuindo o peso específico do corpo, o cadáver voltará à superfície, ocorrendo a segunda flutuação. Diagnóstico de certeza do afogamento Há três eventualidades no afogamento que se tornam, muitas vezes, importantes em um estudo médico-legal: se a morte foi verdadeiramente por afogamento típico, se foi natural ou violenta, estando o indivíduo dentro da água ou se o cadáver foi colocado no meio líquido para simular um afogamento. Por isso, o diagnóstico não pode ser feito apenas através do exame externo do cadáver. Quando a morte verificou-se há pouco tempo da perícia e não há sinais de putrefação avançada, o verdadeiro diagnóstico não se constitui em uma tarefa mais complicada, pois todos os sinais de afogamento ou de outra morte natural ou violenta estão presentes e facilmente reconhecidos. Causas jurídicas de morte no afogamento Em muitas oportunidades, a tarefa de determinar se o afogamento foi causado por homicídio, suicídio ou acidente passa a ser o mais importante. Essa é uma questão, todavia, que nem sempre pode ser respondida pelos legistas e sim pela perícia criminal. O homicídio por afogamento no adulto, mesmo sendo pouco frequente, não pode ser descartado, devendo-se levar sempre em conta o conjunto das lesões de características vitais não específicas do afogamento, e que possa ser produzido antes e durante a queda na água, ao chocar-se com o líquido ou durante o próprio afogamento. As lesões produzidas post mortem, nesse particular, têm interesse relativo. Cronologia do afogamento É muito importante também saber-se o tempo de permanência do cadáver dentro da água e sua transformação após a morte, mesmo tendo-se em conta sua complexidade. Pesa muito a temperatura da água. Isso é feito, analisando-se o estado de maceração e do estágio da putrefação cadavérica, levando-se em conta que nos afogados esses processos são sempre mais rápidos. Deve-se ter em mente, ainda, que a cabeça, o pescoço e o tórax serão as partes do corpo que inicialmente sofrem a ação da transformação putrefativa, nas mesmas modalidades já conhecidas. Com aproximadamente 1 mês após a morte, o cadáver começa a apresentar a pele pardacenta ou amarelada, apergaminhada, rugosa e friável. Em torno do terceiro mês, podem ser encontradas sobre a pele pequenas crostas arredondadas de sais calcários. Local do afogamento Essa é outra questão importante no estudo dos afogados, pois nem sempre o local de onde é retirado o cadáver corresponde ao lugar onde se verificou o afogamento. Isso, é claro, depende muito da marcha putrefativa do cadáver, da temperatura da água e das correntes aquáticas, superficiais ou profundas. Para chegar-se a tal diagnóstico, é necessário o estudo geológico e do plâncton por levantamento microscópico ou através de cultura, nos diversos locais ou etapas de um lago ou de um rio, por exemplo, onde esse geófito ou zooplâncton pode ser comparado com aquele retirado das vias respiratórias do afogado. Há locais onde os rios têm muita importância na vida das pessoas, e já estão mapeados no que diz respeito ao plâncton e à sua composição geológica. Enforcamento O enforcamento é uma modalidade de asfixia mecânica que se caracteriza pela interrupção do ar atmosférico até as vias respiratórias, em decorrência da constrição do pescoço por um laço fixo, agindo o peso do próprio corpo da vítima como força ativa. É mais comum nos suicídios, podendo, no entanto, ter como etiologia o acidente, o homicídio e a execução judicial. Modo de execução Há certas formas de enforcamento, como no suicídio e no suplício, que seguem uma orientação mais ou menos determinada, devendo-se considerar: a natureza e disposição do laço, o ponto de inserção superior e o ponto de suspensão do corpo. O laço que aperta o pescoço pode ser de várias naturezas: cordas, cintos, fios de arame, lençóis, punhos de rede, gravatas, correntes, arames, cortinas e até ramos de árvores. Sua consistência varia entre os chamados duros, moles e semirrígidos. Lençóis, cortinas e gravatas formam os laços moles; cordões, cordas, fios de arame, os duros (Figura 4.77 A); e cintos de couro, os semirrígidos. Sua disposição é sempre em torno do pescoço, sendo mais comum com uma única volta, embora possa haver várias voltas (Figura 4.77 B). O nó pode faltar, tomando a forma de alças. Poderá ser corrediço, ou simplesmente fixo. Sua situação é sempre posterior ou lateral e, muito raramente, na porção anterior do pescoço. Qualquer ponto de apoio serve como local para prender o laço, desde os caibros de telhados, ramos de árvores, armadores de rede até trincos de portas. Chama-se de suspensão típica ou completa aquela em que o corpo fica totalmente sem tocar em qualquer ponto de apoio: e suspensão atípica ou incompleta, se é apoiado pelos pés, joelhos ou outra parte qualquer do corpo. Antigamente, não se admitia o enforcamento por suspensão incompleta; somente após o suicídio do Príncipe Condé, passou-se a aceitar tal possibilidade. Esta forma de enforcamento não é tão rara quanto se imagina. Figura 4.77 A. Laço duro. (Arquivo do Prof. Penna Lima.) B. Enforcamento por laço duplo. Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. Evolução A morte por enforcamento pode surgir rápida ou tardiamente, dependendo se as lesões foram locais ou a distância. Na evolução do enforcamento, estudaremos os seguintes fenômenos: Fenômenos apresentados durante o enforcamento. De acordo com experiências em animais ou relatos de sobreviventes, desenvolve-se o enforcamento em três períodos: • primeiro período: começa quando o corpo, abandonado e sob a ação do seu próprio peso, lev pela constrição do pescoço, à sensação de calor, zumbidos, sensações luminosas na vista e perda da consciência produzidos pela interrupção da circulação cerebral • segundo período: caracteriza-se pelas convulsões e excitação do corpo provenientes dos fenômenos respiratórios, pela impossibilidade de entrada e saída de ar, diminuindo o oxigênio (hipoxemia) e aumentando o gás carbônico (hipercapnia). Associa-se a esses fenômenos a pressão do feixe vasculonervoso do pescoço, comprimindo o nervo vago • terceiro período: surgem os sinais de morte aparente, até o aparecimento da morte real, com cessação da respiração e da circulação. Fenômenos da sobrevivência. Há alguns que, ao serem retirados ainda com vida, morrem depois sem voltar à consciência devido ao grande sofrimento cerebral pela anoxia. Existem outros casos que, mesmo recobrando a consciência, tornam-se fatais algum tempo depois. Finalmente, há os que sobrevivem acompanhados de uma ou de outra desordem. Essas manifestações podem ser locais ou gerais: • locais: o sulco, tumefeito e violáceo, escoriando ou lesando profundamente a pele. Dor, afasia disfagia relativas à compressão dos órgãos cervicais e congestão dos pulmões • gerais: são referentes aos fenômenos asfíxicos e circulatórios, levando, às vezes, ao coma, amnésia, perturbações psíquicas ligadas à confusão mental e à depressão; paralisia da bexiga, do reto e da uretra. Tempo necessário para a morte no enforcamento. Varia de acordo com certos aspectos pessoais e circunstanciais. A morte poderá ser rápida, por inibição, ou demorar cerca de 5 a 10 min, conforme observações em enforcamentos judiciais. Lesões anatomopatológicas Na morte por enforcamento, a ação do laço sobre o pescoço nos permite estudar: aspecto do cadáver, sinais externos, sinais internos, mecanismo da morte por enforcamento e casos atípicos. Aspecto do cadáver. A posição da cabeça sempre se mostra voltada para o lado contrário do nó, fletida para diante, com o mento tocando no tórax. A face pode apresentar-se branca ou arroxeada (variando com o grau de compressão vascular), e as equimoses palpebrais e conjuntivais são raras. Assinala-se a presença de líquido ou espuma sanguinolenta pela boca e narinas. A língua é cianótica e sempre está projetada além das arcadas dentárias. Olhos protrusos e pavilhão auricular violáceo, surgindo ocasionalmente otorragia. No enforcamento completo, os membros inferiores estão suspensos e os superiores, colados ao corpo, com os punhos cerrados mais ou menos fortemente. Na forma incompleta, os membros assumem posições as mais variadas. A rigidez cadavérica é mais tardia no enforcamento. As manchas de hipóstase se apresentam na metade inferior do corpo com maior intensidade nas extremidades dos membros superiores e inferiores, em forma de luva, o que não se configura como sinal de enforcamento, mas que o corpo ter ficou suspenso por um tempo para fixar essas manchas. Podem surgir algum tempo depois as chamadas equimoses post mortem. Devido ao tempo de suspensão e à fluidez do sangue, podem-se observar nas áreas de manchas de hipóstase as chamadas púrpuras hipostáticas, as quais não podem ser confundidas com petéquias hemorrágicas. Tourdes fez referências sobre os cadáveres que demoram suspensos no enforcamento, afirmando que a metade inferior do corpo marcha para uma putrefação úmida, e a metade superior para uma putrefação seca. Sinais externos. A sua maior importância está no sulco do pescoço, de capital valor no diagnóstico do enforcamento (Figura 4.78 A e B). Estão presentes em todos os casos, a não ser excepcionalmente, como nas suspensões de curta duração, nos laços excessivamente moles ou quando é introduzido, entre o laço e o pescoço, um corpo mole. Quando o enforcamento é produzido por mais de um laço, observa-se mais comumente no pescoço mais de um sulco. Os laços finos se juntam apresentando-se como se fosse apenas um e deixam a marca de um único sulco, cujo leito mostra aqui e ali o trançado ou a disposição do seu conjunto de fios. Todavia, quando os laços são de maior volume e principalmente mais duros, o que se verifica é a presença de mais de um sulco, sendo que aquele laço que toma a posição mais alta no pescoço será o que deixará marcado o sulco com mais intensidade. O outro laço ou os demais funcionam sem maior intensidade e a tendência é produzir sulcos de pouca intensidade e de menor profundidade. Assim, o sulco principal situa-se na posição superior do pescoço deslizando-se até o ponto de apoio com a mandíbula, dirigindo-se no sentido do nó, obliquamente, de baixo para cima e de frente para trás. O(s) outro(s) fica(m) mais abaixo, é(são) de menor intensidade, não apresentando maior profundidade ou intensidade porque é(são) produzido(s) pelo chamado “laço fraco”. Figura 4.78 A. Sulco típico (enforcamento). B. Duplo sulco (enforcamento). A figura B encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. Pode acontecer que o sulco seja contínuo, como nos casos dos laços apertados, e, em outras vezes, interrompendo-se na parte mais superior das proximidades do nó. A consistência do leito do sulco é mole, e de cor branca, nos produzidos por laços moles; e dura, apergaminhada e de tonalidade amarelada e depois pardo-escura (linha argêntica), resultante da desidratação da pele escoriada nos fenômenos post mortem, nos produzidos por laços duros. Tanto mais delgado o laço, mais profundo o sulco, levando-se em consideração, ainda, o tempo de permanência do corpo sob a ação do seu próprio peso. A largura do sulco também varia em função do laço. A permanência do sulco é proporcional à consistência do laço, podendo desaparecer em um segundo exame, caso se trate de um laço mole. Sinais encontrados nos sulcos de enforcados: • sinal de Ponsold: livores cadavéricos, em placas, por cima e por baixo das bordas do sulco • sinal de Thoinot: zona violácea ao nível das bordas do sulco • sinal de Azevedo-Neves: livores punctiformes por cima e por baixo das bordas do sulco • sinal de Neyding: infiltrações hemorrágicas punctiformes no fundo do sulco • sinal de Ambroise Paré: pele enrugada e escoriada no fundo do sulco • sinal de Lesser: vesículas sanguinolentas no fundo do sulco • sinal de Bonnet: marcas de trama do laço • sinal de Schulz: borda superior do sulco saliente e violácea. Podemos estabelecer algumas distinções entre o sulco do pescoço no enforcamento e no estrangulamento (Quadro 4.2). Também não confundir com o sulco natural do pescoço das crianças, com os sulcos produzidos pela gravata depois do enfisema putrefativo, com os sulcos patológicos, com o sulco dos adultos obesos e com os sulcos artificiais causados pelo laço de gravatas apertadas. Todavia, nem sempre é fácil estabelecer uma precisa diferença quando se sabe que tais dificuldades decorrem da razoável semelhança do quadro lesional macroscópico observado no enforcamento e no estrangulamento, cujas características por vezes estão pouco definidas quanto a sua etiopatogenia e sua vitalidade. Mesmo assim, de acordo com o mecanismo lesional, podem ser evidenciadas lesões externas e internas com características próprias, particularmente do ponto de vista histopatológico, suscetíveis de fundamentarem um diagnóstico diferencial. Quanto ao diagnóstico da vitalidade, pode ser observada através dos mediadores da resposta inflamatória (catepsina D, serotonina, ferro, zinco, cobre e proteínas de libertação endotelial), cujas alterações são capazes de fundamentar um diagnóstico de vitalidade nestas duas formas de constrição do pescoço. Sinais internos. São em grande número, podendo ser divididos em sinais locais e a distância. Quadro 4.2 Características diferenciais do sulco (Bonnet). Enforcamento Estrangulamento Oblíquo ascendente Horizontal Variável segundo a zona do pescoço Uniforme em toda a periferia do pescoço Interrompido ao nível do nó Contínuo Em geral, único Frequentemente múltiplo Por cima da cartilagem tireóidea Por baixo da cartilagem tireóidea Quase sempre apergaminhado Excepcionalmente apergaminhado De profundidade desigual De profundidade uniforme Sinais locais • lesões da parte profunda da pele e da tela subcutânea do pescoço: caracterizadas por sufusõ hemorrágicas da parte profunda da pele e da tela subcutânea. Podendo surgir, ainda, rupturas e infiltrações sanguíneas do tecido muscular (sinal de Martin) e equimoses retrofaríngeas. No enforcamento, essas alterações são mais constantes e mais intensas no lado contrário ao nó • lesões dos vasos: incidem sobre as artérias e, excepcionalmente, nas veias. Amussat descreveu um sinal, que tem o seu nome, constituído da secção transversal da túnica íntima da artéria carótida comum nas proximidades de sua bifurcação (Figura 4.79). Essas rupturas podem ser únicas ou múltiplas, superficiais ou profundas, visíveis a olho nu ou não. São mais encontradas nos enforcamentos por laços finos e duros, ocupando uma maior ou menor parte da circunferência do vaso. O referido sinal é mais encontrado na artéria do lado oposto do nó. O desgarramento da túnica externa é conhecido pela denominação de sinal de Étienne Martin. E, finalmente, há a sufusão hemorrágica da túnica externa da carótida comum – sinal de Friedberg (Figura 4.80). Esses sinais são mais evidentes, nos casos de enforcamento, no lado onde o laço sustenta o corpo, ou seja, no lado oposto ao do nó. E, quando aqueles sinais são vistos em ambos os lados, as lesões são mais pronunciadas e mais baixas no lado contrário ao do nó. Há outras lesões vasculares mais raras, como: a ruptura da túnica externa da artéria carótida interna ou externa (sinal de Lesser) e a solução de continuidade da túnica interna das veias jugulares (sinal de Ziemke) • lesões do aparelho laríngeo: fraturas das cartilagens tireóidea e cricóidea, e fratura do osso hioide • lesões da coluna vertebral: nos casos de enforcamento com queda brusca do corpo, podem surgir fraturas ou luxações de vértebras cervicais, como acontece em alguns dos enforcamentos por suplício. Sinais dos planos profundos do pescoço (apud Bonnet). Os sinais mais comumente descritos na literatura médico-legal sobre enforcamento são: • musculares: infiltração hemorrágica dos músculos cervicais (sinal de Hoffmann-Haberda) e ruptura transversal, e hemorragia do músculo tiro-hióideo (sinal de Lesser) Figura 4.79 Sinal de Amussat. (Arquivo do Dr. Carlos Henrique S. Durão.) Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. • cartilagens e ossos: hioide – fratura do corpo (sinal de Morgagni-Valsalva-Orfila-Röemmer tireoide – fratura das apófises superiores (sinal de Hoffmann); fratura do corpo (sinal de Helwig); e cricoide – fratura do corpo (sinal de Morgagni-Valsalva-Deprez) • ligamentos: rupturas dos ligamentos cricóideo e tireóideo (sinal de Bonnet) • vasculares: carótida comum – ruptura da túnica íntima em sentido transversal abaixo da bifurcação (sinal de Amussat-Divergie-Hoffmann); infiltração hemorrágica da túnica adventícia (sinal de Friedberg); carótidas internas e externas – ruptura das túnicas adventícias (sinal de Lesser); jugulares interna e externa – ruptura da túnica interna (sinal de Ziemke) • neurológicos: ruptura da bainha mielínica do nervo pneumogástrico ou vago (sinal de Dotto – Figura 4.81) Figura 4.80 Sinal de Friedberg. (Arquivo do Dr. Carlos Henrique S. Durão.) Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. Figura 4.81 Sinal de Dotto. (Arquivo do Dr. Carlos Henrique S. Durão.) Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. • vertebrais: fratura da apófise odontoide do áxis (sinal de Morgagni); fratura do corpo de C1 C2 (sinal de Morgagni); luxação da segunda vértebra cervical (sinal de Ambroise Paré) • faríngeos: equimoses retrofaríngeas (sinal de Brouardel-Vibert-Descoust) • laríngeos: ruptura das cordas vocais (sinal de Bonnet). Sinais a distância. São aqueles encontrados nas asfixias em geral, como congestão polivisceral, sangue fluido e escuro, pulmões distendidos, equimoses viscerais e espuma sanguinolenta na traqueia e nos brônquios. Pellisier, Leclerq e Cordonnier apresentam, como características histológicas nos pulmões, intensa congestão dos vasos interalveolares, congestão capilar e transudação alveolar. Berg, em 1952, encontrou como sinal importante a determinação das fosfatases, que, no enforcado, estaria em torno de 77,1 mg e que, em outras causas não asfíxicas, seria em média de 12,1 mg. Simon descreve um sinal caracterizado por infiltração hemorrágica ao nível dos discos intervertebrais, com mais frequência na região lombar, inclusive servindo de diagnóstico de reação vital nesta forma de asfixia. Mecanismo da morte por enforcamento. Pela variação sintomática do enforcamento, acredita-se nas possibilidades variáveis do mecanismo de morte. Hoffmann fundamenta a morte por enforcamento em três princípios: • morte por asfixia mecânica: naturalmente, é-se levado a pensar que a ação do laço no pescoç interrompe a passagem do ar respirável até os pulmões. Porém, existem certos argumentos que fogem a esse princípio: 1o – nem sempre se encontram, nos cadáveres dos enforcados, as lesões típicas de asfixias; 2o – a constrição do laço não se manifesta exatamente sobre a traqueia e a laringe, e sim muito mais acima; 3o – certas observações experimentais demonstram que mesmo os animais traqueotomizados e, por conseguinte, com passagem livre do ar morrem invariavelmente por enforcamento. Então, somos obrigados a pensar que, se o indivíduo morre por asfixia mecânica no enforcamento, não é precisamente por constrição da laringe e da traqueia, e sim por outro mecanismo de asfixia, como a obstrução das vias respiratórias, pelo rechaçamento da base da língua para cima e para trás, por ação do próprio laço sobre a parede posterior da laringe • morte por obstrução da circulação: a interrupção da circulação venosa pela constrição do laç no pescoço contribui apenas, para alguns autores, no fenômeno da congestão da face. Mais importante é, sem dúvida, a obstrução da passagem do sangue arterial pelas carótidas, acarretando perturbações cerebrais pela anoxia. Experimentalmente, sabe-se que a pressão capaz de obter a obliteração dos vasos é em torno de 2 kg para as veias jugulares, de 5 kg para as artérias carótidas comuns e de 25 kg para as artérias vertebrais • morte por inibição devido à compressão dos elementos nervosos do pescoço: o laço exerce pressão sobre o feixe vasculonervoso do pescoço, principalmente no nervo vago. Isso se demonstra basicamente nos casos de sobrevivência nos quais se manifestam sinais laríngeos ou manifestações cardíacas e respiratórias observadas pela compressão daquele nervo ou dos seios carotídeos. Casos atípicos. Um dos casos atípicos neste estudo é a chamada asfixia autoerótica também denominada de hipoxifilia, cuja finalidade é se alcançar a excitação sexual pela privação da oxigenação, sendo na maioria das vezes promovida pelo enforcamento, e, mais raramente, pelo estrangulamento ou pelo uso de bolsas de plástico sobre a cabeça. Alguns desses casos o indivíduo pode perder o controle e ocorrer a morte. Estrangulamento No estrangulamento, a morte se dá principalmente pela constrição do pescoço por um laço acionado por uma força estranha, obstruindo a passagem de ar aos pulmões, interrompendo a circulação do sangue ao encéfalo e comprimindo os nervos do pescoço. Nesse tipo de morte, ao contrário do enforcamento, o corpo da vítima atua passivamente e a força constrictiva do laço age de forma ativa. O acidente e o suicídio nesta modalidade são mais raros. No suicídio é sempre por “torniquetes” ou outro artifício que mantenha a pressão do laço, pois o indivíduo perde a consciência. Mais comum é o estrangulamento-homicídio, principalmente quando a vítima é inferior em forças ou é tomada de surpresa. Constitui uma forma, não muito rara, de infanticídio. Há também o estrangulamentosuplício, utilizado pelo carrasco, nas sentenças por “garrote”. Na Índia, existia uma seita religiosa, conhecida como Thugus, que sacrificava os viajantes pelo estrangulamento de surpresa, poupando mulheres, artistas, músicos e poetas. Modos de execução O estrangulamento é sempre executado com o auxílio de um laço, que pode ser mole (lenço, gravata), semiduro (cinto, corda) ou duro (arame, fio elétrico). Ele é acionado em redor do pescoço, em forma de alça, e movido pela força muscular do autor, cuja constrição é em sentido transversal e alcança toda a circunferência do pescoço. Todavia, há formas atípicas de estrangulamento, como no chamado “golpe do pai Francisco”, em que o laço passa pela parte anterior do pescoço da vítima, sendo ela puxada às costas do agressor. Ou, ainda, em situações em que o laço também passa pela parte anterior do pescoço e a vítima é atraída à força contra grades ou é arrastada, por exemplo. Nestes casos o sulco é oblíquo, descontinuo e supra-hióideo. Este é o chamado estrangulamento atípico por alça de “laço aberto”. Sintomatologia No estrangulamento, os sintomas são variados conforme a sua maneira: lenta, violenta ou contínua. Normalmente, o estrangulamento passa pelos seguintes períodos: resistência, perda da consciência e convulsões, asfixia e morte aparente. Depois, surge a morte real. Sinais Estudaremos os sinais externos e os sinais internos. • Sinais externos: ο aspecto da face e do pescoço: a face no estrangulamento geralmente se mostra tumefeita e violácea devido à obstrução quase sempre completa da circulação venosa e arterial; os lábios e as orelhas arroxeados, podendo surgir espuma rósea ou sanguinolenta das narinas e boca. A língua se projeta além das arcadas dentárias e é extremamente escura. Dos meatos acústicos externos, poderá fluir sangue. Equimoses de pequenas dimensões na face, nas conjuntivas, pescoço e face anterior do tórax ο sulco: quanto mais consistente e duro for o laço, mais constante é o sulco. Pode ser único, duplo ou múltiplo. A direção é diferente do enforcamento, pois se apresenta em sentido horizontal, podendo, no entanto, ser ascendente, como nos casos de homicídio, em que o agente puxa o laço para trás e para cima. Sua profundidade é uniforme e não há descontinuidade, podendo verificar-se a superposição do sulco onde a parte do laço se cruza. São menos pronunciados no suicídio. As bordas do sulco são cianóticas e elevadas, e o leito é deprimido e apergaminhado. Geralmente o sulco está situado por baixo da cartilagem tireóidea (Figura 4.82). Não é raro se encontrarem nas proximidades do sulco do estrangulamento rastros ou estrias ungueais. Pode ser notado o sinal de Lesser (vesículas sanguinolentas no fundo do sulco) Figura 4.82 Sulco de estrangulamento. Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. • Sinais internos: ο lesões nos planos profundos do pescoço: ■ infiltração hemorrágica dos tecidos moles do pescoço – a tela subcutânea e a musculatura subjacente ao sulco apresentam-se infiltradas por sangue. Essas lesões, quando se trata de estrangulamento, pelo fato de o laço imprimir força de mesma intensidade em torno do pescoço e agir em sentido horizontal, apresentam a mesma intensidade, distribuição e altura em todo o perímetro nos planos internos do pescoço. ■ lesões da laringe – podem acarretar lesões nas cartilagens tireóidea e cricóidea e no osso hioide. Raros no suicídio. ■ lesões das artérias carótidas – manifestadas macroscopicamente quase sempre em ambos os lados, na túnica íntima, pelo sinal de Amussat (rupturas transversais) e, na túnica adventícia, pelos sinais de Friedberg (infiltração hemorrágica) e de Étienne Martin (ruptura transversal). Pelas mesmas razões alegadas para os tecidos moles do pescoço, essas lesões arteriais têm, em quase todas as vezes, a mesma intensidade e se colocam em uma mesma altura ο lesões a distância: estão representadas pelos sinais clássicos de asfixia vistos no estudo geral sobre o tema. Fisiopatologia Na morte por estrangulamento, três são os fatores que interferem: • asfixia: resulta da interrupção da passagem do ar atmosférico até os pulmões pela constrição d pescoço comprimindo a laringe. Na morte por estrangulamento, a asfixia é mais decisiva que no enforcamento, principalmente devido à posição do laço. Experiências demonstram que a traqueia se oblitera com uma pressão de 25 kg • compressão dos vasos do pescoço: compromete mais intensamente as veias jugulares que artérias carótidas, e estas menos que as artérias vertebrais, fazendo com que o sangue do segmento cefálico fique bloqueado • compressão dos nervos do pescoço: tem influência mais decisiva na morte por estrangulament cujo mecanismo mais bem explicado é a inibição. Histodiagnóstico panorâmico do pescoço O diagnóstico de morte por estrangulamento ou por enforcamento tem permanecido no plano macroscópico da necropsia através dos sinais gerais de asfixias e, em particular, do estudo do pescoço. Daí a dificuldade de estabelecer com precisão pontos característicos diferenciais entre estas duas espécies de asfixia mecânica. As primeiras referências de estudos histológicos sobre o sulco do pescoço produzido por enforcamento ou estrangulamento são de Neyding, em 1870, quando verificou pequenas hemorragias e extravasamento sanguíneo ao nível daquela lesão, considerados de grande valor no diagnóstico diferencial entre os produzidos em vida ou depois da morte. Bonnet e Pedace, na Argentina, em 1969, fizeram uma revisão total sobre o assunto a partir de experiências, chegando a várias conclusões, estudando especificamente os diversos planos tissulares do pescoço, não apenas referentes ao sulco, senão também de sua vizinhança imediata, chegando no final a caracterizar pontos significativos na distinção entre enforcamento e estrangulamento. 1. Epiderme Os sulcos produzidos por laços finos e duros mostram: • bordas do sulco cortadas a pique e o plano epidérmico infiltrado por uma camada de sangue recente • leito do sulco com restos de hemácias, detritos, pelos e uma substância grumosa parecida com plasma • perda da arquitetura normal por separação e dilaceração das diferentes camadas que se estendem na profundidade até a derme. Os sulcos resultantes de laços grossos e moles apresentam: • camada epidérmica da parte média do sulco dilacerada e achatada • ruptura das camadas pavimentosas com células espinhosas e basais “prensadas” • desvio e deformidade das papilas epidérmicas. 2. Derme • bordas do sulco cortadas a pique e o plano dérmico recoberto de uma camada de sangue recen • ruptura e retração das fibras elásticas • ruptura e retração das fibras conjuntivas • extravasamento sanguíneo zonal. 3. Tela subcutânea • ruptura, deformação e achatamento das células adiposas • na constrição mais acentuada, extravasamento de gordura ao nível do sulco • muitas células rotas comunicando-se entre si. 4. Camada muscular • fibras musculares deformadas, achatadas e rechaçadas ao nível do fundo do sulco • discreta hemorragia recente e pigmentação hemossiderínica das miofibrilas e dos miofascículo assim como dos seus septos divisores • figuras em “fuso” por estiramento e alargamento das fibras musculares com protoplasma densificado e o núcleo deformado por alargamento. 5 . Artéria carótida comum. É a peça importante da histopatologia panorâmica do pescoço. Apresenta: • deformação de sua circunferência por achatamento • luz arterial sem sangue • ruptura da túnica íntima e média • despregamento e levantamento do endotélio • destacamento e “desfibrilação” da camada elástica interna subendotelial • impregnação do tecido hemático hemossiderínico periadventicial. 6. Veias jugulares interna e externa • achatamento e diminuição da luz do vaso • impregnação de tecido hemático hemossiderínico periadventicial. 7. Nervo vago • hemorragia periférica do epineuro • infiltração hemática constituída por hemácias mais ou menos abundantes nos septos e interstíci • ruptura do epineuro ou dos seus septos nos casos mais violentos. 8. Linfonodos • raramente mostram-se deformados • as características ou processos patológicos preexistentes não sofrem modificações pela ação constritiva e podem ser observados perfeitamente • aparecem envolvidos e infiltrados por sangue recente cujas hemácias estão conservadas. Bonnet e Pedace, em suas conclusões, consideram o método, por eles chamado de histodiagnóstico panorâmico do pescoço, de grande utilidade no diagnóstico de estrangulamento ou enforcamento, sendo os sinais mais importantes encontrados ao nível do feixe vasculonervoso do pescoço, principalmente na artéria carótida comum, em virtude da ruptura, achatamento e deformidade de suas túnicas. E asseguram que, mesmo não existindo sinais macroscópicos de Amussat e Friedberg, sempre se poderá comprovar histologicamente a presença das lesões. Estrangulamento antibraquial A experiência demonstra que, embora em situações não tão raras, é possível o estrangulamento através da constrição do pescoço pela ação do braço e do antebraço sobre a laringe, conhecida como “golpe de gravata”. Sob o ponto de vista médico-legal, além do diagnóstico de morte por estrangulamento, é muito importante que se teçam considerações fundamentadas no sentido de se estabelecer com critérios bem definidos a causa jurídica de morte: se por homicídio ou acidente. Em geral, a morte se dá por oclusão das vias respiratórias ou da obstrução da circulação das carótidas, por ação da prega do cotovelo sobre a face lateral do pescoço. A morte pode ser também por inibição (reflexo laríngeo-pneumogástrico), síndrome conhecida por “estrangulamento branco de Claude Bernard-Lacassagne”, em que, por vezes, pressões menos significativas do pescoço podem resultar em parada cardíaca e em que não se encontram os sinais clássicos de asfixia. Em tais ocorrências, o difícil é precisar o diagnóstico, pois os sinais encontrados não são tão evidentes quanto os deixados pelo laço no estrangulamento e no enforcamento ou pelos dedos na esganadura. Pode ainda ocorrer a morte por estrangulamento onde se usa a pressão de um objeto duro, como cassetete, bastão ou outro objeto similar, sobre o pescoço, onde a perícia vai encontrar significativas lesões externas (esquimoses e escoriações) e lesões internas (infiltração hemorrágica dos tecidos moles e muito comumente fraturas dos anéis da traqueia e da laringe), principalmente na sua região anterior. Considerar com relevância todos os achados da necropsia referentes às partes moles e ósseas da região anterior do pescoço, dando ênfase também para a ausência de alterações externas e internas da sua região posterior. Uma das formas mais comuns de afogamentos homicidas ocorre por meio do estrangulamento antibraquial, utilizado para dominar a vítima, privar-lhe dos sentidos e, em seguida, afogá-la. Mesmo que a ação criminosa se dê pela compressão do antebraço sobre a laringe (privando a respiração) e do braço e do antebraço sobre as faces laterais do pescoço (privando da circulação cerebral), o ato de defesa da vítima é empurrar o braço do agressor para baixo provocando equimoses, principalmente, na parte superior do tórax. Em tais ocorrências, nem sempre é fácil precisar o diagnóstico dessa forma de estrangulamento, pois os sinais encontrados não são tão evidentes quanto os deixados pelo laço no estrangulamento e no enforcamento ou pelos dedos e unhas na esganadura. As lesões do plano interno do pescoço são mais comuns e mais intensas. Esganadura Esganadura é um tipo de asfixia mecânica que se verifica pela constrição do pescoço pelas mãos, ao obstruir a passagem do ar atmosférico pelas vias respiratórias até os pulmões. É sempre homicida, sendo impossível a forma suicida ou acidental. Sintomatologia Devido a própria dinâmica da esganadura, é difícil precisar o período e o tempo decorrido das mortes desta natureza, as quais podem ocorrer por asfixia decorrente de compressão dos elementos nervosos do pescoço. A esganadura vem sempre acompanhada de outras lesões, principalmente as traumáticas, provenientes de outras agressões e ferimentos na região posterior da cabeça, equimoses em redor da boca, escoriações nas mãos, nos antebraços e no tórax, todos eles decorrentes das manobras de imobilização e, por isso, chamadas de lesões de contensão. Sinais Estudaremos os seguintes tipos: 1 . Sinais externos a distância. Congestão da face, congestão das conjuntivas, equimoses punctiformes da face e do pescoço. 2. Sinais externos locais. Os mais importantes são as escoriações produzidas pelas unhas do agressor, teoricamente de forma semilunar, apergaminhadas, de tonalidade pardo-amarelada, conhecidas como estigmas ou marcas ungueais. Podem também ter a forma de rastros escoriativos. Se o criminoso usou a mão direita, aparecem essas marcas em maior quantidade no lado esquerdo do pescoço da vítima (Figura 4.83). Além delas, podem ser encontradas pequenas equimoses arredondadas produzidas pelas polpas dos dedos. Em alguns casos, podem surgir escoriações de várias dimensões e sentidos, devido às reações da vítima ao defender-se. Finalmente, as marcas ungueais podem não existir se o agente conduziu a constrição do pescoço protegido por objetos, como, por exemplo, lenços, lençóis, toalhas ou luvas. Figura 4.83 Marcas ungueais (esganadura). 3. Sinais locais profundos. São os seguintes: • infiltrações hemorrágicas das estruturas profundas do pescoço. São mais acentuadas e mais constantes que no estrangulamento, apresentando-se de forma difusa ou localizada na tela subcutânea e na musculatura da região cervical • lesões do aparelho laríngeo por fraturas de cartilagens tireóidea e cricóidea e dos ossos estiloide e hioide, mais frequentes que no estrangulamento e no enforcamento. Muito raramente encontrar-se-á fratura de cartilagens da traqueia. Em casos de fraturas daqueles ossos, principalmente quando tais hipóteses são levantadas em necropsias pós-exumáticas tardias (fase de esqueletização), é imperativo que se pesquisem sinais indicativos de reação vital nas linhas de fratura desses ossos, através de exame histológico convencional ou exame microscópico eletrônico de varredura. Nas situações de fraturas antes da morte, confirma-se pela presença de sinais vitais, traduzidos pela existência de sangue (hemácias) na área lesada (Figuras 4.84 e 4.85 A e B) • lesões dos vasos do pescoço, bem mais raras. Mesmo assim, já tivemos oportunidade de surpreender, em alguns casos de esganadura, soluções de continuidade ou infiltrações hemorrágicas longitudinalmente dispostas, curvilíneas ou atípicas, e de concavidade voltada para a linha média do pescoço, na túnica íntima da artéria carótida comum, produzidas indiscutivelmente pela pressão das unhas sobre aquele vaso e dele sobre a coluna cervical. Não há registro do referido sinal, pelo menos especificamente, na literatura médico-legal corrente (Figura 4.86). 4. Sinais a distância. Apresentam as mesmas características das asfixias em geral. Fisiopatologia Na esganadura interferem, principalmente no mecanismo de morte, a asfixia e os fenômenos decorrentes da compressão nervosa do pescoço. A obliteração vascular é de interesse menor. Assim, tudo indica que na asfixia mecânica do tipo esganadura o mecanismo de morte é sempre por anoxia anóxica (falta de oxigênio no sangue que nutre o tecido cerebral), por inibição reflexa (parada do coração por inibição devido à pressão dos seios carotidianos) e, em menor escala, por isquemia encefálica (necrose do tecido cerebral, por falta de sangue arterial). Figura 4.84 A. Micrografia eletrônica de varredura na linha de fratura entre o corpo e o corno posterior direito do osso hioide, com detalhes das hemácias. B. Micrografia de varredura da extremidade distal do corpo posterior esquerdo do osso hioide com detalhes de hemácias. (Arquivo do Prof. Marcos Rossi, Departamento de Patologia, Faculdade de Medicina, USP – Ribeirão Preto.) Figura 4.85 Fraturas do osso hioide. (Arquivo da Prof. a Carmem Cinira Martin, Departamento de Patologia, Faculdade de Medicina, USP – Ribeirão Preto.) Figura 4.86 Rupturas da túnica íntima da carótida comum em forma de meia-lua na esganadura (marcas de França). Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte. 11. Energias de ordem bioquímica: Conceito. Perturbações alimentares. Autointoxicações. Infecções. Castração química. CONCEITO As energias de ordem bioquímica são aquelas que se manifestam por ação combinada – química e biológica, atuando lesivamente por meio negativo (carencial) ou de maneira positiva (tóxica ou infecciosa) sobre a saúde, levando em conta ainda as condições orgânicas e de defesa de cada indivíduo. É, portanto, diferente da ação química propriamente dita dos venenos. Estudaremos, nessa modalidade de energia, os danos causados à vida ou à saúde pelas perturbações alimentares, autointoxicações, infecções e castração química. PERTURBAÇÕES ALIMENTARES Todo interesse médico-legal, em tais circunstâncias, está principalmente na etiologia da causa jurídica de cada evento: se voluntário, acidental, culposo ou doloso. As situações mais importantes são as seguintes: Inanição É o depauperamento orgânico produzido pela redução ou pela privação de elementos imprescindíveis ao metabolismo orgânico. Pode ter uma forma aguda ou crônica, sendo a primeira de maior interesse médico-legal. Suas causas são sempre de caráter acidental, culposo ou criminoso. A inanição acidental efetiva-se nos casos em que a vítima fica presa ou abandonada em locais onde não pode alimentar-se, fatos esses surgidos, por exemplo, em uma catástrofe ou quando extraviada ou abandonada em lugares sem recursos. A inanição voluntária verifica-se em algumas tentativas ou consumação de suicídio em estados depressivos ou em pacientes terminais, ou por greve de fome. Deve-se chamar a atenção para a greve de fome, coletiva ou individual, pois tem sido, nesses últimos tempos, um recurso muito usado por prisioneiros de delito de opinião e ativistas políticos. Nessa forma de jejum prolongado, no deliberado propósito de protestar ou reivindicar contra um modelo injusto, ou como forma de defesa ou de chamamento de atenção, exige-se um tratamento diferenciado pelo significado do protesto e pela única manifestação pacífica possível e tolerada por alguns sistemas arbitrários. As vítimas sujeitas a essa forma de inanição aguda – se há recusa total de alimentos e líquidos – apresentam complicações de evolução muito rápida devido à desidratação intensa. Na recusa parcial, quando aceitam bebidas nutritivas como leite ou água açucarada, ou se alimentam clandestinamente de balas ou torrões de açúcar, a evolução é demorada. Os sinais clínicos mais comuns são: astenia progressiva, apatia, hálito fétido, queda do estado geral, hipotermia, queda de pressão arterial e síndrome dolorosa abdominal. Após um período de 10 a 12 dias, mesmo com hidratação, a tendência é a caquexia. A acidose com acetonúria é um sinal muito grave. As complicações mais sérias são a icterícia ou subicterícia acompanhada de estado febril, oligúria decorrente da insuficiência renal, complicações cardiorrespiratórias, edemas típicos da subnutrição, atrofia muscular, redução do volume do fígado, do baço e do coração, vacuidade do tubo gastrintestinal, com adelgaçamento das paredes do estômago e dos intestinos. Encefalopatias carenciais do tipo doença de Gayet-Wernicke por avitaminose B1, caracterizada clinicamente por astenia e sonolência progressiva, surgindo depois as manifestações neurológicas, contraturas difusas do tipo extrapiramidal, problemas oculares, como nistagmo, edema pupilar, hemorragia ao exame de fundo de olho, crises convulsivas, alteração do curso da memória e da inteligência, torpor, confusão e acessos oníricos. A evolução se faz para o coma e depois para a morte. Tratando-se tardiamente o grevista de fome, este frequentemente apresentará sequelas neurológicas e psíquicas, como a síndrome demencial ou korsakoviana. O exame cadavérico acusa putrefação precoce, definhamento, acentuada redução da tela subcutânea, atrofia muscular, diminuição do volume do baço e do fígado, redução da quantidade do sangue circulante, esvaziamento dos intestinos, retração e adelgaçamento das paredes do estômago e dos intestinos. Histologicamente são encontradas lesões bilaterais e simétricas do assoalho do quarto ventrículo, do contorno do conduto de Sylvius e das paredes do terceiro ventrículo, com desgaste principalmente da substância cinzenta. As lesões são, sobretudo, vasculares: proliferação de neovasos, vasodilatação, espessamento do endotélio e degeneração das outras túnicas, acompanhando-se de exsudato plasmático e de micro-hemorragias no parênquima, que toma um aspecto esponjoso, e finalmente a degeneração neuronal e uma gliose do tipo astrocitário. Isso no sistema nervoso central. Nos rins, as manifestações encontradas na insuficiência renal aguda. O diagnóstico de morte por inanição aguda é feito pela análise cuidadosa dos comemorativos e pelas alterações macro- e microscópicas encontradas na necropsia e nos seus exames subsidiários. A inanição criminosa é muito rara. A literatura médico-legal, no entanto, cita casos de infanticídio ou abandono de recém-nascido seguidos de morte ou perturbações graves por omissão de alimentos. Doenças carenciais São perturbações orgânicas decorrentes de alimentação insuficiente ou da carência de certos elementos indispensáveis, entre os quais principalmente as vitaminas. Essas alterações do organismo são conhecidas como hipovitaminose e avitaminose. Sabe-se hoje que a condição orgânica animal é incapaz de, por si só, elaborar esses princípios que, mesmo em doses infinitesimais, são necessários na economia dos órgãos. A carência de vitaminas pode ser de origem culposa ou acidental. Dificilmente, poderíamos encontrar alguém que privasse outro criminosamente de uma necessidade vitamínica. Ela é mais acidental ou culposa por negligência ou omissão, por ignorância própria ou de terceiros. A vitamina A, ou antixeroftálmica, tem grande importância na manutenção dos epitélios e na formação das células. Sua deficiência produz, entre outros, xeroftalmia (espessamento e perda da transparência da conjuntiva), queratomalácia (forma avançada de espessamento da córnea), erupção papilar dos folículos pilossebáceos (saliência dos folículos pilosos nos braços e nas pernas), xerósis cutânea (pele seca e escamosa), cegueira noturna (visão deficiente durante o crepúsculo ou à noite) e suscetibilidade a infecções (principalmente brônquica). A vitamina B1, ou antiberibérica ou antineurítica, é muito importante para o organismo humano, e sua carência resulta em alterações funcionais graves, como as perturbações neurológicas degenerativas (polineurites), neurites com comprometimento do sistema nervoso central (beribéri), perturbações cardíacas (insuficiência funcional do coração por comprometimento do músculo cardíaco). A vitamina B2 ou riboflavina funciona com uma coenzima e é muito significativa para o desenvolvimento de todos os vertebrados. Sua ausência ou diminuição no organismo humano causa uma perturbação conhecida como arriboflavinose (lábio inferior liso e lustroso, fissuras das comissuras labiais conhecidas como “boqueiras”, glossite, fotofobia, placas seborreicas comumente no sulco nasolabial e descamação das asas do nariz e da fronte), além de contribuir para o aparecimento da pelagra e do beribéri. A vitamina B6 ou piridoxina tem influência em muitas reações enzimáticas. Sua ausência prolongada no organismo pode produzir dermatites graves (ulcerações da pele) e perturbações graves do sistema nervoso central (convulsões). A vitamina B12 ou cianocobalamina tem muita importância na produção de glóbulos vermelhos do sangue, e sua ausência produz no homem a chamada anemia perniciosa. A vitamina B15 ou ácido pangânico não é conhecida na sua forma estrutural. Seu uso tem sido recomendado em anoxia hística (angina de peito, infarto do miocárdio e afecções hepáticas). A vitamina H ou biotina ou coenzima-R atua de maneira significante na fixação de CO2, na formação da pele e promove o crescimento de bactérias e leveduras. As pessoas que sofrem de gastrectomia têm alteração na absorção dessa vitamina. Embora sua deficiência seja rara no homem, ela, quando ocorre, pode produzir conjuntivite, dermatite esfoliativa, dores musculares e lassidão. A vitamina C ou antiescorbútica, quando ausente no organismo do homem, produz uma doença chamada escorbuto que se caracteriza por hemorragias subperiósticas notadamente nas gengivas, perda de peso, afrouxamento do tecido conjuntivo em torno dos dentes com suas quedas consecutivas (gengivites expulsivas), osteoporoses, fraturas espontâneas, edemas e diarreia. A vitamina D ou antirraquítica tem muita importância no processo de crescimento dos ossos, por sua interferência no metabolismo do fósforo e do cálcio. Sua falta nas crianças afeta sensivelmente o crescimento, produzindo uma síndrome conhecida como raquitismo, cujos caracteres são: encurvamento dos ossos das pernas, engrossamento condrocostal chamado rosário raquítico, persistência prolongada das fontanelas, amolecimento dos ossos do crânio, espessamento do pulso, tornozelo, cotovelos e joelhos, calcificação defeituosa das epífises dos ossos longos, malformações do tórax e dentes mal implantados e de superfícies erosada e irregular. A vitamina E ou antiestéril, mesmo não tendo ainda seu mecanismo de ação devidamente esclarecido, tem influência muito grande sobre as gônadas e a sua ausência influencia em parte a esterilidade. A vitamina F, representada pela ação de vários ácidos graxos essenciais polissaturados, tem sua ação na precaução da aterosclerose dos animais. Sua deficiência no homem é pouco conhecida. A vitamina K ou anti-hemorrágica tem uma participação bem relevante sobre a coagulação do sangue, em face de favorecer a formação da protrombina. Sua ausência produz defeitos na coagulação sanguínea, pela dificuldade de a protrombina transformar-se em trombina, a fim de converter o fibrinogênio em fibrina – a proteína que forma o coágulo. A niacina, ácido nicotínico ou nicotinamida é representada por duas formas de coenzima: a nicotinamida adenina dinucleotídio (NAD) e a nicotinamida adenina dinucleotídio fosfato (NADP). São encontradas nos alimentos que contêm o fator PP (preventivo da pelagra). A pelagra, também chamada de doença dos três d (dermatite, diarreia e demência), caracteriza-se pela presença de perturbações digestivas (náuseas, vômitos e diarreia), glossite (língua vermelho-escarlate com as marcas dos dentes), dermatites (pele do rosto, pescoço, braços, pernas, dorso dos pés e das mãos ásperas e descamadas de forma bilateral e simétrica) e distúrbios mentais nervosos (demência, confusão, perda da memória, depressão e alucinações e, por isso, as pessoas que têm essa doença são confundidas com doentes mentais e muitas vezes internadas em hospícios). E outros fatores, como o ácido fólico (importante na formação das hemácias), cuja deficiência no organismo da mulher grávida produz uma forma de anemia chamada macrocítica, e nos outros indivíduos leucopenia e hipersegmentação das hemácias; o ácido pantotênico (ação junto ao córtex suprarrenal e ao metabolismo), e, por isso, é muito importante nos processos de suprimento de energia, contribuindo com o desenvolvimento da função e da reprodução dos tecidos endoteliais e epiteliais; o ácido lipoico (acelerador do crescimento celular) – todos eles da maior significação no desenvolvimento harmônico do ser humano. Intoxicações alimentares A situação mais comum nessas circunstâncias é a ingestão alimentar que contém substâncias ou microrganismos nocivos à saúde. Aqui, tem-se de fazer a distinção com os envenenamentos. Estes são provocados por substâncias químicas de composição definida. E a intoxicação alimentar é produzida por mecanismo de anafilaxia quando da ingestão de alimentos deteriorados ou contaminados. As toxi-infecções podem ser também acidentais, voluntárias e criminosas. O tipo acidental surge por desconhecimento de quem ingere o comestível contaminado, o qual vem causar-lhe dano. Mais comum é que a toxi-infecção se efetive por ação culposa, quando pessoas gananciosas e sem escrúpulos põem, ao consumo público, determinados alimentos em deterioração. Raríssimamente esta situação pode ser de forma dolosa. As toxi-infecções alimentares mais comuns são as produzidas pelas salmonelas (salmoneloses), cuja toxina é capaz de produzir uma sintomatologia muito grave, como diarreia, cólicas intestinais intensas, espasmos abdominais, dor de cabeça, náuseas, vômitos e até perda da consciência; pelos bacilos botulínicos (botulismo), encontrados em latas de alimentos em conserva e de toxina neurotrópica, de manifestações sintomáticas gravíssimas, com vômitos, cólicas, diarreia, paralisias oculares, estrabismo divergente, diplopia, arreflexia pupilar, midríase e até mesmo a morte. E, finalmente, pelos estafilococos (Microccocus aureus), cuja intoxicação alimentar é sempre de forma benigna, com vômitos raros, diarreia e cólicas intestinais. AUTOINTOXICAÇÕES São perturbações orgânicas originárias da transformação química e da elaboração de substâncias perniciosas na própria constituição física do indivíduo, por deformação endógena ou eliminação defeituosa. Por isso, são também chamadas de intoxicações endógenas. O acontecimento mais trivial dessa ocorrência é, por exemplo, a ingestão de medicamentos suscetíveis de levar a determinadas perturbações, como uremia em pessoas cuja função renal já era comprometida por nefropatia crônica. Não se pode deixar de considerar, nesse caso, também, uma concausa preexistente. Um traumatismo sobre o pescoço, com lesões na tireoide, pode levar a uma perturbação na produção do hormônio tireoxina. As autointoxicações podem ser de origem dolosa, culposa, acidental ou voluntária. INFECÇÕES São complicações mais ou menos frequentes, oriundas de perturbações orgânicas provocadas por microrganismos patógenos e que apresentam um certo ciclo evolutivo. As infecções podem ser de caráter local ou generalizado. Várias são as questões médico-legais decorrentes de tais eventualidades. Em primeiro lugar, o problema da diagnose infecciosa, a data do início da doença e como tal ocorrência verificou-se. Também o conhecimento do tempo de incubação como mecanismo etiogênico e do tratamento preventivo realizado, e se a ocorrência é limitada a um foco de infecção cutânea ou se o germe rompeu a barreira de defesa local e generalizou-se, produzindo o quadro de septicemia ou pioemia, hoje chamadas síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS). É também muito relevante o diagnóstico específico de cada infecção, pela significação de cada agente etiológico e da gravidade de cada caso. Muitas são as situações da infecção específica: carbúnculo, tétano, raiva, gangrena gasosa, raiva, tuberculose pulmonar ou extrapulmonar, hanseníase, entre outros. Outro aspecto importante considerado pela perícia é a causa jurídica: se acidental, culposa ou dolosa à infecção examinada. Geralmente ela é acidental, por falta de cuidados. O contágio voluntário é muito raro, exceto nas autoexperiências científicas. Muitas das infecções são frutos de imprudência ou negligência, como as originadas no contágio das chamadas doenças sexuais transmissíveis, acrescidas agora da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS ou SIDA), motivada pelo vírus HTLV-III ou LAV, que compromete os linfócitos como elementos da defesa imunológica, deixando o indivíduo sujeito às mais diversas formas de infecções oportunistas. A infecção por ação dolosa dá-se quando o portador tem o ânimo de contaminar outrem, e isso a lei penal rotulou como crime de perigo, entre os delitos de contágio de moléstia grave. Pune também a lei aqueles que propagam germes causadores de epidemia ou aqueles que infringem determinações do Poder Público, destinadas a impedir introdução ou propagação de contágio. Finalmente, sancionou a lei substantiva penal a omissão do médico em notificar a existência de doenças infecciosas à autoridade sanitária competente, desde que o paciente esteja sob sua orientação profissional. CASTRAÇÃO QUÍMICA Neste capítulo, pode-se introduzir a questão da chamada castração química, que consiste em uma forma temporária de inibição do desejo sexual por meio da aplicação de medicamentos, principalmente à base de hormônios femininos. Isso seria feito como pena ou medida de segurança com os autores de crimes contra dignidade sexual, principalmente nos casos de pedofilia, a exemplo do que se vem utilizando em alguns países como os EUA e o Canadá e agora em fase de implantação na França e na Espanha. Tenta-se, assim, institucionalizar mais essa forma de violência, agora sob o eufemismo de “tratamento hormonal de inibição da libido”, ainda que se tenha a duvidosa “autorização” do infrator. Não têm faltado entre nós ideias de modificação do artigo 213 do Código Penal incluindo entre as modalidades de pena “a castração através de recursos químicos”, com as quais alguns legisladores querem substituir ou complementar as penas restritivas da liberdade ou a redução da condenação para quem aceitar a aplicação de tal medida. Um dos muitos projetos que tramitam no Senado Federal daria ao pedófilo de primeira condenação, quando beneficiado pela liberdade condicional, a condição de optar por essa forma de tratamento hormonal antes de deixar a prisão, sem prejuízo da pena aplicada. A partir da segunda condenação, quando beneficiado pela liberdade condicional, tal infrator seria obrigado a submeterse à castração química. Não há nenhuma dúvida de que isso representa um gesto atentatório à condição humana, um vilipêndio aos direitos de cidadania e uma preconceituosa e discriminatória medida, transformando alguém, sentenciado ou não, em um cidadão de terceira ou quarta classe, além do que representaria uma fragorosa violência às principais Convenções Internacionais que disciplinam a proteção dos direitos humanos e da dignidade da pessoa, nas quais o Brasil é signatário. O fato de alguém ser apenado ou recluso sob a tutela judicial – qualquer que tenha sido sua infração ou qualquer que seja o tamanho da revolta de alguém –, não autoriza quem quer que seja a usar de meios degradantes, desumanos ou cruéis, ou ser conivente com tais práticas. Essa era uma das práticas utilizadas na época obscura dos campos de concentração nazistas e pode se constituir no início de uma série de medidas, justificadas de forma aparentemente protetora da sociedade, mas que colide com o caminhar dos povos democráticos em favor dos Direitos Humanos. Tal modalidade de tratamento, que tenta mascarar a personalidade do paciente, além de agredir física e psiquicamente quem se submete a ele pela feminilização e outras perturbações ainda não suficientemente comprovadas cientificamente, agride a dignidade humana e abre espaço para outras violações que não se recomendam dentro das concepções de um Estado Democrático de Direito, que tem como fundamentação o respeito irrestrito à lei. Esse tipo de procedimento não deixa de ser apontado como forma de tratamento desumano, cruel e degradante, tão condenado pela Carta das Nações Unidas em favor dos direitos e liberdades fundamentais da pessoa humana. E mais: estamos regredindo à adoção de penas corporais com conotação ultrajante. Podemos até acreditar que tal processo não se constitua em uma forma de tortura no sentido de fazê-lo sofrer os padecimentos da dor. Mas é uma maneira indisfarçável de ato desumano e ultrajante. Leia-se a Declaração de Tóquio, adotando linhas mestras para os médicos, com relação ao tratamento degradante e desumano a detentos e prisioneiros (Anexo 2, artigo 1o): “Qualquer ato de tortura, ou outro tratamento, ou castigo cruel, desumano e degradante, é uma ofensa à dignidade humana e será considerado como uma negação aos propósitos do Centro das Nações Unidas e como violação dos direitos e liberdades fundamentais da Declaração Universal dos Direitos Humanos.” Ninguém é indiferente aos atentados sexuais, principalmente contra crianças e adolescentes, sejam eles praticados por indivíduos isolados, sejam por grupos criminosos que se organizam na exploração sexual. E também ninguém é favorável que os autores deste tipo de delito fiquem impunes. Ao contrário, aqueles que comprometerem ou lesarem os direitos individuais ou a ordem pública devem merecer penas que afetem a sua liberdade e protejam o bem comum. Mas tudo isso sem se afastar das regras de civilidade que se espera do uso racional e do equilíbrio da justiça, com o objetivo precípuo na recuperação e na ressocialização do detento. Quando se considerou determinados crimes como hediondos e se deu penas graves, isto não se fez afastar dos limites constitucionais. A pena de castração química seria, sem dúvida alguma, uma quebra deste postulado e a adesão aos procedimentos degradantes e desumanos. E muito pior: seria uma forma disfarçada de se oficializar a tortura, o arbítrio e a prepotência. Pelo fato de a castração química não ter aparentemente o efeito duradouro, isso não desfaz o seu sentido discriminador e cruel, atingindo o indivíduo na sua integridade física ou psíquica, com todas as alterações e anomalias que a inconsequente hormonioterapia pode trazer. Sua aparência física de afeminado, seus caracteres sexuais afetados como distribuição de pelos, voz feminina, crescimento das mamas, localização adiposa anômala ao sexo masculino, somando-se às questões de ordem interna que passam por doenças graves que vão da hipertensão, ao diabetes, depressão, até o câncer, são situações que não podem passar sem reparo. A Constituição Federal é clara nesse particular quando afirma de forma imperiosa no seu artigo 5o, XLIX: “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e mental.” Ainda que algumas teses, de pouca credibilidade e sustentação, queiram dar aos índices de testosterona um fator de vinculação à violência, pelo fato de a maioria dos homicidas ser do sexo masculino e estar em uma faixa etária que vai de 15 a 40 anos, sabe-se que muitos são os fatores que levam um indivíduo à criminalidade e à violência. A teoria endocrinológica da criminogênese não encontra mais argumentos em sua defesa. Com certeza tais ideias vão despertar o fatalismo biológico do positivismo lombrosiano querendo-se identificar nas taxas hormonais dos indivíduos o seu grau de periculosidade, criando-se assim o “hormônio delinquente”. Todos sabem que não existe ninguém predestinado ao crime, mesmo sendo ele detentor de certos índices hormonais; não se pode determinar tal fato como responsável pela criminalidade e pela violência que faz transbordar os níveis aceitáveis de delinquência. Não há determinismo que imponha, por si só, a ação delituosa nem um índice hormonal elevado que faça alguém delinquir, mas um conjunto de fatores criminoimpelentes capazes de gerar o crime, em face das medonhas contradições socioeconômicas em que vive o indivíduo e não de sua condição biológica. A história registra casos de indivíduos com baixos índices de testosterona e de sexualidade frustra e rara que foram capazes de cometer delitos de implicação sexual de extrema gravidade. E o inverso é verdadeiro: indivíduos com índices altíssimos de testosterona que jamais cometeram qualquer tipo de infração, por menor que fosse. Por outro lado, considerando-se o aspecto ético é desolador que o corpo clínico de uma unidade hospitalar, por meio de seu diretor técnico ou chefe de serviço, aceite sem resistência praticar tais medidas, quando lhe cabia exigir os meios assistenciais adequados para que o detento venha a cumprir sua pena de forma justa e merecida. O diretor técnico ou o chefe de serviço conivente com tal estilo de tratamento não infringe apenas o Princípio Fundamental IV do Código de Ética Médica, mas também o Princípio VIII e os artigos 23 e 25. Senão, vejamos: O ato médico não deve ser exercido de forma capaz de aviltar o ser humano. Cabe ao médico trabalhar também pelo prestígio e bom conceito da profissão ainda que certas mentalidades mais pragmáticas tentem deslocar o homem para um plano ético e político, na qualidade de simples objeto. A medicina deve constituir um projeto voltado para o bem do Homem e da Humanidade, sem discriminação ou preconceito de qualquer espécie (Princípio IV). A prática da medicina deve ser consagrada pelo livre exercício, como garantia constitucional e corolário dos princípios liberais. Essa profissão não pode conviver com as restrições de suas práticas, nem com injunções que possam prejudicar a eficácia e a correção de seu trabalho, por inspiração de quem quer que seja, autoridade ou não (Princípio VIII). Mesmo que uma ordem administrativa ou uma determinação de autoridade violente sua consciência, o médico não pode aquiescer, porque isso lhe assegura o Código de Ética. Se um ato médico estiver cercado de constrangimento e humilhações contra o ser humano, o profissional tem o direito de subverter essa ordem e exercer a desobediência civil (art. 23). A primeira obrigação é ajudar a quem se encontre sob seus cuidados, qualquer que seja o nível dessas pessoas, qualquer que seja o crime cometido por elas, quaisquer que sejam os credos e as razões de quem assim professa. Isso em todas as situações, inclusive nos casos mais constrangedores, quando tudo parece perdido, dadas as condições mais excepcionais e precárias. Inconcebível seria, portanto, retirar a condição de “salvador” do médico, de modo a violentar todos os postulados e princípios éticos (art. 25). Ainda mais quando hoje a Organização Mundial da Saúde reconhece a pedofilia como doença de cunho psiquiátrico e constante da Classificação Internacional de Doenças em sua décima revisão (CID-10) e identificada pela código F-65-4. 12. Energia de ordem biodinâmica: Choque. Síndrome da falência múltipla de órgãos. Coagulação intravascular disseminada. Interesse médico-legal. As energias de ordem biodinâmica “são todas ocorrências ou fenômenos, de origem externa ou interna ao corpo humano, que desencadeiam respostas orgânicas culminando em mecanismos fisiopatológicos intrínsecos potencialmente letais” (Costa, JRR, in Anais do III Congresso Brasileiro de Medicina Legal e Perícias Médicas, Maceió, 2 a 5 de novembro de 2016). Nessa forma de energia estudam-se a síndrome conhecida por choque, a síndrome da falência múltipla de órgãos e a coagulação intravascular disseminada. CHOQUE O choque é representado pela resposta orgânica a um agente agressor, através de um mecanismo de defesa destinado a proteger-se dos efeitos nocivos do trauma. Este mecanismo de compensação tem como finalidade primeira o restabelecimento temporário da pressão arterial a fim de manter o fluxo sanguíneo nos tecidos mais nobres. Imediatamente, os resultados desse traumatismo já vão influenciar a suprarrenal, que atende com o aumento da secreçãode corticoides e adrenalina, e por uma ação sobre o sistema nervoso simpático, com a liberação de grande quantidade de noradrenalina nas funções mioneurais. Essas substâncias, quando liberadas, atuarão sobre a microcirculação periférica, desencadeando a vasodilatação dos esfíncteres arteriolares e, também, dos esfíncteres das vênulas pós-capilares. Tais alterações ao nível da microcirculação periférica, encontradas em alguns tecidos em anoxia, têm por finalidade manter o fluxo cerebral e coronário. O termo “choque” (do inglês shock) foi usado pela primeira vez em 1743, em uma tradução francesa da obra de Henri François le Dran sobre experiências com ferimentos por armas de fogo. No entanto, foi durante a Grande Guerra Mundial de 1914-1918 que se passou a observar mais atentamente o choque. Daí, os investigadores começaram a estudá-lo em laboratórios, sendo as pesquisas de Cannon, Blalock, Bayliss e, mais recentemente (1974), de Corday as mais importantes. Esta síndrome no momento é traduzida por “uma inadequação da perfusão hística, sendo o sistema circulatório incapaz de aportar as substâncias necessárias para o normal metabolismo celular, assim como para eliminar os produtos resultantes do mesmo, o que leva obrigatoriamente a uma disfunção da membrana celular, alterações do metabolismo com anaerobiose e acidose láctica, e eventual morte celular” (apud Gisbert Calabuig, Medicina Legal y Toxicologia, op. cit.). Fisiopatologia A finalidade primordial da circulação sanguínea é manter as células do organismo com oxigênio, substâncias nutritivas, hormônios e calor, e ao mesmo tempo remover delas os produtos catabolizados. O sistema circulatório é constituído pelo coração, pelos vasos sanguíneos (artérias e veias) e pela microcirculação, sendo esta a responsável pela troca de materiais entre o sangue e a célula. Quando a pressão arterial é preservada, o fluxo sanguíneo processa-se em todos os tecidos normalmente. Todavia, com a queda da pressão arterial, há o estímulo adrenérgico e o consequente desvio do sangue das extremidades, do fígado, rins e intestinos, a fim de conservar o fluxo do sistema nervoso central e do coração, cujos vasos respondem mal àqueles estímulos constritores. A microcirculação é composta de arteríolas terminais, meta-arteríolas, pré-capilares, capilares e vênulas coletoras, sendo os capilares os mais fundamentais no que se refere às trocas. Mesmo sendo a microcirculação muito ampla, a quantidade de sangue nela existente é ínfima, porque nem todos os capilares se mostram abertos simultaneamente. Qualquer que seja a causa do choque, sua evolução é a mesma. Com a diminuição do volume sanguíneo circulante, sempre há queda do retorno venoso e posterior débito cardíaco com baixa da pressão arterial. A acidose local e a anoxia celular são de grandes incentivos vasodilatadores, verificando, portanto, abertura dos esfíncteres pré-capilares com enchimento concomitante de todas as alças; as vênulas têm pouco a ver com os vasodilatadores, mantendo sua constrição. Assim, a estase capilar se acentua; a pressão hidrostática intracapilar aumenta, provocando transudação de plasma para o interstício; o volume de sangue retido nos capilares é grande, com evidente repercussão sobre o regresso venoso. Desta forma, completa-se o ciclo vicioso do choque. Classificação Na classificação do choque, deve-se levar em conta o primacial tipo de distúrbio hemodinâmico que se responsabiliza pela instalação e manutenção da síndrome. Antigamente, classificava-se o choque, de acordo com sua etiologia, em: hipovolêmico, cardiogênico, bacterêmico, neurogênico, endócrino e obstrutivo. Hoje, a classificação fundamenta-se em conceito fisiopatológico e nas alterações hemodinâmicas. Deixou-se de lado a etiologia, visto que um mesmo choque pode sofrer profundas modificações em termos hemodinâmicos. Assim, na moderna classificação, existem os seguintes: choque cardiogênico, choque obstrutivo, choque hipovolêmico e choque periférico. Choque cardiogênico Caracteriza-se por uma deficiência aguda no bombeamento do coração e a decadência do rendimento cardíaco. Pode ser devido a lesões orgânicas ou funcionais do coração ou por perturbação funcional deste em virtude de afecções de outros órgãos ou sistemas. As causas mais comuns nesse tipo de choque são: infarto do miocárdio, arritmias, falência miocárdica aguda, miocardite ou hipoxia (por insuficiência respiratória de intercorrência clínica ou acidental), depressão do sistema nervoso central e distúrbio do equilíbrio acidobásico e eletrolítico. Choque obstrutivo É decorrente de bloqueio da circulação de volta ao coração, quer por bloqueio intracardíaco, quer por bloqueio das vias de saída do órgão central da circulação sanguínea. Vê-se esse tipo de choque nas compressões das veias cavas, no tamponamento cardíaco, na deslocação do mediastino, nas tromboses intracardíacas, nos tumores intracardíacos, na embolia pulmonar e nos aneurismas dissecantes. Choque hipovolêmico É o mais comum dos choques, sendo proveniente da violenta redução do volume sanguíneo sob a forma de perda de sangue total, de plasma ou líquidos extracelulares, produzindo uma situação circulatória incapaz de manter o equilíbrio celular e podendo levar à morte. Dessarte, pode ele ser hemorrágico, plasmogênico ou hidropênico. Surge nas grandes hemorragias, nos processos de grandes supurações e nas desidratações agudas, ocasionando em consequência a diminuição do volume intravascular real. É mais comum nas grandes hemorragias, e a resposta a essa situação varia de acordo com a idade (quanto mais jovem mais grave é o quadro), com a velocidade da perda sanguínea (fator muito importante), estados de desnutrição, anemia, desidratação e, segundo alguns autores, o sexo (acreditam que a mulher resiste mais ao choque em face das perdas cíclicas de sangue). Choque periférico É resultante da alteração na distribuição do sangue circulante, ou seja, na perturbação da circulação periférica à altura, sobretudo, dos capilares e das vênulas (microcirculação). É também conhecido como choque microvasogênico. Pode ser originado de duas maneiras: por resistência periférica aumentada ou por resistência periférica diminuída. Diagnóstico Para a caracterização do estado de choque, além da cuidadosa análise clínica, é necessária uma boa avaliação bioquímica e hemodinâmica. As capitais alterações do choque são as seguintes: Pressão arterial. O declínio da pressão arterial é o sinal clínico mais relevante, embora nos estados iniciais de choque a pressão arterial possa estar normal. Pulso arterial. O aumento de frequência do pulso arterial periférico é sinal absoluto na síndrome de choque e é produto da atividade adrenérgica emanada da liberação das catecolaminas. A fraqueza do pulso tem como causa a diminuição do débito cardíaco ou da hipovolemia presente. Pele e mucosas. Palidez e cianose dos lábios, lóbulos das orelhas e ápice do nariz. Sudorese fria na fronte. A palidez deve-se à intensa vasoconstrição e a cianose, à lentidão do fluxo sanguíneo nessas regiões. Um dado influente é o esvaziamento do sangue, bem nítido nas veias do dorso do pé. Pressão venosa central. Essa é a pressão existente nas grandes veias do retorno do hemicoração direito. A queda dessa pressão é um elemento básico na propedêutica do choque. Alterações neurológicas. Depressão do estado de consciência, sonolência, apatia, inquietação e sensação de mal-estar são os sintomas que, de ordinário, aparecem nessa esfera. Alterações da função respiratória. A insuficiência da circulação cerebral deprime os centros respiratórios, e, desse modo, a respiração torna-se mais superficial e carente. Diminuição do volume urinário. Com a baixa pressão arterial, cai a filtração glomerular, reduzindo o volume da urina. Este é o mais precoce sinal de hipovolemia. Alterações bioquímicas e biofísicas do sangue. A acidose é o achado mais importante dessas alterações. A medida da pressão parcial de O2 e de CO2 (pO2 e pCO2) no sangue arterial exerce grande significação a respeito. Há ainda hipocloremia, hiponatremia, hiperpotassemia e queda da reserva alcalina. Nos casos de morte, a necropsia quase sempre é negativa. Raramente, são vistas pequenas lesões macroscópicas ou microscópicas suscetíveis de nortear o perito no diagnóstico do choque. SÍNDROME DA FALÊNCIA MÚLTIPLA DE ÓRGÃOS A síndrome da falência múltipla de órgãos ou síndrome da disfunção multiorgânica (MODS) é um quadro nosológico de conhecimento mais ou menos recente, estudado a partir da sistematização e da organização da medicina intensiva, caracterizada fundamentalmente pela deterioração funcional progressiva de diversos órgãos em pacientes graves e de ocorrências agudas. Antes, dava-se como origem dessa síndrome a sucessão de infecções multiorgânicas. Esta pode ser uma de suas causas mais importantes, mas também pode ser originada de outras como aspiração brônquica, hipotensão arterial prolongada, sucessivas transfusões de sangue, queimaduras graves, grandes e demoradas cirurgias, superdoses de drogas, reanimação cardiorrespiratória tardia, diabetes, uso excessivo de corticoides, entre outras. Clinicamente os pacientes apresentam hipotensão arterial, insuficiência respiratória aguda, insuficiência cardíaca congestiva, arritmias. Enfim, sua característica é a alteração acentuada das funções de vários setores importantes da economia orgânica, sempre em doentes graves, de enfermidades agudas e sem condição de manter a homeostase sem ajuda artificial. Diferente desta síndrome é a síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS), que substituiu o antigo termo septicemia. Enquanto a síndrome da falência múltipla de órgãos se revela por uma disfunção multiorgânica com graves alterações da bioquímica, o que apresenta a SIRS é tão só um quadro infeccioso gravíssimo caracterizado por temperatura alta, frequência cardíaca superior a 90 batimentos por minuto (bpm), taquipneia com mais de 20 respirações por minuto e leucocitose alta. COAGULAÇÃO INTRAVASCULAR DISSEMINADA É conhecida também por coagulopatia de consumo e se caracteriza por uma perturbação sistêmica, do tipo trombo-hemorrágico, sempre por antecedentes patológicos do sistema sanguíneo e desencadeada por complicações secundárias. Sua consequência inicial é a formação de microtrombos na microcirculação e a estimulação de fenômenos fibrinolíticos. Uma das patologias preexistentes que pode facilitar o surgimento desta síndrome é a anemia falciforme, e os fatores desencadeantes mais comuns são estresse físico, politraumatismo, asfixia, choque térmico, fadigas, infecções, variações de altitudes, entre outros. A anatomia patológica deve valorizar, de preferência, coração, pulmões, rins, glândulas suprarrenais, fígado e cérebro. Por isso, é sempre recomendável que, diante de tal síndrome, a perícia, além de considerar as diversas concausas relevantes, não deixe de considerar as circunstâncias em que se verificou o óbito, principalmente quando dos casos que antecederam práticas de violência e maus-tratos à vítima. INTERESSE MÉDICO-LEGAL O choque, como energia causadora do dano, é algo da maior importância médico-legal, principalmente quando se quer determinar a causa jurídica de morte. O mesmo se diga quando diante das síndromes de falência múltipla de órgãos ou da coagulação intravascular disseminada. Neste particular, é sempre significativo estabelecer o que é causa e o que é concausa, pois, como se sabe, são coisas distintas. A perícia deve conduzir-se no sentido de esclarecer o diagnóstico, o prognóstico e as possíveis intercorrências que possam surgir. Por isso, no vivo, a análise clínica, bioquímica e hemodinâmica deve ser minuciosa, com o objetivo de permitir uma conclusão inconteste. No morto, após a necropsia detalhada, em que se ausentem outras causas de morte violenta, pode o perito deduzir seu diagnóstico por exclusão, não se opondo às informações hospitalares e aos comemorativos, entendendo que o choque é uma síndrome clínica e, por isso, discretas são as manifestações encontradas no cadáver. 13. Energias de ordem mista: Conceito. Fadiga. Doenças parasitárias. Sevícias (Síndrome da criança maltratada. Síndrome da alienação parental. Abandono familiar inverso. Síndrome de Munchausen. Síndrome de Estocolmo. Bullying. Síndrome do ancião maltratado. Violência contra a mulher. Tortura). Autolesões. CONCEITO As energias de ordem mista, também conhecidas como energias de ordem bioquímica e biodinâmica, compreendem determinados grupos de ação produtores de lesões corporais ou de morte analisados na causalidade de dano. Além do seu interesse nas demandas criminais e civis, o tema desperta muito a atenção do capítulo das doenças profissionais e dos acidentes de trabalho. Nesta modalidade de energia, enquadram-se a fadiga, algumas doenças parasitárias e todas as formas de sevícias. FADIGA Alberto Velicogna define a fadiga como “um complexo de fenômenos biofísicos e bioquímicos acompanhados por uma característica desagradável e penosa sensação local e geral ocorrendo quando o organismo é obrigado a um trabalho que, por intensidade, duração e rapidez, é de molde a romper o equilíbrio entre as funções anabólicas e catabólicas e alterar-lhe os processos normais” (apud Flamínio Fávero, Medicina Legal, 4a Edição, Livraria Martins Editores, São Paulo, 1956). Duas são as formas de fadiga: a aguda e a crônica. A primeira é provocada pelo excesso de atividade física. Em princípio, não se deve confundi-la com o simples cansaço. A segunda se caracteriza pelo esgotamento físico ou mental, permanente ou progressivo, conhecida também por estafa ou estresse. As alterações físicas da fadiga aguda se manifestam através de perturbações cardiovasculares – taquicardia, palpitações e descompasso da pressão arterial; respiratórias – polipneia, respiração superficial e modificações do ritmo respiratório; nervosas – esgotamento do sistema nervoso central. A síndrome de fadiga crônica na sua forma de estresse, “síndrome de esgotamento psicossomático”, é motivada pela soma de perturbações somáticas e psíquicas e provocada por diversos agentes agressivos ou opressores. Características: (1) perturbações cardiovasculares: taquicardia, palpitações e descompasso da pressão arterial; (2) perturbações respiratórias: polipneia, respiração superficial e modificações do ritmo respiratório; (3) perturbações nervosas: insônia, sono agitado, ansiedade, dificuldade de concentração, alteração da atenção e da memória, abulia e depressão. Nas formas mais graves: alterações da conduta, manifestações obsessivas, desvio do curso da inteligência e agravamento do juízo crítico. Tais sintomas são, quase sempre, consequências de intenso trabalho intelectual. É importante fazer distinção entre o dano psíquico (caracterizado por uma deterioração das funções psíquicas, de forma súbita e inesperada, surgida após uma ação deliberada ou culposa de alguém e que traz para a vítima um prejuízo material ou moral, em face da limitação de suas atividades habituais ou laborativas) e o transtorno mental (chamado ainda por alguns de doença mental, ainda que tenha como elemento definidor a alteração das funções psíquicas, sua origem é de causa natural). A perícia deve ser conduzida no sentido de registrar todas essas alterações somáticas e psíquicas por meio do exame clínico minucioso e das provas laboratoriais pertinentes; de estabelecer o nexo causal: considerar a possível existência de um dano anterior; e de avaliar a possibilidade de uma simulação ou metassimulação. A fadiga pode ser de caráter culposo, doloso ou acidental. Geralmente, o maior interesse reside nas questões de interesse trabalhista. Há também a chamada “síndrome do burn-out” ou “síndrome do esgotamento profissional” que surge no final da vida laborativa, principalmente das ocupações liberais, e se manifesta por depressão, apatia, esgotamento físico, retraimento, atitude negativa para si mesmo, cansaço emocional e falta de perspectiva que levam a uma perda de motivação e tendência de sentimentos de inadequação e fracasso. Caracteriza-se por três manifestações típicas: (1) esgotamento emocional, (2) despersonalização e (3) sensação de fim da realização pessoal. Essa síndrome é mais observada em profissões relacionadas com contato interpessoal mais ativo e frequente, como médicos, psicanalistas, professores, enfermeiros, assistentes sociais, ou entre aqueles que interagem de forma mais pessoal em suas atividades. DOENÇAS PARASITÁRIAS É irrefutável a nocividade de certas doenças parasitárias, principalmente no que atine à sua ação espoliativa e tóxica. São os helmintos – tênias, bacteriocéfalos, áscaris, filárias, triquinas e tricocéfalos – os maiores responsáveis por esse tipo de energia. Responsáveis o são, também, algumas doenças produzidas por protozoários e bactérias. A diferença entre os parasitas e os germes da infecção prende-se ao fato de que os primeiros, embora espoliem o hospedeiro, tendem a poupá-lo; os segundos, todavia, são inteiramente perniciosos. As bactérias e protozoários, em geral, agridem violentamente o doente, além de apresentarem uma sintomatologia mais grave e mais gritante. Outra nota é que os parasitas inclinam-se a localizar-se, enquanto os agentes da infecção, haja vista sua migração constante, lançam suas toxinas por todo o organismo. Na perícia das doenças advindas de parasitoses, mais relevante que a etiologia do mal é o estudo genérico do paciente, levando-se em conta o depauperamento, a anemia e os demais sintomas dessa forma de agressão. As doenças parasitárias, apesar de esporadicamente, podem ser objeto de análise médico-legal, principalmente quando vistas sob o ângulo das doenças profissionais. SEVÍCIAS Em virtude das várias tipicidades de sevícias: mecânica, bioquímica ou biodinâmica, mais próprio é vê-las no âmbito das energias de ordem mista. Raramente as sevícias mostram apenas uma forma de energia: lesões corporais (mecânica); choque (biodinâmica); inanição (bioquímica). No entanto, mesmo isolando-se um tipo de ação, a vítima não deixa de apresentar grave comprometimento da emotividade, levada pelo terror, medo, revolta, ódio ou submissão. A perícia deve seguir o itinerário das alterações físicas e psíquicas, avaliando não só determinadas lesões isoladas, mas, sobretudo, suas repercussões na economia geral. A natureza jurídica das sevícias é de caráter exclusivamente doloso. Entre elas, destacam-se a síndrome da criança maltratada, a síndrome do ancião maltratado e a tortura. Síndrome da criança maltratada Ultimamente, vêm-se tornando cada vez mais frequentes a sevícia e os maus-tratos a crianças, que vão desde a prisão e o isolamento em ambientes insalubres até os espancamentos brutais seguidos de morte. Esse conjunto de lesões e agressões é conhecido pela denominação de síndrome da criança maltratada ou síndrome de Silverman (“battered child syndrome ”) por ter sido esse pediatra norte-americano que, em 1953, chamou a atenção mais seriamente para um quadro que ele rotulava de trauma esquelético em crianças, de etiologia desconhecida. Também conhecida como síndrome de Caffey-Kamp. A experiência tem demonstrado que 80% desses menores maltratados têm menos de 3 anos e 40% deles são menores de 6 meses, com ligeira predominância do sexo masculino, socialmente carentes e débeis ou retardados. As formas mais comuns de maus-tratos são: a) por omissão – carência física (falta de alimentação e de proteção) e carência afetiva (falta de carinho); b) por ação – maus-tratos físicos, abuso sexual e maus-tratos psíquicos. Perfil dos autores de maus-tratos Os autores desses meios cruéis são geralmente padrastos, pais jovens ou familiares diretos, com problemas de alcoolismo ou de drogas, desempregados, com desordens psicoafetivas, de baixo índice de escolaridade e quase sempre vítimas de maus-tratos na infância. Os motivos são os mais insignificantes, muitas vezes justificados como forma de “educar” as crianças. Clínica da criança maltratada A clínica da criança maltratada deve levar em conta a atitude da criança e as lesões encontradas. A atitude da criança-vítima resume-se em: apatia, tristeza, indiferente ou temerosa, protegendo o rosto com as mãos ou fechando os olhos com a aproximação das pessoas, ou impassível aos movimentos do examinador. O que mais chama a atenção é o seu olhar triste e pungente. Um olhar de vencido. As crianças mais novas que não sabem manifestar-se de outra forma choram quando se aproximam delas determinadas pessoas. As lesões mais comuns são: hematomas e equimoses (Figura 4.87), ferimentos contusos, queimaduras, edemas por compressão, mordidas humanas, alopecias traumáticas, fraturas dentárias por introdução violenta de colheres na boca, sufocação por introdução violenta de alimentos, desidratação, lesões genitais por abuso sexual, intoxicações por tranquilizantes, desnutrição, fraturas ósseas e rupturas viscerais internas. A perícia deve ser alertada para as lesões cutâneas múltiplas e de idades diferentes, principalmente, na face e nos membros, coincidência de lesões cutâneas com fraturas ósseas, contradições nas informações dos familiares, lesões específicas como queimaduras de cigarro ou marcas de ataduras nos punhos e tornozelos, vítimas aterrorizadas, fraturas múltiplas de idades diferentes e aquilo que mais caracteriza a síndrome de Silverman: o hematoma subperióstico, visto pelos raios X, principalmente nos ossos longos dos membros superiores e inferiores. Outra ocorrência é o arrancamento epifisário (síndrome metafisária de Straus). Na necropsia, é necessário aprofundar bem o estudo das lesões, não esquecendo dos exames laboratoriais e anatomopatológicos imprescindíveis, além de radiografias do corpo inteiro, pois as lesões múltiplas e de épocas diferentes podem sugerir sinais recentes e antigos de maus-tratos. Figura 4.87 Criança maltratada. Em uma outra forma de agressão, chamada “síndrome da criança sacudida” ou “síndrome da criança chacoalhada”, o menor é seguro pelo tórax e agitado com violência, podendo causar-lhe danos neurológicos graves, sem no entanto mostrar lesões externas. Os danos mais comuns são: hemorragias meníngeas, edema cerebral e hemorragia retinina. Equívocos periciais Com o aumento dos exames realizados em crianças com alegações de maus-tratos, foi-se observando uma série de circunstâncias e achados que favoreciam o diagnóstico errôneo dessa síndrome. Este fato, como não poderia deixar de ser, cria sérios problemas quando os pais ou parentes são acusados de forma injustificada. Lembrar que, entre as crianças com suspeita de espancamento, as lesões produzidas de forma acidental são muito mais comuns que as provocadas por maus-tratos. Um dos principais motivos desses equívocos são os hematomas e equimoses que surgem em datas diferentes e que podem ser decorrentes de doenças traduzidas pela redução dos fatores da coagulação, como, por exemplo, ocorre nos portadores de coagulopatia congênita do tipo hemofilia ou de coagulopatias adquiridas como a púrpura trombocitopênica autoimune ou a leucemia linfoide. Mesmo assim, não esquecer que a discrasia sanguínea e os maus-tratos não se excluem mutuamente. Algumas lesões que aparentam ser produzidas por queimaduras podem ser oriundas de processos outros, como epidermólise bolhosa ou dermatite herpetiforme. Não esquecer também que fraturas sucessivas podem ser provenientes de processos osteopáticos, os quais têm padrões semelhantes aos das lesões produzidas nas crianças espancadas. Síndrome da alienação parental ou síndrome de Medeia Essa síndrome se caracteriza por alterações e perturbações que podem ocorrer nas crianças quando o pai ou mãe guardião, por motivos injustificáveis, tenta isolá-las gradativamente do outro progenitor. Isso sempre ocorre depois da separação ou do divórcio de pais biológicos ou adotivos, embora isso possa ocorrer com avós, tios ou parentes afins. E ainda pode ocorrer até entre pais que não passaram pela separação. Gardner definiu a síndrome da alienação parental como “um transtorno que surge principalmente no contexto de disputas para custódia de crianças”. E diz que o objetivo principal do genitor alienador é a doutrinação da criança em uma campanha de difamação contra o outro genitor e com isso levar vantagem nos Tribunais. Conhecida também como síndrome de Medeia em referência a essa personagem mitológica que mata os filhos depois de saber que o marido irá se casar com outra. Na maioria dos casos a alienação ocorre no âmbito materno tendo em vista que a guarda definitiva é na maioria das vezes dada às mães. Quando o pai é o guardião alienador um dos motivos mais frequentes é o sentimento de vingança pela ruptura do casamento ou as razões que deram motivo à separação. Some-se a isso ainda a participação de familiares nessa ação alienante. O alienador muitas vezes não se apercebe de que suas emoções e reações podem alterar a estrutura psicológica do filho que, em última análise, é o mais prejudicado nessa conturbada relação. Em situações muito raras e graves, quando o genitor alienante não alcança o efeito desejado, pode partir para o desesperado gesto do assassinato do próprio filho. Gardner, em seus estudos, considera os três estágios das alterações e perturbações do filho: Estágio I – Leve, a motivação principal do filho é conservar um laço sólido com o genitor alienador. Estágio II – Médio, os filhos, que sabem o que genitor alienador quer escutar, intensificam sua campanha de desmoralização. Estágio III – Grave, os filhos em geral estão perturbados e frequentemente fanáticos, compartilhando as mesmas reações paranoicas que o genitor alienador tem em relação ao outro genitor. Tem muita valia o fato de o genitor alienado ser compreensível e hábil, entendendo que a aversão do filho não é contra ele, mas apenas o resultado de um processo elaborado continuamente pelo alienante. Deve usar de uma estratégia que realce uma existência positiva já vivida entre ele e o filho e até mesmo entre ele e o ex-cônjuge. Andréia Calçada, em seu livro “Falsas Acusações de Abusos Sexuais”, aponta as perturbações e alterações mais comuns nessa síndrome: Alterações na área afetiva: depressão infantil, angústia, sentimento de culpa, rigidez e inflexibilidade diante das situações cotidianas, insegurança, medos e fobias, choro compulsivo sem motivo aparente. Alterações na área interpessoal: dificuldade em confiar no outro, dificuldade em fazer amizades, dificuldade em estabelecer relações, principalmente com pessoas mais velhas, apego excessivo a figura “acusadora”. Alterações na área da sexualidade: não querer mostrar seu corpo, recusar tomar banho com colegas, recusa anormal a exames médicos e ginecológicos, vergonha em trocar de roupa na frente de outras pessoas. A criança vitimada pela síndrome de alienação parental corre o risco de se tornar um adulto marcado pela culpa presumível de ter sido responsável pela forma de separação dos pais. Não é exagero se dizer que essa síndrome funciona como meio de abuso ou de dano psicológico e emocional, capaz de desdobramentos de grave repercussão, incluindo nisso a depressão, transtornos de identidade e de imagem, sentimento incontrolável de culpa, comportamento hostil, entre outros. Estudos mostram que algumas dessas crianças, quando adultas, têm se mostrado sensíveis ao uso de álcool e drogas. Um dos fatos mais graves a ressaltar nos casos de falsas acusações de abuso sexual é a constatação de danos produzidos na criança envolvida, similares às ocorridas em consequência de um abuso sexual real, em função daquilo que se forma na imaginação da criança. Agora, com a Lei no 12.319, de 26 de agosto de 2010 a alienação parental tornou-se crime, o que não deixa de ter sua importância, pelo que isto vem representando como desgaste emocional de criança com pais separados e como graves conflitos entre estes. Lamenta-se, entre outros, que tenha sido vetado um dispositivo que facultava as partes envolvidas a utilização da mediação para a solução do litígio, antes ou no curso do processo judicial. Com isso, infelizmente, inibiu-se uma das formas mais utilizadas em outras demandas, em que se apreciam os fatos por meios extrajudiciais, o que daria mais proteção à intimidade e à privacidade da família, e não evitaria em muitos casos a transformação destas ações em “caso policial” ou “caso judicial”. Seria um bom instrumento na solução pacífica destes conflitos através do diálogo. A mediação não é o mesmo que conciliação. A mediação tem o sentido de ampliar a consciência do conflito, discutir os direitos e deveres, e permitir o diálogo e organização de uma nova identidade familiar. Perícia A perícia médico-legal em casos de alegação de alienação parental consiste em avaliação física e psicológica do(s) menor(es), dos genitores, familiares ou responsáveis envolvidos. A avaliação dos danos corporais existentes nos menores segue a mesma metodologia e o mesmo critério estabelecidos para os casos de tortura, maus-tratos e procedimentos cruéis e desumanos, já vistos nos casos de vítimas da síndrome da criança maltratada. A avaliação psicológica dos menores deve ser feita com muito cuidado por especialistas que tenham experiência com tais ocorrências, levando em conta como a criança ou o adolescente se comporta, reage e se pronuncia diante das acusações de um dos genitores. A avaliação psicológica dos genitores é a tarefa mais difícil e intrincada dessa questão. Ela deve abranger entrevista pessoal e em conjunto com os genitores, análise de documentos contidos nos autos, histórico testemunhal do relacionamento do casal e da separação e estudo da personalidade dos envolvidos. Não é raro o juiz solicitar essa avaliação de uma equipe multiprofissional cujos componentes sejam médicos, psicólogos e assistentes sociais, tendo em conta a complexidade e a delicadeza do assunto. Para se convencer da existência da alienação parental, no decorrer do processo, o juiz poderá solicitar uma avaliação dos envolvidos – pais e filhos, e os genitores denunciantes ou acusados podem indicar assistentes técnicos e formular os quesitos que julguem pertinentes. A perícia deve ser concluída dentro de 90 dias, cujo laudo deverá ser apresentado à autoridade judicial solicitante, que pode sob justificativa circunstanciada permitir uma prorrogação de prazo. Legislação LEI NO 12.318, DE 26 DE AGOSTO DE 2010 Dispõe sobre a alienação parental e altera o art. 236 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1o Esta Lei dispõe sobre a alienação parental. Art. 2o Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelas avós ou pelos que tenham a criança ou o adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros: I – realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; II – dificultar o exercício da autoridade parental; III – dificultar contato de criança ou adolescente com genitor; IV – dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; V – omitir deliberadamente ao genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou o adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; VI – apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente; VII – mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando dificultar a convivência da criança ou do adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós. Art. 3o A prática de ato de alienação parental fere direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, prejudica a realização de afeto nas relações com genitor e com o grupo familiar, constitui abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda. Art. 4o Declarado indício de ato de alienação parental, a requerimento ou de ofício, em qualquer momento processual, em ação autônoma ou incidentalmente, o processo terá tramitação prioritária, e o juiz determinará, com urgência, ouvido o Ministério Público, as medidas provisórias necessárias para preservação da integridade psicológica da criança ou do adolescente, inclusive para assegurar sua convivência com genitor ou viabilizar a efetiva reaproximação entre ambos, se for o caso. Parágrafo único. Assegurar-se-á à criança ou ao adolescente e ao genitor garantia mínima de visitação assistida, ressalvados os casos em que houver iminente risco de prejuízo à integridade física ou psicológica da criança ou do adolescente, atestado por profissional eventualmente designado pelo juiz para acompanhamento das visitas. Art. 5o Havendo indício da prática de ato de alienação parental, em ação autônoma ou incidental, o juiz, se necessário, determinará perícia psicológica ou biopsicossocial. § 1o O laudo pericial terá base em ampla avaliação psicológica ou biopsicossocial, conforme o caso, compreendendo, inclusive, entrevista pessoal com as partes, exame de documentos dos autos, histórico do relacionamento do casal e da separação, cronologia de incidentes, avaliação da personalidade dos envolvidos e exame da forma como a criança ou o adolescente se manifesta acerca de eventual acusação contra genitor. § 2o A perícia será realizada por profissional ou equipe multiprofissional habilitados, exigida, em qualquer caso, aptidão comprovada por histórico profissional ou acadêmico para diagnosticar atos de alienação parental. § 3o O perito ou a equipe multiprofissional designada para verificar a ocorrência de alienação parental terá prazo de 90 (noventa) dias para apresentação do laudo, prorrogável exclusivamente por autorização judicial baseada em justificativa circunstanciada. Art. 6o Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso: I – declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador; II – ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado; III – estipular multa ao alienador; IV – determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial; V – determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão; VI – determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente; VII – declarar a suspensão da autoridade parental. Parágrafo único. Caracterizado mudança abusiva de endereço, inviabilização ou obstrução à convivência familiar, o juiz também poderá inverter a obrigação de levar para ou retirar a criança ou o adolescente da residência do genitor, por ocasião das alternâncias dos períodos de convivência familiar. Art. 7o A atribuição ou alteração da guarda dar-se-á por preferência ao genitor que viabiliza a efetiva convivência da criança ou adolescente com o outro genitor nas hipóteses em que seja inviável a guarda compartilhada. Art. 8o A alteração de domicílio da criança ou adolescente é irrelevante para a determinação da competência relacionada com as ações fundadas em direito de convivência familiar, salvo se decorrente de consenso entre os genitores ou de decisão judicial. Art. 9o (VETADO) Art. 10. (VETADO) Art. 11. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 26 de agosto de 2010; 189o da Independência e 122o da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto Paulo de Tarso Vannuchi Abandono familiar inverso | Responsabilidade dos filhos em relação aos pais idosos O abandono dos pais idosos pelos filhos, também chamado de abandono às avessas ou abandono familiar inverso, é muito frequente, seja por desamparo afetivo ou por privação material. Não há como negar ou discutir as obrigações dos filhos para com os pais idosos, no convívio domiciliar ou fora dele, principalmente no que diz respeito à negligência e ao descaso à qualidade de vida deles. A garantia das obrigações materiais não é o mais difícil nessa relação, pois, como se sabe, o caráter objetivo delas não é complicado de se estabelecer pela sua referência em normais afins. O mais intrincado nesse particular é estabelecer critérios e normas específicas em que fique estabelecido o dever de afetividade dos filhos, obrigando-os ao dever de amar, principalmente na velhice, carência e enfermidade dos pais em idade avançada. O Estatuto do Idoso, em seu artigo 3o, prescreve: “É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: (…). IV – viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso com as demais gerações.” A Constituição Federal, neste sentido, consagra o dever mútuo de relação entre ascendentes e descendentes, amparado no princípio da solidariedade entre os entes da família, priorizando as relações afetivas, e a assistência física, material e moral. Estabelece assim que “nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei”. É claro que as sanções por abandono imaterial não garantem o afeto e a amizade nem obrigam a reaproximação familiar, mas tais sanções podem, pelo menos, ter efeito pedagógico. “O descaso entre pais e filhos é algo que merece punição, é abandono moral grave, que precisa merecer severa atuação do Poder Judiciário, para que se preserve não o amor ou a obrigação de amar, o que seria impossível, mas a responsabilidade ante o descumprimento do dever de cuidar, que causa o trauma moral da rejeição e da indiferença (Azevedo, AV; Venosa, SS. Código Civil Anotado e Legislação Complementar. São Paulo: Atlas, 2004). Se já admite-se a possibilidade de indenização por dano moral decorrente do abandono dos filhos menores pelos pais, e levando em conta o mesmo significado do abandono às avessas, por que não aceitar como justificáveis essas mesmas razões para uma indenização por dano moral considerando o abandono afetivo dos filhos em relação aos pais idosos? Se o afeto tem hoje um significado jurídico relevante quando considerado como elemento agregador da família, nada mais justo do que se considerar ilícito o descaso e o abandono afetivo e, como tal, a reparação e a geração de responsabilidade. O respeito à dignidade da pessoa humana, mesmo não se contando ainda com legislação específica sobre a matéria que discipline ações por abandono moral dos idosos, deve ser considerado matéria fundamental e insuprível para garantir a função social da família, que é em suma a base e o equilíbrio da sociedade. É claro que apenas a imposição da regra jurídica civil ou penal não vai estabelecer e especificar aquilo que é o mínimo indispensável em uma relação entre pais e filhos. Essa relação obrigatória ficaria muito fria e reduzida a um mero instituto jurídico de reparação civil ou de repressão penal, mas sem o alcance de uma solução socioafetiva que se espera. Outro fato que não se pode esquecer é que seja qual for o tipo de sanção, além de não amenizar o sofrimento moral dos pais, pode aumentar ainda mais a distância e a indiferença do filho e impedir que este relacionamento venha ser reconstruído. Considera-se também que nesses casos a prova do dano moral é muito controvertida, pois é difícil quantificar e qualificar por meio de uma perícia o quantum de abatimento, sofrimento moral e humilhação. A reparação indenizatória não vem como forma de imposição do afeto, tendo em vista sua natureza subjetiva, mas como viés preventivo, punitivo e compensatório, na tentativa de garantir proteção dos mais vulneráveis. Não é fácil uma norma jurídica estabelecer a assistência afetiva obrigatória dos filhos, mas, pode-se, ao menos, constituir sanções civis e penais compensatórias coativas pelo desprezo material e afetivo. Antes disso, políticas públicas devem empregar esforços, inclusive de assistência social, para fiscalizar, ininterruptamente, a qualidade de vida da pessoa idosa. Caso contrário, o abandono familiar contará apenas com um instituto jurídico de implicação reparatória civil ou repressiva penal, mas sem uma solução sociocriminal que o previna e o abomine. Pouco se resolve tipificar ilicitudes civis e crimes, sem que o Estado aparelhe-se de estruturas adequadas a serviço de uma tutela integral protetiva e preventiva. São necessárias medidas efetivas e imediatas para que possa se construir, passo a passo, uma sociedade mais fraterna e consciente dentro dos princípios que ressaltem a importância da família e o respeito à dignidade humana. Síndrome de Munchausen É um tipo de transtorno mental em que o paciente, de forma compulsiva, deliberada e contínua, causa, provoca ou simula sintomas de doenças, com a única finalidade de obter cuidados médicos ou assistenciais. Quando retratada pela mãe que assim procede em menores sob sua guarda por considerá-los doentes ou para conseguir a atenção do marido ou de familiares chama-se “síndrome de Munchausen por transferência”. Na maioria das vezes, tal atitude não tem nenhum sentido lógico. Trata-se, portanto, de uma “doença crônica factícia (criada artificialmente) com sintomas físicos”. Nessa forma de maus-tratos, a criança é submetida a repetidos exames e quando avaliada observa-se falta de coerência anatomopatológica e ausência de resposta aos tratamentos; as consultas ou hospitalizações são continuadas; e o agressor exibe uma postura de quem é bem relacionado com o menor ou mostra exagerada solicitude a quem trata e cuida. Os sinais mais comuns nessa modalidade de maus-tratos são simulação de sangramento por contaminação da urina ou das fezes, conjuntivites provocadas por substâncias irritantes, sonolência oriunda do uso de barbitúricos ou psicotrópicos, entre outros (in Almada, HR – Maltrato y abuso sexual de menores, una revisión crítica, Granada: Editorial Comares, 2006). Embora possam existir formas as mais variadas, há, no entanto, um perfil aproximado na maioria dos casos: na maioria das vezes o responsável é a mãe, cuja idade está entre 20 e 30 anos; ela é vista como afetuosa, levando a sensibilização das equipes de saúde, e quase sempre apresenta um transtorno psiquiátrico; a criança geralmente é menor de 5 anos. O nome deste mal foi dado como referência ao Barão de Munchausen, um oficial da cavalaria alemã do século 18 que ficou conhecido por contar, nas tabernas que frequentava, histórias fantásticas de sua vida como soldado, caçador e esportista. Sindrome de Estocolmo Chama-se de síndrome de Estocolmo um estado psicológico próprio, que determinadas pessoas podem apresentar quando submetidas a um tempo prolongado de sofrimento e intimidação, em que passam a ter uma certa forma de simpatia e afeição pelo seu opressor, inclusive apresentando justificativas diante do agir do agressor. Uma espécie de gratidão para com os seus raptores, principalmente pelo fato de terem sido mantidas vivas e salvas. Este mecanismo não deixa de ser até certo ponto compreensível; em tais circunstâncias, o raptado mostra-se afável com seus agressores como gesto de gratidão e alívio. E, dessa forma, cria-se inconscientemente um mecanismo de defesa que o protege contra o sofrimento e a humilhação. Começa a ser criado, então, um sentimento de identificação e simpatia e até afeição. Este estado é diferente da síndrome de indefensividade adquirida, quando determinadas pessoas são mantidas por muito tempo sob constantes atos de violência e, mesmo tentando livrar-se desta condição, chegam à conclusão de que nada é capaz de salvar-lhe. É mais comum entre as mulheres submetidas à violência física e psíquica no meio doméstico e familiar. A submissão, a tolerância e a resignação funcionam como uma manifestação de sobrevivência. A vítima conclui que não tem mais nenhuma reação às condições em que vive e qualquer atitude que venha esboçar é inútil e agravadora. A impressão que se tem é que a vítima deixa de reagir para não agravar ainda mais o problema. Alguns justificam a síndrome de Estocolmo como um gesto de gratidão, pois o oprimido considera que o resultado poderia ser pior, passando a desenvolver tal atitude como forma inconsciente e irracional de defesa, no propósito de passar ao agressor um tipo de comportamento e simpatia como quem faz um acordo para amenizar seus sofrimentos. Para alguns, pode estar embutido nesta modalidade de comportamento um traço do caráter sádico ou masoquista latente na personalidade do oprimido. Na maioria das vezes, tudo começa por meio de pequenos gestos ou atitudes gentis, quando a vítima passa a se relacionar emocionalmente com o opressor, que vão se ampliando pouco a pouco, embora possam persistir atitudes dúbias de simpatia e ódio. Para alguns autores, há pacientes que não percebem tais atitudes tão paradoxais. Para outros, a vítima age dessa forma como um processo de defesa ante um fim que se mostra trágico e violento. Para se firmar um diagnóstico mais preciso da síndrome de Estocolmo exigem-se duas condições: que a vítima tenha assumido de forma inconsciente uma real identificação com os propósitos, a ideologia e o comportamento de seus raptores, quase como se fosse um deles; e que suas reações de simpatia e agradecimento se intensifiquem com o passar dos dias, mesmo quando já esteja livre do cativeiro e inserida nas suas ocupações habituais. Bullying Bullying é uma expressão derivada da palavra inglesa bully que tem um significado próximo a brigão, valentão, mas que, de fato, é caracterizada por opressão, humilhação, perseguição, maltrato, ofensa, ameaça e principalmente por intimidação. O bullying não é um fenômeno tão atual quanto parece, ele sempre existiu, mudando apenas certos aspectos em face da sociedade que se vive, como, por exemplo, o fácil acesso à internet. As agressões se mostram mais graves quando se vitimizam crianças e são sempre continuadas, repetitivas e verbais ou físicas. São muito comuns nas escolas e podem ter conotações racistas, difamatórias e separatistas. Nos casos mais graves, podem levar ao desequilíbrio emocional ou psíquico, e, até mesmo, ao suicídio. Por esse motivo, esses maus-tratos são tão graves e ameaçadores. Cleodelice Fante (in Fenômeno Bullying: Como Prevenir a Violência nas Escolas e Educar para a Paz, 2a Edição, Campinas: Verus, 2005) diz que esta forma de agressão pode surgir em qualquer contexto social, na escola, na vizinhança, nos locais de trabalho e inclusive na família. Ela afirma de forma categórica: “É uma das formas de violência que mais cresce no mundo.” E aponta as características mais comuns deste efeito ultrajante: comportamentos deliberados e danosos, produzidos de maneira repetitiva em um período prolongado de tempo contra uma mesma vítima; apresentam uma relação de desequilíbrio de poder, o que dificulta a defesa da vítima; não há motivos evidentes; acontece de forma direta, por meio de agressões físicas (bater, chutar, tomar pertences) e verbais (apelidar de maneira pejorativa e discriminatória, insultar, constranger); de forma indireta, caracteriza-se pela disseminação de rumores desagradáveis e desqualificantes, visando à discriminação e à exclusão da vítima de seu grupo social. Deve ficar bem claro que nem tudo é bullying. É necessário que esta agressão seja repetitiva, tenha intenção de atingir a uma vítima determinada, que ela esteja de alguma maneira relacionada com a ofensa e que haja concordância e presença de um público de convivência com o agredido. As vítimas são sempre os mais frágeis e nesta forma perversa de relação se tornam um objeto de prazer nesta agressão. Começam sempre por pequenas ofensas que vão se repetindo e aumentando de gravidade até chegar aos danos mais graves, inclusive a morte. As motivações têm na maioria das vezes o caráter físico, étnico, religioso ou cultural. Como este fato tem se verificado mais na escola é importante que os educadores passem a se preocupar com tal forma de conflito social e integrem estes acontecimentos dentro de uma política de prevenção de saúde pública. As vítimas na escola estão sempre isoladas ou procurando ficar perto dos adultos. Na sala de aula têm dificuldade de atenção e concentração e se mostram intranquilas e ansiosas; são tristes e arredias; têm baixo rendimento escolar; simulam doenças para não frequentarem a escola; pedem para trocar de escola; apresentam-se de forma desleixada e desatenta. Em casa, alguns se queixam de dores de cabeça, enjoos,tonturas e apresentam mudanças repentinas do humor; mostram ansiedade, sentimentos negativos e medo; relacionam-se mal com a família e com os amigos e apresentam baixa autoestima. De acordo com alguns autores a vítima pode ser classificada nos seguintes grupos: 1. Típica: relaciona-se mal com os colegas, sofre muito com as consequências dos comportamentos agressivos, tem aspecto físico frágil, coordenação motora deficiente, exaltada sensibilidade, timidez, passividade, submissão, insegurança, baixa autoestima, alguma dificuldade de aprendizado, ansiedade e aspectos depressivos. Sente insegurança de juntar-se ao grupo, tanto física quanto verbalmente. 2. Provocadora: aquela que de certo modo provoca reações adversas, tentando reagir mas sem condição de se impor. Tenta responder e reagir aos ataques, mas não encontra meios para tanto. Tem atitudes ofensivas, irritantes e quase sempre é responsável por conflitos em seu ambiente de relacionamento. 3. Agressora: tenta reagir às agressões recebidas como forma de confronto ou de defesa, às vezes procurando outra vítima mais indefesa para reproduzir todos os insultos e agressões que sofria transformando assim o bullying em um ciclo vicioso. Os autores deste tipo de agressão são sempre aqueles que se intitulam líderes ou chefes de grupos, falastrões e poderosos, vaidosos e exibidos, transferem suas frustrações e procuram assumir ou aparentar uma imagem fantasiosa de si mesmos. Entre eles estão alguns que vieram de uma relação familiar defeituosa. São violentos, insensíveis e contrários às regras de convivência. Muitos já estiveram envolvidos em pequenos delitos. Têm baixo rendimento escolar. Alguns foram abusados sexualmente na infância mais remota. Seus atos na escola se caracterizam pelo desdenho e pela hostilidade, pelas agressões físicas e verbais, pela difamação e lesão, pelas ameaças e coação na tomada de material escolar e pertences de suas vítimas. Em casa, esses agressores têm atitudes de hostilidade e referem uma superioridade entre seus colegas que não têm. São simulados e mentirosos e costumam chegar da escola com bens que não justificam a posse. Há também os expectadores – reféns da “lei do silêncio” e cúmplices passivos das agressões, que a tudo assistem e calam, deliciando-se, aplaudindo e insuflando cada gesto agressor, ou ficam em uma posição de não ajudar a vítima por covardia nem se opor ao agressor por medo de também ser vítima. Eles são personagens destacados porque sem eles não existe bullying; são a plateia desta infeliz tragédia. Em muitas situações os pais são os maiores responsáveis por esta forma de agressão quando apoiam e fingem não enxergar os maus modos e as formas de agressão que já se iniciam dentro de casa. LEI NO 13.185, DE 6 DE NOVEMBRO DE 2015 Institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying). A PRESIDENTA DA REPÚBLICA.Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1o Fica instituído o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (bullying) em todo o território nacional. § 1o No contexto e para os fins desta Lei, considera-se intimidação sistemática (bullying) todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas. § 2o O Programa instituído no caput poderá fundamentar as ações do Ministério da Educação e das Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, bem como de outros órgãos, aos quais a matéria diz respeito. Art. 2o Caracteriza-se a intimidação sistemática (bullying) quando há violência física ou psicológica em atos de intimidação, humilhação ou discriminação e, ainda: I – ataques físicos; II – insultos pessoais; III – comentários sistemáticos e apelidos pejorativos; IV – ameaças por quaisquer meios; V – grafites depreciativos; VI – expressões preconceituosas; VII – isolamento social consciente e premeditado; VIII – pilhérias. Parágrafo único. Há intimidação sistemática na rede mundial de computadores (cyberbullying), quando se usarem os instrumentos que lhe são próprios para depreciar, incitar a violência, adulterar fotos e dados pessoais com o intuito de criar meios de constrangimento psicossocial. Art. 3o A intimidação sistemática (bullying) pode ser classificada, conforme as ações praticadas, como: I – verbal: insultar, xingar e apelidar pejorativamente; II – moral: difamar, caluniar, disseminar rumores; III – sexual: assediar, induzir e/ou abusar; IV – social: ignorar, isolar e excluir; V – psicológica: perseguir, amedrontar, aterrorizar, intimidar, dominar, manipular, chantagear e infernizar; VI – físico: socar, chutar, bater; VII – material: furtar, roubar, destruir pertences de outrem; VIII – virtual: depreciar, enviar mensagens intrusivas da intimidade, enviar ou adulterar fotos e dados pessoais que resultem em sofrimento ou com o intuito de criar meios de constrangimento psicológico e social. Art. 4o Constituem objetivos do Programa referido no caput do art. 1o: I – prevenir e combater a prática da intimidação sistemática (bullying) em toda a sociedade; II – capacitar docentes e equipes pedagógicas para a implementação das ações de discussão, prevenção, orientação e solução do problema; III – implementar e disseminar campanhas de educação, conscientização e informação; IV – instituir práticas de conduta e orientação de pais, familiares e responsáveis diante da identificação de vítimas e agressores; V – dar assistência psicológica, social e jurídica às vítimas e aos agressores; VI – integrar os meios de comunicação de massa com as escolas e a sociedade, como forma de identificação e conscientização do problema e forma de preveni-lo e combatê-lo; VII – promover a cidadania, a capacidade empática e o respeito a terceiros, nos marcos de uma cultura de paz e tolerância mútua; VIII – evitar, tanto quanto possível, a punição dos agressores, privilegiando mecanismos e instrumentos alternativos que promovam a efetiva responsabilização e a mudança de comportamento hostil; IX – promover medidas de conscientização, prevenção e combate a todos os tipos de violência, com ênfase nas práticas recorrentes de intimidação sistemática (bullying), ou constrangimento físico e psicológico, cometidas por alunos, professores e outros profissionais integrantes de escola e de comunidade escolar. Art. 5o É dever do estabelecimento de ensino, dos clubes e das agremiações recreativas assegurar medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate à violência e à intimidação sistemática (bullying). Art. 6o Serão produzidos e publicados relatórios bimestrais das ocorrências de intimidação sistemática (bullying) nos Estados e Municípios para planejamento das ações. Art. 7o Os entes federados poderão firmar convênios e estabelecer parcerias para a implementação e a correta execução dos objetivos e diretrizes do Programa instituído por esta Lei. Art. 8o Esta Lei entra em vigor após decorridos 90 (noventa) dias da data de sua publicação oficial. Brasília, 6 de novembro de 2015; 194o da Independência e 127o da República. Síndrome do ancião maltratado Na Inglaterra, aproximadamente em 1975, surgiu pela primeira vez o conceito de ancião maltratado, como uma síndrome de características da violência intrafamiliar. Na maioria das vezes é desconhecido, tornando difícil seu diagnóstico e sua distinção com os acidentes próprios da idade, a exemplo das fraturas, contusões e ferimentos outros, muitas vezes pelo temor de o ancião denunciar seus próprios filhos, parentes próximos e serviçais. Em alguns países, como nos EUA, a incidência de anciãos maltratados é de 10%, chegando muitas vezes a ultrapassar as cifras dos maus-tratos infantis. O envelhecimento demográfico da população mundial certamente aumentará ainda mais esta forma de agressão. O ambiente familiar é o lugar de maior evidência desses maus-tratos, pois grande parte das pessoas idosas vive ali. Mas não quer dizer que noutros lugares como hospitais, creches de velhos, asilos e casas especiais de abrigo não se venham a verificar tais excessos. Os maus-tratos mais comuns são por abuso e negligência, ou seja, por ação, por omissão ou por cuidados inadequados. No entanto, didaticamente, classificamos os maus-tratos em anciãos em: maus-tratos físicos, maus-tratos psíquicos e maus-tratos econômicos. Os maus-tratos físicos são sempre caracterizados por ferimentos repetidos e pouco justificáveis, queimaduras, fraturas, escoriações e equimoses. Os maus-tratos psíquicos pelas agressões verbais, “dano do silêncio”, ameaças, reprovações, desprezo e isolamento. E os maus-tratos econômicos pela privação dos alimentos, supressão dos bens e pelo mau uso de suas disponibilidades. Dentro dessa pungente realidade há que se entender a existência de fatores de risco que naturalmente podem agravar mais ainda o quadro: fatores individuais (antecedentes psiquiátricos, uso abusivo de álcool e de drogas dos agressores); herança violenta (filhos que sofreram violência dos pais); dependência econômica (conflitos entre o maltratante e o maltratado); estresse (tipo de vida que levam os agressores); isolamento social do ancião (quando eles vivem em comunidade, o fato é mais raro). A perícia médico-legal em tais eventos deve orientar-se pela história clínica, que deve ouvir o ancião e seus acompanhantes separadamente. Ter em conta também o tempo decorrido entre as lesões e a procura do tratamento. Ainda, se é evidente a existência de lesões de datas diferentes. Em regra, os sintomas e sinais apresentados são semelhantes aos de uma doença crônica, cabendo estabelecer a diferença entre os maus-tratos e essas patologias. Um fato muito importante nesta avaliação é o do estado psíquico do paciente, principalmente no que se refere à aparência de terror e medo que eles possam apresentar. Sobre o aspecto físico é muito importante verificar os locais das lesões, como, por exemplo, os pulsos e tornozelos, por onde esses pacientes muitas vezes são imobilizados ao leito. Uma das formas comuns destes maus-tratos, principalmente em casas de hospedarias ou hospitais de anciãos, é verificada pela contenção física em que se utilizam cintos de contenção em acamados ou durante a noite, provocando lesões ou até a morte por asfixia devido a hiperpressão abdominal ou por constrição do pescoço, atitude justificada como medida para evitar acidentes diante de agitações ou demência. Na maioria das vezes isto é motivado pela qualidade inadequada dos cintos ou pela forma errada de seu ajuste. O mesmo estudo pode ser aplicado às pessoas deficientes maltratadas. Entende-se aqui como “pessoas deficientes” aquelas que são incapazes de assegurar, por si mesmas, as necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrência de uma acentuada deficiência, congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais. LEI NO 13.146, DE 6 DE JULHO DE 2015 Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). A PRESIDENTA DA REPÚBLICA.Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: (..). TÍTULO II DOS CRIMES E DAS INFRAÇÕES ADMINISTRATIVAS Art. 88. Praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência: Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. § 1o Aumenta-se a pena em 1/3 (um terço) se a vítima encontrar-se sob cuidado e responsabilidade do agente. § 2o Se qualquer dos crimes previstos no caput deste artigo é cometido por intermédio de meios de comunicação social ou de publicação de qualquer natureza: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. § 3o Na hipótese do § 2o deste artigo, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência: I – recolhimento ou busca e apreensão dos exemplares do material discriminatório; II – interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na internet. § 4o Na hipótese do § 2o deste artigo, constitui efeito da condenação, após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido. Art. 89. Apropriar-se de ou desviar bens, proventos, pensão, benefícios, remuneração ou qualquer outro rendimento de pessoa com deficiência: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Parágrafo único. Aumenta-se a pena em 1/3 (um terço) se o crime é cometido: I – por tutor, curador, síndico, liquidatário, inventariante, testamenteiro ou depositário judicial; ou II – por aquele que se apropriou em razão de ofício ou de profissão. Art. 90. Abandonar pessoa com deficiência em hospitais, casas de saúde, entidades de abrigamento ou congêneres: Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, e multa. Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem não prover as necessidades básicas de pessoa com deficiência quando obrigado por lei ou mandado. Art. 91. Reter ou utilizar cartão magnético, qualquer meio eletrônico ou documento de pessoa com deficiência destinados ao recebimento de benefícios, proventos, pensões ou remuneração ou à realização de operações financeiras, com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Parágrafo único. Aumenta-se a pena em 1/3 (um terço) se o crime é cometido por tutor ou curador. Violência contra a mulher A violência doméstica representa não só a mais dolorosa ocorrência de ordem afetivosentimental, por atingir o âmago da estrutura familiar, senão também um assunto da mais alta complexidade sob o ponto de vista médico-pericial. Esta não é uma situação nova. Hoje ela se torna mais clara pela oportunidade de denúncia pelos movimentos em defesa dos direitos humanos e pelos movimentos feministas e de defesa da dignidade da mulher. Acrescente-se a isso a evolução econômico-social da mulher na sociedade contemporânea. Sem nenhuma dúvida, tem sido a mulher a maior vítima da violência no meio familiar. Por uma distorção histórica e cultural, as mulheres, principalmente em determinadas regiões de nosso país, sempre foram tratadas com restrições, preconceitos e limites. Mesmo que exista uma luta permanente e um sentimento desfavorável a essas posições, pouco tem sido o avanço de suas conquistas sociais. As estatísticas, em geral, atestam que apenas 10% das agressões contra mulheres são denunciadas e sua incidência maior se dá em torno dos 30 anos de idade. E a idade do agressor, em torno de 42 anos. A contribuição pericial nessa forma de agressão é de fundamental interesse para sua efetiva reparação, tanto pela caracterização das agressões físicas com suas mais variadas formas de lesões, como pela avaliação das agressões psíquicas, algumas delas aproximadas da chamada síndrome de estresse pós-traumático. Perícia. Diante de um quadro desta natureza deve o perito: 1 . Descrever e valorizar todas as lesões físicas da vítima. O exame clínico para registro e avaliação das lesões físicas deve iniciar-se por uma entrevista cuidadosa e demorada, na qual se valorizem todas as informações referentes aos antecedentes da vítima, sua história familiar e seu relacionamento com o agressor, assim como as causas que motivaram suas queixas e os sintomas consequentes ao dano. As lesões físicas, na sua maioria, não são difíceis de serem identificadas. 2 . Examinar e valorizar os danos psíquicos. Ter em conta, mesmo os especialistas em psiquiatria médico-legal, a existência de certas dificuldades, a partir dos critérios diagnósticos que não se ajustam a um padrão clínico habitual dos distúrbios psiquiátricos, a impossibilidade de quantificar o dano, a imprecisão em determinar o nexo causal, a dificuldade de consignar a existência de um dano psíquico anterior, a imprecisão de estabelecer a distinção entre um dano neurológico e um dano psíquico, e a possibilidade muito frequente de simulação e de metassimulação por parte da examinada. Em primeiro lugar, deve-se fazer uma distinção bem precisa entre dano psíquico e transtorno mental. Neste estudo, o primeiro caracteriza-se por uma deterioração das funções psíquicas, de forma súbita e inesperada, surgida após uma ação deliberada e grave de alguém, trazendo para a vítima um prejuízo material ou moral. O transtorno mental, chamado ainda por alguns de doença mental, ainda que tenha como elemento definidor a alteração das funções psíquicas, tem origem de causa dita natural. 3. Considerar o estado anterior. Problema complexo nessa questão é a avaliação da existência de dano anterior ou do estado anterior da vítima quando se quer estipular existência de dano psíquico. Muitas vezes se torna difícil estabelecer com rigor se a vítima antes da agressão traumática ou da agressão psíquica era ou não portadora de um dano ou transtorno psíquico, principalmente quando estes não foram diagnosticados ou tratados. Para tanto, o perito deve valer-se de uma anamnese completa e cuidadosa, da informação de profissionais e de relatórios de instituições que tenham porventura cuidado da paciente. Ter em conta também que, mesmo existindo anteriormente um quadro de dano corporal ou transtorno mental, para considerá-lo como importante na avaliação, basta que se prove ter havido agravamento do processo. Todavia, se não houver nenhuma evidência sobre o estado anterior da vítima, pode-se concluir que se está diante de uma situação mais complicada, restando tão só ao exame clínico acurado demonstrar se a sintomatologia apresentada ou o seu agravamento é decorrente da agressão física ou psíquica recebida. 4. Estabelecer o nexo de causalidade. Com certeza, esta é a parte mais delicada e complexa da questão. A relação entre o dano físico ou psíquico e os maus-tratos é um pressuposto imperativo de ordem pericial e não há como fugir disto. Entende-se por nexo causal uma condição lógica de vínculo, de conexão, de liame ou de eminente coesão entre a ação e o resultado, não sendo por isso uma situação de imperiosa certeza. Basta apenas que exista ligação e coerência. Nessa forma de violência, para se estabelecer o nexo de causalidade, é necessário que: a) a agressão física ou psíquica tenha existido e, portanto, apropriada àquelas circunstâncias; b) a agressão tenha sido súbita e exógena; c) haja relação de temporalidade (um prazo legal e um prazo clínico), ou seja, exista uma coerência entre a idade do dano e a ocorrência dos fatos; d) exista uma lógica anatomoclínica de sinais e sintomas típicos; e) haja exclusão da preexistência de danos relativamente à agressão física ou psíquica. Legislação. No dia 7 de setembro de 2006 o Governo Federal editou a Lei no 11.340 (Lei Maria da Penha), onde cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8 o do art. 226 da Constituição Federal, e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar, além de dispor sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Por essa norma toda mulher, independentemente de classe, raça, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, passa a gozar dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social. Para os efeitos da supracitada Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. De acordo com a referida lei são formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça. constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou lesão. Com a finalidade de coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher criar-se-ia um conjunto articulado de ações da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios e de ações não governamentais, tendo por diretrizes: I – a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação; II – a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às consequências e à frequência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas; III – o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1o, no inciso IV do art. 3o e no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal; IV – a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher; V – a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres; VI – a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de promoção de parceria entre órgãos governamentais ou entre estes e entidades não governamentais, tendo por objetivo a implementação de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher; VII – a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I quanto às questões de gênero e de raça ou etnia; VIII – a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia; IX – o destaque, nos currículos escolares, de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à equidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher. São criados também os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, que poderão contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar, a ser integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde. Esses Juizados poderão ser acompanhados da implantação das curadorias necessárias e do serviço de assistência judiciária. A Lei no 13.104, de 9 de março de 2015, alterou o art. 121 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio e o art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluí-lo no rol dos crimes hediondos. LEI NO 13.104, DE 9 DE MARÇO DE 2015 Altera o art. 121 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1 o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos. A PRESIDENTA DA REPÚBLICA.Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1o O art. 121 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passa a vigorar com a seguinte redação: “Homicídio simples Art. 121. .................................................................................................................................................................. Homicídio qualificado § 2o ................................................................................ Feminicídio VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino: ............................................................................................. § 2oA Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: I – violência doméstica e familiar; II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher. .............................................................................................. Aumento de pena .............................................................................................. § 7o A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado: I – durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; II – contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência; III – na presença de descendente ou de ascendente da vítima.” (NR) Art. 2o O art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, passa a vigorar com a seguinte alteração: “Art. 1o ......................................................................... I – homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2o, I, II, III, IV, V e VI); ...................................................................................” (NR) Art. 3o Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação. Brasília, 9 de março de 2015; 194o da Independência e 127o da República. Tortura A Lei no 9.455, de 7 de abril de 1997, que regulamenta o inciso XLIII do artigo 5o da Constituição do Brasil de 1988, define tortura como o sofrimento físico ou mental causado a alguém com emprego de violência ou grave ameaça, com o fim de obter informação, declaração ou confissão de vítima ou de terceira pessoa, outrossim, para provocar ação ou omissão de natureza criminosa ou então em razão de discriminação racial ou religiosa. Por sua vez, a Declaração de Tóquio, aprovada pela Assembleia Geral da Associação Médica Mundial, em 10 de outubro de 1975, define como: “A imposição deliberada, sistemática e desconsiderada de sofrimento físico ou mental por parte de uma ou mais pessoas, atuando por própria conta ou seguindo ordens de qualquer tipo de poder, com o fim de forçar uma outra pessoa a dar informações, confessar, ou por outra razão qualquer.” A Convenção da Organização das Nações Unidas contra a Tortura a define como “qualquer ato pelo qual são infligidos, intencionalmente, a uma pessoa, dores ou sofrimentos graves, sejam eles físicos ou mentais, com o fim de obter informações ou uma confissão, de castigá-la por um ato cometido ou que se suspeita que tenha cometido, de intimidá-la ou coagi-la, ou por qualquer razão baseada em qualquer tipo de discriminação”. A Convenção Interamericana para Prevenir e Sancionar a Tortura dá definição mais avançada que esta da Convenção da ONU quando define a tortura como “a aplicação, em uma pessoa, de métodos que tendem a anular a personalidade da vítima ou diminuir sua capacidade física ou mental, embora não causem dor física ou angústia psíquica”. A verdade é que o fato de o ser humano sofrer de forma deliberada de tratamento desumano, degradante e cruel, com a finalidade de produzir sofrimentos físicos ou morais, é tão antigo quanto a história da própria Humanidade. Houve uma época, não tão distante, que a Igreja e o Estado usavam a tortura como formas legais de expiação de culpa ou como forma legal de pena. A Inquisição e a Doutrina de Segurança Nacional não são diferentes em seus métodos, princípios e objetivos. Na atualidade, malgrado um ou outro esforço, muitos são os países que ainda praticam, ou toleram a tortura em pessoas indefesas, sem nenhuma justificativa ou qualquer fundamento de ordem normativa. Muitas dessas práticas têm por finalidade punir tendências ideológicas ou reprovar e inibir os movimentos libertários ou as manifestações políticas de protesto. Muitas dessas práticas cruéis e degradantes nada têm a ver com a chamada “obtenção da verdade”; antes, um sistema repressivo que dispõe o Estado contra os direitos e as liberdades dos seus opositores, como estratégia de manutenção no poder. Tais procedimentos, por motivos muito óbvios, são desconhecidos na maioria das vezes, pois sua divulgação, mesmo em países ditos democráticos, é evitada de maneira disfarçada, e assim os organismos internacionais que cuidam dos direitos humanos não têm informações nem acesso aos torturados. Por outro lado, as próprias autoridades locais do setor de saúde não incluem essas vítimas dentro de um programa capaz de resgatá-las de suas graves sequelas. A nossa lei referente à tortura, anteriormente citada, não especifica quem são seus autores, dando a entender assim que qualquer pessoa agindo daquela forma responderá por tal delito. Todavia, há quem considere como autor do crime de tortura apenas os agentes públicos investidos em suas funções e que se utilizam disso para obter informações, castigar, intimidar ou fazer confessar algo. E por maus-tratos, procedimentos cruéis ou desumanos que mesmo não tendo um propósito específico, manifestam o desejo de degradar, humilhar ou provocar sofrimentos à vítima. Tanto a tortura quanto os maus-tratos devem merecer a mesma investigação e a mesma punição. É um constrangimento enumerar os tipos de prática de tortura existentes. Cabe-nos, no entanto, afirmar que tais procedimentos não só têm como meta causar sofrimento físico mais insuportável possível ou a privação das necessidades mais imediatas, mas sobretudo causar humilhação. A intenção do torturador é sempre a mesma: usar os meios de tortura como “método” de interrogatório e facilitar a humilhação. Os meios mais usados como maus-tratos aos detentos são: físicos (violência efetiva), morais (intimidações, hostilidades, ameaças), sexuais (cumplicidade com a violência sexual) e omissivos (negligência de higiene, alimentação e condições ambientais). Violência institucional no Brasil Os aparelhos do poder organizado em nosso país que administram a repressão e que executam a punição não deixam, de certo modo, de exercer ou tolerar a violência. O Estado constitui-se sem dúvida na mais grave forma de arbítrio porque ela flui de um órgão de proteção e contra o qual dificilmente se tem remédio.* A partir da organização dos movimentos coletivos de reivindicação e protesto, o poder passou a prevenir e controlar de forma agressiva o que ele chamou de “desordens públicas”. Esse aparelho de poder autorizado legalmente deixa claro que a garantia da “ordem social” tem suas razões ditadas pelas classes dominantes que se sentem ameaçadas. A violência do aparelho carcerário é certamente a mais impiedosa e humilhante porque o presidiário, principalmente o de crimes comuns, representa, para o poder e para uma fração da sociedade, uma escória. Não passa pelos critérios dessas pessoas que a pena seja uma medida de recuperação e de ressocialização, mas tão só um instrumento de vingança e de reparação. O próprio sentido de intimidação e de excessivo rigor punitivo não deixa de constituir uma modalidade de terrorismo oficial. A forma como essas instituições são administradas e o perfil dos seus administradores não deixam dúvidas do verdadeiro sentido dessas prisões. Não é nenhuma novidade afirmar que essas casas de custódia funcionam como desestímulo arrasador aos programas de recuperação. E é nesse ambiente de trabalhos inúteis, de degradação e coação disciplinar, de prática sistemática de torturas e maus-tratos que o regime carcerário propõe recuperar seus presos. A falta de disciplina e a brutalidade gratuita de alguns dos seus agentes e o desdém pelas entidades que promovem a defesa e a proteção dos direitos humanos é com certeza a manifestação mais abjeta da intolerância, da irreverência e do arbítrio. Recomendações em perícias de casos de tortura Recomenda-se que, em todos os casos de perícias de alegação ou presunção de tortura, procedase sempre da seguinte maneira: • valorizar no exame físico o estudo esquelético-tegumentar; • descrever detalhadamente a sede e as características dos ferimentos; • registrar em esquemas corporais todas as lesões encontradas; • fotografar as lesões e alterações existentes nos exames interno e externo; • detalhar em todas as lesões, independentemente do seu vulto, a forma, idade, dimensões, localização e particularidades; • radiografar, quando possível, todos os segmentos e regiões agredidos ou suspeitos de violênci • trabalhar sempre em equipe; • examinar sempre que possível à luz do dia; • usar os meios subsidiários disponíveis; • avaliar de forma objetiva e imparcial; • examinar a vítima de tortura sem a presença dos agentes do poder; • examinar com paciência e cortesia. Por fim, recomenda-se que os peritos nunca usem as informações como propostas pessoais, quaisquer que sejam suas posições políticas ou ideológicas. Direitos do periciando em casos de tortura Aquele que se apresenta à perícia ou está sendo examinado tem, como todo cidadão, assegurados pela Constituição Federal, seus direitos individuais e coletivos, sem distinção de qualquer natureza. Entre tantos, o que está expresso em seu artigo 5o, item II: “ninguém está obrigado a fazer alguma coisa senão em virtude da lei.” Isto também se aplica ao próprio indivíduo que está sendo submetido a perícia quando envolve a sua própria pessoa na dimensão física ou moral que merece. Portanto, cabe ao investigando decidir sobre certas circunstâncias quando submetido a determinados testes ou exames, certo também que arcará com o ônus decorrente da sua negativa. Mesmo se cuidando de matéria de ordem criminal, em que sempre se assinala o interesse público preponderando em detrimento do particular, ainda assim mantém-se o direito individual, porque todo interesse coletivo começa do respeito a um indivíduo. Assim, por exemplo, no processo penal (matéria de direito público), está pontificado que a descoberta da verdade jamais ultrapassará limites da decência do réu, que tem o direito de ficar calado, se omitir à verdade e até se recusar na participação da prova, sem que isso seja interpretado como prejuízo a sua defesa ou como confissão de culpa. Se fosse diferente, ou seja, se a busca da verdade fosse irrestrita, sem barreiras, submetendo-se os examinandos a todas as formas de coações e violações quando submetidos às perícias, certamente voltaríamos à época da Inquisição. Aqui não cabe o jargão de que “os fins justificam os meios”, princípio despótico baseado nos modelos fascistas e decadentes, que não encontram mais guarida em solo democrático. Eis alguns dos seus direitos: 1. Ter conhecimento dos objetivos das perícias e dos exames. A informação é um pressuposto ou requisito prévio do “consentimento livre e esclarecido”. É necessário que o examinando dê seu consentimento sempre de forma livre e consciente e as informações sejam acessíveis aos seus conhecimentos para evitar a compreensão defeituosa, principalmente quando a situação é complexa e difícil de avaliar (princípio da informação adequada). 2. Ser submetido a exame em condições higiênicas e por meios adequados. Nada mais justo do que ser examinado, qualquer que seja sua condição de periciando, dentro de um ambiente recatado, higiênico e dotado das condições mínimas do exercício do ato pericial. Fora destas condições, além do comprometimento da qualidade do atendimento prestado, há um evidente desrespeito à dignidade humana. Não é de hoje que se pede à administração pública pertinente a melhoria dos equipamentos, insumos básicos e recursos humanos para a efetiva prática da perícia nas instituições médicopericiais. Essa realidade vem contribuindo para justificar a má prática pericial médica e o descaso que se tem com a pessoa do examinando. 3. Recusar o exame no todo ou em parte. O periciando manifestando a recusa de se submeter ao exame ou parte dele não estaria cometendo crime de desobediência, nem tampouco arcando com as duras consequências da confissão ficta; a uma, pela total falta de amparo legal que possa tipificá-lo no delito mencionado; a duas, porque ninguém, por autoridade que seja, poderia obrigar a alguém a submeter-se a um exame. 4. Ser examinado em clima de respeito e confiança. Mesmo para aqueles que cometerem ou são suspeitos de práticas de delitos, qualquer que seja sua gravidade ou intensidade, o exame legispericial deve ser procedido em um ambiente de respeito e sem a censura que possa causar a quem os examina. Se o periciando é a vítima, com muito mais razão. 5. Rejeitar determinado examinador. O examinando não tem o direito de escolher determinado examinador, mas pode, por qualquer razão apontada ou mesmo sem explicar os motivos, rejeitar determinado examinador, por suspeição ou impedimento, ou mesmo por questões de ordem pessoal que podem ir desde a inimizade até mesmo a amizade próxima. 6 . Ter suas confidências respeitadas. Certas confidências contadas pelo periciando, cujas confirmações ele não queira ver registradas, podem ser omitidas, desde que isto não venha comprometer o exame cuja verdade se quer apurar, algumas delas até em seu próprio favor. 7. Exigir privacidade no exame. O exame do periciando deve ser sempre realizado respeitando sua privacidade, evitando-se a presença de pessoas estranhas ao feito. Quando se tratar de estagiários, residentes ou estudantes, deve-se pedir a autorização do examinando e sempre respeitar seu pudor e permitir a presença de pequenos grupos. Caso o examinando queira a presença de algum parente ou pessoa de sua intimidade e confiança, isto não compromete a privacidade exigida. 8. Rejeitar a presença de peritos do gênero oposto. Esta é outra questão que se apresenta como justa e razoável: o respeito ao pudor do examinando, seja ele homem ou mulher, atendendo ao seu pedido na escolha de um perito do seu gênero. 9. Ter um médico de sua confiança como observador durante o exame pericial. Mesmo que na fase da produção da prova ainda não seja a oportunidade de indicação do assistente técnico, não vemos nenhum óbice justificável para se impedir a presença de um médico da confiança do examinando durante a perícia, seja em um exame de lesão corporal, necropsia ou exumação. Como se sabe, agora é facultado ao Ministério Público e às partes a indicação de assistentes técnicos durante o curso do processo judicial que poderão apresentar seus pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência. Quando ainda no Inquérito Policial, na produção de provas, este médico não teria as prerrogativas elencadas na Lei no 11.690, de 9 de junho de 2008, que altera o artigo 159 do Código de Processo Penal. Mas, o que se tem observado na prática, quando solicitada aquela presença, é que os magistrados têm atendido a esse pedido. Trata-se apenas de uma forma de segurança que tranquiliza o periciando ao ser examinado pela perícia oficial. Isto não é desdouro ou ofensa à credibilidade do órgão periciador, nem muito menos a quem o examina. 10. Exigir a presença ou a ausência de familiares e advogados durante os exames. Quanto à presença de um familiar durante o exame pericial tudo faz crer não existir qualquer rejeição, principalmente quando isto se verifica a pedido do examinando. Todavia, quanto à presença de um advogado a questão é muito controvertida. Mesmo assim, entendemos que a Lei no 8.906, de 4 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, em seu Capítulo II – Dos Direitos do Advogado, artigo 7o, diz em seu item VI, letra c, que são direitos do advogado “ingressar livremente em qualquer edifício ou recinto em que funcione repartição judicial ou outro serviço público onde ele deva praticar ato ou colher prova ou informação útil ao exercício da atividade profissional, dentro do expediente ou fora dele, e ser atendido, desde que se ache presente qualquer servidor ou empregado”. Para tanto seria necessário que o advogado, devidamente habilitado naquela ação, se esta é a vontade do seu assistido, não lhe cause constrangimento, desde que entenda que o perito necessita exercer suas atividades com total liberdade e independência, que não pode ter participação ativa, e sim discreta e sem causar confrontos. Isso amplia a lisura e a transparência dos atos do inquérito ou do processo. O Conselho Federal de Medicina em seu Parecer CFM no 31/2013 estabelece: “A perícia médica é ato privativo de profissional que exerce a Medicina. O médico-perito tem plena autonomia para decidir pela presença ou não de pessoas estranhas ao ato médico pericial.” De tal forma, o CFM submete a presença do advogado durante uma perícia médico-legal à simples anuência de um médico-perito e não a princípios éticos ou legais justificadores de uma decisão desta ordem. 11. Ser avaliado de forma objetiva e imparcial. Qualquer que seja o motivo que tenha levado o periciando a determinado tipo de exame tem ele o direito de ser tratado com respeito e isenção, sem nenhuma avaliação de mérito pelo examinador no que diz respeito aos resultados periciais nem à forma como é conduzida a perícia. 12. Ser examinado sem a presença de policiais. Seja o periciando detento ou presidiário, principalmente quando vítima de tortura, maus-tratos ou tratamento degradante ou cruel, tem ele o direito de ser examinado sem a presença ostensiva dos agentes policiais. 13. Ser tratado com paciência e cortesia. Durante o exame pericial aquele que se submete a ele tem o direito de ser atendido com moderação e respeito, principalmente quando se tratar de menores de idade e vítimas de violência sexual e de torturas. Identificação da vítima A identificação da vítima é sempre necessária mesmo com o reconhecimento de seus familiares ou de terceiros, e por isso se impõe o registro completo de todos os elementos antropológicos, antropométricos e a coleta de material para exame de DNA forense, assim distribuídos: 1. Sistema dactiloscópico. Através da comparação das impressões digitais dos dedos das mãos e dos pés e das regiões palmares das mãos, com seus registros anteriores, principalmente nos casos das vítimas vivas ou mortas recentemente. 2. Métodos odontológicos. Os meios mais utilizados são os de comparação pelas características de cada dente, suas ausências, materiais de restauração, próteses, desgastes, malformações, devendose valorizar bem as radiografias dentárias e dos ossos da face. 3. Meios médicos-forenses. Os médicos legistas devem consignar todos os elementos referentes à identificação por sexo, raça, idade, estatura, tatuagens, sinais individuais, malformações,sinais profissionais, cicatrizes, superposição de imagens, dados radiológicos e pela morfologia e dimensões do pavilhão auricular. 4. Meios antropológicos e antropométricos. No caso de corpos esqueletizados é importante o exame para a identidade da vítima no que diz respeito a sua estatura, sexo, raça, estatura e idade. 5 . Estudo do DNA. Esse é o exame de grande utilidade na identificação de corpos não identificados, em estado de decomposição ou já esqueletizados. Exame clínico em casos de tortura Toda avaliação pericial com fins legais, diante de casos de suspeita de tortura, deve ser realizada de forma objetiva e imparcial, com base nos fundamentos médico-legais e na experiência profissional do perito. O ideal seria que essas perícias fossem feitas não apenas por profissionais imparciais – afinal, como deve ser todo perito –, mas também por pessoas que tenham treinamento nestes tipos de exames, sabendo utilizar-se dos meios semiológicos pertinentes, dos meios complementares específicos a cada caso e dos meios ilustrativos disponíveis. É necessário entender que a investigação da tortura nem sempre é uma tarefa fácil porque, cada vez mais, utilizam-se meios que não deixam marcas visíveis. O exame deve ser feito em um clima de confiança, com paciência e cortesia. Entender que as vítimas de tortura, na maioria das vezes, mostram-se arredias, desconfiadas e abaladas, em face das situações vergonhosas e humilhantes por que tenham passado. Deve-se manter sigilo das confidências relatadas e somente divulgá-las com o consentimento da vítima. Examiná-la com privacidade, jamais na presença de outras pessoas, principalmente de indivíduos que possam ser responsáveis ou coniventes com os maus-tratos. O perito deve ter o consentimento livre e esclarecido do examinado sobre fins e objetivos do exame, e este tem o direito de recusar ser examinado ou limitar o exame. Por outro lado, as vítimas podem escolher o perito ou podem optar pelo sexo masculino ou feminino do examinador. Em casos de estrangeiros, têm também o