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procedimentos apresentados no texto estejam em acordo com os padrões aceitos à época da publicação, e todos os dados foram atualizados pelo autor até a data
da entrega dos originais à editora. Entretanto, tendo em conta a evolução das ciências da saúde, as mudanças regulamentares governamentais e o constante fluxo de
novas informações sobre terapêutica medicamentosa e reações adversas a fármacos, recomendamos enfaticamente que os leitores consultem sempre outras fontes
fidedignas, de modo a se certificarem de que as informações contidas neste livro estão corretas e de que não houve alterações nas dosagens recomendadas ou na
legislação regulamentadora.
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■ Capa: Editorial Saúde
Produção digital: Geethik
■ Ficha catalográfica
F881m
11. ed.
França, Genival Veloso de, 1935M edicina legal / Genival Veloso de França. -- 11. ed. -- Rio de Janeiro : Guanabara Koogan, 2017.
il.
ISBN: 978-85-277-3227-7
1. M edicina legal. I. Título.
17-40847
CDD: 614.1
CDU: 340.6
Dedicatória
À Dercy, minha esposa, e aos nossos filhos,
Fátima, Genival, Cláudia, Marcelo, Adriana e Fernanda, e netos,
com muito amor e ternura.
Nota do Autor
Medicina Legal, agora em sua décima primeira edição – revisada, atualizada e ampliada –, traz
as informações e práticas periciais mais acuradas aos estudantes e operadores das áreas jurídica e
médica, além das adaptações dos diplomas legais recentemente incorporados aos assuntos aqui
tratados.
O projeto fundamental desta obra é contribuir na elaboração das perícias médico-legais
realizadas entre nós, em que os elementos constitutivos do corpo de delito sejam devidamente
realçados no interesse da Justiça como doação irrecusável à verdade material que se quer emprestar
a cada caso estudado. Hoje, a missão da perícia não é apenas “ver e relatar”, traduzida e repetida
pelo velho mantra do visum et repertum. É muito mais. É também discutir, fundamentar e até deduzir,
se preciso for, de modo que a busca da verdade seja feita por um modelo de persuasão mais
ampliado, principalmente quando algumas evidências são indicadoras ou sugestivas da existência de
determinados fatos.
Confirma-se também que a prova médico-legal para alcançar a verdade material deva ser não
apenas por um relato técnico meramente descritivo sobre uma realidade fática, mas que ela esteja
justificada por um processo de fundamentação lógica e racional, voltada para aquilo que se quer
apurar.
O princípio da livre convicção de que dispõe o julgador não se constitui em um critério
alternativo de provas, mas em um princípio metodológico que lhe faculta aceitar ou rejeitar uma
prova e fundamentar sua decisão, ou seja, entender que a convicção pessoal do juiz, por si só, não
prova nada.
Não há como ignorar o valor da prova técnica como o melhor caminho para se obter a verdade;
afinal, sempre que houver dúvida, será sinal de que certamente a prova não foi feita. Para tanto,
exige-se da prova técnica boa qualidade, e do perito, certa disciplina metodológica, na qual se levem
em consideração três requisitos básicos: (a) utilização de técnicas médico-legais cientificamente
reconhecidas e aceitas com a segurança capaz de executar um bom trabalho; (b) emprego de meios
subsidiários necessários e adequados para cada caso, em que se tenha a contribuição irrecusável da
tecnologia pertinente; (c) utilização de um protocolo que inclua a objetividade de roteiros
atualizados e tecnicamente garantidos pela prática legispericial corrente.
Desse modo, é de se esperar que o magistrado decifre corretamente os valores que emergem da
prova sem o vício das interpretações açodadas. O valor racional de uma prova está precisamente no
maior ou menor grau de aceitabilidade das informações ali contidas e que podem contribuir na
avaliação do conflito como um insuprível meio de comprovação. Em suma, se as afirmações ali
contidas podem ser acatadas como verdadeiras.
É também proposta desta obra levar ao estudioso de Direito, no campo da reflexão, os
fundamentos médico-jurídicos necessários para a complementação e o entendimento dos institutos
jurídicos relacionados com as ciências biológicas.
É na esfera doutrinária que a Medicina Legal contribui de forma eloquente no ajuste e no
entendimento dos institutos do direito positivo; e tudo ocorrerá a partir das solicitações mais
concretas que essas formas de direito venham a fazer e da evolução do próprio pensamento médicojurídico. Sem esta contribuição, o Direito emperraria sem poder explicar certos fenômenos ali
expostos e discutidos.
Não é nenhum exagero afirmar que é inconcebível um bom direito e uma boa justiça sem a
contribuição da Medicina Legal, cristalizando-se a ideia de que eles não se limitam ao conhecimento
da lei, dos princípios jurídicos, dos costumes e da jurisprudência. Isto quer dizer que a ciência
médico-legal não tem apenas o caráter prático, informativo, pericial. Além de contribuir nesse
sentido, a Medicina Legal moderna ainda ajusta o pensamento do doutrinador e complementa as
razões do legislador nos fatos de interpretação médica e biológica. Simplesmente “relatar em juízo”
é muito pouco, basta alguma experiência. A Medicina Legal é bem mais uma ordem do pensar do que
do ser.
Genival Veloso de França
Obras Publicadas pelo Autor
• Noções de Jurisprudência Médica, João Pessoa: Editora Universitária, 1972 (1a edição); 197
(2a edição); 1982 (3a edição).
• Flagrantes Médico-Legais (I), João Pessoa: Editora Universitária, 1974.
• Direito Médico, São Paulo: Fundo Editorial BYK, 1975 (1a edição); 1978 (2a edição); 1982 (
edição); 1987 (4a edição); 1992 (5a edição); 1994 (6a edição); 2001 (7a edição); 2003 (8a
edição). Rio de Janeiro: Editora Forense, 2007 (9a edição); 2010 (10a edição); 2013 (11 a
edição); 2014 (12a edição); 2016 (13a edição).
•
Medicina Legal, Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 1977 (1a edição – três
impressões); 1985 (2a edição – duas impressões); 1991 (3a edição – 3 impressões); 1995 (4a
edição – 4 impressões); 1998 (5a edição – 5 impressões); 2001 (6a edição – 4 impressões); 2004
(7a edição – 3 impressões); 2008 (8a edição – 4 impressões); 2011 (9 a edição – 8 impressões);
2015 (10a edição – 2 impressões).
• Flagrantes Médico-Legais (II), Florianópolis: Associação Catarinense de Medicina, 1982.
• Comentários ao Código de Ética Médica, Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 1994 (
edição); 1997 (2a edição); 2000 (3a edição – 2 impressões); 2002 (4a edição); 2006 (5a edição);
2010 (6a edição).
• Flagrantes Médico-Legais (III), João Pessoa: Editora Universitária, 1994.
• Flagrantes Médico-Legais (IV), João Pessoa: Editora Universitária, 1995.
• Pareceres, Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 1996 (2 impressões).
• Comentários ao Código de Processo Ético-Profissional dos Conselhos de Medicina do Bras
Rio de Janeiro: Editora Forense, 2010 (3a edição) (em parceria com Genival Veloso de França
Filho e Roberto Lauro Lana).
• Pareceres (II), Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 1999.
• Erro Médico – Um Enfoque Sobre Suas Causas e Suas Conseqüências, Montes Claros: Edito
Unimontes, 1999 (1a edição); 2000 (2a edição); 2001 (3a edição) (em parceria com Júlio César
Meirelles Gomes e José Geraldo F. Drumond).
• Flagrantes Médico-Legais (V), Recife: Editora da Universidade de Pernambuco, 2001.
• Flagrantes Médico-Legais (VI), Recife: Editora da Universidade de Pernambuco, 2002.
•
Error Médico, Buenos Aires: Editorial B de F Ltda., 2002 (em parceria com Júlio César
Meirelles Gomes e José Geraldo de Freitas Drumond).
• Erro Médico, Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 2002 (4a edição) (em parceria com
Júlio César Meirelles Gomes e José Geraldo de Freitas Drumond).
•
•
•
•
•
•
•
Pareceres (III), Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 2003.
Fundamentos de Medicina Legal, Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 2012 (2a ediçã
Pareceres (IV), Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan S.A., 2006.
Flagrantes Médico-Legais (VII), Recife: Editora da Universidade de Pernambuco, 2004.
Flagrantes Médico-Legais (VIII), Recife: Editora da Universidade de Pernambuco, 2006.
Flagrantes Médico-Legais (IX), Recife: Editora da Universidade de Pernambuco, 2008.
Flagrantes Médico-Legais (X), Recife: Editora da Universidade de Pernambuco, 2010.
Agradecimentos
Pela décima primeira vez quero manifestar meus sinceros agradecimentos à Editora Guanabara
Koogan pela iniciativa de lançamento de uma nova edição de Medicina Legal, amplamente revisada
e ampliada, com cuidadosa adaptação aos textos legais vigentes. Embora mantenha o plano das
anteriores, esta edição aborda de modo mais profundo as técnicas periciais forenses aplicadas aos
interesses da administração da Justiça e ousa um pouco mais ao considerar certos princípios
alicerçadores das Ciências Jurídico-sociais, da Deontologia Médica e da própria Medicina Legal.
Desse modo, pode-se afirmar que, em muitas matérias aqui tratadas, há certas inovações ao que é
tradicionalmente consagrado e, por isso, não passarão despercebidas.
Ao ver mais uma reedição desta obra, acredito que mantenho meu sonho de ajudar a preservar o
prestígio e a tradição da Medicina Legal e estimular aqueles que iniciam nos implicados caminhos
dessa ardente e apaixonante ciência.
Em mais de 40 anos desta obra, não houve mudança em relação aos seus conceitos doutrinários
mais fundamentais; porém, pode-se dizer que, com o surgimento de tantos avanços da ciência e da
técnica, seriam necessários alguns ajustes e complementações.
Esta nova edição manterá o propósito das anteriores; por isso, acredito piamente no seu êxito,
haja vista o profissionalismo e a seriedade com que sempre se pauta a Editora Guanabara Koogan no
seu mister de divulgar matérias das linhas científicas e didáticas, aliados ao bom gosto de sua
apresentação material, o que, sem dúvida, tem sido um fator de valorização deste livro por todos
esses anos.
Genival Veloso de França
Material Suplementar
Este livro conta com o seguinte material suplementar:
■ Decrações, Recomendações e Resoluções de Princípios Médicos.
O acesso ao material suplementar é gratuito. Basta que o leitor se cadastre em nosso site
(www.grupogen.com.br), faça seu login e clique em Ambiente de Aprendizagem, no menu superior
do lado direito.
É rápido e fácil. Caso haja alguma mudança no sistema ou dificuldade de acesso, entre em
contato conosco (sac@grupogen.com.br).
Conteúdo
Capítulo 1 Introdução ao Estudo da Medicina Legal
1.
Medicina Legal: Conceito. Definição. Sinonímia. Relações com as demais ciências
médicas e jurídicas. Noções históricas. Classificação. Importância do estudo da
Medicina Legal. Metodologia de ensino. Situação atual e prospectiva. Medicina Legal
baseada em evidências. Medicina Legal e direitos humanos
Capítulo 2 Perícia Médico-legal
2.
Perícias: Importância da prova; Valor racional da prova; Noções de corpo de delito
Valor do exame realizado por um só perito; Exames para os Juizados Especiais;
Junta Médica; Segunda perícia; Prova pericial e consentimento livre e esclarecido;
Revista corporal no âmbito dos IMLs; Presença dos advogados em locais de
exames; Cadeia de custódia de evidências; Honorários periciais; Perícia – Exposição
oral; Assédio pericial. Peritos: Conceito; Deveres de conduta do perito;
Responsabilidades civil e penal do perito; Direitos dos peritos; Função do médicolegista; Impugnação do perito. Prova de esforço físico em concurso para médicolegista. Direitos do periciando. Assistentes técnicos. Documentos médico-legais:
Notificações, atestados, prontuários, relatórios, pareceres e depoimento oral.
Desvinculação dos IMLs da área de segurança. Modelos de laudos periciais
3.
Outros meios de prova: Confissão; Testemunho; Acareação; Reprodução simulada
na cena dos fatos
4.
Decálogo do perito médico-legal. Decálogo ético do perito
Capítulo 3 Antropologia Médico-legal
5.
Identidade e identificação: Processos utilizados no vivo, no morto e no esqueleto.
Identificação médico-legal: Espécie, Raça, Sexo, Idade, Estatura, Sinais individuais,
Malformações, Sinais profissionais, Biotipo, Tatuagem, Cicatrizes, Identificação
pelos dentes, Palatoscopia, Queiloscopia, Identificação por superposição de
imagens, pelo pavilhão auricular, por radiografias, pela superposição craniofacial
por vídeo, Cadastro de registro de artroplastias, identificação pelo registro da voz.
Impressão digital genética do DNA. Banco de dados com DNA. Bases de dados.
Protocolo para Exame Antropológico Forense
6.
Identificação judiciária: Processos antigos, Assinalamento sucinto, Fotografia
simples, Retrato falado, Sistema antropométrico de Bertillon, Sistema geométrico
de Matheios, Sistema dermográfico de Bentham, Sistema craniográfico de Anfosso,
Sistema otométrico de Frigério, Sistema oftométrico de Capdeville, Sistema
oftalmoscópico de Levinsohn, Sistema radiológico de Levinsohn, Sistema
flebográfico de Tamassia, Sistema flebográfico de Ameuille, Sistema palmar de
Stockes e Wild, Sistema onfalográfico de Bert e Viamay, Sistema poroscópico de
Locard, Fotografia sinalética, Sistema dactiloscópico de Vucetich e Registro inicial
de identificação (recém-nascidos)
Capítulo 4 Traumatologia Médico-legal
7.
Energias de ordem mecânica: Conceito. Lesões produzidas por ações perfurante,
cortante, contundente, perfurocortante, perfurocontundente e cortocontundente
8.
Energias de ordem física: Conceito. Temperatura, pressão atmosférica, eletricidad
radioatividade, luz e som
9.
Energias de ordem química: Conceito. Cáusticos. Venenos. Envenenamento.
Síndrome do body packer. Necropsia dos envenenados. Noções de Toxicologia
Forense: Modelo de laudo toxicológico
10. Energias de ordem físico-química: Conceito. Asfixia em geral: Fisiopatologia e
sintomatologia. Classificação. Asfixia em espécie: Asfixia por confinamento, por
monóxido de carbono e por outros vícios de ambientes, por sufocação: direta e
indireta, asfixia por sufocação posicional, por soterramento, por afogamento, por
enforcamento, por estrangulamento e por esganadura
11. Energias de ordem bioquímica: Conceito. Perturbações alimentares.
Autointoxicações. Infecções. Castração química
12. Energia de ordem biodinâmica: Choque. Síndrome da falência múltipla de órgãos
Coagulação intravascular disseminada. Interessemédico-legal
13. Energias de ordem mista: Conceito. Fadiga. Doenças parasitárias. Sevícias
(Síndrome da criança maltratada. Síndrome da alienação parental. Abandono
familiar inverso. Síndrome de Munchausen. Síndrome de Estocolmo. Bullying.
Síndrome do ancião maltratado. Violência contra a mulher. Tortura). Autolesões
14. Lesões corporais sob o ponto de vista jurídico: A. Dano corporal de natureza pena
Conceito. Legislação. Classificação. Lesões corporais dolosas. Lesões corporais
culposas. Lesões corporais seguidas de morte. Respostas aos quesitos oficiais.
Perícia da dor. Lesões no feto. Perícia. Exame complementar. B. Dano corporal de
natureza cível: Conceito. Legislação. Caracterização do dano. Parâmetros da
avaliação. Recomendações. C. Dano corporal de natureza trabalhista:
Caracterização do dano. Nexo causal. Parâmetros de avaliação. D. Dano corporal de
natureza administrativa: Avaliação do estado de higidez. Licença médica em
tratamento de saúde. Deficiência. Incapacidade. Invalidez. E. Dano corporal de
natureza desportiva: Caracterização do dano. Nexo causal. Parâmetros de
avaliação. F. Avaliação médico-legal do dano psíquico: Caracterização do dano.
Nexo causal. Estado anterior. Estudo da simulação e da metassimulação. Padrões
de avaliação. Modelos de laudos
Capítulo 5 Periclitação da Vida e da Saúde
15. Perigo para a vida ou a saúde: Conceito. Contágios venéreo e de moléstias grave
AIDS. Exposição de perigo à vida ou à saúde: Considerações ético-legais, sobre os
riscos à integridade biológica, sobre os riscos do uso da engenharia genética, sobre
os riscos da medicina preditiva, sobre a violência e danos à saúde pública e sobre o
problema das células-tronco embrionárias. Omissão de socorro. Escusa de
consciência. Perícia
Capítulo 6 Infortunística
16. Infortunística: Conceito. Teoria do risco. Acidentes e doenças profissionais e do
trabalho. Riscos ocupacionais da equipe de saúde. Síndrome do burn-out.
Benefícios. Simulação. Síndrome do túnel do carpo. Perícia. Modelo de parecer
Capítulo 7 Casamento, Separação e Divórcio
17. Aspectos médico-legais do casamento, da separação e do divórcio: Conceito.
Perícia
Capítulo 8 Sexologia Criminal
18. Conceito. Legislação e doutrina. Introdução. Objetivos periciais. Quesitação.
Protocolo para perícia de agressão sexual
19. Crimes contra a liberdade sexual: Estupro. Ato libidinoso diverso da conjunção
carnal. Abuso sexual em crianças. Violação sexual mediante fraude. Assédio sexual
20. Prostituição: Causas. Atitudes do Estado. Abordagem e prevenção. Lenocínio
Capítulo 9 Transtornos Sexuais ed a Identidade Sexual
21. Transtornos da sexualidade: Anafrodisia, Frigidez, Anorgasmia, Erotismo,
Autoerotismo, Erotomania, Frotteurismo, Exibicionismo, Narcisismo, Mixoscopia,
Fetichismo, Travestismo fetichista, Lubricidade senil, Pluralismo, Swapping,
Gerontofilia, Cromoinversão, Etnoinversão, Riparofilia, Dolismo, Donjuanismo,
Travestismo, Andromimetofilia e ginemimetofilia, Urolagnia, Coprofilia, Clismafilia,
Coprolalia, Edipismo, Bestialismo, Onanismo, Vampirismo, Necrofilia, Sadismo,
Masoquismo,
Autoestrangulamento
erótico,
Pigmalianismo
e
Pedofilia.Homossexualidade e Transexualidade. Aspectos médico-legais
Capítulo 10 Gravidez, Parto e Puerpério
22. Gravidez, parto e puerpério: Aspectos médico-legais. Perícia. Direitos e deveres e
Ginecologia e Obstetrícia
23. Reprodução Assistida: Conceito. Aspectos negativos e duvidosos das técnicas de
reprodução assistida. Normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução
assistida
24. Direitos do feto: Estatuto jurídico do nascituro. Intervenções fetais:
responsabilidade profissional, decisão de intervir, avaliação dos riscos, conflitos do
binômio mãe-feto, obtenção de um consentimento esclarecido, conduta materna,
obrigações da sociedade, exames invasivos, adoção pré-natal de embriões
congelados, descarte de embriões. Conclusões
Capítulo 11 Aborto Legal e Aborto Criminoso
25. Aborto legal e aborto criminoso: Introdução. Conceito. Legislação. Tipos de abort
terapêutico, em casos de anencefalia, sentimental, eugênico, social. Tentativas de
legalização do aborto. Clonagem para fins terapêuticos. Meios abortivos.
Complicações. Perícias na viva e na morta. Quesitos. Laudo médico-legal do aborto
(protocolo)
Capítulo 12 Contenção da Natalidade
26. Política antinatalista: A realidade brasileira. Meios antinatalistas abortivos.
Aspectos éticos e jurídicos da contracepção. Por trás do “planejamento familiar”.
Estrutura demográfica | Um assunto político. Estimativas demográficas do Brasil.
Contracepção de urgência. Esterilização humana. Conclusão
Capítulo 13 Infanticídio
27. O crime de infanticídio: Conceito e legislação. Objetivos periciais: determinação d
estado de natimorto, feto nascente, infante nascido e recém-nascido. Provas de
vida extrauterina. Causa jurídica da morte. Estado psíquico da parturiente. Exame
de parto pregresso. O infanticídio indígena no Brasil
Capítulo 14 Investigação de Paternidade e Maternidade
28. Provas médico-legais na investigação de paternidade e maternidade: Provas
médico-legais não genéticas e genéticas. Vínculo genético da filiação pelo DNA.
Conclusão
Capítulo 15 Toxicofilias
29.
Estudo das toxicofilias: Conceito. Tipos de tóxicos. Visão médico-legal. Prescrição
de medicamentos sujeitos a controle especial. Perícia. Testes rápidos para detecção
de drogas
Capítulo 16 Embriaguez Alcoólica
30. Introdução. Embriaguez alcoólica aguda: estudo clínico, fases da embriaguez,
tolerância ao álcool, metabolismo do álcool etílico, pesquisa bioquímica do álcool,
dosagem de álcool no cadáver, avaliação dos resultados. Perícia da embriaguez |
Quesitos. Recusa a submeter-se a exame e formas de embriaguez. Alcoolismo:
manifestações somáticas, perturbações neurológicas, perturbações psíquicas.
Aspectos jurídicos
Capítulo 17 Tanatologia Médico-legal
31. Conceito. Critérios atuais para um diagnóstico de morte. Resolução CFM no
1.480/97
32. Direitos sobre o cadáver: Posse do cadáver. Utilização de órgãos e tecidos. Lei do
transplantes. Necropsias clínicas. Utilização de cadáveres no ensino e na pesquisa
médica. Doação de órgãos de anencéfalos. Gravidez, morte encefálica e uso de
órgãos para transplantes
33. Destinos do cadáver. Atestados de óbito. Quem deve fornecer o atestado de óbit
Serviços de verificação de óbito
34. Causas jurídicas da morte: Homicídio, suicídio e acidente. Aspectos psicossociais
do suicídio. Exame de local de morte
35. Homicídio piedoso (Eutanásia): Introdução. Fundamentos. O paciente que vai
morrer | O direito à verdade. No fim da vida | Um itinerário de cuidados. Aspectos
éticos. Conclusões. Sobrevivência privilegiada. Testamento vital
36. Diagnóstico da realidade da morte. Conceito. Fenômenos abióticos avitais ou vita
negativos. Fenômenos transformativos
37. Estimativa do tempo de morte: Esfriamento do cadáver. Livores de hipóstase.
Rigidez cadavérica. Gases da putrefação. Perda de peso. Mancha verde abdominal.
Cristais no sangue putrefeito. Crioscopia do sangue. Crescimento dos pelos da
barba. Conteúdo estomacal. Conteúdo vesical. Fundo de olho. Líquido
cefalorraquidiano. Estimativa do tempo de morte pela restauração da pressão
intraocular. Concentração pós-mortal do potássio no humor vítreo. Fenômenos da
sobrevivência. Fauna cadavérica. Flora cadavérica. Calendário da morte
38. Morte súbita, morte agônica e sobrevivência. Lesões in vitam e post mortem.
Comoriência e premoriência. Morte por inibição vagal. Morte súbita do lactente.
Morte súbita em desportos. Morte de causa suspeita. Lesões produzidas em
reanimação cardiopulmonar
39. Necropsia médico-legal: Finalidade e obrigatoriedade nas mortes violentas.
Necropsia e controle de qualidade. Erros mais comuns nas necropsias médicolegais. Instrumental mínimo. Técnica. Exame das vestes. Modelo de um auto de
exame cadavérico. Morte coletiva e catastrófica. Radiologia do cadáver. “Necropsia
branca.” Necropsia molecular. Exames em partes do cadáver. Necropsia em casos
de execução sumária. Necropsia em casos de morte sob custódia. Virtopsia
40. Exumação: Finalidade e técnica. Modelo de um auto de exumação e
reconhecimento. Necropsia pós-exumação
41. Embalsamamento: Técnicas. Processos. Ata
Capítulo 18 Imputabilidade Penal e Capacidade Civil
42. Limites e modificadores biopsicossociais da imputabilidade penal e da capacidade
civil: Conceito. Limites e modificadores: Raça. Idade. Sexo. Agonia. Surdimutismo.
Hipnotismo. Temperamento. Cegueira. Prodigalidade. Civilização. Estados emotivos.
Reincidência. Associação. Síndrome XYY. Hereditariedade. Vitimologia. Epilepsias.
Retardo mental. Transtornos mentais e de comportamento: Esquizofrenias.
Transtornos bipolares do humor ou transtornos afetivos. Transtornos delirantes.
Transtornos de personalidade. Transtornos de personalidade borderline.
Transtornos do controle dos impulsos. Transtornos mentais orgânicos. Simulação.
Medida de segurança. Modelos de laudo psiquiátrico
Capítulo 19 Deontologia Médica
43. Deontologia Médica: Fundamentos. O pensamento Hipocrático. Direito versus
Medicina. O consentimento do paciente. A velha e a nova ética médica. O Código de
Ética Médica vigente. Fundamentos de um Código de Ética. A ética, a greve e os
institutos médico-legais. Os novos direitos dos pacientes
44. Exercício legal e exercício ilegal da Medicina: Introdução. Exercício legal. Conselh
de Medicina. Exame de qualificação de médico recém-formado. Médico estrangeiro
domiciliado na fronteira. Inscrição de médico estrangeiro asilado. Inscrição de
médicos deficientes. Revalidação do diploma médico. Inscrição de médico
intercambista. Suspensão do registro por doença incapacitante. Interdição cautelar.
Os limites do ato médico. Exercício ilegal. Exercício ilícito. Charlatanismo.
Curandeirismo. Anotações de penalidades na carteira profissional do médico infrator
45. Segredo médico: Introdução. Escolas doutrinárias. Quando se diz que houve
infração. Quando se diz que não houve quebra do sigilo. Situações especiais.
Conclusões
46. Honorários médicos: Introdução. Mercantilismo. Critérios de avaliação. Aspectos
legais. Cobrança judicial. Honorários periciais. Prescrição. De quem cobrar. De
quem não cobrar. Situações especiais
47. Responsabilidade médica: Aspectos atuais. Antecedentes. Conceito geral. Aspecto
jurídicos. Responsabilidade profissional. Mau resultado. Deveres de conduta do
médico. Responsabilidade criminal do médico. Erro médico: Imprudência,
negligência e imperícia. Responsabilidade civil do médico. Consentimento versus
responsabilidade. Natureza do contrato médico. Socialização dos riscos e danos
médicos. Responsabilidade civil das instituições de saúde. Deveres de conduta das
entidades prestadoras de serviços médicos. Responsabilidade solidária.
Responsabilidade funcional do estudante. Responsabilidade trabalhista e residência
médica. Responsabilidade médica derivada. Responsabilidade médica no erro por
falta da coisa. Ato médico | Obrigação de meio ou de resultado? Responsabilidade
do paciente ou de terceiros. Prevenção de risco de erro médico. Mediação,
conciliação e arbitragem médica e de saúde. A perícia do erro médico. Prescrição
penal e prescrição civil. Erro médico: O que fazer? Alta hospitalar. Presença de
acompanhantes na sala cirúrgica
Capítulo 20 Diceologia Médica
48. Direitos civis do médico: Direitos ao exercício da profissão, aos honorários, ao
tratamento arbitrário, à quebra do sigilo, à guarda do prontuário, à publicidade, a
informações, direito de atendimento a parentes e às comendas
49. Direitos administrativos do médico: Conceito de servidor público. Vencimentos e
remuneração. Estabilidade. Licenças. Concessões. Aposentadoria. Acumulação de
cargos. Férias. Insalubridade. Auxílio-natalidade. Salário-família. Pensão. Auxíliofuneral. Auxílio-reclusão
50. Direitos trabalhistas do médico: O médico como empregador. O médico como
empregado
51. Direitos previdenciários do médico: Introdução. Benefícios
52. Direitos no Código de Ética Médica
Apêndice
1.
2.
Conselhos de Medicina
Código de Ética Médica. Aprovado pela Resolução CFM no 1.931/2009 (Publicada n
D.O.U. de 24 de setembro de 2009, Seção I, p. 90) (Retificação publicada n o D.O.U.
de 13 de outubro de 2009, Seção I,p. 17)
3.
Código de Ética e Disciplina da OAB. (Aprovado pela Resolução no 2, de 19 de
outubro de 2015 do Conselho Federal da OAB, em conformidade com a Lei n o
8.906/94)
4.
Código de Ética do Perito Criminal
1
Introdução ao Estudo da Medicina Legal
1. Medicina Legal: Conceito. Definição. Sinonímia. Relações com as demais ciências
médicas e jurídicas. Noções históricas. Classificação. Importância do estudo da Medicina
Legal. Metodologia de ensino. Situação atual e prospectiva. Medicina Legal baseada em
evidências. Medicina Legal e direitos humanos.
CONCEITO
A Medicina Legal é uma ciência de largas proporções e de extraordinária importância no
conjunto dos interesses da coletividade, porque ela existe e se exercita cada vez mais em razão das
necessidades da ordem pública e do equilíbrio social.
Não chega a ser propriamente uma especialidade médica, pois aplica o conhecimento dos
diversos ramos da Medicina às solicitações do Direito. Mas, pode-se dizer, que é Ciência, Técnica e
Arte ao mesmo tempo. É Ciência porque sistematiza seus métodos para um objetivo determinado,
exclusivamente seu, sem com isso formar uma consciência restrita nem uma tendência especializada,
daí exigir uma cultura maior e conhecimentos mais abrangentes do que em qualquer outro campo da
Medicina. É inquestionavelmente Ciência pois ela interpreta e justifica seu pensamento seguindo as
exigências dos princípios da Filosofia da Ciência estabelecidos desde Aristóteles. Ela é Ciência
mesmo sem as exigências do necessário. A Medicina Legal não é apenas um saber técnico: ela se
insere em um corpo de doutrina e conhecimentos que transcende o campo puramente médico.
Não há como deixar de incluir o agir médico-legal no rol das Ciências, mesmo sem um grau de
certeza absoluta. Seus laudos estão de acordo com os cânones rigorosos da Filosofia das Ciências.
Basta ler os enunciados de Aristóteles ao expor os fundamentos do pensamento científico. Seus
fundamentos, seus temas e, sobretudo, sua doutrina é Ciência de acordo com aqueles critérios. E,
finalmente, é Ciência porque seu conhecimento é especialmente testado e obtido por meio do método
científico.
O ato médico-legal é Técnica porque utiliza métodos sofisticados em busca da verdade, tendo-se
sempre o cuidado de usá-la no seu tempo certo: sem sua tirania e sem seu monopólio na construção
do pensamento. Sem seu caráter de dominação e de hegemonia que subestima a inteligência. Ninguém
discute que a tecnologia constitui, na atualidade, a principal força produtiva da sociedade. Nem
pode-se deixar de reconhecer que a não tecnologia é uma atitude de lesa-humanidade. A tecnologia
exige um conhecimento do por quê e do como seus objetivos são alcançados, não sendo apenas um
conjunto de habilidades e competências que se admitem como eficazes na busca de melhorar uma
prática de viver. Não é ético limitar o conhecimento humano. Mas, cabe à inteligência, disciplinar
seu uso e direcionar seus resultados.
E é Arte também porque, mesmo aplicando técnicas e métodos muito exatos e sofisticados em
busca de uma verdade reclamada, exige qualidades instintivas para demonstrar de forma
significativa, por exemplo, a sequência lógica do resultado dramático da lesão violenta. Tudo isso
sujeitado à ciência – uma arte forçosamente científica. Aqui não se pode dizer que seja uma arte
voltada para a produção de efeitos estéticos, nem para a manifestação fantástica e ilusória a que o
virtuosismo espiritual aspira e promove, mas uma arte estritamente objetiva e racional, capaz de
colocar o analista dos fatos diante de uma concepção precisa e coerente. A Arte neste sentido é
inserir na descrição do laudo o devido entendimento que se deve ter de sua leitura a partir da exata
compreensão do fato analisado. Como dizia Alves de Menezes: “tem-se de construir sua frase como
se não estivesse escrevendo, mas fotografando.” E mais: “a arte que serve a uma perícia é, portanto,
aquela em que a dialética está a serviço exclusivo de uma realidade, sem quaisquer artifícios
emergidos das divagações estéticas.” O ato médico-pericial, desse modo, é um exercício de arte
científica.
O fazer da Medicina Legal é técnico e científico a exigir recursos e práticas, mas a montagem da
diagnose é puramente arte. Como ciência experimental ela é um saber dedutivo, e não indutivo: tem
uma conclusão empírica, nunca completa, e, às vezes, suas conclusões são prováveis. Mesmo assim,
aqui o provável nunca é uma abstração, mas aquilo que se situa entre o possível e o real: a chamada
“probabilidade objetiva”. A Medicina Legal é bem mais uma ordem do pensar do que do ser.
Hoje, mais do que nunca, a Medicina Legal se apresenta como uma contribuição da mais alta
valia e de proveito irrecusável. É uma disciplina de amplas possibilidades e de profunda dimensão
pelo fato de não se resumir apenas ao estudo da ciência hipocrática, mas de se constituir da soma de
todas as especialidades médicas acrescidas de fragmentos de outras ciências acessórias, destacandose entre elas a ciência do Direito.
Além do conhecimento da Medicina e do Direito, exige-se o concurso de outras ciências afins e
da tecnologia para se firmar com mais precisão o resultado desejado, esclarecer coerentemente o
raciocínio e exercer com facilidade a dialética.
Hélio Gomes asseverava que “não basta um médico ser simplesmente um médico para que se
julgue apto a realizar perícias, como não basta a um médico ser simplesmente médico para que faça
intervenções cirúrgicas. São necessários estudos mais acurados, treino adequado, aquisição
paulatina da técnica e da disciplina. Nenhum médico, embora eminente, está apto a ser perito pelo
simples fato de ser médico. É-lhe indispensável educação médico-legal, conhecimento da legislação
que rege a matéria, noção clara da maneira como deverá responder aos quesitos, prática na redação
dos laudos periciais. Sem esses conhecimentos puramente médico-legais, toda a sua sabedoria será
improfícua e perigosa”.
Tourdes chegou a afirmar que “os médicos resolvem as questões, e os juízes decidem as
soluções” e que “sua importância resulta da própria gravidade dos interesses que lhes são confiados,
não sendo exagerado dizer que a honra, a liberdade e até a vida dos cidadãos podem depender de
suas decisões”. Hélio Gomes ainda sentenciava que “o laudo pericial, muitas vezes, é o prefácio de
uma sentença”. A missão do perito, portanto, é a de um verdadeiro juiz de fato.
A Medicina Legal não se preocupa apenas com o indivíduo enquanto vivo. Alcança-o ainda
quando ovo e pode vasculhá-lo muitos anos depois na escuridão da sepultura. É muito mais uma
ciência social do que propriamente um capítulo da Medicina, devido à sua preocupação no estudo
das mais diversas formas da convivência humana e do bem comum.
Seus cultores quase não servem mais à Medicina. São servidores da Justiça e do Direito. Por
isso, formam, hoje em dia, uma verdadeira “magistratura médico-social”, em que prestam relevantes
serviços à comunidade.
Uma criança trocada em uma maternidade, um pai que nega a paternidade, um casamento
malsucedido por doença grave e incurável, um acidente de trabalho ou uma doença profissional têm
nesta ciência uma ajuda indispensável. Do mesmo modo, uma marca de dentada, um fio de cabelo,
um dente cariado ou restaurado, uma impressão digital, uma mancha de sangue ou pequenos
fragmentos de pele sob as unhas de um suspeito, que à primeira vista não mostram nenhuma
importância, são subsídios por si sós capazes de ajudar a desvendar o mais misterioso e indecifrável
crime.
Pelo visto, a Medicina Legal é uma disciplina eminentemente jurídica, mesmo que ela tenha
muitos dos seus subsídios trazidos da Medicina e das outras ciências biológicas e da tecnologia. Ela
é uma disciplina jurídica porque foi criada e subsiste em face da existência e das necessidades do
Direito. E muito se realçará à medida que mais valorizem e mais exijam as ciências jurídico-sociais.
Por outro lado, não há caminho mais espinhoso do que o trilhado pelos obstinados dessa ciência.
Não há vocação maior do que a inclinação às perícias médico-forenses, em que a rocha, muitas
vezes, é cavada com as próprias mãos. Não há tarefa mais discreta, pois seus resultados se perdem
no anonimato e no silêncio, pois que deles tomam conhecimento apenas as autoridades policialjudiciárias.
É uma ciência curiosa, vivaz, apaixonante e, por vezes, espetacular, que cativa e seduz aqueles
que por ela começam a se interessar.
DEFINIÇÃO
As inúmeras relações com outras ciências e o seu extenso raio de atividade tornam a Medicina
Legal difícil de ser definida com precisão. Em geral, cada definidor conceitua esta ciência, levando
em consideração sua forma de atuação, como entende sua prática, sua contribuição e sua importância
diante dos justos e elevados reclamos da sociedade.
Ambroise Paré a definiu como “a arte de fazer relatórios em juízo”, e Foderé como “a arte de
aplicar os conhecimentos e os preceitos dos diversos ramos principais e acessórios da Medicina à
composição das leis e às diversas questões de direito, para iluminá-los e interpretá-los
convenientemente”.
Há outros conceitos dados à Medicina Legal, como:
“É a Medicina considerada em suas relações com a existência das leis e a administração da
Justiça” (Adelon).
“A aplicação dos conhecimentos médicos nos casos de procedimento civil e criminal que possam
ilustrar” (Marc).
“É a ciência do médico aplicada aos fins da ciência do Direito” (Buchner).
“O conjunto de conhecimentos físicos e médicos próprios a esclarecer os magistrados na solução
de muitas questões concernentes à administração da Justiça e dirigir os magistrados na elaboração de
um certo número de leis” (Orfila).
“A arte de periciar os efeitos das ciências médicas para auxiliar a legislação e a administração
da Justiça” (Casper).
“A aplicação do conhecimento médico-cirúrgico à legislação” (Peyró e Rodrigo).
“A expressão das relações que as ciências médicas e naturais podem ter com a Justiça e a
Legislação” (Dambre).
“A ciência que ensina os modos e os princípios como os conhecimentos naturais, adquiridos pela
experiência, aplicam-se praticamente e conforme as leis existentes para auxiliar a Justiça e descobrir
a verdade” (Schermeyer).
“Constitui-se em ciência e arte que tem por objetivo a investigação de fatos médicos e biológicos
empregando recursos atualizados disponíveis em todas as áreas do conhecimento técnico e
científico” (Francisco Moraes Silva).
“O conjunto de princípios científicos necessários para esclarecer os problemas biológicos
humanos em relação com o Direito” (Samuel Gajardo).
“A arte de pôr os conceitos médicos ao serviço da administração da Justiça” (Lacassagne).
“A aplicação das ciências médicas ao estudo e solução de todas as questões especiais, que
podem suscitar a instituição das leis e a ação da Justiça” (Legrand du Saule).
“O conjunto sistemático de todos os conhecimentos físicos e médicos que podem dirigir as
diversas ordens de magistrados na aplicação e composição das leis” (Prunelle).
“A arte de aplicar os documentos que nos proporcionam as ciências físicas e médicas à
confecção de certas leis, ao conhecimento e à interpretação de certos feitos em matéria judicial”
(Divergie).
“A ciência que emprega o princípio das ciências naturais e da medicina para elucidar e resolver
algumas das questões compreendidas na jurisprudência civil, criminal, administrativa e canônica”
(Ferrer y Garcés).
“O ramo da medicina que reúne todos os conhecimentos médicos que podem ajudar a
administração da Justiça” (Vargas Alvarado).
“O conjunto de conhecimentos médicos e biológicos necessários para a resolução dos problemas
que apresenta o Direito, tanto em sua aplicação prática das leis como em seu aperfeiçoamento e
evolução” (Calabuig).
“A resposta ou solução da medicina aos problemas do Direito ou da Lei” (Teke).
“Um conjunto de vários conhecimentos científicos, principalmente médicos e físicos, cujo objeto
é dar devido valor e significação genuína a certos feitos judiciais e contribuir na formação de certas
leis” (Mata).
“A medicina considerada em suas relações com o Direito Civil, Criminal e Administrativo”
(Briand e Chaudé).
“O estudo do homem são ou doente, vivo ou morto, somente naquilo que possa formar assunto de
questão forense” (de Crecchio).
“Um método de dar testemunho, na Justiça, nos casos de feridos aos médicos” (Baptiste
Condronchi).
“A ciência que ensina a aplicação de todos os ramos da Medicina aos fins da Lei, tendo por
limites, de um lado, os quesitos legais e, de outro, a ordem interna da Medicina” (Taylor).
“A aplicação dos conhecimentos médicos aos problemas judiciais” (Nerio Rojas).
“Uma disciplina que utiliza a totalidade das ciências médicas para dar respostas a questões
judiciais” (Bonnet).
“A aplicação dos conhecimentos médicos às questões que concernem aos direitos e deveres dos
homens reunidos em sociedade” (Tourdes).
“O ramo das ciências médicas que se ocupa em elucidar as questões da administração da justiça
civil e criminal que podem resolver-se somente à luz dos conhecimentos médicos” (Hoffmann).
“A parte da jurisprudência médica que tem por objeto o estabelecimento das regras que dirigem a
conduta do médico, como perito, e na forma que lhe cumpre dar às suas declarações verbais ou
escritas” (Souza Lima).
“O conjunto de conhecimentos médicos e paramédicos destinados a servir ao Direito,
cooperando na elaboração, auxiliando na interpretação e colaborando na execução dos dispositivos
legais, no seu campo de ação de medicina aplicada” (Hélio Gomes).
“A aplicação de conhecimentos científicos dos misteres da Justiça” (Afrânio Peixoto).
“A aplicação dos conhecimentos médicos ao serviço da Justiça e à elaboração das leis
correlativas” (Tanner de Abreu).
“Um ramo das ciências jurídicas que estuda os princípios biológicos e físico-químicos enquanto
o servem à edição e à aplicação das Leis” (Mac Iver).
“A disciplina que efetua o estudo teórico e prático dos conhecimentos médicos e biológicos
necessários para a resolução dos problemas jurídicos, administrativos, canônicos ou militares, com
utilitária aplicação propedêutica a estas questões” (Basile e Waisman).
“A aplicação dos conhecimentos médico-biológicos na elaboração e execução das leis que deles
carecem” (Flamínio Fávero).
Em suma, a Medicina Legal é a contribuição da medicina, e da tecnologia e outras ciências afins,
às questões do Direito na elaboração das leis, na administração judiciária e na consolidação da
doutrina.
SINONÍMIA
A Medicina Legal tem recebido denominações várias, cada qual revelando as diversas
tendências com que ela tem sido encarada em sua finalidade e em sua conceituação.
Assim, temos: Medicina Legalis Forensis (A. Paré); Relationes Medicorum (F. Fidelis);
Questiones Medico Legalis (P. Zacchias); Medicina Crítica (Amman); Schola Juris Consultorum
Medica (Reinesius); Corpus Juris Medica Legale (Valentini); Jurisprudência Médica (Alberti);
Antropologia Forensis (Hebenstreit); Bioscopia Forensis (Meyer); Medicina Legal Judicial
(Prunelle); Medicina Política (Marc); Medicina Forense (Sydney Smith); Medicina Judiciária
(Lacassagne).
Mesmo considerando-se, na maioria das vezes, Medicina Legal como sinônimo de Medicina
Forense e de Medicina Judicial, é evidente que estas duas últimas expressões são mais ajustadas às
atividades das instituições de perícias junto à administração dos tribunais, enquanto Medicina Legal
tem, pela maior extensão e abrangência, uma contribuição que vai mais além, inclusive com sua
contribuição legislativa, doutrinária e filosófica, advinda principalmente do ambiente universitário.
Certamente por isso Medicina Legal é a denominação mais aceita. O uso a consagrou não como a
mais correta, mas como a menos imperfeita.
Para nós, melhor seria chamá-la de Medicina Política e Social, devido à suas múltiplas
intimidades nos relacionamentos social e político do homem e por não ser apenas a “medicina da
lei”.
RELAÇÕES COM AS DEMAIS CIÊNCIAS MÉDICAS E
JURÍDICAS
A Medicina Legal relaciona-se, especificamente, no campo da Medicina, com a Patologia,
Psiquiatria, Traumatologia, Neurologia, Radiologia, Anatomia e Fisiologia Patológicas, com a
Microbiologia e Parasitologia, Obstetrícia e Ginecologia e, finalmente, com todas as especialidades
médicas.
Com as Ciências Jurídicas e Sociais, a Medicina Legal empresta sua colaboração ao estudo do
Direito Penal nos problemas relacionados com lesões corporais, aborto legal e aborto criminoso;
infanticídio, homicídio e crimes contra a liberdade sexual. Com o Direito Civil, nas questões de
paternidade, nulibilidade de casamento, testamento, início da personalidade e direito do nascituro.
Com o Direito Administrativo, quando avalia as condições dos funcionários públicos, no ingresso,
nos afastamentos e aposentadorias.
Com o Direito Processual Civil e Penal, quando estuda a psicologia da testemunha, da confissão,
do delinquente e da vítima. Com a Lei das Contravenções Penais, ao tratar dos anúncios dos meios
abortivos, da omissão de comunicação de crime no exercício da Medicina, da inumação e exumação
com infrações das disposições legais, e da embriaguez.
Contribui com o Direito Trabalhista no estudo das doenças do trabalho, das doenças
profissionais, do acidente do trabalho, com a prevenção de acidentes, com a insalubridade e a
higiene do trabalho. Com o Direito Penitenciário, ao tratar dos aspectos problemáticos da
sexualidade nas prisões e da psicologia do encarcerado com vistas ao livramento condicional. Com
o Direito Ambiental, quando se envolve nas questões ligadas às condições de vida satisfatórias em
um ambiente saudável, seja nos locais de trabalho, seja fora deles. E também com o Direito
Administrativo, quando se presta aos interesses da administração pública no sentido de apreciar as
admissões, licenças, aposentadorias e invalidezes dos servidores públicos.
Com o Direito dos Desportos, analisando detidamente as mais diversas formas de lesões
culposas ou dolosas verificadas nas disputas desportivas e no aspecto do “doping”, principalmente
nos chamados desportos de competição. Com o Direito Internacional Público, ao considerar as
razões médico-legais implicadas nos tratados dos quais nosso país é signatário no concerto das
nações. Com o Direito Internacional Privado, ao decidir as questões civis relacionadas com o
estrangeiro no Brasil. Com o Direito Comercial, não apenas nas perícias dos bens de consumo, mas
ao atribuir as condições de maturidade para a plena capacidade civil dos economicamente
independentes. E com o Direito Canônico, no que se refere, entre outras coisas, à anulação de
casamento em que a perícia de conjunção carnal pode resultar fundamental na apreciação do
processo pelo Tribunal da Santa Rota.
Assim, a Medicina Legal tem um extenso raio de atividades nos diversos ramos do Direito.
Ainda se relaciona com a História Natural no estudo da Antropologia e da Genética, nos problemas
da identidade e da identificação, e no estudo da Entomologia, no processo de determinação do tempo
de morte pela fauna cadavérica.
Relaciona-se a Medicina Legal com a Química, a Física, a Toxicologia, a Balística, a
Dactiloscopia e a Documentoscopia. Com a Sociologia, a Economia e a Demografia, no estudo do
desenvolvimento e nos aspectos da natalidade. Com a Filosofia, a Estatística, a Informática e a
Ecologia.
NOÇÕES HISTÓRICAS
No exterior
Embora os fatos comprovem a participação médica em seus processos judiciais, os antigos não
conheceram a Medicina Legal no sentido mais específico e mais moderno como ciência.
Numa Pompílio, em Roma, segundo se crê, ordenou o exame médico na morte das grávidas.
Adriano e Justiniano utilizaram-se dos conhecimentos médicos de então para esclarecer alguns fatos
de interesse da Justiça.
Segundo os relatos de Suetônio, o médico Antístio examinou o cadáver de Júlio César e
determinou que, dos muitos ferimentos recebidos, apenas um foi mortal.
Somente com a legislação canônica, em 1209, por um decreto de Inocêncio III, iniciou-se a
perícia médica quando os profissionais da medicina eram convidados a visitar os feridos que
estivessem à disposição dos tribunais.
Gregório IX, em 1234, emDecretales, sob o título Peritorum indicio medicorum, exigia como
requisito indispensável a opinião médica para distinguir, entre várias lesões, aquela cujo resultado
era especificamente mortal, e, sob o título De probatione, colocava a nulidade de casamento ao
exame da mulher cujo resultado coincidia com a não consumação da conjunção carnal.
Lazaretti afirma que o início da Medicina Legal prática foi na Itália, em 1525, com o Edito della
Gran Carta della Vicaria di Napoli.
Foi no século XVI que a Medicina Legal teve sua marcada contribuição depois da publicação, em
1532, da Constitutio Criminalis Carolina, em que era exigida a presença dos peritos nos diversos
tipos de delito, embora as necropsias forenses tivessem sido realizadas muito antes. Em 1521,
quando o Papa Leão X morreu com suspeita de envenenamento, seu corpo foi necropsiado.
Em 1575, Ambroise Paré lançava o primeiro tratado sobre Medicina Legal, intitulado Des
Rapports et des Moyens d‘Embaumer les Corps Morts, no qual tratava não apenas da técnica de
embalsamamento do cadáver, mas ainda da gravidade das feridas, de algumas formas de asfixia, do
diagnóstico da virgindade e de outras questões do mesmo interesse.
Por isso, atribui-se a Ambroise Paré a paternidade da Medicina Legal.
Foi, no entanto, Fortunatus Fidelis, de Palermo, em 1602, quem lançou o primeiro tratado sobre o
assunto, de forma mais completa e detalhada, sob o título De Relatoribus Libri Quator in Quibis ea
Omnia quae in Forensibus ae Publicis Causis Medici Preferre Solent Plenissime Traduntur.
Surgiu, nessa mesma época, outra obra, intitulada Questiones Medico Legales Opus Jurisperitis
Maxime Necessarium Medicis Perutile, de Paolo Zacchias, que, para alguns, é o verdadeiro pai da
Medicina Legal.
O século XVIII foi marcado por grande progresso, e, precisamente em 1722, na Alemanha, surge
Herman Teichmeyer com seu notável trabalho Institutiones Medicinae Legalis vel Forensis. Mais
tarde, Carlos Liman, Albert Ponsold, Fritz Strassmann, Richard von Kraft Ebing e Johan Ludwig
Casper. Agora, Wolfgang Reimann, Manfred Oehmichen e Otto Prokop. Foi na Alemanha que surgiu
a primeira Revista especializada em Medicina Legal em 1821, com o título Zeitschrift für
Staartzheikunde.
Na França, Mathieu Joseph Bonaventure Orfila cria, em 1821, a Toxicologia Forense. Guillaume
Alphonse Divergie empresta uma dimensão nova à prática da Medicina Legal. Philippe Pinel, Jean
Etienne Dominique e Esquirol estruturam a Psiquiatria Forense. Ambroise Auguste Tardieu reformula
velhos conceitos e começa a organizar uma Medicina Legal mais objetiva. Paul Camille Hippolyte
Brouardell imprime características científicas às ciências médico-legais. Seguem a luta pela
redenção da especialidade: Alexander Lacassagne, Jean Bonoit Foderé, Etienne Rollet, Leon Henri
Thoinot, Legrand du Saulle, Joseph Victor Ernest Chaudé, Victor Balthazard, Etienne Martin,
Edmond Locard e mais recentemente Leopoldo Camille Simonin, Louis Roche e Etienne Fournier.
Orfila e Tardieu criaram a segunda Revista de Medicina Legal em 1829, sob o título de Anuals
d’Hygiene Publique et de Medicine Légale.
Joseph Bernt, em 1818, em Viena, cria o primeiro Instituto Médico-Legal e, juntamente com
Eduard von Hoffmann, Albin Haberda e Arnold Paltauf, desenvolve magistralmente esta ciência.
Na Inglaterra, mesmo com os esforços de John Gordon Smith, Sidney Alfred Smith, Bernard
Spilsbury e Harvey Littlejohn, a Medicina Legal cai no descrédito. Criam-se oscoroners – peritos
leigos eleitos pela comunidade. Mais recentemente John Cyril Polson, Keith Simpson, David
Osselton e Bernard Knigth.
Na Itália, surgem, em uma fase áurea, Angiolo Fillipi, Cesare Lombroso, Vincenso Mario
Palmieri, Mario Carrara e Enrique Ferri. Mais recentemente, Cesare Gerin e Luigi Macchiarelli.
Na Espanha surgem nomes como Pedro Mata (criador da primeira cátedra de Medicina Legal e
do Corpo de Médicos Forenses), Lecha Marzo e Antonio Piga Pascual. Hoje, este país está entre os
que desenvolvem uma boa Medicina Legal, graças a mestres como Enrique Villanueva Cañadas, José
Antonio Sanchez y Sanchez, Emilia Lopes Lachica, Luis Concheiro Carro, Cesar Parabia Fernandez
Jacinto Corbella Corbella, Leopoldo Lopez Gomez, Angel Carracedo Álvarez, Maria Castellano
Arroyo, Ricardo de Angel Yáguez, Joan Carol Joval, Maria Gisbert Grifo, Fernando Alejo Verdú
Pascoal, Aurora Valenzuela Garach, José Luiz Palanco, Antonio Pla Martinez, Aurélio Luna
Maldonado, Emílio Huguet Ramia, Maria Dolores Garcia Garcia, Eduardo Murcia Sáiz, Miguel
Lorente Acosta, Claudio Hernandez Cueto e, o mais notável deles, recém-falecido, Juan Antonio
Gisbert Calabuig.
Na Grécia chegam notícias apenas de Allex Pallis e Constantin Eliakis, e do primeiro professor
de Medicina Legal da Faculdade de Medicina da Ilha de Corfu, Constantin, Vivitzianos, em 1808.
A Rússia, a partir de 1858, começa a desenvolver a Medicina Legal com Sergei Gromov, S. G.
Gueorguieff e N. S. Bokarius, além dos brilhantíssimos Dragendorf e Pirogoff.
Em Portugal, no passado, destacaram-se José Joaquim da Silva Amado, Juan Alberto Pereira de
Azevedo Neves, Almeida Ribeiro, Asdrubal Antonio de Aguiar, Luiz Augusto Duarte Santos,
Fernando de Almeida Ribeiro e Fernando Manuel Oliveira de Sá. Atualmente, destacam-se Duarte
Nuno Pessoa Vieira, José Eduardo Lima Pinto da Costa, Lesseps José Antonio Lourenço Reys,
Francisco Manuel Andrade Corte-Real Gonçalves, Ascenção Rebelo, Rita Duarte, Tereza Maria
Salgado Magalhães e Jorge Costa Santos.
Na Argentina, o ensino da Medicina Legal teve início em 1852 com a organização provisória da
Faculdade de Medicina de Buenos Aires, sendo Nicanor Albarellos seu primeiro professor. De lá
para cá, surgiram os mestres Eduardo Wilde, Francisco Xavier de la Concepción Muñiz, Eduardo
Perez, Horacio San Martin, Eduardo Puyol, Francisco de Veyga, José Ingenieros, Domingos Sáenz
Cavia, Nerio Rojas, Juan Ramón Beltran, Luiz Felipe Cia, José Balbey, Emilio Frederico Pablo
Bonnet, Alejandro Antonio Basile, Victor Poggi, Mariano Castex, Alfredo Achával, Luis Alberto
Kvitko, Julio Alberto Ravioli, José Ángel Patitó, Oscar Augustin, Ignácio Lossetti, Fernando Claudio
Trezza, Celminia Gusmán, Carlos Fernandez Dri e Oscar Gervasio Sanchez. No interior do país,
destacam-se Juan Bialet Massé, Gregorio Bermann, Ariosto Licurzi, Mário Germán Vignolo, Carlos
Alberto Bergese, Emilio Mercado e Victor Alberto Cinelli, em Córdoba; Miguel Garcia Oliveira,
Juan José Miorano e Miguel Angelo Maldonado, em La Plata; Raymundo Bosch, León Levit, Victor
Augustin José Frigieri, Osvaldo Luiz Avaro, Oscar Sanchez e Leon Julio Lencioni, em Rosário;
Pedro Jesus Diaz Colodrero, Rouben Rovner e Alberto José Viturro, em Corrientes; Alberto
Semorille, José M. Solá y Paz e Carlos Poquet, em Mendoza; Alberto Daniel e Isaac Freidenberg, em
Tucumán.
Na Bolívia, destacam-se Rolando Costa Ardúz e Saul Pantoja Vacaflor (La Paz), Manoel Michel
Huertas e Jorge Nunes de Arco (Sucre) e Raul Paz Roldan (Cochabamba).
No Chile, a primeira Faculdade de Medicina foi criada em Santiago, sendo seu professor inicial
de Medicina Legal Guillermo Blest. Foram sucedendo-o Juan Miquel, Vicente Padim, Pablo Zorilla,
Frederico Puga Borne, Gregorio Amunategui, Carlos Ibar de la Serra, Alberto Benitez, Jaime Vidal
Oltra, Alfredo Vargas Baeza, Alberto Teke Achilicht e, atualmente, Luis Ciocca Gómez. E da
Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade do Chile os mestres Samuel Gajardo e
Luis Cousiño Mc Iver.
A Colômbia teve sua primeira Faculdade de Medicina em 1833 na cidade de Bogotá, sendo seu
titular de Medicina Legal Felix Merizalde, vindo depois dele Luis Cuervi Márquez, Gabriel Camargo
Angulo, Juan David Herrera, Hernando Hueda Herrera e, até pouco tempo atrás, Guillermo Uribe
Cualla, o qual foi também diretor da Escola Superior de Ciências Médico-Forenses, fundada em
1945. Hoje, um nome de expressão é o de Cesar Augusto Giraldo.
No Equador, Julio Andara e Luis Vásconez Suárez. No Peru, Mariano Arosamena Quesada, que
foi o primeiro docente de Medicina Legal da Faculdade de Medicina de Lima, em 1855, sucedendo-o
Manoel C. Barrios, Leonidas Avendaño Ureta, Guillermo Fernandez D’Avila, José Dário Torres,
Jorge Avedaño Hubner e Carmem Palao Rosa.
No Paraguai, a disciplina de Medicina Legal e Deontologia da Faculdade de Medicina de
Assunção teve início em 1903 com Manuel Fernandez Sanchez, seguindo-o Flaviano Rubio, Rogelio
Alvarez, Moleón Andreo e Gregorio Ortiz Mayans.
O Uruguai, por sua vez, desenvolveu a Medicina Legal com José Maria Estapé, Carlos Santin
Rossi, Antonio Sicco e Antonio Camaño Rosa. Atualmente pontificam a cátedra Guido Berro Rovira,
Hugo Rodríguez Almada, Maria de Carmen Curbelo e Guillermo López.
A Venezuela desde 1841 ensina a Medicina Legal por uma sequência de professores, entre os
quais destacam-se Antonio José Rodriguez, José Maria Vargas, Gregorio Blanco, Francisco Antonio
Risquez, Humberto Giugni e, agora mais recentemente, Ruben Hernandez Serrano, Luiz Alberto
Cardoso, José Felix Martin Corona e Alfredo Gonzales Carrero.
Na América Central, destacam-se Alfonso Acosta Guzmán, Francisco Rucuvado Leon e Eduardo
Vargas Alvarado, na Costa Rica; em Cuba, José Lletor de Castroverde (primeiro professor de
Medicina Legal da Faculdade de Medicina de La Habana), Ramón Zambrana Valdés, Oscar Amoedo,
Fernando Ortiz, Gonzalo Iturrioz (o criador da prova de parafina), Antonio Barreras Fernández,
Raimundo de Castro, José Fernández Benitez, Israel Castellanos, Criner García, Diaz Padrón,
Francisco Lancis y Sanchez e, mais recentemente, Mayda Abeledo Concepción, Dayse Ferrer
Marrero, Héctor Soto Izquierdo, Francisco Ponce Zerquera, Jorge Gonzalez Perez e Alicia Marlenne
Basanta Montesinos. Em Honduras, Dennis Castro Bombadilla. No Panamá, Luigui Barrera,
Humberto Más Galzadilla e Rodolfo Ermocilla e na Nicarágua Simeón Rizo Castellón e Hugo
Argüello. Em El Salvador, seu maior especialista é Roberto Masferrer.
Na América do Norte, destaque no Canadá para Wilfred Derome, Rosario Fontaine e Jean Marie
Roussel, todos eles ligados ao Instituto Médico-Legal e de Polícia Científica de Montreal. Nos EUA,
em que pese sua posição de grande potência internacional, a contribuição médico-legal é
praticamente irrisória, limitando-se apenas aos exames mais sofisticados de laboratórios, inclusive
suas Faculdades de Medicina e de Direito não contam com essa disciplina. Citam-se alguns nomes de
mais expressão como Milton Helpern, Duane Spencer, Mary Jumbelic, Ivan Balazs e Werner Spitz.
Lá, ainda se usa o modelo “coroner”, que é um cargo político e pode ser exercido por um
profissional não médico. Ou o sistema de médico-examinador, sempre especializado em anatomia
patológica, sendo sua função quase exclusivamente determinar a causa mortis e a sua causa jurídica.
Já o México tem uma tradição mais forte no ensino e na prática médico-legal. Entre os professores,
evidenciam-se Casemiro Liceaga, Rafael Lucio, José Ignácio Durán, Luiz Hidalgo y Carpio, Augustín
Andrade, Nicolás Ramirez de Arellano, Samuel Garcia, Henrique Oregón, Francisco Castillo Nájera,
Lucio Gutierrez e José Torres Torija. Grande contribuição à Medicina Legal deu Alfonso Quiróz
Cuaron, tanto no ensino da disciplina nas Faculdades de Medicina e de Direito da Universidade
Autônoma do México, como nos trabalhos produzidos. Nomes que não se podem omitir são os de
Arturo Baledón Gil e Salvador Iturbide. Atualmente, sobressaem-se Alberto Isaac Correa Ramirez e
José Ramón Fernandez Caceres.
No Brasil
No Brasil, a influência da Medicina Legal francesa foi decisiva, embora não se possa negar que
influenciaram de maneira marcante a alemã e a italiana. Portugal no passado pouco nos influenciou.
Hoje, no entanto, notáveis são as contribuições da nova escola médico-legal portuguesa, com os
trabalhos de José Antônio Lourenço Lesseps (Lisboa), José Eduardo Lima Pinto da Costa (Porto) e
Duarte Nuno Pessoa Vieira e Francisco Corte-Real (Coimbra).
A nacionalização da Medicina Legal brasileira e a sua estruturação como especialidade
começaram com a entrada de Agostinho José de Souza Lima, na Faculdade de Medicina do Rio de
Janeiro, inclusive inaugurando o primeiro curso prático de prática tanatológica forense.
Todavia, a verdadeira nacionalização se deu com Raymundo Nina Rodrigues na Bahia,
iniciando-se com ele a fase da pesquisa científica médico-legal a partir de nossa própria realidade.
Em seguida, surge Oscar Freire de Carvalho, vindo da Bahia para São Paulo, onde iniciou o
exercício da especialidade e dando início à publicação de trabalhos experimentais, inclusive com a
criação do Instituto em 1922, que hoje tem seu nome.
A escola baiana seguiu com Virgílio Clímaco Damásio, José Rodrigues da Costa Dória, Estácio
Luiz Valente de Lima, Waldemar da Graça Leite, Maria Tereza Pacheco, Luis Carlos Cavalcanti
Galvão. O Rio de Janeiro, que sempre teve uma grande tradição nesta área, desponta com nomes
como os de Diógenes de Almeida Sampaio, Nascimento Silva, Antenor Costa, Henrique Tanner de
Abreu, Leonídio Ribeiro, Julio Afrânio Peixoto, Juliano Moreira, Gualter Adolpho Lutz, Hélio
Gomes, Nilton Salles, Nilson Amaral Sant’Anna. Em São Paulo, depois de Oscar Freire de
Carvalho, vieram Famínio Fávero, Hilário Veiga de Carvalho, Arnaldo Siqueira Alcântara Machado,
Arnaldo Amado Ferreira, Guilherme Oswaldo Arbens, Armando Canger Rodrigues e Marco Segre.
Em Pernambuco, Edgar Altino de Araújo, Raimundo Teodorico de Freitas, José de Aguiar Costa
Pinto, Antonio Persivo Cunha e Evaldo Altino.
Outros nomes que não se podem deixar de lembrar pela elevada contribuição e significativo
exemplo às gerações atuais: Oscar de Oliveira Castro (Figura 1.1), José Geraldo de Freitas
Drumond, Ernani Simas Alves, Rubem Lubianca, João Batista Perez Garcia Moreno, Pedro Neiva de
Santana, Jorge de Souza Lima, Oswaldo Pataro, José Glauco Lobo, José Alves de Assumpção
Menezes, Milton Ribeiro Dantas, Napoleão Teixeira, Benedito Soares Camargo Junior, José Carlos
Ribeiro, Holdemar Oliveira de Menezes, José Lima de Oliveira, Luiz Duda Calado, Nativa Salaru
José do Ribamar Carneiro Belford, Telmo Ferreira Reis, Olympio Pereira da Silva, Odon Ramos
Maranhão, Nivaldo José Ribeiro, Geraldo Alves dos Santos, Ivan Nogueira Bastos, Idelbrando
Xavier da Silva, João Henrique de Freitas Filho, Clovis Olinto Bastos Meira, Edilberto Parigot
Carlos Alberto Delmonte Printes, Marilu Mota, Gerardo Magela Fortes Vasconcelos, Edson Silveira,
Alfredo José da Costa Machado, Acylino de Leão Rodrigues, Alfredo Barroso Rebello, Humberto
Fenner Lyra, Leão Bruno, Cezar Papaleo, Antônio Ferreira de Almeida Junior, Francisco Rodrigues
de Souza Filho, Hermes Rodrigues de Alcântara, Cristobaldo Motta de Almeida, André Luiz Barbosa
Roquette, José Geraldo Vernet Taborda, Serynes Pereira Franco e Nelson Caparelli.
Figura 1.1 Prof. Oscar de Oliveira Castro (1899-1971).
Mais recentemente, Lamartine de Andrade Lima, Marcos de Almeida, Arnaldo Ramos de
Oliveira, Moacir Assein Arus, José Frank Marotta, Barros Azevedo, Lourival Saade, Victor Pereira,
Hygino de Carvalho Hércules, Carlos Guido Pereira, José Carlos Ribeiro Filho, José Hamilton
Amaral, Glício da Cruz Soares, José Eduardo Zappa, Nilo Jorge Rodrigues Gonçalves, Carmen
Cynira Martin, José Hamilton Maciel Silva, Gilka Gattas, Clovis César Mendonza, Alírio Batista de
Souza, Hermano José Souto Maior, Luiz Rodolpho Penna Lima, Elias Zacarias, Ramon Sabatér
Manubens, Daniel Romero Muñoz, Carlos de Faria, Graccho Guimarães Silveira, José Jozefran
Berto Freire, Roberto Blanco, Claudio Cohen, Oscar Luiz de Lima e Cirne Neto, Renato Affonso
Meira, Elesbão Munhoz, Leo Meyer Coutinho, Hélcio Miziara, Nelson Massini, Fortunato Antônio
Badan Palhares, Anibal Silvany Filho, Elizário Couto Bastos, José Américo Seixas Silva, Edmar
Jorge Anunciação, Helena Caúla Reis, Francisco Morais Silva, Wilmes Roberto Gonçalves Teixeira,
Talvane Marins Moraes, Ayush Morad Amar, Jorge Paulete Vanrell, Juarez Oscar Montanaro, José
Maria Marlet, Eudes Mesquita Martins, Emilio Bicalho Epiphanio, José Frota Vasconcelos, José
Mauro de Morais, Jalvo Chucair Granhen, Humberto Soares Guimarães, Francisco Autran Nunes
Filho, José Eliomar da Silva, Carlos Campana, Emilio Barbieri, João Francisco Duarte, Elisar Reis
Lopes, Isaque Kelbert, Edson Reis Lopes, José Mariano Cavaleiro de Macedo, Renato Posterli, Lena
Tereza de Melo Lapertosa, Ivan Chaib Demes, entre tantos.
E finalmente um grupo jovem e muito promissor que vai se destacando no magistério e no
exercício da legisperícia: Gerson Odilon Pereira, Maria Luisa Duarte, Miguel Angelo Martinez,
Aluísio Trindade Filho, Zulmar Coutinho, José Eduardo da Silva Reis, José Emídio Freire, Abelardo
Brito, Reginaldo Inojosa Carneiro Campello, Paulo Roberto de Souza, José Ribamar Morais, Luiz
Carlos Barreto Silva, Emídio de Brito Freire, Vitor Ribeiro Romeiro, Irene Batista Muakad, Lélia
Gerson, Antonio Brussolo Cunha, Vitor Hugo Rangel, João Bosco Penna, Elizabeth Bezerra Azevedo,
Misael Fernandes Neto, Maria do Carmo Malheiros Gouvea, Roberto Wagner, Dary Alves de
Oliveira, Abelardo Brito, João Carlos Belo da Fonte, Carlos Ehlke Braga Filho, Iris Noburo Nagano,
José Roberto Souza Cavaleiro de Macedo, Malthus Fonseca Galvão, Raul Coelho Barreto Filho
Aroldo de Souza Rique, Júlio César Fontana-Rosa, Henrique Caivano Soares, Oswaldo Wolf Dick,
Anelino José de Resende, Railton Bezerra de Melo, Romildo Rabbi, Luiz Renato da Silveira Costa
RenatoRoberto Evando Moreira Filho, Chu En Lay Paes Leme, Manoel Campos Neto, João Arnaldo
Damião Melki, Jaque Henrique Mecler, Rita de Cassia M. de Carvalho, Febe Costa, MarioPerez
Gimenez, Rogério Eisele, Ronivaldo de Oliveira Barros, Armando Fortunato Filho, Eunice Moreira
Vitória, Alecsandro de Andrade Cavalcante, Carlos Henrique Durão, Antonio Batista de Queiroz,
Antonio Alves Madruga, Abraão Lincoln de Oliveira, Leonardo Mendes Cardoso, Débora Maria
Vargas Lima, Benedita Carneiro Pinto, Sami A. L. J. El Jundi, Luiz Airton Saavedra de Paiva, Jose
Roberto de Rezende Costa, Luiz Eduardo Toledo Avelar, Leonardo Santos Bordoni, Marcelo Mari
de Castro, Paulo Sérgio P. Cunha, Maximiano Leite Barbosa Chaves, Rita de Cássia Bonfim Leitão
Higa, Lilian Cristina Zazá Santos Barreira e muitos outros que irão surgir.
As duas primeiras Faculdades de Medicina do Brasil – a da Bahia e a do Rio de Janeiro –
incluíram oficialmente a Medicina Legal como disciplina obrigatória a partir de 1832. Neste mesmo
ano, o Código de Processo Criminal estabelecia a perícia oficial para a realização dos exames de
corpo de delito. Muitos destes dispositivos ainda se encontram no Código de Processo Penal em
vigor.
Mesmo com a vigência daquele Código a partir de 1832, somente depois de 1856 foi
regulamentada a atividade médico-pericial, através do Decreto no 1.746, de 16 de abril de 1856,
quando se criou, junto à Secretaria de Polícia da Corte, a Assessoria Médico-Legal, à qual cabia a
realização dos exames de “corpo de delito e quaisquer exames necessários para a averiguação dos
crimes e dos fatos como tais suspeitados”.
Foi criado na Bahia o Serviço Médico-Legal na estrutura da Secretaria de Polícia e Segurança
Pública, por um Decreto datado de 24 de abril de 1896. Este Serviço contava com dois médicos que
se incumbiam dos exames de lesões corporais, das necropsias, dos exames toxicológicos, das
verificações de óbito e de outros exames ou diligências médico-legais afetos à Justiça.
Ainda que instalada na Bahia desde 1832 a Cadeira de Medicina Legal, tendo como seu primeiro
regente João Francisco de Almeida, sua atividade prática só se concretizou com Virgílio Clímaco
Damásio. O apogeu da Medicina Legal baiana se deu com Raymundo Nina Rodrigues (1894-1906).
De 1914 a 1918, assume a Cadeira o professor Oscar Freire, que acumulou, também, a direção do
Serviço Médico-Legal. De 1918 em diante, Oscar Freire mudou-se para São Paulo, a fim de instalar
a disciplina na antiga Faculdade de Medicina Paulista.
No Rio de Janeiro, a história do ensino médico-legal registra, inicialmente, o nome do
Conselheiro José Martins da Cruz Jobim, que só se projetou com a contribuição de Agostinho José
de Souza Lima que, na verdade, foi quem iniciou o ensino e a prática eficaz neste Estado.
Nos cursos de Direito e de Medicina Legal, seu ensino foi proposto por Rui Barbosa, que
conseguiu aprovar na Câmara dos Deputados um Decreto criando a Cátedra de Medicina Legal nas
Faculdades de Direito de todo o país, a partir do ano de 1891.
Hoje, com se sabe, a prática médico-legal brasileira é uma atividade oficial e pública, exercida
nos Institutos Médico-Legais localizados nas capitais dos 26 Estados federativos e na capital da
República, além de sua expansão no interior do país nos chamados Postos Médico-Legais, na sua
maioria ainda desprovidos das mínimas condições de trabalho.
A maioria dos Institutos Médico-Legais no Brasil permanece no âmbito dos órgãos de segurança
pública. A partir de alguns anos, começou-se a verificar a desvinculação destes Institutos da área da
Segurança. Um exemplo é o do Estado do Amapá, que criou a Coordenadoria de Perícias, comstatus
de Secretaria de Estado, com verbas asseguradas e independência administrativa. Outro é o Estado
do Rio Grande do Sul, que vinculou o IML à Secretaria de Estado de Justiça, Trabalho e Cidadania.
E, mais recentemente, o Pará, que também desvinculou o Instituto Médico-Legal e o Instituto de
Criminalística da Secretaria de Segurança Pública, criando uma estrutura totalmente independente,
ligada diretamente ao Governador do Estado.
Nos Estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, os IML estão estruturados em uma
Coordenadoria Geral de Perícias, junto com a Criminalística e a Identificação, embora ainda
vinculados às respectivas Secretarias de Segurança Pública.
Há, entre os legistas e professores de Medicina Legal, um movimento a favor da autonomia da
perícia médico-legal, liderado pela Sociedade Brasileira de Medicina Legal e Perícias Médicas e
pela Associação Brasileira de Criminalística, com o apoio de diversas entidades civis, a exemplo da
Associação dos Magistrados do Brasil, da Ordem dos Advogados do Brasil, da Comissão dos
Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e da Secretaria Especial de Direitos Humanos.
Espera-se que o Governo Federal, que criou desde 1996 o Plano Nacional de Direitos Humanos,
enfatizando a questão da perícia médico-legal na luta contra a impunidade, venha a adotar medidas
que possam assegurar a autonomia e independência da atividade médico-legal.
Tal autonomia se justifica porque a Medicina Legal tem de ser vista como um núcleo de ciência a
serviço da Justiça, e o médico nestas condições não pode ser um preposto da autoridade policial. Por
uma distorção de origem, quando as repartições médico-legais nada mais representavam senão
simples apêndices das Centrais de Polícia e os legistas como meros agentes policiais, permanece o
desagradável engano.
Foi com esse pensamento que a Comissão de Estudos do Crime e da Violência, criada tempos
atrás pelo Ministério da Justiça, propôs ao Governo a desvinculação dos Institutos Médico-Legais e
da própria Perícia Criminal, dos órgãos de polícia repressiva. O objetivo era o de “evitar a imagem
do comprometimento sempre presente, quando, por interesse da Justiça, são convocados para
participar de investigações sobre autoria de crimes atribuídos à Polícia”.
Ninguém de bom senso pode assegurar que dessa vinculação possa existir sempre qualquer forma
de coação. Mas, dificilmente se poderia deixar de aceitar a ideia de que em algumas ocasiões possa
haver pressão, quando se sabe que alguns órgãos de repressão no Brasil estiveram ou estão ainda
envolvidos no arbítrio e na violência. Pelo menos, suprimiria esse grave fator de suspeição, criado
pela dependência e pela subordinação funcional.
CLASSIFICAÇÃO
Levando-se em consideração o enfoque ou a sua destinação, a Medicina Legal pode ser
classificada sob os ângulos histórico, profissional, doutrinário e didático.
A classificação sob o prisma histórico diz respeito às várias fases evolutivas desta ciência, que
a divide em Medicina Legal Pericial, Medicina Legal Legislativa, Medicina Legal Doutrinária e
Medicina Legal Filosófica. A Medicina Legal Pericial, também chamada de Medicina Forense ou
Medicina Legal Judiciária, é a sua forma mais anterior e está voltada aos interesses legispericiais da
administração da Justiça. A Medicina Legal Legislativa contribui na elaboração e revisão das leis
em que se disciplinam fatos ligados às ciências biológicas ou afins. A Medicina Legal Doutrinária –
de caráter mais refinado e compromisso com a ordem do pensar – teve início entre nós com Afrânio
Peixoto no segundo quartel do século passado. Trata de temas subsidiários que sustentam e explicam
certos institutos jurídicos onde o conhecimento médico e biológico faz-se necessário e, por isso, ela
é, na verdade, bem mais uma ordem do pensar do que do agir. E a Medicina Legal Filosófica, mais
recente, discute os assuntos ligados à Ética, à Moral e a Bioética Médica no exercício ou em face do
exercício da Medicina ou tenta explicar, por meio de ensaios epistemológicos, o agir e o pensar
médico-legal.
A classificação sob a visão profissional da Medicina Legal está inclinada à forma como se
exerce na prática essa atividade. Assim, divide-se em Medicina Legal Pericial, Criminalística e
Antropologia Médico-Legal, que são exercidas respectivamente pelos Institutos de Medicina Legal,
de Criminalística e de Identificação.
Levando-se em conta o interesse doutrinário do Direito, naquilo que lhe é mais específico, podese dividir a Medicina Legal em Medicina Legal Penal, Medicina Legal Civil, Medicina Legal
Canônica, Medicina Legal Trabalhista e Medicina Legal Administrativa. Cada uma dessas partes
trata dos diversos ramos do Direito positivo mais estruturados.
Sob o ponto de vista didático, a Medicina Legal está dividida em Medicina Legal Geral
(Deontologia e Diceologia) e Medicina Legal Especial.
Na primeira parte, também chamada de Jurisprudência Médica, estudam-se as obrigações e os
deveres (deontologia) e os direitos dos médicos (diceologia), particularizando-se nos capítulos
sobre Exercício Legal e Exercício Ilegal da Medicina, Segredo Médico, Honorários Médicos,
Responsabilidade Médica e Ética Médica, assuntos que orientam o médico no exercício regular da
sua profissão.
A Medicina Legal Especial disciplina-se nos seguintes capítulos:
A) Antropologia médico-legal. Estuda a identidade e a identificação médico-legal e judiciária.
B) Traumatologia médico-legal. Trata das lesões corporais sob o ponto de vista jurídico e das
energias causadoras do dano.
C) Sexologia médico-legal. Vê a sexualidade do ponto de vista normal, anormal e criminoso.
D) Tanatologia médico-legal. Cuida da morte e do morto. Analisa os mais diferentes conceitos
de morte, os direitos sobre o cadáver, o destino dos mortos, o diagnóstico de morte, o tempo
aproximado da morte, a morte súbita, a morte agônica e a sobrevivência; a necropsia médico-legal, a
exumação e o embalsamamento. E, entre outros assuntos, ainda analisa a causa jurídica de morte e as
lesões in vita e post-mortem.
E) Toxicologia médico-legal. Estuda os cáusticos e os venenos, e os procedimentos periciais nos
casos de envenenamento.
F ) Asfixiologia médico-legal. Detalha os aspectos das asfixias de origem violenta, como
esganadura, enforcamento, afogamento, estrangulamento, soterramento, sufocação direta e indireta, e
as asfixias produzidas por gases irrespiráveis.
G ) Psicologia médico-legal. Analisa o psiquismo normal e as causas que podem deformar a
capacidade de entendimento da testemunha, da confissão, do delinquente e da própria vítima.
H ) Psiquiatria médico-legal. Estuda os transtornos mentais e da conduta, os problemas da
capacidade civil e da responsabilidade penal sob o ponto de vista médico-forense.
I) Medicina Legal Desportiva. Justificada, não só pela importância econômica, social e cultural,
mas também pelo que os esportes de competição apresentam nos dias atuais, com ênfase para o sigilo
profissional, prontuários, dopings consentidos ou tolerados, quantificação e qualificação do dano
com repercussão no rendimento esportivo.
J ) Criminalística. Investiga tecnicamente os indícios materiais do crime, seu valor e sua
interpretação nos elementos constitutivos do corpo de delito. Estuda a criminodinâmica.
L ) Criminologia. Preocupa-se com os mais diversos aspectos da natureza do crime, do
criminoso, da vítima e do ambiente. Estuda a criminogênese.
M) Infortunística. Estuda os acidentes e as doenças do trabalho e as doenças profissionais, não
apenas no que se refere à perícia, mas também à higiene e à insalubridade laborativas.
N) Genética médico-legal. Especifica as questões voltadas ao vínculo genético da paternidade e
maternidade, assim como outros assuntos ligados à herança.
O) Vitimologia. Trata da vítima como elemento inseparável na eclosão e justificação dos delitos.
IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DA MEDICINA LEGAL
A Medicina Legal é a contribuição médica, técnica e biológica às questões complementares dos
institutos jurídicos e às questões de ordem pública ou privada quando do interesse da administração
judiciária. É, portanto, a mais importante e significativa das ciências subsidiárias do Direito.
Hoje, muito mais ainda, grande é o proveito dos juristas na intimidade com as questões médicolegais, seja na sua utilização quando do trato das questões periciais nos seus pleitos judiciais, seja na
análise dos diversos ramos do Direito que necessitam de interpretação médico-jurídica que encerra a
nova doutrina.
Tão grande tem sido a contribuição desta notável disciplina jurídica que é a Medicina Legal, com
o alargar dos horizontes que permitem a ciência e a tecnologia hodiernas que, sem exageros, poderse-ia dizer que a administração judiciária fracassaria despencando no fosso do erro judiciário e a
doutrina emperraria sem poder explicar certos fenômenos ali expostos e discutidos.
O registro criminográfico da violência e seu conteúdo perverso projetam-se além da expectativa
mais alarmista. Verifica-se nos dias que correm uma prevalência delinquencial que extrapola os
índices tolerados e suas feições convencionais. Uma criminalidade diferente, anômala e muito
estranha na sua maneira de agir e na insensata motivação.
O Direito moderno não pode deixar de aceitar a contribuição cada vez mais íntima da ciência, e o
operador jurídico não deve desprezar o conhecimento dos técnicos, pois só assim é possível a
aproximação da verdade que se quer apurar. Não é nenhum exagero afirmar que é inconcebível uma
boa justiça sem a contribuição da Medicina Legal, cristalizando-se a ideia de que a Justiça não se
limita ao conhecimento da lei, da doutrina e da jurisprudência.
Por outro lado, muitos têm pensado que basta ser um bom médico para desempenhar bem e
fielmente as funções periciais. É puro engano. A Medicina Legal requer conhecimentos especiais e
trata de assuntos exclusivamente seus, como, por exemplo, o infanticídio, a asfixia mecânica e a
identificação médico-legal. Exige de quem a exerce conhecimentos jurídicos que só podem ser
assimilados com a atividade pericial ante os tribunais no trato das questões médicas de interesse da
Lei.
É mero engano também acreditar que a Medicina Legal seja apenas aplicada aos casos
particulares dos conhecimentos gerais que constituem os diversos capítulos da Medicina. É
necessário saber distinguir o certo do duvidoso, explicar clara e precisamente os fatos para uma
conclusão acertada, não omitindo detalhes que, para o médico geral, não têm nenhum valor, mas que,
na Medicina Legal, assumem importância muitas vezes transcendente.
Para o juiz, é indispensável o seu estudo, a fim de que possa apreciar melhor a verdade em um
critério exato, analisando os informes periciais e adquirindo uma consciência dos fatos que
constituem o problema jurídico. Talvez seja essa a mais fundamental missão da perícia médico-legal:
orientar e iluminar a consciência do magistrado.
Muitas vezes, a liberdade, a honra e a vida de um indivíduo estão subordinadas ao
esclarecimento de um fato médico-legal que se oferece sob os mais diversos aspectos.
Se o juiz não possui uma cultura médico-legal razoável, poderá apreciar esses efeitos
erroneamente, conduzindo a um erro judicial, um dos mais graves problemas da administração da
justiça, transformando a sentença em uma tragédia.
Argumenta-se que a falta de conhecimentos médico-legais do juiz nos fatos de implicação médica
será suprida pelo perito. Mas nem sempre os informes periciais correspondem à verdade dos fatos
ou procedem de pessoas capacitadas, traduzindo, portanto, graves contradições ou pontos de vista
menos aceitáveis. Exige, desse modo, do aplicador da Lei, o conhecimento da Medicina Legal para
emitir sempre pareceres concisos e racionais.
Sobre o assunto, assim se reportou Virgílio Donnice: “A grande novidade, porém, é a dos
criminosos habituais ou por tendência, com a aplicação da pena indeterminada, e a reincidência, que
não ocorrerá se, depois de uma sentença condenatória, cumprida ou extinta, decorrer período de
tempo superior a 5 anos, sendo excluídos, para efeito da reincidência, os crimes puramente militares
e políticos. Para a ampliação da pena, o juiz terá, obrigatoriamente, de possuir uma especialização
penal e criminológica. pois ele, na sentença, deve expressamente referir os fundamentos da medida
da pena, apreciando a gravidade do crime praticado, a maior ou menor extensão do dano ou perigo
do dano, os meios empregados, o modo de execução, os motivos determinantes, as circunstâncias de
tempo e lugar, os antecedentes do réu e sua atitude de insensibilidade, indiferença ou arrependimento
após o crime, levando-se em consideração, também, na fixação da pena de multa, a situação
econômica do condenado. Isto obrigará o juiz a ter, além da competência jurídico-penal e
criminológica, uma sensibilidade apurada, fazendo-o participar de todo o processo e, muito
especialmente, do interrogatório do acusado, fase processual que terá grande importância.”
Assim, mais do que nunca, necessitará a autoridade judiciária de elementos de convicção quando
apreciar a prova atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do
agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da
vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I
– as penas aplicáveis dentre as cominadas; II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites
previstos; III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV – a substituição
da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível, como recomenda o
artigo 59 do Código Penal. Em suma, não só a análise da gravidade do crime praticado, nos motivos,
nas circunstâncias e na intensidade do dolo ou da culpa, mas a sua forma de indiferença e
insensibilidade, a existência, a qualidade e a quantidade do dano, os meios empregados, o modo de
execução e, até se possível, a ideia bem aproximada da complexidade do estado emotivo, do
transtorno mental e do comportamento do autor. Esse é o grande desafio aos novos magistrados: além
do conhecimento humanístico e jurídico, uma sensibilidade cúmplice na apreciação quantitativa e
qualitativa da prova. Diga-se mais: não deve o juiz ficar sozinho no cumprimento e nas exigências
dessa nova ordem.
O advogado, na sua atividade liberal, também necessita muito destes conhecimentos no curso das
soluções dos casos de interesse dos seus representados. Deve, na melhor intenção, ser um crítico da
prova, no sentido de não aceitar a “absolutização” ou a “divinização” de certos resultados, apenas
pelo fato de constituírem avanços recentes da ciência ou da tecnologia moderna.
O promotor público, como responsável pelo ônus da produção da prova, tem que justificá-la e
explicá-la em seus resultados e suas razões. Exige-se dele, hoje, uma contribuição mais efetiva e
mais imediata.
Os médicos também carecem de conhecimentos do Direito Médico, no estudo da Jurisprudência
Médica, tão imprescindíveis à sua vida profissional, e, ainda, de uma consciência pericial nos casos
em que haja um interesse da Justiça na apreciação de um fato inerente à vida e à saúde do homem.
Levando em conta as sutilezas das questões médico-legais em que o perito é chamado a intervir,
dizia Alcântara Machado: “Tão frequentes e difíceis e relevantes são elas, que fizeram surgir a
Medicina Legal como ramo distinto dos outros ramos de conhecimentos, e a prática médico-legal
como arte distinta da clínica.”
Isto não quer dizer que esta Ciência tenha apenas o caráter prático, informativo, pericial. Hoje, a
Medicina Legal moderna, além de contribuir nesse sentido, ainda ajusta o pensamento do doutrinador
e complementa as razões do legislador nos fatos de interpretação médica e biológica. Simplesmente
“relatar em juízo”, conforme definiu Ambroise Paré, é muito pouco, porque isso qualquer um faz,
bastando ter experiência e bom senso. A Medicina Legal também contribui com precisão e eficiência
às necessidades gerais do Direito, transcendendo assim ao simples caráter informativo.
Onde não há uma verdadeira contribuição da Medicina Legal, fica a Polícia Judiciária à mercê
da boa vontade de um ou de outro médico, nos hospitais, maternidades ou clínicas privadas, para a
aquisição de um relatório médico-pericial a fim de esclarecer um fato médico de interesse da Lei.
Será uma Polícia Judiciária desaparelhada, incapaz de atender a um mínimo necessário para o
cumprimento de sua alta e nobre missão: a de ajudar a Justiça quando da apuração dos mais
complexos problemas que interessam ao administrador dos tribunais. Cada vez que crescem as
necessidades da Justiça, maiores são as possibilidades da ciência médico-legal, pois dia a dia ganha
mais impulso e mais perfeição, sendo hoje um instrumento indispensável em toda investigação que
exija o esclarecimento de um fato médico.
METODOLOGIA DE ENSINO
Mesmo que a Medicina Legal seja uma só, no seu conceito e na sua concepção prática,
entendemos existirem metodologias de ensino diferentes quanto a sua abordagem nos cursos de
Medicina ou de Direito.
No curso médico, deve-se enfatizar a Medicina Legal Pericial, tendo em vista um projeto de
formação de um profissional capaz de atender à Justiça como perito oficial ou nomeado, levando-se
em conta as diversas formas de contribuição técnica no dia a dia da administração dos tribunais. Ao
mesmo tempo, quando vinculado à Deontologia Médica, a análise e a discussão de temas que
interessem na formação ética de cada médico.
A distribuição programática da matéria nos cursos de Medicina deve ser feita de acordo com a
sequência dos capítulos ou unidades encontrados nos diversos tratados da especialidade, os quais
têm uma progressão de assuntos ditada pela evolução do seu aprendizado.
No curso jurídico, recomenda-se a ênfase à Medicina Legal Doutrinária, como forma de
subsidiar e complementar as diversas formas de direito positivo ou de propiciar meios para se
assimilarem as informações técnicas e científicas constantes dos relatórios legispericiais. Não quer
dizer que se deixe de ensinar a Medicina Legal Pericial, pois ela é também necessária na prática
diuturna dos operadores jurídicos.
A seleção do conteúdo programático nos cursos de Direito pode ser distribuída especificamente
de acordo com os interesses de cada ramo do direito positivo, em Medicina Legal Penal (conceito;
importância e contribuição da Medicina Legal nas questões criminais; peritos e perícias e de
natureza penal; identidade e identificação criminal; energias causadoras do dano; lesões corporais
sob o ponto de vista jurídico-penal; periclitação da vida e da saúde; transtornos da identidade sexual
e aborto legal e aborto criminoso; posse sexual mediante fraude, estupro e atentado violento ao
pudor; infanticídio; toxicofilias, embriaguez alcoólica; tanatologia médico-legal; imputabilidade
penal: limites e modificadores), Medicina Legal Civil (conceito; importância e contribuição da
Medicina Legal às questões de direito privado; identidade e identificação civil; peritos e perícias de
interesse civil; perícia do nascituro e provas do início da personalidade civil; avaliação do dano
corpóreo de natureza jurídico-civil; casamento, separação e divórcio; política demográfica;
capacidade civil: limites e modificadores; psicologia judiciária civil: estudo do testemunho e da
confissão; morte real e morte presumida), Medicina Legal Trabalhista (conceito; relação e
contribuição às questões trabalhistas; peritos e perícias das doenças do trabalho, das doenças
profissionais e acidentes do trabalho; avaliação do dano corpóreo de natureza trabalhista; deficiência
e incapacidade; acidente do trabalho; simulação, dissimulação e metassimulação em infortunística do
trabalho; psicologia do trabalho; fisiologia do trabalho; noções de rendimento muscular; poluição
ambiental: contaminação, ruídos e irradiações; necropsias de interesse trabalhista) e Medicina Legal
Administrativa (conceito; importância e contribuição da Medicina Legal às questões da
administração pública; peritos e perícias em servidores públicos; perícia previdenciária; juntas
médicas oficiais; avaliação da capacidade laborativa do servidor público; formalidades do exame
biométrico; auditorias: tipos, fundamentos e normas; critérios para readaptação de função pública;
avaliação do dano corpóreo de natureza administrativa; atividades penosas e periculosidade na
função pública; necropsias de interesse administrativo).
SITUAÇÃO ATUAL E PROSPECTIVA
Mesmo cientes da incorporação de novas técnicas, do avanço da ciência e da contribuição
multiprofissional, a Medicina Legal em nosso país dispõe no campo pericial de um pequeno
progresso, mediante a atuação de alguns setores públicos na criação, recuperação e aparelhamento
dos laboratórios, nas instituições especializadas, e na reciclagem do pessoal técnico. Acreditamos
que só com a total incorporação de tais recursos a sociedade resistirá ao resultado anômalo e
perverso de uma violência medonha que cresce e atormenta.
O correto seria investir mais e mais na contribuição técnica e científica, dotando a administração
judiciária de elementos probantes de transcendente valor no curso da apreciação processual, porque
uma das funções do magistrado, entre tantas, é buscar a verdade dos fatos.
Poderiam ser usados todos esses formidáveis recursos científicos e tecnológicos disponíveis em
favor da prova; como, por exemplo, a análise biomolecular, a bioquímica da detecção de drogas e
até mesmo a energia nuclear, além dos modernos computadores, cintilógrafos e tomógrafos de
ressonância magnética, como contribuição indispensável aos interesses de ordem pública e social.
A Medicina Legal no campo experimental no Brasil ainda se mostra incipiente e tímida. Apenas
em alguns centros acadêmicos de pós-graduação, ainda verificam-se alguns focos esparsos de
pesquisa. As publicações de trabalhos em periódicos desta área, seja em quantidade ou qualidade,
são desanimadoras.
No terreno doutrinário, em que a Medicina Legal contribui de forma mais eloquente no ajuste dos
institutos do direito positivo, tudo ocorrerá a partir das solicitações mais concretas que essas formas
de direito venham a fazer e da evolução do próprio pensamento médico-legal; assim, cada vez mais
serão enfatizadas as questões ligadas à engenharia genética, como as dos animais transgênicos,
clones humanos e terapia gênica ou, nos casos mais delicados da reprodução humana, em que se
focalizam principalmente algumas indagações sobre a natureza jurídica e o destino dos embriões
congelados.
No aspecto pedagógico, a Medicina Legal brasileira já viveu dias mais iluminados, quando as
cátedras eram regidas pelos grandes mestres, os quais criaram em torno de si eminentes discípulos e
respeitáveis escolas. Hoje, com honrosas exceções, diante da desordenada e irresponsável criação
de cursos médicos e jurídicos, recrutam-se profissionais sem nenhuma qualificação e intimidade com
a matéria. Assim, essas cátedras estão muito a dever à nossa tradição e, certamente, se não houver
um trabalho bem articulado na tentativa de recuperar tal prestígio, no futuro teremos a Medicina
Legal ensinada em um padrão muito distante de suas insupríveis necessidades. O exemplo disso é
que muitas das Faculdades de Direito já têm esta disciplina como matéria optativa e, noutras, ainda
pior: a disciplina não existe. Vai sendo ocupada por outras disciplinas de existência e utilidade
duvidosas. Resta, disso tudo, a dúvida sobre a qualidade desses futuros profissionais que estão
sendo formados.
Mesmo assim, acreditamos no futuro da Medicina Legal com muito otimismo, porque essa área
de atividade profissional torna-se cada vez mais necessária às aspirações das pessoas que querem
viver bem em uma sociedade organizada, onde tenham as condições de realizar seus destinos e seus
sonhares. Para tanto, há de se exigir mais do poder público.
No que se refere ao ensino, é preciso valorizar a atividade docente e dotar o aparelho formador
de condições para o ensino da Medicina Legal em caráter obrigatório, tanto em Direito como em
Medicina, tendo sempre à frente dessas disciplinas profissionais qualificados e compromissados
com esse projeto. Fazem-se também necessárias a criação e a ampliação dos cursos de
especialização, de mestrado e de doutorado em Medicina Legal, não só como forma de qualificar o
pessoal docente, mas também de recrutar outras vocações.
O problema da pesquisa e da investigação de interesse médico-legal é ainda mais complexo, no
qual devem ser focalizadas as disponibilidades para o setor. O interessante nesse aspecto é
sensibilizar as Universidades públicas ou privadas em relação à contratação de pesquisadores, cuja
tarefa seria a de possibilitar a produção científica de qualidade nesta área de concentração.
MEDICINA LEGAL BASEADA EM EVIDÊNCIAS
A exemplo do que ocorre hoje com a medicina em geral, já se fala na existência de uma Medicina
Legal fundada em resultados estatisticamente significantes, padronizada, cética, metanalítica, síntese
do resultado matemático de vários estudos dirigidos a uma mesma hipótese. E a esta ideia se
chamará de Medicina Legal Baseada em Evidências.
Significaria, portanto, que o “mais certo” adviria dos resultados científicos disponíveis e
procedentes da pesquisa e da investigação, e não do que possam dispor as teorias fisiopatológicas
consagradas ou a experiência individual. Em suma, uma medicina legal de resultados.
Da avaliação solitária e subjetiva do perito legista passa-se a reconhecer apenas, como de
relevante valor científico, as informações oriundas da pesquisa de cientistas de peso em estudos
demorados e em expressivo número de casos observados em institutos e laboratórios de excelência.
Todavia, a facilidade de analisar e utilizar a perícia priorizada em evidências não está ainda na
disponibilidade e no domínio de todos os que exercem a Medicina Legal. As chamadas publicações
de elite, com raras exceções, são de utilidade discutível na prática pericial cotidiana. O que se viu
nestes últimos anos foi uma verdadeira enxurrada de publicações médico-legais, algumas em notória
contradição, o que torna mais complicada ainda a decisão dos peritos, principalmente dos que estão
na ponta do sistema. As experiências trocadas entre peritos de mesma área de concentração e que
atuam em uma mesma realidade têm se mostrado com mais proveito.
O conhecimento médico-legal que se aplica diariamente na prática profissional nem sempre é
aquele que existe na literatura mais sofisticada das revistas especializadas. Certamente não. É do
aprendizado pessoal, até porque todo conhecimento começa da experiência de cada um no dia a dia.
Isso não quer dizer que esta cultura deixe de vir também da experiência de tantos outros que
publicam ou divulgam seus conhecimentos. Outra coisa: nem sempre as decisões mais acertadas são
as dos que possuem maior saber científico.
Toda ciência experimental é um saber dedutivo e não indutivo. Tem uma dedução empírica,
nunca é completa e suas conclusões são sempre prováveis. O princípio aristotélico de que as
verdades científicas são sempre certas e verdadeiras tende a se modificar quando o assunto em
discussão é uma ciência indutiva e experimental.
Um dos óbices à incorporação da Medicina Legal Baseada em Evidências é a falta de condições
de acesso às publicações que se multiplicam no mundo inteiro e de análise crítica aos artigos e
matérias de periódicos, quando o profissional não estaria em condições de elaborar suas próprias
conclusões, ficando sempre prisioneiro dos autores dos textos, só pelo fato de estar publicado em
revista de qualidade e de conceito garantidos. O risco desta nova ordem é fazer acreditar existir mais
evidências do que a Medicina Legal realmente pode ter e apresentar.
Nenhum expert pode presumir-se de autoridade incapaz de erro, mesmo não intencional, porque
não existe verdade soberana. Por isso, é sempre aconselhável não se procurar certeza absoluta
quando tudo isso se mostra impossível diante de decisões instáveis, pois os caminhos da Medicina
Legal são contingentes e sujeitos a falhas e não há na sua prática “verdades derradeiras” ou
“verdades soberanas”.
Mesmo os defensores mais exaltados desta nova ideologia não escondem algumas desvantagens
neste método: utilização de muito tempo em pesquisa; elaboração de um trabalho intelectual
complexo; dificuldade de se fazer uma revisão sistemática sozinho; falta de subsídios facilmente
disponíveis para resolver a maioria das questões periciais; existência de estudos não consensuais ou
contraditórios e de estudos quase sempre projetados em um contexto diferente em que se encontra o
caso-questão.
A própria expressão “evidência”, tal qual vem sendo colocada aqui, já se mostra inconsistente,
pois se diz que algo é evidente quando prescinde de prova ou quando dispensa uma justificação. A
evidência é inimiga da prova. Ela é a consagração da verdade. Assim, evidente é o que se mostra
notório. Mais: o importante é saber o que se pode considerar como evidência e quem a determina
como “fato concreto”.
Por outro lado, definir evidência em Medicina Legal como “dados e informações que comprovam
achados e suportam opiniões”, isto não é o bastante para oferecer a segurança que se espera. Como
qualificar uma Medicina Legal que se diz evidente, racional e científica, quando ela depende tão só
de percentuais levantados em dados estatísticos? E o que fazer, por exemplo, quando se sabe que há
casos na Medicina Legal Pericial para os quais não se conta com nenhuma evidência convincente?
O risco das ideologias no campo da Medicina Legal Baseada em Evidências está no seu caráter
reacionário e centralizador por não admitir o pensar ou o agir individual. Sua inclinação é pelas
ideias abstratas. E o mais desanimador neste paradigma é que, quanto mais complexo é o caso,
menos evidências científicas ela dispõe para uma convincente tomada de decisão.
Assim, fica bem evidente que ninguém de bom senso poderia voltar-se contra todo este acervo
cultural e toda contribuição tecnológica que vem se incorporando às ciências médico-legais nestes
últimos tempos, ou pelo menos ficar indiferente a ambos. Nem tampouco o que tudo isto pode
resultar de contribuição cada vez mais eficaz em favor dos melhores resultados periciais e do que
isto pode representar à ordem pública e social.
No entanto, não se pode admitir serenamente que a perícia médico-legal venha abrir mão da
intuição, das teorias fisiopatológicas consagradas e da experiência pessoal, pois não existe nenhuma
análise metodológica nem nenhuma prova científica aprimorada nesta atividade que não tenham como
partida a vivência e a observação individual na prática pericial.
O ideal será sempre a associação da investigação científica, do ensino médico-legal continuado,
das teorias fisiopatológicas consagradas e da contribuição qualificada de cada experiência pessoal.
E que a aplicação racional da informação científica e a experiência da prática pericial estejam
voltadas para um objetivo que sempre destacou esta atividade como um instrumento de indiscutível
valor.
MEDICINA LEGAL E DIREITOS HUMANOS
Toda e qualquer ação que tenha como destino as pessoas e o seu modo de viver implica
necessariamente o reconhecimento de certos valores. Qualquer que seja a maneira de abordar esta
questão se chegará ao entendimento de que o mais significativo desses valores é sempre o próprio
ser humano, no conjunto de seus atributos materiais, físicos e morais. A prática da Medicina Legal
constitui-se em um instrumento de grande valia em favor dos direitos humanos. Ao assumir a
profissão como um ato político e uma maneira de comprometimento social, o perito faz com que a
atividade pericial não seja apenas o uso de um amontoado de regras técnicas mas um ato da maior
significação na permanente busca da cidadania.
A vida humana como valor ético. O valor da vida é de tal magnitude que, até
mesmo nos momentos mais graves, quando tudo parece perdido, dadas as condições mais
excepcionais e precárias – como nos conflitos internacionais, na hora em que o direito da força se
instala negando o próprio Direito, e quando tudo é paradoxal e inconcebível –, ainda assim a intuição
humana tenta protegê-la contra a insânia coletiva, criando regras que impeçam a prática de
crueldades inúteis.
Quando a paz passa a ser apenas um instante entre dois tumultos, o homem tenta encontrar nos
céus do amanhã uma aurora de salvação. A ciência, de maneira desesperada, convoca os cientistas a
se debruçarem sobre as bancadas de seus laboratórios, na procura de meios salvadores da vida. Nas
mesas das conversações internacionais, mesmo entre intrigas e astúcias, os líderes do mundo inteiro
tentam se reencontrar com a mais irrecusável de suas normas: o respeito pela vida humana.
Assim, no âmago de todos os valores está o mais indeclinável de todos eles: a vida do homem.
Sem ela, não existe a pessoa humana. Não existe a base de sua identidade. Mesmo diante da
proletária tragédia de cada homem e de cada mulher, quase naufragados na luta desesperada pela
sobrevivência do dia a dia, ninguém abre mão dos seus direitos de sobrevivência. Essa consciência é
que faz a vida mais que um bem: um valor.
Hoje, a partir dessa concepção, a vida passa a ser respeitada e protegida não só como um bem
afetivo ou patrimonial, mas pelo que ela se reveste de valor ético. Não se constitui apenas de um
meio de continuidade biológica, mas de uma qualidade e de uma dignidade que faz com que cada um
realize seu destino de criatura humana.
Sendo os direitos humanos uma proposta em favor do bem comum, não pode a Medicina Legal
ser desvinculada do conjunto das ferramentas em favor das necessidades individuais e coletivas. Faz
parte de um sistema de forças que conduz o homem na luta pela liberdade e pela justiça social.
A vida humana como valor jurídico. Vivemos sob a égide de uma Constituição
que orienta o Estado no sentido do respeito à “dignidade da pessoa humana”, tendo como normas a
promoção do bem comum, a garantia da integridade física e moral do cidadão e a proteção
incondicional da vida e da liberdade. Tal proteção é de tal forma solene que o atentado a essa
integridade eleva-se à condição de ato de lesa-humanidade: um atentado contra todos os homens.
Cada dia que passa, a consciência atual, despertada e aturdida pela insensibilidade e pela
indiferença do mundo tecnicista, começa a se reencontrar com a mais lógica de suas normas: a defesa
incondicional dos direitos humanos.
Essa consciência de que tais direitos necessitam de uma imperiosa proteção cria uma série de
regras que vai se ajustando mais e mais com cada agressão sofrida, não apenas no sentido de se
criarem dispositivos legais, mas como maneira de estabelecer formas mais fraternas de convivência.
Este, sim, seria o melhor caminho.
Tudo isso sedimenta a ideia de que o ser humano é ornado de especial dignidade e que isto deve
ser aplicado com clareza em defesa da proteção das necessidades e da sobrevivência de cada um. Os
direitos fundamentais e irrecusáveis da pessoa humana devem ser definidos por um conjunto de
normas, possibilitando que cada um tenha condições de desenvolver suas aptidões.
A defesa da pessoa e da vida e os direitos humanos. O mais efetivo marco
em favor da defesa da pessoa humana e, consequentemente, da sua vida vem da vitória da Revolução
Francesa, com a edição da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789, na qual já no
seu artigo 1o se lê: “Todos os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos.” E, no artigo
5o, enfatiza-se ainda mais quando diz: “Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou
castigo cruel, desumano ou degradante.”
Mesmo que o mundo tenha assistido a dois grandes conflitos internacionais no século 20 e que
algumas pessoas continuem cada vez mais em busca de privilégios e vantagens individuais, não se
pode negar que algo vem sendo feito em favor dos valores humanos. O que nos faz pensar assim é o
crescimento de uma parcela significativa da sociedade que já se conscientizou, de maneira isolada ou
em grupos, que a defesa dos direitos humanos não é apenas algo emblemático, mas um argumento
muito forte em favor da sobrevivência do homem. Isso não quer dizer que não haja, por parte de
alguns, a alegação de que a defesa dos direitos humanos seja um risco para a sociedade, uma
subversão da ordem pública, um jogo de interesses ideológicos ou uma ameaça aos direitos
patrimoniais. E, até mesmo, por parte de outros, seja por ingenuidade ou má fé, os quais admitem que
a luta em favor dos direitos humanos é uma apologia ao crime e um endosso ao criminoso.
A partir da edição da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela Assembleia Geral da
Organização das Nações Unidas em 1948, embora sem eficácia jurídica, pode-se dizer que ela
representa um momento importante na história das liberdades humanas, não apenas pelo que ali se lê
em termos do ideal de uma convivência humana, mas pelas declaradas adesões dos países-membros
desta Organização.
Espera-se que a humanidade vá construindo um ideário em que fiquem evidentes a importância da
valorização da pessoa e o reconhecimento irrecusável dos direitos humanos. Não adianta todo
encantamento com o progresso da técnica e da ciência se isso não for a favor do homem, assim, este
progresso será algo pobre e mesquinho.
A verdade é que o fato de o ser humano sofrer dano aos seus direitos deliberadamente é tão
antigo quanto a história da própria Humanidade. Atualmente, malgrado um ou outro esforço, muitos
são os países que ainda praticam, ou toleram, formas de castigos físicos e privação injustificada da
liberdade de pessoas indefesas, sem nenhum motivo ou qualquer fundamento de ordem normativa.
Muitas dessas práticas têm por finalidade punir tendências ideológicas ou reprovar e inibir os
movimentos libertários ou as manifestações políticas de protesto. Muitas dessas práticas cruéis e
degradantes não têm apenas a intenção da chamada “obtenção da verdade”, mas uma tática própria
dos sistemas repressivos de que dispõe o Estado, contra os direitos e as liberdades dos seus
opositores, como estratégia de manutenção no poder. Não é por outra razão que sua metodologia e
seus princípios estão nos currículos, como matérias teórica e prática das corporações militares e
policiais. Não quer dizer que não exista também a banalização do instinto malvado como maneira
torpe de dobrar o espírito das pessoas para satisfação do próprio torturador. Na realidade, o que se
procura com o desrespeito aos direitos humanos é a fragmentação do corpo e da mente e a
desmoralização do homem.
A Medicina Legal é um instrumento capaz de contribuir de maneira significativa, a partir do
momento em que ela possa denunciar, por meio de suas práticas periciais, todas as modalidades de
agressões que se verificam neste universo delinquencial que se observa, cada vez mais frequente, nos
dias de hoje.
2
Perícia Médico-legal
2. Perícias: Importância da prova; Valor racional da prova; Noções de corpo de delito;
Valor do exame realizado por um só perito; Exames para os Juizados Especiais; Junta
Médica; Segunda perícia; Prova pericial e consentimento livre e esclarecido; Revista
corporal no âmbito dos IMLs; Presença dos advogados em locais de exames; Cadeia de
custódia de evidências; Honorários periciais; Perícia – Exposição oral; Assédio pericial.
Peritos: Conceito; Deveres de conduta do perito; Responsabilidades civil e penal do
perito; Direitos dos peritos; Função do médico-legista; Impugnação do perito;Cadastro de
peritos. Prova de esforço físico em concurso para médico-legista. Direitos do periciando.
Assistentes técnicos. Documentos médico-legais: Notificações, atestados, prontuários,
relatórios, pareceres e depoimento oral. Desvinculação dos IMLs da área de segurança.
Modelos de laudos periciais.
PERÍCIAS
Define-se perícia médico-legal como um conjunto de procedimentos médicos e técnicos que tem
como finalidade o esclarecimento de um fato de interesse da Justiça. Ou como um ato pelo qual a
autoridade procura conhecer, por meios técnicos e científicos, a existência ou não de certos
acontecimentos, capazes de interferir na decisão de uma questão judiciária ligada à vida ou à saúde
do homem ou que com ele tenha relação.
A perícia, segundo seu modo de realizar-se, pode ser sobre o fato a analisar (peritia
percipiendi) ou sobre uma perícia já realizada (pericia deducendi), o que para alguns constitui-se
em um Parecer. Assim, a pericia percipiendi é aquela procedida sobre fatos cuja avaliação é feita
baseada em alterações ou perturbações produzidas por doença ou, mais comumente, pelas diversas
energias causadoras do dano. Ou seja, pericia percipiendi é aquela em que o perito é chamado para
conferir técnica e cientificamente um fato sob uma óptica quantitativa e qualitativa. E por pericia
deducendi, a análise feita sobre fatos pretéritos com relação aos quais possam existir contestação ou
discordância das partes ou do julgador. Aqui o perito é chamado para avaliar ou considerar uma
apreciação sobre uma perícia já realizada.
Todavia, tanto na peritia percipiendi como na deducendi existe o que se chama de parte objecti
e parte subjecti. A parte objetiva é aquela representada pelas alterações ou perturbações encontradas
nos danos avaliados. Estas, é claro, como estão baseadas em elementos palpáveis ou mensuráveis,
vistos por todos, não podem mudar. Essa parte é realçada na descrição. No entanto, a avaliação dos
elementos da parte objecti pode levar, no seu conjunto, a raciocínios divergentes e contraditórios,
como, por exemplo, em se determinar a causa jurídica de morte (homicídio, suicídio ou acidente), e
onde possam surgir conceitos e teorias discordantes. Essa parte subjecti é sempre valorizada na
discussão.
A finalidade da perícia é produzir a prova, e a prova não é outra coisa senão o elemento
demonstrativo do fato. Assim, tem ela a faculdade de contribuir com a revelação da existência ou da
não existência de um fato contrário ao direito, dando ao magistrado a oportunidade de se aperceber
da verdade e de formar sua convicção. E o objeto da ação de provar são todos os fatos, principais ou
secundários, que exigem uma avaliação judicial e que impõem uma comprovação. Quando a prova do
fato depender de conhecimento técnico ou científico, o juiz será assistido por perito.
As perícias se materializam por meio dos laudos, constituídos de uma peça escrita, tendo por
base o material examinado. O atestado fornecido por médico particular não substitui o laudo para
comprovação da materialidade em processo criminal, a não ser para atender o 1o, do artigo 77, Lei no
9.099/1995. “Tratando-se de infração que deixa vestígios torna-se imprestável o laudo de exame de
corpo de delito realizado com base em ficha de atendimento hospitalar, máxime se não havia
qualquer impedimento para que a vítima se submetesse à inspeção direta do médico legista, uma vez
que fora atendida no mesmo dia da confecção do laudo” (JTA Crim SP, 11:143).
Devem as perícias de natureza criminal ser realizadas preferencialmente nas instituições médicolegais e, na inexistência delas, por médicos ou profissionais liberais de nível superior na área de
saúde correlata ao fato, nomeados pela autoridade, seja no interesse dos procedimentos policialjudiciários seja nos inquéritos policial-militares.
Quanto à legitimidade de requerer a perícia, entendemos que isto não está no fato de alguém ser
autoridade, ainda que devidamente nomeada pelo poder público, mas sim daquela que estiver no
dever jurídico de determinar a perícia (p. ex., o delegado de polícia que estiver à frente do Inquérito
Criminal). A autoridade judiciária investida de sua função tem a prerrogativa de determinar que se
procedam aos devidos exames periciais. Ao Ministério Público cabe recomendar a quem de direito a
solicitação de perícia. As perícias também podem ser pedidas pela autoridade devidamente nomeada
para um determinado procedimento processual em ação pública nos âmbitos penal, administrativo ou
militar.
Hoje as perícias de natureza criminal estão reguladas pela Lei no 12.030, de 17 de setembro de
2009, estabelecendo como normas gerais que “no exercício da atividade de perícia oficial de
natureza criminal, é assegurada autonomia técnica, científica e funcional, exigido concurso público,
com formação acadêmica específica, para o provimento do cargo de perito oficial”. Mais: “Em razão
do exercício das atividades de perícia oficial de natureza criminal, os peritos de natureza criminal
estão sujeitos a regime especial de trabalho, observada a legislação específica de cada ente a que se
encontrem vinculados.” E finalmente que “observado o disposto na legislação específica de cada
ente a que o perito se encontra vinculado, são peritos de natureza criminal os peritos criminais,
peritos médico-legistas e peritos odontolegistas com formação superior específica detalhada em
regulamento, de acordo com a necessidade de cada órgão e por área de atuação profissional”.
Nas ações penais, o laudo médico-legal não é documento sigiloso. É uma peça pública, como o
boletim de ocorrência e o inquérito policial no qual ele é anexado. Quando a autoridade policial
acredita que sua divulgação pode prejudicar o andamento da investigação, solicita a um juiz que
decrete segredo de Justiça sobre o caso.
Nas ações penais privadas, apenas o juiz nomeará o perito, e tal fato não o coloca vinculado à
perícia e, por isso, não ficará ele adstrito ao laudo, podendo aceitar ou rejeitá-lo no todo ou em parte
(sistema do livre convencimento).
Com as modificações do artigo 159 do Código de Processo Penal (Lei no 11.690, de 9 de junho
2008), o exame de corpo de delito e outras perícias poderão ser realizados por perito oficial,
portador de diploma de curso superior, e na sua falta pode-se contar com duas pessoas idôneas,
“portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que
tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame”. Como inovação o fato de ao
Ministério Público, ao assistente de acusação, ao ofendido, ao querelante e ao acusado o direito da
formulação de quesitos e a indicação de assistente técnico; essa indicação do assistente técnico darse-á a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames, elaboração do laudo pelos
peritos oficiais e conhecimento das partes. Quando se tratar de perícia complexa poder-se-á designar
mais de um perito oficial e a parte indicar mais de um assistente técnico. Entende-se por perícia
complexa aquela que abranja mais de uma área de conhecimento especializado.
Nas perícias de natureza civil, o juiz pode nomear o perito tendo as partes 5 (cinco) dias, depois
da intimação de despacho de nomeação de perito, a faculdade de indicar assistentes e apresentarem
quesitos. O perito apresentará laudo em cartório, no prazo fixado pelo juiz, até vinte (20) dias antes
da audiência de instrução de julgamento. Os assistentes técnicos entregarão seus pareceres dez (10)
dias após a apresentação do laudo do perito, sem necessidade de intimação.
Podem as perícias, de uma forma geral, ser realizadas nos vivos, nos cadáveres, nos esqueletos,
nos animais e nos objetos.
Nos vivos, visam ao diagnóstico de lesões corporais, determinação de idade, de sexo e de grupo
étnico; diagnóstico de gravidez, parto e puerpério; diagnóstico de conjunção carnal ou atos
libidinosos em casos de crimes sexuais; estudo de determinação da paternidade e da maternidade;
comprovação de doenças profissionais e acidentes do trabalho; evidências de contaminação de
doenças venéreas ou de moléstias graves; diagnóstico de doenças ou perturbações graves que
interessam no estudo do casamento, da separação e do divórcio; determinação do aborto; entre
tantos.
Nos cadáveres têm-se como objeto, além do diagnóstico da causa da morte, também da causa
jurídica de morte e do tempo aproximado de morte, a identificação do morto, e o diagnóstico da
presença de veneno em suas vísceras, a retirada de um projétil, ou qualquer outro procedimento que
seja necessário.
Nos esqueletos, fundamentalmente, as perícias têm como finalidade a identificação do morto e,
quando possível, a causa da morte.
As perícias em animais são bem mais raras, mas não se pode dizer que elas não existem. Em face
da convivência do homem com os animais domésticos, podem estes, no decurso de um inquérito,
apresentar algo de esclarecimento, impondo, assim, uma diligência médico-legal. Desta forma, por
exemplo, um animal que participe de uma luta pode apresentar-se ferido ou morto, trazendo em seu
corpo um projétil de arma de fogo, tornando-se útil sua retirada para identificação da arma do
agressor. Com o advento da disciplina de Medicina Veterinária Legal nos cursos de médicosveterinários, acreditamos que muitas dessas perícias serão realizadas por esses profissionais,
principalmente as ligadas à antropologia, aos vícios redibitórios e fraudes, à traumatologia e à
toxicologia médico-veterinárias legais.
Nos objetos, finalmente, não são raras as vezes em que se pedem identificação de pelos; exames
de armas e projéteis; levantamento de impressões digitais; pesquisas de esperma, leite, colostro,
sangue, líquido amniótico, fezes, urina, saliva e mucosidade vaginal, nas roupas, móveis ou
utensílios.
Importância da prova
Se há dúvida, a prova não foi feita. Esta é a lógica mais simples.
Prova é o elemento demonstrativo da autenticidade ou da veracidade de um fato. Seu objetivo é
“formar a convicção do juiz sobre os elementos necessários para a decisão da causa” (Tourinho
Filho, FC, in Processo Penal, vol. 3, 16a edição, São Paulo: Saraiva, 1994). O objeto de sua
apreciação são todos os fatos, principais ou secundários, que demandam uma elucidação e uma
avaliação judicial. Tão grande é a importância da prova, que se pode afirmar que todo processo
consiste nela, como disse Mitermayer. É o norte que aponta o rumo da lide. A prova é a voz do fato.
Chama-se prova proibida aquela que é obtida por meios contrários à norma. Diz-se que ela é
ilícita quando agride uma regra de direito material e de ilegítima quando afronta princípios da lei
processual.
A avaliação da prova pode ser feita por três sistemas conhecidos: 1. Sistema legal ou tarifado –
em que o juiz limita-se a comprovar o resultado das provas e cada prova tem um valor certo e
preestabelecido; 2. Sistema da livre convicção, em que o magistrado é soberano, julga segundo sua
consciência e não está obrigado a explicar as razões de sua decisão; 3. Sistema da persuasão
racional quando o juiz forma seu próprio convencimento baseado em razões justificadas. Este último
é o sistema adotado entre nós. Nele, mesmo que o juiz não esteja adstrito às provas existentes nos
autos, terá que fundamentar sua rejeição. A sentença terá que discutir as provas ou indicar onde se
encontram os fatos do convencimento do juiz.
O artigo 157 do Código de Processo Penal diz que o juiz formará sua convicção pela livre
apreciação da prova. Não se deve confundir convicção íntima com livre convencimento do juiz na
apreciação das provas. Dessa forma, o livre convencimento do julgador não é um critério de
valoração alternativo secundum conscientiam, mas um princípio racional e metodológico que o leva
a aceitar ou rejeitar um resultado pericial capaz de fundamentar sua decisão.
A avaliação da prova deve ter o mesmo sentido que tem a decisão judicial: sem motivação
ideológica ou emocional, mas tão só baseada na racionalidade e na lei. Assim, ao julgador não se
pede uma certeza absoluta, senão que ele encontre a solução mais racional e a juridicamente mais
correta para a lide. Não pode ele operar com meras probabilidades ou conjecturas.
Bentham sintetizava isso dizendo: “a prova é um meio para se atingir um determinado fim”, e
ainda afirmava que “a arte do processo não é essencialmente outra coisa senão a arte de administrar
as provas” (in Tratado de las pruebas judiciales, Buenos Aires: Ediciones Juridicas EuropaAmerica, 1971); Malatesta dizia: “a prova é o meio pelo qual o espírito humano se apodera da
verdade (in A lógica das provas em matéria criminal, São Paulo: Editora Saraiva, 1960); e Berto
Freire (in Medicina legal – fundamentos filosóficos, São Paulo: Editora Pilares, 2010) afirma que a
prova deve inserir os elementos necessariamente ligados, e como necessário entende “aquilo que
não pode deixar de ser”. Mesmo que exista uma verdade sobre as razões do direito, existe outra: a
verdade a respeito dos fatos que se resolve por meio das provas dos autos, ou seja, a verdade
material.
Assim, cada vez que a astúcia humana torna-se mais e mais sofisticada para fugir da revelação
esclarecedora, urge ampliar-se a possibilidade de investir com maior empenho na contribuição da
técnica e da ciência como fatores de excelência na elaboração da prova. O verdadeiro destino da
perícia é informar e fundamentar de maneira objetiva todos os elementos consistentes do corpo de
delito e, se possível, aproximar-se de uma provável autoria. Não existe outra forma de avaliar
retrospectivamente um fato marcado por vestígios que não seja pelo seu conjunto probante. Hoje a
missão da perícia não é apenas a de “ver e relatar”, traduzida pelo velho dogma do visum et
repertum. É muito mais. É também discutir, fundamentar e até deduzir, se preciso for, no sentido de
que a busca da verdade seja feita por um modelo de persuasão mais ampliado, principalmente
quando algumas evidências são indicadoras ou sugestivas de determinados fatos. É preciso que o
clamor da Medicina Legal não cesse nas portas dos tribunais. É indispensável que ela transponha
suas soleiras para que a verdade não seja o apanágio de uma avaliação isolada e intimista, e que a
sentença seja uma proposta elaborada por um sistema ampliado e por uma decisão compartida.
A importância da prova está, pois, na necessidade que tem o julgador de fundamentar a
convicção de sua sentença. Mesmo que a jurisprudência admita decisões quando várias evidências se
juntam em um único fato. Todavia, o ideal será sempre que elas se inspirem em provas idôneas,
veementes e devidamente justificadas.
Há motivos políticos e sociais que começam a reclamar do perito médico-legal posições mais
coerentes com a realidade que se vive. Um modelo capaz de revelar um melhor papel que o seu
trabalho venha a desempenhar no complexo projeto de seus deveres e obrigações, e que possa
apontar com justiça e equilíbrio o caminho ideal nas justas e reclamadas exigências do bem comum.
Sendo o perito um profissional de conhecimentos e experiências a serviço da Justiça, ele passa a ser
um agente do mais indiscutível valor nas decisões em favor das políticas jurídico-sociais,
contribuindo assim com o interesse público e com a paz social.
Sua missão em favor do cumprimento da ordem legal é tão significativa, que não se pode
entendê-la jamais a serviço da injustiça, e sim ao lado da verdade, qualquer que seja a consequência
que disto possa advir. É claro que esta forma de atuar com independência e retidão não depende
apenas do perito, mas de uma estrutura institucional e hierárquica capaz de assegurar-lhe a segurança
de emitir seus pareceres e não sofrer ameaças a sua integridade e a sua honestidade profissional.
O primeiro compromisso em favor da prova é a qualidade do trabalho que se realiza. Na
avaliação do dano pessoal, a primeira coisa que se exige em exames dessa ordem é a caracterização
do dano corporal ou funcional, especificado pelas características e pelos padrões médico-legais a
que se propõe a perícia.
A boa qualidade da prova também exige do perito uma certa disciplina metodológica em que se
levem em consideração três requisitos básicos: a) utilização de técnicas médico-legais reconhecidas
e aceitas com a segurança capaz de executar um bom trabalho; b) utilização dos meios subsidiários
necessários e adequados para realizar cada caso, em que se tenha a contribuição irrecusável da
tecnologia pertinente; c) utilização de um protocolo que inclua a objetividade de roteiros atualizados
e tecnicamente garantidos pela prática legispericial corrente.
Outro problema não menos complexo é o da avaliação da existência de dano anterior ou do
estado anterior da vítima quando se quer estipular existência de dano físico ou psíquico.
Valor racional da prova
Cada vez mais se confirma a ideia de que a prova médico-legal no âmbito da administração
judiciária deve ser constituída não apenas por um relato meramente descritivo sobre uma
determinada realidade fática, mas que esteja alicerçada por um processo de fundamentação racional
para a apuração da verdade que se quer apurar.
O valor racional de uma prova está diretamente no maior ou menor grau de aceitabilidade das
informações ali contidas e que podem contribuir na avaliação do conflito como um insuprível meio
de comprovação de um fato. Em suma: se as afirmações ali contidas podem ser acatadas como
verdadeiras.
Isso não quer dizer que diante de afirmações aceitas como verdadeiras elas venham a alcançar
um nível de informações capaz de dar ao julgador os elementos suficientes para seu convencimento.
Todavia, o princípio da livre convicção de que dispõe o julgador não se constitui um critério
alternativo de prova, mas um princípio metodológico que lhe faculta aceitar ou rejeitar a prova e
fundamentar sua decisão. Entender que a convicção pessoal do juiz, por si só, não prova nada.
A valoração de uma prova produzida ganha força a partir da razoabilidade e da aceitabilidade
das informações prestadas, dos meios utilizados para firmar as conclusões e dos elementos que
induzem a uma suficiente probabilidade.
Os modelos mais convincentes de valoração racional de uma prova são: 1) o que é baseado na
utilização de meios ou recursos matemáticos (probabilidade matemática) – deduz-se a partir de
dados estatísticos; 2) o que é baseado em esquemas de confirmação (probabilidade indutiva) –
deduz-se através da probabilidade lógica.
Nos processos civis é mais comum aceitar-se que o resultado da prova seja instruído por uma
probabilidade lógica, e nos processos criminais costuma-se aceitar o resultado embasado na
probabilidade matemática.
Mesmo que a prova médico-legal seja um julgamento pessoal obtido sobre fatos a partir de
métodos e recursos técnicos e científicos, ela não deixa também de ter sua apreciação subjetivista e,
por isso, pode não contar com a certeza absoluta. Ela não pode ter o caráter de incontrovertibilidade.
A verdade real não existe, é uma ficção.
O que se pode aceitar é a verdade processual.
O conceito de absolutização do fato provado não deve levar ao julgador a ideia de sacralização
da prova nem se pode exigir do perito que ele assuma suas convicções como última verdade. Devese permitir a ponderação. Não há nenhum exagero em aceitar-se a prova como um feito dedutivo,
demonstrativo ou analítico, assim como se dá ao julgador tal direito sobre a verdade. Nem sempre a
prova oferece um resultado que faculte uma solução fácil do caso nem mesmo que ela por si só seja
capaz de apontar todas as verdades que encerram o conflito.
É imperioso que o laudo pericial não se afaste de sua verdade objetiva ou material representada
pela correta descrição do que é visto e se aproxime também da verdade subjetiva ou processual
retratada pelas conclusões oriundas do conjunto dos elementos materiais.
Na prova médico-legal exige-se identificar e justificar. Quem faz uma afirmação tem de se
explicar, principalmente através de uma exposição de razões que sustentem a verdade das
afirmações. Quanto mais justificada for a prova, mais credibilidade ela impõe. A prova não pode
ficar apenas na afirmação pura e simples de quem a produz, mas nos fundamentos que levaram a tal
convicção. A justificativa é uma garantia das razões do convencimento pericial.
Mesmo que a identificação do fato seja feita por um processo racional, a simples descrição dos
feitos necessita de razões justificatórias para convencer o analista do laudo, o que vai influenciar
psicologicamente em cada decisão. Por isso, não é exagerado que os operadores jurídicos motivem a
existência de uma justificação como mais um elemento valorativo da prova.
Assim, o perito não deve apontar uma verdade que não possa justificar, principalmente porque
não é raro existirem ao longo da descrição fatos que parecem irracionais ou de difícil compreensão.
Muitos acham que tais justificativas não devem se prender apenas ao que é relevante para a decisão
judicial, mas a todo o acervo objetivo que se evidenciou no decorrer da perícia.
Nesse particular há duas formas de esclarecimentos: uma de caráter analítico que consiste na
exposição pormenorizada de todos os elementos de valor probatório que levaram à afirmação
pericial; e outra genérica que se fundamenta na justificação global dos fatos observados.
Na prática médico-legal tem prevalecido, malgrado todo esforço, a técnica do relato que se
constitui tão só na descrição sumária e pouco detalhada dos danos estudados, muitas vezes com a
simples nominação das lesões, como por exemplo ferida contusa, queimadura, carbonização, entre
outros.
A técnica do relato puro e simples em vez de esclarecer pode confundir e com isso favorecer
uma decisão insuficientemente fundamentada por falta de suas necessárias justificações. Um mero
assinalamento pode até pressupor uma verdade, mas não representa as razões da mesma. Uma perícia
pode até representar um relato fático, mas não aponta a racionalidade do feito.
Noções de corpo de delito
Para o devido reconhecimento da verdade jurídica que se quer restabelecer, o direito processual
penal se vale das provas para a formação da convicção do julgador. Diz o Código de Processo
Penal: “Artigo 158: Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de
delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.” E mais: “Artigo 167: Não
sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova
testemunhal poderá suprir-lhe a falta.”
A falta ou omissão do exame de corpo de delito leva à nulidade do processo, conforme tem-se
confirmada na prática forense.
Seja qual for o enfoque dado ao corpo de delito direto – ainda que diverso no seu núcleo
conceitual, há de se o admitir como um elenco de lesões, alterações ou perturbações, e dos elementos
causadores desse dano, em se tratando dos crimes contra a vida e a saúde do ser humano, desde que
possa isso contribuir para provar a ação delituosa. Ipso facto, corpo de delito é uma metáfora, pois
supõe que o resultado do delito, considerado nos seus aspectos físicos e psíquicos, registre um
conjunto de elementos materiais, mais ou menos interligados, dos quais se compõe e que lhes
constituem uma reunião de provas ou de vestígios da existência do fato criminoso.
Desta forma, corpo de delito direto aqui considerado tem o sentido somático ou psíquico,
composto de elementos percebidos pelos sentidos ou pela intuição humana. Sendo assim, não
representa apenas os elementos físicos, mas todos os elementos acessórios que estão conectados a
determinado fato delituoso característico de infração penal.
Em suma, corpo de delito direto é a base residual do crime, sem o que ele não existe. Quando o
exame de corpo de delito não é feito, de maneira direta ou indireta, em crimes que deixam vestígios,
o processo pode ser nulo (art. 564 III, b, do CPP).
Pode ser de caráter permanente (delicta factis permanentis) ou passageiro (delicta factis
transeuntis). É, portanto, o conjunto dos elementos sensíveis do dano causado pelo fato delituoso e a
base de todo procedimento processual. Chamam-se elementos sensíveis aqueles que podem afetar os
sentidos, ou seja, podem ser percebidos pela visão, gustação, tato, audição e olfato. Só pode ser
encontrado naquilo que foi atingido pelo evento criminoso. Todavia, não se deve confundir corpo de
delito com corpo da vítima, levando-se em conta o fato elementar que este último é apenas um dos
elementos sobre o qual o exame pericial buscará os vestígios materiais que tenham relação com o
fato delituoso.
O exame do corpo da vítima é apenas uma fase do exame de corpo de delito. O corpo de delito
direto se compõe da existência de vestígios do dano criminoso, da análise do meio ou do instrumento
que promoveu este dano, do local dos fatos e da relação de nexo causal.
Chama-se corpo de delito direto quando realizado pelos peritos sobre vestígios de infração
existentes, e corpo de delito indireto quando, não existindo esses vestígios materiais, a prova é
suprida pela informação testemunhal. A denominação de corpo de delito indireto não deixa de ser
imprópria, pois o corpo de delito existe ou não existe, e, não existindo, constitui apenas um fato
testemunhado. Todavia, em nossa jurisprudência, há referências sobre o uso de prova documental
existente nos autos como meio de suprir o corpo de delito direto.
Habeas Corpus. Exame de Corpo de Delito Indireto. “O exame de corpo de Delito direto
pode ser suprido se desaparecidos os vestígios sensíveis da infração penal, por outros
elementos de caráter probatório existentes nos autos, notadamente os de natureza testemunhal
ou documental”. (STJ, Min. Felix Fischer, 5a Turma, HC 23.898/MG)
Quando, para caracterizar uma infração, for necessária a existência de vestígios, será
indispensável o exame de corpo de delito direto, não podendo supri-lo nem mesmo a confissão do
suspeito. Tal fato justifica-se na exigência da presença de provas, diretas ou indiretas, e na filosofia
penal liberal que se inclina no sentido de salvaguardar as garantias individuais do acusado. Deste
modo, em uma circunstância de causa mortis “indeterminada”, com a ausência de vestígios internos
ou externos de violência registrada em uma necropsia médico-legal, complementada por exames
subsidiários negativos, não se pode cogitar de morte violenta, nem muito menos apontar-se uma
autoria, por mais que as aparências possam insinuar.
Destarte, o corpo de delito direto fica limitado exclusivamente aos elementos materiais
produzidos pela infração ou que tenham concorrido para sua existência. Isso não quer dizer que
outros elementos não sejam significativos para se ter um melhor entendimento do corpo de delito e da
ação ou do meio gerador desse evento, como por exemplo o estudo de uma arma ou de um objeto
utilizado no crime.
Díaz, citado por Bonnet (in Medicina Legal. 2a edição, Buenos Aires: Libreros Editores, 1990),
afirma que no corpo de delito devem ser considerados: 1. Corpus criminis – a pessoa ou a coisa
sobre a qual se tenha cometido uma infração e em quem se procura revelar o corpo de delito. No
entanto, sua presença isolada não configura a existência do elemento palpável da antijuridicidade. Ou
melhor, o corpo da vítima não é o corpo de delito, senão um elemento no qual poderiam existir os
componentes capazes de caracterizar o corpus delicti. 2. Corpus instrumentorum – a coisa material
com a qual se perpetrou o fato criminoso e na qual serão apreciadas sua natureza e sua eficiência. 3.
Corpus probatorum – o elemento de convicção: provas, vestígios, resultados ou manifestações
produzidos pelo fato delituoso. Ou seja, o conjunto de todas as provas materiais de um crime.
Há de se considerar ainda o que se passou a chamar de “exame de corpo de delito indireto” ou de
“laudo indireto”. Não existe laudo indireto. Todo laudo é direto, mesmo porque ele está consagrado
pela expressão “visum et repertum” (ver e repetir ou ver e referir), significando aquilo que foi
examinado e é dado a conhecer. Os exames, portanto, são feitos de forma incorreta usando-se dados
contidos em cópias de prontuários, relatórios de hospital ou simples boletins de atendimento médico,
quando diante da impossibilidade do exame no periciando, principalmente em casos de lesões
corporais ou necropsias.
Entendemos que os peritos, para elaborarem os laudos ou autos de corpo de delito, devem
imperiosamente examinar o paciente, constatando as lesões existentes e analisando com critérios a
quantidade e a qualidade do dano, assim como toda e qualquer circunstância digna de registro,
respondendo em seguida aos quesitos formulados. Por isso, não podem eles se valer exclusivamente
de cópias de prontuários ou relatórios hospitalares. Estes documentos, quando existirem, devem
servir, isto sim, para uma análise a critério da autoridade. Nunca solicitar dos peritos, que não
examinaram a vítima, tal exame de corpo de delito baseado tão só em prontuários ou boletins de
atendimento médico.
O máximo que a autoridade pode exigir da perícia, em forma de parecer, é a interpretação de
alguns pontos mais obscuros ou controversos contidos naqueles documentos, como, por exemplo, a
existência ou não do perigo de vida configurado em circunstâncias iguais àquela. Jamais a
reconstituição de um quadro, principalmente quando decorrido um certo tempo.
Insistindo-se em tal procedimento, pode-se dizer que este documento médico-legal é imprestável
para fins probantes, pois a lei processual penal reporta-se de maneira muito clara: “Não sendo
possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal
poderá suprir-lhe a falta.” O perito ainda pode responder por infração ao artigo 92 do Código de
Ética Médica que assim se expressa: “É vedado ao médico: Assinar laudos periciais, auditorias ou
de verificação médico-legal quando não tenha realizado ou participado pessoalmente do exame.”
Outra questão diversa, no entanto, é a utilização de atestados médicos ou declarações de
hospitais, como de uma cirurgia ou de um laudo radiológico, para subsídio no ato do Exame de
Corpo de Delito Direto ou do Exame da Sanidade de um paciente que está sendo examinado pelo
perito.
Em síntese, existem duas formas de consignar danos oriundos de uma agressão: a primeira em
que, por terem de algum modo desaparecido os vestígios, se confirma o fato de forma indireta por
meio da prova testemunhal (corpo de delito indireto), e a segunda em que este exame é lavrado a
partir de vestígios deixados pela infração por meio do exame pericial (corpo de delito direto).
Valor do exame realizado por um só perito
O laudo de exame de corpo de delito é tão importante no processo, que nossa lei adjetiva penal o
considera insuprível e indispensável até mesmo diante da confissão do acusado (artigo 158).
Agora, com as mudanças do Código de Processo Penal, fica estabelecido que “o exame de corpo
de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso
superior”. E que “na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas,
portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem
habilitação técnica relacionada com a natureza do exame”. Logo a lei passa a admitir que as perícias
possam ser feitas por um único perito oficial.
Todavia, “tratando-se de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento
especializado, poder-se-á designar a atuação de mais de um perito oficial, e a parte indicar mais de
um assistente técnico”.
Mesmo que as perícias venham sendo feitas, na sua maioria, por um único perito, será que um
laudo elaborado nestas condições tem o valor probante e inquestionável que se espera de uma prova?
Tão certo que não basta um só perito é que se faculta ao Ministério Público, ao assistente de
acusação, ao ofendido, ao querelante e ao acusado a formulação de quesitos e indicação de assistente
técnico. Ou seja, que se traga mais alguém para fortalecer o contraditório.
O Supremo Tribunal Federal antes, em sua Súmula 361, deixava o assunto assim definido: “No
processo penal, é nulo o exame realizado por um só perito, considerando-se impedido o que tiver
funcionado, anteriormente, na diligência da apreensão.”
Em matéria relativa ao tema, o juiz Márcio José de Moraes, de São Paulo, em sentença proferida
em uma ação declaratória em favor de Clarice Herzog e filhos, contra a União Federal, exclui toda
validade do laudo, cujo exame foi efetivado por apenas um perito, ao afirmar: “De tais motivos
decorre a ineficácia do laudo de exame de corpo de delito realizado no cadáver de Vladimir Herzog
e, consequentemente, ficam prejudicadas todas as conclusões a que o mesmo chegou, o que torna
imprestável para fins probatórios pretendidos pela União Federal.”
Pode parecer absurdo ou descabida exigência fazer com que, por exemplo, em um exame de lesão
corporal, onde existam apenas discretas escoriações, obrigue-se a presença de dois peritos. Não, não
é. A experiência tem demonstrado que não. E, no mundo da Medicina Legal, não existem casos
simples. Tudo é importante. Cada caso pode encerrar, por mais simples que pareça, significações tão
complexas quanto se possa imaginar.
Assim, mesmo levando-se em conta a capacidade profissional e a idoneidade do perito; a praxe,
entre nós, de o exame ser feito por um só legista e também ser assinado por um outro que não
participou do evento; e estar o documento constituído de todas as suas partes e devidamente descrito
e fundamentado no melhor rigor técnico, à luz da lógica científica, entendemos que o exame feito por
um só perito é insuficiente como valor probante no curso de uma apreciação pericial, pois omite a
oportunidade do contraditório.
O Supremo Tribunal Federal já considerou corpo de delito indireto o laudo assinado por um só
perito, corroborado por testemunhas (RTJ 65/816). Estranho, pois é consenso que o exame de corpo
de delito indireto não pode ser admitido quando é possível a realização do exame direto. (Ver Nilo
Batista. Decisões Criminais Comentadas. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1976, p. 105.)
Exames para os Juizados Especiais
Cumprindo o que estatui o artigo 98 da Constituição Federal, que cria os Juizados Especiais
Cíveis e Criminais (Tribunais de Pequenas Causas), orientados para julgarem, entre outros, os
crimes de menor potencial ofensivo (as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena
máxima não superior a 2 anos, cumulada ou não com multa), admite-se a dispensa do inquérito
policial e do exame de corpo de delito quando a materialidade do crime estiver aferida por boletim
médico ou prova equivalente. É o que determina o § 1o, do artigo 77, da Lei no 9.099, de 26 de
setembro de 1995.
As razões desses Juizados Especiais é a simplicidade, a celeridade e a informalidade como
mecanismos de economia processual, procurando-se maior rapidez nas soluções de pequenos
conflitos, pela transação e conciliação.
Entre esses crimes de menor potencial ofensivo estão alguns sujeitos à apreciação técnica.
Agora, com o informalismo dessas ações, pode-se dispensar o exame de corpo de delito, desde que
substituído por simples boletim de ocorrência médica.
Acreditamos que essa tenha sido a maneira encontrada de solucionarem pequenos conflitos que
se arrastavam em demorados processos. Também uma forma de desafogar os Institutos MédicoLegais de exames irrelevantes e insignificantes, deixando-se para esses órgãos os casos mais
complexos.
Todavia, há algumas situações que devem ser consideradas, como, por exemplo: 1 o – Se a ação
não se encerrar no Juizado de Pequenas Causas e prosseguir para a Justiça Comum, como resgatar os
elementos constitutivos do corpo de delito? 2o – Se a natureza da lesão for leve no momento da
agressão e depois da conciliação e da transação vier a ser agravada após a sentença irrecorrível do
juiz, como remediar tal questão? 3o – Se não há conciliação ou transação entre as partes, a Justiça
comum terá como instruir o processo, sabendo-se que a falta da materialidade por meio do exame de
corpo de delito leva à nulidade processual? Como proceder?
Hoje, por meio da exegese fornecida por respeitáveis doutrinadores e pelos tribunais superiores,
tais indagações já têm respostas. Vejamos:
1. Na prática, se houve um erro dos peritos ao elaborar o laudo, que leve o representante do
Ministério Público a entender que a lesão é grave ou gravíssima, o processo é redistribuído para uma
das varas criminais comuns e então o novo Promotor de Justiça aditará a denúncia e requisitará ao
Juiz um novo exame ou um exame complementar, uma vez que, na hipótese aqui ventilada, a lesão não
mais seria leve, e sim grave ou gravíssima. Ou ainda, se não mais existirem vestígios, o mesmo se
valerá da prova indireta, através do prontuário médico, das testemunhas, ou de um parecer médicolegal.
2. Da conciliação ou transação aceita pelo Autor do Fato, cabe ao Juiz homologar ou não.
Homologada a transação ou a conciliação, e cumpridas as exigências legais, o processo é arquivado.
Não aceita a transação ou a conciliação pelo autor do fato, o processo segue para Instrução e
Julgamento, instalando-se o contraditório e a ampla defesa, e ao final uma sentença absolutória ou
condenatória, cabendo recurso para a Turma Recursal. Porém, nada impede na transação ou na
conciliação, uma vez que não é apreciado o mérito da questão, que seja a ação novamente proposta
em outra vara criminal se um evento de maiores proporções venha a ocorrer em virtude de uma causa
superveniente ou preexistente agravante com nexo causal decorrente da lesão leve inicial. Esta
situação já está prevista no Código de Processo Penal. Na Lei no 9.099/95, ficou estabelecido que às
situações não contempladas pela lei serão aplicados subsidiariamente o Código Penal e o Código de
Processo Penal. Portanto, se após a conciliação ou a transação, ou mesmo, após a sentença transitada
em julgado ficar provado que a vítima teve seu estado de saúde agravado ou então venha a falecer
em decorrência da lesão leve recebida, o processo será agora apreciado pela Justiça Comum, e
novas provas serão realizadas sem prejuízo para o Estado (Acusação).
3. Se não há conciliação ou transação, o processo será remetido para instrução e julgamento no
próprio juizado. Ou ainda, o Promotor de Justiça poderá lançar a proposta da suspensão condicional
do processo.
Junta Médica
A Junta Médica, quando no interesse da administração pública, concentra-se em avaliar as
condições físicas e psíquicas dos funcionários na sua admissão, no retorno ao trabalho, ou
afastamento para tratamento, ou aposentadoria. No Serviço Público Federal, sua composição, sua
atribuição e suas características são definidas em lei, decreto, regulamento, resolução ou orientação
normativa. A Orientação Normativa no 41 do Departamento de Recursos Humanos/SAF (Secretaria
de Administração Federal) estabelece: “Compete aos dirigentes de pessoal dos órgãos da
administração direta, das autarquias e das fundações federais a designação de juntas médicas
oficiais, compostas de 3 (três) membros.” Para alguns, a Junta Médica pode ser constituída por dois
membros, mas, neste caso, pode existir a necessidade de desempate.
O parecer CFM (Processo Consulta CFM no 4362/94) diz: “Por junta médica, “lato sensu”,
entende-se dois ou mais médicos encarregados de avaliar condições de saúde, diagnóstico,
prognóstico, terapêutica etc., que podem ser solicitadas pelo paciente ou pelos familiares, ou mesmo
proposta pelo médico assistente. Quando com finalidade específica, administrativa, tem a missão de
avaliar condições laborativas ou não e, assim, fundamentar decisões de admissão, retorno ao
trabalho, afastamento para tratamento ou aposentadoria. Nesses casos sua composição será definida
em lei, decreto, regulamento, resolução ou orientação normativa.”
O ideal seria que a Junta Médica fosse constituída por especialistas que atuassem em sua própria
área. Mas, como isto é impossível, e tendo o médico competência legal para exercer a medicina em
sua amplitude, ele pode ser de uma especialidade mais próxima possível do que avalia e, quando for
necessário, pode recorrer a atestados ou laudos de especialistas para esclarecer um diagnóstico ou
fundamentar suas conclusões. Em tese, o médico pode compor uma Junta independentemente de sua
especialidade.
Por analogia, pode-se dizer que o médico não pode participar de uma Junta que examine seu
próprio paciente, pessoas da família ou de alguém com o qual tenha relações capazes de influir em
seu trabalho (CEM, artigo 93).
No que diz respeito aos atestados às Juntas Médicas, o Parecer-Consulta CFM no 01/2002 diz:
“A Junta Médica pode e deve, quando em situações de conflito entre o atestado médico emitido
pelo médico assistente e o observado pela própria Junta, no exame físico e na análise dos exames
complementares do periciado, recusar ou homologar o entendimento semelhante ou diverso do
médico assistente, atendendo ao previsto nas diretrizes recomendadas em consenso das
Sociedades de Especialidades.”
A Junta Médica oficial pode solicitar pareceres de médicos especialistas para esclarecer
diagnóstico e fundamentar o laudo conclusivo. A conduta das Juntas de Perícia Médica deve ser
norteada pela legislação específica, Resolução CFM no 1.488/98 e Código de Ética Médica.
Segunda perícia
De acordo com o artigo 182 do Código de Processo Penal: “O juiz não ficará adstrito ao laudo,
podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte.” Tal prerrogativa lhe dá o direito, de ofício, de
determinar a realização de uma nova prova, desde que a primeira não tenha lhe conferido as
informações necessárias para esclarecimento da matéria ou que ele julgue a perícia sem condições
probantes por omissão, incoerência ou falta de sustentação e clareza nas afirmações do perito. Esta
faculdade também está exposta no Código de Processo Civil: “O juiz poderá determinar, de ofício ou
a requerimento da parte, a realização de nova perícia, quando a matéria não lhe parecer
suficientemente esclarecida.”
Este ato pode ser proferido antes ou no curso da audiência de instrução e julgamento, mesmo
depois dos esclarecimentos do perito e dos assistentes técnicos.
A segunda perícia rege-se pelas disposições estabelecidas para a primeira, porém não substitui a
primeira, cabendo ao juiz apreciar livremente o valor de ambas. A segunda perícia tem por objeto os
mesmos fatos sobre o que recaiu a primeira e destina-se a corrigir eventual omissão ou inexatidão
dos resultados a que esta conduziu.
Como a segunda perícia não substitui a primeira, verifica-se um fato desconfortante: nos autos,
ficam constando duas perícias, uma vez que a segunda não substitui a primeira e, por isso, devem
ambas ser livremente apreciadas pelo juiz e pelas partes. Cabendo ao juiz, de ofício ou a
requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as
diligências inúteis ou meramente protelatórias, entende-se que em casos excepcionais, o juiz pode
pedir uma nova perícia, principalmente quando há fatos novos no processo, sempre ao seu talante e
não a pedido das partes.
Prova pericial e consentimento livre e esclarecido
Considerando-se o princípio constitucional expresso no artigo 5o – II que diz: “ninguém é
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” e, ainda, o que assegura o
STF dizendo “ninguém pode ser coagido ao exame ou inspeção corporal, para a prova cível”
(RJTJSP 99/35, 111/350, 112/368 e RT 633/70), resta evidente que ninguém está obrigado a ser
submetido a qualquer tipo de exame pericial sem sua permissão.
Mesmo que se trate de matéria de ordem pública, em que o interesse comum prepondera ao do
particular, ainda assim a averiguação da verdade não pode nem deve se sobrepor aos direitos e ao
respeito que se impõem ao examinado, que venha a se omitir ou a se deixar examinar. Não cabe dizer
que “os fins justificam os meios”.
Ninguém discute que a prova médico-legal, em tantos casos, seja de importância indiscutível
quando busca evidências no momento de avaliar suas origens e suas consequências diante dos
diversos interesses jurisdicionais.
Todavia, para se realizar uma perícia médica, qualquer que seja a sua natureza, com ou sem os
chamados métodos invasivos, deve-se obter o consentimento livre e esclarecido do examinado ou de
quem legalmente o represente. Não seria correto admitir-se apenas o consentimento daqueles que são
assistidos nas práticas assistenciais e preventivas das ações de saúde.
Desta forma, quando do exame médico-pericial, deve o perito informar previamente sobre o
objeto, fins, riscos, métodos e exames que se devem realizar, assim como quem solicitou aquele
procedimento.
Ainda mais: tais informações devem ser prestadas pelo próprio perito ao examinado capaz ou
aos seus representantes legais; devem ser dadas antes do início do exame; devem ser emitidas em
linguagem compreensível (princípio da informação adequada).
Assim, pode-se afirmar que o examinado diante de uma avaliação médico-legal tem o direito
constitucional de recusar-se à realização do exame, pois ele está com essa negativa exercendo a
prerrogativa de não submeter o seu próprio corpo a uma prova que não deseja e o direito de não
depor ou apresentar provas contra si próprio. Isto já está muito claro quando da decisão do Superior
Tribunal de Justiça na recusa de submissão à coleta de sangue nos exames de paternidade, embora
seja isto considerado uma ficta confessio ou não dentro da lógica indiciária.
A recusa de um periciando menor de idade à realização de um exame médico-legal presume
também um princípio de que esta determinação deve ser respeitada. Há quem defenda este fato em
determinadas circunstâncias, principalmente quando o examinando não tem a devida compreensão do
que se quer apurar, como, por exemplo, em uma perícia dos chamados crimes sexuais. Em casos
desta natureza, acredito que os pais ou responsáveis legais não têm permissão para autorizar a
realização da perícia contra a vontade do menor. O correto será encaminhar o caso ao Conselho
Tutelar da Criança e do Adolescente ou diretamente ao Juizado de Menores.
O limite da idade do menor deve ser aquele em que ele entenda a gravidade da ofensa recebida, o
alcance de sua decisão e a responsabilização dos autores. A idade, portanto, não é o único parâmetro
avaliado, devendo-se levar em conta que o menor tem o direito à reserva de intimidade de sua vida
privada.
Caso a autoridade competente entenda que a perícia deve ser feita no legítimo interesse do menor
e da própria sociedade, tudo deve ser feito de maneira que não coloque em risco o seu bem-estar, o
interesse da ordem pública e, principalmente, o superior interesse do examinado.
Revista corporal no âmbito dos IMLs
A Declaração de Budapeste que trata da procura de objetos em corpos de prisioneiros, adotada
pela 45a Assembleia Geral da Associação Médica Mundial em Budapeste, Hungria, em outubro de
1993, preocupada com o modo com que esta busca é realizada nos corpos dos prisioneiros – que
inclui exame retal e pélvico, executada na população prisional em vários países do mundo –, chama a
atenção para o fato de que estas práticas estão sendo feitas por alegadas razões de segurança e não
por motivos médicos.
A Associação Médica Mundial chama a atenção dos governos e funcionários públicos
responsáveis pela segurança que tais procedimentos invasivos se constituem em agressão séria à
privacidade e à dignidade de uma pessoa e que causam riscos de dano físico e psicológico.
Se esta questão preocupa quando aplicada aos prisioneiros detidos pela prática de crimes, muito
mais séria se torna quando se trata de parentes ou familiares de presos no momento do ingresso para
visitas ao detento nos presídios ou quando os encaminhados para exame são apenas suspeitos. Neste
caso é mais flagrante o desrespeito ao princípio da presunção da inocência.
O mais grave, todavia, é quando o Estado, deixando de lado o que regula a matéria, transforma
em seus “inimigos” os familiares do prisioneiro, impondo-lhes procedimentos desprezíveis de
revista corporal por ocasião das visitas em estabelecimentos penais, tudo em nome de um estado de
direito e de uma paz pública, ambos vistos ainda como uma promessa.
É preciso que se desmistifique o conceito de que a intervenção corporal faz parte da revista
pessoal. Isto é falso porque a primeira pressupõe a busca de prova de maneira invasiva no interior
do corpo e a segunda é externa, superficial, pois é realizada apenas sobre o corpo e as vestes do
revistado.
A questão referente à pessoas suspeitas de ocultarem objetos ou materiais em seu corpo
encaminhadas para exame nos Institutos de Medicina Legal parece-nos, ainda, muito mais grave,
tanto pelo aspecto, pois este indivíduo é apenas um suspeito, como pela ótica moral em face do
vilipêndio aos seus direitos constitucionais e do ultraje a sua dignidade como ser humano.
Em certo relato de denúncia, o Tribunal de Justiça de São Paulo, em um pedido de Habeas
Corpus, determinou o trancamento de Ação Penal por considerar inexistência de justa causa. Os
policiais levaram uma mulher para ser submetida a exame ginecológico. De acordo com a denúncia,
o médico que a atendeu retirou da vagina da acusada 49 gramas de maconha.
Para os desembargadores da 16a Câmara Criminal, a prisão da ré só foi determinada no interesse
da prática invasiva, feita contra a vontade da acusada e por determinação dos policiais, sem a
autorização da Justiça.
Nada mais elementar do que entender o quanto tais intervenções afetam o pudor, o recato e a
intimidade. “Evidente a incompatibilidade com a ordem constitucional dos fundamentos da
determinação de que a paciente fosse submetida ao exame ginecológico, contra a sua vontade, em
evidente afronta aos direitos à intimidade, à inviolabilidade de seu corpo e à sua dignidade”,
sintetizou o relator.
Tribunal de São Paulo – QUINTA CÂMARA CRIMINAL
Recurso provido. Julgamento: 06/09/2005 - TRATAMENTO DESUMANO OU
DEGRADANTE (ART. o5, III C.F.). PROVA ILÍCITA (ART. 5o LVI, C.F). ABSOLVIÇÃO
Constatou-se que a apelante, ao submeter-se a revista íntima no Presídio Muniz Sodré,
Complexo Penitenciário de Bangu – onde visitaria um preso –, trazia consigo, dentro da
vagina, 317 g de maconha. O modo como se fez a apreensão do entorpecente, no interior da
vagina, constitui prova obtida por meios ilícitos, inadmissíveis no processo (art. 5 o, LVI,
Constituição Federal). Essa revista pessoal – obrigada a visitante a despir-se completamente,
abaixar-se, abrir as pernas, fazer força, pular – é vexatória, degradante, violenta o direito à
intimidade (art. 5o, X, C.F.) e a dignidade da pessoa humana (art. 1o, III, C.F.), nenhum valor
processual tendo a prova assim obtida. (...).“ (José Frederico Marques).
O ato de revista à intimidade do corpo é uma afronta aos direitos humanos e uma prática que foge
das atividades médico-legais que são sempre em favor da Justiça e no interesse dela. Esse tipo de
perícia degrada e humilha o ser humano que, diante de terceiros, é obrigado a expor suas partes
íntimas e ser tocado no ânus e na vagina em nome de uma falsa segurança pública. Isso não é
diferente de uma prática de tortura.
O Estado deve disponibilizar para os institutos de perícias forenses meios e instrumentos, como a
semiologia de imagem radiológica, capazes de respeitar a intimidade dos examinados. E mais: se um
indivíduo, qualquer que seja sua condição econômica ou social, se recusar a fazer o exame, seu
pedido deve ser respeitado porque isto é um direito assegurado pela Constituição, como uma
prerrogativa que todos têm de não apresentar prova contra si.
Presença dos advogados em locais de exames
A Lei no 8.906, de 4 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia, e a Ordem dos
Advogados do Brasil – OAB, em seu Capítulo II – Dos Direitos do Advogado, artigo 7o, diz em seu
item VI, letra c, que são direitos do advogado “ingressar livremente em qualquer edifício ou recinto
em que funcione repartição judicial ou outro serviço público onde o advogado deva praticar ato ou
colher prova ou informação útil ao exercício da atividade profissional, dentro do expediente ou fora
dele, e ser atendido, desde que se ache presente qualquer servidor ou empregado”.
Desta forma se entende que estando o advogado devidamente habilitado em determinada ação tem
ele o direito de comparecer e assistir aos procedimentos onde se colhem as provas em favor de seu
constituinte, mesmo durante inquérito policial. Com muito mais razão se esta é a vontade do seu
assistido e se não existe assistente técnico indicado. Tais prerrogativas da norma que regula o
ingresso do advogado em determinados locais e recintos tem o sentido de ampliar a lisura e a
transparência dos atos do inquérito ou do processo.
É claro que a presença do advogado em determinados exames pode trazer algum constrangimento,
mas isto será facilmente resolvido com a aquiescência ou não do examinado.
Se considerarmos tão só o disposto no Código de Processo Penal, pode-se deduzir que os atos
policiais praticados no curso do inquérito – incluso o corpo de delito – não estão acessíveis ao
constituído do investigado.
Todavia os regulamentos concernentes ao exercício da advocacia não são estranhos à
circunstância sob análise e, por assim ser, não é possível descartar-se a incidência do disposto na
Lei no 8.906/94, artigo 7o, inciso VI, letra c. Pode parecer a ocorrência de uma colisão das normas
supracitadas aplicáveis ao caso e que seriam, em princípio, inconciliáveis. Entretanto, há apenas um
aparente conflito de normas jurídicas.
Imperioso reiterar-se, aqui, a circunstância de a presente análise ser procedida tomando-se como
referencial os aspectos próprios do procedimento na fase inquisitorial, pois, como se sabe, na fase
processual isto é líquido e certo.
A realização do exame de corpo de delito, ainda que inserida no conjunto de meios e condutas
utilizáveis na prática do Inquérito Policial para aferição da ocorrência de fato delituoso, não
necessita de ser levada a termo de forma secreta, uma vez que esse modo de fazer não se apresenta
necessário à validade e à eficiência do que se quer apurar no interesse da sociedade. Sabe-se,
extraindo-se da norma penal, que o instituto do sigilo não é absoluto e não pode ser imposto de forma
indiscriminada, sem com isso deixar-se de ter em conta o interesse social sempre que exista um
crime sob investigação.
Nesse sentido, vale registrar decisão proferida pela Sétima Turma do Tribunal Regional Federal
da 4a Região, verbis:
1. A constitucional publicidade dos atos processuais e o direito de acesso indispensável ao
exercício da advocacia encontram limites na proteção social, nos estritos limites das hipóteses legais
e enquanto a descoberta da diligência pudesse frustrar seus objetivos. Precedentes.
2. Não podem ser admitidas medidas restritivas a direitos dos cidadãos (prisão, sequestro de
bens, invasão de domicílio para busca e apreensão, violação dos sigilos constitucional ou legalmente
protegidos…) baseadas em investigações cujo segredo se mantenha.
3. Sempre terão o investigado e seu advogado acesso aos autos de inquérito policial e, uma vez
concluída a diligência sigilosa, mesmo a ela será então permitido acesso imediato dos investigados,
não existindo direito ao Estado de vedar tal acesso pelo interesse de continuidade em novas
diligências investigatórias.
4. Segurança concedida.
(TRIBUNAL – QUARTA REGIÃO. MS – MANDADO DE SEGURANÇA. Proces
200504010332337 UF: PR Órgão Julgador: SÉTIMA TURMA. Data da decisão: 27/09/200
Documento: TRF400114877. Fonte DJU DATA: 19/10/2005 PÁGINA: 1254. Relator(a) NÉF
CORDEIRO. Data Publicação 19/10/2005.)
No mesmo sentido é a opinião de Guilherme de Souza Nucci (in Manual de Processo Penal e
Execução Penal, 2a edição, Revista, atualizada e ampliada, São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2006. p. 150): “Além da consulta aos autos, pode o advogado participar, apenas
acompanhando, a produção das provas. É consequência natural da sua prerrogativa profissional de
examinar os autos do inquérito, copiar peças e tomar apontamentos. Pode, pois, verificar o
andamento da instrução, desde que tenha sido constituído pelo indiciado, que, a despeito de ser
objeto de investigação e não sujeito a direito na fase pré-processual, tem o específico direito de
tomar conhecimento das provas levantadas contra sua pessoa, corolário natural do princípio
constitucional da ampla defesa. (…). Aliás, não há fundamento para a exclusão do advogado na
produção da prova, embora no seu desenvolvimento não possa intervir – fazendo reperguntas às
testemunhas, por exemplo –, mas somente acompanhar, porque os atos dos órgãos estatais devem ser
pautados pela moralidade e pela transparência. Dir-se-á que o inquérito é sigiloso (ausente a
publicidade a qualquer pessoa do povo) e não contestamos tal afirmativa, o que não pode significar a
exclusão da participação do advogado como ouvinte e fiscal da regularidade da produção das
provas, caso deseje estar presente.”
Desta forma, qualquer controvérsia entre peritos e advogados pode ser resolvida desde que se
entenda que o advogado está ali no exercício regular de um direito e o perito na livre prerrogativa de
exercer com plena liberdade os fundamentos técnicos que embasam sua atividade legispericial. E,
quando o advogado participar, deve fazê-lo com discrição. Por essas razões – e sem considerar
qualquer fundamento técnico – entendemos não ser possível impedir-se que o advogado presencie,
sem participação ativa, a realização do exame de corpo de delito.
Outrossim, deve entender o perito que o advogado necessita de algumas informações que devem
ser sustentadas em favor de suas teses e o advogado deve entender a dinâmica e a importância da
atividade pericial cujo sentido é colaborar para que a prova contribua para a verdade material que se
deseja alcançar.
Alguém pode dizer que tal permissão pode trazer o caráter tumultuário, na medida em que isso
poderia atribular a sequência das fases periciais e permitir a manifestação ou o desconforto pela
presença do advogado em tal recinto. Mas é necessário entender que este não é o momento
apropriado de possibilitar o contraditório.
Acreditamos que tal faculdade cedida aos advogados é mais uma oportunidade de se fazer
transparente os atos processuais e mostrar que dentro das repartições periciais praticam-se
procedimentos que estão de acordo com os princípios gerais do Direito.
O Conselho Federal de Medicina, quando abordado sobre a possibilidade de os advogados
participarem de ato médico pericial judicial, confirmou em seu Parecer CFM no 31/2013: “A perícia
médica é ato privativo de profissional que exerce a Medicina. O médico-perito tem plena autonomia
para decidir pela presença ou não de pessoas estranhas ao ato médico pericial.” Desta maneira, o
CFM submete a presença do advogado durante uma perícia médico-legal à anuência do médicoperito e não a principios éticos ou legais justificadores de tal decisão.
Cadeia de custódia de evidências
Entende-se por cadeia de custódia o registro em documento da movimentação dos elementos da
prova quando do seu envio, conservação e análise nos laboratórios. Ou, como afirma Josefina
Fernandez: “um documento escrito onde ficam refletidas todas as incidências da amostra”. Isso é da
maior importância na credibilidade que se espera das conclusões periciais.
Nesse documento devem constar a nominação da amostra, sua hora e data, pessoas que a
entregam e recebem, sua descrição e fotografia. Devem constar a identificação do local de
armazenamento até sua entrega no laboratório, o tempo decorrido e o tipo de substância
conservadora quando utilizada. Ainda devem constar o tipo, as condições e a data do transporte.
No laboratório devem constar a data e a hora da amostra, o nome da pessoa ou da empresa que
faz a entrega, nome da pessoa que recebe o material, o lugar onde fica até a abertura do recipiente,
descrição da etiquetagem, tipo de manipulação promovida e a citação do local onde fica até a
análise.
Durante a análise deve-se colocar hora e data de seu início, a descrição da amostra e sua
identificação com as fotos, registro de todos os procedimentos realizados e nome das pessoas
envolvidas no exame.
Depois da análise deve ser feito o registro da hora e da data de sua conclusão, lugar onde ficará a
amostra até o período de pós-análise e a forma e data de sua destruição ou devolução.
É claro que existem tipos de amostras que, em virtude de sua estrutura, consistência ou tipo de
exame a ser realizado, merecem cuidados especiais.
Como se vê, todo esse cuidado é no sentido de proteger a identidade e a integridade da amostra e
com isso evitar resultados alterados por má-fé ou de forma acidental, trazendo grandes prejuízos
para a obtenção da verdade que se quer conhecer.
Honorários periciais
Os peritos oficiais que trabalham em instituições públicas não podem cobrar honorários, pois já
está incluso em seus vencimentos e em seu contrato de trabalho.
Por outro lado, quanto aos médicos não peritos oficiais quando nomeados pela autoridade
competente para realizarem perícia em casos de Inquérito Policial, o Conselho Federal de Medicina,
em seu Parecer CFM no 08/1990 (baseado no Parecer Jurídico CFM no 08, de 18 de janeiro de
1990), estabelece que eles estão obrigados a aceitar o ônus de perito, exceto nos casos previstos no
Código de Processo Penal, devendo, entretanto, se assim for o seu entendimento, cobrar do órgão
público solicitante e não da vítima a justa remuneração pelo ato médico realizado.
Diz ainda o Parecer: “Não há dúvidas quanto à obrigatoriedade do médico em aceitar o múnus de
perito quando nomeado pela autoridade competente, em observância ao disposto no art. 277 do
Código de Processo Penal. O perito nomeado pela autoridade será obrigado a aceitar o encargo, sob
pena de multa de duzentos cruzeiros a mil cruzeiros, salvo escusa atendível. Parágrafo Único –
Incorrerá na mesma multa o perito que, sem justa causa, provada imediatamente: a) deixar de acudir
à intimação ou ao chamamento de autoridade; b) não der o laudo, ou concorrer para que a perícia não
seja feita, nos prazos estabelecidos, sob pena de responder judicialmente pela recusa ou omissão”. E
mais: “Assim procedendo, estar-se-ia cumprindo os princípios do Direito Público e o interesse
maior em não estancar a justiça no cumprimento do imperativo legal, vez que tais exames, além de se
constituírem em peças processuais de relevante valor técnico no julgamento do mérito das causas que
a determinaram, revestem-se de importância social indiscutível para o conhecimento da verdade e
para a garantia dos direitos de cidadania”.
Não é sem motivo dizer que o Estado tem a responsabilidade em aparelhar adequadamente a
administração da justiça no sentido de que esta tenha condições mínimas de arcar com a realização
de tais exames e não a vítima, a quem não cabe qualquer despesa por procedimentos médicos
realizados por médicos peritos nomeados, vez que os indivíduos submetidos a tais exames não
preenchem, nessa relação, a condição de um paciente que celebra com o médico um contrato de
trabalho.
No caso dos que funcionam em ações de direito privado e quando nomeados pelo juiz em casos
de beneficiários da justiça gratuita, mesmo assim, sua função não pode ser honorífica. O Conselho da
Justiça Federal do Superior Tribunal de Justiça (STJ) editou a Resolução no 227/2000 reconhecendo
isso quando trata do pagamento de honorários periciais prestados nessas condições. Essa norma
estabelece os parâmetros mínimos e máximos de remuneração em diversas áreas de atuação. Isso
também caberia às entidades civis de classe estabelecerem parâmetros de remuneração dentro de
cada área profissional e da complexidade de cada perícia.
No que diz respeito aos honorários do assistente técnico, “cada parte pagará a remuneração do
assistente técnico que houver indicado (…).”
Nos casos em que as partes têm condições de efetuar o pagamento do perito, diz ainda o artigo
supracitado: “(…) a do perito será paga pela parte que houver requerido o exame, ou pelo autor,
quando requerido por ambas as partes ou determinado de ofício pelo juiz.”
Ainda tratando-se da justiça gratuita, o juiz poderá determinar que o pagamento seja feito após o
término do prazo para que as partes se manifestem sobre o laudo respectivo, ou, havendo solicitação
de esclarecimentos a serem prestados às partes, logo depois desses. É a regra do artigo 2o da
Resolução no 227, de 15 de dezembro de 2000, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Nossa jurisprudência já se pronunciou a respeito: “Ao Estado foi imposto o dever de prestar
assistência jurídica e integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos, inclusive
pagamento de advogados (…) e honorários do perito” (STJ – 3o T. – Respe. 25.841-1/RJ – Rel. Min.
Cláudio Santos – ementário STJ, no 9/551).
Na Justiça Trabalhista a questão dos honorários é tratada no artigo 790-B da Consolidação das
Leis do Trabalho assim redigido: “A responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da
parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, salvo se beneficiário da justiça gratuita”. A
Resolução no 35, de 19 de abril de 2007, do Conselho Superior da Justiça do Trabalho determina
destinação orçamentária para honorários periciais da justiça gratuita por parte dos Tribunais
Regionais do Trabalho fixando um teto de R$ 1.000,00 mediante fundamento, e fixa o limite mínimo
de R$ 350,00 como antecipação de despesas iniciais.
Com as modificações advindas do Código de Processo Penal, “Serão facultadas ao Ministério
Público, ao assistente de acusação, ao ofendido, ao querelante e ao acusado a formulação de quesitos
e indicação de assistente técnico”. Durante o curso do processo judicial, é permitido às partes,
quanto à perícia: (…); II – indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em prazo a
ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência. Tratando-se de perícia complexa que abranja
mais de uma área de conhecimento especializado, poder-se-á designar a atuação de mais de um
perito oficial, e a parte indicar mais de um assistente técnico.
Como tal, não há que negar o direito do assistente técnico quando convidado durante o curso do
processo judicial a oferecer pareceres ou ser inquirido em juízo cobrar seus honorários à parte que o
indicou.
Para alguns a situação mais delicada é a quantificação dos honorários. Vieira (in O perito
judicial – aspectos legais e técnicos, São Paulo: LTr, 2006) aponta alguns critérios a serem
relevados: 1) Carga dos Autos, que compreende o deslocamento e a distância da residência do perito
aos Cartórios; 2) Visita técnica ao local ou locais dos fatos; 3) Exigências técnicas especializadas,
quando o perito judicial deverá fixar a complexidade do trabalho que estiver enfrentando para a
elaboração do laudo. 4) Número de partes; 5) Utilização de equipamentos especiais e análises
laboratoriais extraordinários exigida para a perícia; 6) Translado em veículo próprio para a resposta
às impugnações e participação em audiências.
Perícia – Exposição oral
Um fato cada vez mais frequente e relevante é a exposição oral dos peritos sobre suas avaliações
técnicas em audiências judiciais e o quanto isso pode representar como impacto psicológico
principalmente entre advogados, promotores e peritos.
Em cada nova reforma nos ritos processuais surge sempre a possibilidade de o juiz ouvir em
audiência os peritos, principalmente nas ações mais céleres, como as dos tribunais especiais
chamados de “pequenas causas”.
Dada a importância que representa o relato das avaliações e conclusões periciais, é importante
que se destaquem as condições emocionais e a capacidade verbal que se deve ter em situações dessa
natureza.
A primeira coisa que se exige do perito nesses procedimentos é o conhecimento e o domínio
completo sobre o conteúdo da perícia transcrita e apresentada nos relatórios e pareceres. A
improvisação, por mais fluida que seja a oratória e por melhor que seja a capacidade profissional,
deve ser evitada. Ser honesto nas respostas e limitar-se ao que se indaga.
Além desse domínio sobre o assunto a que se refere o motivo da exposição, há de se ter controle
cognitivo-emocional para que a firmeza e a tranquilidade do relato transpareça a competência e a
autoridade de quem relata.
O risco que se teme é a apresentação ansiosa, dúbia e reticente capaz de dar impressão de
inconsistência e imprecisão naquilo que afirma ou nega como matéria de prova.
A precisão e a forma de comunicação verbal são muito importantes para a confiabilidade daquilo
que se expõe, sem a necessidade de uma oratória fulgurante. Basta que essa linguagem seja clara,
precisa, objetiva, justificada e logicamente convincente.
Os dados a serem apresentados devem ser ordenados de maneira que se evite o atropelamento
das fases do relato e se tenha uma sequência de clareza e concisão. A prolixidade e a abordagem
repetitiva podem soar como insegurança.
Por mais agressivas que sejam as perguntas ou intervenções, deve o perito manter sua
tranquilidade e urbanidade, pois são sinais de segurança e domínio da matéria que se discute. A arte
de convencer e persuadir exige paciência e humildade. Às vezes, os representantes das partes
interpelam os peritos com rispidez para intimidá-los.
As expressões usadas no relato pericial não devem ser nem excessivamente técnicas, como quem
procura se esconder por trás da culta aparência, nem demasiadamente vulgar, dissociada do ambiente
onde se encontra.
Assédio pericial
Denomina-se assédio pericial a situação em que uma das partes ou alguém hierarquicamente
acima do perito utiliza-se de recursos ou meios abusivos, no sentido de orientar condutas ou
artifícios, que possam alterar o resultado da prova, ou exige práticas que não estão na função regular
e específica da legisperícia. Alguns entendem como uma das muitas modalidades de assédio moral.
Todavia, no assédio pericial não existe o comportamento que leva a desqualificação do profissional
e sua consequente desestabilização emocional e moral, mas tão só a exigência caprichosa e
desmedida de procedimentos que se afastam do que é habitual ou que traga benefícios para quem
exerce o “poder de mando”.
O termo “assédio pericial” aqui utilizado está mais associado ao sentido comum, e não ao
técnico, quando fica evidente uma determinação de conduta de maneira contínua e deliberada de uma
ação funcional irregular ou abusiva a um perito ou equipes de perícia, o que se constitui em ato
atentatório à dignidade da justiça,
Dessa forma, o chefe de uma junta de perícia médica de uma autarquia ou de um setor de recursos
humanos de empresa que exige ou sugere ao perito maior rigor na avaliação de empregados ou
trabalhadores ou, ainda, aquele outro que exige resultados para facilitar seus interesses pessoais ou
de alguém de sua relação, comete infração de assédio pericial. Entendemos até que a exigência de
metas superiores às habitualmente aceitas, requeridas sob pressão, também constitui tal forma de
infração.
Quando neste tipo de abuso no exercício do direito da ação pericial o autor propõe demanda que
não detém legitimidade ativa do papel político e social desta tarefa tão importante na elaboração da
prova, não há que negar o exercício de pressão e de assédio.
Não se pode dizer que exista sempre este tipo de ilícito, mas também não se pode dizer que ele
não exista. O importante é que, para a sua caracterização, esse abuso de poder aconteça de maneira
repetida e sistematizada. Algumas vezes o resultado danoso não é tão relevante; o que é grave passa
a ser o comportamento do assediador. E, se a ordem ou o pedido é apenas pontual, mesmo não sendo
considerado assédio, cabe representação administrativa e judicial por ofensas e danos morais.
PERITOS
Conceito
O Código de Processo Penal, agora com as corrigendas introduzidas, diz: O exame de corpo de
delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior.
Na falta de perito oficial, o exame será realizado por duas pessoas idôneas, portadoras de
diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação
técnica relacionada com a natureza do exame. Estes prestarão o compromisso de bem e fielmente
desempenhar o encargo.
Durante o curso de processo judicial, é permitido às partes, quanto à perícia: requerer a oitiva
dos peritos para esclarecerem a prova ou para responderem a quesitos, desde que o mandado de
intimação e os quesitos ou questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com antecedência
mínima de 10 (dez) dias, podendo apresentar as respostas em laudo complementar.
A atuação do perito far-se-á em qualquer fase do processo ou mesmo após a sentença, em
situações especiais. Sua função não termina com a reprodução da sua análise, mas se continua além
dessa apreciação por meio de um juízo de valor sobre os fatos, o que a faz diferente da função da
testemunha. A diferença entre a testemunha e o perito é que a primeira é solicitada porque já tem
conhecimento do fato e o segundo para que conheça e explique os fundamentos da questão discutida,
por meio de uma análise técnico-científica.
A autoridade que preside o inquérito poderá nomear, nas causas criminais complexas, mais de
um perito. Em se tratando de peritos não oficiais, assinarão estes um termo de compromisso cuja
aceitação é obrigatória como um “compromisso formal de bem e fielmente desempenharem a sua
missão, declarando como verdadeiro o que encontrarem e descobrirem e o que em suas consciências
entenderem” (peritos ad hoc). Terão um prazo de 5 dias prorrogável razoavelmente, conforme
dispõe o Código de Processo Penal. Apenas em casos de suspeição comprovada ou de impedimento
previsto em lei é que se eximem os peritos da aceitação.
O mesmo diploma ainda assegura, como dever especial, que os peritos nomeados pela autoridade
não podem recusar a indicação, a não ser por escusa atendível; não podem deixar de comparecer no
dia e local designados para o exame, não podem deixar de entregar o laudo ou concorrer para que a
perícia não seja feita nos prazos estabelecidos. Pode ainda em casos de não comparecimento, sem
justa causa, a autoridade determinar a condução do perito. E a falsa perícia constitui crime contra a
administração da Justiça.
O juiz, que é o peritus peritorum, aceitará a perícia por inteiro ou em parte, ou não a aceitará em
todo, pois dessa forma determina o Código de Processo Penal, facultando-lhe nomear outros peritos
para novo exame.
As partes poderão arguir de suspeitos os peritos, e o juiz decidirá de plano e sem recurso, à vista
da matéria alegada e prova imediata. Não poderão ser peritos: I – os que estiverem sujeitos à
interdição de direito mencionada nos nos I e IV do art. 69 do Código Penal; II – os que tiverem
prestado depoimento no processo ou opinado anteriormente sobre o objeto da perícia; III – os
analfabetos e menores de 21 anos. É extensível aos peritos, no que lhe for aplicável, o disposto sobre
a suspeição dos juízes: I – se for amigo ou inimigo capital de qualquer das partes; II – se ele, seu
cônjuge ou descendente estiver respondendo a processo análogo, sobre cujo caráter criminoso haja
controvérsia; III – se ele, seu cônjuge, ou parente consanguíneo, ou afim, até o terceiro grau,
inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das
partes; IV – se tiver aconselhado qualquer das partes; V – se for credor ou devedor, tutor ou curador,
de qualquer das partes; VI – se for sócio, acionista, ou administrador de sociedade interessada no
processo.
Para que a Justiça não fique sempre na dependência direta de um ou de outro perito, criaram-se,
há alguns anos, em Estados, como Bahia e São Paulo, os Conselhos Médico-Legais, espécies de
corte de apelação pericial cujos objetivos são a emissão de pareceres médico-legais mais
especializados, funcionando também como órgãos de consultas dos próprios peritos. Eram,
normalmente, compostos de autoridades indiscutíveis em Medicina Legal e representados por
professores da disciplina, diretores de Institutos Médicos-Legais, professores de Psiquiatria, pelo
diretor do Manicômio Judiciário e por um membro do Ministério Público indicado pela Secretaria
do Interior e Justiça.
Deveres de conduta do perito
Quando da avaliação da responsabilidade profissional em um contestado ato pericial, seja nos
Conselhos Profissionais, seja na Justiça Civil ou Criminal, recomenda-se sejam levados em conta os
deveres de conduta do acusado. A prática tem demonstrado que isto, além de imprescindível, torna a
tarefa mais objetiva e racional.
Desta forma, para se caracterizar a responsabilidade do perito nestas atividades, não basta
apenas a evidência de um dano ou de um ilícito, mas que reste demonstrada uma forma de conduta
contrária às normas morais e às regras técnicas vigentes e adotadas pela prudência e pelos cuidados
habituais, e que o resultado fosse evitado por outro profissional em mesmas condições e
circunstâncias.
As regras de conduta, arguidas quando de uma avaliação da responsabilidade do perito, são
relativas aos seguintes deveres:
a) Deveres de informação. Neste tipo de dever, estão todos os esclarecimentos que se
considerem necessários e imprescindíveis para o correto desempenho quando da elaboração de uma
perícia, principalmente se ela é mais complexa, de maior intimidade e de interesse discutível. O
fundamento destes deveres de informação encontra-se justificado pela existência dos princípios da
transparência e da vulnerabilidade do periciando e pelas razões que justificam a obtenção de um
consentimento livre e esclarecido, qualquer que sejam os motivos que levem o indivíduo a submeterse a essa perícia.
O dever de informar é imprescindível como requisito prévio para o consentimento e a
legitimidade do ato pericial a ser utilizado. Isso atende ao princípio da autonomia ou princípio da
liberdade, em que todo indivíduo tem por consagrado o direito de ser autor de sua vontade e de
escolher o caminho que lhe convém.
A obrigação de informar quando há riscos está na proporção na existência de um dano real e
efetivo. Por isso, quanto mais complexa e arriscada for a conduta pericial, mais imperiosa se torna a
advertência sobre seus riscos. Estas informações devem ser dadas pelo próprio perito ao examinado
ou aos seus representantes legais.
Além do mais, exige-se que o consentimento seja esclarecido, entendendo-se como tal o obtido
de um indivíduo capaz de considerar razoavelmente determinada conduta pericial, sem a necessidade
de se chegar aos detalhes das complicações mais raras e mais graves e sempre de forma simples,
aproximativa, honesta e inteligível (princípio da informação adequada).
O examinado tem também o direito de recusar um tipo ou forma de abordagem pericial, desde
que isso lhe traga algum prejuízo, pois é princípio de direito que ninguém está obrigado a fazer
provas contra si próprio. Entendemos que praticar qualquer ato pericial contra a vontade do
examinado é uma afronta constitucional e um grave desrespeito aos mais elementares princípios de
civilidade.
Mesmo que a indicação de uma perícia seja uma decisão ligada a um interesse em favor da
sociedade, em algumas situações o examinado pode se recusar a prestar informações ou colaborar
com o exame. Se o examinado é menor de idade ou incapaz, o consentimento deve ser dado pelos
seus representantes legais (consentimento substituto).
b) Deveres de atualização profissional. Para o pleno e ideal exercício da atividade pericial, não
se exige do facultativo apenas uma habilitação legal. Há também de se requerer deste perito um
aprimoramento sempre continuado, adquirido através de conhecimentos recentes da profissão, no que
se refere às técnicas dos exames e dos meios modernos de diagnóstico, através de publicações
especializadas nos congressos, cursos de especialização ou estágios em centros e instituições de
referência. Em suma, o que se quer saber é se naquele discutido ato pericial poder-se-ia admitir a
imperícia. Se o profissional estaria credenciado minimamente para exercer suas atividades, ou se
poderia ter evitado o engano, caso não lhe faltasse o que ordinariamente é conhecido em sua
profissão e consagrado pela experiência médico-legal.
Em tese, todo mau resultado resultante de uma atividade pericial é sinônimo de negligência;
todavia, tal fato deve ser avaliado de forma concreta, pois nem sempre é possível caracterizar como
culpa um equívoco decorrente da falta de aprimoramento técnico e científico, pois o acesso às
informações atualizadas tem um custo e uma exigência que podem não estar disponíveis a todos os
profissionais. O correto será avaliar caso a caso e saber se em cada um deles era possível se exigir a
contribuição de um conhecimento atualizado.
c) Deveres de abstenção de abusos. É necessário também saber se o perito agiu com a cautela
devida e, portanto, descaracterizada de precipitação, de inoportunismo ou de insensatez. Isso se
explica por que a norma moral exige das pessoas o cumprimento de certos cuidados cuja finalidade é
evitar danos aos bens protegidos. Exceder-se em medidas arbitrárias e desnecessárias é uma forma
de desvio de poder ou de abuso. E o resultado disto pode ser a obtenção da prova chamada proibida,
seja ela ilícita (obtida com violação das normas materiais) ou ilegítima (obtida contra as
determinações processuais).
Podem-se também incluir entre as condutas abusivas aquelas que atentam contra a proteção da
dignidade humana, da tutela da honra, da imagem e da vida privada, inclusive quando se expõe
desnecessariamente o examinado a certos procedimentos, quando se invade sua privacidade e
aviltam-se a imagem e a honra alheias. Diga-se o mesmo quanto à inexistência de práticas indevidas
e arriscadas como a exibição de técnicas experimentais, à utilização de um procedimento
dispendioso e inadequado, à prática de riscos inconvenientes e desnecessários ou à imprevidente
exibição do paciente em aulas e conferências, entre outros.
d) Deveres de vigilância, de cuidados e de atenção. Na avaliação de um ato pericial, quanto a
sua legitimidade e licitude, deve ele estar isento de qualquer tipo de omissão que venha a ser
caracterizada por inércia, passividade ou descaso. Portanto, este modelo de dever obriga o
facultativo a ser diligente, agir com cuidado e atenção, procurando de toda forma evitar danos e
prejuízos que venham a ser apontados como negligência ou incúria.
Está claro que estes deveres são proporcionalmente mais exigidos quanto maior for o resultado
que se quer apurar. Em uma análise mais fria, vamos observar que os casos apontados como falta dos
deveres de conduta do perito resultam quase sempre da falta do cumprimento deste dever.
É mais do que justo, diante de um caso de mau resultado ou equívoco na prática avaliativa de
uma perícia, existirem a devida compreensão e a elevada prudência quando se consideraram alguns
resultados, pois eles podem ser próprios das condições e das circunstâncias que rodearam o
indesejado resultado, sem imputar a isso uma transgressão aos deveres de conduta.
Responsabilidades civil e penal do perito
No que concerne à responsabilidade do perito, seja perito oficial ou por nomeação do juiz, no
exercício de sua função, seus deveres de conduta decorrem de dois aspectos distintos. Um de ordem
técnica, quando são exigidas certas formalidades imprescindíveis para o desempenho satisfatório de
sua função, como ser prudente, cuidadoso e conhecedor de seu ofício. O outro diz respeito aos
aspectos legais quando de sua atuação, pois a não observância pode fazê-lo violar a norma legal e
por isso responder civil, penal e disciplinarmente.
Em tese, pode-se dizer que os peritos na área civil são considerados auxiliares da justiça,
enquanto na perícia criminal são servidores públicos. Quanto ao fiel cumprimento do dever de
ofício, os primeiros prestam compromissos a cada vez que são designados pelo juiz e, os segundos, o
compromisso está implícito com a posse no cargo público, a não ser nos casos dos chamados peritos
nomeados ad hoc (Alcântara, HR de; França, GV; Vanrell, JP; Galvão, LCC; Martin, CCS,Perícia
médica judicial. 2a ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan 2006, p. 11).
Responsabilidade civil
Em ações cíveis, os peritos serão escolhidos entre profissionais de nível universitário,
devidamente inscritos no órgão de classe competente e segundo a especialidade na matéria, e “nas
localidades onde não houver profissionais qualificados a indicação dos peritos será de livre escolha
do Juiz”. Poderão atuar junto com os assistentes técnicos nomeados para cada uma das partes
envolvidas.
O perito exerce um encargo, do qual não pode escusar-se, salvo se alegar motivo legítimo,
conforme estabelece o artigo 378 do Código de Processo Civil: “Ninguém se exime do dever de
colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade.” E, no artigo 158, enfatiza: “O
perito que, por dolo ou culpa, prestar informações inverídicas responderá pelos prejuízos que causar
à parte e ficará inabilitado para atuar em outras perícias no prazo de 2 (dois) a 5 (cinco) anos,
independentemente das demais sanções previstas em lei, devendo o juiz comunicar o fato ao
respectivo órgão de classe para adoção das medidas que entender cabíveis.”
A atividade do perito está sujeita a uma ação de reparação de danos quando caracterizada a má
prática, caso ela se afaste das regras pertinentes ao trabalho pericial (Kfouri Neto, M., Culpa médica
e ônus da prova. São Paulo: Editora Saraiva, 2002, p. 71).
Diz o artigo 186 do Código Civil: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda, que exclusivamente moral, comete ato
ilícito.” Se o perito exceder os limites de sua função, comete ato ilícito. E o artigo 187: “Também
comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede, manifestamente, os limites
impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”
Uma das obrigações do perito está no dever de zelar pela boa técnica e pelo aprimoramento dos
conhecimentos científicos. A lei, a técnica e o conhecimento científico são requisitos que se impõem
dentro de um mesmo grau de responsabilidade.
Macena observa: “Agirá com culpa e excederá os seus limites o perito que não manifestar a
insuficiência de conhecimentos científicos e de habilidades técnicas para exercício da atividade
pericial. Não somente isso, mas também a experiência e o domínio da matéria, uma vez que essa
atividade exige experiência profissional” (in Perito judicial – aspectos jurídicos: responsabilidade
civil e criminal. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2009).
Todavia, para que se configure a responsabilidade civil do perito, há de se observar os três
requisitos fundamentais à obrigação de indenizar: O dano, a culpa e o nexo. Mas é preciso que esse
dano tenha sido de uma ação ou omissão voluntária (dolo), ou de negligência, imprudência ou
imperícia (culpa em sentido estrito) e que também exista um nexo de causalidade entre a culpa e o
dano.
Por outro lado, o Estado, na qualidade de pessoa jurídica de direito público, pode responder
pelos danos que seus agentes venham causar a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o
responsável nos casos de dolo ou culpa (Constituição Federal, artigo 37, § 6o). Há uma corrente que
é favorável à participação do agente público no polo passivo de demandas de responsabilidade civil
contra o Estado, tanto pelo acionamento do particular como através da denunciação à lide feita pela
Fazenda Pública. Existe outra corrente, majoritária, que se opõe à participação do agente público no
polo passivo de ações de responsabilidade civil contra o Estado em face de o agente causador do
dano somente ser ajuizado após o Estado ter sido condenado e efetuado o pagamento ao particular.
Mesmo que não exista nenhuma legislação específica sobre o tema, análise legal deste assunto será
feita levando em conta o regramento geral.
Segundo Gasparini, a responsabilidade civil do Estado pode ser entendida como: “(...) a
obrigação que se lhe atribui, não decorrente de contrato nem de lei específica, para recompor os
danos causados a terceiros em razão de comportamento comissivo ou omissivo, legítimo ou
ilegítimo, que lhe seja imputável. Se a reparação decorre de ato ilícito, chama-se ressarcimento; se
deriva de ato lícito, denomina-se indenização” (in Direito Administrativo, 5a ed., São Paulo:
Saraiva, 2000).
No caso específico em que o perito forense causa dano no exercício de suas atividades
profissionais, a pessoa que se sentiu lesada, por tratar-se de uma responsabilidade objetiva, não em
decorrência da ação ou omissão do Estado, deve provar a existência da culpa lato sensu do agente
ao prestar o serviço em nome do Estado. Para se configurar esse tipo de responsabilidade, basta a
existência de três elementos: o fato administrativo, o dano e o nexo de causalidade.
Como se viu anteriormente, existe o direito de regresso contra os agentes públicos envolvidos
por culpa ou dolo nos atos praticados em nome do Estado, o que garante à Fazenda Pública uma ação
indenizatória.
RESPONSABILIDADE CIVIL. [...] AÇÃO INDENIZATÓRIA AJUIZADA EM FACE
SERVENTUÁRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA. [...]
1. O art. 37, § 6o, da CF/1988 prevê uma garantia para o administrado de buscar a
recomposição dos danos sofridos diretamente da pessoa jurídica que, em princípio, é mais
solvente que o servidor, independentemente de demonstração de culpa do agente público. Vale
dizer, a Constituição, nesse particular, simplesmente impõe ônus maior ao Estado decorrente do
risco administrativo; não prevê, porém, uma demanda de curso forçado em face da Administração
Pública quando o particular livremente dispõe do bônus contraposto. Tampouco confere ao agente
público imunidade de não ser demandado diretamente por seus atos, o qual, aliás, se ficar
comprovado dolo ou culpa, responderá de outra forma, em regresso, perante a Administração.
2. Assim, há de se franquear ao particular a possibilidade de ajuizar a ação diretamente contra
o servidor, suposto causador do dano, contra o Estado ou contra ambos, se assim desejar. A
avaliação quanto ao ajuizamento da ação contra o servidor público ou contra o Estado deve ser
decisão do suposto lesado. Se, por um lado, o particular abre mão do sistema de responsabilidade
objetiva do Estado, por outro também não se sujeita ao regime de precatórios. Doutrina e
precedentes do STF e do STJ. [...]
(REsp 1325862/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado
05/09/2013, DJe 10/12/2013.)
Responsabilidade penal
Na responsabilidade penal, o interesse não é mais patrimonial ou pecuniário, mas coletivo. O
interessado é a sociedade, o ato infrator atinge uma norma de direito público e sua consequência é
uma pena.
Nesta área o perito tem deveres relacionados com as regras processuais penais de
incompatibilidade,impedimentos e suspeição. Diz o Código de Processo Penal: “O juiz, o órgão do
Ministério Público, os serventuários ou funcionários de justiça e os peritos ou intérpretes abster-seão de servir no processo, quando houver incompatibilidade ou impedimento legal, que declararão
nos autos. Se não se der a abstenção, a incompatibilidade ou impedimento poderá ser arguido pelas
partes, seguindo-se o processo estabelecido para a exceção de suspeição.”
Os peritos, estando por força da lei sujeitos a disciplina judiciária, são obrigados a seguir
algumas formalidades. Os peritos oficiais, no processo penal, em geral, fazem parte das instituições
médico-periciais públicas, ou não oficiais, pessoas idôneas e qualificadas nomeadas para prestar
seus serviços em cada processo em particular, também igualmente sujeitas às regras da autoridade
judiciária.
Toda vez que uma conduta do perito seja qualificada como dolosa poderá ser tipificada como
crime.
O Código Penal, a partir de 28 de agosto de 2001, em face da Lei no 10.268/2001, alterou
dispositivos do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940, como segue: Os artigos 342 e 343
passam a vigorar com a seguinte redação:
Tipos penais
1. Falso-testemunho ou falsa perícia
“Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador,
tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo
arbitral:
Pena – reclusão, de 1 a 3 anos, e multa.
§ 1o [1a parte] As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é praticado mediante
suborno, ou [2a parte] se cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo
penal, ou [3a parte] em processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ou
indireta.
§ 2o O fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, o
agente se retrata ou declara a verdade.”
Desta maneira, o falso-testemunho e a falsa perícia no processo judicial, seja no âmbito civil,
administrativo, penal ou mesmo no inquérito policial, configuram crime.
De acordo com o parágrafo 2o do artigo 342, embora o falso testemunho ou perícia já esteja
consumado, sua punição depende de o agente não se retratar ou declarar a verdade antes da sentença
do processo em que depõe ou foi perito. Assim, pode o acusado de falso testemunho ou falsa perícia
se retratar até antes da sentença, ficando assim livre da punição. Por isso, pode o juiz receber a
denúncia antes da conclusão do processo em que a verdade foi agredida pelo falso testemunho ou
pela falsa perícia.
“HABEAS CORPUS – Processo: 58483
Ementa: Retratação. Crime de falsa perícia. A retratação, admitida no crime de falsa
perícia, é causa de extinção de punibilidade, e tem caráter exclusivamente pessoal, pois só se
justifica pelo arrependimento que encerra e pela índole honesta que manifesta, o que faz com
que a pena não mais tenha finalidade para seu autor. É, portanto, incomunicável. Denúncia que
descreve outros delitos com relação aos quais não se admite a retratação. Recurso ordinário a
que se nega provimento. Relator: Moreira Alves.”
Três são as formas do crime de perícia falsa: fazer afirmação falsa, negar a verdade e calar a
verdade. Se o perito agir por culpa, engano ou esquecimento prestando informações inverídicas, não
incorrerá em qualquer sanção penal, pois a lei penal não reconhece a modalidade culposa.
Assim, considera-se falsa perícia quando o perito distorce a verdade, com objetivo específico de
favorecer alguém e influir sobre a decisão judicial, enganando a autoridade julgadora, ainda que não
atinja o fim desejado (TJSP, RT 507/346; STJ, RT 707/367). A simples diferença de diagnóstico
entre laudos médios não leva a concluir que houve deliberada distorção da verdade (TJRJ, RT
584/391).
A diferença de diagnóstico entre laudos não constitui falsa perícia: STJ, H/C no 42.727 – DF
(2005/0046564-3).
2. Corrupção ativa
“Artigo 343 c/c 333 – Dar, oferecer ou prometer dinheiro ou qualquer outra vantagem a
testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete, para fazer afirmação falsa, negar ou calar a
verdade em depoimento, perícia, cálculos, tradução ou interpretação: Pena – reclusão, de 3 a 4 anos,
e multa. Parágrafo único. As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é cometido com
o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal ou em processo civil em que for
parte entidade da administração pública direta ou indireta.”
Nesta condição considera-se conduta incriminadora dar, oferecer ou prometer dinheiro ou
vantagem a perito para fazer afirmação falsa.
3. Exploração de prestígio
“Artigo 357 – Solicitar ou receber dinheiro ou qualquer outra utilidade, a pretexto de influir em
juiz, jurado, órgão do Ministério Público, funcionário de justiça, perito, tradutor, intérprete ou
testemunha:
Pena – reclusão, de 1 a 5 anos, e multa.
Parágrafo único – As penas aumentam-se de um terço, se o agente alega ou insinua que o dinheiro
ou utilidade também se destina a qualquer das pessoas referidas neste artigo.”
Tratando-se de funcionário público, em geral, aplica-se o artigo 332. No tráfico de influência o
“elemento subjetivo é a vontade de obter vantagem ou promessa desta, sabendo que não tem prestígio
para influir no funcionário ou que este não é acessível a suborno (TJSP, RT 519/319)”.
4. Extravio de documento
Em casos de extravio de processo ou de qualquer outro documento sob sua guarda será o perito
responsabilizado pela reorganização do mesmo, pelos custos, pelos atrasos do processo e pelo
prejuízo às partes. As partes, inclusive, poderão processá-lo por danos materiais e morais que
porventura vier a acarretar. Sob a ótica penal:
“Artigo 314 – Extraviar livro oficial ou qualquer documento, de que tem a guarda em razão do
cargo; sonegá-lo ou inutilizá-lo, total ou parcialmente: Pena – reclusão, de 1 a 4 anos, se o fato não
constitui crime mais grave.”
5. Prevaricação
Prevaricar, de acordo com o artigo 319 do Código Penal, é “retardar ou deixar de praticar,
indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer
interesse ou sentimento pessoal: Pena – detenção, de 3 meses a 1 ano, e multa”.
Este crime atinge o perito na qualidade de funcionário público. E de acordo com o Código de
Processo Penal “considera-se funcionário público, para efeitos penais, quem, embora
transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública”.
6. Violação do segredo na prática da perícia
O artigo 154 do Código Penal afirma: “Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem
ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a
outrem: Pena – detenção de 3 meses a 1 ano ou multa.”
No exercício da medicina o médico pode revelar o segredo a pedido do paciente, por dever legal
ou por justa causa.
A infração de quebra do sigilo profissional é sempre por dolo, ou seja, quando o agente divulga
conscientemente uma confidência e quando ele sabe que está agindo de forma contrária à norma.
Nunca por culpa, pois nesta faltariam os elementos necessários para sua caracterização. Assim, por
exemplo, a perda de um envelope contendo resultados de exame de um paciente, possibilitando
alguém conhecer sobre sua doença, não caracteriza o crime de divulgação do segredo. O mesmo se
diga quando o rompimento do sigilo ocorre por coação física ou moral.
A perícia médica, quando da realização dos exames em juntas oficiais e por interesse
administrativo, no tocante ao segredo médico, está regulada pelo artigo 205, da Lei no 8.112, de 11
de dezembro de 1990, que assim estatui: “o atestado e o laudo de junta médica não se referirão ao
nome ou natureza da doença, salvo quando se tratar de lesões produzidas por acidentes em serviço,
doença profissional ou qualquer das doenças especificadas no artigo 186, parágrafo 1o.”
No entanto, essas regras não se aplicam à perícia criminal porque o perito está sempre obrigado
a dizer a verdade.
Direitos dos peritos
Assim como o perito está cercado de deveres, tem determinados direitos que lhe fazem jus em
virtude da importância e do significado de seu trabalho em favor da ordem pública e social. Dentre
eles:
1. Do direito de recusar o encargo . Pode o perito não aceitar o encargo, desde que se justifique
no prazo legal. Tal alegação deve ser sempre por motivo legítimo e com respaldo no Código de
Processo Civil (“O perito tem o dever de cumprir o ofício, no prazo que lhe assina a lei, empregando
toda a sua diligência; pode, todavia, escusar-se do encargo alegando motivo legítimo.” E mais: “A
escusa será apresentada dentro de 5 (cinco) dias, contados da intimação ou do impedimento
superveniente, sob pena de se reputar renunciado o direito a alegá-la.” Nesse sentido, diz o Código
de Processo Civil, “o perito pode recursar-se ou ser recusado por impedimento ou suspeição”.
Constituem motivos legítimos para a escusa, entre outras justificativas, por motivo de força maior,
em perícia relativa à matéria sobre a qual se considere inabilitado para apreciá-la, seja por falta de
um melhor domínio sobre o assunto controverso ou ainda se o assunto não tiver pertinência com sua
especialidade; versar a perícia sobre questão à qual não possa responder sem grave dano a si
próprio ou ao seu cônjuge e parentes consanguíneos ou afins, em linha reta, ou na colateral em
segundo grau; versar a perícia sobre assunto em que interveio como interessado e dentre os casos já
relacionados por imposição dos dispositivos precedentes. Pode também se recusar a atender a
solicitação judicial, ainda, recusar o encargo de perito por motivo de impedimento como ser parte no
processo; ter atuado no processo como mandatário de uma das partes, oficiou como assistente
técnico, perito, promotor, prestou depoimento como testemunha; ser parte do processo seu cônjuge ou
qualquer parente seu, consanguíneo ou afim, até o segundo grau; quando for órgão de direção ou de
administração de pessoa jurídica, parte na causa. Finalmente pode alegar motivo de suspeição para
escusar-se da perícia, nas seguintes situações: a) amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das
partes; b) algumas das partes for sua credora ou devedora, ou de seu cônjuge ou seu parente até o
terceiro grau; c) se for herdeiro de alguma das partes; d) se receber presentes de uma das partes antes
ou depois de iniciado o processo ou aconselhar alguma das partes sobre o objeto da perícia; e) se
tiver interesse no julgamento ou favorecimento da perícia em favor de uma das partes; f) declarar-se
suspeito, ou seja, recusar o encargo de perito por motivo íntimo.
2 . Do direito de proteção contra desobediência ou desacato. Os artigos 330 e 331,
respectivamente, do Código Penal dão ao perito certas prerrogativas legais, como por exemplo, o
respeito como funcionário público contra a desobediência (“Desobedecer a ordem legal de
funcionário público: Pena – detenção, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, e multa”) e o desacato
(“Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela: Pena – detenção, de 6
(seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa), quando isso vier a interferir ou dificultar o trabalho pericial.
3. Do direito aos honorários periciais. O perito e o assistente técnico têm direito à remuneração
de seus encargos em ações civis. Como assistente técnico, a responsabilidade do pagamento é da
parte solicitante, e como perito, pela parte que houver requerido o exame, ou pelo autor, quando
requerido por ambas as partes ou determinado de ofício pelo juiz. Nos casos dos honorários de
beneficiados pela justiça gratuita cabe ao Estado a responsabilidade pelo pagamento dos honorários
do perito. Os assistentes técnicos podem também funcionar em ações penais.
4. Do direito de desempenho livre da função pericial. O perito tem o direito de agir com toda
liberdade e independência, ter acesso ao processo nos Cartórios, pedir os exames e documentos
necessários a sua análise, ter acesso às instituições onde se encontrem o periciando, além do contato
com as partes: advogados, assistentes técnicos, diretores técnicos de hospitais e centros de custódia,
e entrevista com médicos assistentes. Diz o Código de Processo Civil: “para desempenho de sua
função, podem o perito e os assistentes técnicos utilizar-se de todos os meios necessários, ouvindo
testemunhas, obtendo informações, solicitando documentos que estejam em poder de parte ou em
repartições públicas, bem como instruir o laudo com plantas, desenhos, fotografias e outras
quaisquer peças.” Para total liberdade as perícias devem ser realizadas nos órgãos de perícia oficial,
sem a presença de policiais ou carcereiros, evitando assim a intimidação e o constrangimento.
5. Do direito de reserva de prestar esclarecimentos . Tanto o perito como o assistente tem o
direito de prestar esclarecimento técnico apenas à autoridade competente quando devidamente
intimado e no devido prazo legal: A parte, que desejar esclarecimento do perito e do assistente
técnico, requererá ao juiz que mande intimá-lo a comparecer à audiência, formulando desde logo as
perguntas, sob forma de quesitos.
6. Do direito de prorrogação de prazo. Se o perito, por motivo justificado, não puder apresentar
o laudo dentro do prazo, o juiz conceder-lhe-á, por uma vez, prorrogação, segundo o seu prudente
arbítrio.
7. Direito de recorrer a fontes de informação . O perito tem o direto de recorrer a fontes de
informação e citá-las em seus laudos e pareceres. Tanto os peritos como os assistentes técnicos têm a
opção de escolha dos meios, da metodologia e das fontes de informação que eles utilizarão para
atingir a finalidade de seu mister. Poderão consultar os autos do processo, documentos e o que tiver
relação com o objeto do exame, consultar obras pertinentes ao assunto em questão, e, até mesmo,
ouvir testemunhas, além de instruir o laudo, se preciso for, com plantas, desenhos, gráficos e
fotografias. Todavia, recomenda-se que se evite anexar aos laudos fotografias que identifiquem as
vítimas ou as exponham em situações constrangedoras que possam violar a imagem, a vida privada, a
intimidade e a honra dos examinados, com maior destaque, quando se tratar de exames de crianças e
adolescentes, como nos casos de crimes contra a dignidade sexual, principalmente quando não forem
constatados lesões ou vestígios comprobatórios. Tais cuidados, nestes casos, não esvaziam o objeto
da prova pericial. Há outros meios.
8 . Direito a indenização de despesas. O perito tem direito a ser ressarcido pelas despesas
relativas à perícia. Enquanto as despesas feitas pelo perito deverão ser satisfeitas por aquele que a
requereu, ou pelo autor, quando se tratar de perícia determinada de ofício, as feitas pelo assistente
técnico o serão pela parte que o indicou.
Função do médico-legista
O médico-legista é o médico habilitado profissional e administrativamente a exercer a medicina
legal, por meio de procedimentos médicos e técnicos, tendo como atividade principal colaborar com
a administração judiciária nos inquéritos e processos criminais. Sua lotação é sempre nos Institutos
ou Departamentos ou Núcleos Regionais de Medicina Legal.
Sendo assim, ele deve ser formado em medicina, estar legalmente habilitado a exercer a função
de médico nos Conselhos Regionais de Medicina de sua jurisdição e ter seu ingresso na função por
meio de concurso público com edital constando exigências cabíveis ao referido cargo.
Hoje a atividade do médico-legista está regulada pela Lei no 12.030, de 17 de setembro de 2009,
que dispõe sobre as perícias oficiais e dá providências, em que está estabelecido que na atividade
pericial de natureza criminal está assegurada a autonomia técnica, científica e funcional, exigido
concurso público, com formação acadêmica específica; que, em razão do exercício destas atividades,
os peritos de natureza criminal estão sujeitos a regime especial de trabalho, observada a legislação
específica de cada ente que o perito se encontra vinculado. São peritos de natureza criminal os
peritos criminais, peritos médicos-legistas e peritos odontolegistas com formação superior
específica detalhada em regulamento, de acordo com a necessidade de cada órgão e por área de
atuação profissional.
O Regimento Interno da Polícia Civil de algumas unidades federativas em nosso país especificam
as atividades dos Institutos de Medicina Legal e de seus agentes.
Impugnação do perito
O perito pode ser recusado pela parte, sob a alegação de que é impedido ou suspeito. Ao julgar
procedente a impugnação, o juiz nomeará outro perito. A parte interessada deverá arguir o
impedimento ou a suspeição, em petição fundamentada e devidamente instruída, na primeira
oportunidade em que lhe couber falar nos autos, e assim que tomar conhecimento daquela nomeação;
o juiz mandará processar o incidente em separado e sem suspensão da causa, ouvindo o arguido no
prazo de 5 (cinco) dias, facultando a prova quando necessária e julgando o pedido.
Ao julgar procedente a impugnação, o juiz nomeará novo perito. A substituição do perito poderá
ocorrer em duas situações: I – quando carecer de conhecimento técnico ou científico; II – quando sem
motivo legítimo, deixar de cumprir o encargo no prazo que lhe foi assinado. Na primeira hipótese, a
substituição poderá verificar-se de ofício ou a pedido das partes, em situações que se alegue a falta
de capacidade técnica ou científica do perito; na segunda hipótese, a substituição de ofício, por
despacho do juiz, em vista de descumprimento de um dos deveres do perito, podendo ainda o juiz
aplicar a sanção prevista em lei.
Sob a égide do Código de Processo Civil, reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do
perito (igual à do juiz) quando: I – for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes; II –
alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou de parentes destes, em linha
reta ou na colateral até o terceiro grau; III – for herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de
alguma das partes; IV – receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar alguma
das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para atender às despesas do litígio; V –
estiver interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes.
Pode ainda o perito declarar-se suspeito por motivo íntimo.
Cadastro de peritos
Para questões civis, pode haver um cadastro de peritos, conforme estabelece o Código de
Processo Civil, quando assim se expressa:
“Art. 156 – O juiz será assistido por perito quando a prova do fato depender de conhecimento
técnico ou científico.
§ 1º – Os peritos serão nomeados entre os profissionais legalmente habilitados e os órgãos
técnicos ou científicos devidamente inscritos em cadastro mantido pelo tribunal ao qual o juiz está
vinculado.
§ 2º – Para formação do cadastro, os tribunais devem realizar consulta pública, por meio de
divulgação na rede mundial de computadores ou em jornais de grande circulação, além de consulta
direta a universidades, a conselhos de classe, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e à Ordem
dos Advogados do Brasil, para a indicação de profissionais ou de órgãos técnicos interessados.
§ 3º – Os tribunais realizarão avaliações e reavaliações periódicas para manutenção do cadastro,
considerando a formação profissional, a atualização do conhecimento e a experiência dos peritos
interessados.
§ 4º – Para verificação de eventual impedimento ou motivo de suspeição, nos termos dos arts.
148 e 467, o órgão técnico ou científico nomeado para realização da perícia informará ao juiz os
nomes e os dados de qualificação dos profissionais que participarão da atividade.
§ 5º – Na localidade onde não houver inscrito no cadastro disponibilizado pelo tribunal, a
nomeação do perito é de livre escolha do juiz e deverá recair sobre profissional ou órgão técnico ou
científico comprovadamente detentor do conhecimento necessário à realização da perícia.”
O caput deste artigo se refere ao termo “perito” de forma generalizada, pois a perícia será
definida a partir do objeto da perícia.
Quando se diz que o juiz nomeará perito especializado no objeto da perícia, ou seja na área de
especialidade, nos parece que não se trata de especialidades médicas e sim de pessoas que atuem na
área de conhecimentos técnicos pertinentes ao tipo de perícia desejada, portanto não há impedimento
legal ou ético para que o médico, quando devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina
da sua jurisdição e que se sinta capacitado a realizar perícia médica, seja nomeado como perito do
juiz. Desta forma, entendemos que o cadastro de peritos especialistas dos Tribunais poderá ser feito
a partir da lista de médicos inscritos no CRM independentemente de ter ou não o Registro de
Qualificação de Especialidade em Medicina Legal ou Perícia Médica (ver o Parecer CFM nº
45/2016).
PROVA DE ESFORÇO FÍSICO EM CONCURSO PARA
MÉDICO-LEGISTA
Introdução
Ninguém é contrário que o gestor público, em favor da natureza da prestação de serviço dado à
população, levando em conta a especificidade de cada atividade, se cerque de cuidados na avaliação
do estado de saúde física e mental dos seus servidores, seja durante os exames admissionais, seja em
relação a esta condição no tempo em que eles prestam seus serviços. Isto levando-se em
consideração as regras estipuladas pelos dispositivos do Regime Jurídico dos Servidores Civis da
União e dos Estatutos dos Funcionários Públicos Estaduais e Municipais de cada Estado ou
Município, além das normas emanadas pela Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa
Portadora de Deficiência (CORDE), cuja proposta é integrar indivíduos portadores de deficiências
em atividades socioeconômicas.
Está disposto na Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que versa sobre o regime jurídico dos
servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, em seu art. 14:
“A posse em cargo público dependerá de prévia inspeção médica oficial. Parágrafo único. Só
poderá ser empossado aquele que for julgado apto física e mentalmente para o exercício do cargo.”
Ainda no que diz respeito aos requisitos para ingresso no serviço público, referentes aos
concursos, deve-se observar o art. 37, I e II, da Constituição Federal: “Art. 37 – A administração
pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência e, também, ao seguinte: I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos
brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma
da lei; II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso
público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou
emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em
lei de livre nomeação e exoneração”.
Em geral, esta avaliação é feita em serviços médicos e biométricos da repartição ou em setores
credenciados. Neste exame consideram-se o levantamento de dados históricos (base de orientação
para os demais exames), de exames objetivos (estatura, peso, reflexos, acuidades visual e auditiva,
pressão arterial, ausculta cardíaca etc.), subjetivos (exames da integridade mental) e
complementares (laboratoriais e radiológicos), quando surgem dúvidas.
Os critérios periciais da avaliação da incapacidade laborativa do servidor público que exerce
atividades técnicas ou científicas, nas quais o esforço físico é o de menor significado, devem ser
eminentemente clínicos em que são considerados alguns fatores como enfermidades graves,
avaliação das necessidades físico-psíquicas de cada pessoa para o exercício de suas atividades (in
França, GV – Flagrantes Médico-Legais VII, Recife: Edupe, pp. 239-241). Sempre orientamos,
quando possível, mesmo diante de uma incapacidade relativa: 1. analisar as sequelas em vez de
somar perdas; 2. avaliar as capacidades possíveis ou restantes e não apenas as incapacidades
existentes; 3. valorizar a capacidade residual ou remanescente do servidor ou do pretenso servidor.
Temos proposto, na avaliação da capacidade laborativa de indivíduos com capacidade
diminuída, quando do seu ingresso em determinadas funções, sejam permitidas algumas tolerâncias
dentro do que se denominou “normal”. A consciência social hodierna deve atender às condições
mínimas de saúde e não a um estado de perfeição física e mental como se estivéssemos selecionando
pessoas para disputar torneios ou gincanas físicas. Os portadores de capacidade residual compatível
com as necessidades de cada tarefa podem e devem, na medida do possível, exercer certas e
determinadas atribuições da administração pública.
Discussão
O fato de se exigirem esforços sobre-humanos de mesmo tipo e intensidade, para pessoas de
idade, peso e compleição física diferentes, como quem está selecionando atletas de esporte de
competição, leva a crer tratar-se de um exagero.
Impor um único padrão de desempenho físico para pessoas que se encontram em condições
naturais diversas é uma forma indisfarçável de discriminação, o que na prática vai gerar prejuízos de
uns em favor de outros. Isto fica muito evidente entre candidatos de faixas etárias distintas, entre
pessoas de sexos opostos e de compleição física e atlética diversa, quando a Constituição Federal já
assegura a estes últimos condição diferenciada de disputa mediante a reserva de vagas (artigo 37,
inciso VIII).
Malgrado todo esforço, aquele exagero vem sendo exigido em determinados editais de concursos
para o cargo de médico-legista, no qual o esforço físico é o de menor importância, enquanto que a
capacidade intelectual para desenvolver com inteligência as tarefas da melhor forma à população é o
que deveria ser avaliada. Isto certamente promoverá a exclusão de candidatos de excelente potencial
intelectivo para a execução da função de legisperito, em razão de um despreparo físico configurado
no teste de aptidão física a que se submeteram e que certamente eram dispensados quando da sua
formação acadêmica. Tal metodologia vai resultar em inegável prejuízo para o bom funcionamento
da administração pública nessa relevante missão estatal, e, portanto, um grave dano à sociedade que
fica lesada, e a nosso ver, prejudicando integralmente o interesse público quando se perde um
profissional capacitado intelectualmente para o exercício da função.
Muitos são os editais de concurso público para provimento de vagas e formação de cadastro de
reserva em cargos de médico-legista, dos quais consta, de maneira genérica, que “todos os
candidatos aprovados na prova objetiva devem se submeter a teste de capacidade física (barra fixa,
abdominais e corrida de 12 minutos, de caráter eliminatório, entre outros).
Não é preciso ir muito longe para entender que tal exigência é desproporcional e exagerada,
desnecessária e injustificável, para quem vai exercer uma carreira técnico-científica, de caráter
eminentemente intelectual, além de se mostrar desmotivada e frontalmente contrária à essência do
referido concurso, pois este certamente afastará, dos já aprovados nas provas escritas das matérias
indicadas, uma boa parte dos melhores candidatos, apenas porque não podem realizar as flexões em
barra fixa e os abdominais em número requerido ou tiveram a má sorte de chegar 2 ou 3 minutos
depois do prazo de uma corrida, índices estes arbitrariamente atribuídos. Para estes profissionais
que hoje não pertencem mais à carreira de polícia, é o mesmo que exigir de juízes, promotores,
médicos e engenheiros que ingressam no serviço público estas exigências tão desproporcionais.
Em vez de se estar em busca de candidatos mais capacitados intelectualmente, por meio de
critérios baseados na adequação e na eficiência em favor do serviço a ser prestado à sociedade,
buscam-se os de melhor porte físico e capazes de correr e se flexionar tantas vezes quanto queira o
administrador desatento. A rejeição a estes testes, chamados de aptidão física, não exclui os de porte
atlético e de prática desportiva mais sofisticada. Não. Basta que estes estudem e se apliquem ao
conteúdo programático do concurso.
Tem-se a impressão de que o administrador descuidado que redige editais daquela natureza
desconhece por completo a natureza dos cargos disputados no concurso e a sua real forma de
exercício. Não será nenhuma surpresa que este administrador não intime também os aprovados na
cota dos deficientes (dentre eles hemiplégicos e amputados) a alcançarem em uma corrida o percurso
exigido para os 12 minutos, tão valorizados naqueles editais.
Quando ali diz não existir limite de idade, dentro do que prescreve a norma regulamentadora da
função pública, isto soa muito mais como um deboche. Isto sem levar em conta as candidatas
grávidas, os recém-operados, os quais deverão cumprir as regras desarrazoadas do teste de aptidão
física, sob pena da reprovação imediata do concurso. Mesmo que estes testes não fossem
eliminatórios, mas tão só para o efeito de classificação entre os aprovados, ainda assim, seriam
injustos.
Só se justificaria uma imposição da prática de testes de aptidão física se isto estiver previsto em
lei e que sejam exigidos pela função a ser desempenhada, ou seja, quando esta atividade exigir
esforço físico considerável. Se a função a ser exercida de médico-legista tem o caráter técnicocientífico e não de natureza policial, como muitos ainda teimam em considerar, não há como negar
tratar-se de provas desnecessárias, rigorosas e desproporcionais.
Some-se a isso o fato de que muitos destes candidatos nem sabem se vão ser aproveitados, pois
estarão entre aqueles que formarão um “cadastro de reserva”, prática esta cada vez mais comum
nestes últimos tempos, mesmo sem o amparo no ordenamento jurídico, pois todo concurso público
deve ser realizado unicamente para provimento de cargos vagos. Entre outros, esta prática tem o
sentido de a Administração Pública ficar sem a obrigação de nomear um único aprovado sequer.
Assim, julgou o STF num caso de ilegalidade na exigência do teste de aptidão física para o cargo
de médico-legista:
STF – AGRAVO DE INSTRUMENTO AI 278127 MA CONCURSO PÚBLICO – PROVA
ESFORÇO FÍSICO – MÉDICO-LEGISTA – EXIGÊNCIA – IMPROPRIEDADE. AGRA
DESPROVIDO. 1. O Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão concedeu a segurança requerida
pelo ora Agravado, pelos fundamentos assim sintetizados: MANDADO DE SEGURANÇA
CONCURSO PÚBLICO. O MÉDICO-LEGISTA. EDITAL. ESFORÇO FÍSICO. EXIGÊN
INADMISSIBILIDADE. Afigura-se ilegal, passível de exame pelo Judiciário, a exigênci
editalícia do teste de esforço físico, com caráter eliminatório, a candidato a cargo (médicolegista), que, pela sua própria natureza, pode ser exercido até por um deficiente físico que tenha
recebido licença do Conselho de Medicina para exercer a profissão (folha 9). (...). Coaduna-se
com a razoabilidade a glosa da exigência de esforço físico em concurso voltado a preencher cargo
de médico. A atuação deste, embora física, não se faz no campo da força bruta, mas a partir de
técnica específica. Além dos princípios explícitos, a Carta da República abrange também os
implícitos, entre os quais estão o da razoabilidade, o da proporcionalidade, aplicáveis ao caso
concreto. (...) 4. Publique-se. Brasília, 18 de agosto de 2000. Ministro Marco Aurélio, Relator.
Quanto à absurda exigência de testes físicos de aptidão para candidatos com deficiência, ainda se
pronunciou o STF:
STF – Processo: AI 730757 MG
CONCURSO PÚBLICO – PROVA DE ESFORÇO FÍSICO – MÉDICO LEGIS
CANDIDATO INSCRITO EM VAGA DE DEFICIENTE – EXIGÊNCIA – IMPROPRIEDA
AGRAVO DESPROVIDO. 1. O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais confirmou
entendimento constante na sentença, que implicou a concessão da segurança requerida, ante os
seguintes fundamentos (folha 11): [...] Nesse sentido, não se discute a importância da realização
do exame médico para cargos afeitos à atividade policial, visto que seu exercício exige agentes
preparados fisicamente e emocionalmente. [...] Todavia, no presente caso, tenho que se trata de um
candidato inscrito para as vagas de deficientes físicos, não podendo a administração compeli-lo a
realizar testes biofísicos no mesmo parâmetro dos demais candidatos sem qualquer tipo de
deficiência. A própria administração pública atestou a deficiência do impetrante, tendo sido
considerada, inclusive, a sua limitação compatível com o cargo de médico legista. Ora, se o cargo
não fosse compatível com a deficiência física, não poderia ocorrer previsão para o preenchimento
dessas vagas no edital. (...). Coaduna-se com a razoabilidade a glosa da exigência de esforço
físico, em igualdade de condições aos demais inscritos, em concurso voltado a preencher cargo de
médico-legista, considerado o fato de ter o candidato disputado vaga na reserva para deficientes
físicos. A respectiva atuação, embora física, não se faz no campo da força bruta, mas a partir de
técnica específica. Além dos princípios explícitos, a Carta da Republica abrange também os
implícitos, entre os quais estão o da razoabilidade, o da proporcionalidade, aplicáveis ao caso
concreto. 3. Conheço do agravo e o desprovejo. 4. Publiquem. Brasília, 30 de março de 2009.
Ministro Marco Aurélio, Relator.
Características da atividade pericial forense
Como sempre, mas hoje muito mais, os órgãos de perícia são de importância significativa na
prevenção e reparação dos delitos, porque a prova técnico-científica, pelo menos sob o prisma
doutrinário, tem maior relevância entre as demais provas ditas racionais, notadamente nas questões
criminais.
Assim, a Perícia Forense não pode deixar de ser vista como um núcleo de tecnologia e ciência a
serviço da Justiça, e o perito nessas condições é sempre um analista a serviço da Lei, e não um
preposto da autoridade policial. Desse modo, sente-se a necessidade cada vez mais premente de
transformar esses Institutos em órgãos auxiliares do Poder Judiciário, e sempre com a denominação
de Institutos Médico-Legais, como a tradição os consagrou pelo seu transcendente destino.
Lamentavelmente, por distorção de origem, quando as repartições periciais nada mais
representavam senão simples apêndices das Centrais de Polícia e os peritos, meros agentes policiais,
permanece o desagradável engano, ficando até hoje a ideia, entre muitos, de que a legisperícia é
parte integrante e inerente da atividade policial. Basta ver os editais de concurso desta categoria
divulgados pelas Secretarias de Segurança. E o mais grave: isso fez com que se criasse, num bom
número de peritos brasileiros, uma postura nitidamente policialesca que se satisfaz com a exibição
de carteiras de polícia ou de portes de arma, o que fazem insistir na permanência de seu status atual.
A Medicina Legal tem outra missão, mais ampla e mais decisiva dentro da esfera do judiciário,
no sentido de estabelecer a verdade dos fatos, na mais ajustada aspiração e interpretação da lei.
Mais recentemente, em relatório sobre a Tortura no Brasil, produzido pelo Relator Especial
sobre Tortura da Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), Sir
Nigel Rodley, afirmou, no item 22 de suas conclusões: “Os serviços médico-forenses deveriam estar
sob a autoridade judicial ou outra autoridade independente, e não sob a mesma autoridade
governamental que a polícia; nem deveriam exercer monopólio sobre as provas forenses
especializadas para fins judiciais.”
Neste particular, um modelo alentador é o da criação da Perícia Forense do Estado do Ceará
(PEFOCE), que, em linhas gerais, tem como missão executar perícias forenses por peritos oficiais
em tempo hábil e legal em todo Estado. É um órgão com autonomia financeira, administrativa e
patrimonial. Na PEFOCE, a atividade pericial deixou de ser uma atividade de polícia para se
constituir em um cargo público de natureza técnico-científica.
Conclusão
Os testes de avaliação de aptidão física, nos concursos públicos, têm sempre o sentido de
verificar a habilidade física do candidato quanto a força, destreza e agilidade, levando em conta a
natureza do cargo a ser exercido. Para a função de médico-legista não é razoável tal exigência pois,
em sua atividade, não estão incluídos o esforço físico e a destreza, e sim a capacidade intelectual
conquistada na sua formação acadêmica. Sendo assim, aquela medida é desproposital entre os meios
e os fins, e como traz o ranço da ilegalidade e a evidente falta de relação entre a previsão constante
do edital e o real exercício das atividades inerentes ao cargo de médico-legista, é abusiva e ilícita.
Diante da evidência de que a atividade de médico-legista não é de caráter policial e sim de
natureza estritamente técnico-científica e da ausência de dispositivos legais que amparem o exame de
avaliação da aptidão física aos candidatos nos seus concursos, entendo a permanência destes testes
como um comportamento ilegal, ilegítimo e discriminador em desfavor de uma categoria específica
de candidatos, além de revelarem-se como inaceitáveis em face da ordem constitucional em vigor em
nosso país.
Não é possível admitir-se como razoável a exigência de testes de aptidão física em concurso
público de natureza técnico-científica em que o exercício da força bruta se mostra irrelevante e
desnecessário. Além do mais, isto não deixa de ser um fator inibidor e de restrição ao acesso de
candidatos por exigências tão descabidas nestas provas de resistência, obstruindo o livre acesso ao
cargo público anunciado.
Dizer inexistir, no caso, ato ilegal ou abusivo da autoridade pelo fato de os candidatos, ao se
inscreverem, se sujeitaram às cláusulas do edital de concurso é falso, pois cada um se inscreveu
certo de que os despropósitos da natureza dos testes citados irão encontrar amparo em recurso
administrativo ou um remédio jurídico pertinente. E mais: um edital de concurso público não pode
criar cláusulas e condições que ultrapassem aquilo que se encontra na lei.
Até entende-se que, para o exercício de determinadas funções públicas, possa se exigir testes de
aptidão física, quando a força bruta possa ser eventualmente usada, mas isto não se aplica ao caso
dos médicos-legistas, pois estes testes estariam descaracterizados pela desproporcionalidade entre o
exigido e as suas reais atividades, as quais se concentram exclusivamente em uma realidade técnica e
científica.
DIREITOS DO PERICIANDO
Aquele que se apresenta à perícia ou está sendo examinado tem, como todo cidadão, assegurados
pela Constituição Federal, seus direitos individuais e coletivos, sem distinção de qualquer natureza.
Entre tantos, o que está expresso em seu artigo 5o, item II: “Ninguém está obrigado a fazer alguma
coisa senão em virtude da lei.” Isto também se aplica a quem está sendo submetido a perícia quando
está envolvida sua própria pessoa na dimensão física ou moral que merece. Portanto, cabe ao
investigando decidir sobre certas circunstâncias quando submetido a determinados testes ou exames,
certo também de que arcará com o ônus decorrente da sua negativa.
Mesmo se tratando de matéria de ordem criminal, em que sempre se assinala o interesse público
em detrimento do particular; ainda assim mantém-se o direito individual, porque todo interesse
coletivo começa do respeito a um indivíduo.
Assim, por exemplo, no processo penal (matéria de direito público), está pontificado que a
descoberta da verdade jamais ultrapassará limites da decência do réu, que tem o direito de ficar
calado, omitir a verdade e até recusar-se a participar da prova, sem que isso seja interpretado como
prejuízo a sua defesa ou como confissão de culpa.
Se fosse diferente, ou seja, se a busca da verdade fosse irrestrita, sem barreiras, submetendo-se
os examinandos a todas as formas de coações e violações quando submetidos às perícias, certamente
voltaríamos à época da Inquisição. Aqui não cabe o jargão de que “os fins justificam os meios”,
princípio despótico baseado nos modelos fascistas, os quais não encontram mais guarida em solo
democrático.
Eis alguns dos seus direitos:
1. Recusar o exame no todo ou em parte. O periciando manifestando a recusa de se submeter ao
exame ou parte dele não comete crime de desobediência, nem tampouco arca com as duras
consequências da confissão ficta; isso se dá por duas razões: uma, pela total falta de amparo legal
que possa tipificá-lo no delito mencionado; outra, porque ninguém, por autoridade que seja, poderia
obrigar alguém a submeter-se a um exame. Sendo o periciando menor de idade, pode ele recusar a
perícia, sendo o limite de idade o fator que o faça entender a gravidade do caso em estudo. Alguns
entendem que em determinadas circunstâncias, por exemplo, diante de circunstâncias graves, como
em uma perícia dos chamados crimes sexuais, o exame deve ser feito. O correto será encaminhar o
caso ao Conselho Tutelar da Criança e do Adolescente ou diretamente ao Juizado de Menores. Se a
autoridade competente entender que a perícia deva ser feita, tudo deve correr de maneira que se
priorize o interesse da ordem pública e o superior interesse do examinado.
2. Ter conhecimento dos objetivos das perícias e dos exames. A informação é um pressuposto
ou requisito prévio do “consentimento livre e esclarecido”. É necessário que o examinando dê seu
consentimento sempre de forma livre e consciente e as informações sejam acessíveis aos seus
conhecimentos para evitar a compreensão defeituosa, principalmente quando a situação é complexa e
difícil de avaliar (princípio da informação adequada).
3. Ser submetido a exame em condições higiênicas e por meios adequados. Nada mais justo do
que ser examinado, qualquer que seja sua condição de periciando, dentro de um ambiente recatado,
higiênico e dotado das condições mínimas do exercício do ato pericial. Fora dessas condições, além
do comprometimento da qualidade do atendimento prestado, há um evidente desrespeito à dignidade
humana. Não é de hoje que se pede à administração pública pertinente a melhoria dos equipamentos,
insumos básicos e recursos humanos para a efetiva prática da perícia nas instituições médicopericiais. Essa realidade vem contribuindo para justificar a má prática pericial médica e o descaso
que se tem com a pessoa do examinando.
4. Ser examinado em clima de respeito e confiança. Mesmo para aqueles que cometeram ou são
suspeitos de práticas de delitos, qualquer que seja sua gravidade ou intensidade, o exame
legispericial deve ser procedido em um ambiente de respeito e sem a censura daquele que os
examina. Com muito mais razão, se o periciando for a vítima.
5. Rejeitar determinado examinador. O examinando não tem o direito de escolher determinado
examinador, mas pode, por qualquer razão apontada ou mesmo sem explicar os motivos, rejeitar
determinado examinador, por suspeição ou impedimento, ou mesmo por questões de ordem pessoal
que vão desde a da inimizade até mesmo da amizade próxima.
6 . Ter suas confidências respeitadas. Certas confidências contadas pelo periciando, cujas
confirmações ele não queira ver registradas, podem ser omitidas, desde que isso não venha
comprometer o exame cuja verdade se quer apurar, mesmo sendo algumas delas em seu próprio
favor.
7. Exigir privacidade no exame. O exame do periciando deve ser sempre realizado respeitandose sua privacidade, evitando-se a presença de pessoas estranhas ao feito. Quando se tratar de
estagiários, residentes ou estudantes, deve-se pedir a autorização do examinando sempre respeitando
seu pudor e permitindo a presença de pequenos grupos. O examinando pode solicitar a presença de
algum parente ou alguma pessoa de sua intimidade e confiança, pois isso não compromete a
privacidade exigida.
8. Rejeitar a presença de peritos de outro gênero. Esta é outra questão que se apresenta como
justa e razoável. É o respeito ao pudor do examinando, seja homem ou mulher, atender ao pedido na
escolha de um perito do seu gênero.
9. Ter um médico de sua confiança como observador durante o exame pericial. Mesmo que na
fase da produção da prova ainda não seja a oportunidade de indicação do assistente técnico, não
vemos nenhum óbice justificável para se impedir a presença de um médico da confiança do
examinando durante a perícia, seja em um exame de lesão corporal, necropsia ou exumação. Trata-se
apenas de uma forma de medida que tranquiliza o periciando ao ser examinado pela perícia oficial.
Isso não é desdouro ou ofensa à credibilidade do órgão periciador, muito menos a quem o examina.
10. Exigir a presença de familiares durante os exames. Quanto à presença de um familiar
durante o exame pericial, cremos que não exista qualquer rejeição, principalmente quando isto se
verifica a pedido do examinando. Todavia, quanto à presença de um advogado a questão é muito
controvertida.
ASSISTENTES TÉCNICOS
O novo Código de Processo Civil estabelece que o juiz nomeará perito especializado no objeto
da perícia e fixará de imediato o prazo para a entrega do laudo, incumbindo às partes, dentro de 15
(quinze) dias contados da intimação do despacho de nomeação do perito, indicar assistente técnico.
Quando se tratar de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento
especializado, o juiz poderá nomear mais de um perito, e, a parte, indicar mais de um assistente
técnico.
As partes serão intimadas para, querendo, manifestar-se sobre o laudo do perito do juízo no
prazo comum de 15 (quinze) dias, podendo o assistente técnico de cada uma das partes, em igual
prazo, apresentar seu respectivo parecer.
O perito do juízo tem o dever de, no prazo de 15 (quinze) dias, esclarecer ponto divergente
apresentado no parecer do assistente técnico da parte. Se ainda houver necessidade de
esclarecimentos, a parte requererá ao juiz que mande intimar o perito ou o assistente técnico a
comparecer à audiência de instrução e julgamento, formulando, desde logo, as perguntas, sob forma
de quesitos. O perito ou o assistente técnico será intimado por meio eletrônico, com pelo menos 10
(dez) dias de antecedência da audiência.
As partes serão intimadas para, querendo, manifestar-se sobre o laudo do perito do juízo no
prazo comum de 15 (quinze) dias, podendo o assistente técnico de cada uma das partes, em igual
prazo, apresentar seu respectivo parecer. O perito do juízo tem o dever de, no prazo de 15 (quinze)
dias, esclarecer ponto divergente apresentado no parecer do assistente técnico da parte.
Se ainda houver necessidade de esclarecimentos, a parte requererá ao juiz que mande intimar o
perito ou o assistente técnico a comparecer à audiência de instrução e julgamento, formulando, desde
logo, as perguntas, sob forma de quesitos. O perito ou o assistente técnico será intimado por meio
eletrônico, com pelo menos 10 (dez) dias de antecedência da audiência.
O perito do juízo tem o dever de, no prazo de 15 (quinze) dias, esclarecer ponto divergente
apresentado no parecer do assistente técnico da parte. Se ainda houver necessidade de
esclarecimentos, a parte requererá ao juiz que mande intimar o perito ou o assistente técnico a
comparecer à audiência de instrução e julgamento, formulando, desde logo, as perguntas, sob forma
de quesitos. O perito ou o assistente técnico será intimado por meio eletrônico, com pelo menos 10
(dez) dias de antecedência da audiência.
§ 1o A segunda perícia tem por objeto os mesmos fatos sobre os quais recaiu a primeira e
destina-se a corrigir eventual omissão ou inexatidão dos resultados a que esta conduziu.
Pelo que se vê do novo Código de Processo Civil, continua valendo a prerrogativa de as partes
serem livres para indicar seus assistentes técnicos, sem impedimento e suspeição destes.
Assim, assistente técnico é o rótulo que a lei processual civil empresta ao profissional
especializado em determinada área, indicado e contratado por uma das partes, no sentido de lhe
ajudar na elaboração da prova pericial.
Os assistentes técnicos podem ouvir testemunhas, solicitar documentos e obter as devidas
informações, a não ser a questão de prazo, pois o do assistente técnico é de apenas 10 dias após a
entrega do laudo do perito.
Entende-se, por outro lado, que não cabe ao assistente técnico a produção da prova pericial,
tarefa esta do perito judicial. E ficaria a pergunta: Qual a função do assistente técnico? Ao que nos
parece, cabe-lhe fiscalizar a elaboração da prova e do laudo pericial, conferindo a meios avaliativos
utilizados. a verificação do nexo de causalidade, a utilização dos meios subsidiários procedentes, a
possível omissão de detalhes, além de manifestar por escrito suas próprias conclusões sobre o fato
averiguado, após a entrega do laudo pericial do perito em cartório.
Com o advento da Lei no 11.690, de 9 de junho de 2008, que altera o artigo 159 do Código de
Processo Penal, será facultada ao Ministério Público, ao assistente de acusação, ao ofendido, ao
querelante e ao acusado a formulação de quesitos e indicação de assistente técnico (§ 3o). O
assistente técnico atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e
elaboração do laudo pelos peritos oficiais, sendo as partes intimadas desta decisão (§ 4o). Durante o
curso do processo judicial, é permitido às partes, quanto à perícia: I – requerer a oitiva dos peritos
para esclarecerem a prova ou para responderem a quesitos, desde que o mandado de intimação e os
quesitos ou as questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com antecedência mínima de 10
(dez) dias, podendo apresentar as respostas em laudo complementar; II – indicar assistentes técnicos
que poderão apresentar pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência (§
5o). Havendo requerimento das partes, o material probatório que serviu de base à perícia será
disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua guarda, e, na presença de
perito oficial, para exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação (§ 6o).
Tratando-se de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento especializado,
poder-se-á designar a atuação de mais de um perito oficial, e a parte indicar mais de um assistente
técnico (§ 7o).
DOCUMENTOS MÉDICO-LEGAIS
Documento é toda anotação escrita que tem a finalidade de reproduzir e representar uma
manifestação do pensamento. No campo médico-legal da prova, são expressões gráficas, públicas ou
privadas, que têm o caráter representativo de um fato a ser avaliado em juízo. Os documentos que
podem interessar à Justiça, são: as notificações, os atestados, os prontuários, os relatórios e os
pareceres; além desses, os esclarecimentos não escritos no âmbito dos tribunais, constituídos pelos
depoimentos orais.
Notificações
São comunicações compulsórias feitas pelos médicos às autoridades competentes de um fato
profissional, por necessidade social ou sanitária, como acidentes de trabalho, doenças
infectocontagiosas, crimes de ação pública que tiverem conhecimento e não exponham o cliente a
procedimento criminal e a morte encefálica, quando em instituição de saúde pública ou privada, de
acordo com o artigo 12 da Lei no 8.489, de 18 de novembro de 1992. Não são mais notificados, de
forma compulsória, os viciados em substâncias capazes de determinar dependência física ou
psíquica, conforme determinava a Lei no 6.368, de 21 de outubro de 1976.
Atestados
Entende-se por atestado ou certificado o documento que tem por objetivo firmar a veracidade de
um fato ou a existência de determinado estado, ocorrência ou obrigação. É um instrumento destinado
a reproduzir, com idoneidade, uma específica manifestação do pensamento.
O atestado ou certificado médico, portanto, é uma declaração pura e simples, por escrito, de um
fato médico e suas possíveis consequências. Tem a finalidade de resumir, de forma objetiva e
singela, o que resultou do exame feito em um paciente, sua doença ou sua sanidade, e as
consequências mais imediatas. É, assim, um documento particular, elaborado sem compromisso
prévio e independente de compromisso legal, fornecido por qualquer médico que esteja no exercício
regular de sua profissão. Desta forma, tem unicamente o propósito de sugerir um estado de sanidade
ou de doença, anterior ou atual, para fins de licença, dispensa ou justificativa de faltas ao serviço,
entre outros.
Tão singelo e desprovido de formalidades é o atestado médico, que se admite, estando o médico
inscrito regularmente no Conselho Regional de Medicina competente, possuir competência para
atestar, independentemente de especialidade, desde que se sinta capacitado para tanto. Assim se
manifesta o Parecer-Consulta CFM no 28/87.
É elaborado de forma simples, em papel timbrado, podendo servir até o usado em receituário ou,
para quem exerce a profissão em entidades públicas ou privadas, em formulários da respectiva
instituição, como recomenda Arbenz. É quase sempre a pedido do paciente ou de seus responsáveis
legais.
Não tem o atestado uma forma definida, porém deve conter as seguintes partes constitutivas:
cabeçalho – onde deve constar a qualificação do médico; qualificação do interessado – que é sempre
o paciente; referência à solicitação do interessado; finalidade a que se destina; o fato médico quando
solicitado pelo paciente ou seus familiares; suas consequências, como tempo de repouso ou de
afastamento do trabalho; e local, data e assinatura com o respectivo carimbo profissional, onde
contenham nome do médico, CGC e número de inscrição no Conselho Regional de Medicina da
jurisdição sede de sua atividade.
A utilidade e a segurança do atestado estão necessariamente vinculadas à certeza de sua
veracidade. Sua natureza institucional e seu conteúdo de fé pública é o pressuposto de verdade e
exatidão que lhe é inerente, daí a preocupação e o interesse que o atestado desperta, como diz Sérgio
Ibiapina Ferreira Costa (in Atestado médico – considerações ético-jurídicas, na obra Desafios
Éticos, Brasília: Publicação do Conselho Federal de Medicina, 1993). E mais: “uma declaração
duvidosa tem, no campo das relações sociais, o mesmo valor de uma declaração falsa, exatamente
por não imprimir um conteúdo de certeza ao seu próprio objeto”.
O atestado médico quanto a sua procedência ou finalidade pode ser: administrativo, quando
serve ao interesse do serviço ou do servidor público; judiciário, quando por solicitação da
administração da justiça; e oficioso, quando dado no interesse das pessoas física ou jurídica de
direito privado, como para justificar situações menos formais em ausência das aulas ou para
dispensar alunos da prática da educação física.
Há um fato que sempre mereceu profundas controvérsias: a questão da declaração do diagnóstico
nos atestados. Uns admitem que deve ser omitida a fim de responder aos imperativos dogmáticos que
norteiam o sigilo médico; outros acham desnecessária a guarda do segredo, principalmente quando a
autoridade administrativa exige o diagnóstico com a finalidade de estabelecer a relação entre os dias
perdidos e a gravidade da doença, por exemplo. O certo é que, na medida do possível, deve-se evitar
a declaração do diagnóstico no atestado, a não ser quando permite o Código de Ética Médica: por
justa causa, dever legal ou a pedido do paciente ou de seus representantes legais.
Quanto à necessidade de se colocar o CID (Código Internacional de Doenças e Causas de Morte)
nos atestados médicos, resultante da Portaria nos 3.291, de 20 de fevereiro de 1984, do Ministério da
Previdência Social, decidiu o Conselho Federal de Medicina, nos Pareceres Consulta nos 11/88,
25/88 e 32/90, que o médico só pode firmar atestado revelando o diagnóstico, na forma codificada
ou não, nas hipóteses referidas no artigo 73 do Código de Ética Médica (por justa causa, dever legal
ou permissão do paciente ou de seus responsáveis legais).
Deve-se entender ainda que o atestado é diferente de declaração. No atestado, quem o firma, por
ter fé de ofício, prova, reprova ou comprova. Na declaração, exige-se apenas um relato de
testemunho. Entendemos que, na área de saúde, apenas os profissionais responsáveis pela elaboração
do diagnóstico são competentes para firmarem atestados. Os demais podem declarar o
acompanhamento ou a coadjuvação do tratamento, o que não deixa, também, de constituir uma
significativa contribuição como valor probante.
Hermes Rodrigues de Alcântara (in Deontologia e diceologia – normas éticas e legais para o
exercício da medicina, São Paulo: Organização Andrei Editora, 1979) classifica o atestado médico,
quanto ao seu conteúdo ou veracidade, em: idôneo, gracioso, imprudente e falso.
O compromisso ético e legal do médico é fornecer sempre um atestado idôneo. Mesmo não sendo
exigidos uma certa formalidade e um compromisso legal de quem o subscreve – por ser uma peça
meramente informativa e não um elemento final para decidir vantagens e obrigações –, deve merecer
o atestado todos os requisitos de comprovada idoneidade, visto que ele exerce, dentro dos seus
limites, uma função de certo interesse social. Fica o médico, portanto, no dever de dizer a verdade
sob pena de infringir dispositivos éticos e legais, seja ao artigo 80 do Código de Ética Médica, seja
por delito de falsidade de atestado médico por infração ao artigo 302 de nosso diploma penal.
Não deve ser recusado “a priori”, como vez por outra ocorre, pois se deve ter sua presunção de
lisura pelo respeito à credibilidade de quem firma o atestado. Isto não quer dizer, todavia, que o
atestado seja um fato conclusivo ou consumado, ou que não tenha um limite de eficácia em certas
eventualidades, principalmente para o que ele não se destina.
Em documentos particulares, escritos e assinados, ou apenas assinados, presumem-se
verdadeiros em relação ao signatário. Quando houver referência de determinado fato ligado à
ciência, o documento particular prova a declaração, mas não o fato declarado, competindo ao
interessado em sua veracidade o ônus de provar o fato.
O atestado gracioso, também chamado de complacente ou de favor, tem sido concedido por
alguns profissionais menos responsáveis, desprovidos de certos compromissos e que buscam por
meio deste condenável gesto uma forma sub-reptícia de obter vantagens, sem nenhum respeito ao
Código de Ética Médica. Muitos destes atestados graciosos são dados na intimidade dos consultórios
ou das clínicas privadas, tendo como finalidade a esperteza de agradar o cliente e ampliar, pela
simpatia, os horizontes da clientela.
Já o atestado imprudente é aquele que é dado de maneira inconsequente, insensata e
intempestiva, quase sempre em favor de terceiros, tendo apenas o crédito da palavra de quem o
solicita.
O atestado falso seria aquele dado quando se sabe do seu uso indevido e criminoso, tendo por
isso o caráter doloso. Se é fato que alguns médicos resistem, igualmente certo é também que, em
alguns casos, o profissional é induzido por questões de amizade ou de parentesco, e, assim, sem uma
análise mais acurada, fornece um atestado gracioso ou falso, mesmo que seu Código de Ética diga
que tal atitude é ilícita e o Código Penal veja como infração punível. Tais sanções são justas
porquanto o Estado tem o direito de resguardar o bem jurídico da fé pública, cuja finalidade é
proteger uma verdade.
A falsidade do atestado médico está na sua falsificação ideológica. Está fraudado na sua
substância, no seu conteúdo. A sua irregularidade, portanto, está no seu teor, na sua natureza
intelectual, praticada por um agente especial que é o médico, quando subverte o exercício regular de
um direito. Na sua essência material ele pode até ser correto, pois foi firmado por alguém habilitado
a fazê-lo. A falsidade material diz respeito apenas no tocante a sua falsificação quando, por exemplo,
ele é expedido por alguém que não possui habilitação legal nem habilitação profissional, ou seja, por
alguém que não é médico.
A falsidade pode estar na afirmação da existência ou da inexistência de uma enfermidade, na
falsa condição de higidez pretérita ou atual, em um tipo de patologia, na causa mortis e no seu agente
causador, ou em qualquer outra informação dessa ordem que não reflita a verdade. Ou ainda, como
diz Heleno Claúdio Fragoso (in Lições de direito penal, vol. 4, São Paulo: José Bushatsky, 1965):
“pode também referir-se a outros fatos, como a origem de uma doença, a existência de morte e suas
causas, a vacinação, as consequências de moléstias ou ferimento etc.” Enfim, incide sobre tudo
aquilo que compete ao médico verificar, não apenas circunscrito aos fatos, mas ainda pode recair
sobre opinião ou conceito sobre os mesmos.
O que se pune nesta forma de delito é tão somente a inveracidade que o atestado pretende provar.
Acrescenta-se, ainda, que a falsidade pode ser praticada tanto em relação ao que é fundamental,
como ao que é secundário, desde que altere em substância o conteúdo do atestado e o juízo feito
sobre ele.
Entre os atestados falsos, surge um novo tipo: o atestado piedoso. São pedidos como forma de
suavizar um diagnóstico mais grave, principalmente quando se trata de pacientes portadores de
doenças graves e incuráveis. E assim, alguns facultativos, atendendo à solicitação de familiares,
atestam enfermidade diversa, sempre de caráter benigno, na intenção de confortar o paciente. Embora
piedoso, tal gesto é reprovável.
Concordamos com o pensamento de que o médico ao conceder conscientemente um atestado de
óbito falso, alterando assim a verdade no Registro Público, comete crime de falsidade ideológica em
documento público e não falsidade de atestado médico, inclusive com pena muito mais grave.
Mesmo assim, com todo zelo que se deve ter pelo atestado, é justo dizer que ele tem seus limites.
A comprovação de uma entidade mórbida, complexa, multifatorial e de origem ainda no campo das
teorias – de tantos detalhes e de tantas e possíveis implicações – não pode ser decidida apenas com
três ou quatro linhas simplistas, apostas em um mero atestado médico, cuja finalidade é tão só servir
de início de informações em uma arguição de direitos. Há de se valorizar cada particularidade
existente no processo mórbido. Por isso existem as Juntas Médicas e por isso elas não estão adstritas
aos atestados, podendo aceitá-los no todo, na parte, ou simplesmente não acatá-los, como claramente
recomenda o Parecer Consulta CFM no 01/2002.
Muitas vezes é necessário um laudo ou relatório bem elaborado onde esteja realçada a descrição,
fundamentada em elementos fisiopatológicos consagrados pela lex artis e em resultados
laboratoriais, e onde fique patente em que foi baseada esta ou aquela afirmativa. Só assim é possível
a confirmação do diagnóstico, a avaliação evolutiva do processo mórbido, a devida e necessária
observação dos resultados terapêuticos e o prognóstico esperado.
Levando em conta a delicadeza de certas circunstâncias em que se apura uma determinada
patologia, que traz na sua esteira um amontoado de dúvidas na sua etiologia e na sua causalidade ou
concausalidade, e quando um erro de interpretação pode redundar em prejuízos para as partes
envolvidas, torna-se imprescindível uma declaração mais detalhada. Não registrar ou analisar tais
características é uma maneira de despojar quem vai utilizar o laudo de uma ideia pessoal e tirar-lhe a
oportunidade de se convencer da verdadeira natureza do dano. Pelo menos, a inadmissibilidade da
concessão de interdição com base apenas em atestado médico e a imprescindibilidade do laudo
pericial está na norma processual civil que após prazo estabelecido, o juiz nomeará perito para
proceder ao exame do interditando. Apresentado o laudo, o juiz designará audiência de instrução e
julgamento. Há, portanto, necessidade de apresentação de laudo completo e circunstanciado das
condições do interditando sob pena de anulação do processo.
Nesses casos, o laudo médico é obrigatório e não facultativo, e o exame pericial é
imprescindível para a segurança da decisão judicial (RT 715/133). Como afirmam Nelson Nery
Júnior e Rosa Maria Andrade Nery: “A lei exige a realização de perícia médica em processo de
interdição, sob pena de nulidade. A tarefa do perito consiste em apresentar laudo completo e
circunstanciado da situação físico-psíquica do interditando, sob pena do processo ser anulado. O
laudo não pode se circunscrever a mero atestado médico em que se indique por código a doença do
suplicado” (in Código de processo civil comentado, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
1999).
Está mais do que provado ser o laudo médico ou pericial o instrumento mais valorizado nas
questões de maior complexidade na área médica, pois o atestado pela sua singeleza e carência de
descrição não alcança todas as particularidades que certos casos encerram. Daí porque só o laudo
atende a tal necessidade.
Todo dano corporal à saúde, seja físico ou psíquico – como um verdadeiro corpo lesional –
carrega no seu conjunto uma lista sem fim de detalhes que necessitam de registro para uma apurada
interpretação. E tudo depende de quem vai valorizá-lo na medida exata de cada caso.
Nem sempre se pode considerar como elemento probante, de consistência técnica e científica, a
afirmação simples e por escrito contida em um atestado, sem uma descrição judiciosa das estruturas
comprometidas, de suas causas e de seus nexos causais, capazes de justificar aquela afirmação.
O atestado, em que pese o respeito que merece seu ilustre subscritor, é um documento unilateral e
singelo que não pode se sobrepor ao laudo médico. Por isso, em casos de maior relevância, onde se
discute questões de maior transcendência sobre diagnóstico, prognóstico e agente causal, o médico e
o perito têm obrigação de mencionar no relatório em que elementos estruturais ou funcionais ou em
que resultados laboratoriais ou radiológicos se basearam para fazer tal ou qual afirmativa. Em suma:
é necessário que fique muito claro em que elementos se fundamentaram para suas conclusões.
Prontuários
O prontuário médico constitui-se não apenas no registro da anamnese do paciente, mas em todo o
acervo documental padronizado, organizado e conciso, referente ao registro dos cuidados médicos
prestados, assim como dos documentos pertinentes a essa assistência. Mesmo sendo um documento
criado para interesses médicos, o prontuário pode produzir efeitos jurídicos de grande significação
médico-legal.
Consta de exame clínico do paciente, suas fichas de ocorrências e de prescrições terapêuticas, os
relatórios da enfermagem, da anestesia e da cirurgia, a ficha do registro dos resultados de exames
complementares e, até mesmo, cópias de solicitação e de resultado de exames complementares.
Constituem um verdadeiro dossiê que tanto serve para a análise da evolução da doença, como para
fins estatísticos que alimentam a memória do serviço e como defesa do profissional, caso ele venha
ser responsabilizado por algum resultado atípico ou indesejado.
Não se pode admitir que o prontuário seja uma peça meramente burocrática para fins da
contabilização da cobrança dos procedimentos ou das despesas hospitalares. Pensar sempre em
possíveis complicações de ordem técnica, ética ou jurídica que possam eventualmente ocorrer,
quando o prontuário seria um elemento de valor probante fundamental nas contestações sobre
possíveis irregularidades. Pode em certos momentos ter significativa contribuição quando da
elaboração de relatórios ou pareceres médico-legais sobre a assistência ao paciente ou, ainda, parte
dele servir de subsídios informativos como peças dos autos processuais.
Por outro lado, não existe nenhum dispositivo ético ou jurídico que determine ao médico ou ao
diretor clínico de uma instituição de saúde entregar os originais do prontuário, de fichas de
ocorrências ou de observação clínica a quem quer que seja, autoridade ou não, porque “ninguém está
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei”.
No Parecer-Consulta CFM no 02/94, ficou estabelecido que as instituições de saúde não estão
obrigadas a enviar, mesmo por empréstimo, os prontuários aos seus contratantes públicos ou
privados, e, segundo o Parecer-Consulta CFM no 05/96, “o diretor clínico não pode liberar cópia de
prontuários de paciente para Conselhos de Saúde, porém tem o dever de apurar quaisquer fatos
comunicados, dando-lhes conhecimento de suas providências, sob pena de responsabilidade ética ou
mesmo criminal”.
O Supremo Tribunal Federal, em acórdão do Recurso Extraordinário Criminal no 91.218-5SP, 2a
Turma, entendeu que a instituição ou o médico não tem a obrigação de atender a requisição de fichas
clínicas, admitindo que apenas ao perito cabe o direito de consultá-la, mesmo assim obrigando-o ao
sigilo pericial, como forma de manter o segredo profissional (RT, 562, ago./1982, 407/425).
Uma questão bem interessante: A quem pertence o prontuário? Antes pensava-se que ele
pertencia ao médico assistente ou à instituição para a qual ele prestava seus serviços. Mesmo sendo
o médico, indubitavelmente, o autor intelectual do dossiê por ele recolhido, é claro que esse
documento pertence ao paciente naquilo que é mais essencial: nas informações contidas. É de
propriedade do paciente a disponibilidade permanente das informações que possam ser objeto da sua
necessidade de ordem pública ou privada.
Em síntese, são de propriedade do paciente de forma permanente as informações que possam ser
objeto da necessidade de ordem social ou de outro profissional que venha a tê-lo na sua relação,
dentro da conveniência que a informação possa merecer. Do médico e da instituição, apenas o direito
de guarda.
Relatórios
O relatório médico-legal é a descrição mais minuciosa de uma perícia médica a fim de responder
à solicitação da autoridade policial ou judiciária frente ao inquérito (peritia percipiendi).
Se esse relatório é realizado pelos peritos após suas investigações, contando para isso com a
ajuda de outros recursos ou consultas a tratados especializados, chama-se laudo. E quando o exame é
ditado diretamente a um escrivão e diante de testemunhas, dá-se-lhe o nome de auto.
O relatório é constituído das partes descritas a seguir.
Preâmbulo. Constam dessa parte a hora, data e local exatos em que o exame é feito.
Nome da autoridade que requereu e daquela que determinou a perícia. Nome, títulos e residências
dos peritos. Qualificação do examinado.
Quesitos. Nas ações penais, já se encontram formulados os chamados quesitos oficiais.
Mesmo assim, podem, à vontade da autoridade competente, existir quesitos acessórios.
Os quesitos oficiais foram formulados por uma comissão composta pelo Dr. Miguel Sales, exdiretor do Instituto Médico-Legal do Rio de Janeiro; pelo Professor de Medicina Legal e médicolegista Antenor Costa; e, finalmente, pelo eminente mestre do Direito Penal brasileiro, Professor
Roberto Lira, e aprovados pela comissão que elaborou o Código de Processo Penal (Decreto-Lei no
3.639, de 3 de outubro de 1941).
Em Psiquiatria Médico-Legal, assim como no cível, não existem quesitos oficiais, ficando o juiz
e as partes no direito de livremente formularem conforme exigências do caso.
Histórico. Consiste no registro dos fatos mais significativos que motivam o pedido da
perícia ou que possam esclarecer e orientar a ação do legisperito. Isso não quer dizer que a palavra
do declarante venha a torcer a mão do examinador. Outra coisa: essa parte do laudo deve ser
creditada ao periciado, não se devendo imputar ao perito nenhuma responsabilidade sobre seu
conteúdo.
Mesmo não sendo o momento mais expressivo do documento médico-legal, o histórico tem-se
revelado na experiência pericial, muitas vezes, como uma fase imprescindível, necessária e
importante. Tão valiosa, que a norma procesual civil assegura ao perito o direito de ouvir
testemunhas e recorrer a qualquer outra fonte de informação que possa orientar seu trabalho. E essa
orientação na ação pericial tem justificativas, principalmente nas questões penais, no que diz respeito
à criminodinâmica, como as condições da violência, posição e distância do agressor, tempo de
ofensa, local da violência, condições anteriores da vítima e outras circunstâncias que certamente
tornar-se-ão úteis à complementação do raciocínio e das conclusões do periciador. Para não falar na
perícia psiquiátrica, em que a história do periciando constitui-se em um dos pontos de maior relevo
do projeto médico-pericial.
Ainda que a prática médico-legal não tenha o caráter de ato de investigação ou de instrução, mas
de prova, o histórico inclui-se, hoje, na moderna concepção pericial, como um instante de
indiscutível necessidade.
O laudo deve apontar uma ideia real não só da lesão, mas, também, do modo pelo qual ela foi
produzida. Só assim ele alcançará seu verdadeiro sentido: o de exibir uma imagem bem viva, pelo
menos a mais aproximada da dinâmica do evento, do qual a agressão foi a consequência.
Vez por outra, surgem certas autoridades julgando plenamente dispensável a transcrição de
informações do periciando, pelo simples fato, segundo elas, de a vítima nem sempre relatar a
verdade, inovando, assim, conceitos sobre laudo pericial. Não nos causa nenhuma estranheza. Sabiase que 1 dia alguém, em nome do arbítrio, iria se insurgir contra as informações do examinado.
Tais pontos de vista, além de subverterem todo princípio científico, são uma indisfarçável
intromissão na livre iniciativa técnica e um constrangimento no direito de liberdade intelectual que
devem assegurar toda proposta de ciência. Qual o sentido de se excluir a anamnese do laudo
pericial? Ao que nos ocorre, apenas um: o desconforto dos interesses inconfessáveis.
Privar um indivíduo, principalmente quando vítima, de fazer seu relato ao perito no momento do
exame não somente compromete os seus mais elementares direitos, mas atenta profundamente contra
as conquistas fundamentais da pessoa humana, asseguradas na Declaração Universal dos Direitos do
Cidadão e do Homem, e na Constituição Federal, que resguarda a livre prerrogativa de prestar
informações, ou até mesmo, aos detentos presidiários, a obrigação que deve dispensar toda
autoridade à sua integridade física e moral.
Desse modo, devem os peritos continuar inserindo o histórico em seus laudos, principalmente
aquilo que acharem importante, sempre de forma simples e objetiva, de maneira que tragam subsídios
à perícia. Sem o comprometimento com sua veracidade e sem a preocupação de agradar ou
desagradar a quem quer que seja, autoridade ou não.
Descrição. É a parte mais importante do relatório médico-legal. Por isso, é necessário
que se exponham todas as particularidades que a lesão apresenta, não devendo ser referida apenas de
forma nominal, como, por exemplo, ferida contusa, ferida de corte, queimadura, marca elétrica, entre
outras. Devem-se deixar para a última parte do documento: respostas aos quesitos, a referência ao
meio ou o tipo de ação que provocou a ofensa.
Citar nominalmente uma lesão é o mesmo que diagnosticá-la. Omitir suas características é uma
maneira de privar de uma ideia pessoal quem vai analisar o laudo e tirar-lhe a oportunidade de se
convencer do aspecto real e da natureza da lesão.
É necessário afirmar justificando, mencionar interpretando, descrever valorizando e relatar
esmiuçando. Não se está mais na época do “é porque deve ser”, nem se pode admitir que alguém
venha simplesmente a se escudar por trás de uma autoridade capaz de lhe dar condições de se fazer
sempre acreditar. Assim, a descrição deve ser completa, minuciosa, metódica e objetiva, não
chegando jamais ao terreno das hipóteses.
A descrição é a parte mais eloquente do laudo. Na verdade, toda lesão no domínio da prova e,
portanto, da medicina legal traz no seu conjunto um elenco de particularidades que necessitam de
interpretação e ajuste para um deliberado fim. Tudo depende, é claro, de quem vai interpretá-la na
riqueza de cada detalhe.
A verdadeira finalidade do laudo médico-legal é oferecer à autoridade julgadora elementos de
convicção para aquilo que ela supõe mas de que necessita se convencer. A essência da perícia é dar
a imagem mais aproximada possível do dano e do seu mecanismo de ação, do qual a lesão foi
resultante.
Portanto, para que um ferimento tenha força elucidativa, preciso se faz que todos os seus
elementos de convicção estejam bem definidos em forma, direção, número, idade, situação, extensão,
largura, disposição e profundidade. Por mais humilde que seja uma lesão violenta, ela sempre traz
consigo muitas das suas características.
Qualquer particularidade bem descrita, técnica e artisticamente, tem o poder de transferir a lesão
para o laudo ou de transportar o pensamento do analista para o instante em que se verificou a
agressão.
Outra coisa: a lesão violenta, vista por um perito, não pode ter, por exemplo, o mesmo
significado da análise do cirurgião, o qual necessita somente de tratá-la, enquanto ao legista cabe
compreendê-la, analisá-la, esmiuçando, comparando, compondo e recompondo-a como quem arma as
peças de um quebra-cabeça. Só assim ele é capaz de retirar todos os valores ali inseridos, naquilo
que pode existir de insondável e misterioso. Depois disso, deve ser colocado esse pensamento em
uma linguagem que represente o retrato vivo do evento e daquilo que o produziu.
A arte pericial requer mais que o simples conhecimento da ciência hipocrática. Exige, além dessa
intimidade com todas as especialidades médicas, uma certa intuição e um relativo interesse por
outras formas de conhecimento, a fim de elevar suas concepções a um melhor plano do entendimento,
como forma de contribuir para a análise e a interpretação dos julgadores.
É claro que não cabem ao perito o rebuscado literário nem a ficção ornamental, tão ao gosto de
outras manifestações artísticas. Cabem, sim, o relato simples e a arte pura da verdade pura e simples.
A arte aqui deve ser entendida como um feito colocado nas mãos da clareza e da lógica, voltada
para a crueza do dano, sem os impulsos da exagerada inclinação literária. A arte aqui tem de se
estreitar nos limites da realidade violenta, da verdade científica e da especulação exclusivamente
comprobatória.
Além disso, a descrição não deve ficar adstrita somente à lesão. É imprescindível que se registre
também com precisão a distância entre ela e os pontos anatômicos mais próximos, e, se possível, se
anexem esquemas ou fotografias das ofensas físicas, pois somente assim poder-se-ão evitar dúvidas
ou interpretações de má-fé, em face da localização duvidosa da agressão (Figuras 2.1 a 2.15).
Discussão. Nesta fase, serão analisadas as várias hipóteses, afastando-se o máximo das
conjecturas pessoais, podendo-se inclusive citar autoridades recomendadas sobre o assunto. O termo
discussão não quer dizer conflito entre as opiniões dos peritos, mas a lógica de um diagnóstico a
partir de justificativas racionais e baseadas na avaliação tendo em conta todas as circusntâncias do
contexto analisado.
Conclusão. Compreende-se nesta parte a síntese diagnóstica redigida com clareza,
disposta ordenadamente, deduzida pela descrição e pela discussão. É a análise sumária daquilo que
os peritos puderam concluir após o exame minucioso.
Respostas aos quesitos. Ao encerrarem o relatório, respondem os peritos de forma
sintética e convincente, afirmando ou negando, não deixando escapar nenhum quesito sem resposta. É
certo que, na Medicina Legal, que é ciência de vastas proporções e de extraordinária diversificação,
em que a certeza é às vezes relativa, nem sempre podem os peritos concluir afirmativa ou
negativamente. Não há nenhum demérito se, em certas ocasiões, eles responderem “sem elementos de
convicção”, se, por motivo justo, não se puder ser categórico.
O “pode resultar” ou “aguardar a evolução” são, em alguns quesitos, respostas perfeitamente
aceitáveis, principalmente por se saber da existência do Exame da Sanidade realizado após os 30
dias. Sempre que o assunto causar estranheza ao examinador, tal fato deve ser confessado sem receio
ou vacilação.
Todavia, lembrar sempre que um exame médico-legal, de tantos detalhes e de tantas e possíveis
implicações, não pode ser resolvido com respostas simplistas que apenas afirmam ou negam. Há de
se valorizar cada particularidade. Quando se defrontam de um lado questões diagnósticas delicadas e
de outro o constrangimento de quem é acusado, não pode o perito limitar-se a dizer com extrema
simplicidade “sim” ou “não” em uma perícia. É obrigação precípua do perito mencionar, no
relatório, em que elementos anatômicos ou resultados laboratoriais se baseou para fazer tal ou qual
afirmativa. Dizer, apenas, por exemplo, que houve lesão corporal é subtrair suas características e
não leva ninguém a nenhuma convicção. Dizer pura e simplesmente que houve conjunção carnal sem
nenhuma justificativa também não concorre para a busca da verdade. Isto porque só a descrição pode
nos colocar em uma correlação lógica entre a lesão encontrada e a verdade que se quer chegar. A
força desta fidelidade descritiva é que irá instruir a curiosidade do operador jurídico nas suas
ânsias. E, sempre que possível, juntar à descrição, à maneira de reforço, os desenhos, gráficos e
fotografias.
Quanto às fotografias, recomendamos não anexar aos laudos as que identifiquem as vítimas ou as
exponham em situações de constrangimentos ou de violação à vida privada e à honra dos
examinados, como exames de crianças e adolescentes a exemplo dos casos de crimes contra a
dignidade sexual. Tais cuidados, nestes casos, não esvaziam o objeto da prova pericial. Há outros
meios como gráficos e esquemas.
Pareceres
A arte médico-legal não se resume apenas ao exame clínico ou anatomopatológico da vítima. Daí
não bastar, como diz Hélio Gomes, um médico ser simplesmente médico para que se julgue apto a
realizar perícias, como não basta a um médico ser simplesmente médico para que faça intervenções
cirúrgicas. Por isso, são-lhe indispensáveis educação médico-legal, conhecimento de legislação,
prática de redação de documentos e familiaridade processual.
Quando um perito é chamado para intervir em uma ação em andamento, estudando situações de
fatos definidos e contra os quais não haja controvérsias, nem sempre há necessidade de entrevistar o
examinado ou realizar qualquer exame técnico, mas, tão só, avaliar as peças processuais à óptica
médico-legal e oferecer seu parecer, principalmente quando as entidades nosológicas ou suas
consequências estão bem definidas, e contra as quais ninguém fez objeção.
Assim, quando na marcha de um processo um estudioso da Medicina Legal é nomeado para
intervir na qualidade de perito, e quando a questão de fato é pacífica, mas apenas o mérito médicolegal é discutido, cabe-lhe, apenas, emitir suas impressões sob forma de parecer e responder aos
quesitos formulados pelas partes (pericia deducendi). E o documento final dessa análise chama-se
parecer médico-legal, em que suas convicções científicas e, até, doutrinárias são expostas, sem
sofrer limitações ou insinuações de quem quer que seja. Isso não quer dizer que o perito possa ter
caprichos, antipatias ou preconceitos. Não. A liberdade pericial não admite exageros dessa ordem.
Na consulta médico-legal, quando dúvidas são levantadas no bojo de um processo, ou quando as
partes se contradizem e se radicalizam nas suas posições mais obstinadas, chega a hora de ouvir a
voz mais experiente, a autoridade mais respeitada, capaz de iluminar o julgador no seu instante mais
denso. O parecer médico-legal é, pois, a definição do valor científico de determinado fato, dentro da
mais exigente e criteriosa técnica médico-legal, principalmente quando esse parecer está alicerçado
na autoridade e na competência de quem o subscreve, como capaz de esclarecer a dúvida constitutiva
da consulta.
A função pericial, dizia o extraordinário e inesquecível Alves Menezes, não exige apenas
ciência, senão, também, talento e imaginação, dois recursos da inteligência capazes de criar um
universo de interpretações mais vivas, contrastando com a vulgaridade das aparências primárias.
Cria-se, dessa forma, outro mundo de cores mais vivas e de novas formas, onde a análise mais
apurada se eleva a outras significações.
Em um parecer médico-legal, distante, pois, da trivialidade das perícias de rotina, cria-se um
universo diferente, melhorado, possuído de uma eloquência rara, que só a inteligência é capaz de
conhecer e acreditar. Em suma: não se deve limitar a ser, tão somente, um artesão da parte pericial,
analista objetivo e descritivo do exame físico da vítima, mas, ainda, um participante ativo na área
contemplativa, doutrinária, teórica, constituenda da matéria, capaz de revolver muitas controvérsias e
inspirar muitas soluções. Tudo isso por quem é possuidor de uma educação médico-legal mais
aprimorada, de conhecimentos de legislação, de prática de redação de documentos forenses e de
familiaridade processual.
Diante disso, como sempre e hoje muito mais, o juiz, para se munir dos subsídios de convicção,
precisa de informações especializadas e não apenas de meros exames clínicos, técnicos, frios,
simplistas, distantes, pois, da realidade que se quer configurar. Fora dessas considerações, qualquer
sabedoria judicante será temerária e improfícua.
O parecer médico-legal é constituído de todas as partes do relatório, com exceção da descrição.
A discussão e a conclusão passam a ser os pontos de maior relevo desse documento.
Depoimento oral
Cabe ainda ao juiz a faculdade de convocar os peritos, a fim de esclarecerem oralmente certos
pontos duvidosos de perícias realizadas por eles ou por outrem ou para relatarem sobre qualquer
assunto de interesse da lei. É o esclarecimento ou depoimento oral. Consiste na declaração tomada
ou não a termo em audiências de instrução e julgamento sobre fatos obscuros ou conflitantes.
DESVINCULAÇÃO DOS IMLS DA ÁREA DE SEGURANÇA
Ninguém de bom senso poderia ficar indiferente à maré de violência que se observa mais e mais
nos dias de agora. Não é tanto a violência comum que preocupa. A que nos causa maior aflição é a
violência institucional ou a que flui do crime organizado, que se reflete nas execuções sumárias e
arbitrárias, nas mortes suspeitas sob custódia, nas torturas e nos tratamentos desumanos, tipos de
agressão estas que tornam toda a comunidade refém e contra a qual se exige uma política de
segurança eficaz e inteligente.
Por outro lado, não se pode esconder que parte da estrutura policial tornou-se viciada pelo
arbítrio ou pela corrupção, imbuída de uma mentalidade repressiva, reacionária e preconceituosa, na
mais absoluta fidelidade que o Sistema lhe impôs desde os anos de repressão. Hoje tal fração dessa
estrutura não somente perdeu a credibilidade da população mas lhe causa medo.
Dentro desse quadro, um dos fatos mais graves e desalentadores tem sido a inserção dos
Institutos Médico-Legais e demais órgãos periciais nos organismos de repressão. Isso infelizmente
pode comprometer os interesses mais legítimos da sociedade e deixar em dúvida a imparcialidade
dos resultados periciais.
Por isso, pela incidência da violência e do arbítrio de parte expressiva dos órgãos de repressão,
sempre defendemos a ideia da imediata desvinculação dos Institutos de Medicina Legal e dos outros
institutos de perícia forense da área de Segurança, não só pela possibilidade de se estabelecer
pressões, mas pela oportunidade de se levantar desconfiança, dúvidas, na credibilidade do ato
pericial. A polícia que prende, espanca e mata é a mesma que conduz o inquérito.
Como sempre, mas hoje muito mais, os órgãos de perícia são de importância significativa na
prevenção e reparação dos delitos, porque a prova técnico-científica, pelo menos sob o prisma
doutrinário, tem prevalecido sobre as demais provas ditas racionais, notadamente nas questões
criminais.
Assim, a Medicina Legal não pode deixar de ser vista como um núcleo de ciência a serviço da
Justiça, e o médico legista nessas condições é sempre um analista do juiz, e não um preposto da
autoridade policial. Desse modo, sente-se a necessidade cada vez mais premente de transformar
esses Institutos em órgãos auxiliares do Poder Judiciário, e sempre com a denominação de Institutos
Médico-Legais como a tradição os consagrou pelo seu transcendente destino.
Lamentavelmente, por distorção de origem, quando as repartições médico-legais nada mais
representavam senão simples apêndices das Centrais de Polícia e os legistas meros agentes policiais,
permanece o desagradável engano, ficando até hoje a ideia, entre muitos, de que a legisperícia é
parte integrante e inerente da atividade policial. Basta ver os editais de concurso dessa categoria
divulgados pelas Secretarias de Segurança. E o mais grave: isso fez com que se criasse, em um bom
número de legistas brasileiros, uma postura nitidamente policialesca que se satisfaz com a exibição
de carteiras de polícia ou de portes de arma.
A Medicina Legal tem outra missão, mais ampla e mais decisiva dentro da esfera do judiciário,
no sentido de estabelecer a verdade dos fatos, na mais ajustada aspiração e interpretação da lei.
Foi com esse pensamento que algum tempo atrás a Comissão de Estudos do Crime e da
Violência, criada pelo Ministério da Justiça, propôs ao Governo a desvinculação dos Institutos
Médico-Legais e da própria Perícia Criminal dos órgãos de polícia repressiva. O objetivo era
“evitar a imagem do comprometimento sempre presente, quando, por interesse da Justiça, são
convocados para participar de investigações sobre autoria de crimes atribuídos à Polícia”.
A solução apresentada pela Comissão, tendo como presidente o Professor Viana de Moraes, era
“que estes serviços técnicos, hoje sujeitos à Secretaria de Segurança Pública, passem a integrar o
quadro administrativo das Secretarias de Justiça”. Pessoalmente acho que pouco mudaria se os
órgãos de perícias fossem para tais Secretarias, ou mesmo para o Ministério da Justiça. Os locais
mais adequados seriam o Ministério Público Estadual, as Universidades Públicas, ou, com mais
propriedade, a criação de uma Coordenadoria Geral de Perícia ligada diretamente ao governo
estadual, a exemplo do Estado do Pará, cujos resultados têm sido exemplares. Ao Ministério Público
por motivos constitucionais, pois lhe cabe o ônus da produção da prova. Às universidades públicas,
por sua independência, isenção e qualidade científica. E às Coordenadorias Gerais de Perícia, na
forma de autarquias, pela possibilidade de sua autonomia administrativa, financeira e operacional.
A justificativa, já tempos atrás, era baseada em trabalhos do juiz João de Deus Mena Barreto e
do criminalista Serrano Neves, documentados por vários crimes atribuídos aos policiais, em que os
laudos elaborados por peritos oficiais subordinados às Secretarias de Segurança, segundo aqueles
autores, contestavam e negavam a autoria.
Não seria justo dizer que desta vinculação possa existir sempre qualquer forma de coação. Mas,
dificilmente se poderia deixar de aceitar a ideia de que em algumas ocasiões possa existir pressão,
quando se sabe que alguns órgãos de repressão no Brasil estiveram ou estão ainda envolvidos no
arbítrio e na violência. Pelo menos, suprimiria esse grave fator de suspeição, criado pela
dependência e pela subordinação funcional.
Enquanto fração expressiva do aparelho policial permanecer comprometida com esses
lamentáveis episódios e as repartições periciais forenses estiverem sob sua dependência e
subordinação, haverá, no mínimo, dúvidas em alguns resultados. Pelo menos foi assim que decidiu o
juiz Márcio José de Moraes sobre o laudo pericial do jornalista Vladimir Herzog.
Mais recentemente, em relatório sobre a Tortura no Brasil, produzido pelo Relator Especial
sobre Tortura da Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), no item
22 de suas conclusões: “Os serviços médico-forenses deveriam estar sob a autoridade judicial ou
outra autoridade independente, e não sob a mesma autoridade governamental que a polícia; nem
deveriam exercer monopólio sobre as provas forenses especializadas para fins judiciais.”
Pelo exposto, a vinculação, a subordinação e a dependência dos Institutos Médico-Legais aos
órgãos ostensivos e repressivos ligados às Secretarias Estaduais de Segurança Pública mostram-se
fora de propósito pela falta de sintonia nos seus objetivos e na sua metodologia funcional, além da
descrença e do desconforto que podem causar o resultado de seus laudos à sociedade, principalmente
quando o fato a apurar aponta a responsabilidade direta ou indireta da polícia.
Um modelo que pode ser seguido é o da criação da Perícia Forense do Estado do Ceará
(PEFOCE), que, em linhas gerais, tem como missão executar perícias forenses por intermédio de
peritos oficiais em tempo hábil e legal em todo Estado. Foi criada por meio da Lei Estadual no
14.055, de 7 de janeiro de 2008, regulamentada pelo Decreto Estadual no 29.304, de 30 de maio de
2008, deixando de ser uma Coordenadoria da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social,
passando a ser um Órgão com autonomia financeira, administrativa e patrimonial. A PEFOCE
engloba: Medicina Legal, Perícia Criminal, Setor de Planejamento e Gestão, Perícia Veicular, Setor
de Tecnologia de Informação, Setor de Análise Laboratorial Forense, Sistema de Identificação
Automática de Digitais, Central de Custódia e Defensoria Pública, além da Central de Registro de
Óbitos, Área de Preparo para Funerárias, Atendimento Especial e Individualizado a Mulher, Criança
e Adolescente, Setor de Acolhimento à Família das vítimas e uma Sala de Antropologia Forense.
MODELOS DE LAUDOS PERICIAIS
A seguir representaremos alguns modelos de laudos periciais que podem tornar-se úteis àqueles
que, mesmo sem serem legistas, possam vir a ter necessidade de responder a certos fatos médicos de
interesse da Justiça.
Auto de exame cadavérico (aborto)
João Pessoa, PB.
Aos… dias do mês de… do ano de 20… nesta cidade e no…, compareceram os médicos peritos
Drs…., designados pelo Sr…., para procederem ao exame no cadáver de…, a fim de atender à
requisição de exame no…, do…, descrevendo, com verdade e com todas as circunstâncias, o que
encontrarem e descobrirem, bem como para responderem aos seguintes quesitos: PRIMEIRO – Se
houve morte; SEGUNDO – Se a morte foi precedida de provocação de aborto; TERCEIRO – Qual
meio empregado para a provocação do aborto?; QUARTO – Qual a causa da morte?; QUINTO – Se
a morte da gestante sobreveio em consequência do aborto ou do meio empregado para provocá-lo.
Em consequência, passaram os peritos a fazer o exame ordenado, bem como as investigações que
julgaram necessárias, findos os quais declaram:
Auto de exame de estupro
João Pessoa, PB.
Aos… dias do mês de… do ano de 20… nesta cidade e no…, foram designados peritos os
Drs…., para procederem ao exame de atentado ao pudor em…, a fim de se atender à requisição de
exame no…, do…, descrevendo, com verdade e com todas as circunstâncias, o que encontrarem,
descobrirem e observarem, bem como para responderem aos seguintes quesitos: PRIMEIRO – Se há
vestígios de ato libidinoso (em caso positivo especificar); SEGUNDO – Se há vestígios de
violência, e, no caso afirmativo, qual o meio empregado; TERCEIRO – Se da violência resultou para
a vítima incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 (trinta) dias, ou perigo de vida, ou
debilidade permanente de membro, sentido ou função, ou aceleração de parto, ou incapacidade
permanente para o trabalho, ou enfermidade incurável, ou perda ou inutilização de membro, sentido
ou função, ou deformidade permanente e/ou aborto (em caso positivo especificar); QUARTO – Se a
vítima é alienada ou débil mental; QUINTO – Se houve outro meio que tenha impedido ou dificultado
a livre manifestação de vontade da vítima (em caso positivo especificar).
Em consequência, passaram os peritos a fazer o exame ordenado, bem como as investigações que
julgaram necessárias, findos os quais declaram
Auto de exame de aborto
João Pessoa, PB.
Aos… dias do mês de… do ano de 20… nesta cidade e no…, foram designados peritos os
Drs…., para procederem ao exame de corpo de delito (aborto) em…, a fim de se atender à
requisição de exame no… do…, descrevendo, com verdade e com todas as circunstâncias, o que
encontrarem, descobrirem e observarem, bem como para responderem aos seguintes quesitos:
PRIMEIRO – Se há vestígio de provocação de aborto; SEGUNDO – Qual o meio empregado?
TERCEIRO – Se, em consequência do aborto ou meio empregado para provocá-lo, sofreu a gestante
a incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias ou perigo de vida ou debilidade
permanente ou perda ou inutilização de membro, sentido ou função ou incapacidade permanente para
o trabalho ou enfermidade incurável ou deformidade permanente (resposta especificada); QUARTO
– Se não havia outro meio de salvar a vida da gestante (no caso de aborto praticado por médico);
QUINTO – Se a gestante é alienada ou débil mental.
Em consequência, passaram os peritos a fazer o exame ordenado, bem como as investigações que
julgaram necessárias, findos os quais declaram:
Auto de exame de lesão corporal
João Pessoa, PB.
Aos… dias do mês de… do ano de 20… nesta cidade e no…, foram designados peritos os
Drs…., para procederem ao exame de corpo de delito em…, a fim de se atender à requisição de
exame no…, do…, descrevendo, com verdade e com todas as circunstâncias, o que encontrarem,
descobrirem e observarem, bem como para responderem aos seguintes quesitos: PRIMEIRO – Se há
ofensa à integridade corporal ou à saúde do paciente; SEGUNDO – Qual o instrumento ou meio que
produziu a ofensa?; TERCEIRO – Se resultou incapacidade para as ocupações habituais por mais de
trinta dias; QUARTO – Se resultou perigo de vida; QUINTO – Se resultou debilidade permanente de
membro, sentido ou função; SEXTO – Se resultou aceleração do parto; SÉTIMO – Se resultou perda
ou inutilização do membro, sentido ou função; OITAVO – Se resultou incapacidade permanente para
o trabalho, ou enfermidade incurável; NONO – Se resultou deformidade permanente; DÉCIMO – Se
resultou aborto.
Em consequência, passaram os peritos a fazer o exame ordenado, bem como as investigações que
julgaram necessárias, findos os quais declaram:
Auto de exame de embriaguez
João Pessoa, PB.
Aos… dias do mês de… do ano de 20… nesta cidade e no…, foram designados peritos os
Drs…., para procederem ao exame de embriaguez em…, a fim de se atender à requisição de exame
no…, do…, descrevendo, com verdade e com todas as circunstâncias, o que encontrarem,
descobrirem e observarem, bem como para responderem aos seguintes quesitos: PRIMEIRO – O
paciente apresentado a exame está embriagado?; SEGUNDO – No caso afirmativo, que espécie de
embriaguez?; TERCEIRO – No estado em que se acha, pode o mesmo pôr em risco a segurança
própria ou alheia?; QUARTO – É possível determinar se o paciente se embriaga habitualmente?;
QUINTO – No caso afirmativo, qual o prazo aproximadamente em que deve ficar internado para o
necessário tratamento?
Em consequência, passaram os peritos a fazer o exame ordenado, bem como as investigações que
julgaram necessárias, findos os quais declaram:
Auto de exame de validez
João Pessoa, PB.
Aos… dias do mês de… do ano de 20… nesta cidade e no…, foram designados peritos os
Drs…., para procederem ao exame de validez em…, a fim de se atender à requisição de exame no…,
do…, descrevendo, com verdade e com todas as circunstâncias, o que encontrarem, descobrirem e
observarem, bem como para responderem ao seguinte quesito: – Se o examinado tem saúde e aptidão
para trabalhar.
Em consequência, passaram os peritos a fazer o exame, bem como as investigações que julgaram
necessárias, findos os quais declaram:
Auto de exame de conjunção carnal
João Pessoa, PB.
Aos… dias do mês de… do ano de 20… nesta cidade e no…, foram designados peritos os
Drs…., para procederem ao exame de corpo de delito (conjunção carnal) em…, a fim de se atender à
requisição de exame no…, do…, descrevendo, com verdade e com todas as circunstâncias, o que
encontrarem, descobrirem e observarem, bem como para responderem aos seguintes quesitos:
PRIMEIRO – Se houve conjunção carnal; SEGUNDO – Qual o tempo dessa conjunção?; TERCEIR
– Se houve violência; QUARTO – Qual o meio empregado para a violência?; QUINTO – Se da
violência resultou para a vítima incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias ou
perigo de vida ou debilidade permanente ou perda ou inutilização de membro, sentido ou função ou
incapacidade permanente para o trabalho ou enfermidade incurável ou deformidade permanente ou
aceleração do parto ou aborto (resposta especificada); SEXTO – Se a vítima é alienada ou débil
mental; SÉTIMO – Se houve outra causa que impossibilitasse a vítima de oferecer resistência.
Em consequência, passaram os peritos a fazer o exame ordenado, bem como as investigações que
julgaram necessárias, findos os quais declaram:
Auto de exame cadavérico (infanticídio)
João Pessoa, PB.
Aos… dias do mês de… do ano de 20… nesta cidade e no…, foram designados peritos os
Drs…., para procederem ao exame de infanticídio no cadáver de…, a fim de se atender à requisição
de exame no…, do…, descrevendo, com verdade e com todas as circunstâncias, o que encontrarem,
descobrirem e observarem, bem como para responderem aos seguintes quesitos: PRIMEIRO – Se
houve morte; SEGUNDO – Se a morte foi ocasionada durante ou logo após o parto; TERCEIRO –
Qual a causa da morte?; QUARTO – Qual o instrumento ou o meio que produziu a morte?; QUINTO
– Se foi produzida por meio de veneno, fogo, explosivo, asfixia ou tortura ou por outro meio
insidioso ou cruel (resposta especificada).
Em consequência, passaram os peritos a fazer o exame ordenado, bem como as investigações que
julgaram necessárias, findos os quais declaram:
Auto de exame cadavérico
João Pessoa, PB.
Aos… dias do mês de… do ano de 20… nesta cidade e no…, foram designados peritos os
Drs…., para procederem ao exame no cadáver de…, a fim de se atender à requisição de exame no…,
do…, descrevendo, com verdade e com todas as circunstâncias, o que encontrarem, descobrirem e
observarem, bem como para responderem aos seguintes quesitos: PRIMEIRO – Se houve morte;
SEGUNDO – Qual a causa da morte?; TERCEIRO – Qual o instrumento ou meio que produziu
morte?; QUARTO – Se foi produzida por meio de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou por
outro meio insidioso ou cruel (resposta especificada).
Em consequência, passaram os peritos a fazer o exame ordenado, bem como as investigações que
julgaram necessárias, findos os quais declaram:
Auto de exame complementar
João Pessoa, PB.
Aos… dias do mês de… do ano de 20… nesta cidade e no…, foram designados peritos os
Drs…., a fim de se atender à requisição de exame no…, do…, descrevendo, com verdade e com
todas as circunstâncias, o que encontrarem, descobrirem e observarem, bem como para responderem
aos seguintes quesitos: PRIMEIRO – O paciente acha-se curado das ofensas físicas recebidas?;
SEGUNDO – No caso negativo, quantos dias mais serão necessários para sua completa cura?;
TERCEIRO – Resultou debilidade permanente de membro, sentido ou função?; QUARTO – Resultou
perda ou inutilização de membro, sentido ou função?; QUINTO – Originou incapacidade permanente
para o trabalho ou enfermidade incurável?; SEXTO – Resultou deformidade permanente?
Em consequência, passaram os peritos a fazer o exame ordenado, bem como as investigações que
julgaram necessárias, findos os quais declaram:
Auto de exame de acidente do trabalho
João Pessoa, PB.
Aos… dias do mês de… do ano de 20… nesta cidade e no…, foram designados peritos os
Drs…., para procederem ao exame de acidente de trabalho em…, a fim de se atender à requisição de
exame no…, do…, descrevendo, com verdade e com todas as circunstâncias, o que encontrarem,
descobrirem e observarem, bem como para responderem aos seguintes quesitos: PRIMEIRO – O
paciente apresenta alguma lesão no corpo, perturbação funcional ou qualquer moléstia capaz de ter
sido ocasionada em acidente de trabalho?; SEGUNDO – Da lesão pode resultar a morte?;
TERCEIRO – No caso contrário, em que tempo se operará a cura?; QUARTO – O paciente pode
voltar ao trabalho antes de completamente curado?; QUINTO – Depois de curado, o paciente poderá
ficar incapaz para o seu trabalho, ou qual o grau e a duração dessa incapacidade?; SEXTO – No caso
de incapacidade parcial e permanente, o paciente poderá acomodar-se com segurança à mesma
profissão?
Em consequência, passaram os peritos a fazer o exame ordenado, bem como as investigações que
julgaram necessárias, findos os quais declaram:
Auto de exame de parto pregresso
João Pessoa, PB.
Aos… dias do mês de… do ano de 20… nesta cidade e no…, foram designados peritos os
Drs…., para procederem ao exame de parto pregresso em…, a fim de se atender à requisição de
exame de no…, do Sr…., descrevendo, com verdade e com todas as circunstâncias, o que
encontrarem, descobrirem e observarem, bem como para responderem aos seguintes quesitos:
PRIMEIRO – Houve parto?; SEGUNDO – Qual a data provável desse parto?
Em consequência, passaram os peritos a fazer o exame ordenado, bem como as investigações que
julgaram necessárias, findos os quais declaram:
Auto de exame psíquico da parturiente
(infanticídio)
Aos… dias do mês de… do ano de 200… nesta cidade e no…, foram designados peritos os
Drs…., para procederem ao exame psíquico na parturiente de nome…, a fim de se atender à
requisição de exame de no…, do Sr…., descrevendo, com verdade e com todas as circunstâncias, o
que encontrarem, descobrirem e observarem, bem como para responderem ao seguinte quesito: A
paciente se encontrava sob a influência do estado puerperal ao tempo do fato que lhe é imputado?
Em consequência, passaram os peritos a fazer o exame ordenado, bem como as investigações que
julgaram necessárias, findos os quais declaram:
Boletim médico
Atesto para os fins do artigo 77, § 1o, da Lei no 9.099/95, que o Sr.(a.)
__________________________________________apresenta as seguintes lesões (descrever as
lesões):___________________________________________________________________________
__________________________________________________
_________________________________________________________________________________
As lesões acima podem ser consideradas LEVES, preliminarmente, sem prejuízo de exames
complementares ou em instituições especializadas.
OBSERVAÇÕES:
______________________________________________________________________________
__________________________________________________
_________________________________________________________________________________
de ___________________ de 20 ____
Assinatura do médico: _______________________________
Nome legível: _______________________________________
CRM: ____________________________________________
Figura 2.1 Esquema das lesões localizadas na face e pescoço de um cadáver.
Figura 2.2 Esquema das lesões localizadas na face direita da cabeça de um cadáver.
Figura 2.3 Esquema das lesões localizadas na face posterior de um cadáver.
Figura 2.4 Esquema das lesões localizadas na face anterior de um cadáver.
Figura 2.5 Esquema das lesões localizadas na face lateral esquerda de um cadáver.
Figura 2.6 Esquema das lesões localizadas na face lateral direita de um cadáver.
Figura 2.7 Esquema das lesões localizadas no tórax, ventre e genitais de um
cadáver.
Figura 2.8 Esquema das lesões localizadas na região palmar esquerda.
Figura 2.9 Esquema das lesões localizadas no dorso da mão esquerda.
Figura 2.10 Esquema das lesões localizadas no pavilhão auricular direito.
Figura 2.11 Esquema das lesões localizadas internamente em um cadáver.
Figura 2.12 Esquema das lesões localizadas no crânio de um cadáver.
Figura 2.13 Esquema vulvar.
Figura 2.14 Esquema odonto-legal.
Figura 2.15 Esquema odonto-legal (verso).
3. Outros meios de prova: Confissão; Testemunho; Acareação; Reprodução simulada na
cena dos fatos.
OUTROS MEIOS DE PROVA
Pode-se admitir a confissão, o testemunho, a acareação e a reprodução simulada na cena dos
fatos como meios de prova de significativa importância quando da avaliação de uma verdade
processual que se quer alcançar.
O juiz é o destinatário da prova e a finalidade dela é contribuir para o seu convencimento. Dele é
o direito de apreciar e valorizar a prova, vinculando o seu convencimento ao material probatório
constante dos autos com a obrigação de fundamentar sua decisão.
Diz o artigo 156 do Código de Processo Penal: “A prova da alegação incumbirá a quem a fizer;
mas o juiz poderá, no curso da instrução ou antes de proferir a sentença, determinar, de ofício,
diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.”
A prova é, portanto, um instrumento pelo qual as partes poderão convencer o julgador da
veracidade ou não do que se alega nos autos processuais, a fim de que possam aceitar ou não a
decisão final, e se acharem que ela não é justa podem recorrer da decisão.
Cabe fazer uma distinção entre motivos de prova, meios de prova e procedimentos probatórios.
São chamados motivos de prova as alegações que determinam, de imediato ou não, a convicção do
juiz; meios de prova são fontes de onde o juiz retira suas convicções; e procedimentos probatórios, o
ato reservado à coleta de provas em um processo ou à avaliação da credibilidade delas.
Os sistemas de valoração da prova seguem a própria evolução histórica do direito e são
classificados em três tipos: o sistema legal ou tarifado, em que o juiz limita-se a comprovar o
resultado das provas e cada prova tem um valor certo e preestabelecido; o sistema da livre
convicção, em que o magistrado é soberano, julga segundo sua consciência e não está obrigado a
explicar as razões de sua decisão; e o sistema da persuasão racional em que o juiz forma seu
próprio convencimento baseado em razões justificadas. Este é tipo de sistema adotado entre nós.
Nele, mesmo que o juiz não esteja adstrito às provas existentes nos autos, terá que fundamentar sua
rejeição. A sentença terá que discutir as provas ou indicar onde se encontram os fatos do
convencimento do juiz. A tendência é se ter um controle das decisões judiciais não apenas dentro das
regras processuais mas também na forma como o juiz administra a justiça.
1. Confissão
No artigo 158 do Código de Processo Penal está expresso: “Quando a infração deixar vestígios
será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão
do acusado.”
Todavia, ainda hoje, o valor da confissão é discutido, pois encontra resistências em uma certa
fração de processualistas que atribuem à confissão um caráter absoluto no mundo das provas.
O Código de Processo Penal em vigor não define o que seja a confissão, apenas limita-se a
particularizar o ato dizendo que ela é feita no interrogatório policial (art. 6o, inciso V – Logo que
tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: (...) V – ouvir o
indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título VII, deste
Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por 2 (duas) testemunhas que lhe tenham ouvido a
leitura), ou judicial (art. 186 – Antes de iniciar o interrogatório, o juiz observará ao réu que, embora
não esteja obrigado a responder às perguntas que lhe forem formuladas, o seu silêncio poderá ser
interpretado em prejuízo da própria defesa), e como é descriminado seu valor na ordem probatória
(art. 197 – O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de
prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo,
verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância).
A confissão ainda pode ser obtida fora do interrogatório, desde que se faça por meio de termo
nos autos, rubricado pelo escrivão e, ao final, assinado pelo juiz e pelo acusado.
O problema é aceitar a confissão como prova superior, pois depois dela nada mais resta, senão a
aplicação da pena. A verdade é que nem sempre a confissão estabelece culpabilidade.
Não é absurdo dizer que, ainda nos dias atuais, a confissão vem sendo obtida pela tortura, mesmo
que se invoque aqui e ali a Convenção da Organização das Nações Unidas e a Convenção
Interamericana que previne e sanciona esta prática. Entre nós, a Lei no 9.455/97, que regulamentou o
artigo 5o da Constituição Federal, sistematizou no sentido de inibir e refutar toda e qualquer manobra
que se constitua no constrangimento da dignidade humana ou na diminuição de sua capacidade física
ou mental, com o interesse de obter informação ou confissão.
Para que a confissão tenha validade e credibilidade são necessários alguns requisitos, dentre os
quais se destacam a verossimilhança, a clareza, a persistência e a concordância com as demais
circunstâncias probatórias. Há de ser, ainda, pessoal, expressa, livre e espontânea, ou seja, livre de
coação, assim como é necessário que o confidente disponha de condições mentais compatíveis com
este ato exercido. Hoje, com o advento da nova ordem constitucional, este entendimento está sendo
pouco a pouco superado, prevalecendo a orientação de se banir toda e qualquer prova obtida por
meios ilícitos (art. 5o, inciso LVI, da Constituição Federal). O pleno estado de direto entre nós ainda
é uma promessa e uma esperança.
Hoje, o valor da confissão, como prova, perdeu força. Tanto é verdade que a lei ordinária
determina que o valor da confissão se avaliará pelo confronto com outros elementos de prova, e, por
isso, deve ser cotejada com as demais peças probantes do processo.
Houve época em que a confissão era rotulada com a “rainha das provas – la reine des preuves”
quando apenas ela era suficiente para autorizar uma condenação sem, ao menos, ser comparada com
outras provas. Frederico Marques (in Elementos de Direito Processual Penal, v. II, Bookseller, 1a
Edição, 2a Tiragem, 1988, p. 302) comenta que “Os juízes sentiam-se com a consciência
apaziguada, e com sua tarefa pronta e perfeita, quando podiam proclamar o ‘habemus confitentem
reum’. A confissão do acusado chegou a equiparar-se, por isso, a própria coisa julgada –
‘confessio habet vim rei judicate’”.
Deste modo, mesmo que a confissão continue como um meio de prova, ela não tem o valor
absoluto que alguns imaginam, pois mesmo que exista o interesse da Justiça na punição dos
infratores, ela também está comprometida em não condenar inocentes.
Menos valor tem a confissão quando ela não guarda pertinência com os elementos de prova
presentes nos autos. Em nossa legislação a confissão só terá força de condenação quando provada e
quando for livre e espontânea. Assim decidiu o STF quando da seguinte decisão (RTJ 88/371):
“Valor da confissão corroborada – STF: ‘As confissões judiciais ou extrajudiciais valem pela
sinceridade com que são feitas ou verdade nelas contidas, desde que corroboradas por outros
elementos de prova inclusive circunstanciais.”
Outro fato a considerar é a chamada confissão extrajudicial, obtida na maioria das vezes nos
porões das Delegacias de Polícia, onde não é difícil imaginar o modo como são obtidas as
confissões. Por isso não se pode aceitar toda e qualquer confissão simplesmente pelo fato de alguém
ter assinado um documento afirmando a prática de um delito. É preciso saber das condições como
estão sendo conduzidos os inquéritos e como são tratados os que estão sob custódia judicial. Para
muitos, a confissão extrajudicial não confirmada em juízo deverá ser desconsiderada como indício
de prova, a menos que seja devidamente confrontada com o restante probatório e pelos meios legais.
Em geral, os autores classificam os meios de confissão em astuciosos, coercitivos, tóxicos e
científicos. Os astuciosos são aqueles em que o interrogador usa de meios habilidosos para fazer o
interrogado confessar ou usa de táticas para levá-lo a entrar em contradições até chegar a uma
confissão indireta que leve à verdade que se quer e com isso relatar de forma convincente a
veracidade dos fatos. Nos meios coercitivos são usadas práticas arbitrárias e extralegais por meio da
violência física e psíquica ou de outros meios desumanos cruéis e degradantes. Os meios tóxicos,
que não deixam de ser um meio violento por ação farmacológica, têm seus resultados produzidos
pela ação química provocada pelo uso de certas substâncias, quase sempre por via intravenosa, com
o objetivo de fazer o indivíduo relatar fatos involuntariamente devido ao comprometimento da razão
e do autodomínio. Este método, entre outros de natureza extralegal, é chamado de método do terceiro
grau, em referência a uma obra de valor científico e moral desprezível, cujo título era esse. Um dos
meios tóxicos usados era o “soro da verdade”, representado por um composto de morfina e
escopolamina injetado na veia do interrogado. A experiência demonstrou que seu valor prático é
inexpressivo e seu emprego é moralmente insustentável. Os meios científicos, embora moralmente
aceitáveis, têm nos seus resultados um valor duvidoso, e, por isso, hoje são tão desacreditados. Entre
eles estariam o hipnotismo com seus riscos da simulação; a psicanálise com seus fins diversos dos
seus ensinamentos; a máquina da verdade (lie detector) explorando as reações emotivas por meio de
perturbações vagossimpáticas registradas nas alterações respiratórias, circulatórias e emotivas, com
seus resultados falso-positivos e falso-negativos; e o reflexo psicogalvânico na produção de uma
resistência galvânica alterada diante de determinados estados emotivos como os decorrentes de uma
mentira dita.
O fato é que estes métodos não trouxeram resultados práticos e confiáveis ao que se necessita na
prática judiciária em busca da verdade contida em cada uma dessas confissões.
2. Testemunho
São divergentes os conceitos de valor sobre prova testemunhal. Mittermaier (in Tratado da
Prova em Matéria Criminal, 3a ed., Campinas: Bookseller, 1996) diz que testemunha é “o indivíduo
chamado a depor segundo sua experiência pessoal, sobre a existência e a natureza de um fato” e
Malatesta (in A Lógica das Provas em Matéria Criminal, vol. II, São Paulo: Saraiva, 1960) ensina
que a prova testemunhal se fundamenta “na presunção de que os homens percebam e narrem a
verdade, presunção fundada, por sua vez, na experiência geral da humanidade, a qual mostra
como na realidade, e no maior número de casos, o homem é verídico”.
Qual o valor que se deve emprestar à prova testemunhal e o que fazer em favor de sua
credibilidade? O primeiro passo é conscientizar a população da importância de seu testemunho em
favor da ordem pública, da paz social e do bem comum.
Se em nosso país este meio de prova não goza de uma merecida credibilidade, em outros países,
testemunhar em favor da verdade faz parte da cidadania e que ninguém pode ficar fora de tal projeto.
De acordo com Camargo Aranha (in Da Prova no Processo Penal, 5a ed., São Paulo: Saraiva,
1999), a prova testemunhal apresenta as seguintes características: (a) oralidade: a prova testemunhal
deve ser colhida mediante uma narrativa verbal prestada em contato direto com o juiz; (b)
objetividade: a testemunha deve se limitar apenas aos fatos percebidos por seus sentidos e objeto da
demanda; (c) retrospectividade: a função da testemunha é reproduzir fatos passados e conhecidos,
sem fazer previsões para o futuro ou juízo de valor. Há autores que acrescentam ainda: (d)
judicialidade: a prova deve ser produzida em juízo; (e) imediação: a testemunha deve falar sobre o
que dizer aquilo que assimilou através dos sentidos; (f) individualidade: cada testemunha será
ouvida sem a presença das demais.
Testemunhas e peritos são coisas diferentes. Estes falam sempre sobre assuntos técnicos usados
como prova na busca da verdade processual. Pode-se dizer que o perito se distingue da testemunha
pela natureza do conhecimento e sobre o momento do conhecimento dos fatos. Já a testemunha em
juízo criminal é uma pessoa diversa, um terceiro desinteressado no processo, que é intimado a
declarar a partir de sua percepção sensitiva sobre circunstâncias referentes a um fato delituoso do
qual esteve presente ou teve conhecimento.
Em matéria processual penal está assegurado que toda pessoa poderá ser testemunha e que fará a
promessa de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado, devendo declarar seu nome, sua
idade, seu estado e sua residência, sua profissão e o lugar onde exerce sua atividade, se é parente, e
em que grau, de alguma das partes, ou quais suas relações com qualquer delas, e relatar o que souber,
explicando sempre as razões de sua ciência ou as circunstâncias pelas quais possa avaliar-se de sua
credibilidade. Está também assegurado que “não sendo possível o exame de corpo de delito, por
haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta”. E que “a falta de
exame complementar poderá ser suprida pela prova testemunhal”.
A testemunha não poderá negar-se da obrigação de depor. Com exceção se o fizer na qualidade
de ascendente ou descendente, de afim em linha reta, de cônjuge, ainda que desquitado, de irmão e de
pai, de mãe, ou de filho adotivo do acusado, salvo quando não for possível, por outro modo, obter-se
ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias.
O depoimento será prestado oralmente, não sendo permitido à testemunha trazê-lo por escrito, no
entanto, breve consulta a apontamentos poderá ser efetuada. Não será incluída como testemunha a
pessoa que não souber nada que interesse à decisão da causa. As testemunhas serão inquiridas cada
uma de per si, de modo que uma não saiba nem ouça os depoimentos das outras, devendo o juiz
adverti-las das penas cominadas ao falso-testemunho. Se o juiz, ao pronunciar sentença final,
reconhecer que alguma testemunha fez afirmação falsa, calou ou negou a verdade, remeterá cópia do
depoimento à autoridade policial para a instauração de inquérito.
Não será permitido que a testemunha manifeste suas apreciações pessoais, salvo quando
inseparáveis da narrativa do fato, sendo reduzido a termo, assinado por ela, pelo juiz e pelas partes.
Quando o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério
constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento,
inquirição poderá ser feita por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma,
determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor.
Se, regularmente intimada, a testemunha não comparecer sem motivo justificado, o juiz poderá
requisitar à autoridade policial a sua apresentação ou determinar que seja conduzida por oficial de
justiça, o qual poderá solicitar o auxílio da força pública. O juiz poderá aplicar à testemunha faltosa
a multa prevista no art. 453, sem prejuízo do processo penal por crime de desobediência, e condenála ao pagamento das custas da diligência.
Informante ou declarante é a testemunha que está dispensada por lei a prestar o compromisso e
só está obrigado a depor quando, sem os seus respectivos testemunhos, não for possível obter-se por
outro modo ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias.
Sob o ponto de vista psicológico, o testemunho se forma por meio de um processo constitutivo de
quatro fases: sensação, percepção, fixação e exteriorização. A fase de sensação é mais física que
fisiológica e por isso é o estágio responsável pelo maior número de erros porque é necessário que
ela alcance um “limiar de excitação”. A fase de percepção, também sensível a erros, porque apenas
um pequeno número de dados sensoriais passa para o campo da consciência, podendo ainda ter um
caráter apenas ilusório. Das percepções a mais importante e a que tem maior valor probatório é a
visual. A percepção auditiva tem também certo valor e é mais significativa do que as percepções
olfativas e gustativas; a percepção tátil é aquela que menos tem importância pelo pouco valor
convincente para um testemunho. A fixação é a fase em que a impressão se projeta no cérebro, no
campo da consciência, e quando as imagens passam a ser recordadas por meio de lembranças, mas,
mesmo assim, não está livre de deformações. Finalmente, é na fase de exteriorização que se cristaliza
o processo testemunhal, permitindo a narração de um fato em arguido quando do depoimento.
Mesmo assim, estando consolidadas as fases da formação da lembrança, ela pode ser deformada.
Um dos elementos mais influentes nesta deformação é o ambiente onde vive a testemunha, pois ela
sofre influência dos demais membros de seu grupo que podem modificar ou alterar os fatos conforme
seu entendimento. Quanto mais tempo passar, mais fácil será esta deformação. A imprensa é outro
forte elemento deformador do testemunho pelo seu poder de persuadir a opinião pública. Devem ser
levadas em conta ainda as alterações involuntárias que podem surgir durante um depoimento e que
devem ser consideradas como as imprecisões, o exagero de números e as deformações verbais.
Para Manzini, portadores de transtornos mentais, crianças, surdos-mudos, cegos, ébrios,
condenados etc., podem testemunhar desde que tenham presenciado o fato e possam relatá-lo. É
válido lembrar, porém, que os menores de 14 anos e os portadores de transtornos mentais, em nossa
legislação, não prestarão compromisso e, portanto, serão testemunhas informantes ou declarantes.
Os críticos do testemunho infantil chegam a desprezar seus depoimentos. Afirmam que “crianças
ainda estão em fase de desenvolvimento psíquico, sem a necessária experiência de vida, sem o apuro
dos sentidos, sem o controle das emoções e sem o domínio da atenção, o que só ocorrerá com o
tempo”. Acrescentam ainda que “as crianças, em face do desenvolvimento mental incompleto, são
maleáveis, aceitam facilmente as sugestões e têm a tendência à fabulação e à mentira sendo levadas
aos primeiros impulsos”.
Todavia, este não é o entendimento da moderna psicologia infantil que, além de defender tal
testemunha, prova o quanto as crianças, após determinada idade, podem contribuir com a verdade a
ser revelada. Pede-se apenas que as mais novas sejam avaliadas por especialistas e estes, quando
possível, estejam presentes durante o depoimento. Assim, desde que se mostre compatível com
outros fatos existentes nos autos, o testemunho infantil não pode ser desprezado de modo absoluto,
até porque pode ser a única oportunidade de uma prova. Sobre o assunto, o Tribunal de Alçada
Criminal do Estado de São Paulo assim decidiu: “O testemunho de criança, que deve ser cercado
de todo cuidado, não pode, de per si, ser execrado, ignorado ou tido como suspeito; na espécie,
não procedem as críticas apresentadas, que se fundam em teses anciãs e sovadas doutrinas,
insuficientes à desqualificação da prova apresentada.”
O testemunho do ancião, principalmente depois de certa idade, embora possa merecer alguma
crítica dos autores, não se pode dizer sem valor, a não ser que não se tenha como base uma avaliação
psicológica competente e criteriosa. Sobretudo porque nesta idade mais avançada o esquecimento
dos fatos recentes é natural, o que não invalida seu depoimento, a não ser que se trate de uma
demência senil capaz de comprometer o relato fiel do seu depoimento. Também não se deve levar em
conta algumas contradições secundárias de um ou outro detalhe insignificante. Duvidosos são os
testemunhos idênticos.
A questão mais difícil é a do testemunho dos portadores de transtornos mentais e de
comportamento, principalmente, nos casos das personalidades psicopáticas que se caracterizam,
alguns deles, pela mentira contumaz, como as personalidades mitômanas e amorais.
Podem depor como testemunhas em ações civis todas as pessoas, exceto as incapazes, impedidas
ou suspeitas. São considerados incapazes: I – o interdito por demência; II – o que, acometido por
enfermidade ou debilidade mental, ao tempo em que ocorreram os fatos, não podia discerni-los; ou,
ao tempo em que deve depor, não está habilitado a transmitir as percepções; III – o menor de 16
(dezesseis) anos, embora possa ser ouvido na qualidade de informante; IV – o cego e o surdo, quando
a ciência do fato depender dos sentidos que lhes faltam. São impedidos: I – o cônjuge, bem como o
ascendente e o descendente em qualquer grau, ou colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes,
por consanguinidade ou afinidade, salvo se o exigir o interesse público, ou, tratando-se de causa
relativa ao estado da pessoa, não se puder obter de outro modo a prova, que o juiz repute necessária
ao julgamento do mérito; II – o que é parte na causa; III – o que intervém em nome de uma parte,
como o tutor na causa do menor, o representante legal da pessoa jurídica, o juiz, o advogado e outros,
que assistam ou tenham assistido as partes. São suspeitos: I – o condenado por crime de falso
testemunho, havendo transitado em julgado a sentença; II – o que, por seus costumes, não for digno de
fé; III – o inimigo capital da parte ou seu amigo íntimo; IV – o que tiver interesse no litígio. Todavia,
sendo estritamente necessário, o juiz ouvirá testemunhas impedidas ou suspeitas; mas os seus
depoimentos serão prestados independentemente de compromisso e o juiz lhes atribuirá o valor que
possam merecer.
São deveres da testemunha não se eximir de colaborar com o Poder Judiciário para a elucidação
da verdade, informar ao juiz os fatos e as circunstâncias de que tenha conhecimento, comparecer em
juízo na audiência de instrução e julgamento, falar de forma objetiva e responder a verdade de tudo
quanto lhe for perguntado. Por outro lado, podem deixar de depor sobre fatos que lhes acarretem
graves danos, bem como ao seu cônjuge e aos seus parentes consanguíneos ou afins, em linha reta, ou
na colateral em segundo grau, ou a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo ou
quando diante de justa causa, situação esta que será decidida pelo juiz.
O Código Civil, em seu artigo 228, diz: “Não podem ser admitidos como testemunhas: (…) II –
aqueles que, por enfermidade ou retardo mental, não tiverem discernimento para a prática dos
atos da vida civil (…).” Todavia em questões penais, em situações mais excepcionais, tem-se a
necessidade de se ouvir o depoimento de um portador destes transtornos como autor ou como vítima,
e, excepcionalmente como testemunha. Há situações em que, na cena dos fatos, existiam apenas
integrantes da população manicomial.
Este pode parecer um meio imprestável de prova. No entanto, isto nem sempre é como se pensa.
Primeiramente, deve-se levar em conta que nesta população existe uma gradação muito grande de
tipos de perturbações mentais e um grau muito diverso de seus transtornos e, sendo assim, uma
capacidade de entendimento muito variável. Depois, confiar que os psiquiatras e psicólogos
devidamente inteirados dos seus pacientes podem dizer da capacidade de testemunhar e até da
veracidade do que eles relatam.
A experiência nos testemunhos dos pacientes portadores de transtornos mentais diz que a
qualidade de seus depoimentos em geral é inferior, mas que em determinados grupos destes
indivíduos a fidelidade de seus relatos é quase igual à dos ditos normais. Em suma, não há motivos
para se recusar, em termos absolutos, os seus depoimentos, desde que avaliados com o devido
critério pelos especialistas que acompanham o tratamento e a progressão dos seus transtornos.
Juliano Moreira dizia que o grande desafio diante desses transtornos mentais é que eles sejam
desconhecidos, como no caso dos portadores de transtorno da personalidade – cuja inteligência é
igual ou superior à normalidade, e não se tenha tal conhecimento. Daí serem chamados de “loucos
racionais” e de “loucos sem delírios”. Essas personalidades anormais não são “doentes mentais” e
caracterizam-se por alteração de conduta, ausência de sentimento de culpa e agem sem perder o
senso da realidade.
O que mais prejudica a veracidade e a credibilidade no testemunho de certos portadores de
transtornos mentais é o fato de eles apresentarem ideias delirantes e alucinações. Um depoimento de
uma destas entidades fora do contexto de outras provas deve ser visto com muita reserva. Maior
cuidado deve-se ter com o relato dos portadores de transtornos mitomaníacos, cujo traço de
personalidade é a tendência patológíca à mentira e à fabulação.
No caso dos portadores de retardo mental leve, cuja idade mental seja a de uma criança entre 7 e
12 anos, mesmo levando em conta a sugestibilidade e a puerilidade, seus relatos sempre devem ser
avaliados por especialistas.
Outra situação delicada é a avaliação do depoimento de moribundos. Neste particular devem ser
levadas em conta as condições emocionais, psíquicas e orgânicas do declarante e, em algumas
ocasiões, a veracidade de quem testemunhou a última vontade. Há, neste cenário, muitos interesses
inconfessáveis.
Depor ou testemunhar in articulo mortis ou in extremis quer dizer fazê-lo “no momento da
morte”, “próximo da morte”, “na hora extrema” ou “na hora da morte”. Isto se observa em algumas
situações como testemunha ou como a confissão de crimes ou a participação em vários atos da vida
civil.
Um desses momentos é no caso dos casamentos nuncupativos ou “in articulo mortis”, ou “in
extremis vitae momenti”. Trata-se de uma forma especial de celebração do casamento, em que um
dos nubentes está em risco de vida, e, devido à urgência e à falta de tempo em cumprir todas as
formalidades para este ato, é dispensada a presença de autoridade, contanto que estejam presentes
seis testemunhas e desde que não sejam parentes dos nubentes. Estas são convidadas pelo enfermo
para ouvir a manifestação de vontade do casal de contrair núpcias. Após esta celebração, as
testemunhas devem procurar a autoridade competente no prazo de 10 dias para reduzir a termo as
suas declarações.
Isto está regulado em nosso Código Civil da seguinte forma: Art. 1.540: “Quando algum dos
contraentes estiver em iminente risco de vida, não obtendo a presença da autoridade à qual incumba
presidir o ato, nem a de seu substituto, poderá o casamento ser celebrado na presença de seis
testemunhas, que com os nubentes não tenham parentesco em linha reta, ou, na colateral, até segundo
grau.” E, no art. 1.541: “Realizado o casamento, devem as testemunhas comparecer perante a
autoridade judicial mais próxima, em dez dias, pedindo que lhes tome por termo a declaração de: I –
que foram convocadas por parte do enfermo; II – que este parecia em perigo de vida, mas em seu
juízo; III – que, em sua presença, declararam os contraentes, livre e espontaneamente, receber-se por
marido e mulher.§ 1 o. Autuado o pedido e tomadas as declarações, o juiz procederá às diligências
necessárias para verificar se os contraentes podiam ter-se habilitado, na forma ordinária, ouvidos os
interessados que o requererem, dentro em quinze dias. § 2o. Verificada a idoneidade dos cônjuges
para o casamento, assim o decidirá a autoridade competente, com recurso voluntário às partes. § 3o.
Se da decisão não se tiver recorrido, ou se ela passar em julgado, apesar dos recursos interpostos, o
juiz mandará registrá-la no livro do Registro dos Casamentos. § 4o. O assento assim lavrado
retrotrairá os efeitos do casamento, quanto ao estado dos cônjuges, à data da celebração. § 5o. Serão
dispensadas as formalidades deste e do artigo antecedente, se o enfermo convalescer e puder
ratificar o casamento na presença da autoridade competente e do oficial do registro.”
Quanto à profissão do depoente, é claro que pode ser chamado a sua atenção aquilo que é parte
do seu mister. Sobre o nível cultural, é nossa impressão que, quanto mais simples for a testemunha,
mais fiel é o seu relato, até porque a verdade é inimiga do artifício. No relato de uma testemunha não
se exigem explicações nem justificativas.
Quanto ao sexo, pode-se afirmar com segurança que o testemunho do homem e o da mulher tem o
mesmo valor e deve merecer a mesma credibilidade. Há, todavia, que se considerar por um processo
naturalmente explicado e entendido, que a narrativa masculina é mais acentuada no juízo de conjunto
e a feminina, nos elementos de detalhes.
Por fim, um tipo de testemunho ainda discutido é aquele advindo da informação de um criminoso,
através de delações premiadas, principalmente nos delitos praticados por organizações criminosas
em tráfico de drogas, terrorismo e corrupção governamental. Os exemplos mostram que seria
impossível chegar-se a uma conclusão nos casos em que a ruptura dos segredos foi a chave do
sucesso. Todavia, deve-se considerar que a delação premiada não se trata de meio de prova, mas tão
somente um instrumento que pode ser utilizado para obtenção da verdade procurada.
Muito se discute se o fato de o delator ser pessoa desonesta não traz desconfiança ao seu relato.
Primeiro, é necessário que se tome seu depoimento e o que eles têm a dizer como informação
relevante, e depois investigar. Também não há nenhum inconveniente que se dê algum incentivo para
que ele fale. É melhor diminuir a pena de um criminoso do que não se fazer justiça. O difícil é
estabelecer uma medida justa entre o valor da delação e o significado de um crime cometido. Uma
coisa é suspeitar dos delatores, pois eles são criminosos; outra é ouvilos e investigar se são
precedentes suas delações. O importante, pois, é investigar se aquilo que foi revelado é verdade ou
não.
O importante é avaliar cuidadosamente cada depoimento, pois podem existir delações
incompletas com omissões de nomes ou simplesmente incriminações mentirosas como forma de
valorizar o testemunho. O mais significativo nesses casos é considerar o fato revelado apenas como
o início de uma investigação e que tudo que for dito deve ser provado. O que não se pode é basear
toda investigação unicamente nas palavras do delator.
3. Acareação
Acarear quer dizer colocar “cara a cara”, “frente a frente”, “vis-à-vis” vítima, acusado e
testemunhas para novas inquirições em virtude de pontos divergentes em depoimentos anteriores de
fatos e circunstâncias e que sejam considerados decisivos para a verdade que se quer apurar. Este
meio de prova está previsto no artigo 6o, VI e disciplinado nos artigos 229 e 230 do Código de
Processo Penal brasileiro. (Art. 229 – “A acareação será admitida entre acusados, entre acusado e
testemunha, entre testemunhas, entre acusado ou testemunha e a pessoa ofendida, e entre as pessoas
ofendidas, sempre que divergirem, em suas declarações, sobre fatos ou circunstâncias relevantes.
Parágrafo único – Os acareados serão reperguntados, para que expliquem os pontos de divergências,
reduzindo-se a termo o ato de acareação.” Art. 230 – “Se ausente alguma testemunha, cujas
declarações divirjam das de outra, que esteja presente, a esta se darão a conhecer os pontos da
divergência, consignando-se no auto o que explicar ou observar. Se subsistir a discordância,
expedir-se-á precatória à autoridade do lugar onde resida a testemunha ausente, transcrevendo-se as
declarações desta e as da testemunha presente, nos pontos em que divergirem, bem como o texto do
referido auto, a fim de que se complete a diligência, ouvindo-se a testemunha ausente, pela mesma
forma estabelecida para a testemunha presente. Esta diligência só se realizará quando não importe
demora prejudicial ao processo e o juiz a entenda conveniente”.)
Ainda que exista um cenário rico de reações emocionais e estados psicológicos que não se
encontram na inquirição comum, a acareação ou acareamento é um tema da psicologia judiciária que
tem sido pouco trabalhado pelos estudiosos da psicologia judiciária penal.
Mesmo se dizendo que ela raramente contribui com as divergências entre as declarações, pelo
fato de os acareados sustentarem suas versões anteriores, acreditamos que sendo a acareação
realizada com mais cuidado e com uma metodologia de cunho científico, os resultados serão mais
bem utilizados como um meio esclarecedor diante de depoimentos conflitantes. E, se bem analisado,
seu valor não o faz menor daquele que se empresta à prova testemunhal e às declarações do autor e
do réu.
Embora possa ser realizada por decisão ex officio, a acareação não é providência obrigatória,
mesmo quando existam divergências irreconciliáveis entre os depoimentos. Portanto, o indeferimento
do requerimento de sua realização pelo Juiz não caracteriza cerceamento de defesa
(RJDTACRIM31/240).
Na verdade, este procedimento só deveria existir entre as testemunhas, pois estas são as que
estão constitucionalmente obrigadas a dizer a verdade. Os demais não estão obrigados a oferecerem
provas em seu desfavor. Portanto, o réu ou indiciado não está obrigado a submeter-se a este meio de
prova, levando em consideração as razões previstas no Pacto de São José da Costa Rica no “Art. 8o
– Garantias judiciais. (...). 2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito que se presuma sua
inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem
direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: (...); g) direito de não ser obrigada a
depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada; (...)”. Hoje isso está incorporado em nosso
ordenamento jurídico baseado no princípio de que ninguém está obrigado a produzir prova contra si
mesmo, e consagrado no inciso LXIII, artigo 5o da Constituição Federal.
4. Reprodução simulada na cena dos fatos
Este tipo de prova é previsto no Código de Processo Penal com a finalidade de verificar o modo,
a sequência e as circunstâncias de determinada infração, principalmente no que diz respeito à
criminodinâmica de certas infrações envoltas em dúvida e contradições. (Art. 7o – “Para verificar a
possibilidade de haver a infração sido praticada de determinado modo, a autoridade policial
poderá proceder à reprodução simulada dos fatos, desde que esta não contrarie a moralidade ou a
ordem pública”). A reprodução simulada na cena dos fatos pode ser realizada ex officio pela
autoridade policial, se tal procedimento trouxer elementos esclarecedores aos atos investigados e
desde que não traga nenhum constrangimento aos participantes, bem como não atente contra a
segurança pública, a moralidade e os bons costumes.
O representante do Ministério Público também pode solicitar a reconstituição do crime, caso esta
diligência seja imperativa para tirar suas dúvidas e oferecer denúncia.
A norma processual penal não se manifesta sobre a reprodução simulada na cena dos fatos depois
de instaurado o processo, mas acredita-se que o juiz pode determinar esta forma de diligência para
dirimir dúvidas mais sérias e para garantir o contraditório e a ampla defesa. Diz ainda a velha regra
processual: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os
costumes e os princípios gerais de direito.”
Esta “teatralização” na cena dos fatos, quando colocada em prática, e, sempre que possível, deve
contar com todos os que estiveram presentes no local dos acontecimentos investigados e com o
máximo de cuidado para não trazer ainda mais dúvidas além das que já existem. Enfatiza o Código
de Processo Penal que a reprodução simulada na cena dos fatos deve ocorrer na fase investigatória,
ou seja, no inquérito policial quando o suspeito está sendo investigado. Ele não está obrigado a
participar dos atos de reconstituição, nem a autoridade pode obrigá-lo a ser figurante nesta
representação, pois isto importaria em uma violência, em uma aberração. Sendo assim, o suposto
autor do delito penal não pode ser compelido a participar da encenação sob pena de caracterização
de injusto constrangimento.
Alguns autores têm duvidado do valor da reconstituição da cena dos fatos. Mehmerj (in Inquérito
Policial (dinâmica), São Paulo: Saraiva, 1992. p. 259) diz que “é peça de pouca valia, ou quase
nenhuma, posto que não gera fato novo, nem fornece elementos autônomos, destinando-se apenas
a esclarecer algumas dúvidas”. Délio Maranhão (apud Mehmerj, in op. cit. p. 260) afirma que este
método não alcança resultados práticos, “provocando apenas alarde da imprensa com esse método
de investigação, e atraindo aos locais de diligência a curiosidade popular”.
A norma processual não impõe este procedimento. Fica na determinação da autoridade
competente. Quando houver concurso de autores ou de crimes, o procedimento pode mostrar-se de
certa utilidade em certos detalhes relativos à participação de cada um dos indivíduos no fato
delituoso.
Rocha (in Investigação Policial. Teoria e prática. 1a ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 104)
afirma que a reconstituição tem as seguintes características: “(a) quanto à natureza, é uma prova
mista, baseada nas informações e nas fotografias, filmagens ou vídeos feitos na ocasião da
diligência; b) quanto ao objetivo, verificar como o crime foi praticado; c) quanto ao modo de
fixação, é documentada pelo relatório pericial, ilustrado com fotografias seriadas com legendas e
croquis; d) quanto à oportunidade, é procedida geralmente na apuração de crimes de homicídio,
acidentes de trânsito e crimes contra o patrimônio.”
Seria muito interessante que na reforma da lei processual se incluísse a prévia intimação do
Ministério Público, além das partes, pois desta forma estariam consolidadas as razões do
contraditório. A não intimação do defensor para a reconstituição da cena do crime constitui-se em
cerceamento do direito de defesa e violação do princípio do contraditório.
Durante a realização de uma acareação deve-se sempre levar em conta: o nível de timidez dos
acareados, a influência de um acareado sobre outro, a diferença de nível cultural de uma parte sobre
outra e a resposta emocional mais fluente, como ruborização, pigarros e gagueira.
4. Decálogo do perito médico-legal. Decálogo ético do perito.
DECÁLOGO DO PERITO MÉDICO-LEGAL
O Prof. Nerio Rojas apresenta um guia objetivo ao perito, resumido em 10 postulados com a
denominação de Decálogo do Perito Médico-Legal. Representa este oportuno documento tão
somente certos princípios técnicos de ordem prática no sentido de orientar a perícia médico-legal
para que ela cumpra seu verdadeiro destino: o de esclarecer a autoridade judicial, no exato momento
de valorizar as provas, em uma imagem exata ou, pelo menos, bem aproximada da verdade que se
quer esclarecer.
Eis os postulados:
1. O perito deve atuar com a ciência do médico, a veracidade da testemunha e a equanimidade
do juiz. Exige-se do perito um conhecimento amplo da Medicina e sua atualização junto ao êxito
crescente da ciência, sem, contudo, querer-se dele uma cultura especializada em cada matéria, o que
seria impossível.
Muitas vezes, questões que se apresentam complexas e de soluções discutíveis e apaixonantes
não têm nenhum valor na prática médico-legal. Por outro lado, lesões ou achados aparentemente
insignificantes podem ter para a perícia um valor decisivo.
É necessário o conhecimento de todas as disciplinas médicas e levar em conta que o melhor
especialista nem sempre é o melhor perito, nem basta ser um bom médico para realizar perícias
perfeitas. A prática, no entanto, vem demonstrando que certas especialidades têm, como, por
exemplo, a Traumatologia, a Anatomia Patológica, a Psiquiatria e a Obstetrícia, mais importância no
mundo médico-legal que outras.
Em um relatório, a sinceridade e a veracidade são tão necessárias quanto o saber, devido à
importância da palavra pericial nas questões judiciais, não apenas pelo fato de fugir-se ao crime de
falso testemunho, senão também pela necessidade imperiosa de justificar sua ação à justiça.
Embora o perito não julgue, deve, porém, ter em mente que o juiz analisa os feitos à luz dos fatos
e que o laudo pericial é uma peça fundamental no processo. A honra, a inocência e a liberdade
comumente estão a depender das suas conclusões e apreciações. A missão do perito é a de um
verdadeiro juiz de fato, quando sua afirmação tem influência capital, senão até decisiva.
2 . É necessário abrir os olhos e fechar os ouvidos. Ver com os próprios olhos e fechar os
ouvidos às insinuações, aos comentários do público. Não se influenciar pelas histórias contadas
pelos familiares ou pelos amigos, que são as mais suspeitas e perigosas das informações. O perito
deve ser um eterno desconfiado, só acreditando naquilo que vê e pode provar. Procurar nas
evidências dos fatos o raciocínio das conclusões para não se perder nas insinuações fúteis e carentes
de fundamentos científicos.
3. A exceção pode ser tanto valor quanto a regra. Em Medicina Clínica, é comum o médico
pensar no mais constante, embora não se descuide das possibilidades mais raras. Em Medicina
Legal, esse cuidado deve ser maior, pois os casos excepcionais não são tão esporádicos.
4. Desconfiar dos sinais patognomônicos. Não se pode concluir um diagnóstico baseado em um
só sinal. Aqui é necessário que se faça uma diferença entre sinais e provas: os primeiros são achados
ou alterações objetivas que aparecem mais ou menos espontaneamente na investigação pericial; as
segundas são modificações ou reações provocadas deliberadamente pelos peritos.
Os sinais patognomônicos são na realidade pura ilusão clínica. É inegável que existem
determinados sinais de grande valor, os quais não podem ser relegados pela perícia, como, por
exemplo, o enfisema aquoso subpleural, a tatuagem de pólvora no ferimento de entrada de bala ou a
diluição do sangue no hemicoração esquerdo dos afogados.
O fundamento da perícia é juntar o maior número de elementos para uma determinada conclusão,
pouco importando se cada dado isolado é discutível ou de pouca significação. A perícia deve
concluir por síntese e por conclusão lógica e não pela análise fragmentada de cada sinal,
separadamente.
5. Deve-se seguir o método cartesiano. Consiste em dividir o problema tanto quanto possível,
dirigindo ordenadamente o pensamento, começando pelo mais fácil, evitando as complicações,
enumerando tudo e revisando posteriormente.
Orientar-se segundo aconselhava o filósofo Descartes: a) não admitir jamais como verdadeira
nenhuma coisa que não pareça evidente como tal, evitando a precipitação e a suposição; b) dividir as
dificuldades no maior número de parcelas possível, para resolvê-las melhor; c) ordenar o
pensamento pelo mais simples para chegar ao mais complexo; d) anotar e revisar tudo sem omitir
nada.
Aprender a duvidar, pois a dúvida não nasceu do acaso nem surgiu anônima. É criação da
ciência. Acreditar sempre é fácil. Difícil é descrer, porque exige recurso, imaginação e autoridade.
Só acredita em tudo quem não pode descrer.
6. Não confiar na memória. O perito ordenará seu relatório e, à medida que observa, faz as
devidas anotações ou as dita a alguém, proporcionando uma interpretação final mais fácil e eficiente.
Não há lembrança que não tenha um pouco de esquecimento, por isso esse conselho está ao
alcance de todo entendimento.
Anotando-se tudo, as referências serão mais exatas, permitindo, inclusive, no final ver melhor o
conjunto das observações, não deixando escapar nem mesmo os pequenos detalhes.
7. Uma necropsia não pode ser refeita. Antes de iniciar a incisão da necropsia, deve o perito
fazer um exame circunstanciado dos diversos segmentos do corpo, inclusive do dorso e dos orifícios
naturais.
Além de minuciosa, a necropsia deverá ser completa, a fim de se esclarecerem todas as dúvidas
e chegar-se a uma conclusão sólida e definitiva, evitando assim perícias sucessivas nas quais outros
peritos terão dificuldades maiores pelo avançado estado de putrefação ou pelas modificações na
forma ou na localização das vísceras ou alterações provocadas pela primeira necropsia.
Uma necropsia é uma tarefa de paciência e um trabalho de equipe. Não deve ser uma visão
displicente e superficial nem a confirmação precipitada de uma primeira impressão, pois a história
da Medicina Legal registra casos surpreendentes e dramáticos.
Uma necropsia benfeita esclarece pontos duvidosos e evita o constrangimento e a repulsividade
das exumações.
8. Pensar com clareza para esclarecer com precisão . Se todo o problema médico é um ato de
raciocínio, em Medicina Legal o é muito mais. Devem os peritos concluir seus relatórios dentro de
um fundamento lógico e uma coerência de fatos, evitando desse modo as contradições. Quando as
ideias são claras, a descrição adquire precisão.
As afirmações não devem conter um caráter dogmático para justificar uma conclusão. Ao
contrário, devem ser fundamentadas nas provas e na coerência das justificações. Quando o
pensamento não é claro ou quando a forma verbal não adquire precisão, o entendimento do analista
pode ser confuso e temerário. Um efeito bem assinalado tem a força de transportar o pensar de quem
analisa o laudo para o instante em que se deu o evento.
9. A arte das conclusões consiste nas medidas. A dificuldade maior nos relatórios periciais é,
sem dúvida, a redação das conclusões do informe. As palavras deverão ser contadas, medidas e
pesadas, pois um conceito poderá se prestar a interpretações que não são as do perito.
Não deverá ser um denunciante precipitado nem excessivamente prudente. Seu raciocínio e suas
afirmações deverão fugir dos extremos: da audácia e da timidez.
A descrição deverá ser a imagem real e lógica do que se observa, de tal maneira que, da leitura
do laudo, se tenha a impressão exata do fato. Sua palavra deve ser tão fiel que possa satisfazer a
curiosidade do julgador que tem de solucionar o caso em apreciação.
O bom critério pericial é aquele capaz de permitir o valor das diferentes comprovações,
entendendo o que pode ser aceito como certo e provado, e o que se deve ter como dado absoluto para
negar ou afirmar.
1 0 . A vantagem da Medicina Legal está em não formar uma inteligência exclusiva e
estritamente especializada. A Medicina Legal guarda relações com todos os ramos da Medicina,
com o Direito, com a Criminologia, com a Química e a Física e com diversas ciências, abrindo ante
elas amplas perspectivas sociológicas e filosóficas. Existe uma cultura maior, superior e mais
profunda do que em qualquer outra modalidade médica.
Essa amplitude de conhecimentos pode ter resultados perigosos devido à superficialidade do
conhecimento dado ao excessivo número de ciências afins.
Não deve ser o perito simplesmente um médico a serviço dos mais diversos males físicos e
psíquicos do homem, mas, e acima de tudo, um especialista na patologia geral da humanidade.
Também não deve limitar-se a ser apenas um bom relator das mais diversas lesões violentas ou
um fiel narrador das circunstâncias periciais, mas também um ativo participador das polêmicas
doutrinárias, nas quais sua palavra possa inspirar novos rumos e novas soluções.
DECÁLOGO ÉTICO DO PERITO
Assim como o mestre Nerio Rojas condensou em dez itens um guia prático para nortear a perícia
médico-legal em seus aspectos técnicos e científicos, estamos propondo este decálogo como
orientação ética na condução da arte pericial, baseado na tradição moral que fez desta atividade uma
inestimável contribuição para as conquistas da cidadania e do respeito aos interesses mais justos da
sociedade.
São estes os postulados éticos:
1 . Evitar conclusões intuitivas e precipitadas. Conscientizar-se de que a prudência é tão
necessária quanto a produção da melhor e mais inspiradora perícia. Jamais se firmar no subjetivismo
e na precipitada presunção para concluir sobre fatos que são decisivos para os interesses dos
indivíduos e da sociedade. Concluir pelo que é racional e consensual na prática convencional da
legisperícia.
2. Falar pouco e em tom sério. Convencer-se de que a discrição é o escudo com que se deve
proteger dos impulsos irrefreáveis da vaidade, sobretudo quando a verdade que se procura provar
ainda está sub judice ou quando ainda não se apresenta nítida e isenta de contestação. Fugir das
declarações precipitadas e sensacionalistas em entrevistas espalhafatosas. Falar o imprescindível,
com argumentação e sempre com a noção da exata oportunidade.
3. Agir com modéstia e sem vaidade. Aprender a ser humilde. Controlar o impulso ao vedetismo.
O sucesso e a fama devem ser um processo lento e elaborado pela convicção do aprimoramento e da
boa conduta ética e nunca pela presença ostensiva do nome ou do retrato nas colunas dos jornais e
nos vídeos das tevês. Não há nenhum demérito no fato de as atividades periciais correrem no
anonimato, delas tendo conhecimento apenas a administração judiciária e as partes interessadas.
4. Manter o segredo exigido. O sigilo pericial deve ser mantido na sua relativa necessidade e na
sua compulsória solenidade, não obstante os fatos que demandam perícias terem vez ou outra suas
repercussões sensacionalistas e dramáticas, quase ao sabor do conhecimento de todos. Nos seus
transes mais graves, deve o perito manter sua discrição, sua sobriedade, evitando que suas
declarações sejam transformadas em ruidosos pronunciamentos e nocivas repercussões.
5. Ter autoridade para ser acreditado . Exige-se também uma autoridade capaz de se impor ao
que se afirma e conclui, fazendo calar com sua palavra as insinuações cavilosas e oportunistas. Tudo
fazer para que seu trabalho seja respeitado pelo timbre da fidelidade à sua arte, à sua ciência e à
tradição médico-legal. Decidir com firmeza. A titubeação é sinal de insegurança e afasta a confiança
que se deve impor em momentos tão delicados. Se uma decisão é vacilante, a arte e a ciência tornamse fracas, temerárias e duvidosas.
6. Ser livre para agir com isenção. Concluir com acerto, com convicção, comparando os fatos
entre si, relacionando-os e chegando a conclusões sempre claras e objetivas. Não permitir de forma
alguma que suas crenças, ideologias e paixões venham influenciar um resultado para o qual se exige
absoluta imparcialidade e isenção.
7 . Não aceitar a intromissão de ninguém. Não permitir a intromissão ou a insinuação de
ninguém, seja autoridade ou não, na tentativa de deformar sua conduta ou dirigir o resultado para um
caminho diverso das suas legítimas e reais conclusões, para não trair o interesse da sociedade e os
objetivos da Justiça.
8. Ser honesto e ter vida pessoal correta. É preciso ser honesto para ser justo. Ser honesto para
ser imparcial. Só a honestidade confere um cunho de respeitabilidade e confiança. Ser íntegro, probo
e sensato. Ser simples e usar sempre o bom senso. A pureza da arte é como a verdade: tem horror ao
artifício. Convém evitar certos hábitos, mesmo da vida íntima, pois eles podem macular a confiança
de uma atividade em favor de quem irremediavelmente acredita nela.
9 . Ter coragem para decidir. Coragem para afirmar. Coragem para dizer não. Coragem para
concluir. Ter coragem para confessar que não sabe. Coragem para pedir orientação de um colega
mais experiente. Ter a altivez de assumir a dimensão da responsabilidade dos seus atos e não deixar
nunca que suas decisões tenham seu rumo torcido por interesses inconfessáveis.
10. Ser competente para ser respeitado. Manter-se permanentemente atualizado, aumentando
cada dia o saber. Para isso, é preciso obstinação, devoção ao estudo continuado e dedicação
apaixonada ao seu mister, pois só assim seus laudos terão a elevada consideração pelo rigor que eles
são elaborados e pela verdade que eles encerram.
3
Antropologia Médico-legal
5. Identidade e identificação: Processos utilizados no vivo, no morto e no esqueleto.
Identificação médico-legal: Espécie, Raça, Sexo, Idade, Estatura, Sinais individuais,
Malformações, Sinais profissionais, Biotipo, Tatuagem, Cicatrizes, Identificação pelos
dentes, Palatoscopia, Queiloscopia, Identificação por superposição de imagens, pelo
pavilhão auricular, por radiografias, pela superposição craniofacial por vídeo, Cadastro de
registro de artroplastias, identificação pelo registro da voz. Impressão digital genética do
DNA. Banco de dados com DNA. Bases de dados. Protocolo para Exame Antropológico
Forense.
IDENTIDADE
Conceitua-se identidade como o conjunto de caracteres que individualiza uma pessoa ou uma
coisa, fazendo-a distinta das demais. É um elenco de atributos que torna alguém ou alguma coisa
igual apenas a si próprio.
“É a qualidade de ser a mesma coisa, e não diversa” (Dicionário Morais).
Afrânio Peixoto afirmava que “identidade é o conjunto de sinais ou propriedades que
caracterizam um indivíduo entre todos, ou entre muitos, e o revelam em determinada circunstância, e
que estes sinais são específicos e individuais, originários ou adquiridos”.
Leonídio Ribeiro dizia que “a identidade é um fato e não uma convenção; torna-se, pois,
necessário fixar meio inequívoco e único de prová-la, legalmente, para facilitar a prática de atos
civis dos indivíduos, na vida jurídica, isto é, nas relações familiares, sucessórias, contratuais,
políticas, no exercício de todos os direitos e obrigações pessoais que se baseiam na certeza da
identidade individual”.
Arbenz ensinava que “identidade é o conjunto de atributos que caracterizam alguma coisa ou
alguma pessoa”. E fazia diferença entre semelhança, igualdade e identidade. Semelhança como
relação de qualidade; igualdade como relação de quantidade; e identidade como a essência de uma
coisa ser ela mesma.
Cada dia que passa, maiores são as exigências no que diz respeito à identidade individual nos
interesses da vida civil ou de comércio, sem se falar na necessidade de se estabelecer a falsa
identidade ou caracterizar o reincidente criminal.
Tudo isso em relação ao vivo. Acrescentem-se mais os imperativos de identificar cadáveres
decompostos, restos cadavéricos, esqueletos e até mesmo peças ósseas isoladas.
Aqui, pois, trataremos da identidade objetiva, como sendo aquela que nos permite afirmar
tecnicamente que determinada pessoa é ela mesma por apresentar um elenco de elementos positivos e
mais ou menos perenes que a faz distinta das demais. E não da identidade subjetiva, tida como a
sensação que cada indivíduo tem de que foi, é e será ele mesmo, ou seja, a consciência da sua
própria identidade, ou do seu “eu”. Esta é uma questão ligada à estrutura da personalidade e será
estudada noutro capítulo.
IDENTIFICAÇÃO
Chama-se identificação o processo pelo qual se determina a identidade de uma pessoa ou de uma
coisa, ou um conjunto de diligências cuja finalidade é levantar uma identidade. Portanto, identificar
uma pessoa é determinar uma individualidade e estabelecer caracteres ou conjunto de qualidades que
a fazem diferente de todas as outras e igual apenas a si mesma.
Não se discute hoje o valor da identificação. As relações sociais ou as exigências civis,
administrativas, comerciais e penais exigem e reclamam essa forma de comprovação. Mesmo na vida
social, há instantes em que o indivíduo tenta provar que é ele mesmo, e não consegue, a menos que
obtenha prova de sua identidade.
Quando, em 1889, nos arredores de Lião (França), foi encontrado um corpo humano altamente
putrefeito, coube ao Prof. Alexander Lacassagne identificá-lo. Entrementes, a Medicina Legal estava
cercada de descrédito. Os coroners, membros leigos eleitos pela comunidade, efetuavam as perícias
médico-forenses.
A primeira iniciativa do mestre foi a transladação do corpo para o necrotério, situado em uma
velha barca ancorada às margens do rio Rhône. Ambiente repulsivo e deprimente, enegrecido pela
fealdade do crime. Somente alguém dotado de obstinação e apaixonado pela ciência resistiria a
tamanha precariedade.
Iniciou-se a necropsia abrindo a cavidade abdominal. Não constatando útero nem ovários, mas
próstata, confirmou que era indivíduo do sexo masculino. Utilizando, em seguida, a Tabela
Osteométrica de Étienne Rollet, multiplicou suas constantes pelo comprimento dos ossos longos dos
membros superiores e inferiores. Assim, achou a altura em torno de 1,78 m.
Ao limpar os músculos da perna direita, notou-os mais fracos que os da esquerda. Pesando
separadamente os ossos do pé direito e do pé esquerdo, percebeu pequena diferença naqueles, como
também uma infecção óssea antiga nos mais leves. Desta forma, chegou à dedução de que o
examinado claudicava da perna direita. Pelo desgaste da dentina, pelo acúmulo de tártaro nas raízes
dos dentes e pelo adelgaçamento dessas raízes, concluiu ele tratar-se de alguém com cerca de 50
anos.
Mercê desta descrição perfeita para a época, surgiram amigos e parentes de um desaparecido,
alegando ser este portador de todos aqueles detalhes descritos pelo mestre de Lião.
E, sendo Lacassagne apontado naquele instante como um homem de misteriosos poderes e
detentor de uma ciência curiosa e apaixonante, limitou-se ele a dizer apenas: “O grande mérito foi do
morto. O cadáver é a testemunha mais importante de um crime.” De fato, há uma eloquência
silenciosa na mudez do cadáver.
A história da identificação é muito antiga. Já no Código de Hamurabi, dos caldeus e babilônios,
há referências a uma forma de identificação dos criminosos, tal como a amputação da orelha, do
nariz, dos dedos ou da mão, e até mesmo o vazamento dos olhos, conforme o grau de suas infrações.
Na França, até antes da Revolução, era praxe ferrar os ladrões e vagabundos com uma flor-de-lis
no rosto ou nas espáduas. Os criminosos primários eram marcados com um V, e os reincidentes com
GAL (gallerien).
Com a humanização dos costumes, essas formas arbitrárias e desumanas foram desaparecendo. A
ciência foi oferecendo meios e recursos para uma estruturação científica da identificação. No
começo, a partir dos recursos antropológicos e antropométricos. Hoje, graças às técnicas
aperfeiçoadas da hemogenética forense.
Tais processos podem efetivar-se no vivo (desaparecidos, pacientes mentais desmemoriados,
menores de idade, recusa de identidade); no morto (desastres de massa, cadáveres sem identificação,
mutilados, estados avançados de putrefação e restos cadavéricos); e no esqueleto (decomposição em
fase de esqueletização, esqueletos e ossos isolados).
Em qualquer perícia dessa natureza sua técnica é realizada em três fases: (a) um primeiro
registro, em que se dispõe de certos caracteres imutáveis do indivíduo, e que possa distingui-lo dos
outros; (b) um segundo registro dos mesmos caracteres, feito posteriormente, na medida em que se
deseja uma comparação; (c) a identificação propriamente dita, em que se comparam os dois
primeiros registros, negando ou afirmando a identidade procurada.
Os fundamentos biológicos ou técnicos que qualificam e que preenchem as condições para um
método de identificação ser considerado aceitável são:
Unicidade. Também chamado de individualidade, ou seja, que determinados elementos
sejam específicos daquele indivíduo e diferentes dos demais.
Imutabilidade. São as características que não mudam e não se alteram ao longo do
tempo.
Perenidade. Consiste na capacidade de certos elementos resistirem à ação do tempo, e
que permanecem durante toda a vida, e até após a morte, como por exemplo o esqueleto.
Praticabilidade. Um processo que não seja complexo, tanto na obtenção como no
registro dos caracteres.
Classificabilidade. Este requisito é muito importante, pois é necessária certa
metodologia no arquivamento, assim como rapidez e facilidade na busca dos registros.
A identificação do vivo ou do cadáver é mais fácil. Já a identificação do esqueleto fundamentase em uma criteriosa investigação da espécie, da raça, da idade, do sexo, da estatura e,
principalmente, das características individuais. Dessas características individuais, as mais
importantes são os dentes, mas para tanto é necessário existir previamente uma ficha dentária bem
assinalada, não só com o número de dentes, senão também com as alterações, anomalias e
restaurações. Ou, por exemplo, pela identificação de uma prótese, de uma anomalia mais rara ou de
uma alteração de caráter ortopédico, de uma radiografia com sequelas traumatológicas, de uma
simples radiografia óssea ou dentária, ou de um exame da Impressão Digital Genética do DNA, para
serem confrontados com os padrões analisados.
Finalmente, é necessário que se diferencie o reconhecimento da identificação. O primeiro
significa apenas o ato de certificar-se, conhecer de novo, admitir como certo ou afirmar conhecer. É
pois uma afirmação laica, de um parente ou conhecido, sobre alguém que se diz conhecer ou de sua
convivência. Pode, essa pessoa que reconhece inclusive, assinar um “termo de reconhecimento”,
cujos formulários habitualmente existem nas repartições médico-legais. Já a identificação é um
conjunto de meios científicos ou técnicas específicas empregados para que se obtenha uma
identidade. É um procedimento médico-legal cuja finalidade é afirmar efetivamente por meio de
elementos antropológicos ou antropométricos que aquele indivíduo é ele mesmo e não outro,
conforme afirma Galvão.
A identificação divide-se em médico-legal e judiciária ou policial.
Identificação médico-legal
Neste processo de identificação, exigem-se não só conhecimentos e técnicas médico-legais, como
também entendimento de suas ciências acessórias. Sempre é feita por legistas.
A identificação médico-legal pode ser efetuada quanto aos seguintes aspectos.
Espécie
Quando se encontra um animal, vivo ou morto, com configuração normal, a identificação se
apresenta como tarefa fácil. Às vezes, no entanto, podem-se surpreender fragmentos ou partes de seu
corpo, inspirando maiores cuidados na sua distinção com restos humanos.
Este estudo pode ser levado a efeito nos elementos definidos a seguir.
Ossos. A distinção entre os ossos de animais e do homem é feita de início,
morfologicamente, pelo exame de suas dimensões e caracteres que os tornam diferentes.
Microscopicamente, a diferença é dada pela análise da disposição do tamanho dos canais de
Havers, que são em menor número e mais largos no homem, com até 8 por mm2. Nos animais, são
mais estreitos, redondos e mais numerosos, chegando a 40 por mm2 (Quadro 3.1).
Finalmente, pelas reações biológicas, usando-se as provas de anafilaxia, fixação do complemento
e soroprecipitação.
Quadro 3.1 Canais de Havers.
Características
Homem
Animal
Forma
Elíptica ou irregular
Circular
Diâmetro
Superior a 3 mm
Inferior a 25 mm
Número
8 a 10 por mm2
Muito superior ao homem, chegando a 40 por mm2
Sangue. A primeira providência é saber se o material mandado a exame é sangue. Para
tanto, utiliza-se uma técnica muito simples, que consiste na procura dos cristais de Teichmann.
Para evidenciar esses cristais, coloca-se um pouco do material sobre a lâmina, cobre-se com a
lamínula e deita-se uma gota de ácido acético glacial, levando-a ao calor para uma evaporação lenta,
repetindo-se algumas vezes o mesmo processo. Em seguida, leva-se a lâmina ao microscópio e, nos
casos positivos, observa-se a presença dos cristais, de forma rômbica, alongados, cor de chocolate,
isolados ou em grupos ou em forma de charuto ou de roseta, conforme a disposição em que se
encontrem.
Ou, pela Técnica de Addler, na qual é empregada uma solução saturada de benzidina em álcool a
96° ou em ácido acético, solução essa preparada no momento de usá-la. Recomenda-se diluir a
mancha em água destilada e colocar 2 ml desse material em tubo de ensaio, adicionando 3 gotas de
água oxigenada de 10 ou 12 volumes e mais 1 ml do reagente benzidínico. Nos casos positivos,
aparece uma cor azul-esverdeada que se transforma imediatamente em azul-intenso.
Depois de ter-se a certeza de que o material pesquisado é sangue, passa-se à identificação
específica.
A forma e a dimensão dos glóbulos sanguíneos, a presença ou não de núcleos, tudo isso pode ser
a pedra de toque para a perícia.
Nos mamíferos, as hemácias são anucleadas e circulares; no homem, medem elas
aproximadamente sete micra; e, nos demais vertebrados, apresentam-se nucleadas e elípticas.
Porém, o método mais seguro é o da albuminorreação ou processo de Uhlenhuth, que consiste em
colocar o sangue pesquisado em contato com o soro preparado com diversos animais. A consecução
do soroprecipitante para o antígeno humano dá-se com o soro sanguíneo humano recente.
De ordinário, lança-se mão do soro de cobaias, cavalos, bois e carneiros. Qualquer um deles
passa a ser o soro anti-homem.
Raça
Antes de tudo, é bom que se diga não existir raça superior ou raça inferior. Existem sim raças
privilegiadas, ricas e prósperas, e outras economicamente miseráveis.
Entre nós, no Brasil, ainda não existe um tipo definido. Acreditamos, todavia, que, no futuro,
constituiremos uma raça própria: a raça dos mulatos.
Tipos étnicos fundamentais
Ottolenghi classifica em cinco os tipos étnicos fundamentais.
Tipo caucásico. Pele branca ou trigueira; cabelos lisos ou crespos, louros ou castanhos;
íris azuis ou castanhas; contorno craniofacial anterior ovoide ou ovoide-poligonal; perfil facial
ortognata e ligeiramente prognata.
Tipo mongólico. Pele amarela; cabelos lisos; face achatada de diante para trás; fronte
larga e baixa; espaço interorbital largo; maxilares pequenos e mento saliente.
Tipo negroide. Pele negra; cabelos crespos, em tufos; crânio pequeno; perfil facial
prognata; fronte alta e saliente; íris castanhas; nariz pequeno, largo e achatado; perfil côncavo e
curto; narinas espessas e afastadas, visíveis de frente e circulares.
Tipo indiano. Não se afigura como um tipo racial definido. Estatura alta; pele amarelotrigueira, tendente ao avermelhado; cabelos pretos, lisos, espessos e luzidios; íris castanhas; crânio
mesocéfalo; supercílios espessos; orelhas pequenas; nariz saliente, estreito e longo; barba escassa;
fronte vertical: zigomas salientes e largos.
Tipo australoide. Estatura alta; pele trigueira; nariz curto e largo; arcadas zigomáticas
largas e volumosas; prognatismo maxilar e alveolar; cinturas escapular larga e pélvica estreita;
dentes fortes; mento retraído; arcadas superciliares salientes e crânio dolicocéfalo.
Elementos de caracterização racial
Os elementos mais comuns observados na caracterização racial são:
Forma do crânio. Sua relação é com as figuras geométricas vistas de cima para baixo,
de diante para trás e lateralmente. Quando vistos de cima para baixo, são classificados em formas
longas (dolicocrânios), formas curtas (braquicrânios) e formas médias (mesocrânios). Quando
vistos de diante para trás, em crânios altos e estreitos (esternocrânios), em baixos e largos
(tapinocrânios) e nos de forma intermediária (metriocrânios). E, por fim, quando vistos
lateralmente, em crânios altos (hipsicrânios), nos baixos (platicrânios) e nos intermediários
(mediocrânios).
Índice cefálico. Obtém-se pela relação entre a largura e o comprimento do crânio,
utilizando-se a fórmula de Retzius:
Daí surgirem os seguintes tipos:
• Dolicocéfalos: índice igual ou inferior a 75
• Mesaticéfalos: índice de 75 a 80
• Braquicéfalos: índice superior a 80.
Índice tibiofemoral. É o resultado da divisão do comprimento da tíbia vezes 100 pelo
comprimento do fêmur. Nos brancos é inferior a 83 e nos negros superior a esse índice.
Índice radioumeral. É o resultado da divisão do comprimento do rádio vezes 100
pelo comprimento do úmero. Nos negros é superior a 80 e, nos brancos, inferior a 75. Esses dois
últimos índices são utilizados também para saber se ambos os ossos pertencem ou não ao mesmo
esqueleto (Quadro 3.2).
Ângulo facial. Sua importância está na determinação do prognatismo, constituindo-se
em um valioso elemento da distinção racial. Segundo Jacquart, o ângulo é dado por uma linha que
passa pelo ponto mais saliente da fronte e pela linha nasal anterior, e por outra linha que vai da
espinha nasal anterior ao meio da linha medioauricular, conseguindo, aproximadamente, um ângulo
de 76,5° para os brancos, de 72 para os amarelos e de 70,3 para os negros.
Quadro 3.2 Identificação racial pelos índices tibiofemoral (ITF) e radioumeral
(IRU).
Índice
Negros
Brancos
Tibiofemoral
Superior a 83
Inferior a 83
Radioumeral
Superior a 80
Inferior a 75
ITF = Tíbia x 100/Fêmur; IRU = Rádio x 100/Úmero.
São importantes também os ângulos de Curvier (uma linha que passa pela parte mais saliente da
fronte até o ângulo dentário superior, e por outra linha que vai do ângulo dentário superior até o
conduto auditivo externo) e de Cloquet (uma linha que vai da parte mais saliente da fronte até o ponto
alveolar, e outra linha que vai do ponto alveolar até o conduto auditivo externo) (Quadro 3.3 e Figura
3.1).
Finalmente, utilizando-se a anatomia dentária, no que diz respeito à cúspide do primeiro molar
inferior, autores diversos, entre eles Vargas Alvarado, falam da predominância da forma
mamelonada na raça branca, da forma estrelada na raça negra e da forma intermediária na raça
amarela (Figura 3.2). Galvão e cols. introduzem neste estudo os mulatos, levando em conta mais a
cor da pele, e os encontraram em 50% com cúspides de forma intermediária. E concluem que nenhum
indivíduo de raça negra apresentava o padrão mamelonado e nem os de raça branca o formato
estrelado, o que já contribui como fator excludente para a busca de uma estratégia de identificação.
Quadro 3.3 Identificação racial pelo ângulo facial.
Variantes
Raça
Caucásica
Mongoloide
Negra
Jacquart
76,5°
72°
70,3°
Cloquet
62°
59,4°
58°
Curvier
54°
53°
48°
Figura 3.1 Ângulos faciais.
Figura 3.2 1. mamelonada (raça branca); 2. estrelada (raça negra); 3. intermediária
(raça amarela).
Sexo
Nos nossos dias, não há somente um sexo – o somático –, mas, pelo menos, nove tipos de sexo: o
morfológico, o cromossomial, o gonadal, o cromatínico, o da genitália interna, o da genitália
externa, o jurídico, o sexo de identificação e o sexo médico-legal.
Sexo morfológico. É representado pela configuração fenotípica do indivíduo.
Sexo cromossomial. É definido pela avaliação dos cromossomas sexuais e pelo
corpúsculo fluorescente. É masculino aquele que apresentar 46 XY e tiver corpos fluorescentes, e
feminino quando apresentar uma constituição cromossômica de 46 XX e não contiver corpos
fluorescentes. Este conjunto de cromossomos chama-se cariótipo.
Sexo gonadal. Caracteriza o masculino como portador de testículos e o feminino como
portador de ovários.
Sexo cromatínico. Determinado pelos corpúsculos de Barr, pequenos corpos de
cromatina que se encontram no nucléolo das células dos organismos femininos, daí a classificação
em cromatínicos positivos (femininos) e cromatínicos negativos (masculinos). Cada cromossomo
encerra informações codificadas em genes através de moléculas de DNA.
Sexo da genitália interna. Caracteriza o masculino quando houve o
desenvolvimento dos ductos de Wolff, e o feminino quando desenvolvidos os ductos de Müller.
Sexo da genitália externa. Define o masculino com a presença de pênis e escroto, e
o feminino com a presença de vulva, vagina e mamas.
Sexo jurídico. É o designado no registro civil, ou quando a autoridade legal manda que
se registre uma pessoa em um ou outro sexo, após suas convicções médico-legais, morais ou
doutrinárias. Está regulamentado pela Lei dos Registros Públicos (Lei no 6.015/73).
Sexo de identificação ou psíquico ou comportamental. É aquele cuja
identificação o indivíduo faz de si próprio e que se reflete no comportamento. Também é chamado
por alguns de sexo moral.
Sexo médico-legal. É constatado por meio de uma perícia médica nos portadores de
genitália dúbia ou sexo aparentemente duvidoso, como, por exemplo, um portador de uma grande
hipospadia, facilmente confundível com uma cavidade vaginal (Figura 3.3).
Em um ente normal, vivo ou morto recentemente, a determinação do sexo não é uma atribuição
complexa. Há, na verdade, situações complicadas, como em um cadáver em avançado estado de
putrefação, com destruição da genitália externa, ou no esqueleto, ou, ainda, em situações como nos
estados intersexuais e no pseudo-hermafroditismo, nas quais são empregadas técnicas mais
sofisticadas, entre elas a pesquisa da cromatina sexual ou do corpúsculo de Barr, que é encontrado
no sexo feminino.
Figura 3.3 Sexo dúbio.
No cadáver mutilado ou em fase de putrefação avançada, a técnica mais comum é a de abrir a
cavidade abdominal, ensejando a consequente presença de útero e ovários ou de próstata.
No esqueleto, a separação sexual faz-se pela discriminação dos ossos, principalmente os do
crânio, da mandíbula, do tórax e da pelve.
O esqueleto humano, visto de conjunto, pode mostrar-se ao antropólogo com alguns aspectos
singulares no que atine ao diagnóstico diferencial do sexo. O esqueleto do homem é, em geral, maior,
mais resistente e com as extremidades articulares maiores.
O crânio no sexo masculino tem espessura óssea mais pronunciada, processos mastóideos mais
salientes e separados um do outro, fronte mais inclinada para trás, glabela mais pronunciada, arcos
superciliares mais salientes, rebordos superorbitários rombos, articulação frontonasal angulosa,
apófises estiloides longas e grossas e mandíbula mais robusta. Na mulher, a fronte é mais vertical, a
glabela menos pronunciada, os arcos superciliares menos salientes, os rebordos superorbitários
cortantes, a articulação frontonasal curva, as apófises estiloides curtas e finas e a mandíbula menos
robusta. Os côndilos occipitais são longos, delgados e em forma de sola de sapato no homem, e
curtos, largos e em forma de rim na mulher (Quadro 3.4).
Galvão, em Tese de Mestrado (1994), trabalhando com crânios de indivíduos maiores de 20 anos
e sexo determinado, usando um aparelho por ele denominado “craniômetro” (Figura 3.4) e tomando
medidas das distâncias entre o meato acústico externo (mae) e os pontos craniométricos gnátio (gn),
próstio (pr), espinha nasal anterior (ena), glabela (g), bregma (b), vértex (v), lambda (l),
opistocrânio (op), ínio (i), mastóideo (ms) e gônio (go), chegou a conclusões bem interessantes
(Figura 3.5).
Quadro 3.4 Identificação do sexo pelas características cranianas (apud
Bonnet).
Caracteres anatômicos
Homem
Mulher
Capacidade
1.400 cm3 ou mais
1.300 cm3
Apófises mastóideas
Rugosas e proeminentes
Pouco proeminentes
Arcos superciliares
Salientes
Suaves
Côndilos occipitais
Longos e delgados
Curtos e largos
Mandíbula
Peso médio: 80 g
Peso médio: 63 g
Figura 3.4 Craniômetro de Galvão.
Quando o crânio é ajustado neste aparelho, introduzidas as hastes no meato acústico externo de
ambos os lados, permite que uma régua corrediça se movimente tocando com precisão em todos os
pontos craniométricos citados. A vantagem desse método é que o crânio fica sempre em uma posição
horizontal estável, permitindo apenas que as réguas milimetradas sejam deslizadas para a tomada de
cada medida com absoluta precisão.
Figura 3.5 Pontos craniométricos (Galvão).
Os dados obtidos nas medidas entre o meato acústico externo e os onze pontos craniométricos
assinalados possibilitaram ao autor afirmar que é possível a determinação do sexo por meio das
medidas craniométricas propostas. Quando se obtém um somatório inferior a 1.000 mm, há “uma
tendência estatisticamente significativa para se afirmar que o crânio estudado pertence a um
indivíduo do sexo feminino”.
Medindo-se o ângulo mandibular, com um transferidor, é possível obterem-se distâncias que nos
levam a considerar existir um dimorfismo sexual no osso em questão. Sabendo-se que os ramos
ascendentes da mandíbula formam com o eixo do seu corpo um ângulo que é mais aberto na mulher
(em média 127,6°) do que no homem (cerca de 124,4°), pode-se a partir desses dados encontrar uma
metodologia com parâmetros nacionais que, a par de outros dados, venha a oferecer condições para a
contribuição quanto ao diagnóstico do sexo.
No estudo do dimorfismo sexual, também tem-se utilizado a distância entre os forames
infraorbitários. Acredita-se que esses índices venham a ter em breve um valor bem acentuado, em
face do número reduzido de erros. A grande vantagem deste método é a sua simplicidade operacional
e a possibilidade que ele oferece de trabalhar em partes de crânios ou naqueles que sofreram
disjunção de suas suturas. Os forames infraorbitários são orifícios localizados a cerca de 1,5 cm
para baixo da borda inferior das órbitas em sua porção mediana. Por esses orifícios passam os
nervos e os vasos infraorbitários. A mensuração deve ser feita da borda lateral externa do conduto, e
o comprimento deve ser assinalado em milímetros. Em média, têm-se encontrado 57,79 mm para a
mulher e 61,28 mm para o homem, adultos, com um desvio padrão de 4.3447 e 4.3185,
respectivamente (Galvão e cols.).
Ainda no crânio pode-se determinar o sexo pelo índice de Baudoin (largura máxima do côndilo
occipital vezes 100, e o resultado dividido pelo comprimento máximo desse côndilo). Esses índices
não são muito confiáveis, pois seu percentual de acerto é de apenas 60%. Com mais frequência, no
homem este índice é menor de 50 e na mulher maior de 55. Se o resultado estiver entre 50 e 55, o
resultado é duvidoso e aconselham-se outros padrões.
A mandíbula apresenta elementos importantes para se determinar o sexo. Há muitos anos que se
vêm apontando significativas diferenças entre a mandíbula do homem e a da mulher. Até se considera
que essas medidas sejam mais específicas que as do crânio. Estudos atuais demonstram, todavia, que
largura condilar, comprimento total da mandíbula, espessura mandibular anterior, distância
interforâmen mentoniano, distância bicondilar externa, distância interapófise coronoide e altura do
tramo mandibular permitem estabelecer fórmulas com índices de acerto em torno de 81,7%. Nesse
particular, têm-se observado que no sexo masculino o comprimento e a largura mandibular são 0,5
cm a mais que os femininos e que estes apresentam os ramos da mandíbula mais largos e o ângulo
mandibular mais aberto.
Além disso, há características morfológicas que podem contribuir no diagnóstico do sexo, como
aspecto geral da mandíbula, aspecto morfológico dos côndilos, formato do arco dental, ângulo
mandibular e áreas de inserção muscular (Quadro 3.5). No entanto, quanto ao aspecto e tamanho dos
seios da face vistos sob o aspecto radiológico pode-se dizer que não existem diferenças entre o
homem e a mulher ou em outro qualquer parâmetro estudado.
O tórax do homem assemelha-se a um cone invertido; o da mulher tem a semelhança de um
ovoide. Na mulher, vê-se uma predominância da cintura pélvica, enquanto, no homem, nota-se a
cintura escapular mais larga.
Quadro 3.5 Aspectos morfológicos da mandíbula.
Masculina
Feminina
Robusta
Discreta
Côndilos mandibulares robustos
Côndilos mandibulares discretos
Forma do arco dental retangular ou triangular
Forma do arco dental arredondado ou triangular
Ângulo mandibular mais fechado média – 126
Ângulo mandibular mais aberto – 127,9
Rugosidades das inserções musculares: ásperas
ou marcadas
Rugosidades das inserções musculares: planas
ou discretas
Fonte: Galvão, em Tese de Concurso a Professor Titular, UEFS.
A pelve apresenta os caracteres mais palpáveis da diferenciação sexual. No homem, além de
existir uma consistência óssea mais forte, com rugas de inserção mais pronunciadas, as dimensões
verticais predominam sobre as horizontais; ao passo que, na mulher, dá-se o inverso: o diâmetro
transversal supera a altura da bacia (Figura 3.6). O ângulo sacrovertebral na mulher é mais fechado e
saliente para diante que no homem (Quadro 3.6).
Soares (in Investigação do sexo por mensurações do calcâneo, Tese de Mestrado – UNICAMP,
Odontologia, 2000), medindo altura, largura e comprimento, diâmetro articular e superfície articular
do calcâneo, chegou à conclusão de que é possível determinar o sexo por meio desses dados, e
inclusive propôs uma fórmula com intervalo de confiança, utilizando um programa computadorizado
que, alimentado, permite determinar tal característica.
Figura 3.6 Pelve óssea feminina.
Quadro 3.6 Determinação do sexo por meio das características
morfoscópicas da pélvis (Ramírez).
Caracteres Masculino
Em geral
Rugosa com inserções musculares
marcadas
Feminino
Lisa com inserções pouco proeminentes
Forma
De coração
Circular
Íleo
Alto
Baixo
Articulação
sacroilíaca
Grande
Pequena e mais oblíqua
Acetábulo
Grande e dirigido para o lado
Pequeno e dirigido anterolateralmente
Buraco
obturador
Grande e oval
Pequeno e triangular
Corpo do
púbis
Triangular
Quadrangular
Sínfise do
púbis
Alta
Baixa
Ângulo
subpubiano
Estreito e em forma de V
Amplo e em forma de U
Sacro
Longo, estreito e pouco curvo,
podendo ter mais de 5 segmentos
Curto, largo e marcadamente curvo em S1 a S2
e S3 a S5, sempre com 5 segmentos
A sexagem fetal é o exame realizado durante a gravidez para determinar o sexo do bebê. É feito a
partir do sangue da mãe após a 8a semana de gestação. Este exame é baseado na identificação do
cromossomo Y no sangue da gestante e tem um grau de certeza aproximado de 100%. Assim, se for
identificado o cromossomo Y pode-se afirmar que o bebê é do sexo masculino, e, caso ele não for
encontrado, pode-se admitir que nascerá uma menina. Em suma, este exame revela tão somente o
sexo do feto, ou melhor, se é ou não do sexo masculino.
Caso exista uma gravidez gemelar e se o exame for negativo para o cromossomo Y, a mãe saberá
que está grávida só de meninas. Por outro lado, se em uma gravidez gemelar o resultado for positivo
para o cromossomo Y, pode-se dizer que há pelo menos um menino, não podendo-se afirmar que o
outro bebê seja também do sexo masculino. A identificação de um feto do sexo feminino é feita
sempre por exclusão.
A vantagem desse exame é a de não ser necessário a coleta do sangue fetal por métodos
invasivos tais como a punção do cordão umbilical (cordocentese), punção de líquido amniótico e
biopsia de placenta. Com a simples coleta de uma amostra de sangue materno, pode-se determinar o
sexo genético do feto para o diagnóstico pré-natal de enfermidades de origem genética ou,
simplesmente, para o interesse especulativo dos pais.
A razão pela qual se viabiliza este exame é a presença durante a gravidez de uma pequena
quantidade de células fetais que migram para o sangue materno onde está presente o material genético
(DNA) do bebê. Dessa maneira, é possível por meio da técnica de PCR (reação de amplificação em
cadeia) identificar quantidades de DNA fetal circulante no sangue da grávida.
Idade
A determinação da idade na vida intrauterina é feita pelo aspecto morfológico do feto ou
embrião, pela sua estatura e pelos raios X (Quadro 3.7).
Do 1o ao 3o mês, eles crescem 6 cm por mês e, do 4o em diante, 5,5 cm também a cada mês
(Figura 3.7).
Nas crianças nascidas a termo, observa-se macroscopicamente em 98% delas, na extremidade
distal do fêmur, o ponto de ossificação de Blecard de tonalidade arroxeada sobre o branco da
cartilagem, com diâmetro de 4 a 5 mm.
Depois de nascido, o problema deve ser visto no vivo, no morto e no esqueleto, sendo sua
abordagem realizada através dos elementos disponíveis.
Figura 3.7 Feto de 3 meses.
Quadro 3.7 Tabela de Told (idade fetal).
Idade
fetal
Occipital
Altura
(mm)
Largura
(mm)
Parietal
Altura
(mm)
Largura
(mm)
Frontal
Altura
(mm)
Largura
(mm)
Temporal
Altura
(mm)
Largura
(mm)
3 1/2
meses
7
11
15
12
10
14
2,5
4
4 1/2
meses
14
21
30
28
22
21
4
8
6 meses 32
40
50
46
36
34
11
17
7 meses 43
45
69
61
48
41
16
21
7 1/2
meses
42
49
65
64
51
43
20
23
8 1/2
meses
54
61
71
67
54
45
19
24
9 1/2
meses
63
64
84
79
57
51
22
31
Na determinação da idade, consideram-se os elementos descritos a seguir.
Aparência. Até certo ponto, é fácil distinguir um recém-nascido de um jovem ou de um
ancião. A dificuldade está em estabelecer essa diferença nos períodos transitórios e na aproximação
da determinação etária. À medida que passam os anos, mais penosa é essa incumbência. A aparência,
em perícias dessa natureza, não nos oferece precisão.
Pele. A importância desse elemento na determinação da idade é pequena e reside na
formação das rugas. Começam elas, em geral, a surgir entre os 25 e 30 anos nas imediações das
comissuras externas das pálpebras. Depois aparecem nas regiões nasolabiais, pescoço e fronte.
Mostram-se, após os 30 anos, na parte anterior do trágus, em sentido vertical. Dos 40 em diante,
elas são em número de duas (Figura 3.8).
Pelos. No sexo feminino, os pelos pubianos apontam-se dos 12 aos 13 anos. Os pelos
axilares, por seu turno, 2 anos depois dos pubianos. No sexo masculino, dos 13 aos 15 anos.
A calvície é de aparecimento irregular, como também o fenômeno do encanecimento.
Globo ocular. O elemento mais significativo no estudo externo do globo ocular,
referente à idade, é o arco senil, que se caracteriza por uma faixa periférica e acinzentada da córnea.
Contrastada na íris, presente em 20% dos quadragenários e em 100% nos octogenários (Figura 3.9).
Pelo visto, esta característica é muito relativa para a especificação etária.
Esse arco semitranslúcido compõe-se de colesterol, triglicerídios e fosfolipídios, mais constante
no sexo masculino e em determinadas patologias, como o diabetes, carências vitamínicas e
hipertensão arterial. É também chamado arcus corneae ou arcus senilis, ou simplesmente arco
lipídico.
Dentes. Como os dentes têm uma época própria para o surgimento, exercem eles grande
influência sobre a classificação da idade.
Dessa forma, levando-se em conta a primeira e a segunda dentições há, embora de maneira não
tão rigorosa, condições de se ter uma aproximação da idade de um indivíduo, a partir de 5 meses de
nascido, tomando por base a cronologia da erupção dentária (Quadros 3.8 e 3.9).
Figura 3.8 Rugas da parte anterior do trágus.
Figura 3.9 Arco senil.
Na prática, a fórmula dentária de 16/16 presume a idade superior a 18 anos; 14/14, idade maior
de 14 e menor de 18 anos; e de 12/12, menor de 14 anos, provocando assim lato interesse no que diz
respeito ao aferimento da idade nos crimes de sedução e estupro.
Por outro lado, é também possível determinar a idade de um indivíduo a partir do estudo do
crescimento de cada dente, desde a vida intrauterina até cerca dos 25 anos, com uma possibilidade
de aproximação muito maior do que pela cronologia da erupção dentária decídua ou permanente.
N o Quadro 3.10 apresentamos como se processa cronologicamente o crescimento dos dentes
humanos.
Quadro 3.8 Primeira dentição.
Dente
Mínimo
Máximo
Média
Incisivos centrais inferiores
5
12
7 meses
Incisivos centrais superiores
6
14
9 meses
Incisivos laterais superiores
7
18
11 meses
Incisivos laterais inferiores
8
19
13 meses
Primeiros molares superiores
12
26
15 meses
Primeiros molares inferiores
12
25
17 meses
Caninos
16
30
22 meses
Segundos molares
18
36
26 meses
Quadro 3.9 Segunda dentição.
Dente
Mínimo
Máximo
Média
Primeiros grandes molares
5
8
5 anos e meio a 6 anos
Incisivos centrais
6
10
6 anos e meio a 10 anos
Incisivos laterais
7
12
8 anos a 8 anos e meio
Primeiros pré-molares
8
14
9 anos a 9 anos e meio
Segundos pré-molares
10
15
10 anos e meio a 11 anos
Caninos
9
15
11 anos
Segundos grandes molares
10
15
12 anos
Terceiros grandes molares
15
28
18 anos
Quadro 3.10 Crescimento dos dentes humanos.
Formação do germe Início da aposição do esmalte Coroa
dentário
e da dentina
completa
Raiz
completa
Incisivo
central
7 SIU
4 a 4,6 MIU
1,6 a 2,6 M
1,6 A
Incisivo
lateral
7 SIU
4,6 MIU
2,6 a 3 M
1,6 a 2 A
Canino
7,6 SIU
5 MIU
9M
3,3 A
Primeiro
molar
8 SIU
5 MIU
5,6 a 6 M
2,6 A
Dente
Decídua
Segundo
molar
10 SIU
6 MIU
10 a 11 M
3A
Permanentes
Primeiro
molar
3,6 a 4 MIU
Ao nascer
2,6 a 3 A
9 a 10 A
Incisivo
central
5 a 5,3 MIU
3a4M
4a5A
9 a 10 A
Incisivo
lateral
5 a 5,6 MIU
Sup. 10 a 12 M
4a5A
10 a 11 A
Inf. 3 a 4 M
4a5A
10 a 11 A
Canino
5,6 a 6 MIU
4a5M
6a7A
12 a 15 A
Primeiro préAo nascer
molar
1,6 a 2 A
5a6A
12 a 15 A
Segundo
pré-molar
7,6 a 8 M
2 a 2,6 A
6a7A
12 a 15 A
Terceiro
molar
3,6 a 4 A
7 a 10 A
12 a 16 A
18 a 25 A
SIU, semana de vida intrauterina; MIU, mês de vida intrauterina; M, meses; A, anos.
Radiografia dos ossos. O surgir dos pontos de ossificação e a soldadura das epífises
a diáfises são referências da maior significação a respeito da determinação da idade óssea (Quadro
3.11).
A radiografia do punho, do cotovelo, do joelho e do tornozelo, da bacia e do crânio é peça
valiosa e positiva para o assunto (Figuras 3.10 e 3.11).
O núcleo da epífise radial surge em torno do 18o ao 24o mês de vida; na ulna, dos cinco aos 8
anos. O escafoide aparece entre os oito e 9 anos; o pisiforme, dos 10 aos 13; o semilunar e o
piramidal, dos quatro aos sete; o trapézio e o trapezoide, dos cinco aos oito; e o capitato e o hamato,
dos 4 aos 5 anos.
Pode-se também estimar a idade por meio do estudo comparativo da mineralização dos ossos do
carpo com a ajuda de radiografias padronizadas; o trapezoide é aquele que apresenta melhor índice
de segurança. Aconselha-se a utilização de radiografias da mão e do punho direitos e de filmes
radiográficos no tamanho 18 3 24 cm. O resultado é obtido por meio da avaliação de áreas em
milímetros quadrados e pela maturidade de ossificação obtidas nos ossos do carpo, levando-se em
conta o sexo do examinado (ver Tovano, O. A radiografia carpal como estimador da idade óssea.
Faculdade de Odontologia de Bauru, USP, 1992).
Quadro 3.11 Determinação radiológica da idade óssea.
Art. do
cotovelo
a) núcleo epifisial proximal do rádio
No homem: dos 15 para os
16 anos
Na mulher: dos 12 para os
14 anos
b) núcleo condilar do úmero
No homem: dos 14 para os
15 anos
Na mulher: dos 12 para os
14 anos
c) núcleo epicondilar médio do úmero
No homem: dos 15 para os
16 anos
Na mulher: dos 14 para os
15 anos
a) núcleo epifisial distal do rádio
No homem: dos 18 para os
19 anos
Na mulher: dos 17 para os
18 anos
b) núcleo epifisial distal da ulna
No homem: dos 18 para os
19 anos
Na mulher: dos 17 para os
18 anos
Núcleos epifisiais distais dos metacarpos II a V e
proximais das falanges
No homem: dos 16 para os
17 anos
Na mulher: dos 15 para os
16 anos
a) núcleo epifisial distal do fêmur
No homem: dos 15 para os
16 anos
Na mulher: dos 14 para os
15 anos
b) núcleos epifisiais proximais da tíbia e fíbula
No homem: dos 16 para os
17 anos
Na mulher: dos 15 para os
16 anos
Art. do
punho
Mão
Art. do
joelho
a) núcleos da crista e espinhas ilíacas e túber isquiático
b) cartilagem trirradiada do acetábulo
Pelve
No homem: dos 14 para os
15 anos
Na mulher: dos 13 para os
14 anos
No homem: dos 15 para os
16 anos
c) núcleos epifisiais da cabeça e trocânteres do fêmur
Art. do
tornozelo
Núcleos epifisiais distais da tíbia e fíbula
Figura 3.10 Idade de 13 a 14 anos (mulher).
Na mulher: dos 14 para os
15 anos
No homem: dos 16 para os
17 anos
Na mulher: dos 15 para os
16 anos
Figura 3.11 Idade de 14 a 15 anos (homem).
Faz-se a soldadura das epífises 2 anos mais cedo nas mulheres. No rádio, para o sexo feminino, é
entre 18 e 19 anos. No masculino, entre 20 e 21 anos. A ulna da mulher, entre 17 e 18 anos, e, no
homem, entre 19 e 20.
Suturas do crânio. As suturas cranianas vão se ossificando e desaparecendo na idade
adulta, de maneira lenta e progressiva, com um maior surto de atividade na idade avançada. Outra
característica marcante na idade senil é a redução do tamanho das maxilas e mandíbula pela perda
dos dentes, reabsorção óssea e alteração dos ângulos da mandíbula (Quadro 3.12).
Costa (em Tese de Doutorado, FOP/UNICAMP/SP, 2000), estudando a população brasileira,
analisou as suturas do crânio tendo em conta a estimativa da idade, em indivíduos masculinos e
femininos, e elaborou um programa computadorizado.
Considerou o endocrânio e o exocrânio, e utilizou a sutura coronal ou frontal (situada entre o
osso frontal e os parietais direito e esquerdo); a sagital (situada entre os ossos parietais); e a
lambdoide (situada entre os ossos parietais e o osso occipital).
A sutura sagital foi dividida em: segmento sagital anterior (SSA), segmento sagital médio (SSM)
e segmento sagital posterior (SSP); a sutura coronal foi dividida em: segmento coronal superior
(SCS), segmento coronal médio (SCM) e segmento coronal inferior (SCI); e a sutura lambdoide em:
segmento lambdoide superior (SLS), segmento lambdoide médio (SLM) e segmento lambdoide
inferior (SLI).
Em seguida, fez uma avaliação qualitativa, com o registro do grau de apagamento da linha
demarcatória interóssea, em cada segmento, mediante os critérios seguintes: linha de sutura não
visualizada no segmento 5 0 (zero); linha de sutura visualizada em parte do segmento 5 1 (um); linha
de sutura visualizada em todo o segmento 5 2 (dois).
Observou que em todas as suturas analisadas o apagamento das linhas demarcatórias interósseas
ocorria mais precocemente no endocrânio e nesta face do crânio o estudo mostrou resultados mais
confiáveis.
Dentre as suturas analisadas, observou-se que a sutura sagital, tanto no exocrânio quanto no
endocrânio, mostrou resultados mais confiáveis.
E assim, através de uma longa tabela, levando em conta os segmentos das três suturas
mencionadas, o sexo do indivíduo e a face da calota craniana, o autor distingue as diversas idades
(ver Anexos, in op. cit.).
Ângulo mandibular. A idade pode também ser avaliada, determinando-se o ângulo
mandibular. Em graus, a média é a seguinte: 150° no feto, 135° no recém-nascido; 130° de 0 a 10
anos; 125° de 10 a 20 anos; 123° de 20 a 30 anos; 125° de 30 a 50 anos; 130° acima dos 70 anos.
Quadro 3.12 Determinação da idade pelo apagamento das suturas cranianas.
Idade
Suturas
Face externa
Face interna
Mediofrontal
2 a 8 anos
2 a 8 anos
Frontoparietal
25 a 45 anos
30 a 50 anos
Biparietal
20 a 35 anos
20 a 40 anos
Parietoccipital
25 a 50 anos
Mais de 50 anos
Temporoparietal
35 a 80 anos
30 a 65 anos
Estatura
No vivo, a estatura é obtida com o indivíduo em pé, em perfeita posição de verticalidade; no
cadáver, com uma régua especial, cujas hastes tocam no ponto mais alto da cabeça e na face inferior
do calcanhar. Porém, quando dispomos apenas dos ossos longos dos membros, podemos alcançar a
estatura baseada na tábua osteométrica de Broca ou nas tabelas de Étienne-Rollet, de Trotter e
Gleser, de Mendonça ou de Lacassagne e Martin. Basta multiplicarmos o comprimento de um dos
ossos longos pelos seus índices, para nos aproximarmos da sua altura quando vivo (Quadros 3.13 a
3.23).
Quadro 3.13 Tábua osteométrica de Broca.
Fêmur
Tíbia
Fíbula
Úmero
Rádio
Ulna
Homens
3,66
4,53
4,58
5,06
6,86
6,41
Mulheres
3,71
4,61
4,66
5,22
7,16
6,66
Quadro 3.14 Tabela de Étienne-Rollet | Comprimento dos ossos segundo as
estaturas.
Estatura (m)
Membro inferior (mm)
Membro superior (mm)
Fêmur
Tíbia
Fíbula
Úmero
Rádio
Ulna
1,52
415
334
330
298
223
233
1,54
421
338
333
302
226
237
1,56
426
343
338
307
228
240
1,58
431
348
343
311
231
244
1,60
437
352
348
315
234
248
1,62
442
357
352
319
236
252
1,64
448
361
357
324
239
255
1,66
453
366
362
328
242
259
1,68
458
369
366
331
244
261
1,70
462
373
369
335
246
264
1,72
467
376
373
338
249
266
1,74
472
380
377
342
251
269
1,76
477
383
380
345
253
271
1,78
481
386
384
348
255
273
1,80
486
390
388
352
258
276
1,40
373
299
294
271
200
214
1,42
379
304
299
275
202
217
1,44
385
309
305
278
204
219
1,46
391
314
310
281
206
221
1,48
397
319
315
285
208
224
Homens
Mulheres
1,50
403
324
320
288
211
226
1,52
409
329
325
292
213
229
1,54
415
334
330
295
215
231
1,56
420
338
334
299
217
234
1,58
424
343
339
303
219
236
1,60
429
347
343
307
222
239
1,62
434
352
348
311
224
242
1,64
439
356
352
315
226
244
1,66
444
360
357
319
228
247
1,68
448
365
361
323
230
250
1,70
453
369
365
327
232
253
1,72
458
374
370
331
235
256
Quadro 3.15 Tabela de Trotter e Gleser para homens brancos.
Úmero
(mm)
Rádio
(mm)
Ulna
(mm)
Estatura
(cm)
Fêmur
(mm)
Tíbia
(mm)
Fíbula
(mm)
Fêmur 1 Tíbia
(mm)
265
193
211
152
381
291
299
685
268
196
213
153
385
295
303
693
271
198
216
154
389
299
307
701
275
201
219
155
393
303
311
708
278
204
222
156
398
307
314
716
281
206
224
157
402
311
318
723
284
209
227
158
406
315
322
731
288
212
230
159
410
319
326
738
291
214
232
160
414
323
329
746
294
217
235
161
419
327
333
753
297
220
238
162
423
331
337
761
301
222
240
163
427
335
340
769
304
225
243
164
431
339
344
776
307
228
246
165
435
343
348
784
310
230
249
166
440
347
352
791
314
233
251
167
444
351
355
799
317
235
254
168
448
355
359
806
320
238
257
169
452
359
363
814
323
241
259
170
456
363
367
821
327
243
262
171
461
367
370
829
330
246
265
172
465
371
374
837
333
249
267
173
469
375
378
844
336
251
270
174
473
379
381
852
339
254
273
175
477
383
385
859
343
257
276
176
482
386
389
867
346
259
278
177
486
390
393
874
349
262
281
178
490
394
396
882
352
265
284
179
494
398
400
889
356
267
286
180
498
402
404
897
359
270
289
181
503
406
408
905
362
272
292
182
507
410
411
912
365
275
294
183
511
414
415
920
369
276
297
184
515
418
419
927
372
280
300
185
519
422
422
935
375
283
303
186
524
426
426
942
378
286
305
187
528
430
430
950
382
288
308
188
532
434
434
957
385
291
311
189
536
438
437
965
388
294
313
190
540
442
441
973
391
295
316
191
545
446
445
980
395
299
319
192
549
450
449
988
398
302
321
193
553
454
452
995
401
304
324
194
557
458
456
1.003
404
307
327
195
561
462
460
1.010
408
309
330
196
566
466
463
1.018
411
312
332
197
570
470
467
1.026
414
315
335
198
574
474
471
1.033
Quadro 3.16 Tabela de Trotter e Gleser para mulheres brancas.
Úmero
(mm)
Rádio
(mm)
Ulna
(mm)
Estatura
(cm)
Fêmur
(mm)
Tíbia
(mm)
Fíbula
(mm)
Fêmur 1 Tíbia
(mm)
244
179
193
140
348
271
274
624
247
182
195
141
352
274
278
632
250
184
197
142
356
277
281
639
253
186
200
143
360
281
285
646
256
188
202
144
364
284
288
653
259
190
204
145
368
288
291
660
262
192
207
146
372
291
295
668
265
194
209
147
376
295
298
675
268
196
211
148
380
298
302
682
271
198
214
149
384
302
305
689
274
201
216
150
388
305
309
696
277
203
218
151
392
309
312
704
280
205
221
152
396
312
315
711
283
207
223
153
400
315
319
718
286
209
225
154
404
319
322
725
289
211
228
155
409
322
326
732
292
213
230
156
413
326
329
740
295
215
232
157
417
329
332
747
298
217
235
158
421
333
336
754
301
220
237
159
425
336
340
761
304
222
239
160
429
340
343
768
307
224
242
161
433
343
346
776
310
226
244
162
437
346
349
783
313
228
246
163
441
350
353
790
316
230
249
164
445
353
356
797
319
232
251
165
449
357
360
804
322
234
253
166
453
360
363
812
324
236
256
167
457
364
366
819
327
239
258
168
461
367
370
826
330
241
261
169
465
371
373
833
333
243
263
170
469
374
377
840
336
245
265
171
473
377
380
847
339
247
268
172
477
381
384
855
342
249
270
173
481
384
387
862
345
251
272
174
485
388
390
869
348
253
275
175
489
391
394
876
351
255
277
176
494
395
397
883
354
258
279
177
498
398
401
891
357
260
282
178
502
402
404
898
360
262
284
179
506
405
407
905
363
264
286
180
510
409
411
912
366
266
289
181
514
412
414
919
369
268
291
182
518
415
418
927
372
270
293
183
522
419
421
934
375
272
296
184
526
422
425
941
Quadro 3.17 Tabela de Trotter e Gleser para homens negros.
Úmero
(mm)
Rádio
(mm)
Ulna
(mm)
Estatura
(cm)
Fêmur
(mm)
Tíbia
(mm)
Fíbula
(mm)
Fêmur 1 Tíbia
(mm)
276
206
223
152
387
301
303
704
279
209
226
153
391
306
308
713
282
212
229
154
396
310
312
721
285
215
232
155
401
315
317
730
288
218
235
156
406
320
321
739
291
221
238
157
410
324
326
747
294
224
242
158
415
329
330
756
297
226
245
159
420
333
335
765
300
229
248
160
425
338
339
774
303
232
251
161
430
342
344
782
306
235
254
162
434
347
349
791
310
238
257
163
439
352
353
800
313
241
260
164
444
356
358
808
316
244
263
165
449
361
362
817
319
247
266
166
453
365
367
826
322
250
269
167
458
370
371
834
325
253
272
168
463
374
376
843
328
256
275
169
468
379
381
852
331
259
278
170
472
383
385
861
334
262
281
171
477
388
390
869
337
264
284
172
482
393
394
878
340
267
287
173
487
397
399
887
343
270
291
174
491
402
403
895
346
273
294
175
496
406
408
904
349
276
297
176
501
411
413
913
352
279
300
177
506
415
417
921
356
282
303
178
510
420
422
930
359
285
306
179
515
425
426
939
362
288
309
180
520
429
431
947
365
291
312
181
525
434
435
956
368
294
315
182
529
438
440
965
371
297
318
183
534
443
445
974
374
300
321
184
539
447
449
982
377
302
324
185
544
452
454
991
380
305
327
186
548
456
458
1.000
383
308
330
187
553
461
463
1.008
386
311
333
188
558
466
467
1.017
389
314
336
189
563
470
472
1.026
392
317
340
190
567
475
476
1.034
395
320
343
191
572
479
481
1.043
398
323
346
192
577
484
486
1.052
401
326
349
193
582
488
490
1.061
405
329
352
194
586
493
495
1.069
408
332
355
195
591
498
499
1.078
411
335
358
196
596
502
504
1.087
414
337
361
197
601
507
508
1.095
417
340
364
198
605
511
513
1.104
Quadro 3.18 Tabela de Trotter e Gleser para mulheres negras.
Úmero
(mm)
Rádio
(mm)
Ulna
(mm)
Estatura
(cm)
Fêmur
(mm)
Tíbia
(mm)
Fíbula
(mm)
Fíbula 1 tíbia
(mm)
245
186
195
140
352
275
278
637
248
189
198
141
356
279
282
645
251
191
201
142
361
283
286
653
254
194
204
143
365
287
290
661
258
197
207
144
369
291
294
669
261
199
210
145
374
295
298
677
264
202
213
146
378
299
302
685
267
205
216
147
383
303
306
693
271
208
219
148
387
308
310
701
274
210
222
149
391
312
314
709
277
213
225
150
396
316
318
717
280
216
228
151
400
320
322
724
284
218
231
152
405
324
326
732
287
221
235
153
409
328
330
740
290
224
238
154
413
332
334
748
293
227
241
155
418
336
338
756
297
229
244
156
422
340
342
764
300
232
247
157
426
344
346
772
303
235
250
158
431
348
350
780
306
238
253
159
435
352
354
788
310
240
256
160
440
357
358
796
313
243
259
161
444
361
362
804
316
246
262
162
448
365
366
812
319
249
265
163
453
369
370
820
322
251
268
164
457
373
374
828
326
254
271
165
462
377
378
836
329
257
274
166
466
381
382
843
332
259
277
167
470
385
386
851
335
262
280
168
475
389
390
859
339
265
283
169
479
393
394
867
342
268
286
170
484
397
398
875
345
270
289
171
488
401
402
883
348
273
292
172
492
406
406
891
352
276
295
173
497
410
410
899
355
279
298
174
501
414
414
907
358
281
301
175
505
418
418
915
361
284
304
176
510
422
422
923
365
287
307
177
514
426
426
931
368
289
310
178
519
430
430
939
371
292
313
179
523
434
434
947
374
295
316
180
527
438
438
955
378
298
319
181
532
442
442
963
381
300
322
182
536
446
446
970
384
303
325
183
541
450
450
978
387
306
328
184
545
454
454
986
Quadro 3.19 Tabela de Lacassagne e Martin.
Fêmur
Tíbia
Fíbula
Úmero
Rádio
Ulna
Homens
3,66
4,53
4,58
5,06
6,86
6,41
Mulheres
3,71
4,61
4,66
5,22
7,16
6,66
Estatura 5 comprimento do osso 3 uma constante.
Quadro 3.20 Tabela de Mendonça – sexo masculino.
Úmero
Fêmur
Comprimento total Estatura média Comprimento
(mm)
(cm)
fisiológico (mm)
Comprimento
perpendicular (mm)
277
150
386
388
280
151
390
392
283
152
394
396
286
153
397
399
289
154
401
403
292
155
405
407
295
156
409
411
299
157
412
414
302
158
416
418
305
159
420
422
308
160
424
426
311
161
427
429
314
162
431
433
317
163
435
437
320
164
439
441
323
165
442
445
326
166
446
448
329
167
450
452
332
168
454
456
335
169
457
460
338
170
461
463
341
171
465
467
344
172
469
471
347
173
472
475
351
174
476
478
354
175
480
482
357
176
484
486
360
177
487
490
363
178
491
493
366
179
495
497
369
180
499
501
372
181
503
505
375
182
506
509
378
183
510
512
381
184
514
516
384
185
518
520
387
186
521
524
390
187
525
527
393
188
529
531
396
189
533
535
399
190
536
539
Quadro 3.21 Tabela de Mendonça – sexo feminino.
Úmero
Fêmur
Comprimento total Estatura média Comprimento
(mm)
(cm)
fisiológico (mm)
Comprimento
perpendicular (mm)
247
140
347
348
250
141
352
352
254
142
356
357
257
143
360
361
260
144
364
365
263
145
368
369
267
146
372
374
270
147
376
378
273
148
380
382
276
149
385
386
280
150
389
391
283
151
393
395
286
152
397
399
290
153
401
403
293
154
405
408
296
155
409
412
299
156
413
416
303
157
418
420
306
158
422
425
309
159
426
429
312
160
430
433
316
161
434
437
319
162
438
441
322
163
442
446
325
164
446
450
329
165
450
454
332
166
455
458
335
167
459
463
338
168
463
467
342
169
467
471
345
170
471
475
348
171
475
480
352
172
479
484
355
173
483
488
358
174
488
492
361
175
492
497
365
176
496
501
368
177
500
505
371
178
504
509
374
179
508
514
378
180
512
518
Fonte: In Mendonça MC, Determinação da estatura pelo comprimento dos ossos
longos, Porto: Tese, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, 1999.
Quadro 3.22 Fórmulas de regressão de Trotter e Gleser.
Homens brancos
Homens negros
1,30 (FEM 1 TIB)
1 63,29 6 2,99 1,15 (FEM 1 TIB)
1 71,04
6 3,53
2,38 FEM
1 61,41 6 3,7
2,19 TIB
1 86,02
6 3,78
2,68 FIB
1 71,78 6 3,29 2,11 TIB
1 70,35
6 3,94
2,52 TIB
1 78,62 6 3,37 2,19 FIB
1 85,65
6 4,08
3,08 UME
1 70,45 6 4,05 3,42 RAD
1 81,56
6 4,30
3,78 RAD
1 79,01 6 4,32 3,26 ULN
1 79,29
6 4,42
3,70 ULN
1 74,05 6 4,32 3,26 UME
1 62,10
6 4,43
Mulheres brancas
Mulheres negras
1,39 (FEM 1 TIB)
1 53,20 6 3,55 1,26 (FEM 1 TIB)
1 59,72
6 3,28
2,93 FIB
1 59,61 6 3,57 2,28 FEM
1 59,76
6 3,41
2,90 TIB
1 61,53 6 3,66 2,45 TIB
1 72,65
6 3,70
2,47 FEM
1 54,10 6 3,72 2,49 FIB
1 70,90
6 3,80
4,74 RAD
1 54,93 6 4,24 3,08 UME
1 64,67
6 4,25
4,27 ULN
1 57,76 6 4,30 3,67 RAD
1 71,79
6 4,59
3,36 UME
1 57,97 6 4,45 3,31 ULN
1 75,38
6 4,83
Homens amarelos
Homens mexicanos
1,22 (FEM 1 TIB)
1 70,37 6 3,24 ************************ ****************
2,40 FIB
1 80,56 6 3,24 2,44 FEM
1 58,67
6 2,99
2,39 TIB
1 81,45 6 3,27 2,50 FIB
1 75,44
6 3,52
2,15 FEM
1 72,57 6 3,80 2,36 TIB
1 80,62
6 3,73
2,68 UME
1 83,19 6 4,25 3,55 RAD
1 80,71
6 4,04
3,54 RAD
1 82,00 6 4,60 3,56 ULN
1 74,56
6 4,05
3,48 ULN
1 77,45 6 4,66 2,92 UME
1 73,94
6 4,24
FEM 5 fêmur; TIB 5 tíbia; FIB 5 fíbula; UME 5 úmero; RAD 5 rádio; ULN 5 ulna.
Quadro 3.23 Fórmulas de regressão de Mendonça.
Sexo feminino
EST 5 [64,26 1 0,3065 CTU] +/2 7,70
EST 5 [55,63 1 0,2428 CFF] +/2 5,92
EST 5 [57,86 1 0,2359 CPF] +/2 5,96
Sexo masculino
EST 5 [59,41 1 0,3269 CTU] +/2 8,44
EST 5 [47,18 1 0,2663 CFF] +/2 6,90
EST 5 [46,89 1 0,2657 CPF] +/2 6,96
EST 5 estatura que pretendamos estimar (cm); CTU 5 comprimento total do úmero
(mm); CFF 5 comprimento fisiológico do fêmur (mm); CPF 5 comprimento perpendicular
do fêmur (mm).
Como se vê, estamos até agora utilizando em nosso país tabelas osteométricas para a obtenção da
estimativa da estatura a partir de padrões europeus e norte-americanos e sempre com base no
comprimento dos ossos longos.
Recentemente, Berto Freire (in Estatura: Dado Fundamental em Antropologia Forense, Tese de
Mestrado – UNICAMP, Odontologia, 2000) estudou a possibilidade da obtenção desta estimativa a
partir do comprimento do úmero, rádio, fêmur e tíbia.
Verificou que:
“1. Existe correlação positiva entre as variáveis estudadas, isto é, com o aumento do
comprimento dos ossos existe uma tendência de aumento na estatura, tanto para o sexo masculino
quanto para o sexo feminino:
Sexo
Úmero
Rádio
Fêmur
Tíbia
Masculino
r = 5 0,4732
r = 5 0,5358
r = 5 0,7524
r = 5 0,7011
Feminino
r = 5 0,5993
r = 5 0,6057
r = 5 0,6823
r = 5 0,5734
2. Os modelos ajustados para a obtenção da estimativa da idade foram respectivamente:
• Sexo masculino:
ο Úmero: Estatura 5 123,03 + 0,1606 U r2 5 0,2239
ο Rádio: Estatura 5 108,31 + 0,2417 R r2 5 0,3487
ο Fêmur: Estatura 5 77,67 + 0,2019 F r2 5 0,5662
ο Tíbia: Estatura 5 102,62 + 0,1807 T r2 5 0,4916
• Sexo feminino:
ο Úmero: Estatura 5 91,22 + 0,2495 U r2 5 0,3592
ο Rádio: Estatura 5 101,61 + 0,2549 R r2 5 0,3669
ο Fêmur: Estatura 5 62,89 + 0,2385 F r2 5 0,4656
ο Tíbia: Estatura 5 94,03 + 0,2001 T r2 5 0,3288
Para a avaliação dos modelos ajustados, foi calculado o coeficiente de determinação (r2) em
relação a cada osso e para os sexos masculino e feminino:
Sexo
Úmero
Rádio
Fêmur
Tíbia
Masculino
r2 5 0,2239
r2 5 0,2871
r2 5 0,5662
r2 5 0,4916
Feminino
r2 5 0,3592
r2 5 0,3669
r2 5 0,4656
r2 5 0,3288
Foi constatado que os ossos fêmur e tíbia, respectivamente, são mais importantes nos cálculos
para o estabelecimento da estatura, fato já citado nas pesquisas de Mendonça (1999). Trotter e
Gleser (1971) também fizeram esta inferência a respeito destes ossos. Já os estudos de Krogman e
Iscan (1986) referem a maior importância ao fêmur quando se estudam as raças branca e amarela, e a
tíbia quando se estuda a raça negra. Conforme relatado, na presente pesquisa, os ossos que
conferiram maior assertividade aos cálculos da estatura foram o fêmur e a tíbia, com uma pequena
margem de prevalência para o fêmur. Quando na ausência dos ossos dos membros inferiores, pode-se
apelar para os ossos do membro superior, porém com uma maior margem de erro.
Identificados os sexos, por meio de estudos também nos ossos longos, pode-se perceber que, na
análise de ossos femininos, as medidas dos ossos dos membros superiores são bem mais
significativas, ou seja, conferem mais assertividade à busca da estatura que a mesma busca quando se
está examinando ossos masculinos dos mesmos membros.”
Recomendações. Enfatiza ainda o autor: “Esta pesquisa foi realizada utilizando-se
amostra de cadáveres frescos, o que permitiu, portanto, estabelecer-se a estatura previamente. O
cálculo da estimativa da estatura no indivíduo vivo pode ser feito através de medidas no cadáver,
sabendo-se que existe uma diferença de aproximadamente dois centímetros. Desde Manouvrier, em
1892, é reconhecida a diferença entre a estatura no indivíduo vivo e no cadáver. Levando-se em
consideração os estudos de Trotter e Gleser, de 1952, a diferença seria de 2,5 centímetros, devendose tal diferença ao achatamento dos discos intervertebrais na posição bípede no vivo, o que, no
cadáver, não acontece.
Quando o perito examinar ossadas humanas, deve levar em consideração que os ossos secos são
menores que os ossos frescos em cerca de 3 milímetros, fato já estabelecido há cerca de cem anos.
Ao examinar esqueletos, o perito deve acrescer de 4 a 6 centímetros na estatura, devido à espessura
do couro cabeludo, aos discos intervertebrais, à espessura das cartilagens e das solas dos pés, fatos
já citados por Arbenz, em 1988.
As medidas dos ossos foram realizadas na posição anatômica por se entender que, assim sendo
feitas, as correlações entre estatura e ossos longos seriam estabelecidas com maior segurança.
Quanto às medidas realizadas no fêmur, levou-se em consideração o chamado comprimento
fisiológico, oblíquo ou bicondiliano, pois as medidas foram realizadas no cadáver sem a retirada do
osso do seu locus anatômico. A medida, que também pode ser realizada pelo comprimento
perpendicular máximo, não foi realizada, pois implicaria a retirada do osso e não mudaria o
referencial, fato já comprovado por Mendonça, em 1999.”
Sinais individuais
Há certos sinais particulares que, mesmo não identificando uma pessoa, servem para excluí-la.
Desta forma, todo e qualquer sinal apresentado por alguém é útil para ajudar na busca de sua
identificação. As unhas roídas, por exemplo, serviram de primeiros indícios para que Hoffmann
chegasse à identidade de uma das vítimas do incêndio do Ring Theatre de Viena.
O nevo, as manchas, as verrugas, enfim, todo e qualquer sinal individual influi intensamente nas
medidas iniciais para uma identificação.
Malformações
São características relevantes em um processo de identificação quando se lhe faltam outros
requisitos de maior valia.
O lábio leporino, o genus valgus, o genus varus, o pé torto, a consolidação viciosa de uma
fratura, uma mama supranumerária, um desvio de coluna, a polidactilia, a sindactilia, entre outros,
são usados como meios acessórios de uma identificação (Figuras 3.12 a 3.16).
Figura 3.12 Consolidação óssea viciosa.
Figura 3.13 Malformação congênita (ectrodactilia).
Figura 3.14 Malformação congênita (sindactilia).
Figura 3.15 Mama supranumerária no abdome.
Figura 3.16 Malformação adquirida.
Figura 3.17 Tatuagem. Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte.
Figura 3.18 Tatuagem no dente. Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no
Encarte.
Um dos casos mais célebres de identificação médico-legal, entre nós, é o de Castro Malta,
acontecido no Rio de Janeiro, em 1885. O reconhecimento se deveu à existência de um calo de
fratura no úmero direito e pela presença de um genus valgus duplo.
Sinais profissionais
São estigmas deixados pela constância de um tipo de trabalho, por exemplo, a calosidade dos
sapateiros e alfaiates, as alterações das unhas dos fotógrafos e tipógrafos e o calo dos lábios dos
sopradores de vidro e dos trompetistas.
Biotipo
Modernamente, a biotipologia não apresenta mais o interesse que se dava há alguns anos à
antropometria. Hoje, só para a psiquiatria é que ela tem marcado relevo.
Tatuagem
Afirma-se que essa expressão é derivada de To-Tau ou To-Tatu que, no polinésio, significa
desenho.
As tatuagens são feitas através de perfurações com agulhas, escarificação ou incisão com o fito
de infiltrar, na derme, substâncias corantes e deixar gravado um desenho desejado (Figuras 3.17 a
3.19).
Figura 3.19 Tatuagem.
Tão ingente é o seu valor médico-legal que Lacassagne chamou-as “cicatrizes que falam”.
Sua importância é ainda maior porque parte delas é encontrada naqueles que levam vida ociosa e
marginalizada e nos criminosos reincidentes, embora, em nosso meio, a fina flor da sociedade já
pratique a tatuagem por “charme” ou “modismo”.
A motivação da escolha do desenho pode ser a mais variada. Ipso facto, elas se classificam em:
amorosas, políticas, profissionais, históricas, afetivas, religiosas, patrióticas, belicosas, imorais,
atípicas e acidentais.
Cicatrizes
São caracteres valiosos para ajudar uma identificação individual. Devem ser estudadas quanto à
forma, região, dimensões, colorido, resistência e mobilidade (Figura 3.20).
Têm interesse não apenas quanto à identificação, mas também no que se refere a fatos ocorridos
anteriormente.
Essas cicatrizes podem ser traumáticas, por ação de agentes mecânicos, por queimaduras ou por
ação de cáusticos; patológicas, como as da vacina ou da varíola; e, finalmente, cirúrgicas.
Identificação pelos dentes
A identificação pela arcada dentária é algo relevante, principalmente em se tratando de
carbonizados ou esqueletizados. Para tanto, é preciso dispor de uma ficha dentária anterior fornecida
pelo dentista da vítima. Essa ficha é a peça mais importante para a identificação de desconhecidos ou
vítimas de catástrofes de qualquer espécie. Seria muito interessante que ela fosse adotada em caráter
obrigatório.
Destarte, a posição e as características de cada dente, seja ele temporário ou permanente, as
cáries em sua precisa localização, a ausência recente ou antiga de uma ou várias peças, os restos
radiculares, a colocação de uma prótese ou de um aparelho ortodôntico, os detalhes de cada
restauração, a condição dos dentes no que diz respeito a cor, erosão, limpeza e malformações, tudo é
importante no processo de uma identificação (Figura 3.21).
Esse processo é também conhecido como Sistema Odontológico de Amoedo, que tem como
estratégia o levantamento completo do arco dentário e os assinalamentos de cada peça dentária,
formando um conjunto individualizador.
Essa técnica, entre nós, foi há muito desenvolvida pelo Prof. Luiz Silva, de São Paulo, e contribui
grandemente para a identificação daqueles casos em que os outros meios revelam-se ineficazes.
Entre as alterações dentárias significativas para registro em uma identificação, destacam-se as
alterações adquiridas pelos agentes mecânicos, químicos, físicos e biológicos. Entre eles, figuram os
desgastes dos dentes dos fumadores de cachimbo.
Importantes, também, no tocante à identificação, são as mutilações que compreendem extrações,
fraturas, cortes, limagens e incrustações.
Há de se registrar a real contribuição para a identificação humana de que se revestem as
alterações dentárias profissionais, quando elas são anotadas no primeiro registro, ou seja, na ficha do
dentista. Essas alterações referem-se a determinados estigmas que se traduzem pela longa repetição
de certos hábitos de trabalho, como, por exemplo, nos sopradores de vidro.
O mesmo se diga da importância das alterações motivadas pelos hábitos comuns, como o
desgaste dos fumadores de cachimbo, dos rangedores de dentes e dos onicófagos, e o escurecimento
dos dentes nos fumantes.
Outras alterações, como a abrasão dos dentes pelos aparelhos protéticos, as cimentoses, as
fendas, as fraturas dentárias e as luxações, devem igualmente ser anotadas.
O sistema de anotações mais moderno é o adotado pela Federação Dentária Internacional. Os
dentes permanentes são numerados de 11 a 18 no maxilar superior direito, de 21 a 28 no maxilar
superior esquerdo, de 31 a 38 no maxilar inferior esquerdo e de 41 a 48 no maxilar inferior direito,
conforme disposição adotada no esquema odontolegal do DML da Paraíba. Os dentes temporários
também podem ser anotados, assim como as anomalias e as alterações encontradas (ver modelo nos
esquemas do Capítulo 2).
Figura 3.20 Cicatrizes.
Figura 3.21 Disposição e formato das próteses. (Sousa Lima – IML/MG.)
No entanto, esse método de identificação apresenta alguns inconvenientes, tais como: dificuldade
de classificação e arquivamento das fichas, mutabilidade das peças dentárias por processos naturais
ou patológicos ou por desgastes, e dificuldade de manter uma rotina obrigatória de registro dos
dentes ausentes ou presentes, juntamente com suas possíveis características anatômicas ou
restauradoras pelos dentistas, além de não se apresentar como um método de execução muito prática.
Em suma, a identificação pelos dentes, levando em conta os requisitos de um bom método, no que diz
respeito a cada uma das peças dentárias não seria esse bom método. No entanto, no seu conjunto de
caracteres, pode-se dizer que satisfaz, principalmente diante de certas circunstâncias. Pode-se dizer
que a arcada dentária é a “caixa preta” do nosso corpo.
Outro elemento muito significativo nesse estudo é a valorização do conjunto dos dentes,
caracterizado pelo que se chama de arcos dentários (superior e inferior). São elementos importantes
na identificação de vítimas ou autores, nas lesões apresentadas por “dentadas”.
Qualquer que seja a forma apresentada por um arco dentário, sua curva representativa é sempre
de elipse. Só excepcionalmente esses arcos podem apresentar a forma parabólica ou de elipse
alongada. As formas em V ou U são mais raras ainda.
As dimensões dos arcos variam, tanto na largura como no comprimento, e são motivadas por
fatores craniofaciais (aumento da base do crânio, redução da face etc.), maxilares (volume das
maxilas, distância intercondiliana etc.) e dentários (redução do volume dos molares, regressão do
último dente etc.). Com o aparecimento dos molares, o comprimento do arco vai aumentando. Levase em conta ainda que esse comprimento varia em função do biotipo do indivíduo, sendo os arcos
dentários estreitos nos longilíneos (dolícove), alargados nos brevilíneos (euríove) e intermediários
nos normolíneos (mésove). A forma da face tem um valor muito grande na forma e nas dimensões dos
arcos. Assim, os leptoprosópios (face estreita e longa) têm arcos alongados e estreitos e os
euriprosópios (face larga e baixa) têm arcos curtos e largos.
A diferença entre o arco superior e o inferior é feita através do estudo da oclusão, que é o estado
em que se encontram os dentes quando os maxilares superior e inferior estão fechados. O raio de
curvatura do arco superior é maior do que o do inferior. Outros elementos considerados são os
pontos incisivos (superior e inferior) e a relação de inclinação dos molares. Em geral, segundo
Arbenz, o ponto incisivo superior está situado em plano inferior e anterior ao ponto incisivo inferior.
O aparecimento do segundo molar e a substituição pelos permanentes determinam a inclinação final
dos incisivos (in Medicina Legal e Antropologia Forense, Rio: Livraria Atheneu, 1988).
No entanto, o que tem interesse médico-legal não é o aspecto teórico ou geométrico dos arcos
dentários, mas o registro deixado pelas impressões dentárias. Assim, não é difícil a identificação de
um indivíduo por meio das impressões dentárias deixadas no corpo da vítima ou mesmo no do
agressor. Nesse particular, além do estudo dos arcos dentários, devem-se levar em conta as marcas
da mordida no que diz respeito ao número, posição, forma e dimensões das peças dentárias, além de
suas presenças ou ausências, da regularidade na disposição dos dentes, da modificação do eixo
dentário e dos problemas de oclusão.
Palatoscopia
Palatoscopia ou rugoscopia palatina é o processo pelo qual pode-se obter a identificação
humana, inspecionando as pregas palatinas transversas encontradas na abóbada da boca. Consiste na
reprodução que a impressão deixa nas saliências existentes no palato, que são facetas imutáveis.
A impressão palatina é feita na ficha palatoscópica com o uso de material plastiforme, que,
aderindo extensamente a toda a mucosa palatina, emite vestígios registrados nas respectivas fichas.
O palato, ou face superior da abóbada bucal, é revestido por uma mucosa muito delicada, que
produz rugosidades em face do relevo da superfície óssea dos maxilares superiores. Na linha média
existe, a partir do espaço entre os incisivos centrais, um rafê saliente que percorre toda a abóbada
bucal. Para um lado e outro desse rafê, existe uma série de cristas, simples ou ramificadas, de formas
mais variadas, chamadas dobras palatinas. De acordo com a disposição dessas rugas, chamadas
inicial, complementar, subinicial ou subcomplementar, recebem elas a designação de números e
letras e, depois de impressas em material próprio, de acordo com cada fórmula, terão seu destino em
fichas para arquivamento.
Luiz Silva, na obra Ficha Rugoscópica Palatina, Brasil Odonto, 1938; 14: 307-16) apresenta
uma classificação que distingue estas rugas em formas simples (retas, curvas, angulosas, circulares,
onduladas e puntiformes) e formas complexas.
Queiloscopia
Na identificação humana, em situações muito especiais, podem-se utilizar os sulcos da estrutura
anatômica dos lábios, através de suas impressões quando os lábios estão com pintura ou batom
comum (impressões visíveis) ou por meio de impressões deixadas pelos lábios cobertos apenas pela
saliva (impressões latentes).
O método de identificação pelas impressões labiais foi idealizado pelo norte-americano
Lemoyne Snyder e aperfeiçoado pelo brasileiro Martin Santos, cuja comunicação foi feita em 1966,
durante o IV Congresso Internacional de Medicina Forense, em Copenhague. Sua classificação divide
os sulcos em simples (os que têm um só elemento em sua forma) e compostos (os que se constituem
de duas ou mais formas distintas). Dessa forma: sulcos labiais simples (linhas labiais retas, curvas,
angulares e sinuosas) e sulcos labiais compostos (linhas bifurcadas, trifurcadas, anômalas).
Outra classificação sempre referida e usada é a de Suzuki e Tsuchihashi, que se baseia em seis
elementos principais de acordo com a forma e o curso dos sulcos na impressão labial. Dividem-se
em: tipo I (linhas verticais completas); tipo IA (linhas verticais incompletas, retas e sem cobrir todo
o lábio); tipo II (linhas ramificadas ou bifurcadas, com sulcos que se bifurcam em seu trajeto); tipo
III (linhas entrecruzadas que se cortam em forma de “x”); tipo IV (linhas reticuladas que se
entrecruzam de forma reticular); tipo V (linhas em outras formas e que não estão nas disposições
anteriores). Para as devidas anotações, a impressão labial é dividida em quadrantes formados por
uma linha horizontal que passa na comissura labial e outra perpendicular que divide o lábio ao meio
em esquerdo e direito. Assim, a impressão ficará constituída por quatro quadrantes (dois superiores
e dois inferiores), e as anotações serão feitas utilizando-se o mesmo sistema usado na fórmula
dentária.
Mesmo não sendo um sistema comum e prático a ser usado na identificação humana, pelas
dificuldades de classificação e pelas modificações que essas impressões sofrem no passar do tempo
com a idade das pessoas, ele pode tornar-se útil quando no confronto recente de impressões deixadas
em objetos ou pertences, como copos, taças, vasos, ou em pontas de cigarro e guardanapos de papel
com marcas de batom, ou ainda em almofadas ou similares usados em casos de sufocação. Seu
emprego, portanto, é mais significativo na investigação criminal, pois como método de identificação
padronizado necessitaria de um arquivo prévio e de uma metodologia de classificação para futuras
comparações a partir de fichas labiais em um grande número de pessoas.
Mesmo que o desenho dessas impressões seja imutável, deve-se considerar que o envelhecimento
das pessoas leva a sensíveis modificações dos lábios pela diminuição da massa muscular,
principalmente a do lábio superior, levando a um apagamento progressivo das pregas labiais.
O estudo comparativo entre o método queiloscópico e o dactiloscópico mostra ser o primeiro
mais complexo porque não conta com um sistema único e universal de classificação e porque não se
define quanto a um número de impressões coincidentes para se determinar uma identidade.
Os lisocromos e os reagentes fluorescentes são os mais usados para a revelação das impressões
labiais latentes em um número muito variado de superfícies, exceto para a pele, por exemplo, devido
a sua identidade com os elementos orgânicos que produzem tais impresses e por não se conservarem
por muito tempo.
Fato relevante ainda é que se pode, através das impressões queiloscópicas, colher material
representado por células epiteliais encontradas nelas para exame em DNA, desde que tal coleta seja
anterior ao uso dos meios e reativos de revelação. Outro fato é considerar que, com a ajuda da
informática, podem surgir oportunidades para a criação de bancos de dados que ofereçam, de forma
rápida e eficaz, dados de significativa importância ou ainda se identificar determinadas substâncias
nessas impressões (impressões químicas).
Em suma, a aplicação da queiloscopia como meio de identificação humana ainda é um estudo em
fase de avaliação para se definir claramente um protocolo de procedimentos confiável, cuja prática
metodológica seja eficiente em todas as suas fases. O obstáculo mais desafiador para sua inserção
como método de qualidade no campo da identificação humana é, sem dúvida, elaborar uma
classificação universal como parte de sua devida e necessária operabilidade, principalmente no que
diz respeito à coleta de impressões labiais em bases de dados.
Identificação por superposição de imagens
Também conhecido por método de Piacentino ou craniofotocomparativo, consiste na
identificação individual por demonstração fotográfica, utilizando-se a superposição de negativos de
fotos do indivíduo tiradas em vida sobre as do esqueleto do crânio. Não é um método de grande
segurança. É usado quando falharem os mais significativos.
Fundamenta-se em encontrar perfeita correspondência dos vários pontos ósseos e das partes
moles da face, principalmente na fronte, no nariz, no mento e nas órbitas, cotejados em fotografias de
frente e três quartos perfil. Os pontos mais importantes para a presumível identificação devem ser:
arcadas orbitárias espinha nasal, meato acústico externo, ângulo nasofrontal, dentes incisivos,
prognatismo, forma do nariz e bordas alveolares (Figuras 3.22 e 3.23).
Identificação pelo pavilhão auricular
O pavilhão auricular apresenta características individuais que persistem pela vida inteira e, por
isso, na ausência de outros elementos mais significativos, pode constituir um conjunto valioso na
identificação humana. Este órgão é formado de um elenco de características como elevações,
depressões, sulcos, fossetas, pregas e contornos, de dimensões variadas, formando partes anatômicas
definidas como hélix, antélice, concha acústica, trágus, antetrágus, lóbulo, meato acústico externo e
fossa triangular (ver Figura 2.10).
Figura 3.22 Identificação por superposição de imagens (coincidências). (Laboratório
de Antropologia Forense, IML/DF.)
Esse processo é um avanço do método otométrico de Frigério, o qual não teve uma aplicação
prática mais razoável.
Os elementos mais importantes para se alcançar uma identidade são o contorno posterior e o
superior, a forma da concha, a separação em relação ao plano lateral da cabeça e as suas dimensões,
alterações e deformações.
A técnica para a identificação deve basear-se na ampliação de fotografias, em uma mesma
escala, do pavilhão auricular anteriormente registrado do indivíduo e o do agora estudado, ou pela
montagem de transparências raiadas em milímetros e em uma mesma escala, onde serão anotadas e
analisadas as partes principais das coincidências. A identidade tem de ser perfeita em todos os seus
detalhes.
Dessa forma, pode-se deduzir que esse método, na ausência de outro mais específico, mesmo que
não apresente a exemplo das impressões digitais uma suficiente quantidade de detalhes pode, através
de seu formato, tamanho, curvaturas e inflexões, oportunizar a formação de padrões diferenciados
bem apreciáveis. Ter em conta ainda que as impressões da orelha esquerda são diferentes da orelha
direita e que esse método tem como inconveniente a dificuldade da formação de um banco de dados
pela inexistência de uma classificação.
Figura 3.23 Identificação por superposição de imagens (não coincidências).
(Laboratório de Antropologia Forense, IML/DF.)
Identificação por radiografias
Outro meio de identificação a ser utilizado, quando não se conta com opções mais confiáveis, é a
comparação de radiografias antigas com as obtidas do indivíduo questionado. As mais
frequentemente usadas são as radiografias do crânio, da face, dos ossos longos e dos dentes. O tempo
decorrido entre uma e outra não tem muita importância.
Entre essas comparações, as que se prestam melhor a uma identificação são as radiografias da
face em que possam ser analisados os seios frontais e maxilares, quando são observados seus
contornos de figuras geométricas variadas, as quais venham a se superpor precisamente em uma
identidade. No crânio é muito importante o estudo das marcas vasculares correspondentes à
ramificação da artéria meníngea média. Outros elementos importantes nesse estudo radiográfico são
as presenças de próteses, as malformações, as placas metálicas e as consolidações viciosas. Por fim,
a identificação pode ser possível por radiografias dentárias, desde que se tenham os padrões
anteriormente registrados e eles sejam bem evidentes na confrontação das características
identificadoras (Figura 3.24).
Figura 3.24 Radiografia em vida e radiografia após a morte com as respectivas
coincidências: restaurações, obturação endodôntica, formato das raízes e contorno do
assoalho do seio maxilar. (Laboratório de Antropologia Forense, IML/DF.)
Superposição craniofacial por vídeo
Este método tem uso relativamente recente entre nós e se baseia na superposição de fotografias
ampliadas e radiografias do crânio, cuja expectativa é identificar uma pessoa pela coincidência dos
elementos antropológicos daquele segmento.
Sua técnica, em síntese, é simples. Basta o uso adequado do computador e seu ajuste no vídeo,
para se ter ou não uma probabilidade de identificação, inclusive permitindo uma exibição rotativa
das regiões analisadas, em uma angulação de 360°.
Seus resultados têm sido animadores para alguns autores. Todavia, recomendamos a utilização
desse método com certa reserva, principalmente quando não se conta com outros elementos mais
conclusivos para uma identificação médico-legal (Figura 3.25).
Cadastro de registro de artroplastias
O registro obrigatório da prática de artroplastia (cirurgia que consiste na substituição de uma
articulação seriamente lesada por um espaçador articulado), em nível nacional, seria de grande valia
e um importante subsídio nas questões da identificação humana, principalmente pela segurança,
rapidez e simplicidade que este processo oferece em algumas situações como, por exemplo, grandes
catástrofes. Durão, CH; Miguel, M; Dupico, Carlos; Pinto Rui; Cabral Trigo; e Vieira, DN in
(
Importância do Registro Português de Artroplastia e identificação por material de osteossíntese,
Revista da Sociedade Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia, Vol. 18, Ano 2010, p. 7) relatam
essa premissa.
Além do registro identificador destas peças, deve-se levar em conta ainda que alguns dos
componentes das próteses, feitas de titânio ou ligas de aço, apresentam grande resistência a
temperaturas bem altas (por vezes até acima de 1.000°C) e a traumas.
O valor deste registro, devidamente identificado com nome do paciente, características do
material, nome ou logotipo do fabricante e numeração em série, permite a conclusão de que cada
prótese terá um único portador.
Sendo assim, um cadastro nacional de registro, a partir de uma base de dados de cirurgias
artroplásticas, por ser um dos procedimentos ortopédicos cada vez mais utilizados na ortopedia, com
certeza, poderá trazer inúmeros benefícios para a área da antropologia forense.
Figura 3.25 Reconstituição craniana. (Laboratório de Antropologia Forense, IML/DF.)
No entanto, o total êxito desse sistema só seria possível caso fosse elaborada uma lei que
tornasse compulsória, em todo território nacional, a obrigatoriedade de a empresa fabricante de
próteses acrescentar em um cadastro nacional o número em série de tais peças e as demais
informações pessoais acrescidas nos serviços médicos especializados que as utilizaram. Estes
serviços médicos, por sua vez, complementariam as devidas informações e as remeteriam
mensalmente ao Ministério da Saúde. Dessa maneira, a consulta às bases de dados de tal registro no
arquivo central do Ministério da Saúde possibilitaria a identificação em casos de catástrofes ou de
corpos de indivíduos não identificados.
Identificação pelo registro da voz
Kersta, a partir de 1962, começou a desenvolver um método eletroacústico capaz de identificar a
voz humana utilizando um sonógrafo; esse processo baseia-se nas particularidades da voz de cada
indivíduo.
Esse método tinha como base o registro das vibrações da voz emitidas por meio de um microfone
em um tambor de anotações. O estudo seria feito pela gravação do sonograma da voz com a do
indivíduo questionado.
Mesmo que alguns recusem este tipo de prova, o fato é que a cada dia mais esses métodos se
aperfeiçoam, a ponto de se falar inclusive em uma “fonética forense”.
O fundamento da prova está na comparação do registro da frequência da voz, pois nela se
encontram, entre outros, o número de vibrações por segundo e a excursão máxima e mínima da onda,
desde a posição de repouso, a partir da comparação de palavras idênticas. Quando ambos os
oscilogramas coincidem, diz-se que há identificação do indivíduo estudado. Tudo se baseia no fato
de que cada pessoa tem vibrações de cordas vocais próprias e idênticas, mesmo quando tenta
dissimular sua voz ou simular a voz alheia.
Todavia, deve-se ter em conta que existem diferenças fonéticas nas pessoas destituídas dos
dentes incisivos superiores quando a produção articulatória é feita com ou sem a prótese dentária,
principalmente nos espectrogramas dos sons |s| e |z|, produzidos pelas lufadas de ar quando sem o uso
da prótese.
Impressão digital genética do DNA
A Medicina Legal também beneficiou-se com o avanço indiscutível que se verifica em torno do
estudo do genoma humano e, por isso, tem-se observado uma acentuada evolução no campo da
identidade, tanto nas questões da identificação civil como nas da identificação criminal. Amplia-se
assim essa importante área da Hemogenética Médico-legal.
Além das perícias de investigação do vínculo genético da paternidade, abriu-se um novo campo
na Criminalística, em que a análise de vestígios humanos pode trazer grande contribuição ao
interesse pericial, pelo uso dos marcadores genéticos e da aplicação do polimorfismo do DNA.
Neste sentido, manchas de sangue, de sêmen, pelos, saliva e partes cadavéricas podem ser
objetos de identificação de indivíduos, para quem as técnicas mais tradicionais mostravam-se
precárias e inconclusivas.
Em nosso país, poucas vezes se têm utilizado aquelas técnicas no interesse criminal, certamente
por motivos financeiros. O mesmo não se verifica no trato das perícias privadas de investigação da
paternidade e maternidade, em que os especialistas estão mais concentrados e mais empenhados.
Sob o ponto de vista operacional, a dificuldade de tal metodologia nas questões criminais não
está apenas na ampliação dos exames, mas na padronização e no eventual encontro de dados que
venha a facilitar uma imediata confrontação. Já não se levam em conta as dificuldades das
minúsculas amostras, das amostras degradadas e do tempo de que se necessita para a obtenção dos
resultados.
Mesmo que a prática indique cada vez mais uma elevada taxa de segurança na comprovação dos
resultados em que se empregou a técnica em DNA, essas provas deverão ser analisadas e avaliadas
no conjunto de outros elementos probantes, quando se tiver de tomar uma decisão mais séria. A
observação tem demonstrado que, cada dia que passa, os tribunais acreditam mais no resultado do
polimorfismo do DNA em questões forenses, mas sem terem ainda uma ideia muito precisa de sua
metodologia e de seus fundamentos.
Qualquer que seja o ponto de vista de um ou outro analista, a prova em DNA não está ainda
cientificamente consolidada e reconhecida como de inquestionável valor probatório, restando apenas
à sua justa aplicação a credibilidade do laboratório e os seus imperativos éticos.
Assim, por exemplo, toda e qualquer amostra para prova deve ser utilizada de acordo com as
determinações da nossa legislação processual. Se a prova é obtida por meios ilícitos ou ilegais, isso
pode comprometer o princípio da privacidade constitucional. É claro que para se realizar o exame de
certos vestígios para fins de direito criminal, nem sempre é possível obter-se uma permissão, nem
isso iria constituir invasão da liberdade e da intimidade da pessoa.
Outro fato discutível é a conservação da amostra ou dos dados de pessoas indiciadas para se
criarem os bancos de informação. Alguns defendem que as amostras obtidas nos locais do crime ou
retiradas de indivíduos suspeitos possam ter um determinado tempo de guarda estabelecido em lei.
Embora não se tenha registro entre nós de uma determinação judicial que exija a destruição das
amostras, isso pode ensejar medidas naquela direção. Tal omissão poderá levar sem dúvida à
criação clandestina de bancos de dados de DNA, inicialmente para indivíduos punidos em certos
crimes violentos e, depois, com certeza, para toda a população. Tal conduta, é claro, redundará na
invasão da privacidade das pessoas. Mesmo havendo o cuidado no uso da informação genética, seria
difícil manter-se a confidencialidade das redes informáticas e o uso indevido das informações.
Também não se pode esquecer que a credibilidade dos laboratórios e dos serviços encarregados
das provas em DNA deve ser analisada com muito cuidado. Esse controle de qualidade tem de ser
rigorosamente exigido, para que não se venha credenciar todo e qualquer serviço na confecção de
uma prova tão delicada. Levando-se em conta a precariedade dos serviços médico-legais em nosso
país, podemos até admitir o nível de dificuldades na execução dessas provas.
Por fim, não se deve esquecer que na prova em DNA, pelo fato de ela não ser assimilada
facilmente pelos que lidam com o processo, as suas conclusões podem ser confundidas quando da
valorização dos resultados, principalmente pelo fato da evolução muito rápida de sua metodologia. O
polimorfismo do DNA é sem dúvida a prova mais avançada de que se dispõe no momento em termos
de identificação, mas isso não quer dizer que a coincidência de um padrão de uma “tira”, encontrada
em uma mancha de sangue, por exemplo, seja de modo inquestionável uma identificação confirmada.
Paralelamente a isto, é imperioso saber se os analistas desse método estão usando com critério o
devido valor probante de cada resultado. Daí se exigir que eles, no mais breve tempo possível,
adquiram o conhecimento de que se necessita para a realização dessas provas. E mais: nunca iniciar
um processo de identificação com uma metodologia mais sofisticada, principalmente quando se leva
em conta a carência dos setores especializados. Só em última instância ela deve ser utilizada. A
experiência tem demonstrado que, com a ajuda das técnicas tradicionais, têm-se obtido bons e
espetaculares resultados.
Ver mais sobre impressão digital genética do DNA no Capítulo 14.
Banco de dados com DNA
Desde Alphonse Bertillon, com a criação da antropometria como método de catalogar
criminosos, pensa-se em uma forma capaz de identificar cada delinquente por meio de uma marca
registrada. Agora, discute-se entre nós a criação de um banco de dados com o DNA de pessoas
investigadas ou condenadas por crimes violentos ou hediondos.
Os EUA, por exemplo, armazenam mais de 9 milhões de perfis genéticos e o Reino Unido, mais
de 6 milhões de exemplares. Foi a partir desses exemplos que órgãos periciais ligados ao sistema
policial passaram a defender a implantação de uma rede integrada de bancos de dados de perfis
genéticos, como meio para reprimir ou diminuir a criminalidade em nosso país.
Já circulam em nossas casas legislativas federais alguns destes projetos que permitem o
armazenamento de material genético de suspeitos, indiciados ou autores de crimes mais graves em
banco de dados a fim de disponibilizá-lo às autoridades que conduzem o Inquérito Policial. Há quem
proponha que não apenas autores de crimes hediondos devam ser submetidos a esse tipo de coleta,
pois isto “poderia soar discriminatório e muito restritivo”. Sugerem, ainda, que essa coleta seja mais
ampla e o estudo em conjunto com parlamentares seria interessante, pois possibilitaria a
implementação deste banco de dados em perspectiva mais ampla, porque acreditam que “tudo que
contribua para elucidação de crimes, que contribua para a redução da impunidade no país, é bemvindo”. Acreditamos que se conseguirem estender a coleta de perfil genético a toda população, todos
os cidadãos brasileiros, desde seu nascimento, serão tratados como criminosos em potencial.
Para muitos este projeto é inconstitucional, pois atua por meio da coerção para se obterem
amostras orgânicas, uma vez que ninguém é obrigado a criar provas contra si mesmo fornecendo, em
uma investigação criminal, material orgânico que possa fazer prova em seu desfavor. Na realidade, a
Convenção de Direitos Humanos conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, em 1969,
pontificou em seu artigo 8o que ninguém é obrigado a “depor contra si mesmo nem confessar-se
culpado”. A Constituição Federal segue esta mesma linha.
Em tese, o que se discute não é o uso adequado do perfil genético de um indivíduo em uma
investigação criminal, mas o seu sigilo em banco de dados que permanecerá até terminar o prazo de
prescrição do crime atribuído ao identificado. Assim, por exemplo, se alguém foi acusado de crime
de homicídio, seu material genético ficará armazenado por, no mínimo, 20 anos.
Como se deve proceder quando o indivíduo alvo deste método de armazenamento não aceitar ou
resistir à coleta do material orgânico? Constrangê-lo pela força bruta? Em uma das casas
legislativas, há um dos textos já aprovados em que se admite que os investigados por crimes
violentos ou hediondos sejam “obrigatoriamente” identificados por meio da coleta de material
genético através de “técnica adequada e indolor”.
Dizer-se também que o indivíduo não está obrigado a fornecer provas contra si mesmo mas, a
exemplo da prova de paternidade, considerar a recusa como uma confissão de culpa não é de todo
correto, pois para admitir-se tal paternidade o julgador deve se convencer com outras provas dentro
do processo. Não será nenhum favor se o magistrado proceder da mesma maneira.
Muitos até chegam a propor um banco de dados de DNA para todos os cidadãos brasileiros e
estrangeiros naturalizados ou com visto de permanência em nosso país, mesmo que para tanto se
alterassem algumas garantias constitucionais. Isso para seus defensores “traria soluções não só para
crimes, mas para outros tipos de problema”. E, ainda, defendem a criação desses bancos de dados
com o argumento da possibilidade da identificação de vítimas de acidentes coletivos e catastróficos.
Não esquecer, no entanto, que quanto mais bancos de dados de perfis genéticos forem criados,
maiores serão os riscos de violação do sigilo e do uso indevido das informações.
Todavia, com o advento da Lei no 12.654, de 28 de maio de 2012, que altera as Leis no 12.037,
de 1o de outubro de 2009, e 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei de Execução Penal, está autorizada a
coleta de perfil genético como forma de identificação criminal. Dispõe que os dados relacionados
com a coleta do perfil genético deverão ser armazenados em bancos de dados de perfis genéticos,
gerenciado por unidade oficial de perícia criminal, e que as informações contidas neles não poderão
revelar traços somáticos ou comportamentais das pessoas, exceto determinação genética de gênero,
consoante as normas constitucionais e internacionais sobre direitos humanos, genoma humano e
dados genéticos. Os dados constantes dos bancos de dados de perfis genéticos terão caráter sigiloso,
respondendo civil, penal e administrativamente aquele que permitir ou promover sua utilização para
fins diversos dos previstos naquela Lei ou em decisão judicial. As informações obtidas a partir da
coincidência de perfis genéticos deverão ser consignadas em laudo pericial firmado por perito
oficial devidamente habilitado. A exclusão dos perfis genéticos dos bancos de dados ocorrerá no
término do prazo estabelecido em lei para a prescrição do delito.
Essa mesma norma ainda modifica a Lei de Execução Penal (Lei no 7.210, de 11 de julho de
1984), que passou a vigorar acrescida do art. 9o-A com a seguinte redação: “Os condenados por
crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos
crimes previstos no art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, serão submetidos,
obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA – ácido
desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor.”
LEI NO 12.037, DE 1O DE OUTUBRO DE 2009
Dispõe sobre a identificação criminal do civilmente identificado, regulamentando o art. 5 o,
inciso LVIII, da Constituição Federal.
O VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA
, no exercício do cargo de PRESIDENTE DA
REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o O civilmente identificado não será submetido à identificação criminal, salvo nos casos
previstos nesta Lei.
Art. 2o A identificação civil é atestada por qualquer dos seguintes documentos:
I – carteira de identidade;
II – carteira de trabalho;
III – carteira profissional;
IV – passaporte;
V – carteira de identificação funcional;
VI – outro documento público que permita a identificação do indiciado.
Parágrafo único. Para as finalidades desta Lei, equiparam-se aos documentos de identificação
civis os documentos de identificação militares.
Art. 3o Embora apresentado documento de identificação, poderá ocorrer identificação criminal
quando:
I – o documento apresentar rasura ou tiver indício de falsificação;
II – o documento apresentado for insuficiente para identificar cabalmente o indiciado;
III – o indiciado portar documentos de identidade distintos, com informações conflitantes entre si;
IV – a identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo despacho da
autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade
policial, do Ministério Público ou da defesa;
V – constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações;
VI – o estado de conservação ou a distância temporal ou da localidade da expedição do
documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais.
Parágrafo único. As cópias dos documentos apresentados deverão ser juntadas aos autos do
inquérito, ou outra forma de investigação, ainda que consideradas insuficientes para identificar o
indiciado.
Art. 4o Quando houver necessidade de identificação criminal, a autoridade encarregada tomará as
providências necessárias para evitar o constrangimento do identificado.
Art. 5o A identificação criminal incluirá o processo datiloscópico e o fotográfico, que serão
juntados aos autos da comunicação da prisão em flagrante, ou do inquérito policial ou outra forma de
investigação.
Parágrafo único. Na hipótese do inciso IV do art. 3o, a identificação criminal poderá incluir a
coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético (incluído pela Lei no 12.654, de
2012).
Art. 5o-A. Os dados relacionados com a coleta do perfil genético deverão ser armazenados em
banco de dados de perfis genéticos, gerenciado por unidade oficial de perícia criminal. (Incluído
pela Lei no 12.654, de 2012.)
§ 1o As informações genéticas contidas nos bancos de dados de perfis genéticos não poderão
revelar traços somáticos ou comportamentais das pessoas, exceto determinação genética de gênero,
consoante as normas constitucionais e internacionais sobre direitos humanos, genoma humano e
dados genéticos. (Incluído pela Lei no 12.654, de 2012.)
§ 2o Os dados constantes dos bancos de dados de perfis genéticos terão caráter sigiloso,
respondendo civil, penal e administrativamente aquele que permitir ou promover sua utilização para
fins diversos dos previstos nesta Lei ou em decisão judicial. (Incluído pela Lei no 12.654, de 2012.)
§ 3o As informações obtidas a partir da coincidência de perfis genéticos deverão ser consignadas
em laudo pericial firmado por perito oficial devidamente habilitado. (Incluído pela Lei no 12.654, de
2012.)
Art. 6o É vedado mencionar a identificação criminal do indiciado em atestados de antecedentes
ou em informações não destinadas ao juízo criminal, antes do trânsito em julgado da sentença
condenatória.
Art. 7o No caso de não oferecimento da denúncia, ou sua rejeição, ou absolvição, é facultado ao
indiciado ou ao réu, após o arquivamento definitivo do inquérito, ou trânsito em julgado da sentença,
requerer a retirada da identificação fotográfica do inquérito ou processo, desde que apresente provas
de sua identificação civil.
Art. 7o-A. A exclusão dos perfis genéticos dos bancos de dados ocorrerá no término do prazo
estabelecido em lei para a prescrição do delito. (Incluído pela Lei no 12.654, de 2012.)
Art. 7o-B. A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigilosos,
conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo. (Incluído pela Lei no 12.654, de 2012.)
Art. 8o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 9o Revoga-se a Lei no 10.054, de 7 de dezembro de 2000.
Brasília, 1o de outubro de 2009; 188o da Independência e 121o da República.
JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA
LEI NO 7.210, DE 11 DE JULHO DE 1984
Institui a Lei de Execução Penal
(…).
Art. 9o A. Comissão, no exame para a obtenção de dados reveladores da personalidade,
observando a ética profissional e tendo sempre presentes peças ou informações do processo, poderá:
I – entrevistar pessoas;
II – requisitar, de repartições ou estabelecimentos privados, dados e informações a respeito do
condenado;
III – realizar outras diligências e exames necessários.
Art. 9o-A. Os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave
contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de
1990, serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de
DNA – ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor. (Incluído pela Lei no 12.654, de
2012.)
§ 1o A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigiloso, conforme
regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo. (Incluído pela Lei no 12.654, de 2012.)
§ 2o A autoridade policial, federal ou estadual, poderá requerer ao juiz competente, no caso de
inquérito instaurado, o acesso ao banco de dados de identificação de perfil genético. (Incluído pela
Lei no 12.654, de 2012.)
(…)
BASES DE DADOS
Os critérios de inclusão segundo o tipo de crime são:
• EUA: crimes sexuais (homicídios, roubos, outros – variável com os Estados)
• Grã-Bretanha: qualquer tipo de crime
• Holanda: crime com pena máxima maior de 4 anos (após autorização judicial) e com menos de
anos apenas com consentimento, sem inclusão se confessar
• Suécia: crime com pena acima de 2 anos
• Noruega: crimes contra a vida e saúde, crimes sexuais, roubo, chantagem
• Suíça: com pena acima de 1 ano
•
Canadá: infrações primárias (crimes sexuais, homicídio e outros crimes graves), infrações
secundárias com indicação judicial.
Fonte: ENFSI–EU, 2009.
Normas protetoras em Portugal
As Normas protetoras em Portugal (Lei no 5/2008, de 12 de fevereiro)são as seguintes:
• Obrigatoriedade de utilização exclusiva para identificação
• Autorização legal/judicial para a comunicação dos dados
• Duplo registro codificado para perfis de DNA e dados pessoais,
• Manipulados por utilizadores distintos em locais separados
• Fiscalização dos procedimentos
• Responsabilidade no caso de utilização indevida
• Acessos restritos, codificados e identificativos dos utilizadores
• Laboratórios oficiais que cumpram os requisitos internacionais
• Proibição da transferência de material biológico para outros países
• Comprovação laboratorial
• Princípio do contraditório
• Proibição do acesso de terceiros à Base de Dados
• Modo de coleta não invasiva que respeite a dignidade humana
• Direito de qualquer pessoa a exigir a correção dos seus dados
• Destruição imediata de amostras identificadas
• Liberdade na valorização da prova pelos tribunais
Regulamento de funcionamento da base de dados
de perfis de DNA em Portugal
Deliberação no 3191/2008, D.R., 2a série, 3 de dezembro de 2008.
Instituto Nacional de Medicina Legal
(…)
Artigo 2o – O perfil de DNA constitui uma prova a ser ponderada em articulação com as outras
provas existentes no processo (…).
Artigo 6o – 2 – A confirmação da autenticidade da identificação é realizada mediante
apresentação de documento de identificação, do qual é feita cópia a integrar no processo, mediante
recolha da impressão digital, e fotografia para a qual tenha sido previamente solicitado o
consentimento (…).
Artigo 8o – A recolha de amostras em pessoas é feita em duplicado, através da coleta de células
da mucosa bucal ou de outro método não invasivo que respeite a dignidade humana e a integridade
física e moral individual (…).
Artigo 10o – 1 – As análises são realizadas em duplicado, sempre que possível, por profissionais
diferentes, utilizando kits de amplificação diversos que incluam os marcadores estabelecidos,
seguindo as regras, metodologias e técnicas internacionalmente estabelecidas para análise forense.
(…).
Artigo 12o – Os perfis de DNA e os dados pessoais do titular apenas podem ser inseridos na
Base de Dados desde que se verifique a manutenção da cadeia de custódia da amostra
(…).
Bases de dados de perfis de DNA em Portugal
Lei no 5/2008, de 12 de fevereiro (Artigos 15 e 18).
Critérios de inclusão
Arquivos:
a) voluntários: consentimento livre informado POR escrito
b) amostras-problema para identificação civil: AUTORIZAÇÃO DO JUIZ
c) amostras-referência para identificação civil
1) vestígios-referência: AUTORIZAÇÃO DO JUIZ
2) amostras de parentes de desaparecidos: consentimento livre informado POR escrito
d) amostras-problema para investigação criminal: AUTORIZAÇÃO DO JUIZ
e) condenados: crime doloso com pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos
AUTORIZAÇÃO DO JUIZ CRIMINAL
f) profissionais: consentimento livre informado POR escrito.
Critérios de remoção dos dados de DNA
•
•
•
•
•
Suíça: 30 anos ou em caso de morte: (ou 20 anos em alguns casos)
França: após 40 anos ou idade superior a 80 anos
Suécia: 10 anos após sentença cumprida
Dinamarca: idade acima 80 anos ou 2 anos após a morte
Bélgica: 10 anos após a morte
• Canadá: apenas suspeitos absolvidos
• Croácia: apenas suspeitos absolvidos
• Grã-Bretanha: sem remoção.
Fonte: ENFSI–EU, 2009.
PROTOCOLO PARA EXAME ANTROPOLÓGICO FORENSE
(Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Departamento de Patologia,
Centro de Medicina Legal – CEMEL — Laboratório de Antropologia Forense)
Data do exame:____________________________________________________________
A. Geral
A.1. Descrição geral dos restos e estado de preservação
A.2. Resumo e conclusões
Responsável pelo Relatório
Assinatura: ____________________________________________________________
Nome: __________________________________________________________________
Qualificação: ____________________________________________
Data: __________________________________________________________________
B. Características de identificação e achados patológicos do esqueleto
B.1a. Inventário do esqueleto
Inventory of skeleton
Elemento
Element
Crânio
Cranium
Frontal
Frontal
Occipital
Occipital
Esfenoide
Sphenoid
Maxilar
Maxilla
Palatino
Palatine
Vômer
Vomer
Parietal esquerdo
Parietal left
Temporal esquerdo
Temporal left
Concha nasal inferior
Inferior nasal concha
Número/Number Comentário/Comment
esquerda
left
Etmoide esquerdo
Ethmoid left
Lacrimal esquerdo
Lacrimal left
Nasal esquerdo
Nasal left
Zigomático esquerdo
Zygomatic left
Parietal direito
Parietal left
Temporal direito
Temporal right
Concha nasal inferior
direita
Inferior nasal concha
right
Etmoide direito
Ethmoid right
Lacrimal direito
Lacrimal right
Nasal direito
Nasal right
Zigomático direito
Zygomatic right
Hioide
Hyoid
Cartilagem da tireoide
Thyroid cartilage
Mandíbula
Mandible
Elemento
Element
Axial
Axial
Manúbrio
Manubrium
Mesosterno
Mesosternum
C1 Atlas
C1 Atlas
C2 Áxis
C2 Axis
C3-7
C3-7
T1-12
T1-12
L1-5
L1-5
Sacro
Sacrum
Cóccix
Coccyx
Costelas e pelve
Ribs and pelvis
Costela 1 esquerda
Rib 1 left
Costela 2 a 12 esquerdas
Ribs 2-12 left
Número/Number
Comentário/Comment
Costela 1 direita
Ribs 1 right
Costelas 2 a 12 direitas
Ribs 2-12 right
Pelve esquerda
Pelvis left
Pelve direita
Pelvis right
Elemento
Element
Apêndice superior esquerdo
Left superior
appendicular
Clavícula esquerda
Clavicle left
Escápula esquerda
Scapula left
Úmero esquerdo
Humerus left
Rádio esquerdo
Radius left
Ulna esquerda
Ulna left
Escafoide esquerdo
Scaphoid left
Semilunar esquerdo
Lunate left
Piramidal esquerdo
Triquetral left
Pisiforme esquerdo
Pisiform left
Trapézio esquerdo
Trapezium left
Trapezoide esquerdo
Trapezoid left
Capitato esquerdo
Capitate left
Hamato esquerdo
Hamate left
Metacarpo 1 esquerdo
Metacarpal 1 left
Metacarpo 2 esquerdo
Metacarpal 2 left
Metacarpo 3 esquerdo
Metacarpal 3 left
Metacarpo 4 esquerdo
Metacarpal 4 left
Metacarpo 5 esquerdo
Metacarpal 5 left
Falange proximal 1
esquerda
Proximal phalanx 1
left
Falange proximal 2 a 5
esquerdas
Proximal phalanx 2-5
left
Falange intermediária 2 a 5
esquerdas
Intermediate phalanx
2-5 left
Número/Number Comentário/Comment
Falange distal 1 esquerda
Distal phalanx 1 left
Falange distal 2 a 5
esquerdas
Distal phalanx 2-5 left
Elemento
Element
Apêndice inferior esquerdo
Left inferior
appendicular
Fêmur esquerdo
Femur left
Patela esquerda
Patella left
Tíbia esquerda
Tibia left
Fíbula esquerda
Fibula left
Tálus esquerdo
Talus left
Calcâneo esquerdo
Calcaneous left
Cuboide esquerdo
Cuboid left
Navicular esquerdo
Navicular left
Cuneiforme medial
esquerdo
Medial cuneiform left
Cuneiforme intermediário
esquerdo
Intermediate
cuneiform left
Cuneiforme lateral esquerdo Lateral cuneiform left
Metatarso 1 esquerdo
Metatarsal 1 left
Metatarso 2 esquerdo
Metatarsal 2 left
Metatarso 3 esquerdo
Metatarsal 3 left
Metatarso 4 esquerdo
Metatarsal 4 left
Metatarso 5 esquerdo
Metatarsal 5 left
Falange proximal 1
esquerda
Poximal phalanx 1 left
Falange proximal 2 a 5
esquerdas
Proximal phalanx 2-5
left
Falange intermediária 2 a 5
esqeurdas
Intermediate phalanx
2-5 left
Falange distal 1 esquerda
Distal phalanx 1 left
Falange distal 2 a 5
esquerdas
Distal phalanx 2-5 left
Número/Number Comentário/Comment
B.1b. Fotografias dos restos do esqueleto
Inserir foto dos restos em posição anatômica.
B.1c. Fotografias dos achados patológicos no esqueleto
Inserir fotos de detalhes patológicos.
B.2a. Determinação do sexo pela pelve
Sexing of pelvis
Característica
Feature
Tamanho do ângulo
subpúbico
Size of subpubic angle
Presença de arco ventral
Presence of ventral arc
Presença da crista medial
isquiopúbica
Presence of medial ischiopubic ridge
Tamanho do sulco isquiático
maior
Size of greater sciatic notch
Espessura da asa do sacro
Width of sacral alae
Curvatura do sacro
Curvature of sacrum
Tamanho da superfície
auricular sacral
Extent of sacral auricular
surface
Projeção da superfície
auricular
Projection of auricular
surface
Presença do sulco préauricular
Presence of preauricular
sulcus
Sexo/Sex Comentário/Comment
B.3a. Determinação do sexo pelo crânio
Sexing of skull
Característica
Feature
Forma da glabela/pontes
supraorbitais
Shape of glabella/supraorbital
ridges
Presença da protuberância
occipital
Presence of occipital
protuberance
Tamanho do processo
mastoide
Size of mastoid processes
Presença da crista
Presence of supramastoid
Sexo/Sex Comentário/Comment
supramastoide
crest
Altura/robustez do zigomático
Height/robusticity of
zygomatic
Tamanho e forma do mento
Size and shape of mentum
Abertura do ângulo
mandibular
Flaring of mandibular angle
B.4a. Ancestralidade
Ancestry
B.5a. Idade em adultos
Age in adults
Estado de fusão
State of fusion
Característica
Feature
Epífise medial da clavícula
Medial clavicle epiphysis
Característica
Feature
Citada em
Citaded in
Sínfise púbica
Pubic
symphysis
Suchey/Brooks
Auricular do ilíaco
Auricular
ilium
Lovejoy/White
Final (esternal) da
4a costela
4th sternal
rib end
Isçan/Loth
Fase
E
Phase
L
Faixa
E
Range
L
Característica
Feature
Suturas cranianas
Cranial sutures
Mudanças artríticas nas vertebras
Arthritic changes in vertebrae
Fase
D
Phase
R
Comentário
Comment
Faixa
D
Comentário
Range Comment
R
Estado
State
Comentário
Comment
B.5b. Idade em jovens
Age in juveniles
Epífise/Epiphysis
Estado de
Faixa tipicamente
fusão/State of fusion fundida/Range typically fused
Citado
em/Cited in
Elemento/Element
Comprimento
diafisário/Diaphyseal length
Faixa de idade/Age Citado
range
em/Cited in
B.6. Estatura
Stature
B.6a. Estimativa de estatura para o provável sexo e ancestralidade
Stature estimation for probable sex and ancestry
Elemento do
esqueleto:
Skeletal
element:
Fêmur/Femur (Se ausente usar/If absent
use)
Lado:
Side:
Direito/Right (Se ausente usar/If absent use)
Comprimento:
Length:
Fórmula:
Formula:
Trotter & Gleser
Citado em:
Cited in:
Bass/Burns
Faixa:
Range:
B.6b. Resumo da estimativa de estatura
Stature estimation summary
Copiar da planilha eletrônica
Copy from spreadsheet
B.7. Destreza manual
Handedness
B.7a. Estimativa da destreza manual
Handedness estimation
Elemento Element
Característica pessoal
Trait
Clavícula
Clavicle
Comprimento máximo (menor Max length (shorter on
no lado dominante)
dominant side)
Clavícula
Clavicle
Área de ligação do ligamento
costoclavicular
Úmero
Humerus
Máxima distância biepicondilar Max biepicondylar breadth
Úmero
Humerus
Largura do sulco
intertubercular
Area of costoclavicular
ligament attachment
Breadth of intertubercular
groove
Mão/Handedness
Úmero
Humerus
Diâmetro do forame nutriente
Diameter of nutrient
foramen
Úmero +
rádio
Humerus
+ radius
Comprimentos máximos
somados
Summed maximum lengths
Rádio
Radius
Distância do tubérculo dorsal
ao processo estiloide
Breadth from dorsal
tubercle to styloid process
Rádio
Radius
Área de ligação do bíceps
Area of biceps attachment
C. Identificação de características e achados patológicos na dentição
Se não estiver presente, declare “NADA”.
C.1. Inventário da dentição
Dente
UNS
Número
Comentário
UNS
Número
Comentário
Inferior esquerdo
Dente
Superior esquerdo
3o molar
1 21
2o molar
2 22
1o molar
3 23
2o pré-molar
4 24
1o pré-molar
5 25
Canino
6 26
Incisivo lateral
7 27
Incisivo central
8 28
Superior direito
Incisivo central
9 11
Incisivo lateral
10 12
Canino Canine
11 13
1o pré-molar
1st premolar
12 14
2o pré-molar
2nd premolar
13 15
1o molar 1st molar
14 16
2o molar 2nd molar
15 17
3o molar 3rd molar
16 18
Inferior direito
3o molar
17 41
2o molar
18 42
1o molar
19 43
2o pré-molar
20 44
1o pré-molar
21 45
Canino
22 46
Incisivo lateral
23 47
Incisivo central
24 48
Inferior esquerdo
Incisivo central
25 31
Incisivo lateral
26 32
Canino
27 33
1o pré-molar
28 34
2o pré-molar
29 35
1o molar
30 36
2o molar
31 37
3o molar
32 38
C.2. Descrição da idade estimada pela dentição
C.3a. Fotografia dentária (superior)
Inserir fotos da dentição superior.
C.3b. Fotografia dentária (inferior)
Inserir fotos da dentição inferior.
D. Descrição das vestes e outros itens
Se não estiver presente, declare “NADA”.
D.1. Descrição das vestes
D.2. Descrição de outros itens
D.3. Fotografia das vestes e outros itens
Fotos de vestes e outros pertences.
E. Identificação de características e achados patológicos do corpo
Se não estiver presente, declare “NADA”.
E.1. Sexo
E.2. Estatura
E.3. Compleição
E.4. Cabelo
E.5. Barba
E.6. Bigode
E.7. Tatuagens
E.8. Cicatrizes
E.9. Outras características identificadas
E.10. Achados patológicos: cabeça e pescoço
E.11. Achados patológicos: tronco
E.12. Achados patológicos: braços
E.13. Achados patológicos: pernas
E.14. Achados patológicos: tecidos internos
E.15. Diagrama anterior do corpo (Apêndice B)
E.16. Diagrama posterior do corpo (Apêndice C)
E.17. Causa da morte
Outros
profissionais
envolvidos
no
Exame
de
Antropologia
Forense:
_________________________________________________________________________________
6. Identificação judiciária: Processos antigos, Assinalamento sucinto, Fotografia simples,
Retrato falado, Sistema antropométrico de Bertillon, Sistema geométrico de Matheios,
Sistema dermográfico de Bentham, Sistema craniográfico de Anfosso, Sistema otométrico
de Frigério, Sistema oftométrico de Capdeville, Sistema oftalmoscópico de Levinsohn,
Sistema radiológico de Levinsohn, Sistema flebográfico de Tamassia, Sistema flebográfico
de Ameuille, Sistema palmar de Stockes e Wild, Sistema onfalográfico de Bert e Viamay,
Sistema poroscópico de Locard, Fotografia sinalética, Sistema dactiloscópico de Vucetich
e Registro inicial de identificação (recém-nascidos).
IDENTIFICAÇÃO JUDICIÁRIA
A identificação judiciária ou policial independe de conhecimentos médicos, e sua fundamentação
reside, sobretudo, no uso de dados antropométricos e antropológicos para a identidade civil e
caracterização dos criminosos, quer primários, quer reincidentes. Esse processo é efetuado por
peritos em identificação.
Acima de tudo, repetimos, o bom método de identificação é o que apresenta as seguintes
particularidades:
a) Unicidade. Um conjunto de caracteres que torne o indivíduo diferente de todos os outros.
b ) Imutabilidade. Os elementos registrados devem permanecer sempre sem sofrer a ação de
qualquer fator endógeno ou exógeno.
c) Perenidade. Uma capacidade que alguns elementos têm de resistir ao tempo.
d ) Praticabilidade. Deve dispor de elementos de fácil obtenção e que não lhe dificultem a
maneira de registrar.
e) Classificabilidade. O processo deve ser executado de tal modo a ponto de permitir não só uma
classificação adequada, como também facilidade para encontrar as respectivas fichas.
Processos antigos
O ferrete foi talvez o primeiro processo de identificação usado pelo homem. Consistia ele em
marcar as pessoas com ferro em brasa. Esta marca era feita em algumas partes do corpo, como na
fronte, nas espáduas ou nas coxas. Tinha ela o objetivo de punir e identificar.
Para cada infração cometida, lançava-se mão de uma letra correspondente.
Outro processo antigo para identificar delinquentes foi a mutilação. Baseava-se ela,
principalmente, na amputação de certas partes do corpo, qual a ablação das orelhas, das narinas, das
mãos, dos dedos, da língua, e até mesmo na castração.
Assinalamento sucinto
Esse método foi de uso corrente entre nós. Ainda hoje, é utilizado em documentos, daí a anotação
da estatura, da raça, da compleição física, idade, cor dos olhos e dos cabelos e algumas alterações
mais apelativas da atenção. Tem aceitação, ainda pela imprensa, quando se procura individualizar
alguém desaparecido.
Fotografia simples
É um processo ainda em voga nas cédulas de identificação. Até pouco tempo, foi por demais
empregado como meio de reconhecimento. Apresenta, no entanto, vários inconvenientes, entre os
quais: dificuldade de classificação, alterações dos traços fisionômicos com o decorrer dos anos e o
problema dos sósias.
Apesar dos pesares, seria leviandade relegar a contribuição que ela tem dado ao trabalho
policial nas questões do reconhecimento de pessoas procuradas.
Retrato falado
Neste sistema, aproveitam-se minúcias, reveladas por pessoas de boa memória, que produzem
detalhes mais importantes de uma fisionomia, emprestando-se maior destaque ao rosto.
As testemunhas relatam uma série de pormenores até formar uma fisionomia que, em certas
ocasiões, coincide quase precisamente com o real. Estes pormenores são de ordem cromática (cor
da íris, do cabelo e da pele); morfológica (altura, inclinação e proeminência da fronte; forma,
dimensões e particularidades do nariz; forma, separação e particularidades das orelhas);
complementar (configuração do crânio; forma dos lábios e do queixo; configuração do cabelo e do
penteado; destaque dos lábios, da barba, das sobrancelhas e bigodes).
Embora não inserido como um meio de prova, este método pode ser útil no sentido de apontar no
conjunto dos elementos investigados indivíduos suspeitos. O retrato dessas pessoas procuradas pode
ser feito por meio artístico, do ident-kit e do photo-kit.
O método artístico é feito por desenhistas que tentam reproduzir os aspectos físicos do
procurado.
O segundo é realizado por meio de películas transparentes que recebem partes do rosto, como o
formato do nariz, dos olhos, da boca etc. O terceiro, melhor que o anterior, é feito por recortes de
fotografias que se encaixam como peças de um quebra-cabeças. Esses processos são baseados na
memória humana e, por isso, aconselha-se que sejam procedidos logo após a testemunha ter visto a
pessoa procurada. As mulheres em geral são mais precisas em face de sua memória detalhista.
Hoje o computador pode auxiliar neste processo por intermédio de programas especiais, sendo
mais conhecido o comphoto kit plus 4.0 da Sirchie. É um programa que se adapta às diversas
características raciais em seu banco de dados, inclusive com opções para o sexo e a cor da pele. Em
seu menu, no título “imagem”, encontram-se as partes constitutivas da face humana: testa, olhos,
nariz, boca, queixo, bigode, barba, óculos e detalhes do cabelo.
Sistema antropométrico de Bertillon
Para uns, este processo foi criado por Alphonso Bertillon, funcionário da Polícia de Paris. Para
outros, ele apenas o desenvolveu. Universalmente, é reconhecido como o primeiro método científico
de identificação. Embasava-se ele em dados antropométricos, em descrição e sinais individuais.
Os dados antropométricos fundamentam-se na fixidez do esqueleto humano, após os 20 anos,
inspirando-se, não obstante, nas 11 medidas preconizadas pelo autor:
a) diâmetro anteroposterior da cabeça;
b) diâmetro transversal da cabeça;
c) comprimento da orelha direita;
d) diâmetro bizigomático;
e) comprimento do pé esquerdo;
f) comprimento do dedo médio esquerdo;
g) comprimento do dedo mínimo;
h) comprimento do antebraço;
i) estatura;
j) envergadura (comprimento dos braços abertos);
l) altura do busto.
Eram essas as medidas para classificação e arquivamento.
No assinalamento descritivo, as fichas eram anotadas com caracteres morfológicos, como altura
e largura da fronte, dimensões e forma da boca, dimensões e forma do nariz etc.; com caracteres
cromáticos, como a cor dos cabelos, da pele e dos olhos; e com caracteres complementares ,
denunciando as particularidades de cada pessoa.
E, finalmente, os sinais individuais exarando as marcas, cicatrizes, manchas, tatuagens,
amputações, anquiloses, deformidades que eram descritas minuciosamente.
Todas as anotações dos dados antropométricos eram em milímetros, e o arquivamento de cada
ficha era feito nesta ordem:
a) sexo;
b) ficha de menores;
c) ficha de maiores;
d) diâmetro anteroposterior da cabeça;
e) diâmetro transversal da cabeça;
f) comprimento do dedo médio esquerdo;
g) comprimento do pé esquerdo;
h) comprimento do antebraço;
i) estatura;
j) comprimento do dedo mínimo;
l) cor dos olhos.
Mesmo estando em desuso em todos os países do mundo, o sistema de Bertillon ou bertillonagem
apresenta grande valor histórico pelo motivo de ter sido a base dos atuais processos científicos da
identificação civil ou criminal. As críticas que se lhe fazem prendem-se aos empecilhos práticos de
execução, de arquivamento e de classificabilidade; ao fato de não ser classificador, mas excludente,
às dificuldades de tomadas das medidas exatas, à indisponibilidade de pessoal técnico competente e
ao seu aproveitamento de pessoas apenas em uma determinada faixa etária.
Sistema geométrico de Matheios
Alicerça-se nas medidas de regiões fixas da face depois de uma certa idade. Todo o trabalho é
levado a cabo sobre fotografias tiradas anterior e posteriormente, isto é, no confronto entre
fotografias ampliadas, no mesmo tamanho de pessoas suspeitas.
Essa técnica assenta-se particularmente em traçar-se uma linha vertical passando pelo dorso do
nariz, duas linhas paralelas à primeira passando pelas pupilas e várias linhas horizontais capazes de
dividir a face em muitas frações, passando pela base da implantação dos cabelos, pelo meio da testa,
pelas asas do nariz, pelos lábios superior e inferior, pelo meio do mento, duas linhas passando por
cima e por baixo tangentes às sobrancelhas e uma cortando as pupilas.
Subsequentemente, cotejam-se as fotografias sobrepondo-as e comparando as diversas partes
divididas.
A inconveniência desse método é a classificação. Os resultados práticos obtidos são
desanimadores.
Sistema dermográfico de Bentham
O autor, neste processo, difundia a ideia de identificar todas as pessoas, logo ao nascer,
forjando-lhes marcas de tatuagens, método esse que dispensa maiores comentários, embora alguns
países o tenham como forma de identificar criminosos ou como forma perversa antes utilizada nos
campos de concentração nazistas.
Sistema craniográfico de Anfosso
Esta técnica preceituava o levantamento dos perfis cranianos e as medidas dos ângulos formados
pelos dedos indicador e médio da mão direita por meio de um aparelho, chamado pelo autor
“taquiantropômetro”, que tornava mais viáveis aquelas medidas.
As ressalvas a essa operação (hoje em completo abandono) ligam-se ao seu restrito
aproveitamento de indivíduos avançados em idade, aos obstáculos de recrutamento de pessoal hábil,
à grande margem de erros e ao óbice da exatidão das medidas.
Sistema otométrico de Frigério
Baseia-se na imutabilidade e na pluralidade das formas dos pavilhões auriculares. Tem por meta
medir a orelha com um aparelho que o inventor denominou de “otômetro”, empregando a distância
entre o pavilhão auricular e a imediata parede craniana (ângulo auriculotemporal), o diâmetro
máximo e o diâmetro mínimo da orelha.
Sistema oftométrico de Capdeville
Esteia-se na detecção da cor e na da medida dos olhos, por meio de um instrumento idealizado
por Javard e Schilitz, e modificado por João Maurício Capdeville, cuja técnica é a seguinte:
a) medida da curvatura das córneas;
b) medida da distância interpupilar;
c) medida interorbital máxima;
d) anotação de certas particularidades dos olhos.
Sistema oftalmoscópico de Levinsohn
Consiste na identificação por meio da fotografia do fundo do olho e de suas variabilidades
produzidas pelo nervo óptico.
Sistema radiológico de Levinsohn
Este processo tem seu substrato na radiografia do metacarpo e do metatarso com as consequentes
medidas das imagens ósseas.
Sistema flebográfico de Tamassia
Estriba-se na imutabilidade individual e nas múltiplas ramificações venosas do dorso da mão por
meio de fotografias.
Sistema flebográfico de Ameuille
Em vez de firmar-se nos desenhos fotográficos constituídos pelas veias do dorso das mãos,
valeu-se do levantamento fotográfico dos ramos venosos da fronte.
Sistema palmar de Stockes e Wild
Tem como princípio o registro dos delineamentos dos sulcos palmares.
Sistema onfalográfico de Bert e Viamay
Adotava a variabilidade formal da cicatriz umbilical, provando a multiplicidade de variações
existentes e adaptando esse aspecto à identificação humana.
Sistema poroscópico de Locard
Esse autor ministrou nesta operação de identidade a individualização e a imutabilidade dos poros
com que se abrem, na pele, as glândulas sudoríparas.
Fotografia sinalética
Preconizada por Bertillon, essa técnica resumia-se em fotografar de frente e de perfil o
indivíduo, na redução fixa de 1/7. As fotografias obtidas dessa forma eram superpostas e comparadas
em seus menores detalhes, como estatura da fronte, aspecto da fenda palpebral, diâmetros da boca e
do nariz, altura do pavilhão auricular, entre outros.
Sistema dactiloscópico de Vucetich
Este notável processo de identificação foi lançado em 1891 e instituído oficialmente no Brasil
em 1903, convertendo-se no método exclusivo e mais eficiente da ciência da identidade, disputando
a primazia de excelência com a impressão digital genética do DNA.
Juan Vucetich definiu Dactiloscopia como “a ciência que se propõe a identificar as pessoas,
fisicamente consideradas, por meio das impressões ou reproduções físicas dos desenhos formados
pelas cristas papilares das extremidades digitais”.
Chama-se de desenho digital ao conjunto de cristas e sulcos existentes nas polpas dos dedos,
apresentando muitas variedades; e de impressão digital ao reverso do desenho, exibindo-se como
um ajuntamento de linhas brancas e pretas sobre determinado suporte.
Um dos elementos mais importantes do desenho digital é o delta – pequeno ângulo ou triângulo
formado pelo encontro dos três sistemas de linhas (Figura 3.26).
O delta é a característica fundamental na classificação de uma impressão digital. Esta, todavia,
põe à vista dois ou três sistemas lineares: nuclear, basilar e marginal e na união deles o delta.
O sistema nuclear é representado por linhas colocadas entre as basilares e as marginais (Figura
3.27). O sistema marginal é constituído pelas linhas superiores que se sobrepõem ao núcleo. E o
sistema basilar é composto pelas linhas que ficam na base da impressão digital, isto é, abaixo do
núcleo.
A presença de um, dois ou nenhum delta em uma impressão digital estabelece os quatro tipos
fundamentais do Sistema Dactiloscópico de Vucetich:
a) Verticilo. Presença de dois deltas e um núcleo central (Figura 3.28).
b) Presilha externa. Presença de um delta à esquerda do observador e de um núcleo voltado em
sentido contrário ao delta (Figura 3.29).
c ) Presilha interna. Presença de um delta à direita do observador e de um núcleo voltado à
esquerda (Figura 3.30).
d) Arco. Ausência de deltas e apenas os sistemas de linhas basilares e marginais. Não tem núcleo
(Figura 3.31).
Esses tipos essenciais são simbolicamente representados por letras maiúsculas para os polegares
e por algarismos para o restante dos dedos. Assim:
Verticilo: V – 4
Presilha externa: E – 3
Presilha interna: I – 2
Arco: A – 1
Redundando na palavra VEIA, como um meio de memorização.
Anotam-se com × os desenhos com defeito, por cicatrizes ou por qualquer alteração, e por 0
(zero) as amputações.
Denomina-se fórmula dactiloscópica a sucessão de letras e algarismos que configuram os tipos
fundamentais de uma pessoa a partir do polegar direito até o mínimo esquerdo, sentida por meio de
uma fração que tem como numerador a mão direita e denominador a mão esquerda (Figura 3.32).
Figura 3.26 Delta.
Figura 3.27 Núcleo.
Figura 3.28 Verticilo.
Figura 3.29 Presilha externa.
Figura 3.30 Presilha interna.
Figura 3.31 Arco.
Figura 3.32 Fórmula dactiloscópica.
Se a fórmula dactiloscópica é representada por:
V – Verticilo – polegar direito;
3. Presilha externa – indicador direito;
3. Presilha externa – médio direito;
3. Presilha externa – anular direito;
4. Verticilo – mínimo direito.
I – Presilha interna – polegar esquerdo;
2. Presilha interna – indicador esquerdo;
2. Presilha interna – médio esquerdo;
2. Presilha interna – anular esquerdo;
1. Arco – mínimo esquerdo.
O escopo da fórmula dactiloscópica é facilitar o arquivamento.
A impressão do polegar da mão direita denomina-se fundamental e é a base da classificação do
sistema.
O arquivamento original criado pelo autor era feito em dois armários. Ao primeiro eram
destinadas as fichas cuja fundamental era A-I-E; e, ao segundo, as fichas cuja fundamental era V, as
impressões defeituosas e as de dedos amputados.
Como já foi dito, a fórmula dactiloscópica tem o objeto precípuo de tornar mais fácil o
arquivamento das fichas. Mas a identidade das impressões digitais é realizada pelo estudo dos
pontos característicos (Figura 3.33).
Esses pontos são acidentes encontrados nas cristas papilares.
Se se evidenciam 12 pontos característicos idênticos, em uma e noutra impressão digital, em
mesma localização e sem nenhuma discrepância, a identidade é estabelecida.
Os pontos característicos mais comuns são: o ponto, a cortada, a bifurcação, a forquilha e o
encerro (Figura 3.34).
No assinalamento desses pontos, em primeiro lugar procede-se à ampliação fotográfica da
impressão testemunha e da impressão suspeita. Depois, divide-se o desenho em quatro quadrantes,
começando-se a marcar os acidentes que se devem iniciar do quadrante superior direito em sentido
dos ponteiros do relógio.
As linhas que dividem em quadrantes são traçadas da seguinte maneira: a vertical, da
característica mais alta à mais baixa; a horizontal, das mais laterais.
Posteriormente, procede-se à enumeração dos pontos característicos encontrados em uma
impressão e depois na outra, verificando-se, em seguida, a identidade ou a não identidade entre
ambas.
No estudo de uma impressão digital, notam-se, em cada linha papilar, diversos pontos claros,
representados pelos poros. Em um fragmento de impressão, dá-se um grande valor à poroscopia,
levando-se em conta, em uma determinada linha, o número, a forma, a posição e a dimensão dos
poros sudoríparos (Figura 3.35).
Por fim, examinando-se certas impressões digitais, podem-se notar, além dos desenhos das linhas
negras papilares e dos espaços correspondentes aos sulcos interpapilares, algumas linhas brancas, de
forma, direção e tamanho os mais variados, as quais, em seu conjunto, são conhecidas sob a
denominação de “albodactilograma” (Figura 3.36).
Figura 3.33 Pontos característicos.
Figura 3.34 Pontos característicos.
Figura 3.35 Poroscopia.
Figura 3.36 Albodactilograma.
Para uma melhor visualização dessas linhas, é necessário que, na tomada da impressão digital,
sejam usados uma camada de tinta bem fina, papel apropriado e dê-se uma pressão muito delicada.
Em sua maioria, são representadas por cicatrizes ou ferimentos. No entanto, algumas delas são
resultantes da impressão de cristas muito rasas e de caráter congênito. Neste último caso, os sulcos
têm bordas bem regulares e não existe retração do tecido circunvizinho.
Essas linhas brancas apresentam um valor muito significativo na identificação, não dificultam a
classificação pelo sistema decadactilar, mas podem comprometer a subclassificação, pois, algumas
vezes, prejudicam os elementos apreciáveis em uma visualização monodactilar.
Têm influência a idade, o sexo, a raça e a atividade profissional. São mais comuns na mão direita
e nos polegares e indicadores. Na maioria das vezes, persistem definitivamente e, em outras
circunstâncias, aparecem apenas quando a pele se pregueia.
Finalmente, pode-se dizer que o método de identificação pelo sistema dactiloscópico de Vucetich
é um processo de grande valia e de extraordinário efeito, porque ele apresenta os requisitos
essenciais de um bom método: unicidade, praticabilidade, imutabilidade e classificabilidade. Só não
apresenta o requisito da perenidade.
Registro inicial de identificação (recém-nascidos)
Com o advento da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, dispondo sobre o Estatuto da Criança e
do Adolescente, ficam os hospitais e os estabelecimentos de atenção à saúde da gestante, públicos ou
privados, na obrigação de manter pelo prazo mínimo de 18 anos os meios capazes de identificar o
recém-nascido, mediante o registro de sua impressão digital ou plantar e a impressão digital da mãe,
sem prejuízo de outros procedimentos recomendados pela autoridade administrativa competente
(artigo 10). Muitos admitem até que tais providências sejam tomadas também em relação ao
natimorto (Tavares, JF, Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, Rio: Companhia
Editora Forense, 1992). O referido Estatuto ainda pune o dirigente ou funcionário responsável que
não identificar corretamente, por ocasião do parto, conforme disciplina o artigo 229.
O registro inicial de identificação dos recém-nascidos, em face das dificuldades que surgem na
tomada das impressões digitais, é a da tomada das impressões plantares, pois essa região mostra as
cristas papilares mais salientes que as dos dedos, apresentando também as mesmas características de
perenidade e imutabilidade das cristas digitais, além de serem mais salientes que elas. A própria
técnica da tomada das impressões plantares é mais simples e mais confortável para o recém-nascido.
Recomenda-se, em uma planilha própria, recolher a impressão digital do polegar direito da mãe
e a impressão plantar do recém-nato (plantograma ou papilograma), antes do corte do cordão
umbilical ou quando o médico assistente achar conveniente, seguindo a técnica de Preller, que
considera apenas o registro das impressões da região tenar (na base do primeiro dedo do pé), onde
podem ser evidenciados os desenhos, tais como arco transversal, arco vertical oblíquo esquerdo,
arco vertical oblíquo direito, delta central, presilha esquerda, presilha direita, verticilo espiral ou
circular, verticilo sinuoso, verticilo ovoide, além de figuras, tais como pontos, ilhotas, cortadas,
forquilhas, bifurcações, encerros, entre outros.
Recentemente, com os recursos das conquistas em biologia celular e molecular, dispõe-se de
tecnologias do estudo genético, a partir do princípio de que o DNA (ácido desoxirribonucleico) é
estruturado de forma única em cada pessoa e o mais perfeito sistema de individualização e de
caracterização dos vínculos de parentesco entre os seres humanos. Uma das técnicas mais conhecidas
é a de PCR (polimerase chain reaction), capaz de em uma só célula permitir a identificação
individual ou a determinação da paternidade e da maternidade, quando se deparam com os padrões
preestabelecidos.
A identificação por meio das impressões plantares dos recém-nascidos, a partir do confronto das
impressões digitais da mãe, vem acumulando cada vez mais certas dúvidas, em face da limitação da
técnica ao interferir negativamente sobre a identificação, principalmente pelo embotamento dos
sulcos plantares devido a edema, prematuridade, maceração, impregnação de induto sebáceo,
mecônio ou sangue, além dos equívocos e da negligência na tomada das impressões.
O uso de pulseiras, mesmo sendo universalmente adotado, tem mostrado que pode haver falhas
neste sistema, ora pela falta de preenchimento correto, ora por extravio ou ruptura das pulseiras. Ou
simplesmente por dados incompletos ou errados em casos de mães que abandonam o hospital, sendo
necessária a prova da vinculação genética.
Aquele novo sistema de identificação permite a organização de um banco de material genético
específico para as técnicas em DNA, tendo como material de estudo pequenas amostras de sangue (2
gotas) da gestante na sala de parto, por venóclise ou punção digital, e de idênticas amostras obtidas
do neonato, geralmente de sangue coletado no cordão umbilical. Esse material seria guardado em
suportes protegidos por algodão hidrófilo, no sentido de proteger o material genético, e enviado aos
centros de referência, constituindo-se em verdadeiro banco de DNA perinatal (ver Parecer-Consulta
CFM no 14/97).
No banco de DNA perinatal, o material da coleta será cadastrado em um sistema de
administração de dados informatizados, em temperatura adequada e por um tempo não inferior a 18
anos.
Somente quando houver alegação de troca de crianças, serão procedidos os verdadeiros testes do
estabelecimento ou não do vínculo genético, por meio da coleta de novas amostras de sangue da mãe
e do suposto filho.
Esse método vem sendo aplicado com sucesso no mundo inteiro, mesmo levando-se em conta o
custo de tal tecnologia, desde que utilizado apenas quando necessário. Sua importância ressalta-se
mais ainda a partir do momento em que esse material venha a ser usado como instrumento de
pesquisa geneticoepidemiológica.
4
TraumatologiaMédico-legal
7. Energias de ordem mecânica: Conceito. Lesões produzidas por ações perfurante,
cortante, contundente, perfurocortante, perfurocontundente e cortocontundente.
CONCEITO
A Traumatologia ou Lesonologia Médico-legal estuda as lesões e estados patológicos,
imediatos ou tardios, produzidos por violência sobre o corpo humano, nos seus aspectos do
diagnóstico, do prognóstico e das suas implicações legais e socioeconômicas. Trata também do
estudo das diversas modalidades de energias causadoras desses danos.
É um dos capítulos mais amplos e mais significativos da Medicina Legal, constituindo cerca da
metade das perícias realizadas nas instituições especializadas. Seu maior interesse volta-se
principalmente para as causas penais, trabalhistas e civis.
A convivência no meio ambiental pode causar ao homem as mais variadas formas de lesões
produzidas por diversos tipos de energias.
Essas energias dividem-se em:
• energias de ordem mecânica
• energias de ordem física
• energias de ordem química
• energias de ordem físico-química
• energias de ordem bioquímica
• energias de ordem biodinâmica
• energias de ordem mista.
ENERGIAS DE ORDEM MECÂNICA
Os meios mecânicos causadores do dano vão desde as armas propriamente ditas (punhais,
revólveres, soqueiras), armas eventuais (faca, navalha, foice, facão, machado), armas naturais
(punhos, pés, dentes), até os mais diversos meios imagináveis (máquinas, animais, veículos, quedas,
explosões, precipitações).
As lesões produzidas por ação mecânica no ser humano podem ter suas repercussões externa ou
internamente. Podem ter como resultado o impacto de um objeto em movimento contra o corpo
humano parado (meio ativo), ou o instrumento encontrar-se imóvel e o corpo humano em movimento
(meio passivo), ou, finalmente, os dois se acharem em movimento, indo um contra o outro (ação
mista).
Esses meios atuam por pressão, percussão, tração, torção, compressão, descompressão,
explosão, deslizamento e contrachoque.
De conformidade com as características que imprimem às lesões, os meios mecânicos
classificam-se em:
• perfurantes
• cortantes
• contundentes
• perfurocortantes
• perfurocontundentes
• cortocontundentes.
E, por sua vez, produzem, respectivamente, feridas puntiformes, cortantes, contusas,
perfurocortantes, perfurocontusas e cortocontusas.
Não aceitamos as denominações feridas dilacerantes, cortodilacerantes, perfurodilacerantes e
contusodilacerantes pelo fato de não existirem instrumentos dilacerantes, cortodilacerantes,
perfurodilacerantes nem, tampouco, contusodilacerantes.
As feridas, por exemplo, produzidas por fragmentos de vidro, lança, dentes ou explosão, ainda
que venham a apresentar perdas vultosas de tecidos, não deixam de ser cortantes, perfurocortantes,
cortocontusas e contusas, correspondentemente.
Lesões produzidas por ação perfurante
As lesões causadas por meios ou instrumentos perfurantes, de aspecto pontiagudo, alongado e
fino, e de diâmetro transverso reduzido, têm características bem próprias. Como exemplos mais
comuns destes instrumentos apontam-se o estilete, a sovela, a agulha, o florete e o furador de gelo, os
quais quase sempre atuam por percussão ou pressão, afastando as fibras do tecido e, muito
raramente, seccionando-as.
Figura 4.1 Ferimentos punctiformes (garfo).
As lesões oriundas desse tipo de ação denominam-se feridas punctiformes ou punctórias, pela
sua exteriorização em forma de ponto (Figura 4.1). Têm como características a abertura estreita; são
de raro sangramento, de pouca nocividade na superfície e, às vezes, de certa gravidade na
profundidade, em face desse ou daquele órgão atingido; e, por fim, quase sempre de menor diâmetro
que o do instrumento causador, graças à elasticidade e à retratilidade dos tecidos cutâneos.
O trajeto dessas feridas é representado por um túnel estreito que se continua pelo tecido lesado,
representado no cadáver por uma linha escura.
O ferimento de saída, quando isso ocorre, é em geral mais irregular e de menor diâmetro que o
de entrada, em face do instrumento atuar nessa fase através de sua parte mais afilada.
Quando o instrumento perfurante é de médio calibre, a forma das lesões assume aspecto
diferente, obedecendo às leis de Filhos (Edouard Filhos) e Langer (Karl Ritter von Langer): a)
primeira lei de Filhos: as soluções de continuidade dessas feridas assemelham-se às produzidas por
instrumento de dois gumes ou tomam a aparência de “casa de botão” (Figura 4.2); b) segunda lei de
Filhos: quando essas feridas se mostram em uma mesma região onde as linhas de força tenham um só
sentido, seu maior eixo tem sempre a mesma direção (Figura 4.2); c) lei de Langer: na confluência
de regiões de linhas de forças diferentes, a extremidade da lesão toma o aspecto de ponta de seta, de
triângulo, ou mesmo de quadrilátero.
As feridas produzidas por instrumentos perfurantes de médio calibre, de acordo com a região
atingida, tomam as seguintes direções:
Figura 4.2 Lesões produzidas por instrumento de médio calibre (furador de gelo).
• Pescoço
ο linha média: no sentido dos músculos hióideos
ο face lateral: no sentido do músculo esternocleidomastóideo
ο face posterior: no sentido do músculo trapézio
• Tórax
ο face anterolateral: no sentido dos feixes do músculo peitoral maior ou no sentido do
músculo serrátil maior
ο face posterior: no sentido do músculo romboide
• Abdome
ο linha média: no sentido dos músculos retos abdominais
ο face anterolateral: no sentido dos feixes do músculo oblíquo maior
ο face posterior: no sentido dos feixes do músculo transverso
• Membro superior
ο face anterior: braço, no sentido dos feixes do músculo bíceps braquial; antebraço, no
sentido dos feixes pronador redondo e do flexor radial do carpo
ο face posterior: braço, no sentido dos feixes do deltoide; no sentido do tríceps braquial;
antebraço, no sentido dos feixes do músculo extensor dos dedos
• Membro inferior
ο face anterior: coxa, no sentido dos feixes do músculo costureiro; no sentido dos feixes do
músculo reto da coxa; perna, no sentido dos feixes do músculo tibial anterior
ο face posterior: coxa, no sentido dos feixes do músculo grácil; perna, no sentido dos
feixes do músculo gastrocnêmio
• Região glútea
ο no sentido dos feixes do músculo glúteo máximo.
Somente no vivo esses ferimentos tomam tais direções, em virtude da elasticidade e da
retratilidade dos tecidos.
As lesões produzidas nos órgãos profundos assumem forma de acordo com sua estrutura fibrosa,
cartilaginosa, óssea etc. Nos órgãos constituídos de várias túnicas, como, por exemplo, o estômago,
as lesões são orientadas em sentidos diversos: a serosa se mostra com a solução de continuidade
alongada; a túnica muscular tem o ferimento em direção às próprias fibras musculares; e, na mucosa,
há uma terceira direção, distinta das outras.
Em seu trajeto, os instrumentos perfurantes podem produzir ferimentos que terminam em fundo de
saco, em uma cavidade, ou podem transfixar um segmento, redundando assim em dois orifícios: um
de entrada e outro de saída, além de um trajeto. O orifício de entrada, como já se disse, tem formato
de ponto, de reduzidas dimensões e pouco sangrante. O orifício de saída, quando existe, é muito
parecido com o de entrada, apresentando, no entanto, suas bordas discretamente evertidas. O trajeto
dependerá, no que diz respeito à sua profundidade, do tamanho do instrumento ou da pressão
utilizada pelo agressor. No entanto, não se pode estabelecer o comprimento do meio perfurante pela
profundidade de penetração. Além de nem sempre penetrar em toda a sua extensão, pode ainda variar
essa profundidade com a posição da vítima. Pode acontecer de a profundidade de penetração ser
maior que o próprio comprimento da arma quando esta, por exemplo, atinge uma região onde haja
depressibilidade dos tecidos superficiais, como no ventre. Lacassagne chamou essas lesões de
“feridas em acordeão”.
A gravidade desses ferimentos depende do caráter vital dos órgãos e estruturas atingidos ou da
eventualidade de infecções supervenientes. Sua causa jurídica é, na maioria das vezes, homicida e,
mais raramente, de origem acidental ou suicida.
Lesões produzidas por ação cortante
Os meios ou instrumentos de ação cortante agem através de um gume mais ou menos afiado, por
um mecanismo de deslizamento sobre os tecidos e, na maioria das vezes, em sentido linear. A
navalha, a lâmina de barbear e o bisturi são exemplos de agentes produtores dessas ações.
As feridas produzidas por essa forma de ação, preferimos denominá-las, embora não
convenientemente, feridas cortantes, em vez de “feridas incisas”, deixando esta última expressão
para o resultado da incisão verificada em cirurgia, cujas características são bem diversas daquelas
das feridas produzidas pelos mais distintos meios cortantes, como também admitem Bonnet, Patitó,
Lachica, Guido Berro Rovira, Teke e Achával, entre tantos. Essa preferência se dá pelo fato de que
há momentos em que temos de distingui-las. Se em determinada perícia encontram-se ferimentos
produzidos por arma branca e outros provenientes de incisões cirúrgicas, temos de fazer a diferença
entre eles. Se em uma descrição o perito afirma existir uma ferida “com as características das
produzidas por uma incisão cirúrgica”, alguém pode indagar quais são tais características que
permitiram ao legista afirmar com convicção tal fato. Daí a necessidade de se estabelecerem não só
suas reais particularidades como se ter uma nomenclatura própria. Malgrado todo esforço, “cortante”
foi a expressão encontrada para rotular a ferida produzida por instrumento de gume diverso do
bisturi. A ferida da incisão cirúrgica começa e termina a pique, em uma mesma profundidade que se
estende de um extremo ao outro. Tem bordas bem regulares e excepcionalmente apresenta cauda de
escoriação. Já as feridas cortantes têm suas extremidades mais superficiais e a parte mediana mais
profunda, nem sempre se apresentando de forma regular. Tem como característica principal a
chamada “cauda de escoriação”. São também conhecidas como feridas fusiformes (em forma de
fuso) (Figura 4.3).
Essas feridas diferenciam-se das demais lesões pelas seguintes características:
• forma linear
• regularidade das bordas
• regularidade do fundo da lesão
• ausência de vestígios traumáticos em torno da ferida
• hemorragia quase sempre abundante
• predominância do comprimento sobre a profundidade
• afastamento das bordas da ferida
• presença de cauda de escoriação voltada para o lado onde terminou a ação do instrumento
• vertentes cortadas obliquamente
• centro da ferida mais profundo que as extremidades
• paredes da ferida lisas e regulares
• perfil de corte de aspecto angular, quando o instrumento atua de forma perpendicular, ou em
forma de bisel, quando o instrumento atua em sentido oblíquo ao plano atingido.
A forma linear da ferida é devida à ação cortante por deslizamento, principalmente quando um
instrumento afiado atua em sentido perpendicular à pele.
Figura 4.3 Ferida produzida por meio cortante (cauda de escoriação voltada para
baixo). (Arquivo do Prof. Nilo Jorge Rodrigues Gonçalves.) Esta figura encontra-se
reproduzida, em cores, no Encarte.
A regularidade das bordas das feridas cortantes deve-se ao gume mais ou menos afiado do
instrumento usado. São geralmente retilíneas graças à ação de deslizamento, embora, algumas vezes,
possam apresentar-se curvas ou em ziguezague pelo enrugamento momentâneo ou permanente da
região atingida. Esses desvios, no entanto, não produzem irregularidade das bordas da ferida.
A regularidade do fundo da lesão tem as mesmas explicações anteriores, devendo, portanto, aos
gumes afiados dos instrumentos utilizados.
Nesses tipos de ferimentos, não há vestígios de outra ação traumática, em virtude da ação
rápida e deslizante do instrumento e, ainda, pelo fio de gume, que não permite uma forma de pressão
mais intensa sobre os tecidos lesados. Assim, não se observam escoriações, equimoses ou infiltração
hemorrágica nas bordas ou em volta da ferida, nem, tampouco, pontes de tecido ligando uma vertente
da ferida à outra.
Quase sempre a hemorragia é vultosa, devido à fácil secção dos vasos, que, não sofrendo
hemostasia traumática, deixam seus orifícios naturalmente permeáveis. Outro fato explicativo desse
fenômeno é a maior retração dos tecidos superficiais, deixando o sangramento se processar
livremente. Tanto mais afiado o gume do instrumento, a profundidade da lesão e a maior riqueza
vascular da região atingida, mais abundante será a hemorragia.
O comprimento predomina sobre a profundidade nessas feridas, fato este devido à ação
deslizante do instrumento, à extensão usual do gume, ao movimento em arco exercido pelo braço do
agente e ao abaulamento das muitas regiões ou segmentos do corpo. A extensão da ferida é quase
sempre menor da que realmente foi produzida, em virtude da elasticidade e da retração dos tecidos
moles lesados. Nas regiões onde esses tecidos são mais ou menos fixos, como, por exemplo, nas
palmas das mãos e nas plantas dos pés, essas dimensões são teoricamente iguais.
O afastamento das bordas da ferida cortante tem explicação na elasticidade e tonicidade dos
tecidos e é mais acentuado onde os tecidos cutâneos são mais solicitados pela ação muscular, como
no pescoço e, ao contrário, onde essas solicitações não se mostram tão evidentes. Mais uma vez, o
exemplo são as plantas dos pés e as palmas das mãos. A retração dos tecidos é um fenômeno
exclusivo das lesões in vivo e depende do coeficiente de elasticidade de cada tecido. A maior
retração é a da pele, seguindo de forma descendente na tela subcutânea, nos vasos sanguíneos, nos
músculos e no tecido fibroso.
O instrumento cortante, agindo por deslizamento e seguindo uma direção em semicurva (como um
arco de violino) condicionada pelo braço do agressor ou pela curvatura da região ou do segmento
atingido, deixa, no final do ferimento, e apenas na epiderme, uma cauda de escoriação. Isso, no
entanto, não se constitui em regra geral. Há autores que consideram cauda inicial e cauda terminal.
Contra isso nos opomos por considerar que caudal é o mesmo que terminal. Cauda terminal é
redundância. O início do ferimento é mais brusco e mais fundo: portanto, não pode apresentar-se em
forma de cauda. Ao determinar-se cauda de escoriação, subentende-se que é a parte final da ação que
provocou a lesão, caracterizada pelo traço escoriado superficial da epiderme. Esse elemento tem
grande importância no diagnóstico da direção do ferimento, na diferença entre homicídio e suicídio,
na forma de crime e na posição do agressor.
Como a elasticidade e a retração dos tecidos moles são distintas nos diversos planos, mais
acentuadamente da superfície para a profundidade, as vertentes da ferida são cortadas
obliquamente.
Levando-se em conta que geralmente o ferimento começa e termina mais superficial, pela ação
em arco já descrita, o centro da ferida é sempre mais profundo. Essa profundidade, entretanto, não é
muito acentuada. É difícil um tipo de instrumento cortante capaz de alcançar órgãos cavitários ou
vitais, exceção feita ao pescoço, onde a morte pode sobrevir pela síndrome de “esgorjamento”.
As paredes da ferida são lisas e regulares , a não ser quando são atingidos planos superpostos
de estrutura e elasticidade diferentes, o que provoca desigualdade deste segmento de tecidos.
Se as feridas cortantes pudessem ser mostradas em corte sagital, teriam um perfil de aspecto
angular, de abertura para fora, ou seja, bem afastadas na superfície e seu término em ângulo agudo,
em uma legítima forma de V, isso quando o instrumento de corte age de forma perpendicular sobre o
plano ou segmento. Se, porém, o instrumento de corte atua obliquamente, sua forma é em bisel.
O diagnóstico das feridas produzidas por ação cortante é relativamente fácil. A dificuldade podese apresentar à distinção dos mais diversos instrumentos porventura utilizados.
Uma questão de suma importância é a ordem das lesões que se cruzam. Como a segunda lesão foi
produzida sobre a primeira, de bordas já afastadas, coaptando-se às margens de uma das feridas,
sendo ela a primeira a ser produzida, a outra não segue um trajeto em linha reta (sinal de Chavigny).
Esse fato não interessa apenas ao legista, mas também ao cirurgião, no sentido de suturar as feridas
pela ordem de agressão.
A data das feridas será avaliada pela evolução de sua própria cicatrização.
Quanto ao aspecto de terem sido as lesões produzidas in vitam ou post mortem, será discutido
em um item próprio do capítulo Tanatologia.
O prognóstico desses ferimentos é, em geral, de pouca gravidade, a não ser que sejam eles
profundos e venham a atingir vasos ou nervos, e até mesmo órgãos, como no esgorjamento, levando a
vítima, em muitas ocasiões, à morte.
No tocante à causa jurídica das feridas cortantes, devem-se levar em conta, entre outros dados, o
número de lesões, as regiões atingidas, a direção, a profundidade e a regularidade. Aqui, ninguém
pode esquecer as clássicas lesões de defesa – nas mãos, nos braços e até mesmo nos pés. Em tese, as
feridas cortantes são mais acidentais e homicidas que suicidas. Levar em conta que tais lesões,
chamadas de defesa, podem também ser resultantes de ações perfurantes, perfurocortantes,
cortocontundentes e contundentes.
Dentro do conjunto das lesões produzidas por ação cortante, existe o que se chama de
esquartejamento, traduzido pelo ato de dividir o corpo em partes (quartos), por amputação ou
desarticulação, quase sempre como modalidade de o autor livrar-se criminosamente do cadáver ou
impedir sua identificação (Figura 4.4 A).
A castração é também uma lesão produzida por ação cortante e tem na maioria das vezes a
finalidade e o instinto de vingança (Figura 4.4 B).
A decapitação é também de ocorrência rara e se traduz pela separação da cabeça do corpo e
pode ser oriunda de outras formas de ação além da cortante. Sua etiologia pode ser acidental ou
homicida e, mais raramente, suicida. Observam-se com mais frequência as decapitações depois da
morte, como forma de prejudicar a identificação da vítima (Figura 4.5 A).
A s feridas profundas da parede abdominal , conhecidas sob o rótulo de haraquiri, ainda que
fortuitas, não se pode dizer que elas não ocorram, principalmente levando-se em conta as colônias
japonesas entre nós. As lesões mais comuns nesses episódios são o amplo ferimento, as grandes
hemorragias, as eventrações e as eviscerações.
Essas feridas podem ainda ser produzidas como forma de estigmatizar a vítima, viva ou depois
da morte, para enfeiá-la ou deixar a marca de seus executores ou de suas facções (Figura 4.5 B).
Figura 4.4 A. Esquartejamento (IML/BA). B. Castração e feridas perfurocortantes
(Arquivo do Prof. Penna Lima). Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte.
Figura 4.5 A. Decapitação (IML/DF). B. Feridas estigmatizantes. (Arquivo do Prof.
Luiz Rodolpho Penna Lima.) A figura B encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte.
Figura 4.6 Esgorjamento suicida. (Arquivo do Prof. Nilo Jorge Rodrigues Gonçalves.)
Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte.
Figura 4.7 Esgorjamento homicida. Esta figura encontra-se reproduzida, em cores,
no Encarte.
Finalmente, neste contexto há ainda um tipo de lesão conhecida por esgorjamento e que se
caracteriza por uma longa ferida transversal do pescoço, de significativa profundidade, lesando além
dos planos cutâneos, vasculonervosos e musculares, órgãos mais internos como esôfago, laringe e
traqueia. Sua etiologia pode ser homicida ou suicida. Nos casos de suicídio, quando o indivíduo é
destro, o ferimento se dá da esquerda para a direita, sua localização é mais anterolateral esquerda e
termina ligeiramente voltada para baixo. Sua profundidade é maior no início da lesão, pois no final
da ação a vítima começa a perder as forças. As lesões da laringe e da traqueia no suicídio são menos
graves. Podem ocorrer nesses casos várias marcas no pescoço traduzidas por tentativas frustradas,
principalmente quando elas são paralelas e próximas umas das outras. Na maioria das vezes, a mão
da vítima que segura a arma está suja de sangue. A morte, nesses casos, se verifica por hemorragia,
pela secção dos vasos do pescoço; por asfixia, devido à secção da traqueia e aspiração do sangue; e
por embolia gasosa, por secção das veias jugulares (Figuras 4.6 e 4.7).
Nos casos de homicídio, há características bem diversas que podem fazer a diferença com o
suicídio. O autor desta ocorrência homicida sempre se coloca por trás da vítima, provocando um
ferimento da esquerda para direita, em sentido horizontal, uniforme, terminando com a mesma
profundidade do seu início, mas ligeiramente voltada para cima, atingindo algumas vezes a coluna
vertebral, onde é comum ficar a marca do instrumento usado (ver direção da ferida em Causas
Jurídicas da Morte – Capítulo 17).
Armas brancas
As armas brancas são assim chamadas pela brancura e pelo brilho de suas lâminas, enquanto as
“armas negras”, por serem feitas de ferro ordinário, sem gume e sem brilho. As armas brancas são
caracterizadas pela agressividade de seu gume afiado ou de sua extremidade pontiaguda ou de ambos
de uma vez só, e pelo uso dependente do manejo da ação humana. Tantas são as suas formas,
tamanhos e utilidades que um conceito mais preciso se torna difícil.
Seus exemplos mais comuns são: punhal, florete, estoque, navalha e faca-peixeira. Habitualmente
usados para o ataque ou a defesa, alguns instrumentos assim considerados também são destinados a
outros fins como trabalhos artesanal, culinário ou doméstico. Em geral, classificam-se quanto à forma
de agir em quatro espécies: perfurantes (forma alongada, largura pouco significante e ponta afilada),
cortantes (lâmina de pouca espessura e gume afiado), perfurocortantes (de lâmina estreita e
extremidade pontiaguda) e, também admitidas por alguns, as cortocontundentes (de gume mais ou
menos afiado e de peso considerável, o que dá ao instrumento maior poder de dano). Quanto a sua
forma, dividem-se em arma branca laminar com ponta e fio (bisturi, adaga), arma branca laminar com
fio (navalha), arma branca laminar com ponta (punhal, sabre) e arma branca cilíndrica com ponta
(florete, estilete).
As armas brancas clássicas são constituídas de um cabo ou empunhadura e de uma lâmina, mas
podem se constituir em uma única peça. No ponto de união entre o cabo e a lâmina pode existir uma
estrutura mais larga que a lâmina chamada cruz ou guarda-mão cuja finalidade é proteger a mão do
gume da arma.
A lâmina apresenta duas bordas, duas faces e uma ponta. Em geral, uma borda é romba e a outra é
afiada, podendo, em casos mais raros, ter um duplo fio, sendo chamadas de armas “vazadas”. Nas
faces pode haver uma depressão rasa e longitudinal que serve para dar maior flexibilidade e mais
resistência do material. Há uma crença popular de que essas fendas servem para entrada de ar e que
isso levaria ao agravamento da lesão.
Lesões produzidas por ação contundente
Entre os agentes mecânicos, os instrumentos contundentes são os maiores causadores de dano.
Sua ação é quase sempre produzida por um corpo de superfície, e suas lesões mais comuns se
verificam externamente, embora possam repercutir na profundidade. Agem por pressão, explosão,
deslizamento, percussão, compressão, descompressão, distensão, torção, fricção, por contragolpe ou
de forma mista. São meios ou instrumentos geralmente com uma superfície plana, a qual atua sobre o
corpo humano, produzindo as mais diversas modalidades de lesões. Essa superfície pode ser lisa,
áspera, anfratuosa ou irregular. Geralmente esses meios são sólidos e, com maior frequência,
líquidos ou gasosos. A contusão pode ser ativa, passiva ou mista, de conformidade com o estado de
repouso ou de movimento do corpo ou do meio contundente. É ativa a contusão quando apenas o
meio ou o instrumento se desloca. É passiva quando só o corpo humano está em movimento. As
mistas também são chamadas de biconvergentes ou biativas (quando o corpo humano e o instrumento
se movimentam com certa violência). O resultado da ação desses meios ou instrumentos é conhecido
geralmente por contusão.
As lesões produzidas por essa forma de energia mecânica sofrem uma incrível variação. Entre
elas, distinguem-se as variedades descritas a seguir.
Rubefação. Não chega a ser uma lesão, sob o ponto de vista anatomopatológico, por
não apresentar significativas e permanentes modificações de ordem estrutural, mas o é sob o ângulo
da Medicina Legal. Qualquer alteração da normalidade individual de origem violenta interessa ao
estudo e à análise técnico-pericial.
A rubefação ou eritema traumático caracteriza-se pela congestão repentina e momentânea de uma
região do corpo atingida pelo traumatismo, evidenciada por uma mancha avermelhada, efêmera e
fugaz, que desaparece em alguns minutos, daí sua necessidade de averiguação exigir brevidade. Seu
surgimento é imediato ao trauma. A bofetada na face ou nas nádegas de uma criança, onde muitas
vezes ficam impressos os dedos do agressor, configura exemplo dessa tipificação lesional.
Ao se restabelecer a normalidade circulatória regional atingida, desaparecem todos os seus
vestígios. A rubefação é a mais humilde e transitória de todas as lesões produzidas por ação
contundente.
Knight chama a atenção para o fato da possibilidade de se encontrar na pele do cadáver, em
contato com calor, uma zona de rubefação (pseudoeritema) até uma hora depois da cessação da
circulação.
Escoriação. Tem quase sempre como origem a ação tangencial dos meios contundentes.
Pode ser encontrada isolada ou associada a outras modalidades de lesões contusas mais graves. Tem
pouco significado clínico, mas assume um valor indiscutível na perícia médico-legal. Define-se, de
forma mais simples, como o arrancamento da epiderme e o desnudamento da derme, de onde fluem
serosidade e sangue. Simonin chamou-a de erosão epidérmica e Dalla Volta de abrasão.
Essa singela lesão epidérmica, que não traz um maior valor aos clínicos e cirurgiões pela sua
irrelevante importância médica, tem, no entanto, para a Medicina Legal, um valor transcendental.
Afirma Olympio Pereira da Silva, quando se refere à importância para o médico legista de uma
simples escoriação. “Vale, para este, como o ponteiro da bússola para o navegante indeciso; como o
facho de luz para quem tateia na escuridão; como o dedo providencial que aponta o pormenor
interessante na tela multifária da paisagem” (in Medicina Legal, Rio de Janeiro: Editora Liber Juris,
1974, p. 94).
Escoriação típica é aquela em que apenas a epiderme sofre a ação da violência. Quando a derme
é atingida, não é mais escoriação, e sim uma ferida. A escoriação não cicatriza, não deixa marcas. A
regeneração da área lesada é por reepitelização. Há o restitutio ad integrum.
Quando a ação atinge as cristas das papilas dérmicas, a crosta não é serosa, como na escoriação
típica, mas de constituição sero-hemática ou hemática, seguindo-se a uma tonalidade amareloavermelhada até um final pardacento, quando a crosta vai-se despregando, pouco a pouco, da
periferia para o centro, deixando uma área despigmentada.
Nas escoriações produzidas post mortem, não há formação de crosta; a derme é branca e não
sugila serosidade nem sangue de suas papilas. O leito da escoriação produzida depois da morte é
seco, descorado e apergaminhado.
Escoriação que deixa cicatriz não é escoriação. O único vestígio de recenticidade é uma mancha
rósea, descorada, que desaparece com poucos dias.
A idade de uma escoriação tem fundamental interesse médico-legal, e isto é feito através da
observação cuidadosa do aspecto da lesão, da crosta e da coloração concernente ao tempo de
reepitelização.
A forma dessa lesão também tem importância pericial. Como na sua maioria as escoriações são
produzidas por ação contundente, elas têm a forma de placa. Algumas vezes, o instrumento ou meio
causador da escoriação deixa impresso, no corpo da vítima, sua marca. Os saltos de sapato, as
palmatórias e as fivelas de cintos são exemplos dessa natureza.
Mesmo que as escoriações sejam estudadas entre as lesões produzidas por ação contundente, a
observação delas tem demonstrado que outros tipos de ação também produzem tais alterações.
Assim, não é nenhuma surpresa uma escoriação desse tipo ter sido produzida por pedaços de vidro,
agulhas, pregos, farpas de arame, pontas de faca-peixeira, lâminas de barbear, unhas, entre outros.
Todavia, nessas circunstâncias, a escoriação tem sempre a forma linear: retilínea, curva, sinuosa,
curta, longa, em estrias, em faixas etc.
A sede da escoriação não deixa de ter certa relevância na perícia da vítima ou do agressor,
principalmente no que diz respeito à natureza da agressão ou da defesa. Escoriações ungueais ou
rastros escoriativos ungueais, no pescoço ou em volta das asas do nariz, são importantes na
suposição homicida (Figura 4.8). Nas coxas, nas mamas, nos genitais externos, nas nádegas, supõe-se
parte de agressão sexual.
Outro elemento de realce é o número dessas lesões. Se múltiplas, em várias regiões e de formas
diversas, levanta-se a hipótese de traumatismos sucessivos, como, por exemplo, nos atropelamentos.
Lesões de formas idênticas, mesmo em regiões diferentes, pode-se pensar em sevícias,
principalmente quando são de cronologia diferente.
Figura 4.8 Rastros escoriativos ungueais.
Equimose. Trata-se de lesões que se traduzem por infiltração hemorrágica nas malhas
dos tecidos (Figura 4.9). Para que ela se verifique, é necessária a presença de um plano mais
resistente abaixo da região traumatizada e de ruptura capilar, permitindo, assim, o extravasamento
sanguíneo. Em geral, são superficiais, mas podem surgir nas massas musculares, nas vísceras e no
periósteo. Thoinot dizia que a equimose era uma prova irrefutável de reação vital.
Quando se apresenta em forma de pequenos grãos, recebe o nome de sugilação e, quando em
forma de estrias, toma a denominação de víbice (Figura 4.10). E petéquias, pequenas equimoses,
quase sempre agrupadas e caracterizadas por um pontilhado hemorrágico.
Equimona, como sinônimo de equimose de grande proporção, é expressão pouco usada entre nós.
As equimoses nem sempre surgem de imediato ou nos locais de traumatismo. Não é muito raro,
nos traumatismos cranioencefálicos mais graves, surgirem tardiamente equimoses palpebrais,
subconjuntivas, mastóideas, faríngeas e, com menos frequência, cervicais. Uma contusão no terço
médio do braço pode ocasionar uma equimose na prega anterior do cotovelo. Pode ela também ser de
origem espontânea, mais comum nos braços e nas coxas das mulheres.
A forma das equimoses significa muito para os legistas. Às vezes, imprime a marca dos objetos
que lhe deram origem (equimoses figuradas) com mais fidelidade do que as escoriações. Dedos de
uma mão, anéis, pneus de automóveis (estrias pneumáticas de Simonin) e tranças de corda podem
deixar suas impressões em regiões atingidas (Figura 4.11). A equimose de sucção, provocada pelo
beijo, imprime, vez por outra, em locais como o pescoço e o colo, a forma dos lábios, explicada pela
diferença das pressões infra e extravasal, dando um aspecto de “violetas róseo-equimóticas”.
Figura 4.9 Equimose palpebral.
Figura 4.10 Víbices (IML-DF).
Quando a equimose é produzida por objetos cilíndricos, como bastões, cassetetes, bengalas,
deixa, em vez de uma marca, duas equimoses longas e paralelas, conhecidas por víbices, em virtude
de o extravasamento do sangue verificar-se ao lado do traumatismo e não na sua linha de impacto.
A tonalidade da equimose é outro aspecto de grande interesse médico-pericial. De início, é
sempre avermelhada (Figura 4.11). Depois, com o correr do tempo, ela se apresenta vermelhoescura, violácea, azulada, esverdeada e, finalmente, amarelada, desaparecendo, em média, entre 15 e
20 dias.
Essa mudança de tonalidades que se processa em uma equimose tem o nome de “espectro
equimótico de Legrand du Saulle”. Em geral, é vermelha no primeiro dia, violácea no segundo e no
terceiro, azul do quarto ao sexto, esverdeada do sétimo ao 10o, amarelada por volta do 12o dia,
desaparecendo em torno do 15o ao 20o. O valor cronológico dessas alterações é relativo. O tempo de
duração e por consequência a implicação na modificação da tonalidade das equimoses variam de
acordo com a quantidade e a profundidade do sangue extravasado, com a elasticidade do tecido que
pode ou não facilitar a reabsorção, com a capacidade individual de coagulação, com a quantidade e
o calibre dos vasos atingidos e com algumas características das vítimas como idade, sexo, estado
geral etc. Por isso, este valor cronológico é relativo.
Figura 4.11 Estrias pneumáticas de Simonin. (Arquivo do Prof. Penna Lima.) Esta
figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte.
As equimoses podem até ser vistas melhor ou mesmo identificadas quando são pouco evidentes
ou não visíveis, como em pessoas de pele escura, se examinadas sob o efeito da luz ultravioleta (toda
luz ultravioleta não é da lâmpada de Wood). Todavia, esse recurso não é o bastante para se avaliar a
idade da equimose e, por conseguinte, o tempo da contusão. O meio utilizado ainda é o critério
clínico pela inspeção baseando-se na tonalidade da equimose, mesmo sob um prisma subjetivo.
As equimoses da conjuntiva ocular não sofrem a sucessão de tonalidades em virtude de ser a
conjuntiva muito porosa e de oxigenação fácil, não permitindo que a oxi-hemoglobina se transforme e
se decomponha. Esta se mantém de colorido vermelho até sua total reabsorção (Figura 4.12).
A sucessão das diversas tonalidades noutras regiões tem como explicação a transformação da
hemoglobina extravasada das hemácias em hematina e globina. A primeira vai-se reduzindo aos seus
produtos finais de decomposição – a hematoidina e a hemossiderina. Essa variação de tonalidades se
processa, na maioria das vezes, da periferia para o centro da mancha equimótica, até seu
desaparecimento total. Há certas causas que retardam ou aceleram a absorção das equimoses. Na
criança, é mais rápida que nos velhos. Será tanto mais lenta quanto mais extenso, mais profundo e
mais abundante for o extravasamento hemorrágico. No morto, a equimose mantém seu colorido até
surgirem os fenômenos putrefativos que lhe modificam as peculiaridades.
A absorção dos pigmentos verifica-se por atividade fagocitária. Esse dado é importante à
perícia, pois algum tempo mais tarde pode esse pigmento ser encontrado na rede ganglionar da região
atingida, mesmo após o desaparecimento da equimose (sinal de Kunckel).
Também pode ser realizado o estudo histológico da evolução das equimoses. Módica, em Viena,
emprestou a maior contribuição a este aspecto. Observou que, nas primeiras 24 h, as hemácias se
descoram; no terceiro dia, se descoram muito mais e se deformam; no quarto dia, surgem células
fagocitárias; no nono dia, maior é a destruição das hemácias e os fagócitos digerem glóbulos e
pigmentos; no 12o dia, todos os glóbulos estão rotos; e, no 18o, predominam as células pigmentárias e
as hemácias estão todas destruídas. A hemoglobina se mantém nos glóbulos apenas no primeiro dia,
depois difunde-se nos tecidos. No terceiro dia, surge hemossiderina e só muito mais tarde aparece a
hematoidina, que, segundo Düerck, permanece cristalizada até 60 dias. Não se deve esperar que essa
evolução seja cronometricamente certa.
Figura 4.12 Equimoses palpebral e conjuntival. (Arquivo do Prof. Guido Berro.) Esta
figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte.
O diagnóstico diferencial da equimose deve ser feito com o livor hipostático. A equimose
apresenta sangue coagulado, presença de malhas de fibrina, infiltração hemorrágica, presença em
qualquer lugar do corpo, sangue fora dos vasos, rupturas de vasos e mais particularmente de
capilares, sinais de transformação de hemoglobina e ausência de meta-hemoglobina. O livor
hipostático mostra sangue não coagulado, ausência de malhas de fibrina, ausência de infiltração
hemorrágica, presença em locais específicos – é visível nas zonas de decúbito –, integridade de
vasos capilares, sangue dentro dos vasos, ausência de transformação hemoglobínica, presença de
meta-hemoglobina neutra e sulfídrica vista através da espectroscopia. É importante também sua
diferença com as equimoses não traumáticas, como as que ocorrem em certas doenças, a exemplo da
púrpura, do eritema nodoso, do escorbuto e das doenças de Werlhof e de Barlow.
As equimoses profundas mais habituais são as petéquias pequeninas e arredondadas, vistas por
transparência através das serosas das vísceras ou de certas regiões, como as equimoses subpleurais e
subpericárdicas (sinal de Tardieu), ou no tecido subpalpebral, quando das asfixias mecânicas. Não
confundir a hipóstase visceral com equimose.
Sendo assim, o estudo das equimoses empresta um grande subsídio ao perito médico-legal. Sua
tonalidade permite esclarecer a idade. Sua forma pode denunciar o tipo de instrumento que a
produziu (Figura 4.11). E o local em que ela se encontra conduz a uma avaliação sobre a natureza da
causalidade jurídica.
A localização e o aspecto das contusões, como também sua multiplicidade, embora de valor
significativo na conclusão de vários traumatismos, podem ter causas diversas. Balthazard foi, certa
vez, chamado para examinar o corpo de um homem encontrado morto em um bordel, onde passara a
noite com uma mulher. Na manhã seguinte, ela fugira e o cadáver apresentava várias equimoses no
lado esquerdo. A polícia pensou em crime. Após o mestre necropsiar o corpo, provou ter havido
hemorragia cerebral com hemiplegia consecutiva. Cada vez que ele tentava levantar-se, caía sempre
do mesmo lado: o da hemiplegia. E as equimoses nada mais representavam senão cada impacto do
corpo nas tentativas de erguer-se.
Por fim, devemos considerar que para a formação de uma equimose é necessário que o indivíduo
esteja vivo, permitindo assim que o fenômeno se processe e se organize por meio da homodinâmica.
São necessários traumatismo, ruptura capilar, extravasamento sanguíneo, circulação ativa e sua
infiltração progressiva através da pulsação continuada dos pequenos vasos nas malhas dos tecidos
atingidos. Logo, a equimose só pode ser verificada em vida.
Simonin afirma que “uma equimose nitidamente caracterizada por sangue coagulado incorporado
às malhas do tecido prova que a lesão se deu em vida” (in Medicina Legal Judicial, 2a edição em
espanhol, Barcelona: Editorail Jims, 1973, p. 69).
Falando sobre as equimoses, Alberto Teke diz que “são sempre vitais, isto é, não se produzem no
cadáver” (in Medicina Legal, 2a edição, Santiago: Publicaciones Técnicas Mediterraneo, 2001, p.
54).
Emilio Pablo Bonnet observa de forma enfática: “a equimose é uma lesão vital por excelência.”
E cita Thoinot que de forma dogmática sintetiza: “a equimose é uma prova irrefutável de que a
contusão teve lugar em vida” (in Medicina Legal, 2a edição, volume I, Buenos Aires: Lopez Libreros
Editores, 1980, p. 447), ou seja, só o vivo tem o poder de reagir e ter em consequência este tipo de
lesão.
José Nagel Patitó se reporta da seguinte maneira: “Em resumo a equimose se caracteriza por:
estado cutâneo, ruptura de elemento vascular, existência de condições de hemodinâmica ativa,
extravasamento hemático e infiltração hemática tissular. Por tudo isto, a equimose é uma lesão vital”
(in Tratado de Medicina Legal y Elementos de Patologia Forense, Buenos Aires: Editorial
Quorum, 2003, p. 433).
Flamínio Fávero assegura que “uma equimose que se apresente com tonalidade própria à sua
evolução, traduz fenômeno vital, indicando, pois, que, na ocasião, a vítima vivia, na hipótese de se
apresentar cadáver” (in Medicina Legal, 4a edição, São Paulo: Livraria Martins Editora, 1951, p.
275).
No morto, por não haver circulação sanguínea ativa, o máximo que se pode ter é a tonalidade
mantida da equimose do vivo até surgirem os fenômenos putrefativos que lhe modificam suas
peculiaridades. Mas nunca a produção de uma equimose post mortem. Por essas e outras razões que,
por menor que seja uma equimose, ela sempre empresta um grande subsídio ao perito médico-legal.
Sua tonalidade permite esclarecer a idade e sua presença uma reação vital.
Edema. É o acúmulo de líquido no espaço intersticial e é constituído por uma solução
aquosa de sais e proteínas do plasma, variando de acordo com sua etiologia. Quando aparece em
determinado local e circunscrito a pequenos volumes chama-se de edema localizado. No estudo das
lesões decorrentes da ação contundente interessa mais o chamado “edema por ação mecânica direta”,
que tem como causas principais a torção, a percussão ou a pressão. Em muitos casos, o edema é
agravado pela ação endógena da histamina.
Hematoma. O maior extravasamento de sangue de um vaso bastante calibroso e a sua
não difusão nas malhas dos tecidos moles dão, em consequência, um hematoma. Formam-se, no
interior dos tecidos, verdadeiras cavidades, onde surge uma coleção sanguínea. Pela palpação da
região afetada, percebe-se a sensação de flutuação.
O hematoma, em geral, faz relevo na pele, tem delimitação mais ou menos nítida e é de absorção
mais demorada que a equimose. Pode também ser profundo e encontrado nas cavidades ou dentro dos
órgãos, e, por isso, é chamado de hematoma intraparenquimatoso (intra-hepático, intrarrenal ou
intracerebral) (Figuras 4.13 e 4.14 A).
Figura 4.13 Lesão produzida por ação contundente (hematoma subdural).
Figura 4.14 A. Lesão produzida por ação contundente (hematoma extradural). B.
Desenluvamento por tração de anel. (Arquivo do Dr. Carlos Henrique S. Durão.) A figura
A encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte.
Bossa sanguínea. A bossa sanguínea diferencia-se do hematoma por apresentar-se
sempre sobre um plano ósseo e pela sua saliência bem pronunciada na superfície cutânea. É muito
comum nos traumatismos do couro cabeludo e é vulgarmente conhecida por “galo”.
Ferida contusa. Trata-se de lesões abertas cuja ação contundente foi capaz de vencer a
resistência e a elasticidade dos planos moles. São produzidas por compressão, pressão, percussão,
arrastamento, explosão e tração (Figura 4.14 B).
Como as feridas contusas são produzidas por meios ou instrumentos de superfície e não de gume,
mais ou menos afiados, apresentam elas as seguintes características:
• forma estrelada, sinuosa ou retilínea
• bordas irregulares, escoriadas e equimosadas
• fundo irregular
• vertentes irregulares
• pontes de tecido íntegro ligando as vertentes
• retração das bordas da ferida
• pouco sangrantes
• integridade de vasos, nervos e tendões no fundo da lesão
• ângulo tendendo à obtusidade.
A forma da ferida contusa é quase sempre sinuosa ou estrelada, e mais raramente retilínea,
variando de acordo com a forma do instrumento, a região atingida e a violência da contusão.
A irregularidade das bordas da ferida contusa é justificada pela ação brusca da superfície do
meio ou instrumento causador da agressão. A ferida da pele é irregular, desigual, anfratuosa,
serrilhada ou franjada. As escoriações em torno do ferimento ou nas bordas da própria ferida são
justificadas pelo mecanismo de contusão por ação oblíqua ou perpendicular ao plano cutâneo. E as
equimoses das bordas da lesão são de pouca monta em virtude do extravasamento do sangue, que sai
para o exterior pelo próprio ferimento.
O fundo da ferida é sempre irregular pela ação mais evidente dos planos superficiais e seu
irregular mecanismo de agressão.
A s vertentes são irregulares , pois o meio traumático, atingindo de maneira disforme e não
alcançando ele próprio a profundidade, torna essas margens irregulares.
Não é muito raro existirem, entre uma borda e outra da ferida, pontes de tecido íntegro
constituídas principalmente de fibras elásticas da derme que distenderam durante a contusão, mas não
chegaram a se romper (Figura 4.15). Podem também surgir, nesses tipos de ferimentos, fragmentos de
pele de dimensões várias ligados apenas a uma das vertentes.
A retração das bordas da ferida deve-se à reação vital e é maior na pele e menor nos planos
mais profundos.
As feridas contusas são menos sangrantes que as cortantes, pois a compressão exercida pelo
meio ou instrumento esmaga a luz dos vasos lesados, levando, por assim dizer, a uma hemostasia
traumática.
O fundo da lesão sempre mostra vasos, nervos ou tendões que não se rompem devido à maior
elasticidade e maior resistência desses elementos.
Os ângulos da ferida, em número de dois ou mais, de acordo com a forma da lesão apresentam
tendências à obtusidade.
As características das feridas contusas orientam o perito sobre a direção do meio ou instrumento
lesivo, podem demonstrar se foram realizados em vida ou depois da morte, a forma do instrumento
utilizado, a natureza da violência e, ainda, a sua gravidade e prognóstico. A causalidade jurídica
desses ferimentos é sempre acidental ou homicida e, mais esporadicamente, suicida.
As feridas contusas no couro cabeludo, além das características anteriores, apresentam o que
Simonin chamou de erosão epidérmica marginal apergaminhada, em derredor da lesão.
Fraturas. Decorrem dos mecanismos de compressão, flexão ou torção e caracterizam-se
pela solução de continuidade dos ossos. São chamadas de diretas, quando se verificam no próprio
local do traumatismo, e indiretas, quando provêm de violência em uma região mais ou menos
distante do local fraturado. Estas últimas têm como exemplo o indivíduo que cai de uma certa altura
em pé e fratura a base do crânio por contragolpe.
Figura 4.15 Lesão produzida por ação contundente (pontes de tecido íntegro). Esta
figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte.
A fratura pode estar reduzida a um simples traço ou a vários traços. Ou, ainda, reduzida a vários
fragmentos, tomando a denominação de fratura cominutiva (Figura 4.16).
Algumas vezes, é a fratura fechada (subcutânea) e, outras vezes, aberta (exposta). Quanto à sua
extensão, dividem-se as fraturas em completas e incompletas.
Nas crianças, pelo fato de terem o esqueleto mais cartilaginoso, pode haver apenas a deformação
do osso sem fratura ou esta apresentar-se de forma incompleta (fratura em galho verde).
No que diz respeito à orientação das fraturas, elas classificam-se em: transversais, longitudinais,
oblíquas, espiraladas, em hélice, em passo de parafuso, em galho verde, em T e em Y. Na produção
das fraturas, incidem os seguintes elementos: violência da ação do agente traumático, local onde se
exerce a ação e causas predisponentes.
O diagnóstico da fratura deve ser orientado pela dor local espontânea e aumentada com os
movimentos e pela palpação, redução dos movimentos, deformidades, execução de movimentos
anormais, sensação pela palpação de ossos crepitando e, principalmente, pelos raios X. Por fim,
pode ocorrer a desarticulação dos ossos da cabeça, na maioria das vezes acompanhada de fraturas,
conhecida por disjunção craniofacial e sempre motivada por grande impacto, principalmente quando
o corpo humano é deslocado de encontro a um objeto parado, como nos acidentes de trânsito (Figura
4.17 A).
Além das fraturas da calvária, há uma forma especial que deve ter a devida atenção da perícia: a
fratura da base do crânio. Na maioria das vezes, tem como origem a propagação da fissura que
parte da calvária até os andares anterior, médio e posterior da base. De acordo com o mecanismo
compressivo de ação, agindo com potência ou resistência, teremos a direção da linha da fratura:
longitudinal – quando a incidência da força é anteroposterior; transversal – quando a incidência é
laterolateral; circular – quando, por exemplo, em redor do buraco occipital, provocada por queda
em que o indivíduo cai em pé, ajoelhado ou sentado, pelo impacto da coluna vertebral sobre o
crânio. Ou, ainda, em volta da apófise crista galli, com o seu afundamento, nas quedas sobre o nariz
ou o mento (Figura 4.17 B).
No estudo das fraturas, é muito importante, em determinados casos, tanto nas necropsias comuns
como nas necropsias pós-exumáticas tardias, o diagnóstico dos sinais vitais para a convicção de a
fratura ter se verificado antes ou depois da morte. Este diagnóstico pode ser feito por meios
macroscópico, histológico, químico e espectrográfico.
O diagnóstico macroscópico consiste na constatação de infiltração hemorrágica em foco de
fratura. O estudo histológico é realizado pelos meios microscópicos convencionais. O exame
químico, através dos percentuais de histamina, catepina D, serotonina, ferro, cobre, zinco e proteínas
liberadas no local da fratura, em relação com os tecidos normais adjacentes. E o exame
espectrográfico, por meio da microscopia eletrônica de varredura.
Figura 4.16 Fraturas múltiplas da calvária.
Figura 4.17 A. Esmagamento craniofacial (IML/DF). B. Fraturas de base de crânio e
o sentido das forças de potência e resistência: 1. longitudinal; 2. transversal; 3. nas
quedas com impacto da coluna vertebral contra a base do crânio (in Vanrell, apud
Teixeira, modificado).
Uma das mais graves complicações das fraturas diafisárias dos ossos longos e da pélvis é a
embolia gordurosa, que ocorre em 90% dos casos e é consequente ao desgarramento de pequenos
fragmentos da medula óssea desses ossos. As embolias gordurosas podem também surgir, embora
raramente, em casos de lesões de vísceras maciças, principalmente de um fígado gorduroso. A
quantidade mínima de gordura (90 a 120 ml) que circula no sangue humano não gera essas formas de
embolias.
Luxações. São caracterizadas pelo deslocamento de dois ossos cujas superfícies de
articulação deixam de manter suas relações de contato que lhes são comuns. São denominadas
completas, quando as superfícies de contato se afastam totalmente, e incompletas, quando a perda de
contato das superfícies articulares é parcial. Podem ser fechadas e expostas. As mais comuns são as
luxações do ombro, do cotovelo, do joelho e do tornozelo.
Entorses. São lesões articulares provocadas por movimentos exagerados dos ossos que
compõem uma articulação, incidindo apenas sobre os ligamentos. Uma flexão intensa de uma mão
sobre o antebraço, uma abdução mais brusca do polegar sobre o seu metacarpo, um pé mal assentado
no solo ou uma rotação mais violenta de um joelho são exemplos de causas capazes de produzir uma
entorse.
A sintomatologia mais comum é a dor intensa, ao nível da articulação atingida, que se exacerba
com a movimentação ativa ou passiva e pela palpação. Notam-se ainda perturbação funcional com
redução temporária da função, tumefação, rubor local, movimentos articulares anormais e, às vezes,
equimose ou hematoma da região lesada.
Nos casos mais graves, podem verificar-se rupturas de ligamentos, desinserções de ligamentos,
rupturas musculares, rupturas de tendões, derrame seroso ou hemorrágico na cavidade articular,
fraturas ósseas e até mesmo arrancamento de pequenas porções do osso que se prende a ligamentos.
Em geral, seu prognóstico é bom, e, quando não existem complicações mais sérias, sua cura se
processa de 10 a 15 dias, principalmente quando são tratadas corretamente.
Rupturas de vísceras internas. Um impacto violento sobre o corpo humano pode
resultar em lesões mais profundas, determinando rupturas de órgãos internos. Os ferimentos externos
nem sempre são proporcionais ao caráter grave dos resultados internos.
Há circunstâncias que condicionam ou agravam essas lesões: força do traumatismo, região
atingida, condições fisiológicas especiais (útero grávido, repleção da bexiga, do estômago e dos
intestinos), certas condições patológicas; um baço ou um fígado aumentados são mais facilmente
atingidos.
A ação traumática pode ser por compressão, pressão, percussão, tração e explosão.
Todas as vísceras estão sujeitas a essa forma de lesão. No entanto, as mais comuns são: fígado,
baço, rins, pulmões, intestinos, pâncreas e suprarrenais.
As teorias que explicam o mecanismo dessas rupturas são as seguintes:
Teoria da pressão hidráulica. Segue a lei de Pascal. A pressão sofrida por um órgão
interno equipara-se a um recipiente cheio de água onde a força é exercida em todas as direções,
vencendo no lugar de menor resistência. Essa teoria é mais aplicada para os órgãos ocos.
Teoria da hipercurvatura. Certas rupturas dependem da própria curvatura do órgão. É
sempre transversal nas faces anterior e posterior das vísceras encurvadas. Assim, no fígado, se o
agente atua em sentido anteroposterior, a ruptura será transversal e na face convexa. E será em
sentido longitudinal, se o traumatismo for em sentido lateral (Figura 4.18). Estes ferimentos, em geral
arqueados e paralelos, são conhecidos como sinal de Vinokurova, podendo em casos de
atropelamento apontar a direção do veículo.
Teoria das modificações de forma. Um órgão arredondado, quando comprimido em
certa direção, modifica sua forma e diminui seu eixo no ponto onde sofre a pressão. No mesmo
instante, esse órgão tem seus meridianos desviados passando sobre aquele ponto e, ainda, uma
ampliação dos círculos paralelos. A ruptura será sempre na direção dos meridianos, isto é, na
direção da ação traumática (Figura 4.19).
Há um conjunto de lesões que, ao ser encontrado – rupturas de órgãos maciços, ausência de
sinais de violência sobre o tegumento abdominal e prolapso retal –, em casos de suspeita de
crueldade ou tortura, pode ser proveniente de pisões propositais sobre o abdome, principalmente de
adultos contra crianças (tríade do pisão). Há outras causas, como: do contragolpe, da ruptura pelo
aumento brusco da pressão interna (pulmões) e da laceração motivada pelos ligamentos de
suspensão.
Figura 4.18 Ruptura do fígado por contusão (sentido lateral).
Figura 4.19 Ruptura do coração (ação contundente).
O perito não pode esquecer das rupturas e hemorragias espontâneas de órgãos doentes cuja lesão
nada tem a ver com uma contusão. Assim, são as perfurações do estômago e intestinos por processo
infeccioso, a ruptura de aneurisma da aorta e o desgarramento de um baço gigantesco por
hiperesplenismo. Pode também a perícia determinar se o traumatismo foi causa agravante ou
condicionante de uma ruptura em uma lesão corporal seguida de morte quando o agente não quis o
resultado, mas assumiu o risco de produzi-lo. Aí, a lesão é dolosa, mas o resultado é culposo.
Prolapso de vísceras internas. Sob o efeito de uma violenta pressão sobre o
abdome ou tórax pode ocorrer um prolapso retal, inclusive com a exposição dos intestinos ou um
prolapso genital com a saída do útero e da bexiga. Mais raramente pode-se observar a projeção de
órgãos torácicos e abdominais pela boca (Figura 4.20 A).
Lesões produzidas por artefatos explosivos. Chama-se de explosão um
mecanismo produzido pela transformação química de determinadas substâncias que, de forma
violenta e brusca, produz uma quantidade excessiva de gases com capacidade de causar malefícios à
vida ou à saúde de um ou de vários indivíduos.
Na maioria das vezes, sem contar com o seu uso bélico, ela é de origem acidental, mas pode ter
como etiologia o homicídio e mais raramente o suicídio.
As lesões produzidas por esses artefatos podem ser por ação mecânica e por ação da onda
explosiva. As primeiras são provenientes do material que compõe o artefato e dos escombros que
atingem as vítimas. As outras são decorrentes das ondas de pressão e sucção, que compõem a
chamada síndrome explosiva ou blast injury.
As lesões provocadas pela ação mecânica da explosão estão representadas por ferimentos,
mutilações e fraturas, os quais são produzidos quase exclusivamente pelos escombros das estruturas
atingidas, variando, é claro, com o grau de intensidade do explosivo e da distância que se encontra a
vítima. A região do corpo também varia muito, pois depende da forma do artefato usado. Se é cartabomba, por exemplo, as regiões mais atingidas são as mãos e a face. Se é na modalidade mina, os
pés são os mais atingidos (Figura 4.20 B).
A blast injury é um conjunto de manifestações violentas e produzida pela expansão gasosa de
uma explosão potente, acompanhada de uma onda de pressão ou de choque que se desloca brusca e
rapidamente em uma velocidade muito grande, a pouca distância da vítima e, mais grave, em locais
fechados. Segundo William, esta força, para produzir lesões no homem, deve ser no mínimo de 3
libras por polegada quadrada. Se a expansão da onda explosiva ocorre dentro d’água, verificam-se
os mesmos efeitos, levando em conta que a água apresenta uma velocidade de propagação e
intensidade de 1.600 m por segundo.
As lesões provocadas pela expansão gasosa atingem diversos órgãos e se caracterizam de acordo
com a sua forma, disposição e consistência. A lesão mais comum é a ruptura do tímpano (“blast”
auditiva). É representado por rupturas lineares da metade anterior do tímpano, comumente bilateral.
Nos casos mais benignos, pode-se verificar uma surdez passageira por comoção labiríntica.
A “blast” pulmonar é também muito comum e apresenta-se com hemorragia capilar difusa dos
lobos médio e inferiores e equimoses subpleurais, e suas vítimas têm escarros hemoptoicos. Os
alvéolos ficam distendidos e rotos, podendo os pulmões apresentarem impressões costais na sua
superfície.
A “blast” abdominal mostra o estômago com infiltrados hemorrágicos da mucosa ou serosa, e em
alguns casos até rupturas. Os intestinos também são mais agredidos, exibindo sangramentos dispostos
em anéis na parte terminal do íleo e do ceco, podendo apresentar perfurações.
A “blast” cerebral caracteriza-se, na maioria das vezes, pela presença de hematomas subdurais
ou hemorragia ventricular.
A “blast” ocular, de menor frequência, caracteriza-se pela hemorragia do vítreo, equimose
subconjuntival intensa e cegueira definitiva ou temporária.
O coração é o órgão que suporta melhor as ondas de expansão da blast injury.
A necropsia das vítimas da blast injury, em casos nos quais houve apenas a ação da onda
explosiva, pode não mostrar nenhuma lesão externa e tão só lesões internas, caracterizadas pelos
danos graves em órgãos internos, principalmente pulmões, estômago, intestinos, baço, rins e fígado.
Hoje, com o surgimento dos atentados suicidas por bombas, além dos objetos de metal de que se
compõem os artefatos explosivos, há também a preocupação com a dispersão do material biológico
do próprio responsável por tais ações, pois este material, principalmente fragmentos ósseos, pode
representar uma fonte de transmissão de doenças infecciosas graves, como AIDS e hepatite.
Lesões por martelo. De causa quase sempre dolosa, essas lesões, quando produzidas
com certa violência, podem apresentar danos graves, como, por exemplo, afundamentos ósseos do
segmento golpeado, reproduzindo a perda de tecidos quase semelhante à forma e às dimensões
daquele objeto agressor. Quando a ação é em sentido perpendicular, estas lesões são conhecidas
como “fratura perfurante” ou “fratura em vazador” ou “fratura em saca-bocados” de Strassmann
(Figura 4.21).
Figura 4.20 A. Prolapso intestinal (ação contundente – pressão). B. Lesões
produzidas por explosivos. Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte.
Pode ocorrer também um afundamento parcial e uniforme com inúmeras fissuras, em forma de
arcos e meridianos, e, por isso, denominado sinal do mapa-múndi de Carrara (Figura 4.22).
Quando o traumatismo se verifica tangencialmente, produz uma fratura de forma triangular com a
base aderida à porção óssea vizinha e com o vértice solto e dirigido para dentro da cavidade
craniana. Esse é o sinal em “terraza” de Hoffmann.
Estas lesões também podem ser produzidas por outros objetos como coronhas de revólver ou
pistola, caibros ou mesmo quinas de objetos mais resistentes.
Encravamento. É uma modalidade de ferimento produzida pela penetração de um
objeto afiado e consistente, em qualquer parte do corpo. São ocorrências de grande impacto, quando
o corpo do indivíduo se desloca violentamente de encontro ao objeto, ou quando ambos se defrontam
em grande velocidade (Figura 4.23).
Sua natureza etiológica é quase sempre acidental.
Empalamento. Essa forma especial de encravamento caracteriza-se pela penetração de
um objeto de grande eixo longitudinal, na maioria das vezes consistente e delgado, no ânus ou na
região perineal. As lesões são sempre múltiplas e variadas, sua profundidade varia de acordo com o
impacto e as dimensões do objeto contusivo.
Figura 4.21 Lesão produzida por ação contundente na calvária (sinal de
Strassmann). Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte.
Figura 4.22 Fratura da calvária vista pela lâmina interna (sinal do “mapa-múndi” de
Carrara). Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte.
Figura 4.23 Encravamento (IML/CE). Esta figura encontra-se reproduzida, em cores,
no Encarte.
É necessário, no entanto, em certas ocasiões, fazer a diferença entre o empalamento e a
introdução voluntária de corpos estranhos no ânus. Nesta última hipótese, não se observam grandes
mutilações perineais; dificilmente ocorrem lesões intra-abdominais, e os objetos são menos
irregulares.
Lesões por achatamento. Também chamadas “por esmagamento”, são provenientes
de violenta ação por pressão ou compressão sobre o corpo ou parte dele, e que tem como exemplo
mais comum aquelas produzidas pela passagem de um veículo em movimento. Estas lesões
apresentam escoriações de arrastão, feridas contusas com desgarramento de retalhos de pele,
hematomas, fraturas costais, cranianas e dos membros superiores e inferiores, e rupturas viscerais.
Quando esta forma de ação se dá no segmento toracoabdominal, a morte pode ser por asfixia, na
modalidade sufocação indireta.
Lesões por arrancamento. Estas lesões são produzidas por trações violentas de
segmentos corporais, principalmente dos membros superiores e inferiores, quer sejam desprendidos
do restante do corpo. A superfície cruenta destas lesões traumáticas se caracteriza pelo aspecto de
desgarramento com retalhos irregulares e anfractuosos de tecidos moles (pele, aponeurose, músculos,
vasos, nervos e tendões) que se comportam de acordo com seus graus de retração, e desarticulação
ou amputação traumática. São comuns estas lesões em acidentes ferroviários, máquinas com polias
de transmissão à base de correias ou em acidentes onde a vítima fica presa pelo braço ou perna
tracionado pelo peso do corpo. Quando preso pelos cabelos pode produzir arrancamento do couro
cabeludo, conhecido como escalpo.
Lesões por cinto de segurança. Três são os tipos de cintos de segurança usados
comumente pelos condutores e pelos passageiros de veículos a motor: o pelviano ou subabdominal,
que mantém a pélvis presa ao assento; o toracodiagonal, que prende o tronco de encontro ao encosto
da poltrona; e o combinado ou de “três pontos”, que é uma combinação dos dois modelos citados.
A prática tem demonstrado que o cinto pelviano, em um choque mais grave, não evita que a
cabeça e o tronco se projetem para diante, originando traumatismos craniofaciais, ruptura de vísceras
internas e fratura de coluna.
O cinto toracodiagonal, mesmo fixando o tronco ao encontro do assento, em um impacto mais
violento não chega a evitar que o corpo deslize para baixo, redundando em lesões dos joelhos, da
perna e da coluna cervical.
Mesmo sendo o cinto combinado o mais usado e aconselhado, não oferece ele uma proteção
incondicional, ainda que fixe a pélvis e o tórax na poltrona. Pode ocorrer, em um choque mais sério,
a hiperflexão ou a hiperextensão brusca da região cervical, provocando, entre outros, o traumatismo
do mento sobre o tórax com luxação da mandíbula ou ferimentos da língua pelos dentes. No entanto, o
mais grave, e que devem ser observadas com maior cuidado nas necropsias de tais eventos, são as
fraturas e luxações das vértebras cervicais, ocasionando, até, secções totais ou parciais da medula.
Lesões produzidas por explosão de bolsas de ar (air bags). Ninguém
desconhece o número assustador de lesões traumáticas graves e de morte causadas em proporções
epidêmicas pelos acidentes automobilísticos. Também não se desconhece que a utilização das bolsas
pneumáticas protetoras (air bags) venha preservando tantas vidas e reduzindo cada vez mais as taxas
de gravidade das lesões em acidentes de veículos a motor. Ainda assim, não se pode deixar de
consignar o efeito que sua explosão pode causar em um conjunto de lesões produzido por esse
resultado, sendo as crianças as vítimas que mais preocupam em face da posição que elas ocupam
dentro do veículo. Leve-se em conta também a inadequação da distância entre as vítimas e a bolsa de
ar.
As lesões mais comuns desse efeito são produzidas por barotrauma, que atua por onda de pressão
oriunda da explosão da bolsa de ar, sendo mais comuns lesões oftalmológicas, surdez, pneumotórax
bilateral, lesões da face e dos membros superiores e inferiores, luxação do ombro e do punho, lesões
da parte anterior do tórax, além da perda da consciência. Uma das lesões que tem chamado a atenção
é a do nervo radial, embora ainda não bem especificada, ficando algumas vezes incluída em outras
lesões.
Lesões por atropelamento terrestre. Certamente os acidentes de tráfego terrestre
são os causadores do maior índice de mortes violentas entre nós. Isso se deve não apenas ao número
excessivo e progressivo de veículos e à evolução da potência das máquinas, mas sobretudo à
ausência de uma política séria de trânsito capaz de investir na prevenção dos acidentes. Na maioria
das vezes, as lesões decorrentes de atropelamento terrestre são múltiplas e distribuídas por diversas
regiões do corpo. As primeiras lesões da vítima são as produzidas pelo impacto do veículo em
movimento e dependem muito da velocidade dele e do local atingido. As outras lesões são oriundas
do impacto do corpo e da sua projeção no solo.
Uma das lesões mais comuns é a fratura das pernas, na mesma altura do para-choque. No entanto,
essas lesões podem-se verificar em regiões mais baixas das pernas, principalmente se, no momento
do impacto, o veículo estava freando. Podem também ocorrer lesões torácicas ou abdominais,
inclusive com as marcas das partes impactantes, como, por exemplo, telas, faroletes, distintivos de
fabricantes ou traços da pintura do veículo (contusão-tatuagem), e que são chamadas,
genericamente, de “lesões-padrão”.
Após o choque, além do movimento brusco da coluna vertebral e do deslocamento violento das
vísceras em seus continentes, em geral vem a projeção do corpo quase sempre para cima e para
diante, verificando-se a queda da vítima de encontro ao solo, recebendo, deste modo, o segundo
impacto. Pode ocorrer, simultaneamente, a passagem do veículo sobre o corpo caído (esmagamento),
comprimindo-o violentamente sobre o solo, deixando impressas as chamadas “estrias pneumáticas”
de Simonin (Figura 4.11). Ou verificar-se o rolamento do corpo sobre seu próprio eixo, causando
escoriações em diversas regiões ou fraturas dos ossos da cabeça e dos membros superiores e
inferiores. Ou, finalmente, lesões provocadas por arrastão, tendo a vítima permanecido presa por
algum tempo ao veículo em movimento, caracterizadas por escoriações ou perdas significativas de
tecidos das regiões escapulares, lombares, genitais, torácicas, abdominais e dos joelhos, conhecidas
por “escoriações de arrastão”. Têm como características serem representadas por estrias paralelas
na direção do arrastão, que começam mais profundas e terminam mais rasas e mais largas na medida
em que o veículo ou o corpo diminui de velocidade.
Lesões dos passageiros do veículo. Em geral, as lesões verificadas nos
passageiros de veículos sinistrados são mais graves que as do condutor, e entre aqueles a maior
incidência de morte é do ocupante do assento dianteiro. Isso se justifica pelo impacto direto sobre a
bancada do veículo. As lesões mais comuns são as cranioencefálicas, costais e esternais.
Lesões do condutor do veículo. Os condutores de veículos, quando acidentados,
geralmente apresentam lesões do tórax por choque violento sobre o volante e lesões do crânio por
traumatismo sobre o para-brisa, além de outras eventuais lesões cutâneas, ósseas e viscerais.
As lesões provenientes do traumatismo do tórax sobre o volante são mais significativas, pois elas
podem caracterizar exatamente a posição do indivíduo no comando do veículo. Muitas vezes, ele
apresenta o que se chama de “tatuagem traumática”, pelo fato de ficar impresso no tórax a parte do
desenho do volante.
As lesões do crânio são, quase sempre, na região frontal, quando o acidente é por impacto
violento, e estão relacionadas com o tipo de traumatismo sobre o para-brisa.
Outras lesões podem estar representadas por fraturas dos joelhos e colo dos fêmures pela brusca
projeção do corpo da vítima sobre as estruturas abaixo do painel no momento do impacto e por
ferimentos no dorso dos dedos dos pés, principalmente do que está sobre o pedal, por hiperflexão e
contusão deles no momento do impacto do veículo. Isto serve, inclusive, para indicar quem o
conduzia.
Em suma, quatro são os pontos possíveis de impacto em acidentes automobilísticos,
principalmente quando o condutor não estava usando o cinto de segurança: a fronte, o tórax, os
joelhos e os pés.
No que diz respeito à legislação disponível sobre “danos pessoais causados por veículos
automotores de vias terrestres” (DPVAT), o artigo 5o da Lei no 6.194, de 19 de dezembro de 1974,
modificado pela Lei no 8.441, de 13 de julho de 1992, diz o seguinte: § 3o Não se concluindo na
certidão de óbito o nexo de causa e efeito entre a morte e o acidente, será acrescentada a certidão de
auto de necropsia, fornecida diretamente pelo instituto médico-legal, independentemente de
requisição ou autorização da autoridade policial ou da jurisdição do acidente; § 4o Havendo dúvida
quanto ao nexo de causa e efeito entre o acidente e as lesões, em caso de despesas médicas
suplementares e invalidez permanente, poderá ser acrescentado ao boletim de atendimento hospitalar
relatório de internamento ou tratamento, se houver, fornecido pela rede hospitalar e previdenciária,
mediante pedido verbal ou escrito, pelos interessados, em formulário próprio da entidade
fornecedora. (Incluído pela Lei no 8.441/92.); § 5o O instituto médico-legal da jurisdição do acidente
ou da residência da vítima deverá fornecer, no prazo de até noventa dias, laudo à vítima com a
verificação da existência e quantificação das lesões permanentes, totais ou parciais (redação dada
pela Lei no 11.945/2009).
Desta maneira, a lei vincula obrigatoriamente a realização dos laudos do DPVAT aos institutos
médico-legais de todo território brasileiro, independentemente de uma ou outra opinião em contrário
que admite se tratar de uma transferência de responsabilidade para o Estado, o que deveria ser das
seguradoras. Lembrar também que esses exames não se guiam pelos parâmetros de avaliação do dano
corporal de natureza penal, e, sim, pelos de natureza civil pelo seu caráter indenizatório.
O seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de vias terrestres, ou
por sua carga, a pessoas transportadas ou não (seguro DPVAT) foi criado com a finalidade de
amparar as vítimas de acidentes de trânsito em todo o território nacional, não importando de quem
seja a culpa dos acidentes.
A seguradora efetuará o pagamento das indenizações, não importando de quem seja a culpa dos
acidentes, nos seguintes casos: (1) morte – quando a vítima falecer em virtude do acidente de
trânsito, seus beneficiários terão direito ao recebimento de indenização correspondente à importância
segurada vigente na época da ocorrência do sinistro; (2) invalidez permanente total ou parcial –
quando a vítima de acidente de trânsito ficar inválida, atestando com o fim do tratamento, o caráter
definitivo da invalidez. A quantia deve ser apurada, tomando-se por base o percentual da
incapacidade de que se tornou portadora, de acordo com a tabela de Danos Corporais Totais,
constante do anexo à Lei no 6.194/74, com a alteração dada pela Lei no 11.945/09, tendo como
indenização máxima a importância segurada vigente na época da ocorrência do sinistro; (3) despesas
de assistência médica e suplementares – quando a vítima de acidente de trânsito realizar tratamento
sob orientação médica, despesas com assistência médica e suplementares, tendo o direito de receber
uma indenização, a título de reembolso, correspondente ao valor dos respectivos gastos médicos e
hospitalares de R$ 2.700,00, até o limite definido em tabela, com teto máximo do valor vigent
Lesões por atropelamento náutico. Cada dia que passa a incidência de pessoas
vitimadas em acidentes provocados por veículos náuticos de pequeno e médio portes, geralmente de
uso esportivo, tem sido mais constante.
O mecanismo de produção das lesões em tais acidentes é diferente dos demais sinistros, não só
pelo meio onde o indivíduo é agredido, mas pela forma como o próprio atropelamento se desenrola.
Aqui observam-se três fases nesse tipo de acidente: a primeira é a do traumatismo do veículo náutico
sobre a vítima; depois a sua projeção no meio líquido; e, finalmente, uma possível ação vulnerante
das hélices.
Em geral, as lesões produzidas pelo traumatismo da embarcação se localizam na cabeça ou na
parte superior das faces anterior e posterior do tórax, e mais raramente na região dorsolombar, estas
últimas quando o indivíduo procura evitar o acidente. Estas lesões são na sua maioria contusas, com
grande perda de tecido e acompanhadas quase sempre de fraturas.
Na fase de projeção, quando o indivíduo é arremessado contra o próprio meio líquido, as lesões
não apresentam maior significado, a não ser que essa projeção seja contra um meio mais consistente
ou que ele venha a sofrer um novo impacto.
Finalmente, as lesões provocadas pelas hélices da embarcação que são de grandes dimensões,
perdas vultosas de tecidos e características cortocontusas, afetando a pele, a musculatura, os ossos e,
às vezes, as vísceras internas. A pele apresenta ferimentos de forma curvilínea, em arcos paralelos e
equidistantes, apresentando uma característica bem própria: cauda inicial e cauda terminal. Em
geral ocorre a laceração de grandes áreas de massa muscular e os vasos são cortados em forma de
“bico de gaita”, o que facilita a hemostasia e, consequentemente, uma sobrevivência mais demorada.
As fraturas são quase sempre expostas nos ossos longos e nos chatos, podendo ocorrer perdas ósseas
consideráveis. Finalmente, é possível verificar-se em alguns casos a amputação traumática de
membros superiores ou inferiores e lesões graves em órgãos internos, principalmente abdominais.
Quando as vítimas não morrem imediatamente, podem ter morte por afogamento em virtude da
dificuldade de se manterem conscientes e flutuando.
Lesões por atropelamento ferroviário. Um dos fatos mais chamativos da atenção
na perícia de casos de atropelamento ferroviário é a redução do corpo a diversos e irregulares
fragmentos conhecida como espostejamento.
Quando os despojos de um corpo são encontrados à margem da linha férrea, temos de considerar
as seguintes hipóteses: suicídio, homicídio, acidente ou atropelo post mortem para dissimular
homicídio ou morte natural.
Todas estas questões poderão ser solucionadas por meio da necropsia, do estudo do local dos
fatos, da posição do corpo e das informações de testemunhas.
A necropsia constitui-se nesses casos no mais importante meio de diagnóstico, a partir
principalmente do estudo das reações vitais das diferentes lesões traumáticas.
Nos casos de suicídio, em geral se observa a secção transversal do corpo ao nível do pescoço ou
do abdome. Nos acidentes, é mais comum as secções das pernas. Em ambas as situações o que chama
a atenção é a presença acentuada das reações vitais das lesões como manchas equimóticas,
infiltrados hemorrágicos dos tecidos e placas de sangue coagulado.
Nos atropelamentos post mortem para dissimular homicídio, nota-se um grande número de lesões
sem reação vital e apenas se veem tais reações nas lesões produzidas dolosamente. Por fim, nas
situações de dissimulação de morte natural, por vezes para adquirir vantagens de seguro, observamse as vestes manchadas de sangue e todas as lesões sem qualquer manifestação de reação vital,
podendo-se, inclusive, diagnosticar a verdadeira causa orgânica natural de morte.
Lesões por acidente aéreo. Como os acidentes de aviação são os mais variados
possíveis, em face do tipo de aeronave, a altura do voo e as próprias circunstâncias do sinistro
(precipitação contra o solo, explosão no ar ou em terra, queda no mar, colisão com outras aeronaves
etc.), as lesões produzidas nessas ocorrências são as mais diversificadas. Em geral, quando de
acidentes desta ordem, a causa da morte e a descrição das lesões passam a ser um fato secundário,
prevalecendo então a identificação de uma grande quantidade de vítimas e a elaboração dos
atestados de óbito. O óbito dessas vítimas ocorre sempre por múltiplas lesões e fragmentação do
corpo, decorrentes de traumatismos intensos, somando-se em alguns casos os efeitos do fogo e da
explosão.
A causa mortis dos tripulantes é muito significativa no exame das vítimas de acidentes aéreos,
principalmente dos comandantes de voo, assim como a presença de determinadas doenças e a
pesquisa de um possível uso de medicamentos, álcool ou drogas (ver mais em Morte Coletiva e
Catastrófica – Capítulo 17).
Lesões por precipitação. As lesões por precipitação foram sumariamente descritas
por Leon Thoinot: “Pele intacta ou pouco afetada, rupturas internas e graves das vísceras maciças e
fraturas ósseas de características variáveis.”
Além da precipitação de edifícios ou de estruturas de grande altitude, existem também os
acidentes graves do paraquedismo profissional ou amador, que vão desde as luxações ou fraturas por
retenção da cinta extratora ou os ferimentos por arrastão em terra, até a morte quando os paraquedas
funcionam mal ou não funcionam.
Um detalhe que chama a atenção no conjunto das alterações produzidas no corpo pela
precipitação é a desproporção entre as lesões cutâneas – relativamente insignificantes, e as
gravíssimas lesões ósseas e viscerais.
No que diz respeito às lesões internas, pode-se dizer que todas as vísceras estão sujeitas a serem
afetadas, principalmente as chamadas vísceras maciças. O coração, por exemplo, apresenta algumas
características bem peculiares: o átrio e o ventrículo direitos são em quase todas as vezes os mais
atingidos; e, por sua vez, a cavidade atrial é mais afetada que a ventricular. A aorta apresenta muito
mais lesões em sua porção ascendente.
Quando o corpo é impactado pela sua extremidade superior, ou seja, quando a cabeça choca-se
com o solo, encontra-se geralmente um tipo de fratura chamado em “saco de noz”, caracterizada pela
integridade ou quase integridade do couro cabeludo e de múltiplas fraturas da calvária, laceração da
massa encefálica e herniamento do cérebro. Podem ocorrer também fraturas vertebrais e rupturas de
vísceras maciças pela contusão e hiperflexão do corpo.
Se a queda verifica-se sobre a extremidade inferior do corpo, resultam nas fraturas de pélvis e
dos membros inferiores. Piga Pascual descreve um elenco de lesões ósseas, conhecidas por “sinal de
quatro fraturas”, caracterizado por fraturas dos terços inferiores das pernas e dos terços médios dos
braços, estas últimas justificadas pela tentativa de o indivíduo amortecer o impacto da queda com os
membros superiores. Há também fraturas outras e luxações, além das aludidas lesões viscerais.
Quando o impacto da precipitação ocorre sobre a parte lateral do corpo, chamam à vista as
fraturas múltiplas das costelas e mais raramente as fraturas de vértebras. Também surgem as rupturas
de vísceras, notadamente do fígado, do baço, rins e encéfalo, e, em menor incidência, dos pulmões.
As lesões destes órgãos são sempre acompanhadas de intensa hemorragia interna e por isso levam à
morte rápida. As rupturas de vísceras ocas, como estômago, intestino e bexiga, são mais raras,
aumentando essa possibilidade se elas estiverem repletas.
Não se pode esquecer das precipitações como forma de simulação de suicídio em indivíduos já
mortos. Nesses casos, levam-se em conta as reações vitais das lesões cutâneas e viscerais, inclusive
a presença de outras formas de lesões, produzidas por energias ou modalidades diversas e não
explicadas pela precipitação.
Também não se pode deixar de se levar em conta a determinação da causa jurídica de morte por
precipitação, utilizando-se como elementos significativos diferenciais entre suicídio, homicídio e
acidente: a distância entre o local do impacto do corpo no solo e a projeção vertical do ponto de
lançamento; o aspecto do ambiente de onde a vítima precipitou-se; o estudo das leis que regulam a
queda dos corpos no espaço; e o estudo das regiões do corpo afetadas pelo impacto. Nas quedas
acidentais, é comum que o corpo quase deslize bem próximo ao local da precipitação até encontrar
um elemento de resistência, caindo bem perto dele, em face da ausência de impulso inicial, como se
houvesse apenas a ação da gravidade. Nesses casos, como o corpo não recebeu nenhum impulso
horizontal ele cai sob a ação exclusiva do seu próprio peso e por isso o ponto de chegada do corpo
(ponto de incidência) fica exatamente na projeção vertical do ponto de partida (ponto de
lançamento), normalmente junto do perfil do prédio onde o fato ocorreu.
Em geral, essa distância é maior nos homicídios do que nos acidentes, levando-se em
consideração que o corpo foi impulsionado por alguém, mesmo que tenha existido certa resistência
pela vítima traduzida às vezes por lesões de atrito nas extremidades dos dedos e dos pulsos,
excetuando-se os casos de menores ou desacordados. Já nas situações de suicídio, a experiência
ensina que aquela distância é sempre maior, em virtude do maior impulso da vítima, ajudada quase
sempre pela flexão dos joelhos, levando-a a um ponto de queda mais distante. Nesses dois últimos
casos, como na queda o corpo sofre um impulso horizontal (forças interna ou externa), a trajetória do
corpo durante a queda é parabólica. Dessa maneira, vai se verificar um distanciamento horizontal do
ponto de partida, produzindo um afastamento lateral do ponto de incidência do corpo.
Quanto ao aspecto da arrumação do ambiente de onde se verificou a precipitação, em casos de
acidente podem ser vistos no local inicial da queda móveis e utensílios onde a vítima pudesse estar
mais elevada para uma determinada tarefa. No homicídio, pode-se encontrar ambiente em desordem,
vestes rasgadas, manchas de sangue e ferimentos diversos dos produzidos pela precipitação. E, no
suicídio, a presença, junto ao local do impulso, de meios que pudessem facilitar a projeção, isso
quando, para alcançar o ponto desejado, a vítima necessitasse desse recurso.
No que se refere às leis da Física e da Mecânica que regem a queda dos corpos no espaço, podese dizer que o movimento de translação acha-se alternado em um movimento horizontal e noutro
vertical, cada um deles sujeito às forças externas que venham a atuar. Quando não há impulso
horizontal – como nos casos de acidente –, admite-se que o corpo caia verticalmente, fazendo com
que seu impacto (ponto de incidência) seja muito perto do perfil do prédio, embora, em um
desequilíbrio, haja qualquer coisa, por menor que seja, de impulso. Quando há impulsão horizontal,
encontra-se um relevante afastamento entre o ponto de impacto e o ponto de lançamento. É no
deslocamento entre esses dois pontos que o corpo descreve uma trajetória parabólica, decorrente da
decomposição de um movimento retilíneo uniformemente variado, que sofre a influência da força
gravitacional (Y), e de um movimento retilíneo uniforme na direção horizontal, decorrente do impulso
(X).
Conhecendo-se a altura do ponto de queda (Yi) e a aceleração da gravidade (g), que é de 9,80
m/s2, levanta-se a velocidade final do corpo (vf). Assim, digamos que a altura seja de 9,60 m.
Exemplo:
Calculando-se o tempo de queda em que v0 é a velocidade inicial, y0 é altura do ponto de queda,
a a aceleração da gravidade e t o tempo, teremos:
Em seguida, basta calcular a velocidade horizontal:
Em que xf é a posição final do corpo, ou seja, a distância do ponto de impacto para o perfil do
prédio, v0x a velocidade horizontal e t o tempo. Assim, digamos que a distância seja de 2,50 m.
Desse modo, quanto maior for a velocidade horizontal calculada, maior foi o impulso da vítima
(Figura 4.24).
A região do corpo que sofre o impacto da queda é também muito importante nesse estudo. No
suicídio, é mais comum o lançamento do corpo com a posição em pé, e, mais raramente, de mergulho
de cabeça; até cinquenta metros, a vítima em geral conserva a mesma posição. Nos casos de acidente
ou de homicídio em face da surpresa ou da manipulação da vítima, a tendência é que ela sofra
movimentos de rotação, em virtude da precipitação desordenada, tomando as mais variadas posições
no espaço e impactando-se em regiões bem diversas, principalmente na região lateral do corpo.
Figura 4.24 a, acidente; b, homicídio; c, suicídio.
Concluindo, pode-se dizer que não é tão difícil se chegar à conclusão dos casos de precipitação
acidental, mas o diagnóstico diferencial entre homicídio e suicídio não é fácil. Isto em vista de não
se contar com parâmetros de aferição e avaliação confiáveis que distingam com clareza o nível da
distância entre o presumido ponto de impacto e o perfil do prédio. Simplesmente porque estes
impulsos horizontais sofrem influências muito variáveis tendo em conta, entre outros, a força do
impulso, o grau de consciência, o peso e a resistência ou determinação da vítima.
O uso da distância entre o ponto de incidência do corpo e a projeção vertical do ponto de
lançamento visto isoladamente em um diagnóstico de causa jurídica de morte em casos de
precipitação ainda é temerário e discutível.
Hoje, a tendência dos que fazem a pericia de local em casos desta natureza é considerar que no
acidente o corpo quase que desliza rente à parede, a pouca distância, até encontrar um obstáculo por
não haver impulso inicial mas somente a ação da gravidade. No homicídio, a distância horizontal de
afastamento entre o ponto de queda e a projeção vertical do ponto de lançamento seria mais
considerável em face do impulso proporcionado por alguém à vítima. E, no suicídio, aquela distância
ainda seria maior, uma vez que o suicida seria projetado por um impulso desejado que o levaria a
uma distância ainda maior.
Com tais imprecisões, oriundas da ausência de parâmetros confiáveis de aferição e avaliação da
distância entre o presumido ponto de impacto e o perfil do prédio, recomenda-se em casos de
determinação da causa jurídica de morte em casos de precipitação a valorização do exames
necroscópico, toxicológico e do ambiente onde se deu a precipitação, valorizando as lesões
encontradas na vítima e no suposto autor, coleta de material orgânico e inorgânico encontrado sob as
unhas deles, a pesquisa de substâncias estupefacientes e as condições de alinhos e desalinhos de
móveis e quebras de objetos.
Lesões produzidas por ação perfurocortante
As lesões perfurocortantes são provocadas por instrumentos de ponta e gume, atuando por um
mecanismo misto: penetram perfurando com a ponta e cortam com a borda afiada os planos
superficiais e profundos do corpo da vítima. Agem, portanto, por pressão e por secção. Há os de um
só gume (faca-peixeira, canivete, espada), os de dois gumes (punhal, faca “vazada”) e os de três
gumes ou triangulares (lima).
As soluções de continuidade produzidas por instrumentos perfurocortantes de um só gume
resultam em ferimentos em forma de botoeira com uma fenda regular, e quase sempre linear, com um
ângulo agudo e outro arredondado. Sua largura é notadamente maior que a espessura da lâmina da
arma usada e o seu comprimento, menor que a largura da folha, se o trajeto da arma foi perpendicular
ao plano do corpo, saindo da mesma direção, e maior se agiu obliquamente. Se, ao sair, tomou um
sentido inclinado, corta mais a pele, aumentando o diâmetro da fenda (Figura 4.25).
Os ferimentos causados por arma de dois gumes produzem uma fenda de bordas iguais e ângulos
agudos.
As armas de três gumes originam feridas de forma triangular ou estrelada.
Figura 4.25 Ferimentos produzidos por ação perfurocortante.
O trajeto das feridas produzidas por esses instrumentos tem as características das resultantes da
ação dos meios perfurantes.
A perícia, diante dessas lesões, entre outros problemas, tem de levar em conta a identificação da
arma usada, a gravidade dos ferimentos, o tempo da lesão, se esta foi produzida em vida ou depois
da morte, sua causa jurídica, a posição da vítima e do agressor, a ordem das lesões e o número de
agressores.
No diagnóstico da arma usada, devem-se levar em consideração as dimensões, a forma e a
profundidade do ferimento, atentando-se para o fato de que o tamanho dessas lesões, devido à
elasticidade da pele, pode ser inferior, igual ou superior ao diâmetro da arma. Os ferimentos
penetrantes do abdome, por esse tipo de instrumento, podem ter um trajeto maior ou menor que o
comprimento dele, e isto é explicado pela movimentação aflita da vítima em uma luta corporal, nos
seus recuos e avanços, comuns nas flexões do corpo durante a contenda.
As feridas penetrantes são geralmente graves, não apenas pela infecção causada no interior do
organismo, como também pelas lesões sofridas pelos órgãos de maior importância. As mais graves, e
que impõem tratamento cirúrgico imediato, são as penetrantes à cavidade peritoneal.
O tempo da lesão é verificado pela evolução da ferida, através do aspecto cicatricial, da reação
inflamatória ou da infecção. Há casos em que se utilizam os recursos do exame histológico do
ferimento por meio de secções paralelas à superfície cutânea. É claro que esses elementos são de
pouca significação para as lesões daqueles que morrem imediatamente.
O diagnóstico diferencial entre as lesões produzidas in vitam ou post mortem será estudado mais
adiante em um capítulo especial.
A mais comum das causas jurídicas dessas lesões é o homicídio, enquanto o suicídio e o acidente
são mais raros. O diagnóstico diferencial entre elas é feito, observando-se a direção, o número e o
local dos ferimentos, outros sinais de violência, mais de dois ferimentos mortais, a variedade das
feridas e o local da morte. O acidente e o suicídio por essa forma de ação são bem esporádicos.
Entre nós, no Estado da Paraíba, o homicídio com instrumento perfurocortante é muito comum. As
chamadas lesões de defesa, encontradas na palma da mão, nas bordas mediais dos antebraços, no
ombro, no dorso e até nos pés falam em favor de homicídio como esforço da vítima na tentativa
angustiante e desesperada de salvar a vida, expondo aquelas partes do corpo como escudo.
Estudaremos melhor esse assunto em Tanatologia Médico-legal.
A posição da vítima e a do agressor pode ser ressaltada pelo estudo da localização e da direção
dos ferimentos. As feridas dorsais indicam, quase sempre, que a vítima estava de costas para o
agressor. O trajeto, a profundidade e a cauda de escoriação voltada para esse ou aquele lado levam à
conclusão da direção que tomou o instrumento, de cima para baixo ou de baixo para cima, se da
direita para a esquerda ou vice-versa. Em geral, o agressor usa a arma de características
perfurocortantes com o gume voltado para dentro ou para baixo.
A ordem da sucessão das lesões fundamenta-se na direção e na quantidade da hemorragia das
feridas. Se um indivíduo tem um ferimento no tórax e o sangramento flui em direção vertical, de cima
para baixo, e outro no flanco esquerdo derramado para o lado e para dentro, diz-se que a primeira
lesão foi a do tórax, quando ele ainda estava de pé, e a segunda, a do flanco esquerdo, com a vítima
caída. Quando as feridas se cruzam, a sequência dos ferimentos é dada pelas características
discutidas sobre o assunto quando do estudo das feridas cortantes (sinal de Chavigny).
O número de agressores pode constituir um problema a ser elucidado pela perícia. Muitas lesões
de mesmos caracteres induzem-nos a pensar na existência de um só agressor. No entanto, isso não é
regra geral, pois uma vítima pode ser ferida por dois agressores usando a mesma arma. E, também,
pode um agressor usar dois tipos de instrumentos, sucessivamente. É mais difícil um mesmo autor
usar duas facas-peixeiras, por exemplo. A multiplicidade de vítimas e a gravidade dos traumatismos
orientam o raciocínio no sentido de muitos agressores.
No contexto dessas lesões, há aquelas produzidas por tesouras, as quais podem ser utilizadas
com seus ramos fechados ou abertos. No primeiro caso, a ferida é única e de forma ovalar. Quando a
ação se dá com os ramos abertos é muito comum verificar-se a presença de duas pequenas feridas de
forma linear e que se colocam em forma de V completo ou incompleto, podendo inclusive mostrar
nas extremidades proximais de ambas as feridas, que correspondem às bordas cortantes dos ramos da
tesoura, a formação de uma pequena cauda de escoriação, segundo relata Gisbert Calabuig (in
Medicina legal y toxicologia, 6a edição, Barcelona: Masson, 2004).
Lesões produzidas por ação perfurocontundente
As feridas perfurocontusas são produzidas por um mecanismo de ação que perfura e contunde ao
mesmo tempo. Na maioria das vezes, esses instrumentos são mais perfurantes que contundentes.
Esses ferimentos são produzidos quase sempre por projéteis de arma de fogo; no entanto, podem
estar representados por meios semelhantes, como, por exemplo, a ponta de um guarda-chuva. Ainda
assim, nosso estudo será orientado apenas para o projétil de arma de fogo.
Conceito de arma de fogo
São peças constituídas de um ou dois canos, abertos em uma das extremidades e parcialmente
fechados na parte de trás, por onde se coloca o projétil, o qual é lançado a distância por causa da
força expansiva dos gases devida à combustão de determinada quantidade de pólvora. Produzido o
tiro, escapam pela boca da arma o projétil ou projéteis, gases superaquecidos, chama, fumaça,
grânulos de pólvora incombusta e a bucha.
Classificam-se as armas, segundo suas dimensões, em portáteis, semiportáteis e não portáteis. As
primeiras são as mais usadas, e, por isso, suas lesões são bem estudadas nos serviços
especializados. Quanto ao modo de carregar, são elas de antecarga (carregadas pela boca) e de
retrocarga (munição colocada no pente, no tambor ou na parte posterior do cano). Quanto ao modo
de percussão, existem as que agem pela pederneira, por espoleta existente no ouvido ou por espoleta
encontrada no estojo. E, finalmente, quanto ao calibre, as armas podem ser classificadas pelo peso
dos projéteis ou pela medida de extensão.
Nas armas raiadas, o calibre é dado em milímetros e em centésimos ou milésimos de polegada.
Os americanos preferem em centésimos de polegada, os franceses em milímetros e os ingleses em
milésimos de polegada. Nessas armas, o calibre deve ser tomado exatamente nas raias dentro da
boca do cano.
Nas armas de cano liso, como, por exemplo, nas de caça, o calibre é calculado em peso. Uma
arma será de calibre 36 se sua carga constar de 36 projéteis iguais pesando juntos uma libra.
Raias são saliências encontradas na face interna do cano, seguindo uma orientação curva de
grande abertura no sentido do maior eixo da alma do cano. Sua finalidade é imprimir um movimento
de rotação ao projétil, garantindo uma trajetória estável. Ora estão espiraladas para a direita, ora
para a esquerda, e em número variável.
A munição compõe-se de cinco partes: estojo, espoleta, bucha, pólvora e projétil.
O estojo ou cápsula é um receptáculo de latão ou papelão prensado, de forma cilíndrica,
contendo elementos da munição.
A espoleta é a parte do cartucho que se destina a inflamar a carga. É constituída, em sua mistura
iniciadora, de estifnato de chumbo, tetrazeno, nitrato de bário, trissulfeto de antimônio e alumínio.
A bucha é um disco de feltro, cartão, couro, borracha, cortiça ou metal que separa a pólvora do
projétil.
A pólvora é uma substância que explode pela combustão. Há a pólvora negra e a pólvora branca.
Esta última não tem fumaça. Ambas produzem de 800 a 900 cm3 de gases por grama de peso. Em
geral, são compostas de uma mistura de carvão pulverizado, enxofre e salitre.
O projétil é o verdadeiro instrumento perfurocontundente, quase sempre de chumbo nu ou
revestido de níquel ou de outra liga metálica. Os mais antigos eram esféricos. Os mais modernos são
cilíndrico-ogivais.
Nos casos de munição com projéteis múltiplos deve-se levar em conta que esses muitos projéteis
são lançados juntos e, depois, começam a separar-se, dando uma área de projeção com diâmetro
cada vez maior, originando a chamada rosa do tiro.
Noções de balística forense
Domingos Tochetto define Balística Forense como “uma disciplina, integrante da criminalística,
que estuda as armas de fogo, sua munição e os efeitos dos tiros por elas produzidos, sempre que
tiverem uma relação direta ou indireta com infrações penais, visando esclarecer e provar sua
ocorrência” (in Balística Forense – Aspectos Técnicos e Jurídicos, 3a edição, Campinas:
Millennium Editora, 2003).
Antes, este assunto pertencia aos capítulos da Medicina Legal e era tratado pelos peritos
médicos. Hoje, é uma matéria da Criminalística, justificada plenamente como uma disciplina
autônoma em seus métodos de pesquisa e aplicação.
Sua melhor classificação é aquela que a divide em balística interna, balística externa e
balística dos efeitos.
Balística interna trata do funcionamento das armas, da sua estrutura e mecanismo, e da técnica
do tiro. Balística externa estuda o trajeto e a trajetória do projétil, desde sua saída da arma até seu
impacto ou sua parada. E balística dos efeitos ou balística do ferimento manifesta-se sobre os
efeitos produzidos pelo projétil disparado, incluindo, entre outros, os ricochetes, os impactos e as
lesões e danos sofridos pelos corpos atingidos, sejam eles animados ou inanimados.
No que tange à identificação das armas de fogo, esta pode ser direta ou indireta. É direta quando
a identificação é feita na própria arma. E indireta quando feita através de estudo comparativo de
características deixadas pela arma nos elementos de sua munição.
Na identificação direta, leva-se em conta os chamados dados de qualificação, representados
pelo conjunto de caracteres físicos constantes de seus registros e documentos, como tipo da arma,
calibre, número de série, fabricante, escudos e brasões, entre tantos.
Na identificação indireta, usam-se métodos comparativos macro- e microscópicos nas
deformações verificadas nos elementos da munição da arma questionada ou suspeita. Dentre eles, o
mais importante é o projétil, quando se trata de arma de fogo raiada. Nas armas de alma lisa, a
identificação indireta é feita nas deformações impressas no estojo e suas espoletas ou cápsulas de
espoletamento. Os outros elementos, como buchas e discos divisórios, não apresentam significado
identificador.
O projétil de uma arma de fogo raiada, ao passar pelo cano, inevitavelmente deixa-se gravar de
impressões de cheios e de raias, sob a forma de cavados e ressaltos, os quais produzirão
microdeformações no projétil, conhecidas como estrias. As deformações macroscópicas têm valor
insignificante para uma identificação específica.
Desse modo, tais microdeformações, pelo fato de não se reproduzirem jamais em dois ou mais
canos diferentes, ainda que fabricados pelo mesmo fabricante e trabalhados pela mesma broca,
contribuem com segurança à identificação individual da arma que deflagrou o projétil. Estas
deformações, sejam elas normais (provocadas no deslocamento no interior do cano da arma) ou
periódicas (provocadas pelo mau alinhamento entre o tambor e o cano), são muito importantes para
aquela identificação chamada individual. Já as deformações acidentais (produzidas não
especificamente por uma mesma arma) servem, por exemplo, para identificar a natureza do alvo
impactado pelo projétil. Nunca para sua identificação específica. Ao contrário, até dificulta essa
identificação pelas grosseiras deformações produzidas.
As deformações produzidas na base do estojo ou na cápsula de sua espoleta são aquelas oriundas
da ação do percutor ou pelas irregularidades da superfície da culatra. Quando da reutilização dos
estojos de munição já utilizada em armas raiadas ou de alma lisa, contanto que seja de percussão
central, é possível que se encontrem as impressões na base do estojo de dois ou mais tiros com uma
mesma ou com diversas armas.
Pelo visto, esse sistema de identificação nos estojos e nas espoletas é muito importante nos casos
em que o projétil não é encontrado ou quando ele se apresenta muito deformado para uma
identificação microcomparativa, tratando-se de armas raiadas. Nos casos de armas de alma lisa,
pode-se afirmar que os estojos e as cápsulas das espoletas são os únicos elementos capazes de
fornecer condições para uma identificação individual pelo método indireto.
Nos casos de armas automáticas ou semiautomáticas com canos removíveis, aconselha-se
combinar o exame comparativo das microdeformações notadas no projétil com as encontradas na
cápsula da espoleta e na base dos estojos percutidos existentes no local da ocorrência. Assim, em um
processo procura-se identificar o cano da arma e no outro, a identificação da própria arma.
Para se proceder a um exame comparativo nos elementos da munição, é necessário que se tenham
à mão, por exemplo, em um caso de arma raiada, projéteis-padrão, projétil(eis) questionado(s) e os
equipamentos necessários para o exame.
Para se obterem os projéteis-padrão ou testemunha, deve-se utilizar um método de coleta que não
lhes proporcionem nenhum dano ou deformação. Os mais comuns são a água, a solução glicosada e o
algodão.
O(s) projétil(eis) questionado(s) é(são) aquele(s) encontrado(s) no corpo da vítima, no interior
de outras estruturas ou nos locais de ocorrência.
Os equipamentos usados na macrocomparação são balança, macrômetro, paquímetro, projetor
horizontal de perfil, lupas manuais etc.
O exame microscópico requer um microscópio de comparação, também chamado de
microcomparador balístico, acoplado a dispositivos que permitam fotografar as imagens, e que
tenham um visor, uma câmara de vídeo e um comparador. O método mais usado na comparação dos
projéteis é o que se alia à macro e à microcomparação.
O mais importante é o exame microcomparativo, em que se procura estabelecer a identidade ou
não identidade entre os elementos característicos do projétil-padrão e do projétil questionado,
principalmente nas estrias ou microestrias convergentes . Nessas convergências ou coincidências,
estão os fundamentos da identificação individual da arma, mesmo tendo-se em conta que essas
coincidências jamais poderão ser perfeitas ou totais pelas modificações surgidas na arma e na
munição (Figura 4.26).
Em casos de projéteis encamisados, em face de sua disposição, a maior parte dos seus
microelementos está dentro das cavadas.
Quanto ao exame microcomparativo dos estojos devem-se ressaltar algumas características ou
elementos capazes de contribuir em uma identificação indireta, principalmente por se tratar de armas
não estriadas. Isso é feito através da marca de percussão e das microestrias encontradas na espoleta
ou cápsula de espoletamento dos estojos. Até mesmo nas armas de dois ou mais canos, embora raras,
é fácil identificar em qual deles foi percutido o estojo.
Em relação às armas automáticas ou semiautomáticas, podem-se considerar como elementos para
identificação a mais a marca do extrator e a marca do ejetor no culote dos estojos.
Deve-se combater aquela ideia de que os resultados só podem ser positivos ou negativos. Eles
devem ser oferecidos nos moldes de possibilidade, probabilidade e certeza, até porque os meios de
identificação nem sempre são os melhores. Em termos de possibilidade, quando os microelementos
forem poucos, mas tenham o padrão e o questionado os macroelementos coincidentes, como calibre,
massa, largura, profundidade e inclinação dos ressaltos e cavados. Em forma de probabilidade,
quando os projéteis comparados apresentem poucos microelementos coincidentes. E o resultado de
certeza, quando existam elementos quantitativos e qualitativos que possam afirmar ou negar com
convicção a identidade ou a não identidade da arma em questão.
Figura 4.26 Concordâncias e coincidências (microcomparação).
Na arma, outros exames podem ser realizados, como: determinação da precisão da pontaria,
determinação da distância de um certo tiro, alteração das suas características originais, condições de
funcionamento, ocorrência de tiro acidental e deformações anteriores, contemporâneas ou posteriores
ao evento.
Na munição, podem ser examinados os cartuchos em sua composição ou alteração de suas
características originais, os estojos quanto ao tipo, marca e calibre e quanto às suas características
originais.
No projétil, para determinar seu tipo e calibre, número e orientação dos ressaltos e cavados,
além das deformações acidentais, exame microscópico de comparação e outras consequências do
impacto, em que se possa identificar o tipo de estrutura atingido. Nas espingardas, podem-se também
examinar os chumbos dos cartuchos quanto à sua classificação e ao número de esferas; e o exame na
bucha e nos discos divisórios dos cartuchos, a fim de identificar seu calibre e tipo de material
utilizado na sua confecção.
Por fim, podem-se examinar ainda a pólvora, quanto à sua origem e à sua composição e quanto ao
formato de seus grãos, e também as espoletas dos cartuchos, podendo-se determinar o tipo de
fabricante e a data de fabricação.
Lesões
No estudo das lesões produzidas por projéteis de arma de fogo (balística dos efeitos), devem-se
considerar o ferimento de entrada, o ferimento de saída e o trajeto.
Ferimento de entrada
Pode ser resultante de tiro encostado, a curta distância ou a distância.
Ferimentos de entrada nos tiros encostados. Estes ferimentos (Figura 4.27),
com plano ósseo logo abaixo, têm forma irregular, denteada ou com entalhes, devido à ação
resultante dos gases que descolam e dilaceram os tecidos. Isso ocorre porque os gases da explosão
penetram no ferimento e refluem ao encontrar a resistência do plano ósseo. É muito comum nos tiros
encostados na fronte e chama-se câmara de mina de Hoffmann. A expressão melhor seria golpe de
mina. Na redondeza do ferimento, nota-se crepitação gasosa da tela subcutânea proveniente da
infiltração dos gases. Em geral, não há zona de tatuagem nem de esfumaçamento, pois todos os
elementos da carga penetram pelo orifício da bala e, por isso, suas vertentes mostram-se enegrecidas
e desgarradas, com aspecto de cratera de mina. Nos tiros dados no crânio, costelas e escápulas,
principalmente quando a arma está sobre a pele, pode-se encontrar um halo fuliginoso na lâmina
externa do osso referente ao orifício de entrada (sinal de Benassi ou de Benassi-Cueli – Figura
4.28). Como este sinal é constituído por um halo de fuligem de contorno suave sobre a superfície
externa do crânio, precisamente sobre o periósteo (membrana fibrosa que reveste os ossos) e não
uma zona de tatuagem por impregnação da pólvora não combusta, pode apresentar-seborrado ou
desaparecer com a lavagem. Sua tendência é desparecer, isto quando as partes moles que cobrem
aqueles ossos forem afetados pela putrefação cadavérica e o crânio ficar esqueletizado. Os tiros
encostados ainda permitem deixar impresso na pele o chamado sinal de Werkgaertner (Figura 4.29),
representado pelo desenho da boca e da massa de mira do cano, produzido por sua ação contundente
ou pelo seu aquecimento.
Figura 4.27 Ferimento de entrada – tiro encostado. Esta figura encontra-se
reproduzida, em cores, no Encarte.
O diâmetro dessas lesões pode ser maior do que o do projétil em face de explosão dos tecidos
pelo efeito “de mina”, e suas bordas algumas vezes voltadas para fora, devido ao levantamento dos
tecidos pela explosão dos gases. Estes tiros ainda podem ser caracterizados pelo sinal do
“schusskanol”, representado pelo esfumaçamento das paredes do conduto produzido pelo projétil
entre as lâminas interna e externa de um osso chato, a exemplo dos ossos do crânio.
Figura 4.28 Sinal de Benassi – tiro encostado (IML/DF). Esta figura encontra-se
reproduzida, em cores, no Encarte.
Figura 4.29 Sinal de Werkgaertner. Esta figura encontra-se reproduzida, em cores,
no Encarte.
É importante, como aconselha Gisbert Calabuig, para um diagnóstico seguro de tiro encostado,
encontrar carboxi-hemoglobina no sangue do ferimento, assim como nitratos da pólvora, nitritos de
sua degradação e enxofre decorrente da combustão da pólvora (in Medicina Legal e Toxicologia,
op. cit.).
Ferimentos de entrada nos tiros a curta distância. Estes ferimentos podem
mostrar: forma arredondada ou elíptica, orla de escoriação, bordas invertidas, halo de enxugo, halo
ou zona de tatuagem, orla ou zona de esfumaçamento, zona de queimadura, aréola equimótica e zona
de compressão de gases.
Diz-se que um tiro é a curta distância quando, desferido contra um alvo, além da lesão de entrada
produzida pelo impacto do projétil (efeito primário) são encontradas manifestações provocadas pela
ação dos resíduos de combustão ou semicombustão da pólvora e das partículas sólidas do próprio
projétil expelido pelo cano da arma (efeitos secundários). Quando além das zonas de tatuagens e de
esfumaçamento há alterações produzidas pela elevada temperatura dos gases, como crestação de
pelos e cabelos (entortilhados e quebradiços), manifestações de queimadura sobre a pele
(apergaminhada e escura ou amarelada) e zona de compressão de gases (no vivo), considera-se essa
forma de tiro a curta distância como à queima-roupa.
O conceito de tiro a curta distância não diz respeito a essa ou aquela extensão entre a boca da
arma e o alvo, referido às vezes, em distância fixa determinada em centímetros. Esse conceito deve
ser eminentemente prático e admitido até quando se podem evidenciar os estigmas dos efeitos
secundários.
A determinação da distância do tiro nessas circunstâncias não é uma tarefa muito difícil. Usam-se
tiros de prova com a arma suspeita e a munição idêntica à utilizada originariamente, até encontrar-se
a mesma área, a mesma concentração e a mesma especificidade dos resíduos expelidos. Também
através da pesquisa dos efeitos secundários do tiro sobre o alvo, no que diz respeito à composição
química dos resíduos encontrados. Ou seja, pela análise do residuograma, que se constitui no estudo
da origem e dos efeitos das partículas metálicas e não metálicas expelidas juntamente com o projétil,
além do estudo das características físicas e químicas destas partículas de cada unidade de munição.
A forma dos ferimentos de entrada em tiros a curta distância é geralmente arredondada ou
elíptica, dependendo da incidência do projétil. Quanto maior a inclinação do tiro sobre o alvo, maior
será o eixo longitudinal do ferimento. O ferimento de entrada, quando produzido por projéteis de alta
energia, é sempre maior que o diâmetro destes.
A orla de escoriação ou de contusão, em tais ferimentos, deve-se ao arrancamento da epiderme
motivado pelo movimento rotatório do projétil antes de penetrar no corpo. Apresenta-se, portanto,
como uma orla escoriada ou desepitelizada em redor do ponto de impacto na pele. Todavia, se o
projétil encontra um obstáculo antes de penetrar no corpo, perde parte ou o todo do movimento e
rotação, desmotivando assim a formação da orla de escoriação.
As bordas invertidas da ferida devem-se à ação traumática de fora para dentro sobre a natureza
elástica da pele.
O halo de enxugo ou orla de Chavigny é explicado pela passagem do projétil através dos
tecidos, atritando e contundindo, limpando neles suas impurezas. É concêntrico, nos tiros
perpendiculares, ou em meia-lua, nos oblíquos. A tonalidade depende das substâncias que o projétil
levava consigo ao penetrar no alvo. Em geral, é escura.
O halo ou zona de tatuagem é mais ou menos arredondado nos tiros perpendiculares, ou em
forma de crescente, nos oblíquos. Essa tatuagem varia de cor, forma, extensão e intensidade
conforme a pólvora. É resultante da impregnação de grãos de pólvora incombustos que alcançam o
corpo. Pela análise desse halo, a perícia pode determinar a distância exata do tiro, usando-se a
mesma arma e a mesma munição em vários tiros de prova, até alcançar um halo de mesmo diâmetro
que o original. Serve para orientar a perícia quanto à posição da vítima e do agressor. Nos tiros
oblíquos, a tatuagem é mais intensa e menos extensa do lado do ângulo menor de inclinação da arma.
A tatuagem é um sinal indiscutível de orifício de entrada em tiros a curta distância (Figura 4.30). Nas
armas com “compensador de recuo”, tanto o halo de tatuagem como a orla de esfumaçamento e a zona
de queimadura sofrem alterações.
A zona ou orla de esfumaçamento é decorrente do depósito deixado pela fuligem que
circunscreve a ferida de entrada, formado pelos resíduos finos e impalpáveis da pólvora combusta. É
também chamada de zona de falsa tatuagem, pois, lavando-se, ela desaparece. Está sempre presente
nesses tipos de ferimentos, a não ser quando a região do corpo está protegida pelas vestes que retêm
o depósito de fuligem.
A zona de queimadura, também chamada de zona de chama ou zona de chamuscamento, tem
como responsável a ação superaquecida dos gases que atingem e queimam o alvo. Nas regiões
cobertas de pelos, há um verdadeiro chamuscamento mostrando-os crestados, entortilhados e
quebradiços. Essa reação fala sempre em favor de orifício de entrada em deflagração à queimaroupa. A pele apresenta-se apergaminhada, de tonalidade vermelho-escura em geral, ou de acordo
com a cor da pólvora.
A aréola equimótica é representada por uma zona superficial e relativamente difusa, decorrente
da sufusão hemorrágica oriunda da ruptura de pequenos vasos localizados nas vizinhanças do
ferimento. Esta aréola é vista bem próximo à periferia do ferimento de entrada, de tonalidade
violácea, podendo, todavia, estar encoberta por outros elementos.
Figura 4.30 Ferimento de entrada de projétil de arma de fogo. Halo de tatuagem e
orla de escoriação e zona de queimadura (tiro à queima-roupa).
Por fim, a zona de compressão de gases, vista apenas nos primeiros instantes no vivo, é
representada pela depressão da pele em virtude da ação mecânica da coluna de gases que segue o
projétil nos chamados tiros à queima-roupa.
Ferimentos de entrada nos tiros a distância. Os ferimentos de entrada de bala,
nos tiros a distância, têm as seguintes características: diâmetro menor que o do projétil, forma
arredondada ou elíptica, orla de escoriação, halo de enxugo, aréola equimótica e bordas reviradas
para dentro (Figuras 4.31 e 4.32). Diz-se que uma lesão tem as características das produzidas por
tiro a distância quando ela não apresenta os efeitos secundários do tiro, e por isso não se pode
padronizar essa ou aquela distância.
Nesses tipos de lesões, quando o tiro é dado em perpendicular, o diâmetro da ferida é quase
sempre menor que o do projétil, explicado pela elasticidade e retratilidade dos tecidos cutâneos.
Essa diferença será mais acentuada quanto maior for a elasticidade dos tecidos da região atingida,
mais pontiaguda for a ogiva do projétil e maior for a sua velocidade. Por outro lado, quando o
projétil se mostra com deformações do tipo acidental, tanto pela alteração da velocidade como pelas
modificações de seu formato cilindro-cônico, as dimensões do ferimento tendem a aumentar. No
entanto, os projéteis de alta energia, pela capacidade de poderem girar 90° sobre si mesmos, são
capazes, por isso, de provocarem um orifício de entrada muito maior que o seu diâmetro, chegando
até ao seu comprimento total. Em face do disposto, afirma Domingo Tochetto, a cavitação ou
cavidade temporária será maior próximo ao orifício de entrada (in Balística Forense – Aspectos
Técnicos e Forenses, op. cit.). Mesmo assim não se pode afirmar o calibre da arma pelo diâmetro
dos ferimentos.
A forma também varia de acordo com a inclinação do tiro. Quando é perpendicular, o orifício é
arredondado ou ligeiramente oblíquo, em virtude das linhas de força de certas regiões capazes de
alterar a direção no sentido de suas fibras. Quando o tiro é oblíquo, a ferida é sensivelmente elíptica.
Quando o projétil é deformado por colisão em superfície dura antes de penetrar no corpo, sua
tendência é alterar a forma do ferimento, mesmo se sua incidência for perpendicular à superfície da
pele.
A orla de escoriação, ou anel de Fisch, também é conhecida como zona de contusão de
Thoinot, zona inflamatória de Hoffmann, halo marginal equimótico-escoriativo de Leoncini, orla
erosiva de Piedelièvre e Desoille ou orla desepitelizada de França. Essa orla tem aspecto
concêntrico nos orifícios arredondados, e em crescente ou meia-lua, nos ferimentos ovalares. Seu
exame detalhado é muito importante, pois pode esclarecer a direção do tiro. Nos tiros
perpendiculares ao corpo, a orla de escoriação é concêntrica, e, quando inclinados, tem a forma
oblíqua. É um sinal comprovador de entrada de bala a qualquer distância. Nas vísceras,
principalmente no pulmão, o ferimento de entrada apresenta o halo hemorrágico visceral de Bonnet
(Figuras 4.33 e 4.34). Não se observa no de saída (Figura 4.35).
A orla de enxugo, também chamada de orla detersiva de Canuto e Tovo, é representada pelas
impurezas deixadas pelo projétil no anel interno do ferimento de entrada.
Apresenta ainda a aréola equimótica, fenômeno já descrito e que tem por origem a formação de
uma equimose bem justa ao ferimento em face do rompimento de capilares, vênulas e arteríolas
atingidos pelo projétil. Quando presente, tem um colorido violáceo.
Figura 4.31 Ferimento de entrada de projétil de arma de fogo. Orla de escoriação e
halo de enxugo (tiro a distância). Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no
Encarte.
Figura 4.32 Orla de escoriação (ferimento de entrada).
Figura 4.33 Halo hemorrágico visceral (pulmonar).
Figura 4.34 Halo hemorrágico visceral (cardíaco).
Figura 4.35 Ferimentos de saída de projétil de arma de fogo. Bordas irregulares,
evertidas e sangrantes. A figura B encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte.
Os ferimentos de entrada de bala em tiros a distância têm as bordas reviradas para dentro , fato
explicado pela ação contundente das margens do ferimento, o qual, agindo de fora para o interior,
deixa-as invertidas.
O diagnóstico diferencial entre o ferimento de entrada e o de saída no plano ósseo,
principalmente nos ossos do crânio, é feito pelo sinal de funil de Bonnet ou do cone truncado de
Pousold. Na lâmina externa do osso, o ferimento de entrada é arredondado, regular e em forma de
“saca-bocado”. Na lâmina interna, o ferimento é irregular, maior do que o da lâmina externa e com
bisel interno bem definido, dando à perfuração a forma de um funil ou de um tronco de cone. O
ferimento de saída é exatamente o contrário, como um amplo bisel externo, repetindo a forma de
tronco de cone, mas, desta vez, com a base voltada para fora. Em outros ossos chatos, como, por
exemplo, a escápula, levando em conta tais características, é plenamente possível determinar a
direção do tiro, se de diante para trás ou de trás para diante (Figuras 4.36 e 4.37 A e B).
Figura 4.36 Ferimento de entrada de projétil de arma de fogo (lâmina externa da
calvária).
Figura 4.37 Sinal do funil de Bonnet. A. Ferimento de entrada de projétil de arma de
fogo (lâmina interna da calvária) B. Ferimento de entrada de bala (lâmina interna da
calvária) (SML-HCE). A figura B encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte.
Há também quem aceite os ferimentos de entrada de tiros a média distância, considerando que
sua forma é semelhante às entradas dos tiros a longa distância, caracterizando-se pelo chamado halo
ou zona de tatuagem por causa dos grãos de pólvora incombusta e pela incrustação de partículas
metálicas. Deixam para os tiros a curta distância tão só a zona de esfumaçamento, produzida pela
fuligem advinda da queima de pólvora, e, para a caracterização dos tiros à queima-roupa, a presença
da zona de chamuscamento da pele e de pelos crestados em torno do ferimento de entrada (Quadro
4.1).
Quadro 4.1 Distâncias, geralmente, correspondentes às modalidades de
disparo para armas convencionais de empunhadura (revólver e pistola) com munição
usual (carga simples) utilizadas no Brasil (apud Muñoz & Almeida).
Modalidade do disparo
Distância
Tiro de contato (arma apoiada na vítima e gases 1 projétil 1
partículas 1 fuligem 1 chama penetram no subcutâneo)
Zero
Tiro a queima-roupa (projétil 1 partículas 1 fuligem 1 chama
atingem a vítima)
Geralmente até 10 cm
Tiro a curta distância (projétil 1 partículas atingem a vítima,
mas não a chama)
Geralmente de 10 a 50 cm
Tiro a média distância (projétil 1 partículas atingem a vítima,
mas não a fuligem nem a chama)
Geralmente de 50 cm até 60 ou 70
cm, excepcionalmente até 2 a 3 m
Tiro a longa distância (apenas o projétil atinge a vítima)
Geralmente de 60 a 70 cm em
diante
Figura 4.38 Ferimento de entrada de projétil de arma de fogo em formato de
“buraco de fechadura”. (Arquivo do Prof. Jorge Paulete Vanrell.)
Finalmente, chamamos a atenção para um tipo de ferimento de entrada em formato de “buraco de
fechadura”, nos ossos da calvária, quando o projétil tem incidência tangencial, porém com um
mínimo de inclinação suficiente para penetrar na cavidade craniana. Assim, de início o projétil
atinge tangencialmente o crânio, depois sua ponta começa a levantar um fragmento do osso e em
seguida se verifica a sua penetração na cavidade craniana (Figura 4.38).
FERIMENTO ÚNICO DE ENTRADA POR VÁRIOS PROJÉTEIS
Excepcionalmente pode ocorrer a existência de um só ferimento de entrada e serem encontrados
dois ou mais projéteis no interior do corpo ou projétil e ferimento de saída.
Duas são as situações mais comuns para tais achados: a) tipos de cartuchos fabricados com dois
ou mais projéteis acoplados; b) tiro disparado com projétil ou projéteis retido(s) na arma:
“fenômeno do tiro encaixado” (Figura 4.39 A e B). Outras hipóteses como a de tiros encostados com
arma automática são tão excepcionais que não se encontra registro sobre isso, em face do recuo e da
ascendência da arma.
Quando tal fenômeno acontece, geralmente a arma é do tipo revólver.
O primeiro passo da perícia é identificar os projéteis com a arma suspeita, depois ver se estão
oxidados ou brilhantes os projéteis, pois é comum encontrar-se só um deles brilhante. Examinar a
base de um dos projéteis para ver se apresenta alguma depressão que abrigou a ogiva do outro
projétil e ver também se nessa depressão da jaqueta de cobre existe chumbo (Figura 4.40 A e B).
Nesses casos, os projéteis se comportam como um só, mas a tendência é que o primeiro seja
empurrado pelo outro e que mesmo havendo um único ferimento de entrada, na maioria das vezes ele
é irregular e bifenestrado.
VÁRIOS FERIMENTOS DE ENTRADA POR UM SÓ PROJÉTIL
Para que isso aconteça, basta que o projétil entre e saia de alguns segmentos ou regiões. Assim,
por exemplo, é possível um projétil transfixar a coxa esquerda, o saco escrotal e a coxa direita
deixando nesses seus trajetos três orifícios de entrada e três orifícios de saída.
Apenas deve-se considerar que a partir do segundo ferimento de entrada estes não apresentam
mais a forma circular e a regularidade do primeiro ferimento de entrada.
Figura 4.39 A. Projéteis encaixados após tiro com um deles retido. (Instituto de
Criminalística de Pernambuco.) B. Projéteis encaixados após tiro com dois deles retidos
(a, b, c). (Instituto de Criminalística de São Paulo.) A figura B encontra-se reproduzida,
em cores, no Encarte.
Figura 4.40 A. Depressão na base do projétil anterior com fragmentos de chumbo
(Instituto de Criminalística de Pernambuco). B. Ogiva do projétil posterior (Instituto de
Criminalística de Pernambuco). Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no
Encarte.
Ferimento de saída
A lesão de saída das feridas produzidas por projéteis de arma de fogo tem forma irregular,
bordas reviradas para fora, maior sangramento e não apresenta orla de escoriação nem halo de
enxugo e nem a presença dos elementos químicos resultantes da decomposição da pólvora (Figura
4.35).
A forma dessas feridas é irregular (em forma de fenda ou de desgarro), e o diâmetro, maior que o
do orifício de entrada, pois o projétil que sai não é o mesmo que entrou. Deforma-se pela resistência
encontrada nos diversos planos e nunca conserva seu eixo longitudinal. Todavia, em feridas
produzidas por projéteis de alta energia, quando eles transfixam ao mesmo tempo dois corpos, o
segundo corpo pode ter o ferimento de entrada com o diâmetro maior que o de saída, em face da
possibilidade de o projétil sofrer uma rotação de até 90°, reencontrando-se, assim, com o seu
verdadeiro eixo.
A s bordas são reviradas para fora, em virtude de a ação do projétil se processar em sentido
contrário ao de entrada, ou seja, de dentro para fora.
São mais sangrantes pelo maior diâmetro, pela irregularidade de sua forma e pela eversão das
bordas, permitindo, assim, um maior fluxo sanguíneo.
Não têm halo de enxugo, porque as impurezas do projétil ficam retidas através de sua passagem
pelo corpo. Não apresentam orla de escoriação em decorrência de sua ação no complexo
dermoepidérmico, atuando de dentro para fora, a não ser que o corpo atingido pelo disparo esteja
encostado em um anteparo e o projétil, ao sair, encontre resistência dos tegumentos (sinal de
Romanese).
Esses ferimentos também não apresentam em redor de si os chamados elementos químicos que se
originam após o tiro pela decomposição da pólvora. Pode ser encontrada a aréola equimótica em
derredor do ferimento de saída, pois o mecanismo de produção é o mesmo dos ferimentos de entrada.
Finalmente, podem-se utilizar os trabalhos de Ökros por meio da prova histológica para
estabelecer a diferença entre os ferimentos de entrada e os de saída: maior infiltração gordurosa no
ferimento de saída e a presença de um anel de fibras colágenas no ferimento de entrada (in
Contribuition à l’identification de l’orifice d’entrée et de sortie des blessures par arme à feu, Ann.
Méd. Leg. Criminolog., Paris, 33(2), 83-89, 1953).
Trajeto
É o caminho percorrido pelo projétil no interior do corpo. Quando o ferimento é transfixante,
seria teoricamente traçado por uma linha reta, ligando a ferida de entrada à da saída (Figura 4.41 A).
Pode terminar em fundo cego ou perder-se dentro de uma cavidade. Alguns usam a expressão
trajetória para todo o percurso do projétil, desde a sua saída da boca do cano até o local de sua
parada final.
O trajeto dessas feridas é o mais variável, desde as linhas retas até as linhas curvas, criando
ângulos os mais caprichosos e inesperados. Vai depender de muitas condições, desde a distância do
disparo à região atingida do corpo. Em geral, são as estruturas ósseas responsáveis pelos desvios
mais acentuados do projétil. Diante de um plano elástico e móvel, ou sobre a superfície curva de
determinados ossos, como, por exemplo, as costelas e a calvária, pode a bala fazer um semicírculo,
entrando na parte anterior do corpo e saindo lateralmente, sem penetrar em uma das cavidades. São
o s colpi circungerandi ou colpi contornandi, dos italianos; coups tornants, dos franceses;
ringschuss, dos alemães; ou, simplesmente, fenômeno da bala giratória.
A luz do canal formado pelo trajeto sempre apresenta sangue coagulado – sinal valioso de reação
vital; tecidos lacerados, desorganizados e infiltrados por sangue; corpos estranhosprovenientes de
outras regiões, como esquírolas ósseas. Para rastrear um projétil, basta seguir a infiltração de
sangue.
Não é raro o projétil desviar-se por encontrar um órgão móvel. Uma bala que entre no coração,
seu movimento poderá dar a esse projétil o destino mais desconcertante possível. Não se diga que é
absurdo uma bala penetrar no coração e ser levada pela corrente circulatória até a bifurcação das
artérias ilíacas.
O desvio, às vezes, chega a formar um ângulo agudo. Nerio Rojas relata um caso de suicídio em
que o projétil penetrou na região temporal direita, foi até a região temporal esquerda, daí voltando
em ângulo para baixo, indo alojar-se no lobo temporal direito, bem próximo ao ferimento de entrada.
Não é tão raro encontrar situações em que um único projétil é capaz de transfixar vários
segmentos ou partes do corpo, com orifícios de entrada e saída, constituindo o que se poderia chamar
de “trajeto em chuleio” ou “trajeto em alinhavo”. Por exemplo, transfixar um braço, uma mama, a
outra mama e o outro braço, ou outras variantes (Figura 4.41 B). Nesses casos a primeira ferida de
entrada chama-se “ferida primária” e as demais “feridas secundárias” ou “feridas de reentrada”.
Assim, não deve esquecer o perito desses interessantes e paradoxais trajetos das feridas
produzidos por um projétil de arma de fogo. Só uma necropsia cuidadosa poderá esclarecer, com
detalhes, todas essas particularidades, a fim de que o julgador encontre na prova técnica uma
imagem, se não exata, pelo menos bem aproximada da dinâmica do evento. Só um pormenor bem
assinalado tem o poder de transportar o analista do relatório para o momento circunstancial do
delito.
Figura 4.41 A. Trajetos de projéteis de arma de fogo (IML/DF). B. Trajeto em
“chuleio” por um único projétil de arma de fogo. (Arquivo do Prof. Gerson Odilon Pereira.)
Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte.
Ter sempre em conta que é importante considerar a relação entre o trajeto do projétil e a posição
da vítima em referência ao agressor ou à linha de tiro, pois nem sempre o trajeto estudado no cadáver
em decúbito dorsal no necrotério é a continuidade exata da linha de trajetória da bala até o corpo.
Finalmente, jamais deve esquecer o perito que esses projéteis, ao serem encontrados, não podem
ser retirados com ajuda de instrumental metálico, a fim de não lhes causar qualquer alteração que
possa falsear um resultado no exame de balística. Usar sempre as mãos para retirar o projétil e,
mesmo que sua retirada seja dificultada, por exemplo, pelo encravamento em uma estrutura óssea,
ainda assim deve ser libertado por manobras que não venham a atingi-lo.
Lesões produzidas por projéteis múltiplos
O disparo de projéteis múltiplos pode produzir um ou vários ferimentos, com características que
dependem da distância do tiro ou dos elementos integrantes da carga. Em geral são constituídos de
pequenas e inúmeras esferas metálicas, de chumbo ou antimônio, contidas em cartuchos cilíndricos
de metal ou papelão.
Nos disparos dados a curta distância, o ferimento é geralmente único, em virtude de todos os
elementos da munição, como uma só massa, entrarem por um único pertuito (Figura 4.41 A). É de
grande dimensão e, quase sempre, com perda ou desgarramento parcial de retalhos da pele, dandolhe uma forma irregular e estrelada. Pode apresentar em seu derredor orla de esfumaçamento, zonas
de queimaduras, pequenas feridas de uma ou outra esfera e halo de tatuagem. O trajeto está
caracterizado por um túnel de paredes irregulares, anfratuosas e laceradas. O ferimento de saída é
sempre representado por uma ferida contusa, muito irregular, com bordas evertidas e, de acordo com
a região atingida, acompanhada de conteúdo visceral ou de fraturas múltiplas.
Nos disparos dados a distância, os ferimentos são múltiplos e pequenos, perfurocontusos, de cor
enegrecida, de forma e tamanhos que variam conforme o tipo de esfera utilizada. Seus inúmeros
trajetos são variados, dependendo das regiões atingidas e dos impactos sofridos. Os ferimentos de
saída são muito raros, principalmente quando a área de dispersão é grande; exceção se faz quando a
estrutura atingida não oferece maior resistência.
Lesões produzidas por projéteis deformados
As deformações do projétil, quando alteram seu aspecto cilindro-cônico por colisão em
superfície dura, tendem a modificar a forma e as dimensões do ferimento por ele causado, mesmo
quando incide perpendicularmente sobre a superfície da pele. Este tipo de ferimento tem sempre a
forma irregular-estrelada, em forma de fenda ou de sulco.
Em geral, os ferimentos de entrada produzidos por projétil de arma de fogo, quando incidem
perpendicularmente sobre o corpo, mostram-se de forma arredondada. Além disso, têm como
característica importante a orla de escoriação, motivada pelo movimento rotatório da bala antes de
penetrar no corpo. Todavia, se o projétil encontra um obstáculo antes de entrar no corpo,
deformando-se, perde em parte ou no todo este movimento de rotação e, portanto, desmotiva a
formação da orla de escoriação ou orla erosiva.
Estes ferimentos, também, quando penetram em sentido perpendicular ao plano atingido, têm
sempre dimensões iguais ou inferiores às do calibre da bala, e são tanto menores quanto mais
elástica for a pele da região afetada e quanto mais pontiaguda for a ogiva do projétil. No entanto,
quando este se mostra com deformações do tipo acidental, tanto pela alteração da velocidade como
pelas modificações do seu formato cilindro-cônico, as dimensões do ferimento tendem a aumentar.
As deformações que se podem verificar em um projétil após o tiro são produzidas pela alma
raiada do cano da arma (normais), pelo desalinhamento cano-câmara (periódicas) ou pelo seu
impacto em estruturas atingidas (acidentais).
As primeiras deformações chamadas normais, sejam macro- ou microscópicas, são aquelas que
se verificam durante o trajeto do projétil no interior do cano, impressões essas deixadas pelos
“cheios” e “ressaltos” das armas de alma raiada, e são utilizadas para identificação da arma. São
pequenas irregularidades conhecidas como raias.
As deformações ditas periódicas são aquelas produzidas pela má apresentação de câmara ao
cano, em face de seu mau alinhamento. São chamadas de periódicas porque com o giro do tambor
uma ou outra câmara pode apresentar estas alterações em virtude do desalinhamento em relação ao
cano. Sendo assim, nem todos os projéteis expelidos por esta arma de fogo com tal alteração vão
apresentar tais deformações.
As deformações acidentais são motivadas por impacto posterior e não produzido pela arma.
Estas deformações acidentais podem estar representadas por amolgamentos, torções, dilacerações,
sulcagens e fragmentações, sempre provocadas por alvos de razoável consistência. Mesmo para os
projéteis de chumbo nu, tendo em conta sua relativa plasticidade, há necessidade de uma certa
resistência dos locais atingidos. Assim, no corpo humano, admite-se que apenas os ossos sejam
capazes de favorecer uma deformidade a ponto de imprimir modificações na ogiva e no corpo
cilíndrico do projétil.
Diagnóstico das feridas cicatrizadas
Os pacientes que sobrevivem aos ferimentos por bala e procuram a perícia algum tempo depois,
ou os que morrem alguns dias após tais eventos, pelo fato de apresentarem esses ferimentos já
cicatrizados, constituem situações muito delicadas, principalmente quando o processo de
cicatrização já está muito adiantado. Nesses casos, pelo mascaramento provocado, não só pela
regeneração dos tecidos, mas também pelo desaparecimento dos elementos característicos das
feridas perfurocontusas, é muito difícil o diagnóstico médico-legal da ferida e do tipo de instrumento
causador.
Diante de tal circunstância, recomenda-se o diagnóstico histoquímico, por meio de uma técnica
microquímica específica para chumbo, utilizando o rodizonato de sódio, com a finalidade de
evidenciar, nos cortes histológicos da lesão, algum fragmento do projétil, sob forma metálica ou
iônica.
A técnica é simples e consiste na retirada de um pequeno fragmento de pele da cicatriz, sua
fixação em formaldeído a 10% tamponado, inclusão e impregnação em parafina, cortes histológicos
de 6 micrômetros de espessura, desparafinação em xilol ou tolueno, desidratação em alcoóis de
concentração decrescente e água destilada. Depois, gotejamento sobre o corte histológico de solução
do rodizonato de sódio a 0,1% e secagem em estufa por um minuto. Novo gotejamento de uma
solução-tampão contendo bitartarato de sódio ou potássio (1,9 g), ácido tartárico (1,5 g) e água
destilada q.s.p. 100 ml (Técnica do Instituto Médico-legal Renato Chaves).
Nos casos positivos, vamos encontrar um halo intensamente violeta em torno dos grânulos
incrustados no tecido conjuntivo denso da derme.
Pesquisa de microvestígios orgânicos em projéteis
Hoje, mais do que nunca, o exame do projétil de arma de fogo é de incalculável valor na
aplicação da moderna criminodinâmica.
Tendo-se em conta a disponibilidade cada vez maior dos recursos técnicos em práticas
laboratoriais, tornou-se imprescindível a pesquisa de microvestígios orgânicos em projéteis
retirados do corpo humano, no sentido de se determinar a identificação da vítima com seus autores.
Ao penetrar na intimidade dos tecidos, o projétil guarda consigo inúmeras micropartículas
orgânicas capazes de permitir o diagnóstico destas estruturas permeadas como fragmentos de pele, de
ossos, de músculos e de vísceras e sangue.
Tais estruturas podem ser identificadas pelos processos histológicos e pelos reagentes
conhecidos. Isto não só para comprovar seu contato com o corpo humano ou animal, mas para afirmar
se eles atingiram determinados órgãos, ou ainda para estabelecer um vínculo de relação entre eles e
determinada vítima. Atualmente, com as técnicas em DNA, avançou-se muito na questão da
identificação da vítima com o projétil.
Recomendamos para este fim retirar com muita delicadeza a matéria orgânica do projétil que se
alojou no corpo ou o traspassou e colocar este material dentro de um recipiente contendo pequena
quantidade de soro fisiológico. Ou retirando-se com muito cuidado pequenos fragmentos do material
existente no projétil, esmagando-o suavemente entre duas lâminas, e depois enviando-as ao
laboratório para a devida preparação e leitura.
Tão importante é este exame, que não se pode mais aceitar a ideia de que a solicitação de
pesquisa de microvestígios fique a critério dos peritos criminais, pois, em não se agindo assim, é
possível se levantarem dúvidas quanto a sua autenticidade de origem.
É do conhecimento de todos que um projétil que penetra ou transfixa a vítima sempre apresenta
vestígios de tecidos humanos. Por isso, é de significativa importância a coleta de projéteis no local
dos fatos, principalmente quando há mais de um morto e quando se presume ter vários autores.
Somente com a retirada do material orgânico neles contidos, existe a possibilidade de identificá-los
com as vítimas. O fato de não se realizar uma pesquisa de microvestígios orgânicos em projéteis
encontrados em locais dos fatos impossibilita a afirmação de sua intimidade com um corpo de cada
vítima e, portanto, dando margem a especulações de que ele carece de uma autenticidade de origem.
O verdadeiro destino da perícia é informar e fundamentar de maneira objetiva os elementos
consistentes do corpo de delito e, se possível, aproximá-lo mais e mais de uma provável autoria. Só
assim, é possível garantir o direito das partes, fazendo com que a dúvida não atormente a Justiça, e a
sentença não se transforme em uma tragédia.
Lesões produzidas por projéteis de alta energia
Hoje, com o advento de novas técnicas utilizadas no aprimoramento das armas de fogo, com
modificações significativas da velocidade inicial, da aceleração e do deslocamento do centro de
gravidade do projétil, algumas alterações vão surgindo no seu resultado final.
Assim, os ferimentos de entrada produzidos por esses projéteis de alta velocidade foram
mudando de forma, podendo apresentar vultosas áreas de destruição dos tecidos atingidos, deixando
à mostra regiões ou estruturas mais profundas, com orifícios muito maiores que o diâmetro do
projétil. Outras vezes, a orla de escoriação está ausente ou pouco nítida, e as bordas do orifício são
irregulares e apresentam radiações (Figura 4.42). Quando encontram maior resistência, como, por
exemplo, no tecido ósseo, apresentam-se como verdadeiras explosões.
Os ferimentos de saída, na maioria das vezes, têm a forma de rasgões, como se a pele fosse
puxada e rasgada (Figura 4.43).
O estudo da balística de alta energia nos leva a rever alguns conceitos e algumas razões da
balística tradicional. Assim, nos projéteis de alta energia, com velocidade superior a 750 m/s, alterase o coeficiente balístico (CB 5 m/ld2) e foram introduzidas variáveis nos elementos estabilizadores
(rotação, massa elevada e posição frontal do centro da massa), alteração no tocante ao arrasto
(resistência que o meio oferece ao deslocamento do projétil), o qual pode se alterar pelos fatores
velocidade, calibre do projétil e densidade do meio. A penetrabilidade do projétil:
, em que B
é o espaço percorrido, P o peso do projétil, S a área da secção (pd2/4), d o diâmetro e V a
velocidade linear.
Figura 4.42 Ferimento de entrada de projétil de alta energia (Delmonte, IML/SP).
Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte.
Figura 4.43 Ferimento de saída de projétil de alta energia. (Arquivo do Dr. Carlos
Henrique S. Durão.) Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte.
Quando se trata de balística dos ferimentos por projéteis de alta energia, um fenômeno que não
pode ser esquecido é o das ondas pressórica e de choque, principalmente quando elas apresentam
grande amplitude, pois, ao colidirem com tecidos mais resistentes, essa ação origina ondas muito
mais intensas que se potencializam pela superposição de uma outra onda incidente, provocando um
efeito verdadeiramente arrasador.
O fenômeno da cavitação, embora já observado há muitas décadas nos projéteis de baixa energia,
agora, com o surgimento dos projéteis de alta resolutividade, apresenta cavidades temporárias nos
sentidos transversal e longitudinal, em face da aceleração brusca dos tecidos.
Figura 4.44 Formação da cavidade temporária e da lesão definitiva: (1) primeira
expansão; (2) primeiro colapso; (3) segunda expansão; (4) rastros de bolhas de ar (apud
Berlin, in Delmonte).
Esta cavidade, formada de vapor de água, entra em colapso, ocorrendo várias expansões,
conhecidas como cavitação temporária pulsante. E, no final do processo, observa-se um rastro de
pequenas bolhas de ar. Por outro lado, verifica-se a cavidade permanente, que tem em média as
dimensões transversais do projétil. Assim, têm-se: (1) a primeira expansão; (2) o primeiro colapso;
(3) a segunda expansão; e (4) a formação de bolhas de ar (Figura 4.44).
Desse modo, hoje, além do interesse do estudo dos ferimentos de entrada e saída e do trajeto do
projétil, não se podem omitir as considerações do túnel de lesão. Da mesma maneira, não se pode
ficar indiferente aos ferimentos de entrada dos projéteis de alta energia, quando se mostram maior
que a secção transversal do projétil, exatamente em face da formação precoce da cavidade
temporária e da proximidade do ponto de colisão.
O túnel da lesão, nos casos de projéteis de alta energia, é formado de extensa laceração de
tecidos, mostrando, às vezes, material aspirado do meio e de estruturas vizinhas. Isso sem levar em
conta os efeitos dos projéteis secundários, provenientes de estruturas laceradas de maior
consistência, como os fragmentos ósseos.
Todos esses fatos, porém, em nada alteram os conceitos e os efeitos conhecidos dos projéteis de
baixa energia, os quais continuam a merecer as mesmas interpretações e justificativas.
Novos conceitos de distância de tiro e de ferimentos de
entrada em tiros próximos
As armas que apresentam compensadores de recuo alteram profundamente o formato do
residuograma e deixam de apresentar os formatos habituais nos tiros encostados ou bem próximos ao
alvo. Assim, por exemplo, os ferimentos em “boca de mina” nos tiros encostados não são
encontrados quando as armas que os deflagram apresentam os compensadores de recuo, isso em
virtude da dispersão dos gases pelos furos da extremidade distal do cano da arma (Figura 4.45).
Deliberações sobre técnicas recentes
Durante o I Seminário Nacional de Balística Forense, realizado de 20 a 25 de outubro de 1996,
na cidade de Porto Alegre, tendo-se levado em conta os novos fundamentos técnicos aplicáveis à
balística forense e considerando-se: (I) que os chamados exames de recenticidade do tiro não se
revestem de idoneidade, por não definirem data nem período provável de tiro de arma de fogo; (II) a
especificidade dos reagentes disponíveis, a não garantia de que as espécies químicas liberadas da
munição durante o tiro se depositam na mão do atirador, assim como a comprovada ineficiência dos
meios disponíveis das pré-faladas espécies e as suas origens, não se podem valorar estes exames sob
critérios técnico-científicos irrefragáveis; (III) que os exames de resíduos de tiro nas armas de fogo e
nas mãos, vestes e objetos de suspeitos podem ser feitos pelo uso das técnicas de rodizonato de
sódio, absorção atômica e, de preferência, por microscópio eletrônico de varredura, devendo ser
excluída, definitivamente, a prova de parafina (difenilamina sulfúrica); (IV) que a presença ou
ausência de resíduos compatíveis com os provenientes do tiro, na mão do suspeito, não pode ser
usada como único elemento de vinculação com a ocorrência, não devendo ser utilizada para
diagnóstico diferencial entre suicídio e homicídio; (V) que a determinação da distância de tiro, tendo
em vista a diversidade de configurações de canos e acessórios produtores de distintas configurações
morfológicas de residuogramas, não poderá ser realizada se não se utilizar da mesma arma e de
munição com a mesma especificidade das utilizadas no fato gerador de exame.
Figura 4.45 Diferenças entre disparos de arma de fogo com e sem compensador de
recuo, em tiros encostados e a 5 cm, em tecido e papel. A. Revólver Taurus, calibre .38
Special, cano com 4”: (1) tiro encostado (papel); (2) tiro a 5 cm (papel). B. Revólver
Taurus, calibre .357 Magnum, cano com 4”, com compensador de recuo: (1) tiro
encostado (papel); (2) tiro encostado (tecido); (3) tiro a 5 cm (tecido). (Arquivo de
Domingos Tochetto.)
Recomendaram-se:
• que os exames mencionados no item I sejam considerados obsoletos
• que os exames referidos nos itens III e IV sejam realizados conforme proposto, devendo as
autoridades competentes providenciar a qualificação dos profissionais e fornecer os
equipamentos necessários para a realização de tais exames
• que o contido no item V deva ser considerado apenas de orientação.
Ainda reivindicaram-se às autoridades que sejam tomadas medidas no sentido de proibir a
fabricação, venda e importação de projéteis e/ou cartuchos em revestimento de náilon ou “teflon”,
bem como a recarga destes projéteis; que sejam estudadas medidas visando fazer com que as fábricas
de armamentos também gravem no cano das armas de fogo a mesma numeração de série da arma, bem
como uma simbologia que indique peça de reposição: que seja criado pelas autoridades um banco de
dados sobre balística no Distrito Federal, visando ao acesso de consulta dos órgãos interessados dos
Estados brasileiros e demais países do Mercosul; que seja implementado o intercâmbio dos
Cadastros Nacionais de Armas de Fogo e dos Bancos de Dados de Balística Forense nos países do
Mercosul; que seja viabilizada a obrigatoriedade da participação de Perito Oficial nas licitações
para aquisição de arma de fogo por órgãos públicos, e na sua aquisição de equipamentos específicos
para os Institutos de Criminalística.
Protocolo de necropsia em morte por arma de fogo suspeita
de execução sumária
RECOMENDAÇÕES DAS NAÇÕES UNIDAS (MANUAL DE PREVENÇÃO E INVESTIGAÇÃO DAS
EXECUÇÕES EXTRALEGAIS, ARBITRÁRIAS E SUMÁRIAS)
Toda morte suspeita de causa controvertida necessita de esclarecimentos, exigindo que a perícia
seja feita de forma minuciosa. O ideal seria que nos casos de suspeita de execução extralegal,
arbitrária e sumária por disparo de arma de fogo a perícia fosse realizada de forma isenta de
conivência, em locais dotados de meios e recursos para tais fins e feitas por peritos especificamente
preparados para exames nessas circunstâncias e capazes de seguir um protocolo mínimo para
assegurar um exame sistemático no sentido de facultar uma ideia positiva ou negativa em torno do
fato que se quer apurar (Figura 4.46).
A finalidade em tais perícias é reunir o maior número de informações para assegurar a
identificação do morto, a determinação precisa da causa mortis e da causa jurídica da morte e a
descrição e caracterização das lesões violentas. Para tanto se propõe que o cadáver fique à
disposição da instituição médico-legal pelo menos por 12 h.
Figura 4.46 Execução sumária e arbitrária. (Arquivo do Prof. Penna Lima.)
RECOMENDAÇÕES, ALÉM DO QUE É PRAXE EM TODAS AS NECROPSIAS MÉDICO-LEGAIS
1. Proteger, analisar e encaminhar as vestes para os devidos exames em laboratório;
2. Proteger as mãos da vítima com sacos de papel ou plástico, anotar a hora do início e do
término da perícia e fotografar em cores as lesões mais significativas e, também, fotografar a
sequência do exame interno e externo, tendo o cuidado de usar escalas, números e nomes para
identificação do caso;
3. Valorizar o exame externo do cadáver, o que, em muitos casos, é a parte mais importante,
como nos casos de tortura ou maus-tratos. O mesmo se diga quanto à valorização da temperatura, do
estado de preservação, da rigidez e dos livores cadavéricos para avaliação do tempo aproximado de
morte;
4. Descrever em detalhes as lesões produzidas pelos projéteis de arma de fogo quanto a forma,
direção, trajeto, inclinação e distância de tiro e, se possível, estabelecer a determinação da ordem
dos ferimentos;
5. Recolher amostras de sangue de pelo menos 50 ml de um vaso subclávio ou femoral;
6. Examinar bem a face, com destaque para os olhos, nariz e ouvido, assim como o pescoço
interna e externamente em todos os seus aspectos;
7. Examinar os genitais e, em casos suspeitos de violência sexual, examinar todos os orifícios,
recolher pelos pubianos, secreções vaginal e anal para exames em laboratório;
8. Trocar o maior número de informações com a criminalística;
9. Recolher insetos presentes em cadáveres encontrados após algum tempo de morte para estudo
entomológico forense;
10. Acondicionar os projéteis encontrados no local e retirados do cadáver assegurando da
melhor forma a sua inviolabilidade;
11. Documentar e radiografar toda lesão do sistema ósseo, especialmente as fraturas dos dedos
das mãos e pés;
12. Extrair amostras de tecido no trajeto da ferida e microvestígios biológicos dos projéteis para
exame microscópico;
13. Recolher amostras de vísceras para exame toxicológico e guardar parte das amostras para
possível reexame;
14. Utilizar todos os meios possíveis e necessários para a identificação da vítima;
15. Obter, quando o paciente foi hospitalizado antes da morte, todos os dados e registros
relativos a admissão, evolução, medicação e causa mortis.
Lesões produzidas por ação cortocontundente
São ferimentos produzidos por instrumentos que, mesmo sendo portadores de gume, são
influenciados pela ação contundente, quer pelo seu próprio peso, quer pela força ativa de quem os
maneja. Sua ação tanto se faz pelo deslizamento, pela percussão, como pela pressão. São exemplos
desse tipo de instrumento: a foice, o facão, o machado, a enxada, a guilhotina, a serra elétrica, as
rodas de um trem, a tesoura, as unhas e os dentes.
As lesões verificadas por essa forma de energia são chamadas cortocontusas.
Têm forma bem variável, dependendo da região atingida e da inclinação, do peso, do gume e da
força viva que atua. Sendo o instrumento mais afiado, predominam as características dos ferimentos
cortantes. Quando o fio de corte não for vivo, prevalecem os caracteres de contusão nos tecidos.
São lesões quase sempre graves, fundas, alcançando mais profundamente os planos interiores e
determinando as mais variadas formas de ferimentos, inclusive fraturas (Figura 4.47) . Não
apresentam cauda de escoriação nem pontes de tecidos íntegros entre as vertentes da ferida, o que as
diferencia das feridas cortantes e contusas, respectivamente.
Figura 4.47 Lesão produzida por ação cortocontundente (foice).
O diagnóstico é feito através do estudo cuidadoso das bordas da ferida, sua profundidade,
comprometimento com os órgãos mais internos, entre eles os ossos, fazendo-se assim a distinção
entre esses instrumentos e os cortantes propriamente ditos.
Pode-se incluir dentro do conjunto destas lesões um quadro representado pela redução do corpo
a fragmentos diversos e irregulares, mais comuns nas mortes por acidentes ferroviários, denominado
espostejamento (Figura 4.48). Esta ocorrência, no entanto, pode ser usada como forma de dissimular
uma morte por homicídio, quando o cadáver é colocado na via férrea para confundir com suicídio ou
acidente, mas que a perícia tem condições de evidenciar as características vitais dos ferimentos, a
verdadeira causa da morte e outros achados que possam desqualificar aqueles intentos.
A tesoura, quando utilizada de forma convencional, é um instrumento de ação cortocontundente.
No entanto, quando é usada de modo agressivo, produz lesões cutâneas de entrada de acordo com a
disposição de suas lâminas. Quando introduzida com as lâminas fechadas produz uma ferida única,
de forma ovalar, semelhante às produzidas por instrumentos perfurantes de médio calibre. Quando
produzida com as lâminas abertas produz quase sempre duas feridas. As extremidades proximais das
feridas, correspondentes às produzidas pelas bordas cortantes da tesoura, têm formato de ângulo
agudo e podem apresentar pequenas caudas de escoriação, e as extremidades distais têm ângulos
arredondados.
Mordeduras
Um exemplo bem peculiar dessas lesões cortocontundentes, que se apresentam com
características próprias, é a mordedura ou dentada, produzida pelo homem ou por animais, que são
sempre pesquisadas na pele humana, em alimentos e em objetos. Tem por ação uma forma de
mecanismo que atua por pressão e secção, principalmente quando provocada pelos dentes incisivos.
O mesmo se diga dos animais herbívoros, cujas peças dentárias anteriores se assemelham aos
incisivos humanos. Por outro lado, os dentes dos animais carnívoros são mais perfurantes.
O mecanismo da dentada é o mesmo da mastigação, mudando apenas a intensidade com que o
agressor impõe nessa ação. Raramente atuam os pré-molares e molares. Já o animal morde sempre
com mais intensidade, com golpes múltiplos, com movimentos de lateralidade e, por isso, em geral
produzem feridas multiangulares e com perda de substância.
Dessa forma, as marcas de mordidas produzidas por mordeduras de pouca violência se
apresentam em forma de equimoses e escoriações. As produzidas com maior violência são
representadas por feridas, lacerações e em algumas oportunidades acompanhadas de arrancamento de
tecidos, muitas delas mutilantes, como na orelha, nariz ou papila mamilar (Figura 4.49).
A impressão deixada pela mordida corresponde a cada elemento dentário e a sua ausência pelos
elementos faltosos, e quanto maior for essa ausência mais difícil torna-se a identificação do seu
autor. Entender também que dificilmente se encontra a impressão completa de uma mordedura, pois
muitos são os fatores que contribuem para tanto, como a pressão da mordedura, a reação da vítima, a
elasticidade dos tecidos atingidos, a proteção das vestes, entre outros (Figura 4.50).
Quando a dentada na pele não é muito violenta, permanecem apenas as marcas dos dentes (arcos
dentários), alinhados em forma de meia-lua, tomando o aspecto de duplo parêntese com o outro arco
dentário. Podem resultar em simples feridas, mais ou menos profundas ou no degradamento em bloco
de tecidos.
Em geral, são de pouca gravidade, quando produzidas pelo homem, e mais graves quando por
animais. A maior gravidade, no entanto, reside no aspecto estético da lesão.
Se produzidas pelo homem, tais lesões são sempre dolosas ou simuladas. Têm um grande valor
para a perícia. Pode a marca de uma dentada na vítima identificar o agressor, como uma dentada no
agressor pode estabelecer o relacionamento com a vítima.
Figura 4.48 Espostejamento. Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no
Encarte. (Arquivo do Prof. Penna Lima.)
Figura 4.49 Amputação da papila mamilar por dentada humana. Esta figura
encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte.
Figura 4.50 Marca de mordida. (Arquivo do Dr. Carlos Henrique S. Durão.) Esta
figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte.
Foi assim o caso francês da viúva Cremieux, morta por estrangulamento, deixando na mão do
criminoso a marca de sua dentada. Um farmacêutico que atendeu ao ferido informou à polícia. O
mestre Paul Brouardel foi convidado a intervir, tirando o molde das arcadas dentárias da vítima, que
coincidiu exatamente com a ferida do acusado, que veio a confessar o crime.
A primeira providência da perícia é fotografar a lesão produzida pela mordida e, em seguida,
tratar dos meios para sua modelagem (Figura 4.51 A e B). Caso sejam encontradas partes destacadas
de tecido, estas devem ser preservadas convenientemente para os estudos comparativos e
histológicos. Na descrição da lesão deve-se indicar a sua localização, sabendo-se que os locais
prediletos são as partes descobertas de vestes, pontos mais salientes da face e regiões de menor
resistência tecidual. Deve-se também assinalar se a dentada foi produzida no indivíduo vivo e, como
tal, qual o tempo decorrido da agressão. Não perder de vista que algumas dentadas podem ter sido
provocadas por animais depois da morte do indivíduo.
Na maioria das vezes, o diagnóstico das dentadas não é difícil, notadamente se as lesões delas
decorrentes são recentes e se foram produzidas pelo homem. Nas dentadas produzidas por animais,
levando-se em conta os ferimentos irregulares, com arrancamento de tecidos e certa mutilação, a
multiplicidade de golpes, escoriações em torno das mordeduras e lesões produzidas pelas garras do
animal, o diagnóstico é mais complexo, sendo mais difícil ainda dizer-se qual o tipo da espécie
agressora.
Podem-se dividir essas lesões em quatro graus: 1o grau: equimoses e escoriações representadas
por mossas superficiais, com reais possibilidades de identificar as arcadas do agressor; 2o grau:
equimoses e escoriações mais nítidas e profundas, prestando-se melhor à identificação do seu autor;
3o grau: feridas contusas comprometendo a pele e a tela subcutânea e a musculatura, porém sem
avulsões de tecidos; 4o grau: lacerações com perda razoável de tecidos e possíveis alterações
estéticas (orelhas, nariz e lábios), que, na sua maioria das vezes, não permitem uma identificação
com os dentes do autor da dentada.
Quando a dentada é produzida em alimentos, modifica-se de acordo com a sua consistência,
variando pois, e de acordo com a maior ou menor penetração dos dentes. Nesses casos, devido à
fragmentação de uma porção do alimento, a perícia será realizada da parede de fratura remanescente
e o estudo será através da identificação das marcas das superfícies vestibulares dos dentes
superiores e inferiores e pelo percurso realizado pela dentada. Quase sempre as unidades dentárias
inferiores alcançam maior profundidade, como por exemplo nas mordidas em uma maçã.
Figura 4.51 A. Modelo de gesso, com as faces incisais circundadas. B. Imagens
sobrepostas. (Marques, Nogi e Melqui.)
Modelos de laudos de mordeduras
1. LESÃO POR MORDEDURA HUMANA
Preâmbulo
Em atendimento ao Ofício de no 15/99, da 1a DP, referente à ocorrência de no 72/99, solicitando
exame de marcas, suspeitas das produzidas por dentada no corpo da estudante MLM, o Diretor deste
Departamento de Medicina Legal designou os Drs. Robson Paredes Moreira e Maria do Socorro
Pereira, ambos odonto-legistas, para realizarem os exames periciais pertinentes e responderem aos
seguintes quesitos:
1. Trata-se de marca de mordida?
2. Se a mordida é humana ou animal?
3. Se a mordida foi produzida em vida ou após a morte?
4. Se há condições de identificação de quem a produziu?
Histórico
Estudante, MLM, 17 anos, encontrada sem vida no interior de sua residência após festa de
confraternização com alguns amigos.
Descrição
Às treze horas do dia 10/10/99, nas dependências deste DML, realizamos exame pericial no
cadáver do sexo feminino, sobrancelhas retilíneas, íris castanho-escuras, nariz mesorrino, boca
média, a face guardando sua integridade anatômica, a mesma apresentando na região deltoide
posterior, lado direito, um conjunto de feridas contusas, com muitas características cortantes,
produzidas pelo mecanismo das contusões, isto é, por pressão sem deslizamento, tendo formato de
dois semiarcos de concavidades voltadas uma para a outra, com bordas irregulares, mostrando
equimoses nas adjacências, e medindo o arco maior, aproximadamente 3,8 cm, e o arco menor em
torno de 3,4 cm, de profundidades variáveis de 2,0 mm a 4,0 mm, mostrando-se com forma de
simples escoriação e equimose de coloração vermelha (02); as demais lesões apresentam-se com
área de contusão, equimose, laceração tecidual, extravasamento de sangue nos seus leitos, tendo sido
identificado um total de 12 lesões, que formam todo conjunto (foto 1); removido fragmento de pele e
tecido subcutâneo adjacente do ombro da vítima (foto 2).
Discussão
As escoriações simples encontradas na lesão referem-se a pouca pressão aplicada nessas
localidades, possivelmente devidas ao uso de peças protéticas, cuja energia se faz diminuir
consideravelmente; as impressões das lesões adjacentes mostram-se com angulações
mesiovestibularizadas; a ausência dos pontos naturais de contato dos elementos dentários,
decorrentes de avulsões, faz com que os elementos dentários migrem, buscando preencher aquele
espaço, levando ainda a esses elementos a girarem em seu próprio eixo, levando ainda, a extração
dos elementos antagônicos. As equimoses de morfologia e coloração vermelha são condizentes com a
lesão recente, produzida em vida e, no caso, o óbito se deu com menos de vinte e quatro horas após a
lesão ter sido produzida. O conjunto de tecidos adjacentes à lesão foi removido e permanecerá sob a
guarda, conservação e preservação deste DML, para possível exame de identificação do portador
das arcadas que a produziu.
Conclusão
Ferimentos produzidos por instrumentos cortocontundentes, de características compatíveis com
as mordeduras humanas, cujo traumatismo foi produzido em um tempo menor que vinte e quatro
horas.
Anexo
Fotografias da lesão e do retalho tecidual, contendo a lesão, colhido do ombro da vítima.
Resposta aos quesitos
1. Sim;
2. Mordedura é humana;
3. Produzida em vida;
4. Sim.
1o perito: Robson Paredes Moreira
2o perito: Maria do Socorro Pereira
2. IDENTIFICAÇÃO DA ARCADA DE UM SUSPEITO DE MORDEDURA
Preâmbulo
Nas dependências deste DML, em 10/10/99, os peritos RPM e MSP, odonto-legistas, designados
pelo Diretor deste DML, passam a realizar perícia de identificação das arcadas que produziu
mordedura no corpo da estudante MLM, 17 anos, encontrada sem vida no interior de sua residência
em 10/10/99, e tendo como suspeito AAA.
Quesitos
1. É possível se estabelecer uma identidade para mordeduras humanas?
2. Existem condições de identificação da sua autoria?
3. Pode-se precisar quem a produziu?
Histórico
O suspeito AAA conta que no dia 09/10/99 esteve na festa da casa de sua colega MLM, tendo o
mesmo deixado o local por volta das duas horas da madrugada na companhia de outros convidados
desconhecidos.
Descrição
Do material colhido do suspeito AAA
a. Odontograma;
b. Modelagem das arcadas, com prótese (perereca) instalada;
c. Impressão da mordedura em material plástico, com a prótese instalada, e seus respectivos
modelos em gesso Paris (foto 2);
d. Fotografia da impressão colhida em material plástico (cera).
Análise do material de confronto
Do material colhido no ato pericial na vítima MLM
a. Fotografia da lesão;
b. Peça com conteúdo da lesão em bom estado de conservação;
c. Esquema com diagrama da lesão.
Análise da imagem fotográfica colhida no corpo da vítima
1a – Múltiplas lesões contusas de aspecto misto, formando dois semiarcos opostos de
convexidade voltada para fora;
2a – Presente em cada semiarco o número de seis lesões com as seguintes características.
Arco superior
Em suas extremidades, as lesões apresentam características semelhantes em suas formas,
tamanhos e profundidades; e mostram escoriação, equimoses de cor vermelha; no seu leito, observase laceração tecidual, com crostas de sangue, correspondendo na arcada dentária aos elementos
dentários 1.3 e 2.3 (caninos superior direito e esquerdo); identificamos ainda duas lesões pouco
profundas com escoriações e equimoses, que correspondem aos elementos dentários 1.2 e 2.1
(incisivo lateral superior direito e incisivo central superior esquerdo); interposto entre esses
elementos, visualizamos outras duas escoriações superficiais que guardam o formato dos elementos
dentários 1.1 e 2.2 (incisivo central superior direito e incisivo lateral superior esquerdo), e ausência
de uma maior pressão nessas áreas, o que depõe a favor de alterações na arcada dentária.
Arco inferior
Apresentam seis ferimentos, que guardam a forma peculiar dos elementos dentários que as
produziu 3.3; 3.2; 3.1; 4.3; 4.2; 4.1; e mostram escoriações, equimoses adjacentes de coloração
avermelhada.
Características comuns aos dois arcos
a. Formato das lesões, guardam peculiaridades com o instrumento que as produziu;
b. Apresentam equimoses de coloração avermelhada;
c. Mostram atresia das arcadas.
Análise do material colhido no suspeito AAA
a. O odontograma nos fala de elementos dentários faltosos, 1.2 incisivo lateral superior direito
(ILSD), e 2.1 incisivo central superior esquerdo (ICSE).
b. Presença de peça protética superior, confeccionada em resina contendo os seguintes
elementos: incisivo lateral superior esquerdo e incisivo central superior direito.
c. Ao exame clínico explorador do arco superior, retirada a peça protética, apresenta ausência
dos elementos dentários 1.2 (ILSD) e do 2.1 (ICSE).
d. Alteração na inclinação, mesiovestibularização, dos referidos elementos dentários; com
discreta extrusão de seus antagônicos.
e. Os modelos mostram atresia das arcadas dentárias.
Análise do modelo superior com a prótese no suspeito AAA
A presença da prótese superior na cavidade bucal, no ato da moldagem, e a obtenção do modelo
em gesso Paris demonstram uma diferença de cerca de 1,0 mm, dos elementos nela contidos, em
relação à linha de oclusão dos dentes naturais.
Análise da mordedura em material plástico (cera) no suspeito AAA
a. Encontradas para as impressões correspondentes aos dentes inferiores mossas com
profundidades aproximadamente de 3,0 mm, correspondentes no arco dentário aos caninos inferiores;
e quatro outras dispostas intermediárias, com aproximadamente 2,0 mm;
b. Quanto às impressões correspondentes ao arco superior, constatamos mossas com 3,0 mm,
correspondentes aos caninos; com 2,0 mm, o incisivo lateral direito; medindo aproximadamente 1,0
mm, o incisivo central direito e o incisivo lateral esquerdo (ambos supostos), para o incisivo central
superior esquerdo, apresentava o seu leito com discreta inclinação mesiovestibular, de profundidade
aproximada de 2,2 mm a 2,5 mm;
c. Presença de atresia nas arcadas.
Confronto fotográfico
Análise de confronto comparativo das impressões dentárias através das fotos obtidas no corpo da
vítima e das impressões do suspeito, AAA:
a. Realizadas aplicações, de forma a se obter uniformidade de tamanho 10 3 7 cm, em ambas as
fotos.
b. Conferida a distribuição dos elementos dentários no arco, suas falhas e inclinações, bem como
aferidas as dimensões dos arcos no nível da face distal dos caninos e as distâncias dos demais
incisivos.
c. Anotada a maior distância apresentada em cada uma das mossas, de cada um dos elementos
dentários, deixadas com ambas as mordeduras.
Análise da sobreposição dos modelos das arcadas (positivo) do suspeito A; com material
orgânico tecidual, colhido do corpo da vítima.
a. Observado por diversas vezes, e em diversas angulações, verificamos o perfeito acoplamento
das peças examinadas (positivo 3 negativo).
Discussão
Obtidos os mesmos padrões fotográficos tanto para as imagens da lesão colhida no corpo da
vítima MLM, como para a mordedura do suspeito AAA em material plástico, tendo sido observada a
mesma distribuição dos elementos dentários nos arcos, a mesma inclinação mesiovestibular dos
elementos vizinhos ao espaço protético, observados ainda seus formatos, confirmadas suas
mensurações e realizado o fechamento do modelo da arcada superior do suspeito AAA,
confeccionado em gesso Paris, com a peça de tecido colhido do corpo da vítima (foto 1)
correspondente a este arco, observado em variadas angulações, verificamos que o mesmo produziu
um perfeito acoplamento de ambas quando sobrepostas.
Conclusão
As características das arcadas, a distribuição dos elementos dentários nos arcos, suas
particularidades peculiar e coincidências nos levam a concluir tratar-se de uma mordedura humana,
cujo indivíduo fazia uso de peça protética superior, pouco estável, contendo dois elementos dentários
e que correspondem aos elementos 1.2 e 2.1, e que a lesão foi produzida pela pessoa examinada
(suspeito AAA).
Respostas aos quesitos
1. Sim;
2. Sim;
3. AAA é o autor da lesão.
1o perito: Robson Paredes Moreira
2o perito: Maria do Socorro Pereira
3. IDENTIFICAÇÃO DE MORDEDURA ANIMAL
Preâmbulo
Em atendimento à solicitação de no 29/98, referente à ocorrência de no 15/98 do diretor deste
DML, PB, o qual nomeou os Drs. Robson Paredes Moreira e Maria do Socorro Pereira, ambos
odontolegistas, para realizarem os exames periciais pertinentes.
Quesitos
1o – Se o cadáver apresenta lesões produzidas por animal?
2o – Teria condições de identificar qual o tipo de animal, se de pequeno, médio ou grande portes?
3o – Se existem outros tipos de lesões, pertinentes ao caso?
4o – Qual o meio que as produziu?
Histórico
Criança de aproximadamente 6 anos de idade, encontrada morta nas proximidades do local da
família, localizado no município do Conde, Paraíba, zona rural, após alguns dias do seu
desaparecimento, estando com dois suspeitos presos, o caseiro e seu filho.
Descrição
Cadáver de criança, contando com 6 anos de idade, de coloração parda, íris castanha,
sobrancelhas retilíneas, nariz mesorrino, boca pequena, elementos dentários em estado de higidez, a
face apresentando múltiplas lesões de forma e tamanhos variados, com características das lesões
produzidas por animais pertencentes à fauna silvestre e pelo deslocamento do corpo, pela vegetação;
digno de nota a escoriação em formato de semicírculo, medindo em seu maior diâmetro cerca de 3,5
cm e composta de seis feridas contusas de coloração avermelhada, situadas na região escapular, que
lembra, a pata de um animal (foto 1); na região supraclavicular direita, encontramos uma ferida com
características das lesões contusas com laceração de tecido mole, com cerca de 5,5 cm em sua maior
largura e aproximadamente 1,0 cm de profundidade, atingindo músculos e vasos; a mesma apresenta
crostas de sangue no seu interior (foto 2); o couro cabeludo apresenta duas feridas de forma circular,
de aproximadamente 0,5 cm, o que após feita a incisão bimastóidea e rebatidos os retalhos,
visualizamos duas perfurações de aproximadamente 0,5 cm, de bordas irregulares, e fratura da tábua
óssea interna, distando uma da outra em torno de seis cm; ambas apresentam infiltrado hemorrágico
(foto 3).
Discussão
O mecanismo das mordeduras é análogo ao mecanismo da mastigação, de início se dá a
apreensão, obedecendo à mesma dinâmica, com os mesmos elementos anatomofuncionais. A
mordedura humana, proferida como meio de ataque ou defesa, em geral é única e deferida em local
isolado, nas partes descobertas do corpo e onde se possa fazer apreensão, envolvendo apenas a
bateria de dentes anteriores 1.3 a 2.3 (canino a canino), o que difere em muito da mordedura animal,
em que se verifica uma multiplicidade de golpes no mesmo local, proferidos com grande mobilidade
com que lacera os tecidos moles, comprometendo os planos subjacentes, músculos, vasos, tendões,
nervos, bem como trituram os tecidos duros (ossos); uma outra característica própria do animal é
procurar ocultar sua caça, logo após seu domínio e morte, cravando suas presas no segmento cefálico
da vítima, arrastando-a por entre a vegetação.
Conclusão
Pelos vestígios encontrados no segmento corporal, adicionados às lesões do segmento cefálico,
foi-nos permitido concluir que as lesões que mais se evidenciam são de características cortocontusas
produzidas por mordedura animal.
Respostas aos quesitos
1o – Sim;
2o – Sim, médio porte;
3o – Sim, vide descrição;
4o – Ação cortocontundente.
1o perito: Robson Paredes Moreira
2o perito: Maria do Socorro Pereira
8. Energias de ordem física: Conceito. Temperatura, pressão atmosférica, eletricidade,
radioatividade, luz e som.
CONCEITO
No capítulo concernente às energias de ordem física, estudam-se todas as lesões produzidas por
uma modalidade de ação capaz de modificar o estado físico dos corpos e cujo resultado pode
resultar em ofensa corporal, dano à saúde ou morte.
As energias de ordem física mais comuns são: temperatura, pressão atmosférica, eletricidade,
radioatividade, luz e som.
TEMPERATURA
Suas modalidades são: o frio, o calor e a oscilação de temperatura.
Frio
O frio pode atuar de maneira individual ou coletiva, e sua natureza jurídica ocorre no crime, no
suicídio e, mais habitualmente, no acidente.
Embora a forma acidental seja mais constante, não é raro o caráter doloso, principalmente em
abandono de recém-nascidos.
Na ação generalizada do frio, não existe uma lesão típica. A perícia deve orientar-se pelos
comemorativos, dando valor ao estudo do ambiente e, ainda, aos fatores individuais da vítima, tais
como: fadiga, depressão orgânica, idade, alcoolismo e certas perturbações mentais.
A ação geral do frio leva à alteração do sistema nervoso, sonolência, convulsões, delírios,
perturbações dos movimentos, anestesias, congestão ou isquemia das vísceras, podendo advir a
morte quando tais alterações assumem maior gravidade.
O diagnóstico de morte pela ação do frio é difícil. Têm-se alguns elementos, como: hipóstase
vermelho-clara, rigidez cadavérica precoce, intensa e extremamente demorada, sangue de tonalidade
menos escura, sinais de anemia cerebral, congestão polivisceral, às vezes disjunção das suturas
cranianas, sangue de pouca coagulabilidade, repleção das cavidades cardíacas, espuma
sanguinolenta nas vias respiratórias, erosões e infiltrados hemorrágicos na mucosa gástrica (sinal de
Wischnewski), e, na pele, poderão ser observadas flictenas semelhantes às das queimaduras.
A perícia deve nortear-se fundamentalmente pelo diagnóstico das lesões vitais durante a estada
do corpo no ambiente refrigerado ou se o óbito desperta outra causa de morte,questões essas a que se
pode responder com a prática da necropsia, pelo histórico e pelo exame do local de óbito.
A ação localizada do frio, também conhecida como geladura, produz lesões muito parecidas com
as queimaduras pelo calor e tem sua classificação em graus: primeiro grau, lesão caracterizada pela
palidez ou rubefação local e aspecto anserino da pele; segundo grau, eritema e formação de bolhas
ou flictenas de conteúdo claro e hemorrágico; terceiro grau, necrose dos tecidos moles com
formação de crostas enegrecidas, aderentes e espessas; quarto grau, pela gangrena ou desarticulação.
Na primeira Grande Guerra, foram descritas lesões, designadas como pés de trincheira, que
consistiam na gangrena dos pés pela permanência e falta de proteção ao frio.
Calissen classificou em três graus: primeiro grau, eritema; segundo grau, vesificação; terceiro
grau, gangrena.
Calor
O calor pode atuar de forma difusa ou direta.
Calor difuso. Ocorre de duas maneiras: a insolação e a intermação.
A insolação é proveniente do calor ambiental em locais abertos ou raramente em espaços
confinados, concorrendo para tanto, além da temperatura, os raios solares, a ausência da renovação
do ar, a fadiga, o excesso de vapor d’água. A interferência do sol não desempenha maior significação
nessa síndrome, segundo se julgava anteriormente. Há de se levar em conta também alguns fatores
intrínsecos, tais como: estado de repouso ou de atividade, patologias preexistentes, principalmente as
ligadas aos sistemas circulatório e respiratório, o metabolismo basal, hipofunção paratireoidiana e
suprarrenal do indivíduo.
A intermação decorre capitalmente do excesso de calor ambiental, lugares mal arejados, quase
sempre confinados ou pouco abertos e sem a necessária ventilação, surgindo, geralmente, de forma
acidental. Alguns fatores, como alcoolismo, falta de ambientação climática, vestes inadequadas, são
elementos consideráveis.
Os sintomas variam de caso para caso. Nos resultados letais, não se encontram características
iguais. Podem aparecer: secreção espumosa e sanguinolenta das vias respiratórias, precocidade da
rigidez cadavérica, putrefação antecipada, congestão e hemorragia das vísceras (coup de chaleur).
O diagnóstico é feito pelos antecedentes, pela análise das condições locais e pela ausência de
outras lesões sugestivas de causa mortis percebidas pela necropsia.
Essas termonoses têm etiopatogenias discutíveis: ação do calor sobre a miosina cardíaca,
produzindo sua coagulação; sobre o sangue, destruindo os elementos figurados e a consequente
formação de trombose; bloqueio da perspiração cutânea e da sudorese; efeito direto sobre o
encéfalo, principalmente sobre os centros termorreguladores; choque anafilático decorrente de
elementos estranhos na circulação; destruição das proteínas hemáticas e a consecutiva ação tóxica
dos centros nervosos.
Calor direto. Tem por consequência as queimaduras, de maior ou menor extensão, mais
ou menos profundas, infectadas ou não, advindas das ações da chama, do calor irradiante, dos gases
superaquecidos, dos líquidos escaldantes, dos sólidos quentes e dos raios solares. São, portanto,
lesões produzidas geralmente por agentes físicos de temperatura elevada, que, agindo sobre os
tecidos, produzem alterações locais e gerais, cuja gravidade depende de sua extensão e profundidade
(Figura 4.52).
São ordinariamente de origem acidental, apesar de não se poder negar uma certa incidência de
suicídios por queimaduras provocadas pelas chamas. É mais rara a ação criminosa.
A classificação das queimaduras, em Medicina Legal, toma como princípio a profundidade das
lesões, ao contrário do critério clínico, que se baseia na área corporal atingida. Todavia, em certas
circunstâncias, como na caracterização do perigo de vida para classificação da lesão corporal sob o
ponto de vista jurídico, este último conceito é de grande valia. Para esses casos usa-se a Regra dos
Noves de Pulaski e Tennisson (Figura 4.53).
Dupuytren classificou as queimaduras em seus graus: primeiro grau, eritema; segundo grau,
flictena; terceiro grau, desorganização da epiderme com comprometimento da camada de Malpighi;
quarto grau, destruição total da pele; quinto grau, formação de escaras negras; sexto grau,
carbonização.
Todavia, a melhor classificação é a de Hoffmann que divide essa lesão em quatro graus:
(1) Primeiro grau. Distinguem-se pelo eritema simples, em que apenas a epiderme é afetada pela
vasodilatação capilar, como, por exemplo, nas queimaduras por raios solares. A pele conserva-se
íntegra. O tecido subepitelial pode apresentar-se edemaciado e, no período de cura, não raramente
ocorre a descamação dos planos mais superficiais da epiderme. Não produzem cicatrizes, embora
possam mostrar-se posteriormente de pigmentação desigual ao restante da pele. Em regra, as vestes
protegem o corpo das vítimas desta forma de lesão. Suas características principais são: eritema,
edema e dor (sinal de Christinson). Finalmente, como o eritema representa uma reação vital, as
queimaduras de 1o grau não se evidenciam no cadáver.
Figura 4.52 Queimadura de 2o grau por líquido escaldante (flictenas). Esta figura
encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte.
Figura 4.53 Regra dos Noves de Pulaski e Tennisson (in Bunaim, apud Bonnet).
(2) Segundo grau. Além do eritema, apresentam as lesões desse grau vesículas ou flictenas,
existindo em seu interior líquido amarelo-claro, seroso, rico em albuminas e cloretos (sinal de
Chambert). Quando a flictena se rompe, a derme fica desnuda, de cor escura e, pela ação do ar,
disseca-se, ostentando uma rede capilar fina e de aspecto apergaminhado.
(3) Terceiro grau . São produzidas geralmente por chamas ou sólidos superaquecidos, seguindo
então a coagulação necrótica dos tecidos moles. Esses tecidos, depois de algum tempo, são
substituídos por outros de granulação formados por cicatrizes de segunda intenção. A cicatriz pode
ser retrátil ou meramente queloidiana. A queimadura do 3 o grau incide até os planos musculares. São
mais facilmente infectadas e menos dolorosas em virtude da destruição dos corpúsculos sensíveis da
epiderme (Figura 4.54).
(4) Quarto grau. São mais destrutivas que as queimaduras do 3o grau e se particularizam pela
carbonização do plano ósseo. Podem ser locais ou generalizadas (Figura 4.55).
Figura 4.54 Queimadura de 3o grau (coagulação necrótica dos tecidos). Esta figura
encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte.
Figura 4.55 Queimadura de 4o grau (carbonização generalizada).
A carbonização generalizada tem como escopo a redução do volume do corpo por condensação
dos tecidos. Corpos de adultos carbonizados chegam a uma estatura de 100 a 120 cm. O morto toma a
posição de lutador em face da semiflexão dos membros superiores e dedos em garras, posição essa
explicada pelos leigos como o desespero da vítima surpreendida pelo fogo. A “posição de boxer” ou
a “atitude de saltimbanco”, também chamada “atitude em epistótomo”, motivada pela hiperextensão
da cabeça sobre o pescoço e hiperextensão do tronco em forma de arco de concavidade posterior,
são motivadas pela retração dos músculos da nuca, da goteira vertebral como também da região
lombar. Os cabelos tornam-se crestados, quebradiços e entortilhados; o couro cabeludo, com
extensas fendas, deixando a descoberto os ossos da calvária, os quais, por vezes, expõem-se como
verdadeiras fraturas, devido à intensa ação do calor, e por onde podem sobrevir massas encefálicas
herniadas. Cílios e supercílios tostados, pálpebras semicerradas, córneas opacas. As cavidades
torácica e abdominal exibem, em algumas situações, largas fendas ou fissuras, que se abrem até a
cavidade, confundindo, de quando em vez, com ferimentos acarretados por outra forma de ação. A
pele amparada pelas vestes pode permanecer íntegra. Na parte atingida, ela é negra, acartonada e
ressoa à percussão. No rosto, pela retração da pele, desaparecem os sulcos nasogenianos, a boca se
mostra aberta e os dentes salientes. Em algumas ocasiões, notam-se disjunções articulares e,
inclusive, amputações dos pés e das mãos. Os ossos longos podem apresentar grandes fissuras e
fraturas, notadamente no fêmur, na união dos terços superiores com o terço inferior, e no úmero, na
junção dos dois terços inferiores com o terço superior. Muito raro, os dentes estão calcinados e,
juntamente com o palato e as próteses, servem de elementos importantíssimos na identificação do
morto. A observação através dos fornos crematórios revela que o cadáver de um adulto demora
cerca de uma hora e meia a duas horas para sua total redução a cinzas, e de um feto a termo, de 50 a
70 min.
Perícia. Nos casos de carbonização total a primeira providência é identificar o morto.
Na morte pelo fogo, a perícia também deve ter como norma esclarecer se o indivíduo morreu durante
o incêndio ou se já se achava morto ao ser alcançado pelas chamas. Se ele sobrevive ao incêndio, a
questão é fácil de ser dirimida; porém, se ele é encontrado morto no palco do incêndio é necessário
um certo cuidado para elucidar alguns pontos (Figura 4.56 A).
Primeiramente, devem-se procurar, no corpo, outras lesões distintas das queimaduras; em
seguida, ter-se a certeza de que o indivíduo respirou na duração do incêndio, pela pesquisa do óxido
de carbono no sangue e pela presença de fuligem ao longo das vias respiratórias conhecido como
sinal de Montalti (Figura 4.56 B). O calor da fumaça aspirada provoca também hiperemia e edema
da laringe, da faringe, da parte superior do esôfago e da mucosa traqueobrônquica, nesta com
acentuado aumento do muco.
Figura 4.56 A. Queimadura produzida post mortem. B. Fuligem na via respiratória
inferior – sinal de Montalti. (Arquivo do Instituto Médico-legal de Valência.) A figura B
encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte.
É também importante saber se as lesões provocadas pelo calor foram produzidas no vivo ou no
morto. As flictenas, mesmo podendo ser provocadas no cadáver, neste elas não têm conteúdo seroso
com exsudato leucocitário (sinal de Janesie-Jeliac).
No vivo, em derredor das flictenas, veem-se, ao microscópio, hemácias descoradas, migração
leucocitária e edema das papilas dérmicas. A escara originada de uma queimadura em vida tem
vesículas e eritema em seu redor.
É importante que a perícia leve em conta alguns fenômenos que podem confundir, como: bolhas
de putrefação, soluções de continuidade da pele e do panículo adiposo, disjunção dos ossos do
crânio, fratura dos ossos longos e coleção hemática no espaço extradural, pois estes são próprios dos
queimados por alta temperatura.
Outro ponto importante da perícia é o diagnóstico da origem e de modo de distribuição das
queimaduras. Nas oriundas de líquidos e gases superaquecidos, as lesões não são tão profundas
quanto as produzidas pelas chamas, e os cabelos não se chamuscam nem se carbonizam.
As queimaduras produzidas pelo calor irradiante e pelos líquidos e gases respeitam as partes do
corpo cobertas pelas vestes. As oriundas de corpos sólidos superaquecidos mostram-se de
dimensões limitadas, podem deixar a marca dos objetos e sua profundidade depende da intensidade
térmica produzida. As motivadas pelas chamas dirigem-se de baixo para cima e, pelos líquidos, de
cima para baixo, dando às lesões o aspecto de contornos geográficos.
Por fim, é importante a questão da causa mortis quando das necropsias médico-legais em casos
de queimados, levando-se em conta duas situações bem distintas: 1a – Na morte imediata: apresenta
um interesse pericial mais evidente, pois a vítima exibe apenas as lesões produzidas pela ação
térmica. A morte, neste caso, estaria justificada pela exsudação plasmática aguda com diminuição do
volume circulatório (teoria humoral), ou pela desintegração das albuminas cujo efeito é semelhante
ao chamado “choque anafilático”. 2a – Na morte tardia: apresenta no transcurso de vários dias um
processo infeccioso, sendo o mais comum a broncopneumonia, além de hemorragia intestinal, de
processo hepatotóxico e de insuficiência renal aguda.
Temperaturas oscilantes
Seu estudo interessa, essencialmente, aos casos de acidentes de trabalho, bem como às doenças
profissionais. Esse tipo de ação expõe o organismo humano, debilitando e propiciando determinadas
patologias, por exaltação da virulência dos germes ou por diminuição da resistência individual.
Sendo assim, doenças como pneumonia, broncopneumonia e tuberculose podem ser desencadeadas
ou agravadas pela oscilação brusca da temperatura, quando o nexo de causalidade entre a
mortalidade e a forma de trabalho é sempre aceito.
PRESSÃO ATMOSFÉRICA
Quando a pressão atmosférica alterna para mais ou para menos do normal, pode importar em
danos à vida ou à saúde do homem. Portanto, merece a consideração da perícia médico-legal.
Diminuição da pressão atmosférica
A pressão atmosférica normal corresponde a uma coluna de mercúrio de 760 mm ao nível do mar
ou também 1.036 kg/cm2, o que equivale a 1 atmosfera. À medida que subimos, essa pressão diminui
e o ar vem a ficar mais rarefeito. Há diminuição do oxigênio e do gás carbônico, e a composição do
ar altera o fenômeno da hematose. Tais perturbações recebem o nome de mal das montanhas,
compensadas pela “poliglobulina das alturas”, que se constitui em um considerável aumento do
número de glóbulos vermelhos no sangue e que no indivíduo aclimatado reverte espontaneamente em
poucos dias. É comum nas altitudes acima de 2.500 m, é agravado com o esforço físico e tem como
sintomas mais comuns cefaleia, dispneia, anorexia, fadiga, insônia, tonturas e vômitos. Nos países
andinos é conhecido como soroche e puna.
Na estrutura alveolar do pulmão, o oxigênio, o gás carbônico e o azoto impõem uma pressão
global em torno de 713 mm, tendo cada um destes elementos uma pressão parcial, dependendo de sua
concentração na intimidade dos alvéolos. Assim, o oxigênio (14,5%), com uma pressão de 95 a 105
mmHg; o azoto (80%), com 565 a 580 mmHg; e o gás carbônico (5,5%), com 40 mmHg. Desse modo,
toda vez que há diminuição da pressão atmosférica, cai a concentração dos gases dissolvidos no
sangue, tanto mais rapidamente quanto maior for a velocidade da descompressão. Além do mais,
surge o fenômeno da anoxia, explicado também pela diminuição da pressão parcial do oxigênio no
interior dos alvéolos. Isso força o coração a trabalhar mais no sentido de compensar a carência de
oxigênio. Daí, pessoas não habituadas a grandes altitudes passam mal quando nestes locais. A
natureza jurídica desse evento é quase sempre acidental, despertando maior interesse ao capítulo dos
acidentes de trabalho, principalmente com o pessoal da aviação que opera sem os recursos das
cabinas altimétricas, razão pela qual era conhecido antes com o nome de “mal dos aviadores”, que
consistia em dispneia, náuseas, taquicardia, obnubilação e até perda da consciência.
Dentro deste capítulo chamado “patologia da altitude”, além do mal das montanhas, podemos
encontrar um grupo de entidades de maior ou menor gravidade, como o edema agudo do pulmão e o
edema cerebral das alturas, as hemorragias retinianas, o mal crônico das montanhas (doença do
monge), o embolismo pulmonar e até mesmo a psicose das grandes altitudes.
Aumento da pressão atmosférica
Sofrem efeito desse tipo de ação os mergulhadores, escafandristas e outros profissionais que
trabalham debaixo d’água ou em túneis subterrâneos. Não incorrem só no perigo do aumento da
pressão atmosférica, mas especialmente na descompressão brusca que pode ocorrer, dando como
desfecho lesões muito graves. Essa síndrome é conhecida por mal dos caixões.
O aumento da pressão atmosférica, ao mesmo tempo que acarreta uma patologia de compressão,
caracterizada pela intoxicação por oxigênio, nitrogênio e gás carbônico, produz também uma
patologia de descompressão, proveniente do fenômeno da embolia, consequente à maior
concentração dos gases dissolvidos no sangue. São conhecidas por “barotraumas”.
Mesmo que o interesse médico-legal, nessa modalidade de energia, circunscreva-se ao
diagnóstico do acidente de trabalho, pode-se admitir ainda como causa jurídica o suicídio ou o
homicídio, embora mais raramente.
ELETRICIDADE
A eletricidade natural ou cósmica e a eletricidade artificial ou industrial podem atuar como
energia danificadora.
A eletricidade natural, quando agindo letalmente sobre o homem, denomina-se fulminação e,
quando apenas provoca lesões corporais, chama-se fulguração. Esses fenômenos são os mais
comuns entre os chamados fenômenos naturais.
Os fatores que determinam a natureza, a intensidade e a gravidade das lesões são os seguintes:
corrente contínua da eletricidade atmosférica; resistência de corpo atingido; tensão elétrica
(voltagem); intensidade da corrente; duração do contato da vítima com a corrente; trajeto da corrente
através do corpo da vítima.
O diagnóstico das lesões é dado pelos comemorativos orientados pelas tempestades e descargas
elétricas, provenientes dos choques de nuvens, e pelo exame das próprias lesões. As lesões externas
tomam aspecto arboriforme e tonalidade arroxeada, cognominadas sinal de Lichtenberg ou marcas
queraunográficas (do grego keraunos, que significa raio), procedente de fenômenos vasomotores,
podendo desaparecer com a sobrevivência. Essa marca surge cerca de uma hora depois da descarga
e desaparece gradualmente em torno das 24 h subsequentes à descarga elétrica.
Em geral, a morte pelos efeitos da eletricidade atmosférica se dá por inibição direta dos centros
nervosos por paralisia respiratória e asfixia. Em outros casos predominam os efeitos cardíacos com
fibrilação ventricular. Podem surgir outras alterações, como queimaduras, hemorragias musculares,
ruptura de vasos de grosso calibre e até mesmo do coração; fraturas ósseas, congestão e hemorragia
dos globos oculares; congestão polivisceral, fluidez do sangue, distensão dos pulmões e equimoses
subpleurais e subpericárdicas. As lesões mais intensas são encontradas nos locais de entrada e saída
da corrente elétrica (mais comuns na cabeça, no tórax e nos pés).
A eletricidade artificial ou industrial, por sua vez, pode resultar o que se denomina eletroplessão
(Figura 4.57 A). É, geralmente, acidental, podendo, no entanto, ter origem suicida ou homicida.
Conceitua-se a eletroplessão como qualquer efeito proporcionado pela eletricidade industrial,
com ou sem êxito letal.
As lesões superficiais dessa forma de eletricidade alteram-se de acordo com a corrente de alta
ou baixa tensão.
A lesão mais típica é conhecida como marca elétrica de Jellinek (Figura 4.57 B), embora nem
sempre esteja presente. Constitui-se em uma lesão da pele, tem forma circular, elítica ou estrelada,
de consistência endurecida, bordas altas, leito deprimido, tonalidade branco-amarelada, fixa,
indolor, asséptica e de fácil cicatrização. Pode apresentar também a forma do condutor elétrico
(Figura 4.58). As lesões por corrente elétrica no couro cabeludo são semelhantes às da pele; todavia,
podem-se verificar grandes perdas de tecido, dando o aspecto do destacamento da casca que se
verifica em certos frutos. Os pelos apresentam uma característica bem interessante: apenas suas
pontas mostram-se chamuscadas, embora inteiramente enrodilhados de forma helicoidal. Por meio da
raspagem do local onde se encontra essa lesão é possível identificar em laboratório a presença de
metais fundidos pela ação local da corrente elétrica e com isso ter a composição química do
condutor (cobre, bronze, alumínio etc.).
Quando a eletricidade é de alta tensão, dá margem às lesões mistas, ou seja, à marca elétrica e à
queimadura (Figura 4.58).
Se esta forma de eletricidade é usada como pena judicial de morte através da “cadeira elétrica”
chama-se eletrocussão. Nesta circunstância, a morte é provocada por uma intensa carga de energia
elétrica que passa por todo corpo e atinge com maior intensidade o coração e o cérebro. Difere das
diversas formas de eletroplessão pela generalização e pela gravidade das lesões que se verificam no
interior do corpo. Tendo em conta a consistência do cérebro e a utilização de capacetes metálicos na
cabeça do executado, este é o órgão que apresenta lesões mais intensas representadas por lacerações
e profundas fissuras, entre outras.
Figura 4.57 A. Eletroplessão. (Arquivo do Prof. Penna Lima.) B. Marca elétrica de
Jellinek (SML-HCE). A figura A encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte.
Figura 4.58 Queimadura por eletricidade de alta voltagem. Esta figura encontra-se
reproduzida, em cores, no Encarte.
A marca elétrica é diferente da queimadura elétrica. A primeira representa exclusivamente a
porta de entrada da corrente elétrica no organismo, pouco significativa, podendo até passar
despercebida ou estar ausente. Sua ausência não quer dizer que não houve passagem da corrente
elétrica. As queimaduras elétricas são resultantes do calor de uma corrente, têm a forma de escara
pardacenta ou escura, apergaminhada, bordas nítidas, sem área de congestão, nem tampouco presença
de flictenas. Há também lesões muito graves que vão desde a amputação de membros até secção
completa do corpo (Figura 4.59 A).
Figura 4.59 A. Hemicorporectomia por ação de corrente elétrica de alta voltagem
(IML/RN). B. Lesões de saída (eletroplessão). Esta figura encontra-se reproduzida, em
cores, no Encarte.
O corte histológico de uma marca elétrica mostra destacamento da epiderme, células da camada
basal e espinhosa com núcleos retraídos ou vacuolizados, estiramento das células poliédricas mais
profundas, configurando-se em feixes de pelos. Isto vem a ser uma lesão típica.
Algumas vezes, encontra-se nos pés a lesão denominada de saída (Figura 4.59 B).
Outro ferimento superficial dessa modalidade de energia é a metalização elétrica, cuja
característica é o destacamento da pele, com o fundo da lesão impregnado de partículas da fusão e
vaporização dos condutores elétricos. Podem surgir também os salpicos metálicos, caracterizados
pela incrustação de pequenas partículas de metal distribuídas de forma dispersa. E, finalmente, pelas
pigmentações que se originam da impregnação de minúsculas partículas metálicas que se desprendem
do condutor.
Ocorre também a chamada queimadura elétrica (Figura 4.58), que pode ser cutânea, muscular,
óssea e até visceral, dependendo do efeito e da lei de Joule. “A passagem de uma corrente elétrica
através de um condutor determina calor” (efeito). “O calor desenvolvido por uma corrente elétrica é
proporcional à resistência do condutor, ao quadrado da intensidade e ao tempo durante o qual passa
pelo condutor” (lei). Essas lesões apresentam-se em forma de escaras negras, de bordas
relativamente regulares, podendo ou não apresentarem as marcas do condutor. Piga classificou as
queimaduras elétricas cutâneas em três formas: tipo poroso (com aspecto das imagens histológicas
do pulmão); tipo anfratuoso (parecido com esponja rota e gasta); e tipo cavitário (em forma de
crateras com zonas de tecidos carbonizados). Quando no tecido ósseo, essas queimaduras, em face
da resistência deste tecido, podem ocasionar sua fusão, produzindo pequenas esferas denominadas
“pérolas ósseas”.
A ação da eletricidade cósmica de forma fatal pode criar dúvidas, principalmente pela ausência
de vestígios característicos, pois nem sempre a vítima apresenta lesões tegumentares, mas tão
somente lacerações das vestes devido à explosão do raio.
Uma das lesões típicas é a queimadura nos locais próximos de objetos metálicos, como fivelas,
medalhas, fecho ecler, moedas. Na maioria das vezes, esses metais ficam imantados.
As lesões produzidas pelo raio têm variações as mais distintas, que vão desde as figuras
arborescentes até as queimaduras mais ou menos profundas, semelhantes àquelas produzidas por
eletricidade artificial.
A necropsia revela sempre sinais de asfixia, a não ser que a vítima, arremessada a grande
distância, venha a morrer por traumatismo indireto.
Os que vêm a sobreviver após a ação dessa forma de eletricidade podem apresentar surdez,
quase sempre unilateral, devido ao deslocamento de ar produzido pelo raio rompendo violentamente
a membrana do tímpano. Podem também apresentar sérias lesões do aparelho visual.
O exame do local é fundamental.
A etiologia da morte pela corrente elétrica é justificada por três teorias:
•
Morte pulmonar. Os defensores desse conceito inspiram-se nos achados necroscópicos
compatíveis com a asfixia: edema dos pulmões, enfisema subpleural, congestão polivisceral,
coração mole contendo sangue escuro e líquido; hemorragias puntiformes subpleurais e
subpericárdicas; congestão da traqueia e dos brônquios, com secreção espumosa e sanguinolenta.
Esses resultados são decorrentes da tetanização dos músculos respiratórios (diafragma e
intercostais) e dos fenômenos vasomotores. A observação tem demonstrado que a parada de
respiração antecede a parada do coração
•
Morte cardíaca. Explicada pelo efeito da corrente elétrica sobre o coração, provocando
contração fibrilar do ventrículo, alternando-lhe a condução elétrica normal
• Morte cerebral. Ocasionada pela hemorragia das meninges, hiperemia dos centros nervosos,
hemorragia das paredes ventriculares do cérebro, do bulbo, dos cornos anteriores da medula
espinal, e edema da substância branca e cinzenta do cérebro, lesões estas com que sempre se
defronta a necropsia.
Ao que nos parece, essas causas variam conforme a intensidade da corrente: na alta-tensão,
acima de 1.200 volts, a morte é cerebral, bulbar e cardiorrespiratória; nas tensões de 1.200 a 120
volts, a morte é por tetanização respiratória e asfixia; e, abaixo de 120 volts, por fibrilação
ventricular e parada cardíaca.
Perícia. A perícia médico-legal, nos casos de eletroplessão, deve guiar-se pela busca
dos comemorativos, pela existência das marcas elétricas, pelas alterações respiratórias, cardíacas e
encefálicas e pela ausência de outros tipos de lesões que justifiquem a morte.
Nos comemorativos, pode ser importante o depoimento de testemunhas, principalmente quando se
quer determinar a causa jurídica da morte. Significativa também é a caracterização da marca elétrica,
assim como as lesões de entradas e de saída produzidas pela corrente e a natureza in vitam e post
mortem de cada lesão. Deve-se fazer uma avaliação criteriosa da existência ou não de outras
alterações que possam influir no diagnóstico da morte. Em suma, se existem manifestações de asfixia,
micro-hemorragia dos 3o e 4o ventrículos cerebrais, edema dos pulmões, cavidades cardíacas
dilatadas e repletas de sangue, lesão eletroespecífica e ausência de outras lesões ou alterações, tudo
isso fala em favor da morte por eletricidade industrial, mesmo que se diga não existir um quadro
anatomopatológico específico de morte por eletricidade. Não muito raro encontra-se intenso
pontilhado hemorrágico nas regiões cervicais e dorsais e na face lateral do tórax em forma de
micropápulas cianóticas, conhecido como sinal de Piacentino.
Às vezes, nota-se, no exame, a marca elétrica, mas a morte é devida a outras causas, sobrevindas
da queda: ao receber o choque elétrico, a vítima é precipitada ao solo, morrendo por ação mecânica
(contusão). Outras vezes, a morte se dá por patologias diversas, necessitando-se estabelecer a
relação de causa e efeito.
A perícia no vivo é mais simples. Interessa mais nos casos de acidentes de trabalho,
principalmente quando apresentam sequelas mais graves, sejam elas anatômicas ou funcionais.
Finalmente, a perícia deve ficar atenta para o diagnóstico das lesões produzidas pela ação da
eletricidade em “sessões de tortura”, principalmente nos órgãos genitais das vítimas. Sob o ponto de
vista microscópico, nem sempre essas lesões provocadas por descarga elétrica são típicas. Ainda
mais: as lesões eletroespecíficas (marca elétrica de Jellinek) não são muito diferentes das lesões
produzidas em “sessões de tortura”, a não ser o fato destas últimas não apresentarem depósitos
metálicos (ferro ou cobre), em face dos cuidados de não se deixarem vestígios. Hoje, estudam-se as
modificações histoquímicas e histológicas dessas formas de ação.
Pistolas elétricas (stum guns)
As pistolas elétricas, conhecidas, em alguns lugares, por Taser(nome de um dos seus
fabricantes), têm a finalidade de imobilizar pessoas por meio de dardos energizados lançados em
seus disparos. Seu uso mais comum é na atividade policial.
Essa arma, quando acionada, dispara dois miniarpões ou dardos presos a fios elétricos que
penetram no corpo da vítima, imobilizando-a e derrubando-a na maioria das vezes.
A carga dessas pistolas contém nitrogênio e dois miniarpões com farpas parecidas com as de um
anzol e presos à arma por fios de cobre. Quando os arpões se fixam no corpo da vítima, o circuito
elétrico se fecha, pois um de seus polos se torna positivo e o outro negativo. Sua ação é em torno de
5 segundos e o alcance do seu disparo varia de 4,5 a 10,5 m. Sua corrente é produzida por pilhas ou
baterias.
Hoje existe um modelo novo, chamado Taser X3, capaz de aplicar choques elétricos em até três
pessoas sem necessidade de recarga.
As vítimas dessas descargas perdem a coordenação pela paralisia muscular, passando a se
debaterem sem esboçar resistência, o que facilita a contenção.
As lesões produzidas pela descarga dessas pistolas caracterizam-se por pequenos eritemas ou
queimaduras puntiformes, podendo causar danos sérios e até mesmo a morte, principalmente nos
portadores de doenças cardíacas. Esse risco é mais grave, mesmo em indivíduos sem essa patologia,
quando se repetem os disparos.
Seu uso, mesmo com a desculpa de tratar-se de um meio inócuo e protetor da sociedade em casos
de distúrbios ou de contenção de suspeitos ou infratores, é falso porque ele é desnecessário e não se
trata de uma ação inofensiva. Mais grave ainda é o uso dessas pistolas como forma de tortura em
indivíduos detidos e sem condições de fuga ou de reação. Pelo fato de a pistola de eletrochoques
paralisantes provocar sofrimentos sua utilização tem se verificado muito mais para intimidar,
humilhar ou tirar confissões de suspeitos, detidos, prisioneiros ou simples cidadãos. Se levarmos em
conta o que diz a Convenção das Nações Unidas contra a tortura, de 1984, não há como negar que se
trata de uma arma cruel e degradante.
O uso da “arma de choque” como ação repressiva ou preventiva nos programas de combate ao
crack pela polícia é uma prática abominável que não reflete outra coisa senão a falência do Estado
no tratamento de dependentes da droga, pois, como se sabe, o viciado é antes de tudo um doente e
tais medidas não têm o sentido curativo que se espera das autoridades ligadas ao problema. O
tratamento dos portadores de dependência química deve ser orientado e tratado por equipes
multiprofissionais ligadas a áreas específicas e capacitadas para tal. O pior de tudo é que tais
procedimentos são estimulados e regulamentados pelos órgãos governamentais. O problema das
“cracolândias” é muito mais uma questão de miséria social do que de dependência de drogas.
RADIOATIVIDADE
Os efeitos da radioatividade, como energia causadora do dano, têm nos raios X, no rádio e na
energia atômica o seu motivo.
Os raios X são de implicações médico-legais mais assiduamente e podem perpetrar lesões locais
ou gerais. As lesões locais são conhecidas por radiodermites e as de ação geral incidem sobre
órgãos profundos, principalmente as gônadas.
Seu estudo compete à infortunística ou como elemento da responsabilidade médica nas
modalidades imperícia, imprudência e negligência.
As radiodermites podem ser agudas ou crônicas:
Agudas. As radiodermites do 1o grau, geralmente temporárias, apresentam duas formas:
depilatória e eritematosa. Essa fase dura cerca de 60 dias e deixa uma mancha escura que
desaparece muito lentamente. As do 2o grau (forma papuloeritematosa) são representadas geralmente
por ulceração muito dolorosa e recoberta por crosta seropurulenta. Têm cicatrização difícil,
deixando em seu lugar uma placa esbranquiçada de pele rugosa, frágil e de características atípicas.
As radiodermites do 3o grau (forma ulcerosa) estão representadas por zonas de necrose, de aspecto
grosseiro e grave. São conhecidas por úlceras de Röentgen. Nos profissionais que trabalham com
raios X, sem os devidos cuidados, podem aparecer essas lesões nas mãos (mãos de Röentgen).
Crônicas. Essas lesões podem ser locais e apresentar a forma úlcero-atrófica,
teleangiectásica ou neoplásica. Esta última também chamada de câncer cutâneo dos radiologistas ou
câncer röentgeniano, quase sempre do tipo epitelioma pavimentoso. Podem ser ainda de efeitos
gerais, compreendendo várias síndromes: digestivas, cardíacas, oculares – úlcera de córnea e
cataratas –, ginecológicas, esterilizantes, cancerígenas, sanguíneas e mortes precoces.
O rádio, quando usado de maneira indiscriminada, pode ser motivo de sérios danos à saúde ou à
vida do paciente, quer por ação externa, quer por ação interna.
Já sob a forma de arma nuclear (bomba atômica), custosamente justifica intervenção médicolegal, haja vista sua responsabilidade escapar à ação pericial.
Alguns dos seus efeitos são parecidos com os dos raios X e da radiação; outros são provenientes
da onda explosiva (blast), das queimaduras e das sequelas tardias, pela disseminação dos raios alfa,
beta e gama. Assim, os efeitos dessa modalidade de energia são de ordem traumática, térmica e
radioativa.
As lesões de ordem mecânica são produzidas pela explosão, podendo levar à morte por
desgarramento cutâneo, hemorragias viscerais, projeção a distância com traumatismo indireto. As
lesões térmicas são caracterizadas por amplas áreas de queimaduras que vão até a carbonização. Em
Hiroshima e Nagasaki, foram observadas queimaduras de 2o grau com a distância até de 3 km. Para
alguns, no centro da explosão a temperatura chegou a 4.000°C. Segundo Bonnet, dos hospitalizados
por queimaduras naquelas cidades, quando da explosão das primeiras bombas atômicas, 75% deles
morreram antes da segunda semana. Os efeitos radioativos estão representados pelas consequências
tardias, com graves repercussões genéticas, neoplásicas e cutâneas. Genaud afirma que, dentro de um
raio de 1 km, todas as mulheres abortaram; entre 1 e 2 km, tiveram filhos prematuros, os quais
morreram pouco depois; e, em uma distância de 3 km, apenas 33% das mulheres chegaram ao fim da
gravidez com recém-nascidos aparentemente normais.
LUZ E SOM
Cada uma dessas formas de energia física pode comprometer gravemente os respectivos órgãos
dos sentidos, produzindo lesões e perturbações de ordem funcional que, em muitas ocasiões,
implicam perícia médico-legal.
A ação intensiva da luz sobre os órgãos da visão pode levar a consequências graves, como à
cegueira total. Infelizmente, uma certa forma arbitrária de obter confissões em delegacias de polícia
e órgãos de repressão, que fazia projetar, sobre os olhos de interrogados, feixes luminosos de alta
intensidade, produziu, de maneira irreversível, danos à estrutura óptica em prisioneiros e detidos.
Outras radiações não ionizantes, como o infravermelho e o ultravioleta, podem acarretar lesões
sobre o cristalino e as conjuntivas, respectivamente. O raio laser, por ser uma forma de energia que
se concentra muito em um único lugar, apresenta um efeito fotoquímico e fototérmico muito maior. Os
órgãos mais vulneráveis a sua ação são a córnea e o cristalino; a pele também pode sofrer danos por
esta ação.
Já o som, por sua vez, tem seus efeitos mais comuns, como em acidentes de trabalho, notadamente
entre as pessoas que permanecem, sem proteção, em ambientes de grande poluição sonora, o que
produz, pela exposição continuada dos ruídos, alterações ao aparelho auditivo.
Uma das perturbações citadas pelos autores contemporâneos é a epilepsia acustogênica,
motivada pela intensidade e permanência de certos ruídos, não muito rara entre telefonistas e
radiotelegrafistas. O som acima de 20.000 ciclos/s e 85 decibéis pode produzir lesões auditivas e
perturbações psíquicas. O infrassom também acarreta lesões do tipo labirintite e o ultrassom,
destruição celular.
Sendo assim, o som é um dos agentes que contribui com o risco ocupacional e que tem o ruído
como fator mais comum da perda auditiva temporária ou permanente.
Aqui, cabe a diferença entre ruído e barulho. O primeiro pode ser definido como um fenômeno
físico vibratório, audível, de características indefinidas e de frequência desarmônica. Já o barulho é
tido como qualquer tipo de som indesejável e inútil.
A exposição crônica ao ruído excessivo pode produzir perda auditiva irreparável. A perda
auditiva temporária, conhecida como mudança temporária do limiar de audição, ou TTS (temporary
threshold shift), surge por um período curto de tempo, em face da exposição a ruído muito intenso.
A perda auditiva permanente é sempre motivada pela exposição continuada e permanente em
ambientes de muito ruído, ainda que seus efeitos sejam progressivamente instalados, e é conhecida
como perda auditiva induzida pelo ruído. É quase sempre bilateral, permanente, lenta e progressiva.
As perdas auditivas variam em torno de 3.000 a 6.000 Hz, em um período de 10 a 15 anos.
Um ruído acima de 85 decibéis, considerado tecnicamente aceito pela nossa legislação, ainda
não é considerado como fator de exposição, caso o indivíduo esteja corretamente protegido. Assim,
ele estará exposto ao risco de perda auditiva quando o ruído estiver acima de 85 decibéis, durante
um tempo médio de 40 h semanais e sem nenhuma forma adequada de proteção.
Além da perda auditiva permanente, o ruído intenso pode produzir outros efeitos como os
zumbidos, o recrutamento, a perda da discriminação da fala e a otalgia.
O zumbido, embora ainda não esclarecido no seu aspecto fisiopatológico, é um sintoma muito
comum entre as pessoas que se queixam de perturbações auditivas produzidas pelo ruído. O
recrutamento é uma sensação de desconforto para o som de alta intensidade. A perda da
discriminação da fala caracteriza-se pela dificuldade de estabelecer a altura da voz e a
inteligibilidade da fala, o que prejudica o processo de comunicação. A otalgia, de sensação
desagradável, repercute muito mal nas atividades e no rendimento do indivíduo portador desta
sintomatologia.
Pelo visto, muitas são as situações em que a perícia médico-legal pode ser convocada com a
finalidade de diagnosticar alterações com perturbações destes sentidos, analisando cuidadosamente a
relação e o nexo de causa e efeito entre as lesões alegadas pelo examinado e a sua forma de
atividade e convivência, além dos cuidados necessários para caracterizar as simulações e
metassimulações que, nestes casos, não são muito raras. E, por fim, estabelecer a existência ou a não
existência de percentuais de debilidade ou a invalidez oriunda da perda auditiva.
A perícia nos casos de perdas auditivas é feita a partir da anamnese, da otoscopia e dos testes
audiométricos.
Na anamnese, serão registradas todas as formas de atividades e ocupações do examinado, seus
antecedentes nosológicos, a herança, a sintomatologia geral e específica, o uso de drogas ototóxicas
e possíveis traumatismos craniocervicais.
Na otoscopia, devem ser procuradas as afecções e alterações das orelhas e dos meatos acústicos
externo e interno.
Os testes audiométricos são feitos em laboratórios especiais e por especialistas dessa área; são
utilizados a prova com diapasão, a audiometria tonal, a logoaudiometria e a impedanciometria, ou,
até mesmo, a audiometria do tronco cerebral , além dos exames de laboratório e de raios X. Em
geral, usa-se mais a audiometria tonal para avaliação dos aspectos quantitativo e qualitativo das
perdas da audição.
9. Energias de ordem química: Conceito. Cáusticos. Venenos. Envenenamento. Síndrome
do body packer. Necropsia dos envenenados. Noções de Toxicologia Forense: Modelo de
laudo toxicológico.
CONCEITO
Neste capítulo dedicado às energias de ordem química, serão estudadas todas as substâncias que,
por ação física, química ou biológica, são capazes de, entrando em reação com os tecidos vivos,
causar danos à vida ou à saúde. Estudam-se também a síndrome do envenenamento e do body packer,
a necropsia dos envenenados e algumas noções de Toxicologia forense ou Toxicologia médico-legal.
As energias de ordem bioquímicas podem agir externa (cáusticos) ou internamente (venenos).
CÁUSTICOS
Os cáusticos são substâncias que, de acordo com sua natureza química, provocam lesões
tegumentares mais ou menos graves. Essas substâncias podem resultar em efeitos coagulantes ou
liquefacientes.
As de efeito coagulante são aquelas que desidratam os tecidos e lhes causam escaras endurecidas
e de tonalidade diversa, como, por exemplo, o nitrato de prata, o acetato de cobre e o cloridrato de
zinco.
As de efeito liquefaciente produzem escaras úmidas, translúcidas, moles e têm como modelo a
soda, a potassa e a amônia.
A importância do estudo das lesões externas acarretadas pela ação dos cáusticos reveste-se de
grande significação, não apenas pelo interesse de determinar sua gravidade, mas também quanto à
necessidade de distinguir uma lesão in vitam e outra post mortem, e, finalmente, a identidade da
substância usada. A gravidade da lesão varia de acordo com a quantidade, a concentração e a
natureza do cáustico; seu prognóstico depende do seu desdobramento por infecção, cicatrizes
retráteis ou lesões mais graves como a cegueira. A diferença entre as escaras produzidas em vida ou
depois da morte nem sempre é fácil, pois alguns ácidos, por exemplo, atuam com a mesma
intensidade e características no vivo ou no cadáver, e sua diferença é tanto mais difícil quanto mais
precocemente o morto foi atingido. E a identidade da substância é feita pelo aspecto das lesões e por
reações químicas. Os ácidos produzem escaras secas e de cor variável: as do ácido sulfúrico são
esbranquiçadas; as do ácido nítrico: amareladas; as do ácido clorídrico, cinza-escuras; as do ácido
fênico, esbranquiçadas. As escaras resultantes da ação dos álcalis são úmidas, moles e untosas. As
escaras produzidas pelos sais geralmente são brancas e secas. A identidade das escaras também
pode ser feita quimicamente: o ácido sulfúrico se identifica com o cloreto de bário a 10%, dando um
precipitado branco; o ácido nítrico com a paradifenilamina, mostrando uma cor azul; o ácido
clorídrico com o nitrato de prata, resultando em uma tonalidade esbranquiçada que se enegrece com
a luz; a potassa com o cobaltinitrito sódico, dando um precipitado amarelado.
Em geral, a natureza jurídica desses tipos de lesões é acidental ou criminosa e, muito raramente,
voluntária.
Quando criminosa, a sede mais constante das lesões é a face e as regiões do pescoço e do tórax,
pela evidente intenção do agressor em enfeiar a vítima, motivando-lhe uma deformidade permanente
e aparente.
Essas formas de lesão tornaram-se conhecidas como vitriolagem, visto que antigamente se usou
criminosamente o óleo de vitríolo (ácido sulfúrico) em tais intentos.
Seu emprego não foi muito esporádico no passado, sobretudo a partir de 1639, na França, com o
célebre atentado contra a Duquesa de Chaulnes.
O diagnóstico diferencial das escaras produzidas in vitam ou post mortem não é muito difícil.
Quando produzidas após a morte, elas não têm propriamente a forma de escara, mostram-se
apergaminhadas e de tonalidade marrom-escura. E, sob o ponto de vista histológico, não apresentam
reação vital através dos exames histoquímicos e histológicos.
VENENOS
Nada mais complexo que definir veneno. Até mesmo os alimentos e os medicamentos podem, em
determinadas situações, ser prejudiciais à vida ou à saúde, especialmente quando sua nocividade
sofre profundas modificações em face da dosagem posta, da resistência individual, da maneira de
ministração e do veículo utilizado. Veja-se só: a estricnina em pequenas doses serve de estimulante,
porém, em dosagem excessiva, é mortal.
Entre os elementos da resistência individual que alteram a maior ou menor ação maléfica do
veneno, citem-se os seguintes: a idade, o sexo, a tolerância adquirida, as condições hepáticas, o
estado de repleção do estômago, entre outros.
O veículo adotado é de suma valia. Assim, o cianeto de potássio, associado ao meio glicosado,
perde acentuadamente o poder mortal.
Pode-se conceituar veneno como qualquer substância que, introduzida pelas mais diversas vias
no organismo, mesmo homeopaticamente, danifica a vida ou a saúde.
A velha Lei Penal de 1890 dava ao veneno esta definição: “Toda substância mineral ou orgânica
que, ingerida no organismo ou aplicada ao seu exterior, quando absorvida, determine a morte, ponha
em perigo a vida ou altere profundamente a saúde.” Vê-se, pois, que a própria lei, como ninguém,
não nos traz esclarecimento a respeito, porquanto o legislador atual prudentemente evitou qualquer
conceito sobre o assunto.
Peterson, Haines e Webster, apud Guilherme Arbenz, definem veneno como a “substância que,
quando introduzida no organismo em quantidades relativamente pequenas e agindo quimicamente, é
capaz de produzir lesão grave à saúde, no caso do indivíduo comum e no gozo de relativa saúde” (in
Medicina Legal e Antropologia Forense, Rio: Livraria Atheneu, 1988).
Os venenos se classificam em:
• quanto ao estado físico: líquidos, sólidos e gasosos
• quanto à origem: animal, vegetal, mineral e sintético
• quanto às funções químicas: óxidos, ácidos, bases e sais (funções inorgânicas):
hidrocarbonetos, alcoóis, acetonas e aldeídos, ácidos orgânicos, ésteres, aminas, aminoácidos,
carboidratos e alcaloides (funções orgânicas)
• quanto ao uso: doméstico, agrícola, industrial, medicinal, cosmético e venenos propriamente
ditos.
Fisiopatologia
O percurso do veneno através do organismo tem as seguintes fases: penetração, absorção,
distribuição, fixação, transformação e eliminação. Há algumas situações ou fenômenos que podem
ocorrer após a penetração do veneno, tais como: mitridatização, toxicidade, intolerância,
sinergismo e equivalente tóxico.
As vias de penetração do veneno são: oral, gástrica, retal, inalatória, cutânea, subcutânea,
intramuscular, intraperitoneal, intravenosa, intra-arterial e intratecal. A via orogastrintestinal é a
mais usada.
A absorção é o processo pelo qual o veneno chega à intimidade dos tecidos. As mucosas são, em
sua maioria, aquelas que mais prontamente absorvem os tóxicos. A absorção gastrintestinal é a mais
comum e a pulmonar, a mais grave pelo fato de os gases venenosos caírem diretamente na circulação,
estendendo-se pelos mais diversos tecidos do corpo. A velocidade da absorção depende da
solubilidade, da concentração, da superfície de contato e da via de penetração do veneno.
A fixação é a etapa do envenenamento em que a substância tóxica se localiza em certos órgãos de
acordo com o seu grau de afinidade. Assim, a digitalina fixa-se no músculo cardíaco, os barbitúricos
nas hemácias e nos centros nervosos e a cocaína na substância branca da medula espinal.
A transformação é o processo pelo qual o organismo tenta se defender da ação tóxica do veneno,
facilitando sua eliminação e diminuindo seus efeitos nocivos, através de reações cujos resultados são
derivados mais solúveis, menos agressivos e mais fáceis de serem eliminados. Desse modo, o
cianeto de potássio em contato com o ácido clorídrico do estômago produz o cloreto de potássio e o
ácido cianídrico.
A distribuição é a fase em que o veneno, penetrando na circulação, estende-se pelos mais
diversos tecidos, graças ao sangue e aos líquidos intersticial, celular e transcelular e dependendo da
menor ou maior afinidade do veneno por determinados tecidos.
A eliminação é a etapa na qual o veneno é expelido seguindo as vias naturais. As vias de
eliminação mais importantes são: sistema urinário (o mais fundamental), sistema digestivo (vômitos e
evacuações), ar expirado, suor, saliva, bile e, até mesmo, pelos cabelos, unhas, placenta e leite.
Chama-se de mitridatização o fenômeno caracterizado pela elevada resistência orgânica aos
efeitos tóxicos dos venenos, conseguida através da ingestão repetida e progressiva de substâncias de
alto teor venenoso, até alcançar um estágio de resistência não encontrado nas outras pessoas.
Por outro lado, denominam-se toxicidade a propriedade que tem determinada substância de
causar internamente, por efeito químico, um dano a um organismo vivo e intolerância a exaltada
sensibilidade de alguns indivíduos a pequenas doses de veneno, algumas delas imperceptíveis
noutras pessoas.
Sinergismo é a ação potencializadora dos efeitos tóxicos decorrentes da ingestão simultânea de
várias substâncias venenosas. E equivalente tóxico, a quantidade mínima de veneno capaz de, por
via intravenosa, matar 1 kg do animal considerado.
ENVENENAMENTO
Por envenenamento entende-se o conjunto de elementos caracterizadores da morte violenta ou do
dano à saúde ocorridos pela ação de determinadas substâncias de forma acidental, criminosa ou
voluntária.
Há alguns autores que fazem distinção entre intoxicação e envenenamento. A primeira, como um
quadro caracterizado por reações do metabolismo interno, de origem acidental e estudado juntamente
com as energias de ordem bioquímica. O segundo, como de caráter acidental, criminoso, ou
intencional, de origem exógena e produzido por uma energia de ordem química.
De acordo com a quantidade, a velocidade da absorção e a sensibilidade individual ao veneno, o
envenenamento pode ser agudo ou crônico, apresentando manifestações e importância bem
diferentes. Por outro lado, evidenciam-se no envenenamento, tanto agudo como crônico,
manifestações inespecíficas – próprias da síndrome geral de adaptação; e manifestações específicas
– identificadas por fenômenos da patologia orgânica para cada grupo de venenos. Esses fenômenos
próprios têm sua intensidade ainda dependente da via de penetração, da localização e da afinidade
do veneno por certos órgãos ou tecidos, além da idade, do estado nutricional e da sensibilidade do
indivíduo envenenado.
No entanto, sob o ponto de vista pericial é necessário que se chame a atenção para o fato da
existência de envenenamento sem a identificação do veneno e de casos de identificação do veneno
sem que se evidenciem manifestações de envenenamento. No primeiro caso, porque há situações em
que o veneno agiu, mas não pôde ser percebido por suas doses infinitesimais, por modificação de sua
composição em face da oxidação ou redução, por ter sido totalmente eliminado pela desintegração da
substância devido aos fenômenos putrefativos, por sua rápida volatização, ou, finalmente, por
escapar à pesquisa em virtude da precariedade dos métodos vigentes ou dos padrões comparativos.
No segundo caso, pode ocorrer que alguém, por exemplo, venha a ingerir uma dose não mortal de
veneno, apelando depois para outra forma de suicídio, ou naqueles episódios em que a ação do
veneno, mesmo em dose mortal, não chegou a ser a causa da morte.
Diagnóstico
Vários são os critérios de que se valem na exclusão ou identificação dos envenenamentos.
Critério clínico. Fundamenta-se na análise dos sintomas e sinais apresentados pela
vítima e na marcha progressiva do envenenamento em relação aos antídotos ministrados. Assim, a
semiótica toxicológica trata da metodologia de exames do paciente vivo envenenado, por meio da
observação, com a finalidade de estabelecer um diagnóstico, um tratamento e um prognóstico. Como
o envenenamento é uma síndrome caracterizada por sinais e sintomas, deve-se levar em conta a
anamnese, valorizando-se os dados pessoais, os antecedentes e a história do quadro atual, atentando
bem para a inspeção geral, para a atitude (de indiferença, de opistótono), marcha (titubeante,
oscilante, incoordenada), fácies (tetânica, bulbar, renal), odores peculiares (aliáceo, de amêndoas
amargas, aromático), sinais cutaneomucosos (alopecia, prurido, coloração da pele), sintomas e sinais
psiconeurológicos, oculovisuais, otoauditivos, naso-olfativos, respiratórios, hepatorrenais,
orogastrintestinais, musculares e osteoarticulares.
Critério circunstancial. Conclui a partir de circunstâncias ligadas ao evento e, em
virtude disso, é também chamado de critério histórico ou policial. Baseia-se no estudo do local de
morte, no depoimento de testemunhas, na presença de determinadas substâncias do suposto
envenenamento e cartas ou bilhetes deixados pela vítima.
Critério anatomopatológico. Baseia-se na informação de natureza anátomo- ou
histopatológica, através de processos degenerativos da ação de certas substâncias, que o exame
microscópico pode patentear. Geralmente, esse critério é utilizado nas lesões produzidas por
substâncias cáusticas, cuja ação corrosiva é muito mais grave do que os efeitos do envenenamento.
Assim, por exemplo, quando há morte pela ingestão de vidro moído ou de soda cáustica, não se pode
considerar como meio ou ação o veneno, mas a ação mecânica que foi capaz de produzir lesões no
esôfago, estômago e intestinos, e a peritonite aguda.
Critério físico-químico ou toxicológico. Tem por princípio isolar, identificar e
dosar, no material examinado, as substâncias tóxicas suspeitas, por meio de métodos qualitativos e
quantitativos específicos ou de métodos cujos indicadores apontam um grupo de substâncias sujeitas
a um tipo de biotransformação.
Embora o critério toxicológico seja bem completo, não é, por si só, decisivo, porque depende de
uma apreciação médico-legal. Há situações em que se encontra veneno sem envenenamento ou, viceversa, envenenamento sem veneno, como foi visto anteriormente.
Critério experimental. Este método é comum quando os meios químico-analíticos se
mostram ineficazes, como na suspeita de envenenamento ofídico. Tem por embasamento usar o
material suspeito em animais de laboratório e no acompanhamento da sintomatologia que vem à tona.
O organismo animal passaria a ser um verdadeiro reativo a fim de que o toxicologista clínico
pudesse investigar e identificar as reações da substância suspeitada.
Critério médico-legal. Este é o mais importante entre os critérios, uma vez que é a
síntese de todos os outros e um raciocínio lógico, tomando como subsídios de sua dedução dos
demais dados disponíveis e a ausência de outras lesões que possam justificar o envenenamento. É
claro que os subsídios mais valiosos são a análise toxicológica ou físico-química e os achados
anatomopatológicos colhidos da vítima.
Nos casos de morte, o diagnóstico do envenenamento deve ter como base a perinecroscopia, a
necropsia e os exames complementares pertinentes.
Dessarte, o envenenamento não é só um diagnóstico toxicológico, clínico ou anatomopatológico,
mas uma operação médico-legal complexa e multiprofissional em que os peritos reúnem e avaliam
todos os procedimentos periciais, tendo em vista um resultado lógico e conclusivo.
SÍNDROME DO BODY PACKER
A expressão body packer, conhecida também como “mula” ou “correio”, é usada para aqueles
que conduzem no interior do seu organismo (estômago e intestinos) drogas ilícitas do tipo cocaína,
anfetaminas e heroína, sempre com a finalidade de contrabando. É diferente da chamada body
pusher, pois esta se dá aos que transportam pequenas quantidades de droga nos orifícios naturais
(ânus e vagina).
Figura 4.60 A. Body packer (cápsulas no estômago). (Arquivo do Dr. S. Diaz Ruiz, IML
de Málaga.) B. Bolsas contendo cocaína. (Arquivo do Dr. Campos Neto.) Esta figura
encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte.
Essa síndrome é caracterizada pelos efeitos graves à vida e à saúde oriundos do transporte
dessas drogas no interior do corpo (Figura 4.60 A e B). Os problemas mais graves surgem quando do
rompimento de pequenas bolsas ou cápsulas contendo drogas no interior do estômago ou dos
intestinos, o que vem resultando uma intervenção médico-legal que aumenta a cada dia. A ruptura
dessas bolsas ou cápsulas produz sempre uma invasão maciça da droga, principalmente a cocaína, na
corrente sanguínea, o que provoca graves danos à saúde e quase sempre a morte. Outra complicação
é a obstrução intestinal, principalmente quando as embalagens são confeccionadas com material
resistente.
No vivo, o diagnóstico da presença dessas cápsulas é sempre feito por meio do estudo
radiológico do abdome. Quando ocorre a ruptura de algumas cápsulas, pode-se verificar hipertermia,
sudorese, agitação, convulsões, arritmias do tipo fibrilação auricular, bradicardia ou taquicardia.
Também pode ocorrer um quadro obstrutivo ao nível do piloro ou da válvula ileocecal provocando
inicialmente náuseas, vômitos e epigastralgia.
Geralmente, a maioria das complicações cardiovasculares, cerebrovasculares, gastrintestinais
ocorre nas primeiras horas após a absorção da droga. A intoxicação aguda pela cocaína pode
apresentar o seguinte quadro clínico: hipertermia, convulsões, infarto agudo de miocárdio, arritmias
cardíacas letais, distúrbios hidreletrolíticos e insuficiência renal aguda. A manifestação mais grave é
a de origem cardiovascular devido o poder cardiotóxico da cocaína.
Na necropsia, além da presença das pequenas bolsas de látex ou plástico ou de cápsulas, notamse também o aumento e a dilatação dos intestinos e do estômago, variando de acordo com a
quantidade ingerida.
Em face da ruptura das cápsulas, tanto no conteúdo gastrintestinal como no sangue e na urina, será
evidenciado na análise toxicológica o tipo de droga transportada na devida proporção de sua
ingestão.
No estudo histopatológico, pode-se evidenciar: congestão vascular generalizada e extensas zonas
hemorrágicas ou congestas da mucosa gastrintestinal. Os demais órgãos abdominais também
apresentam-se congestos e hiperemiados.
A morte sempre se dá por intoxicação aguda e maciça da droga ingerida, sendo a mais comum a
cocaína. Esta droga é rapidamente metabolizada por enzimas plasmáticas e hepáticas em compostos
hidrossolúveis como a metilecgonina, a benzoilecgonina e a ecgonina, excretando-se sem modificar
associados os seus metabólitos pela urina entre 1 e 5%.
NECROPSIA DOS ENVENENADOS
A necropsia dos envenenados deve ser considerada se feita imediata ou tardiamente à morte.
Se esta prática é realizada no tempo legal após a morte e há suspeita de envenenamento, devemse ter alguns cuidados com certas condutas consideradas como imprescindíveis. Em primeiro lugar,
não esquecer de anotar todos os detalhes e características, como as tonalidades do livor cadavérico,
do sangue e das vísceras, os fenômenos cadavéricos, assim como o tipo de odor que se possa
perceber; nunca colocar substâncias desinfetantes ou aromatizantes com a finalidade de minimizar o
mau cheiro; não realizar qualquer reação química sobre o cadáver; não abrir o estômago ou os
intestinos na cavidade abdominal; ligar as extremidades do tubo digestivo no cárdia, no piloro e na
parte mais distal do colo; retirar sangue, sempre que possível, das cavidades cardíacas; e não
esquecer de descrever as lesões degenerativas do fígado e dos rins, quando houver.
Procedimentos de coleta de material para
pesquisa
Estas são as Recomendações do Departamento de Polícia Técnico-Científica de Santa Catarina
para a investigação de elementos tóxicos desconhecidos.
“1. Materiais:
Frascos de plástico de boca larga para amostras sólidas e frascos de vidro para amostras
líquidas.
2. Amostras:
a) Conteúdo estomacal: deve ser enviado todo e em frasco de plástico de boca larga.
b) Sangue: amostra de 30 ml sem conservante. A amostra deve ser enviada em frasco de vidro.
c) Urina: toda urina disponível deve ser enviada e preservada com fluoreto de sódio a 1% em
frasco de vidro.
d) Fígado: uma amostra de aproximadamente 250 g enviada sem meios preservativos e em
frascos de plástico de boca larga. A vesícula biliar deve ser retirada antes e enviada separada.
e) Bile: deve ser retirada e enviada como item separado em frasco de plástico de boca larga,
pois ela é particularmente útil quando das mortes devido a compostos de morfina.
f) Cérebro: parte do cérebro deve ser colocado em frasco de plástico de boca larga e é muito
importante na investigação das mortes por barbitúricos e cianetos, mesmo alguns dias após a morte.
g) Pulmão: deve ser enviado em frasco de plástico de boca larga e bem fechado, pois é muito
valioso quando das mortes provocadas por inalação de drogas anestésicas e cocaína.
h) Rins: sempre que possível um rim inteiro, coletado e armazenado em frasco de plástico de
boca larga.
i) Outros tecidos: nos casos de suspeita de envenenamento crônico por metais pesados devem ser
colhidas amostras de cabelo, unhas e ossos e, quando a suspeita for de inalação de cocaína, colher
material do muco nasal. Hoje, o cabelo passa a ser um material biológico alternativo de grande
utilidade no campo da toxicologia forense, desde que seus resultados sejam interpretados com muita
cautela, tendo em conta os múltiplos fatores que podem comprometer seus resultados.
3. Recomendações:
a) Não usar formol para conservação do material, a não ser quando for para uso
anatomopatológico.
b) Colher o material o mais rápido possível para evitar os fenômenos putrefativos, pois eles
interferem com reações e podem desaparecer em certas substâncias.
c) Enviar o material sempre que possível em caixa com gelo.
d) Evitar mandar amostras juntas.
e) Em caso de demora do encaminhamento do material, mantê-lo em freezer ou congelador.
f) Nos casos de doentes hospitalizados, cuja morte se dá muitos dias após o internamento,
valorizar os registros médicos do seu ingresso e as manifestações e as complicações secundárias do
exame anatomopatológico, como os de origem encefálica, neurológica e renal.
g) Todo material enviado para exame toxicológico deve ser encaminhado em vidros lacrados e
rubricados, acompanhado de relatório hospitalar ou médico-legal para o setor toxicológico.
h) Os frascos utilizados para esse fim devem ter uma capacidade de 500 a 2.000 ml, boca larga,
de plástico ou de vidro, com rolhas esmerilhadas, e rigorosamente limpos e assépticos.”
Se o exame não pode ser realizado imediatamente, o material deve ser conservado em geladeira
sem acrescentar-lhe nenhuma solução preservativa, tal como formol ou álcool.
Por outro lado, necropsias tardias ou pós-exumáticas sempre podem oferecer resultados
positivos, qualquer que seja o tempo de morte.
Nestes casos, além dos cuidados que se devem ter com a identificação da sepultura e do morto,
recomendam-se colher amostras de tecidos do vestuário do cadáver e do forro do ataúde, da terra
que cerca o corpo ou do que resta dele na sepultura para análise toxicológica, pois, em alguns casos,
somente nesses elementos pode-se encontrar o veneno que se dissipou juntamente com o líquido
orgânico da decomposição cadavérica.
A conduta a ser seguida varia de acordo com a condição de conservação do cadáver. Tanto pode
ser sobre estruturas preservadas e identificadas, quando deve-se seguir a técnica habitual, como
sobre o recolhimento de escassas quantidades de putrilagem, em que não mais se distingue a estrutura
específica de cada víscera. Não esquecer de recolher, nos casos de avançado estado de putrefação,
material que fica ao lado da coluna lombar, pois pode-se estar colhendo material referente aos rins.
Não é demais repetir que no exame pós-exumático de um corpo suspeito de envenenamento,
sempre é possível identificar um veneno, qualquer que seja o tempo da morte. Até mesmo quando
totalmente esqueletizado.
Nos casos de remessa de material para análise anatomopatológica deve ser colocado em solução
de formol a 10% em uma quantidade tal que as peças fiquem totalmente submersas no líquido
fixador. O ideal seria que esses órgãos fossem cortados com uma espessura não superior a 2 cm.
NOÇÕES DE TOXICOLOGIA FORENSE
A ciência que estuda os venenos e o envenenamento de um modo geral recebeu o nome de
Toxicologia. Evoluiu de tal forma, nos dias presentes, que, em um dos seus capítulos – a Toxicologia
Forense –, deixou de ser um simples ramo da Medicina Legal, para constituir-se em uma atividade
autônoma e que cada vez mais se amplia em seus objetivos e em sua metodologia.
Alcântara define Toxicologia como “o conjunto de conhecimentos físicos, químicos e biológicos
aplicados ao estudo das substâncias nocivas à saúde e à vida”, ou como “o estudo da ação e dos
efeitos tóxicos sobre os organismos vivos” (in Toxicologia Clínica e Forense, 2a edição, São Paulo:
Andrei Editora, 1985).
Na verdade, a Toxicologia, hodiernamente, assumiu um lugar de muito destaque, pois ela não se
restringe apenas ao estudo da origem, das propriedades e do modo de agir das substâncias tóxicas,
senão também na contribuição da prevenção e do tratamento da ação nociva de determinados agentes
sobre o homem, sobre os seres vivos e sobre o meio ambiente.
A história do envenenamento perdeu-se na poeira do tempo. Sua importância realçou-se desde o
momento em que o homem passou a desconfiar e a se defender de alguma coisa que ele usava como
alimento ou como remédio. Ou quando ele começou a usar algumas substâncias venenosas para fins
letais.
Todavia, foi Orfila quem deu à Toxicologia a dimensão de ciência e a fez disciplina acadêmica,
em 1828, com o lançamento de sua obra Traité des poisons tirés mineral, vegetal et animal ou
toxicologie generale sous les rapports de la patologie et de la Médecine Légale.
A Toxicologia divide-se em: profilática, industrial, alimentar, clínica, analítica e médicolegal.
A Toxicologia profilática trata das diversas maneiras de evitar a ação nociva de agentes
poluidores do meio ambiente, identificando sua existência, sua origem e sua quantidade, criando
medidas higiênicas cabíveis, como no tratamento dos esgotos, da água potável e do ar respirável.
A Toxicologia industrial preocupa-se com o aprimoramento das substâncias que podem
contribuir com a indústria farmacêutica na fabricação dos remédios, dos antissépticos e dos produtos
de limpeza, além da sua participação nas mais diversas atividades produtivas.
A Toxicologia alimentar trata do estudo da contaminação alimentar por agentes tóxicos,
principalmente como ação ligada aos órgãos de saúde pública.
A Toxicologia clínica ou Toxicologia médica volta-se para o estudo das manifestações e das
perturbações causadas no homem pela ação dos venenos, por meio de uma estratégia mais fácil de
diagnosticar e orientar o tratamento específico. Este ramo da Toxicologia está agregado à Clínica
Médica.
A Toxicologia analítica se propõe, com os formidáveis recursos da tecnologia moderna, a
proceder a exames laboratoriais em amostras de certas substâncias, não só para identificar sua
presença, mas também para saber sua concentração e o seu maior ou menor grau de toxicidade.
A Toxicologia médico-legal ou forense encerra um conjunto de procedimentos no sentido de
orientar a Justiça nos problemas atinentes ao envenenamento e suas consequências, de causa jurídica
dolosa, culposa, suicida ou acidental. Também utiliza-se de tais conhecimentos diante de inúmeras
formas de intoxicações de origem casual (alimentar) ou profissional (produtos tóxicos), sempre que a
ação pericial depender desses recursos, seja de origem civil, penal ou trabalhista. A perícia pode ser
prospectiva (atual) e retrospectiva (anterior). As investigações toxicológicas, em regra, são
possíveis de realizar em qualquer tempo, principalmente no cadáver ou no que resta dele.
Modelo de laudo toxicológico
“Aos doze dias do mês de novembro de mil novecentos e setenta e cinco, na cidade de João
Pessoa, capital do Estado da Paraíba, e no Departamento de Polícia Técnica, foram designados os
peritos A e B a fim de procederem a exame toxicológico (vísceras), atendendo à solicitação do Sr.
Secretário de Segurança Pública do Estado da Paraíba, por meio do ofício no 175/75-SSP, datado de
nove de novembro de mil novecentos e setenta e cinco, descrevendo com verdade e com todas as
circunstâncias o que encontrarem e bem assim para responder a tudo que interessar possa.
Acompanham o ofício três (3) frascos de vidro incolor, transparente e de rolhas esmerilhadas,
contendo estômago e conteúdo, rim e bexiga e fígado. Exame: o estômago tem serosa lisa, mucosa de
pregueamento normal, e o conteúdo pastoso é de tonalidade brancacenta; os rins descapsulam fácil e
as camadas cortical e glomerular não apresentam anormalidades; o fígado tem cápsula lisa,
superfície regular, e a parte enviada para exame tem superfície vermelho-escura e estrutura de
aspecto habitual. A reação do conteúdo estomacal é ácida – pH5. Depois de exaustivos exames, os
peritos, através de cromatografia de face gasosa e cromatografia de camada delgada, resultaram-nas
positivas para barbitúricos (ciclobarbital). Conclusão: os peritos concluem que o material contém
um sal derivado do ácido barbitúrico – ciclobarbital.
Nada mais havendo a tratar, deu-se por encerrado o presente laudo, que, depois de lido e achado
conforme, vai assinado pelos peritos e rubricado pelo Diretor.”
10. Energias de ordem físico-química: Conceito. Asfixia em geral: Fisiopatologia e
sintomatologia. Classificação. Asfixia em espécie: Asfixia por confinamento, por monóxido
de carbono e por outros vícios de ambientes,por sufocação: direta e indireta, asfixia por
sufocação posicional, por soterramento, por afogamento,por enforcamento, por
estrangulamento e por esganadura.
CONCEITO
As energias de ordem físico-químicas são aquelas que impedem a passagem do ar às vias
respiratórias e alteram a composição bioquímica do sangue, produzindo um fenômeno chamado
asfixia; que alteram a função respiratória, inibindo a hematose (transformação do sangue venoso em
sangue arterial), podendo, em consequência, levar o indivíduo até a morte.
ASFIXIA EM GERAL
Literalmente, asfixia significa “sem pulso”, pois os antigos acreditavam que, através das artérias,
circulava o “pneuma”. A expressão científica mais correta seria anoxemia (ausência de oxigênio no
sangue) ou hipoxemia (pouco oxigênio no sangue), porém, se admitirmos em sentido amplo, o termo
“asfixia” assume igual proporção, considerando-se que o transporte de oxigênio é feito pelo sangue
arterial.
Asfixia, sob o ponto de vista médico-legal, é a síndrome caracterizada pelos efeitos da ausência
ou baixíssima concentração do oxigênio no ar respirável por impedimento mecânico de causa
fortuita, violenta e externa em circunstâncias as mais variadas. Ou a perturbação oriunda da
privação, completa ou incompleta, rápida ou lenta, externa ou interna, do oxigênio.
Assim, na asfixia, consome-se o oxigênio presente nos pulmões e acumula-se o gás carbônico que
se vai formando.
Finalmente, fica claro que as expressões hipoxemia e anoxemia seriam mais adequadas; no
entanto, a tradição consagrou asfixia como o termo mais usado.
Fisiopatologia e sintomatologia
É necessário entender que, na respiração normal, exige-se um ambiente externo que contenha ar
respirável, com oxigênio em quantidade aproximada de 21 por cento, orifícios e vias respiratórias
permeáveis, elasticidade do tórax, expansãopulmonar, circulação sanguínea normal, volume
circulatório em quantidade e qualidade suficientes para transportar oxigênio aos tecidos e pressão
atmosférica compatível com a fisiologia respiratória.
Quando, no ar atmosférico, o oxigênio atinge 7 por cento, surgem distúrbios relativamente graves,
sobrevindo a morte, se essa taxa é em torno de 3 por cento, ou se esse ar respirável contém grande
concentração de gases irrespiráveis ou tóxicos.
Em uma respiração normal, são necessárias a entrada e a saída livres do ar atmosférico através
de uma razoável permeabilidade das vias respiratórias e do tecido pulmonar.
O tórax, em seu conjunto, deve ter condição de livre expansão para um funcionamento perfeito. O
sangue circulante necessariamente deverá apresentar condições para efetuar a hematose dentro de
uma harmonia satisfatória.
Desta forma, pode-se afirmar que nas síndromes hipoxêmicas ou anoxêmicas existem causas
externas ou internas. As asfixias mecânicas têm como causa mais frequente o obstáculo nas trocas
gasosas pulmonares devido a causas externas. Há, no entanto, situações em que as dificuldades de
oxigenação dos tecidos não estão no aparelho respiratório, mas em outros locais do organismo, nos
tecidos, sangue ou nervos, sendo nestes casos uma asfixia de causa interna.
Por outro lado, sabe-se que o oxigênio chega aos tecidos através da ventilação pulmonar, da
hemoglobina, da circulação e das trocas gasosas, e por sua vez, cada um desses mecanismos dá lugar
há um tipo diferente de anoxia, quais sejam:
• anoxia de ventilação ou anóxica
• anoxia anêmica
• anoxia de circulação e de estase
• anoxia tissular ou histotóxica.
A anoxia de ventilação pode-se verificar quando a concentração de oxigênio diminui no ar
ambiente e a hemoglobina do sangue arterial atinge baixos níveis de concentração; quando se verifica
uma compressão mecânica das vias respiratórias (são as asfixias de maior interesse médico-legal);
quando há alterações na dinâmica respiratória (compressão do tórax, pneumotórax, derrames
pleurais, paralisias diafragmáticas, fratura múltipla de costelas e comprometimento dos músculos
respiratórios por efeitos de eletricidade, drogas, tétano, epilepsia, crucificação); e quando há
dificuldades nas trocas gasosas alveolares (edema agudo do pulmão, silicoses e esclerose
pulmonar). Em tais situações, verifica-se uma insuficiente oxigenação do sangue nos pulmões.
A anoxia anêmica surge quando da diminuição qualitativa e/ou quantitativa da hemoglobina,
como nos casos de intoxicação pelo CO ou de venenos meta-hemoglobinizantes, nas anemias
crônicas ou nas grandes hemorragias. Existe, nesses casos, uma diminuição da capacidade de
oxigenação do sangue.
A anoxia circulatória ou de estase é decorrente de alterações que afetam a grande e pequena
circulação, como na insuficiência circulatória periférica, na embolia das artérias pulmonares e na
coarctação da aorta. Há nessas ocorrências transtornos circulatórios que dificultam a chegada de
sangue oxigenado aos capilares.
A anoxia tissular surge quando da queda da tensão diferencial arteriovenosa de oxigênio ou
quando ocorre a inibição de enzimas oxidantes celulares, como nos casos de intoxicações pelo ácido
cianídrico e/ou pelo hidrogênio sulfurado. Ocorrem em tais situações mecanismos tóxicos que
impedem o aproveitamento do oxigênio pelos tecidos.
Antes admitia-se que em todo caso de asfixia devia-se levar em conta também a retenção de CO2.
Hoje já se sabe que na evolução das asfixias podem ocorrer dois tipos de anoxias: uma com
acapneia (sem acúmulo de gás carbônico) e outra com hipercapneia (com a presença expressiva de
gás carbônico). No primeiro caso se enquadram as asfixias mecânicas e no segundo o mal das
alturas ou mal das montanhas.
Na anoxia com acapneia (falta de oxigênio sem aumento de CO2), com o aumento da frequência
respiratória, há perda de CO2 e o sangue se torna mais alcalino. Verificam-se transtornos psíquicos,
sensoriais e motores (marcha do ébrio) e com frequência hiper-reflexia. Produzem-se então
poliglobulia e irritabilidade dos centros nervosos, ainda com a consciência mantida. Depois a
respiração vai diminuindo até surgirem o aumento da pressão arterial e a diminuição dos batimentos
do pulso. Seguem-se os espasmos musculares, convulsões e inconsciência. Em seguida, surgem
depressão dos centros nervosos, parada da respiração, colapso vascular e vasodilatação profunda,
relaxamento muscular, arreflexia e morte aparente durante três minutos, até sobrevir a morte.
Na anoxia com hipercapneia (diminuição do oxigênio e aumento do CO2), observam-se efeitos
diferentes da anoxia com acapneia em sua fase inicial, embora nos seus momentos finais as
alterações e os transtornos sejam semelhantes. Isto se explica em face da hipercapneia atuar sobre os
centros nervosos, aumentando as reações próprias da anoxia, principalmente no que se refere à
taquicardia e à pressão arterial e às convulsões tônico-clônicas provenientes da ação excitadora do
gás carbônico. Nesta forma de asfixia, consome-se o oxigênio existente nos pulmões e no sangue, ao
mesmo tempo em que o CO2 progressivamente se acumula.
Nas asfixias mecânicas é possível estabelecer um cronograma de suas diversas fases por meio do
aparecimento das seguintes manifestações clínicas:
• 1a fase. Esta etapa é também conhecida como “fase cerebral”, caracterizando-se pelo
aparecimento de enjoos, vertigens, sensação de angústia e lipotimias. Ao redor de um minuto e
meio, ocorre a perda do conhecimento de forma brusca e rápida e surge bradipneia taquisfigmia
(duração de 1 a 2 min)
• 2a fase. Neste estágio chamado de “fase de excitação cortical e medular”, notam-se convulsõ
generalizadas e contrações dos músculos respiratórios e da face, além de relaxamento dos
esfíncteres com emissão de matéria fecal e urina devido aos movimentos peristálticos dos
intestinos e da bexiga. Há também a presença de bradicardia e aumento da pressão arterial
(duração de 1 a 2 min)
• 3a fase. Também chamada de “fase respiratória”, caracteriza-se pela lentidão e
superficialidade dos movimentos respiratórios e pela insuficiência ventricular direita, o que
contribui para acelerar o processo de morte (duração de 1 a 2 min)
• 4a fase. Conhecida como “fase cardíaca”, tem como registro específico o sofrimento do
miocárdio, quando os batimentos do coração são lentos, arrítmicos e quase imperceptíveis ao
pulso, embora possam persistir por algum tempo até a parada dos ventrículos em diástole e
somente as aurículas continuam com alguma contração, mas incapazes de impulsionar o sangue
(duração de 3 a 5 min).
Características das asfixias mecânicas em geral
Nas asfixias mecânicas em geral, existem certos sinais que em conjunto permitem desde logo um
diagnóstico, porém nenhum é constante e, muito menos, patognomônico.
Os sinais encontrados são numerosos e variáveis, podendo ser divididos, segundo sua situação,
em externos e internos.
Sinais externos. Têm valor desigual e alguns deles de valor relativo, como as manchas
de hipóstase, congestão da face, as equimoses externas e alguns fenômenos cadavéricos atípicos.
Outros de valor mais considerável, como o cogumelo de espuma, projeção da língua e exoftalmia.
Manchas de hipóstase. São precoces, abundantes e de tonalidade escura, variando essa
tonalidade, nas asfixias por monóxido de carbono quando essas manchas assumem uma tonalidade
rósea.
Congestão da face. É um sinal mais constante, alcançando maior frequência em tipos
especiais de asfixias, principalmente na compressão torácica, dando em consequência a máscara
equimótica da face – conhecida como máscara equimótica de Morestin ou como cianose
cervicofacial de Le Dentut, proveniente da estase mecânica da veia cava superior. Deve-se fazer a
diferença entre congestão da face e manchas de hipóstase por posições especiais do cadáver, como
nos afogados que, submersos, ficam de cabeça para baixo. Segundo Gisbert Calabuig, a expressão
congestão é mais adequada que cianose, pois esta apenas reflete um sinal que se traduz pela
tonalidade azul. É muito mais um fenômeno post mortem (in Medicina Legal y Toxicologia, op. cit.).
Equimoses da pele e das mucosas. Na pele, são arredondadas e de pequenas
dimensões, não ultrapassando as de uma lentilha, formando agrupamentos em determinadas regiões,
principalmente na face, no tórax e pescoço, tomando tonalidade mais escura nas partes de declive.
As equimoses das mucosas são encontradas mais frequentemente na conjuntiva palpebral e
ocular, nos lábios e, mais raramente, na mucosa nasal (Figura 4.61).
O mecanismo de aparecimento dessas equimoses é explicado através da queda do sangue pela
gravidade aos planos mais baixos do corpo e pelo peso da coluna sanguínea que rompe os capilares,
extravasando-se nos tecidos vizinhos.
Quem primeiro observou esse fenômeno foi Engel, em 1854, colocando a cabeça do cadáver em
declive, formando-se, dessa maneira, não somente as manchas de hipóstase, mas verdadeiras
equimoses.
Figura 4.61 Equimoses das conjuntivas (asfixia).
Essas equimoses são muito importantes para o diagnóstico post mortem da asfixia mecânica,
mesmo que elas possam surgir em outras formas de morte, como, por exemplo, na insuficiência
cardíaca aguda, embolia pulmonar, transtorno da coagulação sanguínea, algumas intoxicações
exógenas e até mesmo em algumas doenças da pele. Têm sido referidas também nas conjuntivas em
casos de reanimação cardiorrespiratória. Ter em conta ainda que elas não se desenvolvem nem de
imediato nem muito tardiamente, mas em algumas horas depois da morte.
Não é fácil fazer a distinção entre as hemorragias petéquias vitais e post mortem, principalmente
se elas estão nas conjuntivas. Por fim, considerar que a posição de decúbito ventral do cadáver pode
favorecer o surgimento dessas petéquias. Nessa posição as petéquias têm sempre dimensões maiores
quando produzidas depois da morte e com uma aparência muito próxima das hemorragias petéquias
secundárias na congestão vital (apud Bockholdt B, Maxeiner H, Hegenbarth W, in Factors and
circumstances influencing the development of hemorrhages in livor mortis. Forensic Sci Int 2005
May 10; 149(2-3):133-7).
Fenômenos cadavéricos. Nas asfixias mecânicas, em geral, alguns fenômenos
cadavéricos se processam de forma diferente: os livores de decúbito são mais extensos, mais escuros
e mais precoces; o esfriamento do cadáver se verifica em proporção mais lenta; a rigidez cadavérica,
mesmo sendo mais lenta, mostra-se intensa e prolongada; e a putrefação é muito mais precoce e mais
acelerada que nas demais causas de morte.
Cogumelo de espuma. É formado de uma bola de finas bolhas de espuma que cobre a
boca e as narinas e se continua pelas vias respiratórias inferiores. É mais comum nos afogados, mas
pode surgir em outras formas de asfixias mecânicas, no edema agudo do pulmão e nos casos de morte
precedida de grandes convulsões.
Projeção da língua e exoftalmia. São achados comuns nas asfixias mecânicas, mas não
esquecer que os cadáveres putrefeitos na fase gasosa ou enfisematosa também apresentam exoftalmia
e projeção da língua, mesmo sem ter nenhuma relação com a morte por asfixia.
Sinais internos. Podem-se observar internamente os seguintes sinais:
Equimoses viscerais. Também conhecidas por manchas de Tardieu, por terem sido
descritas por esse autor em 1847, em um caso de infanticídio, como “equimoses puntiformes dos
pulmões e do coração” (Figura 4.62 A e B).
São equimoses diminutas, do tamanho da cabeça de um alfinete, localizando-se, não raro, sob a
pleura visceral, mais notadamente nos sulcos interlobares e bordas dos pulmões, no pericárdio e no
pericrânio, e, nas crianças, no timo.
Figura 4.62 Manchas de Tardieu: no pulmão (SML-HCE) ( A), e no coração (B). (SMLHCE.) A figura B encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte.
Essas manchas são de tonalidade violácea, de número variável, às vezes esparsas ou em
aglomerações. São mais comuns na infância e na adolescência e, mais raras, no adulto e no velho.
A teoria mais aceita para explicar o seu aparecimento é o aumento da pressão arterial, defendida
por Brown-Séquard, Vulpian e Traube, entre outros. É explicado pela excitação dos centros bulbares
pelo gás carbônico aumentando a pressão sanguínea, rompendo os capilares e produzindo as
equimoses viscerais. Yosida admite a existência da hipertensão pela descarga de adrenalina que se
segue às síndromes asfíxicas. Garcia Pastor acha que a ação da adrenalina é importante mas não é
exclusiva, pois confia que a ruptura capilar é decorrente do aumento da pressão sanguínea
generalizada e uma vasodilatação pulmonar. Já Krogh defende a teoria de que essas hemorragias que
dão origem às manchas de Tardieu são provenientes de uma lesão da parede capilar em face do
acúmulo no sangue de CO2. E Krahmer justifica pelos esforços respiratórios durante a asfixia,
quando grande quantidade de sangue nos pulmões rompe os capilares em virtude da pressão e da
violência verificadas.
Aspectos do sangue. Em geral, o sangue é escuro e líquido, não se encontrando no
coração os coágulos cruóricos (negros) e fibrinosos (brancos).
A tonalidade do sangue é negra, com exceção da morte por monóxido de carbono, onde ele é
acarminado. A fluidez, embora de alto valor do diagnóstico, não constitui sinal patognomônico de
asfixia, pois poderá ser encontrada na morte súbita em que não houve, por conseguinte, a agonia.
Figura 4.63 Fígado congesto e distensão dos pulmões (asfixia).
Todas as explicações sobre a fluidez do sangue na morte por asfixia são de caráter
eminentemente teórico e, por isso, não vale a pena salientá-las. Sabe-se apenas que é oriunda da
atividade fibrinolítica.
Podem-se ainda assinalar outras modificações do sangue: viscosidade diminuída devido a maior
concentração de CO2; alteração do pH com diminuição da reserva alcalina nos casos em que não se
priva a movimentação respiratória, e aumento da reserva alcalina quando não se verifica a
eliminação de CO2 (hipercapnia); queda do ponto crioscópico nas cavidades esquerdas do coração
por aumento da taxa de CO2 (sinal de Palmiere) ; aumento do coeficiente cloro-globular-cloroplasmático, em face da mudança da concentração de CO2 sanguíneo (sinal de Tarsitano); e
hiperglicemia asfíxica surgida na agonia e comprovada depois da morte.
Congestão polivisceral. Entre os órgãos, o fígado e o mesentério são os que se
apresentam mais congestos, sendo que o baço, na maioria das vezes, se mostra com pouco sangue
devido às suas contrações durante a asfixia (sinal de Étienne Martin).
O fígado pletórico comumente se chama fígado asfíxico devido a essa eventualidade (Figura
4.63).
Distensão e edema dos pulmões. Além da acentuada distensão, os pulmões ainda se
apresentam com relativa quantidade de sangue líquido finamente espumoso.
É necessário que se entenda não existir nenhum sinal que, isoladamente, seja de capital
importância no diagnóstico das asfixias mecânicas. Portanto, deve-se ter um critério baseado na
somação das lesões estudadas, associando-se os sinais especiais de cada caso de asfixia em
particular e o estudo das circunstâncias de cada evento.
CLASSIFICAÇÃO
A classificação de Afrânio Peixoto é a que mais se aproxima do critério médico-legal, dividindo
as asfixias mecânicas em três grupos distintos: puras, complexas e mistas.
Asfixias puras. São manifestadas pela anoxemia e hipercapnia:
A. Asfixia em ambientes por gases irrespiráveis:
• confinamento
• asfixia por monóxido de carbono
• asfixia por outros vícios de ambientes.
B. Obstaculação à penetração do ar nas vias respiratórias:
• sufocação direta (obstrução da boca e das narinas pelas mãos ou das vias respiratórias mais
inferiores)
• sufocação indireta (compressão do tórax).
C. Transformação do meio gasoso em meio líquido (afogamento).
D. Transformação do meio gasoso em meio sólido ou pulverulento (soterramento).
Asfixias complexas. Constrição das vias respiratórias com anoxemia e excesso de gás
carbônico, interrupção da circulação cerebral e inibição por compressão dos elementos nervosos do
pescoço:
A. Constrição passiva do pescoço exercida pelo peso do corpo (enforcamento);
B. Constrição ativa do pescoço exercida pela força muscular (estrangulamento).
Asfixias mistas. São as que se confundem e se superpõem, em graus variados, aos
fenômenos circulatórios, respiratórios e nervosos (esganadura).
ASFIXIA EM ESPÉCIE
Asfixia por confinamento
O confinamento é um tipo de asfixia mecânico-pura, caracterizado pela permanência de um ou
mais indivíduos em um ambiente restrito ou fechado, sem condições de renovação do ar respirável,
sendo consumido o oxigênio pouco a pouco e o gás carbônico acumulado gradativamente.
Não existe uma concordância entre os autores sobre a etiopatogenia do confinamento. A teoria
química acentua a acumulação do gás carbônico e a redução do oxigênio, enquanto a teoria física
afirma que, além das alterações químicas do ar, existem o aumento da temperatura e a saturação do
ambiente por vapores de água.
Na maioria das vezes, o confinamento é acidental, podendo, no entanto, ser homicida ou suicida.
Além dos sinais encontrados nas asfixias em geral, podem ser vistas algumas lesões produzidas em
ações desesperadas da vítima, como escoriações do pescoço, ferimentos da face, lesões de defesa,
desgastes das unhas e erosão das extremidades dos dedos.
Nestes casos é muito importante o exame do local dos fatos pela perícia criminal e as
investigações anatomopatológica e toxicológica.
Asfixia por monóxido de carbono
A ação do monóxido de carbono (CO) fixando-se na hemoglobina dos glóbulos vermelhos,
impedindo o transporte do oxigênio aos diversos tecidos, levando, em consequência, a um tipo
especial de asfixia por caboxiemoglobinemia (O2Hb 1 CO 5 COHb 1 O2). Daí se admitir não se
tratar de uma morte por intoxicação, mesmo existindo uma ação química sobre a hemoglobina. Na
verdade, o que se verifica é uma forma de asfixia tissular.
Os que defendem a teoria do monóxido de carbono como elemento tóxico baseiam-se nos casos
de tentativas frustradas de suicídio em que o indivíduo apresenta transtornos psíquicos e
neurológicos semelhantes a uma intoxicação.
A asfixia por monóxido de carbono é mais constante como forma de suicídio e, mais raramente,
acidental ou homicida.
Nesse tipo de morte, encontram-se vários sinais de grande valor, tais como rigidez cadavérica
mais tardia, pouco intensa e de menor duração, tonalidade rósea da face (“como de vida”), manchas
de hipóstases claras, pulmões e demais órgãos de tom carmim, sangue fluido e róseo, putrefação
tardia e, finalmente, os comemorativos da morte.
O monóxido de carbono poderá ser pesquisado por meio de reações químicas especiais,
permitindo-se a dosagem e coeficientes de saturação, tendo-se, porém, o cuidado de obter o sangue
nas cavidades cardíacas ou em outras vísceras, pois a morte poderá ter-se verificado em situações
diferentes e o corpo ter sido colocado em um ambiente em que exista um gás.
Assim, usam-se vários processos na determinação do gás carbônico, tais como: (1) prova de
Katayama: consiste na diluição, de 1 para 50, do sangue suspeito adicionado a gotas de sulfeto de
amônio e ácido acético a 30 por cento, dando uma tonalidade esverdeada nos casos negativos e
positivando-se se essa reação apresentar-se vermelho-clara; (2) prova de Liebmann: usa-se a
solução de formalina a 10 por cento, obtendo-se tonalidades vermelha ou pardacenta nos casos
positivos e negativos, respectivamente; (3) prova de Kunckel e Weltzel: utiliza-se o sangue suspeito
diluído em partes iguais com solução de tanino a 1,5 por cento, produzindo um pesado coágulo que
irá ao fundo do tubo em uma tonalidade rósea, se houver monóxido de carbono, e castanho-escura
nos casos negativos; (4) prova de Stockis: aqui, usa-se o cloreto de zinco a 25 por cento e, na
eventualidade do monóxido de carbono, o sangue se precipita em um tom vermelho-cereja-claro e,
nos casos negativos, tonalidades chocolate.
A pesquisa do monóxido de carbono pode ser realizada ainda pela espectroscopia. O processo
consiste em levar-se o sangue ao espectroscópio, observando-se duas faixas escuras: carboxihemoglobina e hemoglobina oxicarbonada – a primeira, mais escura e mais estreita no amarelo, e a
segunda, mais clara e mais larga no verde, entre as estrias D e E de Fraunhoffer. Associa-se um
agente redutor no sangue, como o sulfidrato de amônia ou hidrossulfito de sódio; as duas faixas
persistem, não se obtendo a faixa única de Stockis.
Absorção post mortem do monóxido de carbono. O monóxido de carbono
pode penetrar no sangue depois da morte, e isso deverá ser levado em conta para afastar possíveis
causas de erro. Para prevenir-se, basta recolher o sangue do coração, dos grandes vasos ou das
vísceras.
Wachnolz e Lemberger, em 1902, já tinham observado que cadáveres de fetos colocados em
frascos com monóxido de carbono apresentavam manchas na pele semelhantes às encontradas nos
indivíduos mortos por efeito desse gás.
Asfixias por outros vícios de ambientes
A morte por asfixia também pode advir em ambientes saturados por outros gases, tais como os de
iluminação, de esgoto e de fossas, de pântano e, principalmente, por agentes irritantes, como gás de
pimenta e gás lacrimogêneo.
O gás de pimenta (spray de pimenta) tem sido utilizado por forças policiais para conter
distúrbios civis ou como forma de defesa pessoal. Seu efeito imediato se dá sobre olhos, nariz e
boca, ocasionando grave sensação de queimor e ardor. Seu princípio ativo é o oleoresin capsicum,
oriundo da pimenta. Em alguns países seu uso é proibido e a Anistia Internacional considera o uso do
gás de pimenta uma prática de tortura.
É tido como um agente não letal, mas a experiência tem demonstrado que esse fato não é
verdadeiro: registram-se mortes principalmente em pessoas com alta sensibilidade àquela
substância. As mortes, na sua maioria, são decorrentes de asfixia em vítimas portadoras de
problemas respiratórios ou cardíacos ou por reação anafilática.
Na maioria das vezes essa substância causa danos superficiais nas conjuntivas, sensação de
intenso ardor em olhos, nariz e boca e uma sensação de náuseas e vômito, sintomas esses que podem
desaparecer dentro de uma hora.
O estudo histopatológico das vias respiratórias superiores e inferiores e a análise toxicológica
têm pouca importância, pois não trarão um resultado específico. Mas pode-se registrar na faringe,
laringe, traqueia, brônquios e cordas vocais hiperemia e edema consideráveis, além de secreção
grossa e cristalina.
Já o gás lacrimogêneo, dentro do conjunto dos “agentes irritantes”, é uma denominação comum
dada a todo agente químico capaz de causar uma incapacidade temporária através do efeito irritativo
sobre os olhos (daí o termo lacrimogêneo) ou do sistema respiratório, também utilizado para
dispersar grupos contestadores ou em situação de motim.
Entre esses compostos, os mais comuns são o brometo de benzilo e o gás CS (clorobenzilideno
malononitrilo). Tido como não letal por sua baixa toxicidade e por ter efeito passageiro, tem no
entanto contribuído para danos como náuseas e vômitos e, em casos mais raros, até a morte. São
utilizados por meio de sprays (aerossol) ou granadas de mão ou de morteiros com ou sem ritmos
explosivos.
Nos casos de morte por gás lacrimogêneo, o exame histopatológico pode evidenciar necrose da
mucosa respiratória e edema do pulmão, e, principalmente, o exame toxicológico tem importância
considerável pela possibilidade da evidência do tipo do composto químico utilizado nesse tipo de
gás.
Sufocação
Sufocação é a modalidade de asfixia mecânica produzida pelo impedimento da passagem do ar
respirável por meio direto ou indireto de obstrução.
Por meio direto, entendem-se os casos devidos à oclusão dos orifícios ou dos condutos
respiratórios, e por meio indireto, a compressão do tórax e a sufocação posicional.
Sufocação direta. Existem as seguintes modalidades:
Sufocação por oclusão da boca e das fossas nasais. É quase sempre de caráter
criminoso e há necessidade de acentuada desproporção de forças entre a vítima e o agente. É uma
prática muito comum no infanticídio, com a ajuda das mãos que comprimem a face do recém-nascido,
ou sob o travesseiro, e por meio de uso de papel molhado sobre a face, como era antigamente
praticada no Japão. Outra forma criminosa nesta modalidade é a utilização de sacos plásticos
envolvendo a cabeça e presos ao pescoço, o que leva a uma morte muito rápida, explicada não
apenas pela privação do oxigênio, mas também por um mecanismo reflexo inibidor (in Knight, B. –
Forensic pathology, London: Arnold, 1996).
Sufocação direta por oclusão das vias respiratórias. Acontece na obstrução dos
condutos aéreos por corpos estranhos, impedindo a passagem do ar até os pulmões. É mais frequente
nos acidentes, mais rara no suicídio e mais difícil no homicídio.
Marache relata que, na China antiga, os velhos mandarins, sem mais interesse de viver,
colocavam uma lâmina delgada de ouro no interior da boca, aspirando-a bruscamente, tendo morte
por asfixia.
Existem casos registrados na literatura médico-legal de asfixia por obstrução mecânica das vias
respiratórias decorrente da aspiração de goma de mascar. Não é rara, também, a morte nessa
circunstância por aspiração de corpos estranhos os mais variados, até de porções alimentares que
penetram na laringe, matando por asfixia, principalmente, crianças.
Não é tão rara a morte por oclusão das vias respiratórias inferiores motivada por alimentos e
confundidas com cardiopatias agudas durante as refeições em casa ou em restaurantes e, por isto,
chamada por autores de língua inglesa de “coffee coronary” (coronária do café), também conhecida
como “infarto do restaurante”.
Acrescentem-se ainda a aspiração de vômitos dos debilitados, a obstrução por prótese dentária e
a “queda da língua” nos vitimados por descarga elétrica, por crises epilépticas ou nos comatosos.
Sinais cadavéricos. São encontrados:
• Sinais locais. Pode-se encontrar a presença de marcas ungueais em redor dos orifícios nasais
da boca nos casos de sufocação pelas mãos, faltando, no entanto, quando o agressor usa objetos
moles, como, por exemplo, lençóis, vestes, travesseiros etc. É também comum encontrar-se
lesões da mucosa labial pelo traumatismo desta sobre os dentes. Finalmente, poderá estar
presente, na árvore respiratória, o corpo estranho causador de sufocação (Figura 4.64)
• Sinais de asfixia. Apresentam os clássicos sinais de asfixia já descritos no estudo geral
•
Sinais específicos. É comum, em casos de sufocação por oclusão das vias respiratórias,
encontrar-se o corpo estranho obstruindo a glote, a bifurcação brônquica ou um dos brônquios
fontes, inclusive alimentos e aspirações de vômito.
Sufocação indireta. A compressão, em grau suficiente, do tórax e abdome impede os
movimentos respiratórios, levando, em consequência, à asfixia. É sempre acidental ou criminosa.
Conhecida também como “congestão compressiva de Perthes”.
Nos casos acidentais, surgem nas grandes multidões em pânico. Os autores franceses relatam que,
nas bodas de Luiz XVI com Maria Antonieta, morreram 40 pessoas na multidão, por compressão
torácica, na Praça da Concórdia. Na coroação do Tzar Nicolau II, celebrada em São Petersburgo,
morreram aproximadamente 3 mil pessoas asfixiadas durante a divisão de víveres. Há relatos de
casos de crianças ou recém-nascidos que morreram quando dormiam com adultos no mesmo leito.
Fato curioso relatado por Oscar de Castro (in Medicina na Paraíba – Flagrantes de sua
evolução, João Pessoa: Publicações A União Editora, 1944) é, sem dúvida, o do “exortador”.
Quando um ancião enfermo se agravava e demorava a morrer, depois dos últimos sacramentos, a
família chamava esse técnico. Isto, nos sertões do Nordeste, há muito tempo.
Figura 4.64 Sufocação direta – peixe na traqueia (IML/CE).
Figura 4.65 Máscara equimótica da face (sinal de Morestin). Esta figura encontra-se
reproduzida, em cores, no Encarte.
Ajudar a morrer ou exortar consistia, além das orações de praxe, na compressão do tórax e
abdome, matando-se por asfixia. Exortar, portanto, segundo o mestre, era profissão como outra
qualquer, exercida com certa dignidade e sempre por indivíduos loquazes e inteligentes, remunerados
de forma generosa pela família do moribundo.
Lesões anatomopatológicas. Em alguns casos, surgem lesões no esqueleto torácico e
nas vísceras, sendo as manifestações de asfixia inaparentes. Noutros, não existem tais lesões, ou são
de pouca monta, apresentando-se com sinais evidentes de asfixia.
Um dos sinais mais importantes é a máscara equimótica da face, também conhecida como
congestão cefalocervical ou máscara equimótica de Morestin (Figura 4.65), produzida pelo refluxo
sanguíneo da veia cava superior em face da compressão torácica.
Os pulmões se mostram distendidos (sinal de Valentin), congestos, com sufusões hemorrágicas
subpleurais. O fígado é congesto e o sangue do coração, escuro e fluido.
Sufocação posicional. Alguns autores, entre eles Luis Concheiro Carro e Suárez
Peñaranda, chamam a atenção para uma forma de asfixia mecânica produzida pela posição em que o
indivíduo se encontra no momento da morte, capaz de impedir ou dificultar seriamente a ventilação
pulmonar, após a instauração da fadiga e da falência muscular respiratória. Um dos exemplos desse
quadro seria a “crucificação” ou o posicionamento demorado do indivíduo de “cabeça para baixo”.
Na realidade, esse tipo de asfixia mecânica pode parecer uma modalidade de sufocação indireta,
pois o que se nota em tais casos é a dificuldade ou o impedimento dos movimentos respiratórios.
Difere apenas pela ausência das lesões traumáticas que se verificam na compressão do tórax ou do
abdome.
O mecanismo de morte seria a fadiga aguda dos músculos da respiração, seguida de apneia e
anoxia. Favorecem tais ocorrências a embriaguez, a debilitação e a idade avançada.
Para seu diagnóstico, deve-se levar em conta o fato de o cadáver ser encontrado em uma posição
que dificulte ou inviabilize a ventilação pulmonar, de o indivíduo não poder livrar-se daquela
posição, de serem evidenciados os sinais gerais de asfixia e, também, de se excluir de outras causas
de morte violenta ou por antecedentes patológicos.
Soterramento
Soterramento é uma forma de asfixia mecânica motivada por obstrução das vias respiratórias por
terra ou substâncias pulverulentas. É, na sua maioria, acidental e, muito raramente, homicida ou
suicida, sendo a situação mais frequente o desmoronamento ou o desabamento.
Figura 4.66 Soterramento.
O diagnóstico se faz pelo estudo dos comemorativos e do local, pela presença de substâncias
estranhas, sólidas ou semissólidas, principalmente pulverulentas, no interior das vias respiratórias,
na boca, no esôfago e estômago e, ainda, pelos sinais gerais de asfixia.
A presença desse material estranho nas vias respiratórias e digestivas é do mais alto valor no
diagnóstico, porque depende essencialmente do ato vital de respiração e deglutição, não podendo,
portanto, introduzirem-se tais substâncias post mortem (Figura 4.66).
Não se deve esquecer que, no soterrado, sempre se encontram lesões traumáticas de várias
espécies, pelo desabamento ou desmoronamento; muitas delas capazes de, por si sós, produzir a
morte ou contribuir para tanto.
Afogamento
Afogamento é um tipo de asfixia mecânica, produzido pela penetração de um meio líquido ou
semilíquido nas vias respiratórias, impedindo a passagem do ar até os pulmões.
O termo “submersão”, largamente usado, não é correto, em virtude de fornecer uma ideia de
morte por imersão completa do corpo. Na prática, observam-se casos de afogamento em que apenas
os orifícios respiratórios se achavam em contato com o líquido.
Sempre que se retira um cadáver de dentro da água ou que se supõe ter estado nela, muitas são as
questões que se podem levantar, como: a identificação da vítima, se a morte foi por afogamento, se
ela estava viva ou morta antes de entrar na água, se sua causa de morte foi devida ao afogamento ou
teve morte natural ou violenta dentro ou fora da água, se a morte foi por inibição, se houve outras
causas tóxicas ou medicamentosas que tenham dificultado a sobrevivência na água, quanto tempo
passou submerso o corpo, entre outros.
Etiologia
O afogamento pode ser acidental, suicida ou homicida.
O afogamento-acidente é mais comum em indivíduos que, ousadamente, penetram em águas de
grande profundidade, ou por imprevistos como convulsão, luxação, mal-estar e traumatismo de
cabeça.
O afogamento-homicida é muito raro, a não ser que a vítima seja muito inferior em forças ao
agressor.
O afogamento-suicida é menos frequente que o acidente, e se mostra muitas vezes com
características verdadeiramente estranhas, para dissimular tais gestos, como, por exemplo, amarrar
as pernas ou os braços. Do nosso ponto de vista, o suicídio típico por afogamento é teoricamente
quase impossível. A vítima não suportaria a angústia e o sofrimento da asfixia lenta. Tentaria, a todo
custo, a respiração. O que se verifica comumente é o suicídio-acidente, isto é, depois de o indivíduo
procurar a morte e faltando-lhe as condições de sobrevivência, terminaria por afogar-se. De início, a
tentativa de suicídio e, depois, o acidente.
Fisiopatologia e mecanismo de morte
A morte por afogamento geralmente passa por três fases ou períodos: fase de defesa, fase de
resistência e fase de exaustão.
A primeira fase tem dois períodos: o de surpresa e o de dispneia. A segunda fase está
representada pela parada dos movimentos respiratórios como mecanismo de defesa. A terceira fase é
na qual termina a resistência pela exaustão e começa uma inspiração profunda, iniciando-se o
processo de asfixia com perda de consciência, insensibilidade (às vezes, convulsões) e morte.
Há, no entanto, casos em que o indivíduo, ao tocar na água, morre por inibição, constituindo os
afogados brancos de Parrot, ou afogados secos, necessitando, para isso, de uma predisposição
constitucional, lesões cardiovasculares agravadas pela ação térmica ou nos estados tímico-linfáticos.
Nessa modalidade de afogamento, não se encontra nenhum sinal de asfixia.
O afogamento verdadeiro dos afogados úmidos ou afogados azuis é caracterizado pela
penetração de líquidos nas vias respiratórias e asfixia consequente, pode variar em dois grupos: (1)
forma rápida: o indivíduo submerge rapidamente, permanecendo no interior da água, sucedendo-se
as fases de asfixia em um período de 5 min, aproximadamente; (2) forma lenta: neste tipo de
afogamento, a vítima luta, reage, vai ao fundo, retorna à superfície várias vezes, morrendo depois de
grande resistência.
Tourdes descreve três períodos no afogamento experimental com animais:
• fase de resistência ou de dispneia: depois de uma inspiração de surpresa, retêm, energicament
a respiração, procurando ao mesmo tempo defender-se, enquanto a consciência permanece
lúcida, conservando os movimentos reflexos.
• fase de grandes inspirações e convulsões: é caracterizada por uma série de inspirações
profundas com penetração violenta do líquido nos pulmões e perda da consciência.
• fase de morte aparente: ausência da respiração e dos reflexos, perda da sensibilidade; o coraç
permanece batendo até surgir a morte real.
Essas fases ou períodos têm o endosso de vários autores quando se referem a experiências em
animais. Nos seres humanos, todavia, muitos desses fenômenos ainda são desconhecidos. Mesmo
assim, Zangani e cols. sintetizaram nos humanos as seguintes fases:
• 1a fase: de surpresa, em que existe uma profunda inspiração fora da água
• 2a fase: de apneia, para evitar a penetração da água nas vias respiratórias
• 3a fase: de dispneia, em que se verifica a inalação de água seguida de uma expiração por
estimulação da água sobre a mucosa laríngea
• 4a fase: de convulsões asfíxicas, na qual o líquido continua penetrando de forma descontínua n
vias respiratórias
• 5a fase: de estágio terminal, que se constitui de uma ou mais inspirações profundas, precedida
de uma pausa respiratória pré-terminal.
Antes, imaginava-se que a morte por afogamento fosse produzida por anoxia. Após as pesquisas
de Swann e cols., deu-se muito valor às alterações eletrolíticas que a água provoca ao penetrar na
corrente circulatória, dependendo, entretanto, da quantidade, do tipo e da osmolaridade do líquido
aspirado.
Nos casos de afogamento em água doce, que é hipotônica em relação ao plasma, ela é absorvida
rapidamente nos alvéolos passando para a circulação pulmonar e provocando hemodiluição e
hipervolemia. Quando o afogamento é em água salgada, que é hipertônica em relação ao plasma,
ocorre de forma diferente, pois o líquido ocupa os alvéolos aumentando em muito a osmolaridade do
sangue, que atrai a água das vias respiratórias para a circulação pulmonar, provocando hipovolemia,
hemoconcentração e edema pulmonar.
Outros, entre eles Hasibeder, acham que a parada cardíaca dos afogados se deve à prolongada
hipoxia, às alterações graves do equilíbrio acidobásico, à descarga de catecolaminas e, algumas
vezes, à influência da hipotermia por baixa temperatura da água.
Há um quadro, não raro, de indivíduos que morrem dentro da água e permanecem com “pulmões
secos”, ou seja, sem nenhum líquido nas vias respiratórias e nos pulmões. Para alguns bastaria um
espasmo da glote impedindo a entrada da água nas vias respiratórias ou a parada cardíaca de origem
vagal influenciada por temperatura muito baixa da água. Luneta e Modell consideram que o volume
de líquido aspirado varia de uma vítima para outra e depende de alguns elementos, como frequência
e duração do espasmo laríngeo, número e frequência dos movimentos respiratórios antes da morte e
o tempo transcorrido até a parada cardíaca. Para outros, isso não representaria outra coisa senão a
morte natural de indivíduos dentro da água.
Em crianças, principalmente, pode ocorrer uma situação em que o ritmo cardíaco diminui muito,
a pressão arterial baixa sensivelmente, o consumo de oxigênio é diminuído, o metabolismo é lento,
há presença de bradicardia, assistolia e fibrilação ventricular e, de forma paradoxal, mantêm-se em
sobrevivência por alguns minutos, podendo, inclusive recuperar-se integralmente ou com sequelas.
Isso se deve, segundo alguns, ao chamado “reflexo mamário” que consiste no espasmo da glote,
desenvolvido mais intensamente na vida intrauterina e entre os recém nascidos e lactentes,
desaparecendo gradualmente na idade infantil.
Sinais cadavéricos do afogado
Os sinais cadavéricos do afogado estão caracterizados pelos sinais externos e internos.
Sinais externos. São provenientes, em quase sua totalidade, da permanência do
cadáver dentro da água e dos sinais vitais do corpo dentro da massa líquida:
a . Temperatura baixa da pele. Os cadáveres dos afogados baixam a temperatura mais
rapidamente devido ao equilíbrio térmico mais fácil no meio líquido. Esse sinal só não tem valor se
o cadáver for retirado imediatamente da água.
b . Pele anserina. Também chamada vulgarmente de “pele de galinha”, é ocasionada pela
contração dos delicados músculos erectores dos pelos, tornando os folículos desses pelos salientes,
devido a rigidez cadavérica. Aparece mais comumente nos ombros, face lateral das coxas e braços
(Sinal de Bernt). Para alguns, como Gisbert Calabuig, este é simplesmente um fenômeno cadavérico,
sem nenhum significado de reação vital.
c. Retração do mamilo, do saco escrotal e do pênis. Tem o mesmo significado da pele anserina.
d. Maceração da epiderme. Localiza-se principalmente nas mãos (mãos de lavadeira) e nos pés
devido à maior espessura da epiderme. De início, a epiderme se apresenta grossa, enrugada e de
tonalidade esbranquiçada, depois destaca-se como se fossem verdadeiros dedos de luva, inclusive
desprendendo-se junto com as unhas (Figura 4.67).
e . Tonalidade mais clara dos livores cadavéricos . Os livores hipostáticos do cadáver dos
afogados tomam tonalidade mais clara que nas demais formas de asfixias mecânicas, devido às
modificações hemáticas dessa síndrome, em face da hemodiluição e pela permanência do corpo em
ambiente de temperatura baixa. Às vezes, esta tonalidade se torna generalizada.
f. Cogumelo de espuma. Em alguns casos, nota-se um cogumelo de espumas de tonalidade branca
ou rósea sobre a boca e narinas, estendendo-se o líquido espumoso até a traqueia e os brônquios. Sua
formação depende da entrada de água no interior das vias respiratórias, do muco e do ar, surgindo
apenas nas pessoas que reagiram dentro da massa líquida. Só aparece nos cadáveres retirados cedo
da água e quando os gases da putrefação põem para fora a espuma dos brônquios e da traqueia
(Figura 4.68).
g . Erosão dos dedos e presença de corpos estranhos sob as unhas. Na face palmar das
extremidades dos dedos, encontram-se, em algumas situações de afogamento, erosões devido à
resistência do indivíduo ao se debater no plano mais profundo da massa líquida. Sob as unhas,
poderão ser encontrados grãos de areia, lama, lodo e corpos estranhos pelo mesmo mecanismo das
erosões.
h. Equimoses da face das conjuntivas. Algumas vezes, notam-se, nos cadáveres dos afogados,
tais equimoses, principalmente em líquidos espessos, como das latrinas e pântanos.
Figura 4.67 Maceração da epiderme (afogamento).
Figura 4.68 Cogumelo de espuma (afogamento).
i. Mancha verde da putrefação. No esterno ou na parte inferior do pescoço, e não na fossa ilíaca
direta, como classicamente se conhece noutras situações.
j . Lesões post mortem produzidas por animais aquáticos. Essas lesões produzidas depois da
morte por animais aquáticos têm como sede de eleição as pálpebras, lábios e cartilagem do nariz e
dos pavilhões auriculares (Figura 4.69). Na Amazônia, existe um peixe da espécie Hemicetopsis
candiru, de formato cilíndrico, de boca circular e dentes cônicos, capaz de grande poder devorador,
que produz lesões iniciais em forma de moeda (Figuras 4.70 e 4.71).
l. Embebição cadavérica. A presença demorada do corpo afogado dentro da água faz com que os
tecidos sejam embebidos e dificulte a desidratação, inclusive com alteração da rigidez cadavérica.
m. Dentes e unhas róseos. Em 1829, em Londres, Bell descreveu um fenômeno chamado dentes
róseos post mortem (pink teeth post mortem), em face de uma tonalidade rosada encontrada nos
dentes de algumas vítimas de enforcamento e afogamento. Ainda hoje se busca a explicação para esse
fenômeno (Figura 4.72 A).
É justificado por alguns, através de estudos histológicos, pela dissociação da hemoglobina em
subprodutos devido a autólise da polpa dentária mais ampla e mais vascularizada, invadindo os
canalículos da dentina e dando assim o aspecto róseo à parte aparente do dente. Por isso é mais
comum em pessoas jovens quando as cavidades das polpas são mais amplas. Depois de alguns anos
esse fenômeno desaparece.
Figura 4.69 Lesões produzidas post mortem por animais aquáticos. Esta figura
encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte.
Figura 4.70 Lesões post mortem produzidas por candiru (IML/AM).
Mesmo que não se conheça a relação desse fenômeno com a causa direta de morte, o certo é que
ele quando aparece a decomposição cadavérica se processou em lugar úmido ou na água por
determinado tempo, e quando o corpo se encontrava com a cabeça mais baixa que os pés. Para
muitos essa explicação não tem sido suficiente para justificar esse achado, principalmente quando se
quer relacionar os dentes róseos com o tipo de morte. No entanto, pode-se dizer que mesmo
ocorrendo esse fenômeno em diversas causas de morte, ele é muito mais comum nas mortes violentas,
principalmente entre os afogados.
A coloração dos dentes pode variar entre o róseo-claro e o vermelho pouco intenso e não se
apresenta com um mesmo padrão, podendo aparecer apenas em algumas peças dentárias e
diversificadas em forma, cor e tamanho.
A explicação etiopatogênica do fenômeno dos dentes róseos voltou à tona com o estudo das
vítimas dos “assassinatos de Christie”, verificados em Londres a partir de 1953, quando foram
intoxicadas por monóxido de carbono e estranguladas. Das oito vítimas apenas uma apresentava os
dentes róseos, o que aumenta ainda mais as dificuldades de explicação, pois todas elas foram mortas
por um mesmo meio e colocadas em um mesmo lugar.
Figura 4.71 Lesões post mortem em forma de moeda por ação necrófaga de candiru
(IML/AM).
Figura 4.72 A. Dentes rosados. B. Unhas rosadas. (Arquivo da Dra. Dilana Penna
Lima.) Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte.
Estudos posteriores vêm demonstrando que os dentes róseos são encontrados em outras causas de
morte. Sendo assim, recomenda-se que não se use o fenômeno dos dentes róseos como sinal
patognomônico, nos casos de estrangulamento ou afogamento.
Por outro lado, não se deve esquecer que esse fenômeno não é encontrado apenas nos cadáveres,
mas também em vivos, e muitas são as suas causas. Entre elas se destacam: traumatismo dental (mais
comum nos incisivos temporários), enfermidades sistêmicas (entre elas o tifo e a porfiria congênita),
reabsorções internas da parede da polpa e traumatismo por alteração da pressão (mais comum em
pilotos de avião de combate).
Tem-se encontrado também em cadáveres putrefeitos um fenômeno chamado de “unhas rosadas”
(pink nails post mortem) que nada tem de específico em afogamentos, mas tão só a certas condições
especiais das unhas como porosidade e a determinadas alterações oriundas da autólise do sangue
(Figura 4.72 B).
Sinais internos. Podem ser evidenciados nas seguintes circunstâncias:
A. Lesões internas determinadas pela presença do líquido no interior das vias respiratórias e
outros:
a . Presença de líquido nas vias respiratórias. A presença desse elemento, além de ser
importante como valor diagnóstico no afogamento, poderá dizer o tipo do meio líquido pela presença
de corpos estranhos, fungos, lama ou material fecal ou de vômitos, podendo-se, assim, avaliar se o
afogamento deu-se em águas doces, salgadas, pantanosas ou em latrinas. O líquido, no interior das
vias respiratórias, sempre é em forma de espuma branca ou rósea, amarelada ou sanguinolenta. Sua
quantidade varia de acordo com o tempo de agonia do afogado.
Figura 4.73 Tecido vegetal em pulmão de afogado (Elizabeth Azevedo, IML/AM).
Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte.
b. Presença de corpos estranhos no líquido das vias respiratórias dos afogados. Encontra-se
maciçamente nos afogados em latrinas, lamaçais e em outras massas pantanosas e, mais raramente,
nos casos ocorridos em águas correntes. Deve-se dar importância aos corpos estranhos
microscópicos, minerais, vegetais e animais que possam existir no líquido, cujo conjunto se chama
de plâncton (Figura 4.73). A inclusão desses elementos na estrutura pulmonar pode ser evidenciada
pelo exame histológico, sendo de real valor para um diagnóstico de afogamento.
c. Alterações e lesões dos pulmões. Os pulmões dos afogados podem-se encontrar aumentados,
pesados, crepitantes e distendidos, e com enfisema aquoso e equimoses subpleurais.
Ao se abrir a cavidade torácica, depara-se com o aumento excessivo dos pulmões, que se
entrecruzam na porção anterior encobrindo o coração e, quando retirados, mostram-se com marcas de
costelas.
A presença do enfisema aquoso subpleural decorre da embebição do tecido pulmonar
proveniente da água aspirada (sinal de Brouardel). Pela palpação, dá uma sensação de esponja
molhada, fenômeno esse mais acentuado nos lobos superiores e próximo ao hilo. Casper chamava-o
de hiperaeria (Figura 4.74). Ao corte, e pela espremedura, há saída de grande quantidade de líquido
em cascata. Uma teoria aceita é a de Paltauf, que responsabiliza a entrada do líquido inspirado aos
alvéolos rotos e tecidos intersticiais, através da via linfática (Figura 4.75).
Figura 4.74 Enfisema aquoso subpleural (afogamento). Esta figura encontra-se
reproduzida, em cores, no Encarte.
Figura 4.75 Ruptura das paredes alveolares no afogado. (Elizabeth Azevedo,
IML/AM.)
As equimoses subpleurais, também conhecidas como manchas de Tardieu, são raras no
afogamento. Mais comuns são as manchas de Paltauf, de dimensões maiores, de 2 cm ou mais, de
contornos irregulares, tonalidade vermelho-clara, explicadas pela ruptura das paredes alveolares e
capilares sanguíneos (Figura 4.76).
Por fim, pode existir nos pulmões a presença de geo-, zoo- ou fitoplânctons, muitas vezes
envoltos em fibrina, o que denota reação vital do processo (Figura 4.73).
d. Diluição do sangue. Esse fenômeno é devido à entrada da água no sistema circulatório ao
nível do tecido pulmonar. Percebe-se essa manifestação pela mudança do colorido do sangue, que se
torna vermelho-claro, pela maior fluidez, pela coagulabilidade e, finalmente, com a ajuda do
laboratório. O sangue das cavidades esquerdas do coração, proveniente da circulação pulmonar, é
mais diluído do que o das cavidades direitas. Isso pode ser visto pela “prova carto-hematométrica
de Zangani”, que consiste em colocar gotas de sangue de mesmo volume de cada ventrículo sobre um
papel de filtro, notando nos casos de afogamento uma ampla e rápida difusão do sangue do ventrículo
esquerdo sobre o papel, com coloração menos intensa e margens bem irregulares.
A tonalidade do sangue dos afogados difere da encontrada nos outros tipos de asfixia. A fluidez é
bem acentuada, diversa do sangue normal. E a incoagulabilidade do sangue nessa síndrome asfíxica
não tem explicações razoáveis.
e . Presença de líquidos no sistema digestivo. Nos afogados, algumas vezes encontra-se, no
estômago e nas primeiras alças do intestino delgado, conteúdo espumoso que, colocado em um tubo
de ensaio, forma três camadas: a superior, espumosa; a intermediária, aquosa; e a inferior, sólida
(sinal de Wydler).
Figura 4.76 Manchas de Paltauf (afogamento). Esta figura encontra-se reproduzida,
em cores, no Encarte.
f . Presença de líquidos no ouvido médio. Na cavidade timpânica, poderá ser determinada a
presença de líquidos em afogados, inclusive com uma amostragem de corpos estranhos.
g . Presença de líquidos nas cavidades pleurais. Não é raro se encontrar uma considerável
quantidade de líquido seroso ou sero-hemático nas cavidades pleurais nos afogados; nos casos de
cadáveres putrefeitos esse sinal tem pouco valor em virtude da difusão post mortem dos líquidos
pulmonares. Inoue estudou nesse líquido a diferença de concentração de sódio, potássio, cloro e
proteínas obtida em experimentações com animais afogados em água doce e água salgada.
h. Aumento do coração. Tem-se referido também o aumento do coração dos afogados, segundo
alguns autores, pela dilatação do ventrículo direito devido à hipervolemia e à resistência vascular
pulmonar.
i . Hemorragias intramusculares. Carter e Pusched relatam em seus trabalhos hemorragias
situadas ao nível do pescoço, tórax e membros superiores motivadas pelas convulsões agônicas e
sofrimento muscular decorrentes da anoxia, embora autores outros discordem dessas justificativas.
B. Lesões na base do crânio:
a . Hemorragia temporal. Conhecida como sinal de Niles, consistindo no extravasamento
sanguíneo no ouvido médio e nos seios mastóideos, caracterizado por uma zona azulada na face
anterossuperior da parte petrosa do osso temporal.
b . Hemorragia etmoidal. Descrita como sinal de Vargas-Alvarado, constituído de um
extravasamento sanguíneo no osso etmoide e caracterizado por uma zona azulada no compartimento
anterior da base do crânio de cada lado da apófise crista galli.
Esses sinais perdem seu valor quando existe também traumatismo craniano.
C. Laboratório:
Há certos exames laboratoriais considerados imprescindíveis no estudo do afogado. Primeiro,
nos casos de cadáveres putrefeitos ou de desconhecidos, no sentido de facultar uma identificação.
Depois, os chamados exames específicos, com o propósito de diagnosticar o próprio afogamento, do
tipo de líquido e, quando possível, também, o local onde se verificou o afogamento.
No exame macroscópico, nota-se que a diluição do sangue é mais acentuada no hemicoração
esquerdo (hidremia), justificada pela própria dinâmica circulatória. Pode-se confirmar esse
fenômeno pela contagem dos glóbulos vermelhos, pela dosagem da hemoglobina, pela densidade do
sangue, pela determinação do resíduo seco, pela crioscopia, pela condutibilidade elétrica, pelo
poder hemolítico, pelo hematócrito, pelas alterações químicas do sangue e, finalmente, pela
microscopia polarizada.
A contagem dos glóbulos vermelhos no sangue do hemicoração esquerdo poderá ser menor se o
afogamento tiver determinado uma diluição nessas cavidades.
A diluição do sangue demonstrará uma diferença na concentração de hemoglobina no sangue de
ambos os hemicorações.
A determinação do resíduo seco entre os sangues dos hemicorações direito e esquerdo também
poderá ser de grande valor, levando-se em conta que 100 cm3 de sangue dão um resíduo de 19,6 g.
Tanto mais diluído o sangue, menor será, naturalmente, sua densidade.
Quanto maior a concentração molecular de um líquido, tanto mais baixa será a temperatura para
sua congelação. O ponto de congelação do sangue humano é em torno de 20,55°C a 20,57°C. Se o
afogamento determinou diluição do sangue de um dos hemicorações, é óbvio que o grau de
crioscopia seja diferente no esquerdo e no direito. Mario Carrara aconselha tirar o coração depois
de ligadura completa dos grossos vasos da base, abrir as cavidades ventriculares separadamente e
colher o sangue de cada uma. Se a água é doce, o ponto crioscópio se eleva e, na água salgada, baixa,
em virtude de o teor salínico influir nesse abaixamento.
Uma solução salina dá condução à eletricidade tanto melhor quanto maior for a sua concentração.
Logo, em um afogado em que houve diluição do sangue de um dos corações, logicamente sua
condutibilidade elétrica será diferente. Porém, se essa diluição for devida à água do mar, o valor
será inverso.
A hemólise do sangue dos afogados é mais intensa no coração esquerdo do que no direito.
Gettler foi quem primeiro propôs a dosagem dos cloretos no sangue com a finalidade de
diagnosticar a morte por afogamento. Entre nós, Alfredo de Andrade estudou bem o assunto e chegou
a conclusões razoáveis sobre a importância dessa técnica. Se o afogamento se verifica em águas
doces, a taxa de cloreto de sódio é mais elevada no hemicoração direito, em face da diluição do
sangue do coração oposto. Se ocorreu no mar, essa taxa é mais elevada no hemicoração esquerdo, em
decorrência da maior concentração de cloreto de sódio do líquido proveniente do afogamento.
Gilbert Calabuig aconselha a dosagem da taxa de magnésio no sangue dos dois corações para
determinar o afogamento no mar, pois levaria a um aumento desse elemento no sangue do coração
esquerdo.
Pode ser identificado pelo processo de microscopia polarizada o plâncton de origem mineral no
sangue do hemicoração esquerdo, quando diante de uma diluição do líquido oriundo dos pulmões.
Agora, em estudos mais atuais, Pette e Tiperman aconselham a dosagem do estrôncio sérico para
caracterizar o afogamento em águas salgadas; Chen Yu Chuan, a pesquisa do flúor em afogamentos
que possam ter ocorrido em ambientes com esse material; e Lorente propõe a averiguação dos níveis
plasmáticos do peptídio natriurético auricular para o diagnóstico de afogamento por água doce ou
salgada.
Através do exame de laboratório, é possível se determinar o local onde se verificou o
afogamento, levando-se em conta o estudo microscópico dos elementos geológicos e do plâncton
mineral, vegetal ou orgânico encontrados nas vias respiratórias, nos pulmões e até mesmo no sangue
do hemicoração esquerdo da vítima.
O importante seria encontrar-se um marcador bioquímico capaz de determinar com segurança o
diagnóstico de afogamento. Zhu e cols. vêm estudando as concentrações de cloro, sódio, cálcio,
magnésio, ureia e creatinina no sangue de cada ventrículo dos afogados em água doce e salgada e
comparando tais resultados com outras formas de morte. Todavia, admite-se que para o sucesso de
tal metodologia seria necessário que o marcador estivesse presente em grande quantidade no meio
aquoso do afogamento e em pequenas concentrações nos indivíduos normais, e que o marcador não
pudesse penetrar na circulação por outras vias que não pelas vias respiratórias nem pelos fenômenos
de difusão post mortem.
No que diz respeito aos marcadores biológicos, tendo em conta as lesões alveolares permitirem
a penetração da água na circulação sanguínea, é possível a presença de pequenas partículas oriundas
do meio aquoso do afogamento. Esse estudo começou com a pesquisa das diatomáceas, que são
microrganismos autotróficos encontrados na água doce e na salgada. Todavia, sua utilidade como
marcador tem sido criticada, pois elas não foram encontradas em todos os afogados. E mais: foram
encontradas em outras formas de morte de indivíduos que permaneceram dentro d’água.
Para que esse marcador tenha um significado positivo, é necessário que se considerem o aspecto
quantitativo das diatomáceas e a determinação e a morfometria de suas espécies, no sentido de se
promover a identidade delas quando encontradas no corpo e no meio onde se deu o afogamento.
Luci e Cirnelli estudam a presença de bactérias típicas de contaminação fecal, entre elas o
estreptococo fecal e o Coliformes fecales no sangue dos ventrículos, na artéria e veia femoral, sendo
alta suas incidências em afogados.
D. Exame radiológico:
Em caso de afogamento, a radiografia da face pode demonstrar a opacidade dos seios maxilares,
como prova de reação vital.
E. Exame histológico:
O exame microscópico do pulmão do afogado pode apresentar alterações bem características,
como: enfisema do tecido pulmonar e edema alveolar; hemorragias peribrônquicas acentuadas; e
ruptura e hemorragia das paredes alveolares, predominando nas regiões centrais do pulmão (Figura
4.75).
F. Sinais gerais de asfixia:
Nos afogados, geralmente encontram-se sinais de asfixia, como congestão polivisceral, mais
evidente no fígado – chamada por Étienne Martin de fígado asfíxico. Ainda há presença de
equimoses de dimensões variáveis nos músculos do pescoço e do tórax, sendo explicadas tais
equimoses pelo esforço violento da vítima em tentar salvar-se ou pelas convulsões surgidas no
período final do afogamento.
• Afogados secos. Cerca de 10 a 15% dos casos de afogamento não se encontra água nos pulmõe
Vários autores apontam o espasmo da glote como o mecanismo que impede a entrada do líquido
nos pulmões. A apneia inicial seria a causa primeira capaz de estimular os quimiorrecptores
carotídeos contribuindo com o mecanismo de uma parada cardíaca de origem vagal, a qual
poderia ser igualmente facilitada quando o indivíduo entra em contato com a água. Este seria o
motivo pelo qual, em algumas necropsias, a presença de líquidos é nula ou insignificante nos
pulmões dos chamados afogamentos secos (dry drowning) ou afogamentos de pulmões secos.
Putrefação e flutuação dos afogados
O cadáver retirado da água sofre, com o ar atmosférico, uma aceleração do fenômeno putrefativo.
Isto se deve também à posição do corpo submerso com a cabeça mais baixa que os pés. Essa posição
contribui para uma congestão acentuada do segmento cefálico, iniciando a putrefação com o
aparecimento da mancha verde na face ou nas proximidades da região esternal.
Em uma primeira fase, em virtude de a densidade do corpo ser sempre maior que a do líquido de
submersão (1,035 a 1,110), a tendência do cadáver é ir para o fundo, contribuindo, ainda, a maior ou
menor quantidade de líquido ingerida. Em uma segunda fase, com o aparecimento dos gases da
putrefação, o cadáver flutuará, pois verificam-se o aumento do volume do corpo, a permanência
relativa do peso e a consequente diminuição da sua densidade. Em geral, flutua com 24 h após a
morte ou até 5 dias, a não ser que algo estranho possa ocorrer, como a destruição rápida das partes
moles por animais da fauna aquática, ou que o cadáver fique preso no fundo da água. No mar, ele
flutua mais cedo, em virtude do maior peso específico da água salgada, que é em torno de 1,027.
Em uma terceira fase, com a ruptura dos tecidos moles e o esvaziamento dos gases, a densidade
do corpo volta a prevalecer sobre a da água e verifica-se a segunda imersão. Finalmente, em uma
quarta fase, muito mais adiante, com a evolução para a adipocera, diminuindo o peso específico do
corpo, o cadáver voltará à superfície, ocorrendo a segunda flutuação.
Diagnóstico de certeza do afogamento
Há três eventualidades no afogamento que se tornam, muitas vezes, importantes em um estudo
médico-legal: se a morte foi verdadeiramente por afogamento típico, se foi natural ou violenta,
estando o indivíduo dentro da água ou se o cadáver foi colocado no meio líquido para simular um
afogamento. Por isso, o diagnóstico não pode ser feito apenas através do exame externo do cadáver.
Quando a morte verificou-se há pouco tempo da perícia e não há sinais de putrefação avançada, o
verdadeiro diagnóstico não se constitui em uma tarefa mais complicada, pois todos os sinais de
afogamento ou de outra morte natural ou violenta estão presentes e facilmente reconhecidos.
Causas jurídicas de morte no afogamento
Em muitas oportunidades, a tarefa de determinar se o afogamento foi causado por homicídio,
suicídio ou acidente passa a ser o mais importante. Essa é uma questão, todavia, que nem sempre
pode ser respondida pelos legistas e sim pela perícia criminal.
O homicídio por afogamento no adulto, mesmo sendo pouco frequente, não pode ser descartado,
devendo-se levar sempre em conta o conjunto das lesões de características vitais não específicas do
afogamento, e que possa ser produzido antes e durante a queda na água, ao chocar-se com o líquido
ou durante o próprio afogamento. As lesões produzidas post mortem, nesse particular, têm interesse
relativo.
Cronologia do afogamento
É muito importante também saber-se o tempo de permanência do cadáver dentro da água e sua
transformação após a morte, mesmo tendo-se em conta sua complexidade. Pesa muito a temperatura
da água. Isso é feito, analisando-se o estado de maceração e do estágio da putrefação cadavérica,
levando-se em conta que nos afogados esses processos são sempre mais rápidos. Deve-se ter em
mente, ainda, que a cabeça, o pescoço e o tórax serão as partes do corpo que inicialmente sofrem a
ação da transformação putrefativa, nas mesmas modalidades já conhecidas. Com aproximadamente 1
mês após a morte, o cadáver começa a apresentar a pele pardacenta ou amarelada, apergaminhada,
rugosa e friável. Em torno do terceiro mês, podem ser encontradas sobre a pele pequenas crostas
arredondadas de sais calcários.
Local do afogamento
Essa é outra questão importante no estudo dos afogados, pois nem sempre o local de onde é
retirado o cadáver corresponde ao lugar onde se verificou o afogamento. Isso, é claro, depende muito
da marcha putrefativa do cadáver, da temperatura da água e das correntes aquáticas, superficiais ou
profundas.
Para chegar-se a tal diagnóstico, é necessário o estudo geológico e do plâncton por levantamento
microscópico ou através de cultura, nos diversos locais ou etapas de um lago ou de um rio, por
exemplo, onde esse geófito ou zooplâncton pode ser comparado com aquele retirado das vias
respiratórias do afogado. Há locais onde os rios têm muita importância na vida das pessoas, e já
estão mapeados no que diz respeito ao plâncton e à sua composição geológica.
Enforcamento
O enforcamento é uma modalidade de asfixia mecânica que se caracteriza pela interrupção do ar
atmosférico até as vias respiratórias, em decorrência da constrição do pescoço por um laço fixo,
agindo o peso do próprio corpo da vítima como força ativa.
É mais comum nos suicídios, podendo, no entanto, ter como etiologia o acidente, o homicídio e a
execução judicial.
Modo de execução
Há certas formas de enforcamento, como no suicídio e no suplício, que seguem uma orientação
mais ou menos determinada, devendo-se considerar: a natureza e disposição do laço, o ponto de
inserção superior e o ponto de suspensão do corpo.
O laço que aperta o pescoço pode ser de várias naturezas: cordas, cintos, fios de arame, lençóis,
punhos de rede, gravatas, correntes, arames, cortinas e até ramos de árvores. Sua consistência varia
entre os chamados duros, moles e semirrígidos. Lençóis, cortinas e gravatas formam os laços moles;
cordões, cordas, fios de arame, os duros (Figura 4.77 A); e cintos de couro, os semirrígidos.
Sua disposição é sempre em torno do pescoço, sendo mais comum com uma única volta, embora
possa haver várias voltas (Figura 4.77 B).
O nó pode faltar, tomando a forma de alças. Poderá ser corrediço, ou simplesmente fixo. Sua
situação é sempre posterior ou lateral e, muito raramente, na porção anterior do pescoço.
Qualquer ponto de apoio serve como local para prender o laço, desde os caibros de telhados,
ramos de árvores, armadores de rede até trincos de portas.
Chama-se de suspensão típica ou completa aquela em que o corpo fica totalmente sem tocar em
qualquer ponto de apoio: e suspensão atípica ou incompleta, se é apoiado pelos pés, joelhos ou
outra parte qualquer do corpo.
Antigamente, não se admitia o enforcamento por suspensão incompleta; somente após o suicídio
do Príncipe Condé, passou-se a aceitar tal possibilidade. Esta forma de enforcamento não é tão rara
quanto se imagina.
Figura 4.77 A. Laço duro. (Arquivo do Prof. Penna Lima.) B. Enforcamento por laço
duplo. Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte.
Evolução
A morte por enforcamento pode surgir rápida ou tardiamente, dependendo se as lesões foram
locais ou a distância.
Na evolução do enforcamento, estudaremos os seguintes fenômenos:
Fenômenos apresentados durante o enforcamento. De acordo com experiências em
animais ou relatos de sobreviventes, desenvolve-se o enforcamento em três períodos:
• primeiro período: começa quando o corpo, abandonado e sob a ação do seu próprio peso, lev
pela constrição do pescoço, à sensação de calor, zumbidos, sensações luminosas na vista e perda
da consciência produzidos pela interrupção da circulação cerebral
• segundo período: caracteriza-se pelas convulsões e excitação do corpo provenientes dos
fenômenos respiratórios, pela impossibilidade de entrada e saída de ar, diminuindo o oxigênio
(hipoxemia) e aumentando o gás carbônico (hipercapnia). Associa-se a esses fenômenos a
pressão do feixe vasculonervoso do pescoço, comprimindo o nervo vago
• terceiro período: surgem os sinais de morte aparente, até o aparecimento da morte real, com
cessação da respiração e da circulação.
Fenômenos da sobrevivência. Há alguns que, ao serem retirados ainda com vida,
morrem depois sem voltar à consciência devido ao grande sofrimento cerebral pela anoxia.
Existem outros casos que, mesmo recobrando a consciência, tornam-se fatais algum tempo
depois.
Finalmente, há os que sobrevivem acompanhados de uma ou de outra desordem. Essas
manifestações podem ser locais ou gerais:
• locais: o sulco, tumefeito e violáceo, escoriando ou lesando profundamente a pele. Dor, afasia
disfagia relativas à compressão dos órgãos cervicais e congestão dos pulmões
• gerais: são referentes aos fenômenos asfíxicos e circulatórios, levando, às vezes, ao coma,
amnésia, perturbações psíquicas ligadas à confusão mental e à depressão; paralisia da bexiga, do
reto e da uretra.
Tempo necessário para a morte no enforcamento. Varia de acordo com certos
aspectos pessoais e circunstanciais. A morte poderá ser rápida, por inibição, ou demorar cerca de 5
a 10 min, conforme observações em enforcamentos judiciais.
Lesões anatomopatológicas
Na morte por enforcamento, a ação do laço sobre o pescoço nos permite estudar: aspecto do
cadáver, sinais externos, sinais internos, mecanismo da morte por enforcamento e casos atípicos.
Aspecto do cadáver. A posição da cabeça sempre se mostra voltada para o lado
contrário do nó, fletida para diante, com o mento tocando no tórax.
A face pode apresentar-se branca ou arroxeada (variando com o grau de compressão vascular), e
as equimoses palpebrais e conjuntivais são raras. Assinala-se a presença de líquido ou espuma
sanguinolenta pela boca e narinas. A língua é cianótica e sempre está projetada além das arcadas
dentárias. Olhos protrusos e pavilhão auricular violáceo, surgindo ocasionalmente otorragia.
No enforcamento completo, os membros inferiores estão suspensos e os superiores, colados ao
corpo, com os punhos cerrados mais ou menos fortemente. Na forma incompleta, os membros
assumem posições as mais variadas.
A rigidez cadavérica é mais tardia no enforcamento. As manchas de hipóstase se apresentam na
metade inferior do corpo com maior intensidade nas extremidades dos membros superiores e
inferiores, em forma de luva, o que não se configura como sinal de enforcamento, mas que o corpo ter
ficou suspenso por um tempo para fixar essas manchas. Podem surgir algum tempo depois as
chamadas equimoses post mortem. Devido ao tempo de suspensão e à fluidez do sangue, podem-se
observar nas áreas de manchas de hipóstase as chamadas púrpuras hipostáticas, as quais não podem
ser confundidas com petéquias hemorrágicas. Tourdes fez referências sobre os cadáveres que
demoram suspensos no enforcamento, afirmando que a metade inferior do corpo marcha para uma
putrefação úmida, e a metade superior para uma putrefação seca.
Sinais externos. A sua maior importância está no sulco do pescoço, de capital valor no
diagnóstico do enforcamento (Figura 4.78 A e B).
Estão presentes em todos os casos, a não ser excepcionalmente, como nas suspensões de curta
duração, nos laços excessivamente moles ou quando é introduzido, entre o laço e o pescoço, um
corpo mole.
Quando o enforcamento é produzido por mais de um laço, observa-se mais comumente no
pescoço mais de um sulco. Os laços finos se juntam apresentando-se como se fosse apenas um e
deixam a marca de um único sulco, cujo leito mostra aqui e ali o trançado ou a disposição do seu
conjunto de fios. Todavia, quando os laços são de maior volume e principalmente mais duros, o que
se verifica é a presença de mais de um sulco, sendo que aquele laço que toma a posição mais alta no
pescoço será o que deixará marcado o sulco com mais intensidade. O outro laço ou os demais
funcionam sem maior intensidade e a tendência é produzir sulcos de pouca intensidade e de menor
profundidade. Assim, o sulco principal situa-se na posição superior do pescoço deslizando-se até o
ponto de apoio com a mandíbula, dirigindo-se no sentido do nó, obliquamente, de baixo para cima e
de frente para trás. O(s) outro(s) fica(m) mais abaixo, é(são) de menor intensidade, não apresentando
maior profundidade ou intensidade porque é(são) produzido(s) pelo chamado “laço fraco”.
Figura 4.78 A. Sulco típico (enforcamento). B. Duplo sulco (enforcamento). A figura
B encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte.
Pode acontecer que o sulco seja contínuo, como nos casos dos laços apertados, e, em outras
vezes, interrompendo-se na parte mais superior das proximidades do nó.
A consistência do leito do sulco é mole, e de cor branca, nos produzidos por laços moles; e dura,
apergaminhada e de tonalidade amarelada e depois pardo-escura (linha argêntica), resultante da
desidratação da pele escoriada nos fenômenos post mortem, nos produzidos por laços duros.
Tanto mais delgado o laço, mais profundo o sulco, levando-se em consideração, ainda, o tempo
de permanência do corpo sob a ação do seu próprio peso. A largura do sulco também varia em
função do laço. A permanência do sulco é proporcional à consistência do laço, podendo desaparecer
em um segundo exame, caso se trate de um laço mole.
Sinais encontrados nos sulcos de enforcados:
• sinal de Ponsold: livores cadavéricos, em placas, por cima e por baixo das bordas do sulco
• sinal de Thoinot: zona violácea ao nível das bordas do sulco
• sinal de Azevedo-Neves: livores punctiformes por cima e por baixo das bordas do sulco
• sinal de Neyding: infiltrações hemorrágicas punctiformes no fundo do sulco
• sinal de Ambroise Paré: pele enrugada e escoriada no fundo do sulco
• sinal de Lesser: vesículas sanguinolentas no fundo do sulco
• sinal de Bonnet: marcas de trama do laço
• sinal de Schulz: borda superior do sulco saliente e violácea.
Podemos estabelecer algumas distinções entre o sulco do pescoço no enforcamento e no
estrangulamento (Quadro 4.2). Também não confundir com o sulco natural do pescoço das crianças,
com os sulcos produzidos pela gravata depois do enfisema putrefativo, com os sulcos patológicos,
com o sulco dos adultos obesos e com os sulcos artificiais causados pelo laço de gravatas apertadas.
Todavia, nem sempre é fácil estabelecer uma precisa diferença quando se sabe que tais
dificuldades decorrem da razoável semelhança do quadro lesional macroscópico observado no
enforcamento e no estrangulamento, cujas características por vezes estão pouco definidas quanto a
sua etiopatogenia e sua vitalidade. Mesmo assim, de acordo com o mecanismo lesional, podem ser
evidenciadas lesões externas e internas com características próprias, particularmente do ponto de
vista histopatológico, suscetíveis de fundamentarem um diagnóstico diferencial. Quanto ao
diagnóstico da vitalidade, pode ser observada através dos mediadores da resposta inflamatória
(catepsina D, serotonina, ferro, zinco, cobre e proteínas de libertação endotelial), cujas alterações
são capazes de fundamentar um diagnóstico de vitalidade nestas duas formas de constrição do
pescoço.
Sinais internos. São em grande número, podendo ser divididos em sinais locais e a
distância.
Quadro 4.2 Características diferenciais do sulco (Bonnet).
Enforcamento
Estrangulamento
Oblíquo ascendente
Horizontal
Variável segundo a zona do pescoço
Uniforme em toda a periferia do pescoço
Interrompido ao nível do nó
Contínuo
Em geral, único
Frequentemente múltiplo
Por cima da cartilagem tireóidea
Por baixo da cartilagem tireóidea
Quase sempre apergaminhado
Excepcionalmente apergaminhado
De profundidade desigual
De profundidade uniforme
Sinais locais
• lesões da parte profunda da pele e da tela subcutânea do pescoço: caracterizadas por sufusõ
hemorrágicas da parte profunda da pele e da tela subcutânea. Podendo surgir, ainda, rupturas e
infiltrações sanguíneas do tecido muscular (sinal de Martin) e equimoses retrofaríngeas. No
enforcamento, essas alterações são mais constantes e mais intensas no lado contrário ao nó
• lesões dos vasos: incidem sobre as artérias e, excepcionalmente, nas veias. Amussat
descreveu um sinal, que tem o seu nome, constituído da secção transversal da túnica íntima da
artéria carótida comum nas proximidades de sua bifurcação (Figura 4.79). Essas rupturas podem
ser únicas ou múltiplas, superficiais ou profundas, visíveis a olho nu ou não. São mais
encontradas nos enforcamentos por laços finos e duros, ocupando uma maior ou menor parte da
circunferência do vaso. O referido sinal é mais encontrado na artéria do lado oposto do nó. O
desgarramento da túnica externa é conhecido pela denominação de sinal de Étienne Martin. E,
finalmente, há a sufusão hemorrágica da túnica externa da carótida comum – sinal de Friedberg
(Figura 4.80). Esses sinais são mais evidentes, nos casos de enforcamento, no lado onde o laço
sustenta o corpo, ou seja, no lado oposto ao do nó. E, quando aqueles sinais são vistos em ambos
os lados, as lesões são mais pronunciadas e mais baixas no lado contrário ao do nó.
Há outras lesões vasculares mais raras, como: a ruptura da túnica externa da artéria carótida
interna ou externa (sinal de Lesser) e a solução de continuidade da túnica interna das veias jugulares
(sinal de Ziemke)
• lesões do aparelho laríngeo: fraturas das cartilagens tireóidea e cricóidea, e fratura do osso
hioide
• lesões da coluna vertebral: nos casos de enforcamento com queda brusca do corpo, podem
surgir fraturas ou luxações de vértebras cervicais, como acontece em alguns dos enforcamentos
por suplício.
Sinais dos planos profundos do pescoço (apud Bonnet). Os sinais mais comumente
descritos na literatura médico-legal sobre enforcamento são:
• musculares: infiltração hemorrágica dos músculos cervicais (sinal de Hoffmann-Haberda) e
ruptura transversal, e hemorragia do músculo tiro-hióideo (sinal de Lesser)
Figura 4.79 Sinal de Amussat. (Arquivo do Dr. Carlos Henrique S. Durão.) Esta figura
encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte.
• cartilagens e ossos: hioide – fratura do corpo (sinal de Morgagni-Valsalva-Orfila-Röemmer
tireoide – fratura das apófises superiores (sinal de Hoffmann); fratura do corpo (sinal de
Helwig); e cricoide – fratura do corpo (sinal de Morgagni-Valsalva-Deprez)
• ligamentos: rupturas dos ligamentos cricóideo e tireóideo (sinal de Bonnet)
• vasculares: carótida comum – ruptura da túnica íntima em sentido transversal abaixo da
bifurcação (sinal de Amussat-Divergie-Hoffmann); infiltração hemorrágica da túnica adventícia
(sinal de Friedberg); carótidas internas e externas – ruptura das túnicas adventícias (sinal de
Lesser); jugulares interna e externa – ruptura da túnica interna (sinal de Ziemke)
• neurológicos: ruptura da bainha mielínica do nervo pneumogástrico ou vago (sinal de Dotto –
Figura 4.81)
Figura 4.80 Sinal de Friedberg. (Arquivo do Dr. Carlos Henrique S. Durão.) Esta
figura encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte.
Figura 4.81 Sinal de Dotto. (Arquivo do Dr. Carlos Henrique S. Durão.) Esta figura
encontra-se reproduzida, em cores, no Encarte.
• vertebrais: fratura da apófise odontoide do áxis (sinal de Morgagni); fratura do corpo de C1
C2 (sinal de Morgagni); luxação da segunda vértebra cervical (sinal de Ambroise Paré)
• faríngeos: equimoses retrofaríngeas (sinal de Brouardel-Vibert-Descoust)
• laríngeos: ruptura das cordas vocais (sinal de Bonnet).
Sinais a distância. São aqueles encontrados nas asfixias em geral, como congestão
polivisceral, sangue fluido e escuro, pulmões distendidos, equimoses viscerais e espuma
sanguinolenta na traqueia e nos brônquios.
Pellisier, Leclerq e Cordonnier apresentam, como características histológicas nos pulmões,
intensa congestão dos vasos interalveolares, congestão capilar e transudação alveolar.
Berg, em 1952, encontrou como sinal importante a determinação das fosfatases, que, no
enforcado, estaria em torno de 77,1 mg e que, em outras causas não asfíxicas, seria em média de 12,1
mg.
Simon descreve um sinal caracterizado por infiltração hemorrágica ao nível dos discos
intervertebrais, com mais frequência na região lombar, inclusive servindo de diagnóstico de reação
vital nesta forma de asfixia.
Mecanismo da morte por enforcamento. Pela variação sintomática do
enforcamento, acredita-se nas possibilidades variáveis do mecanismo de morte. Hoffmann
fundamenta a morte por enforcamento em três princípios:
• morte por asfixia mecânica: naturalmente, é-se levado a pensar que a ação do laço no pescoç
interrompe a passagem do ar respirável até os pulmões.
Porém, existem certos argumentos que fogem a esse princípio: 1o – nem sempre se encontram,
nos cadáveres dos enforcados, as lesões típicas de asfixias; 2o – a constrição do laço não se
manifesta exatamente sobre a traqueia e a laringe, e sim muito mais acima; 3o – certas
observações experimentais demonstram que mesmo os animais traqueotomizados e, por
conseguinte, com passagem livre do ar morrem invariavelmente por enforcamento. Então, somos
obrigados a pensar que, se o indivíduo morre por asfixia mecânica no enforcamento, não é
precisamente por constrição da laringe e da traqueia, e sim por outro mecanismo de asfixia,
como a obstrução das vias respiratórias, pelo rechaçamento da base da língua para cima e para
trás, por ação do próprio laço sobre a parede posterior da laringe
• morte por obstrução da circulação: a interrupção da circulação venosa pela constrição do laç
no pescoço contribui apenas, para alguns autores, no fenômeno da congestão da face. Mais
importante é, sem dúvida, a obstrução da passagem do sangue arterial pelas carótidas,
acarretando perturbações cerebrais pela anoxia. Experimentalmente, sabe-se que a pressão capaz
de obter a obliteração dos vasos é em torno de 2 kg para as veias jugulares, de 5 kg para as
artérias carótidas comuns e de 25 kg para as artérias vertebrais
• morte por inibição devido à compressão dos elementos nervosos do pescoço: o laço exerce
pressão sobre o feixe vasculonervoso do pescoço, principalmente no nervo vago. Isso se
demonstra basicamente nos casos de sobrevivência nos quais se manifestam sinais laríngeos ou
manifestações cardíacas e respiratórias observadas pela compressão daquele nervo ou dos seios
carotídeos.
Casos atípicos. Um dos casos atípicos neste estudo é a chamada asfixia autoerótica
também denominada de hipoxifilia, cuja finalidade é se alcançar a excitação sexual pela privação da
oxigenação, sendo na maioria das vezes promovida pelo enforcamento, e, mais raramente, pelo
estrangulamento ou pelo uso de bolsas de plástico sobre a cabeça. Alguns desses casos o indivíduo
pode perder o controle e ocorrer a morte.
Estrangulamento
No estrangulamento, a morte se dá principalmente pela constrição do pescoço por um laço
acionado por uma força estranha, obstruindo a passagem de ar aos pulmões, interrompendo a
circulação do sangue ao encéfalo e comprimindo os nervos do pescoço. Nesse tipo de morte, ao
contrário do enforcamento, o corpo da vítima atua passivamente e a força constrictiva do laço age de
forma ativa.
O acidente e o suicídio nesta modalidade são mais raros. No suicídio é sempre por “torniquetes”
ou outro artifício que mantenha a pressão do laço, pois o indivíduo perde a consciência. Mais comum
é o estrangulamento-homicídio, principalmente quando a vítima é inferior em forças ou é tomada de
surpresa. Constitui uma forma, não muito rara, de infanticídio. Há também o estrangulamentosuplício, utilizado pelo carrasco, nas sentenças por “garrote”.
Na Índia, existia uma seita religiosa, conhecida como Thugus, que sacrificava os viajantes pelo
estrangulamento de surpresa, poupando mulheres, artistas, músicos e poetas.
Modos de execução
O estrangulamento é sempre executado com o auxílio de um laço, que pode ser mole (lenço,
gravata), semiduro (cinto, corda) ou duro (arame, fio elétrico). Ele é acionado em redor do pescoço,
em forma de alça, e movido pela força muscular do autor, cuja constrição é em sentido transversal e
alcança toda a circunferência do pescoço.
Todavia, há formas atípicas de estrangulamento, como no chamado “golpe do pai Francisco”, em
que o laço passa pela parte anterior do pescoço da vítima, sendo ela puxada às costas do agressor.
Ou, ainda, em situações em que o laço também passa pela parte anterior do pescoço e a vítima é
atraída à força contra grades ou é arrastada, por exemplo. Nestes casos o sulco é oblíquo,
descontinuo e supra-hióideo. Este é o chamado estrangulamento atípico por alça de “laço aberto”.
Sintomatologia
No estrangulamento, os sintomas são variados conforme a sua maneira: lenta, violenta ou
contínua.
Normalmente, o estrangulamento passa pelos seguintes períodos: resistência, perda da
consciência e convulsões, asfixia e morte aparente. Depois, surge a morte real.
Sinais
Estudaremos os sinais externos e os sinais internos.
• Sinais externos:
ο aspecto da face e do pescoço: a face no estrangulamento geralmente se mostra tumefeita e
violácea devido à obstrução quase sempre completa da circulação venosa e arterial; os
lábios e as orelhas arroxeados, podendo surgir espuma rósea ou sanguinolenta das narinas e
boca. A língua se projeta além das arcadas dentárias e é extremamente escura. Dos meatos
acústicos externos, poderá fluir sangue. Equimoses de pequenas dimensões na face, nas
conjuntivas, pescoço e face anterior do tórax
ο sulco: quanto mais consistente e duro for o laço, mais constante é o sulco. Pode ser único,
duplo ou múltiplo. A direção é diferente do enforcamento, pois se apresenta em sentido
horizontal, podendo, no entanto, ser ascendente, como nos casos de homicídio, em que o
agente puxa o laço para trás e para cima. Sua profundidade é uniforme e não há
descontinuidade, podendo verificar-se a superposição do sulco onde a parte do laço se cruza.
São menos pronunciados no suicídio. As bordas do sulco são cianóticas e elevadas, e o leito
é deprimido e apergaminhado. Geralmente o sulco está situado por baixo da cartilagem
tireóidea (Figura 4.82). Não é raro se encontrarem nas proximidades do sulco do
estrangulamento rastros ou estrias ungueais. Pode ser notado o sinal de Lesser (vesículas
sanguinolentas no fundo do sulco)
Figura 4.82 Sulco de estrangulamento. Esta figura encontra-se reproduzida, em
cores, no Encarte.
• Sinais internos:
ο lesões nos planos profundos do pescoço:
■ infiltração hemorrágica dos tecidos moles do pescoço – a tela subcutânea e a
musculatura subjacente ao sulco apresentam-se infiltradas por sangue. Essas lesões,
quando se trata de estrangulamento, pelo fato de o laço imprimir força de mesma
intensidade em torno do pescoço e agir em sentido horizontal, apresentam a mesma
intensidade, distribuição e altura em todo o perímetro nos planos internos do pescoço.
■ lesões da laringe – podem acarretar lesões nas cartilagens tireóidea e cricóidea e no
osso hioide. Raros no suicídio.
■ lesões das artérias carótidas – manifestadas macroscopicamente quase sempre em
ambos os lados, na túnica íntima, pelo sinal de Amussat (rupturas transversais) e, na
túnica adventícia, pelos sinais de Friedberg (infiltração hemorrágica) e de Étienne
Martin (ruptura transversal). Pelas mesmas razões alegadas para os tecidos moles do
pescoço, essas lesões arteriais têm, em quase todas as vezes, a mesma intensidade e se
colocam em uma mesma altura
ο lesões a distância: estão representadas pelos sinais clássicos de asfixia vistos no estudo
geral sobre o tema.
Fisiopatologia
Na morte por estrangulamento, três são os fatores que interferem:
• asfixia: resulta da interrupção da passagem do ar atmosférico até os pulmões pela constrição d
pescoço comprimindo a laringe. Na morte por estrangulamento, a asfixia é mais decisiva que no
enforcamento, principalmente devido à posição do laço. Experiências demonstram que a traqueia
se oblitera com uma pressão de 25 kg
• compressão dos vasos do pescoço: compromete mais intensamente as veias jugulares que
artérias carótidas, e estas menos que as artérias vertebrais, fazendo com que o sangue do
segmento cefálico fique bloqueado
• compressão dos nervos do pescoço: tem influência mais decisiva na morte por estrangulament
cujo mecanismo mais bem explicado é a inibição.
Histodiagnóstico panorâmico do pescoço
O diagnóstico de morte por estrangulamento ou por enforcamento tem permanecido no plano
macroscópico da necropsia através dos sinais gerais de asfixias e, em particular, do estudo do
pescoço. Daí a dificuldade de estabelecer com precisão pontos característicos diferenciais entre
estas duas espécies de asfixia mecânica.
As primeiras referências de estudos histológicos sobre o sulco do pescoço produzido por
enforcamento ou estrangulamento são de Neyding, em 1870, quando verificou pequenas hemorragias
e extravasamento sanguíneo ao nível daquela lesão, considerados de grande valor no diagnóstico
diferencial entre os produzidos em vida ou depois da morte.
Bonnet e Pedace, na Argentina, em 1969, fizeram uma revisão total sobre o assunto a partir de
experiências, chegando a várias conclusões, estudando especificamente os diversos planos tissulares
do pescoço, não apenas referentes ao sulco, senão também de sua vizinhança imediata, chegando no
final a caracterizar pontos significativos na distinção entre enforcamento e estrangulamento.
1. Epiderme
Os sulcos produzidos por laços finos e duros mostram:
• bordas do sulco cortadas a pique e o plano epidérmico infiltrado por uma camada de sangue
recente
• leito do sulco com restos de hemácias, detritos, pelos e uma substância grumosa parecida com
plasma
• perda da arquitetura normal por separação e dilaceração das diferentes camadas que se
estendem na profundidade até a derme.
Os sulcos resultantes de laços grossos e moles apresentam:
• camada epidérmica da parte média do sulco dilacerada e achatada
• ruptura das camadas pavimentosas com células espinhosas e basais “prensadas”
• desvio e deformidade das papilas epidérmicas.
2. Derme
• bordas do sulco cortadas a pique e o plano dérmico recoberto de uma camada de sangue recen
• ruptura e retração das fibras elásticas
• ruptura e retração das fibras conjuntivas
• extravasamento sanguíneo zonal.
3. Tela subcutânea
• ruptura, deformação e achatamento das células adiposas
• na constrição mais acentuada, extravasamento de gordura ao nível do sulco
• muitas células rotas comunicando-se entre si.
4. Camada muscular
• fibras musculares deformadas, achatadas e rechaçadas ao nível do fundo do sulco
• discreta hemorragia recente e pigmentação hemossiderínica das miofibrilas e dos miofascículo
assim como dos seus septos divisores
• figuras em “fuso” por estiramento e alargamento das fibras musculares com protoplasma
densificado e o núcleo deformado por alargamento.
5 . Artéria carótida comum. É a peça importante da histopatologia panorâmica do pescoço.
Apresenta:
• deformação de sua circunferência por achatamento
• luz arterial sem sangue
• ruptura da túnica íntima e média
• despregamento e levantamento do endotélio
• destacamento e “desfibrilação” da camada elástica interna subendotelial
• impregnação do tecido hemático hemossiderínico periadventicial.
6. Veias jugulares interna e externa
• achatamento e diminuição da luz do vaso
• impregnação de tecido hemático hemossiderínico periadventicial.
7. Nervo vago
• hemorragia periférica do epineuro
• infiltração hemática constituída por hemácias mais ou menos abundantes nos septos e interstíci
• ruptura do epineuro ou dos seus septos nos casos mais violentos.
8. Linfonodos
• raramente mostram-se deformados
• as características ou processos patológicos preexistentes não sofrem modificações pela ação
constritiva e podem ser observados perfeitamente
• aparecem envolvidos e infiltrados por sangue recente cujas hemácias estão conservadas.
Bonnet e Pedace, em suas conclusões, consideram o método, por eles chamado de
histodiagnóstico panorâmico do pescoço, de grande utilidade no diagnóstico de estrangulamento ou
enforcamento, sendo os sinais mais importantes encontrados ao nível do feixe vasculonervoso do
pescoço, principalmente na artéria carótida comum, em virtude da ruptura, achatamento e
deformidade de suas túnicas. E asseguram que, mesmo não existindo sinais macroscópicos de
Amussat e Friedberg, sempre se poderá comprovar histologicamente a presença das lesões.
Estrangulamento antibraquial
A experiência demonstra que, embora em situações não tão raras, é possível o estrangulamento
através da constrição do pescoço pela ação do braço e do antebraço sobre a laringe, conhecida como
“golpe de gravata”.
Sob o ponto de vista médico-legal, além do diagnóstico de morte por estrangulamento, é muito
importante que se teçam considerações fundamentadas no sentido de se estabelecer com critérios
bem definidos a causa jurídica de morte: se por homicídio ou acidente.
Em geral, a morte se dá por oclusão das vias respiratórias ou da obstrução da circulação das
carótidas, por ação da prega do cotovelo sobre a face lateral do pescoço. A morte pode ser também
por inibição (reflexo laríngeo-pneumogástrico), síndrome conhecida por “estrangulamento branco
de Claude Bernard-Lacassagne”, em que, por vezes, pressões menos significativas do pescoço
podem resultar em parada cardíaca e em que não se encontram os sinais clássicos de asfixia.
Em tais ocorrências, o difícil é precisar o diagnóstico, pois os sinais encontrados não são tão
evidentes quanto os deixados pelo laço no estrangulamento e no enforcamento ou pelos dedos na
esganadura.
Pode ainda ocorrer a morte por estrangulamento onde se usa a pressão de um objeto duro, como
cassetete, bastão ou outro objeto similar, sobre o pescoço, onde a perícia vai encontrar significativas
lesões externas (esquimoses e escoriações) e lesões internas (infiltração hemorrágica dos tecidos
moles e muito comumente fraturas dos anéis da traqueia e da laringe), principalmente na sua região
anterior.
Considerar com relevância todos os achados da necropsia referentes às partes moles e ósseas da
região anterior do pescoço, dando ênfase também para a ausência de alterações externas e internas da
sua região posterior.
Uma das formas mais comuns de afogamentos homicidas ocorre por meio do estrangulamento
antibraquial, utilizado para dominar a vítima, privar-lhe dos sentidos e, em seguida, afogá-la.
Mesmo que a ação criminosa se dê pela compressão do antebraço sobre a laringe (privando a
respiração) e do braço e do antebraço sobre as faces laterais do pescoço (privando da circulação
cerebral), o ato de defesa da vítima é empurrar o braço do agressor para baixo provocando
equimoses, principalmente, na parte superior do tórax.
Em tais ocorrências, nem sempre é fácil precisar o diagnóstico dessa forma de estrangulamento,
pois os sinais encontrados não são tão evidentes quanto os deixados pelo laço no estrangulamento e
no enforcamento ou pelos dedos e unhas na esganadura. As lesões do plano interno do pescoço são
mais comuns e mais intensas.
Esganadura
Esganadura é um tipo de asfixia mecânica que se verifica pela constrição do pescoço pelas mãos,
ao obstruir a passagem do ar atmosférico pelas vias respiratórias até os pulmões.
É sempre homicida, sendo impossível a forma suicida ou acidental.
Sintomatologia
Devido a própria dinâmica da esganadura, é difícil precisar o período e o tempo decorrido das
mortes desta natureza, as quais podem ocorrer por asfixia decorrente de compressão dos elementos
nervosos do pescoço. A esganadura vem sempre acompanhada de outras lesões, principalmente as
traumáticas, provenientes de outras agressões e ferimentos na região posterior da cabeça, equimoses
em redor da boca, escoriações nas mãos, nos antebraços e no tórax, todos eles decorrentes das
manobras de imobilização e, por isso, chamadas de lesões de contensão.
Sinais
Estudaremos os seguintes tipos:
1 . Sinais externos a distância. Congestão da face, congestão das conjuntivas, equimoses
punctiformes da face e do pescoço.
2. Sinais externos locais. Os mais importantes são as escoriações produzidas pelas unhas do
agressor, teoricamente de forma semilunar, apergaminhadas, de tonalidade pardo-amarelada,
conhecidas como estigmas ou marcas ungueais. Podem também ter a forma de rastros escoriativos.
Se o criminoso usou a mão direita, aparecem essas marcas em maior quantidade no lado esquerdo do
pescoço da vítima (Figura 4.83). Além delas, podem ser encontradas pequenas equimoses
arredondadas produzidas pelas polpas dos dedos.
Em alguns casos, podem surgir escoriações de várias dimensões e sentidos, devido às reações da
vítima ao defender-se. Finalmente, as marcas ungueais podem não existir se o agente conduziu a
constrição do pescoço protegido por objetos, como, por exemplo, lenços, lençóis, toalhas ou luvas.
Figura 4.83 Marcas ungueais (esganadura).
3. Sinais locais profundos. São os seguintes:
• infiltrações hemorrágicas das estruturas profundas do pescoço. São mais acentuadas e mais
constantes que no estrangulamento, apresentando-se de forma difusa ou localizada na tela
subcutânea e na musculatura da região cervical
• lesões do aparelho laríngeo por fraturas de cartilagens tireóidea e cricóidea e dos ossos
estiloide e hioide, mais frequentes que no estrangulamento e no enforcamento. Muito raramente
encontrar-se-á fratura de cartilagens da traqueia. Em casos de fraturas daqueles ossos,
principalmente quando tais hipóteses são levantadas em necropsias pós-exumáticas tardias (fase
de esqueletização), é imperativo que se pesquisem sinais indicativos de reação vital nas linhas
de fratura desses ossos, através de exame histológico convencional ou exame microscópico
eletrônico de varredura. Nas situações de fraturas antes da morte, confirma-se pela presença de
sinais vitais, traduzidos pela existência de sangue (hemácias) na área lesada (Figuras 4.84 e 4.85
A e B)
• lesões dos vasos do pescoço, bem mais raras. Mesmo assim, já tivemos oportunidade de
surpreender, em alguns casos de esganadura, soluções de continuidade ou infiltrações
hemorrágicas longitudinalmente dispostas, curvilíneas ou atípicas, e de concavidade voltada para
a linha média do pescoço, na túnica íntima da artéria carótida comum, produzidas
indiscutivelmente pela pressão das unhas sobre aquele vaso e dele sobre a coluna cervical. Não
há registro do referido sinal, pelo menos especificamente, na literatura médico-legal corrente
(Figura 4.86).
4. Sinais a distância. Apresentam as mesmas características das asfixias em geral.
Fisiopatologia
Na esganadura interferem, principalmente no mecanismo de morte, a asfixia e os fenômenos
decorrentes da compressão nervosa do pescoço. A obliteração vascular é de interesse menor. Assim,
tudo indica que na asfixia mecânica do tipo esganadura o mecanismo de morte é sempre por anoxia
anóxica (falta de oxigênio no sangue que nutre o tecido cerebral), por inibição reflexa (parada do
coração por inibição devido à pressão dos seios carotidianos) e, em menor escala, por isquemia
encefálica (necrose do tecido cerebral, por falta de sangue arterial).
Figura 4.84 A. Micrografia eletrônica de varredura na linha de fratura entre o corpo e
o corno posterior direito do osso hioide, com detalhes das hemácias. B. Micrografia de
varredura da extremidade distal do corpo posterior esquerdo do osso hioide com detalhes
de hemácias. (Arquivo do Prof. Marcos Rossi, Departamento de Patologia, Faculdade de
Medicina, USP – Ribeirão Preto.)
Figura 4.85 Fraturas do osso hioide. (Arquivo da Prof. a Carmem Cinira Martin,
Departamento de Patologia, Faculdade de Medicina, USP – Ribeirão Preto.)
Figura 4.86 Rupturas da túnica íntima da carótida comum em forma de meia-lua na
esganadura (marcas de França). Esta figura encontra-se reproduzida, em cores, no
Encarte.
11. Energias de ordem bioquímica: Conceito. Perturbações alimentares. Autointoxicações.
Infecções. Castração química.
CONCEITO
As energias de ordem bioquímica são aquelas que se manifestam por ação combinada – química
e biológica, atuando lesivamente por meio negativo (carencial) ou de maneira positiva (tóxica ou
infecciosa) sobre a saúde, levando em conta ainda as condições orgânicas e de defesa de cada
indivíduo. É, portanto, diferente da ação química propriamente dita dos venenos.
Estudaremos, nessa modalidade de energia, os danos causados à vida ou à saúde pelas
perturbações alimentares, autointoxicações, infecções e castração química.
PERTURBAÇÕES ALIMENTARES
Todo interesse médico-legal, em tais circunstâncias, está principalmente na etiologia da causa
jurídica de cada evento: se voluntário, acidental, culposo ou doloso. As situações mais importantes
são as seguintes:
Inanição
É o depauperamento orgânico produzido pela redução ou pela privação de elementos
imprescindíveis ao metabolismo orgânico. Pode ter uma forma aguda ou crônica, sendo a primeira de
maior interesse médico-legal. Suas causas são sempre de caráter acidental, culposo ou criminoso.
A inanição acidental efetiva-se nos casos em que a vítima fica presa ou abandonada em locais
onde não pode alimentar-se, fatos esses surgidos, por exemplo, em uma catástrofe ou quando
extraviada ou abandonada em lugares sem recursos.
A inanição voluntária verifica-se em algumas tentativas ou consumação de suicídio em estados
depressivos ou em pacientes terminais, ou por greve de fome. Deve-se chamar a atenção para a greve
de fome, coletiva ou individual, pois tem sido, nesses últimos tempos, um recurso muito usado por
prisioneiros de delito de opinião e ativistas políticos. Nessa forma de jejum prolongado, no
deliberado propósito de protestar ou reivindicar contra um modelo injusto, ou como forma de defesa
ou de chamamento de atenção, exige-se um tratamento diferenciado pelo significado do protesto e
pela única manifestação pacífica possível e tolerada por alguns sistemas arbitrários.
As vítimas sujeitas a essa forma de inanição aguda – se há recusa total de alimentos e líquidos –
apresentam complicações de evolução muito rápida devido à desidratação intensa. Na recusa
parcial, quando aceitam bebidas nutritivas como leite ou água açucarada, ou se alimentam
clandestinamente de balas ou torrões de açúcar, a evolução é demorada.
Os sinais clínicos mais comuns são: astenia progressiva, apatia, hálito fétido, queda do estado
geral, hipotermia, queda de pressão arterial e síndrome dolorosa abdominal. Após um período de 10
a 12 dias, mesmo com hidratação, a tendência é a caquexia. A acidose com acetonúria é um sinal
muito grave.
As complicações mais sérias são a icterícia ou subicterícia acompanhada de estado febril,
oligúria decorrente da insuficiência renal, complicações cardiorrespiratórias, edemas típicos da
subnutrição, atrofia muscular, redução do volume do fígado, do baço e do coração, vacuidade do
tubo gastrintestinal, com adelgaçamento das paredes do estômago e dos intestinos. Encefalopatias
carenciais do tipo doença de Gayet-Wernicke por avitaminose B1, caracterizada clinicamente por
astenia e sonolência progressiva, surgindo depois as manifestações neurológicas, contraturas difusas
do tipo extrapiramidal, problemas oculares, como nistagmo, edema pupilar, hemorragia ao exame de
fundo de olho, crises convulsivas, alteração do curso da memória e da inteligência, torpor, confusão
e acessos oníricos. A evolução se faz para o coma e depois para a morte.
Tratando-se tardiamente o grevista de fome, este frequentemente apresentará sequelas
neurológicas e psíquicas, como a síndrome demencial ou korsakoviana.
O exame cadavérico acusa putrefação precoce, definhamento, acentuada redução da tela
subcutânea, atrofia muscular, diminuição do volume do baço e do fígado, redução da quantidade do
sangue circulante, esvaziamento dos intestinos, retração e adelgaçamento das paredes do estômago e
dos intestinos.
Histologicamente são encontradas lesões bilaterais e simétricas do assoalho do quarto ventrículo,
do contorno do conduto de Sylvius e das paredes do terceiro ventrículo, com desgaste principalmente
da substância cinzenta. As lesões são, sobretudo, vasculares: proliferação de neovasos,
vasodilatação, espessamento do endotélio e degeneração das outras túnicas, acompanhando-se de
exsudato plasmático e de micro-hemorragias no parênquima, que toma um aspecto esponjoso, e
finalmente a degeneração neuronal e uma gliose do tipo astrocitário. Isso no sistema nervoso central.
Nos rins, as manifestações encontradas na insuficiência renal aguda.
O diagnóstico de morte por inanição aguda é feito pela análise cuidadosa dos comemorativos e
pelas alterações macro- e microscópicas encontradas na necropsia e nos seus exames subsidiários.
A inanição criminosa é muito rara. A literatura médico-legal, no entanto, cita casos de
infanticídio ou abandono de recém-nascido seguidos de morte ou perturbações graves por omissão de
alimentos.
Doenças carenciais
São perturbações orgânicas decorrentes de alimentação insuficiente ou da carência de certos
elementos indispensáveis, entre os quais principalmente as vitaminas.
Essas alterações do organismo são conhecidas como hipovitaminose e avitaminose.
Sabe-se hoje que a condição orgânica animal é incapaz de, por si só, elaborar esses princípios
que, mesmo em doses infinitesimais, são necessários na economia dos órgãos.
A carência de vitaminas pode ser de origem culposa ou acidental.
Dificilmente, poderíamos encontrar alguém que privasse outro criminosamente de uma
necessidade vitamínica. Ela é mais acidental ou culposa por negligência ou omissão, por ignorância
própria ou de terceiros.
A vitamina A, ou antixeroftálmica, tem grande importância na manutenção dos epitélios e na
formação das células. Sua deficiência produz, entre outros, xeroftalmia (espessamento e perda da
transparência da conjuntiva), queratomalácia (forma avançada de espessamento da córnea), erupção
papilar dos folículos pilossebáceos (saliência dos folículos pilosos nos braços e nas pernas),
xerósis cutânea (pele seca e escamosa), cegueira noturna (visão deficiente durante o crepúsculo ou
à noite) e suscetibilidade a infecções (principalmente brônquica).
A vitamina B1, ou antiberibérica ou antineurítica, é muito importante para o organismo humano,
e sua carência resulta em alterações funcionais graves, como as perturbações neurológicas
degenerativas (polineurites), neurites com comprometimento do sistema nervoso central (beribéri),
perturbações cardíacas (insuficiência funcional do coração por comprometimento do músculo
cardíaco).
A vitamina B2 ou riboflavina funciona com uma coenzima e é muito significativa para o
desenvolvimento de todos os vertebrados. Sua ausência ou diminuição no organismo humano causa
uma perturbação conhecida como arriboflavinose (lábio inferior liso e lustroso, fissuras das
comissuras labiais conhecidas como “boqueiras”, glossite, fotofobia, placas seborreicas comumente
no sulco nasolabial e descamação das asas do nariz e da fronte), além de contribuir para o
aparecimento da pelagra e do beribéri.
A vitamina B6 ou piridoxina tem influência em muitas reações enzimáticas. Sua ausência
prolongada no organismo pode produzir dermatites graves (ulcerações da pele) e perturbações
graves do sistema nervoso central (convulsões).
A vitamina B12 ou cianocobalamina tem muita importância na produção de glóbulos vermelhos
do sangue, e sua ausência produz no homem a chamada anemia perniciosa.
A vitamina B15 ou ácido pangânico não é conhecida na sua forma estrutural. Seu uso tem sido
recomendado em anoxia hística (angina de peito, infarto do miocárdio e afecções hepáticas).
A vitamina H ou biotina ou coenzima-R atua de maneira significante na fixação de CO2, na
formação da pele e promove o crescimento de bactérias e leveduras. As pessoas que sofrem de
gastrectomia têm alteração na absorção dessa vitamina. Embora sua deficiência seja rara no homem,
ela, quando ocorre, pode produzir conjuntivite, dermatite esfoliativa, dores musculares e lassidão.
A vitamina C ou antiescorbútica, quando ausente no organismo do homem, produz uma doença
chamada escorbuto que se caracteriza por hemorragias subperiósticas notadamente nas gengivas,
perda de peso, afrouxamento do tecido conjuntivo em torno dos dentes com suas quedas consecutivas
(gengivites expulsivas), osteoporoses, fraturas espontâneas, edemas e diarreia.
A vitamina D ou antirraquítica tem muita importância no processo de crescimento dos ossos,
por sua interferência no metabolismo do fósforo e do cálcio. Sua falta nas crianças afeta
sensivelmente o crescimento, produzindo uma síndrome conhecida como raquitismo, cujos
caracteres são: encurvamento dos ossos das pernas, engrossamento condrocostal chamado rosário
raquítico, persistência prolongada das fontanelas, amolecimento dos ossos do crânio, espessamento
do pulso, tornozelo, cotovelos e joelhos, calcificação defeituosa das epífises dos ossos longos,
malformações do tórax e dentes mal implantados e de superfícies erosada e irregular.
A vitamina E ou antiestéril, mesmo não tendo ainda seu mecanismo de ação devidamente
esclarecido, tem influência muito grande sobre as gônadas e a sua ausência influencia em parte a
esterilidade.
A vitamina F, representada pela ação de vários ácidos graxos essenciais polissaturados, tem sua
ação na precaução da aterosclerose dos animais. Sua deficiência no homem é pouco conhecida.
A vitamina K ou anti-hemorrágica tem uma participação bem relevante sobre a coagulação do
sangue, em face de favorecer a formação da protrombina. Sua ausência produz defeitos na
coagulação sanguínea, pela dificuldade de a protrombina transformar-se em trombina, a fim de
converter o fibrinogênio em fibrina – a proteína que forma o coágulo.
A niacina, ácido nicotínico ou nicotinamida é representada por duas formas de coenzima: a
nicotinamida adenina dinucleotídio (NAD) e a nicotinamida adenina dinucleotídio fosfato (NADP).
São encontradas nos alimentos que contêm o fator PP (preventivo da pelagra). A pelagra, também
chamada de doença dos três d (dermatite, diarreia e demência), caracteriza-se pela presença de
perturbações digestivas (náuseas, vômitos e diarreia), glossite (língua vermelho-escarlate com as
marcas dos dentes), dermatites (pele do rosto, pescoço, braços, pernas, dorso dos pés e das mãos
ásperas e descamadas de forma bilateral e simétrica) e distúrbios mentais nervosos (demência,
confusão, perda da memória, depressão e alucinações e, por isso, as pessoas que têm essa doença
são confundidas com doentes mentais e muitas vezes internadas em hospícios).
E outros fatores, como o ácido fólico (importante na formação das hemácias), cuja deficiência no
organismo da mulher grávida produz uma forma de anemia chamada macrocítica, e nos outros
indivíduos leucopenia e hipersegmentação das hemácias; o ácido pantotênico (ação junto ao córtex
suprarrenal e ao metabolismo), e, por isso, é muito importante nos processos de suprimento de
energia, contribuindo com o desenvolvimento da função e da reprodução dos tecidos endoteliais e
epiteliais; o ácido lipoico (acelerador do crescimento celular) – todos eles da maior significação no
desenvolvimento harmônico do ser humano.
Intoxicações alimentares
A situação mais comum nessas circunstâncias é a ingestão alimentar que contém substâncias ou
microrganismos nocivos à saúde.
Aqui, tem-se de fazer a distinção com os envenenamentos. Estes são provocados por substâncias
químicas de composição definida. E a intoxicação alimentar é produzida por mecanismo de
anafilaxia quando da ingestão de alimentos deteriorados ou contaminados.
As toxi-infecções podem ser também acidentais, voluntárias e criminosas. O tipo acidental surge
por desconhecimento de quem ingere o comestível contaminado, o qual vem causar-lhe dano. Mais
comum é que a toxi-infecção se efetive por ação culposa, quando pessoas gananciosas e sem
escrúpulos põem, ao consumo público, determinados alimentos em deterioração. Raríssimamente
esta situação pode ser de forma dolosa.
As toxi-infecções alimentares mais comuns são as produzidas pelas salmonelas (salmoneloses),
cuja toxina é capaz de produzir uma sintomatologia muito grave, como diarreia, cólicas intestinais
intensas, espasmos abdominais, dor de cabeça, náuseas, vômitos e até perda da consciência; pelos
bacilos botulínicos (botulismo), encontrados em latas de alimentos em conserva e de toxina
neurotrópica, de manifestações sintomáticas gravíssimas, com vômitos, cólicas, diarreia, paralisias
oculares, estrabismo divergente, diplopia, arreflexia pupilar, midríase e até mesmo a morte. E,
finalmente, pelos estafilococos (Microccocus aureus), cuja intoxicação alimentar é sempre de forma
benigna, com vômitos raros, diarreia e cólicas intestinais.
AUTOINTOXICAÇÕES
São perturbações orgânicas originárias da transformação química e da elaboração de substâncias
perniciosas na própria constituição física do indivíduo, por deformação endógena ou eliminação
defeituosa. Por isso, são também chamadas de intoxicações endógenas.
O acontecimento mais trivial dessa ocorrência é, por exemplo, a ingestão de medicamentos
suscetíveis de levar a determinadas perturbações, como uremia em pessoas cuja função renal já era
comprometida por nefropatia crônica. Não se pode deixar de considerar, nesse caso, também, uma
concausa preexistente. Um traumatismo sobre o pescoço, com lesões na tireoide, pode levar a uma
perturbação na produção do hormônio tireoxina.
As autointoxicações podem ser de origem dolosa, culposa, acidental ou voluntária.
INFECÇÕES
São complicações mais ou menos frequentes, oriundas de perturbações orgânicas provocadas por
microrganismos patógenos e que apresentam um certo ciclo evolutivo. As infecções podem ser de
caráter local ou generalizado.
Várias são as questões médico-legais decorrentes de tais eventualidades. Em primeiro lugar, o
problema da diagnose infecciosa, a data do início da doença e como tal ocorrência verificou-se.
Também o conhecimento do tempo de incubação como mecanismo etiogênico e do tratamento
preventivo realizado, e se a ocorrência é limitada a um foco de infecção cutânea ou se o germe
rompeu a barreira de defesa local e generalizou-se, produzindo o quadro de septicemia ou pioemia,
hoje chamadas síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS).
É também muito relevante o diagnóstico específico de cada infecção, pela significação de cada
agente etiológico e da gravidade de cada caso. Muitas são as situações da infecção específica:
carbúnculo, tétano, raiva, gangrena gasosa, raiva, tuberculose pulmonar ou extrapulmonar,
hanseníase, entre outros.
Outro aspecto importante considerado pela perícia é a causa jurídica: se acidental, culposa ou
dolosa à infecção examinada. Geralmente ela é acidental, por falta de cuidados. O contágio
voluntário é muito raro, exceto nas autoexperiências científicas. Muitas das infecções são frutos de
imprudência ou negligência, como as originadas no contágio das chamadas doenças sexuais
transmissíveis, acrescidas agora da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS ou SIDA),
motivada pelo vírus HTLV-III ou LAV, que compromete os linfócitos como elementos da defesa
imunológica, deixando o indivíduo sujeito às mais diversas formas de infecções oportunistas.
A infecção por ação dolosa dá-se quando o portador tem o ânimo de contaminar outrem, e isso a
lei penal rotulou como crime de perigo, entre os delitos de contágio de moléstia grave. Pune também
a lei aqueles que propagam germes causadores de epidemia ou aqueles que infringem determinações
do Poder Público, destinadas a impedir introdução ou propagação de contágio.
Finalmente, sancionou a lei substantiva penal a omissão do médico em notificar a existência de
doenças infecciosas à autoridade sanitária competente, desde que o paciente esteja sob sua
orientação profissional.
CASTRAÇÃO QUÍMICA
Neste capítulo, pode-se introduzir a questão da chamada castração química, que consiste em uma
forma temporária de inibição do desejo sexual por meio da aplicação de medicamentos,
principalmente à base de hormônios femininos. Isso seria feito como pena ou medida de segurança
com os autores de crimes contra dignidade sexual, principalmente nos casos de pedofilia, a exemplo
do que se vem utilizando em alguns países como os EUA e o Canadá e agora em fase de implantação
na França e na Espanha. Tenta-se, assim, institucionalizar mais essa forma de violência, agora sob o
eufemismo de “tratamento hormonal de inibição da libido”, ainda que se tenha a duvidosa
“autorização” do infrator.
Não têm faltado entre nós ideias de modificação do artigo 213 do Código Penal incluindo entre
as modalidades de pena “a castração através de recursos químicos”, com as quais alguns
legisladores querem substituir ou complementar as penas restritivas da liberdade ou a redução da
condenação para quem aceitar a aplicação de tal medida.
Um dos muitos projetos que tramitam no Senado Federal daria ao pedófilo de primeira
condenação, quando beneficiado pela liberdade condicional, a condição de optar por essa forma de
tratamento hormonal antes de deixar a prisão, sem prejuízo da pena aplicada. A partir da segunda
condenação, quando beneficiado pela liberdade condicional, tal infrator seria obrigado a submeterse à castração química. Não há nenhuma dúvida de que isso representa um gesto atentatório à
condição humana, um vilipêndio aos direitos de cidadania e uma preconceituosa e discriminatória
medida, transformando alguém, sentenciado ou não, em um cidadão de terceira ou quarta classe, além
do que representaria uma fragorosa violência às principais Convenções Internacionais que
disciplinam a proteção dos direitos humanos e da dignidade da pessoa, nas quais o Brasil é
signatário.
O fato de alguém ser apenado ou recluso sob a tutela judicial – qualquer que tenha sido sua
infração ou qualquer que seja o tamanho da revolta de alguém –, não autoriza quem quer que seja a
usar de meios degradantes, desumanos ou cruéis, ou ser conivente com tais práticas.
Essa era uma das práticas utilizadas na época obscura dos campos de concentração nazistas e
pode se constituir no início de uma série de medidas, justificadas de forma aparentemente protetora
da sociedade, mas que colide com o caminhar dos povos democráticos em favor dos Direitos
Humanos.
Tal modalidade de tratamento, que tenta mascarar a personalidade do paciente, além de agredir
física e psiquicamente quem se submete a ele pela feminilização e outras perturbações ainda não
suficientemente comprovadas cientificamente, agride a dignidade humana e abre espaço para outras
violações que não se recomendam dentro das concepções de um Estado Democrático de Direito, que
tem como fundamentação o respeito irrestrito à lei.
Esse tipo de procedimento não deixa de ser apontado como forma de tratamento desumano, cruel
e degradante, tão condenado pela Carta das Nações Unidas em favor dos direitos e liberdades
fundamentais da pessoa humana. E mais: estamos regredindo à adoção de penas corporais com
conotação ultrajante.
Podemos até acreditar que tal processo não se constitua em uma forma de tortura no sentido de
fazê-lo sofrer os padecimentos da dor. Mas é uma maneira indisfarçável de ato desumano e
ultrajante. Leia-se a Declaração de Tóquio, adotando linhas mestras para os médicos, com relação ao
tratamento degradante e desumano a detentos e prisioneiros (Anexo 2, artigo 1o):
“Qualquer ato de tortura, ou outro tratamento, ou castigo cruel, desumano e degradante, é uma
ofensa à dignidade humana e será considerado como uma negação aos propósitos do Centro das
Nações Unidas e como violação dos direitos e liberdades fundamentais da Declaração Universal dos
Direitos Humanos.”
Ninguém é indiferente aos atentados sexuais, principalmente contra crianças e adolescentes,
sejam eles praticados por indivíduos isolados, sejam por grupos criminosos que se organizam na
exploração sexual. E também ninguém é favorável que os autores deste tipo de delito fiquem
impunes. Ao contrário, aqueles que comprometerem ou lesarem os direitos individuais ou a ordem
pública devem merecer penas que afetem a sua liberdade e protejam o bem comum. Mas tudo isso
sem se afastar das regras de civilidade que se espera do uso racional e do equilíbrio da justiça, com
o objetivo precípuo na recuperação e na ressocialização do detento.
Quando se considerou determinados crimes como hediondos e se deu penas graves, isto não se
fez afastar dos limites constitucionais. A pena de castração química seria, sem dúvida alguma, uma
quebra deste postulado e a adesão aos procedimentos degradantes e desumanos. E muito pior: seria
uma forma disfarçada de se oficializar a tortura, o arbítrio e a prepotência.
Pelo fato de a castração química não ter aparentemente o efeito duradouro, isso não desfaz o seu
sentido discriminador e cruel, atingindo o indivíduo na sua integridade física ou psíquica, com todas
as alterações e anomalias que a inconsequente hormonioterapia pode trazer. Sua aparência física de
afeminado, seus caracteres sexuais afetados como distribuição de pelos, voz feminina, crescimento
das mamas, localização adiposa anômala ao sexo masculino, somando-se às questões de ordem
interna que passam por doenças graves que vão da hipertensão, ao diabetes, depressão, até o câncer,
são situações que não podem passar sem reparo. A Constituição Federal é clara nesse particular
quando afirma de forma imperiosa no seu artigo 5o, XLIX: “é assegurado aos presos o respeito à
integridade física e mental.”
Ainda que algumas teses, de pouca credibilidade e sustentação, queiram dar aos índices de
testosterona um fator de vinculação à violência, pelo fato de a maioria dos homicidas ser do sexo
masculino e estar em uma faixa etária que vai de 15 a 40 anos, sabe-se que muitos são os fatores que
levam um indivíduo à criminalidade e à violência. A teoria endocrinológica da criminogênese não
encontra mais argumentos em sua defesa. Com certeza tais ideias vão despertar o fatalismo biológico
do positivismo lombrosiano querendo-se identificar nas taxas hormonais dos indivíduos o seu grau
de periculosidade, criando-se assim o “hormônio delinquente”.
Todos sabem que não existe ninguém predestinado ao crime, mesmo sendo ele detentor de certos
índices hormonais; não se pode determinar tal fato como responsável pela criminalidade e pela
violência que faz transbordar os níveis aceitáveis de delinquência. Não há determinismo que
imponha, por si só, a ação delituosa nem um índice hormonal elevado que faça alguém delinquir, mas
um conjunto de fatores criminoimpelentes capazes de gerar o crime, em face das medonhas
contradições socioeconômicas em que vive o indivíduo e não de sua condição biológica.
A história registra casos de indivíduos com baixos índices de testosterona e de sexualidade
frustra e rara que foram capazes de cometer delitos de implicação sexual de extrema gravidade. E o
inverso é verdadeiro: indivíduos com índices altíssimos de testosterona que jamais cometeram
qualquer tipo de infração, por menor que fosse.
Por outro lado, considerando-se o aspecto ético é desolador que o corpo clínico de uma unidade
hospitalar, por meio de seu diretor técnico ou chefe de serviço, aceite sem resistência praticar tais
medidas, quando lhe cabia exigir os meios assistenciais adequados para que o detento venha a
cumprir sua pena de forma justa e merecida.
O diretor técnico ou o chefe de serviço conivente com tal estilo de tratamento não infringe apenas
o Princípio Fundamental IV do Código de Ética Médica, mas também o Princípio VIII e os artigos 23
e 25.
Senão, vejamos:
O ato médico não deve ser exercido de forma capaz de aviltar o ser humano. Cabe ao médico
trabalhar também pelo prestígio e bom conceito da profissão ainda que certas mentalidades mais
pragmáticas tentem deslocar o homem para um plano ético e político, na qualidade de simples objeto.
A medicina deve constituir um projeto voltado para o bem do Homem e da Humanidade, sem
discriminação ou preconceito de qualquer espécie (Princípio IV).
A prática da medicina deve ser consagrada pelo livre exercício, como garantia constitucional e
corolário dos princípios liberais. Essa profissão não pode conviver com as restrições de suas
práticas, nem com injunções que possam prejudicar a eficácia e a correção de seu trabalho, por
inspiração de quem quer que seja, autoridade ou não (Princípio VIII).
Mesmo que uma ordem administrativa ou uma determinação de autoridade violente sua
consciência, o médico não pode aquiescer, porque isso lhe assegura o Código de Ética. Se um ato
médico estiver cercado de constrangimento e humilhações contra o ser humano, o profissional tem o
direito de subverter essa ordem e exercer a desobediência civil (art. 23).
A primeira obrigação é ajudar a quem se encontre sob seus cuidados, qualquer que seja o nível
dessas pessoas, qualquer que seja o crime cometido por elas, quaisquer que sejam os credos e as
razões de quem assim professa. Isso em todas as situações, inclusive nos casos mais
constrangedores, quando tudo parece perdido, dadas as condições mais excepcionais e precárias.
Inconcebível seria, portanto, retirar a condição de “salvador” do médico, de modo a violentar todos
os postulados e princípios éticos (art. 25).
Ainda mais quando hoje a Organização Mundial da Saúde reconhece a pedofilia como doença de
cunho psiquiátrico e constante da Classificação Internacional de Doenças em sua décima revisão
(CID-10) e identificada pela código F-65-4.
12. Energia de ordem biodinâmica: Choque. Síndrome da falência múltipla de órgãos.
Coagulação intravascular disseminada. Interesse médico-legal.
As energias de ordem biodinâmica “são todas ocorrências ou fenômenos, de origem externa ou
interna ao corpo humano, que desencadeiam respostas orgânicas culminando em mecanismos
fisiopatológicos intrínsecos potencialmente letais” (Costa, JRR, in Anais do III Congresso Brasileiro
de Medicina Legal e Perícias Médicas, Maceió, 2 a 5 de novembro de 2016).
Nessa forma de energia estudam-se a síndrome conhecida por choque, a síndrome da falência
múltipla de órgãos e a coagulação intravascular disseminada.
CHOQUE
O choque é representado pela resposta orgânica a um agente agressor, através de um mecanismo
de defesa destinado a proteger-se dos efeitos nocivos do trauma. Este mecanismo de compensação
tem como finalidade primeira o restabelecimento temporário da pressão arterial a fim de manter o
fluxo sanguíneo nos tecidos mais nobres.
Imediatamente, os resultados desse traumatismo já vão influenciar a suprarrenal, que atende com
o aumento da secreçãode corticoides e adrenalina, e por uma ação sobre o sistema nervoso
simpático, com a liberação de grande quantidade de noradrenalina nas funções mioneurais.
Essas substâncias, quando liberadas, atuarão sobre a microcirculação periférica, desencadeando
a vasodilatação dos esfíncteres arteriolares e, também, dos esfíncteres das vênulas pós-capilares.
Tais alterações ao nível da microcirculação periférica, encontradas em alguns tecidos em anoxia,
têm por finalidade manter o fluxo cerebral e coronário.
O termo “choque” (do inglês shock) foi usado pela primeira vez em 1743, em uma tradução
francesa da obra de Henri François le Dran sobre experiências com ferimentos por armas de fogo.
No entanto, foi durante a Grande Guerra Mundial de 1914-1918 que se passou a observar mais
atentamente o choque. Daí, os investigadores começaram a estudá-lo em laboratórios, sendo as
pesquisas de Cannon, Blalock, Bayliss e, mais recentemente (1974), de Corday as mais importantes.
Esta síndrome no momento é traduzida por “uma inadequação da perfusão hística, sendo o
sistema circulatório incapaz de aportar as substâncias necessárias para o normal metabolismo
celular, assim como para eliminar os produtos resultantes do mesmo, o que leva obrigatoriamente a
uma disfunção da membrana celular, alterações do metabolismo com anaerobiose e acidose láctica, e
eventual morte celular” (apud Gisbert Calabuig, Medicina Legal y Toxicologia, op. cit.).
Fisiopatologia
A finalidade primordial da circulação sanguínea é manter as células do organismo com oxigênio,
substâncias nutritivas, hormônios e calor, e ao mesmo tempo remover delas os produtos
catabolizados.
O sistema circulatório é constituído pelo coração, pelos vasos sanguíneos (artérias e veias) e
pela microcirculação, sendo esta a responsável pela troca de materiais entre o sangue e a célula.
Quando a pressão arterial é preservada, o fluxo sanguíneo processa-se em todos os tecidos
normalmente. Todavia, com a queda da pressão arterial, há o estímulo adrenérgico e o consequente
desvio do sangue das extremidades, do fígado, rins e intestinos, a fim de conservar o fluxo do sistema
nervoso central e do coração, cujos vasos respondem mal àqueles estímulos constritores.
A microcirculação é composta de arteríolas terminais, meta-arteríolas, pré-capilares, capilares e
vênulas coletoras, sendo os capilares os mais fundamentais no que se refere às trocas.
Mesmo sendo a microcirculação muito ampla, a quantidade de sangue nela existente é ínfima,
porque nem todos os capilares se mostram abertos simultaneamente.
Qualquer que seja a causa do choque, sua evolução é a mesma. Com a diminuição do volume
sanguíneo circulante, sempre há queda do retorno venoso e posterior débito cardíaco com baixa da
pressão arterial.
A acidose local e a anoxia celular são de grandes incentivos vasodilatadores, verificando,
portanto, abertura dos esfíncteres pré-capilares com enchimento concomitante de todas as alças; as
vênulas têm pouco a ver com os vasodilatadores, mantendo sua constrição. Assim, a estase capilar se
acentua; a pressão hidrostática intracapilar aumenta, provocando transudação de plasma para o
interstício; o volume de sangue retido nos capilares é grande, com evidente repercussão sobre o
regresso venoso. Desta forma, completa-se o ciclo vicioso do choque.
Classificação
Na classificação do choque, deve-se levar em conta o primacial tipo de distúrbio hemodinâmico
que se responsabiliza pela instalação e manutenção da síndrome. Antigamente, classificava-se o
choque, de acordo com sua etiologia, em: hipovolêmico, cardiogênico, bacterêmico, neurogênico,
endócrino e obstrutivo.
Hoje, a classificação fundamenta-se em conceito fisiopatológico e nas alterações hemodinâmicas.
Deixou-se de lado a etiologia, visto que um mesmo choque pode sofrer profundas modificações em
termos hemodinâmicos.
Assim, na moderna classificação, existem os seguintes: choque cardiogênico, choque obstrutivo,
choque hipovolêmico e choque periférico.
Choque cardiogênico
Caracteriza-se por uma deficiência aguda no bombeamento do coração e a decadência do
rendimento cardíaco. Pode ser devido a lesões orgânicas ou funcionais do coração ou por
perturbação funcional deste em virtude de afecções de outros órgãos ou sistemas.
As causas mais comuns nesse tipo de choque são: infarto do miocárdio, arritmias, falência
miocárdica aguda, miocardite ou hipoxia (por insuficiência respiratória de intercorrência clínica ou
acidental), depressão do sistema nervoso central e distúrbio do equilíbrio acidobásico e eletrolítico.
Choque obstrutivo
É decorrente de bloqueio da circulação de volta ao coração, quer por bloqueio intracardíaco,
quer por bloqueio das vias de saída do órgão central da circulação sanguínea.
Vê-se esse tipo de choque nas compressões das veias cavas, no tamponamento cardíaco, na
deslocação do mediastino, nas tromboses intracardíacas, nos tumores intracardíacos, na embolia
pulmonar e nos aneurismas dissecantes.
Choque hipovolêmico
É o mais comum dos choques, sendo proveniente da violenta redução do volume sanguíneo sob a
forma de perda de sangue total, de plasma ou líquidos extracelulares, produzindo uma situação
circulatória incapaz de manter o equilíbrio celular e podendo levar à morte. Dessarte, pode ele ser
hemorrágico, plasmogênico ou hidropênico.
Surge nas grandes hemorragias, nos processos de grandes supurações e nas desidratações agudas,
ocasionando em consequência a diminuição do volume intravascular real. É mais comum nas grandes
hemorragias, e a resposta a essa situação varia de acordo com a idade (quanto mais jovem mais
grave é o quadro), com a velocidade da perda sanguínea (fator muito importante), estados de
desnutrição, anemia, desidratação e, segundo alguns autores, o sexo (acreditam que a mulher resiste
mais ao choque em face das perdas cíclicas de sangue).
Choque periférico
É resultante da alteração na distribuição do sangue circulante, ou seja, na perturbação da
circulação periférica à altura, sobretudo, dos capilares e das vênulas (microcirculação). É também
conhecido como choque microvasogênico.
Pode ser originado de duas maneiras: por resistência periférica aumentada ou por resistência
periférica diminuída.
Diagnóstico
Para a caracterização do estado de choque, além da cuidadosa análise clínica, é necessária uma
boa avaliação bioquímica e hemodinâmica.
As capitais alterações do choque são as seguintes:
Pressão arterial. O declínio da pressão arterial é o sinal clínico mais relevante,
embora nos estados iniciais de choque a pressão arterial possa estar normal.
Pulso arterial. O aumento de frequência do pulso arterial periférico é sinal absoluto na
síndrome de choque e é produto da atividade adrenérgica emanada da liberação das catecolaminas.
A fraqueza do pulso tem como causa a diminuição do débito cardíaco ou da hipovolemia
presente.
Pele e mucosas. Palidez e cianose dos lábios, lóbulos das orelhas e ápice do nariz.
Sudorese fria na fronte.
A palidez deve-se à intensa vasoconstrição e a cianose, à lentidão do fluxo sanguíneo nessas
regiões. Um dado influente é o esvaziamento do sangue, bem nítido nas veias do dorso do pé.
Pressão venosa central. Essa é a pressão existente nas grandes veias do retorno do
hemicoração direito. A queda dessa pressão é um elemento básico na propedêutica do choque.
Alterações neurológicas. Depressão do estado de consciência, sonolência, apatia,
inquietação e sensação de mal-estar são os sintomas que, de ordinário, aparecem nessa esfera.
Alterações da função respiratória. A insuficiência da circulação cerebral deprime
os centros respiratórios, e, desse modo, a respiração torna-se mais superficial e carente.
Diminuição do volume urinário. Com a baixa pressão arterial, cai a filtração glomerular,
reduzindo o volume da urina. Este é o mais precoce sinal de hipovolemia.
Alterações bioquímicas e biofísicas do sangue. A acidose é o achado mais
importante dessas alterações. A medida da pressão parcial de O2 e de CO2 (pO2 e pCO2) no sangue
arterial exerce grande significação a respeito.
Há ainda hipocloremia, hiponatremia, hiperpotassemia e queda da reserva alcalina.
Nos casos de morte, a necropsia quase sempre é negativa. Raramente, são vistas pequenas lesões
macroscópicas ou microscópicas suscetíveis de nortear o perito no diagnóstico do choque.
SÍNDROME DA FALÊNCIA MÚLTIPLA DE ÓRGÃOS
A síndrome da falência múltipla de órgãos ou síndrome da disfunção multiorgânica (MODS) é
um quadro nosológico de conhecimento mais ou menos recente, estudado a partir da sistematização e
da organização da medicina intensiva, caracterizada fundamentalmente pela deterioração funcional
progressiva de diversos órgãos em pacientes graves e de ocorrências agudas.
Antes, dava-se como origem dessa síndrome a sucessão de infecções multiorgânicas. Esta pode
ser uma de suas causas mais importantes, mas também pode ser originada de outras como aspiração
brônquica, hipotensão arterial prolongada, sucessivas transfusões de sangue, queimaduras graves,
grandes e demoradas cirurgias, superdoses de drogas, reanimação cardiorrespiratória tardia,
diabetes, uso excessivo de corticoides, entre outras.
Clinicamente os pacientes apresentam hipotensão arterial, insuficiência respiratória aguda,
insuficiência cardíaca congestiva, arritmias. Enfim, sua característica é a alteração acentuada das
funções de vários setores importantes da economia orgânica, sempre em doentes graves, de
enfermidades agudas e sem condição de manter a homeostase sem ajuda artificial.
Diferente desta síndrome é a síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS), que substituiu
o antigo termo septicemia. Enquanto a síndrome da falência múltipla de órgãos se revela por uma
disfunção multiorgânica com graves alterações da bioquímica, o que apresenta a SIRS é tão só um
quadro infeccioso gravíssimo caracterizado por temperatura alta, frequência cardíaca superior a 90
batimentos por minuto (bpm), taquipneia com mais de 20 respirações por minuto e leucocitose alta.
COAGULAÇÃO INTRAVASCULAR DISSEMINADA
É conhecida também por coagulopatia de consumo e se caracteriza por uma perturbação
sistêmica, do tipo trombo-hemorrágico, sempre por antecedentes patológicos do sistema sanguíneo e
desencadeada por complicações secundárias.
Sua consequência inicial é a formação de microtrombos na microcirculação e a estimulação de
fenômenos fibrinolíticos.
Uma das patologias preexistentes que pode facilitar o surgimento desta síndrome é a anemia
falciforme, e os fatores desencadeantes mais comuns são estresse físico, politraumatismo, asfixia,
choque térmico, fadigas, infecções, variações de altitudes, entre outros.
A anatomia patológica deve valorizar, de preferência, coração, pulmões, rins, glândulas
suprarrenais, fígado e cérebro.
Por isso, é sempre recomendável que, diante de tal síndrome, a perícia, além de considerar as
diversas concausas relevantes, não deixe de considerar as circunstâncias em que se verificou o óbito,
principalmente quando dos casos que antecederam práticas de violência e maus-tratos à vítima.
INTERESSE MÉDICO-LEGAL
O choque, como energia causadora do dano, é algo da maior importância médico-legal,
principalmente quando se quer determinar a causa jurídica de morte. O mesmo se diga quando diante
das síndromes de falência múltipla de órgãos ou da coagulação intravascular disseminada.
Neste particular, é sempre significativo estabelecer o que é causa e o que é concausa, pois, como
se sabe, são coisas distintas.
A perícia deve conduzir-se no sentido de esclarecer o diagnóstico, o prognóstico e as possíveis
intercorrências que possam surgir. Por isso, no vivo, a análise clínica, bioquímica e hemodinâmica
deve ser minuciosa, com o objetivo de permitir uma conclusão inconteste.
No morto, após a necropsia detalhada, em que se ausentem outras causas de morte violenta, pode
o perito deduzir seu diagnóstico por exclusão, não se opondo às informações hospitalares e aos
comemorativos, entendendo que o choque é uma síndrome clínica e, por isso, discretas são as
manifestações encontradas no cadáver.
13. Energias de ordem mista: Conceito. Fadiga. Doenças parasitárias. Sevícias (Síndrome
da criança maltratada. Síndrome da alienação parental. Abandono familiar inverso.
Síndrome de Munchausen. Síndrome de Estocolmo. Bullying. Síndrome do ancião
maltratado. Violência contra a mulher. Tortura). Autolesões.
CONCEITO
As energias de ordem mista, também conhecidas como energias de ordem bioquímica e
biodinâmica, compreendem determinados grupos de ação produtores de lesões corporais ou de
morte analisados na causalidade de dano. Além do seu interesse nas demandas criminais e civis, o
tema desperta muito a atenção do capítulo das doenças profissionais e dos acidentes de trabalho.
Nesta modalidade de energia, enquadram-se a fadiga, algumas doenças parasitárias e todas as
formas de sevícias.
FADIGA
Alberto Velicogna define a fadiga como “um complexo de fenômenos biofísicos e bioquímicos
acompanhados por uma característica desagradável e penosa sensação local e geral ocorrendo
quando o organismo é obrigado a um trabalho que, por intensidade, duração e rapidez, é de molde a
romper o equilíbrio entre as funções anabólicas e catabólicas e alterar-lhe os processos normais”
(apud Flamínio Fávero, Medicina Legal, 4a Edição, Livraria Martins Editores, São Paulo, 1956).
Duas são as formas de fadiga: a aguda e a crônica. A primeira é provocada pelo excesso de
atividade física. Em princípio, não se deve confundi-la com o simples cansaço. A segunda se
caracteriza pelo esgotamento físico ou mental, permanente ou progressivo, conhecida também por
estafa ou estresse.
As alterações físicas da fadiga aguda se manifestam através de perturbações cardiovasculares –
taquicardia, palpitações e descompasso da pressão arterial; respiratórias – polipneia, respiração
superficial e modificações do ritmo respiratório; nervosas – esgotamento do sistema nervoso central.
A síndrome de fadiga crônica na sua forma de estresse, “síndrome de esgotamento psicossomático”,
é motivada pela soma de perturbações somáticas e psíquicas e provocada por diversos agentes
agressivos ou opressores.
Características: (1) perturbações cardiovasculares: taquicardia, palpitações e descompasso da
pressão arterial; (2) perturbações respiratórias: polipneia, respiração superficial e modificações do
ritmo respiratório; (3) perturbações nervosas: insônia, sono agitado, ansiedade, dificuldade de
concentração, alteração da atenção e da memória, abulia e depressão.
Nas formas mais graves: alterações da conduta, manifestações obsessivas, desvio do curso da
inteligência e agravamento do juízo crítico. Tais sintomas são, quase sempre, consequências de
intenso trabalho intelectual.
É importante fazer distinção entre o dano psíquico (caracterizado por uma deterioração das
funções psíquicas, de forma súbita e inesperada, surgida após uma ação deliberada ou culposa de
alguém e que traz para a vítima um prejuízo material ou moral, em face da limitação de suas
atividades habituais ou laborativas) e o transtorno mental (chamado ainda por alguns de doença
mental, ainda que tenha como elemento definidor a alteração das funções psíquicas, sua origem é de
causa natural).
A perícia deve ser conduzida no sentido de registrar todas essas alterações somáticas e psíquicas
por meio do exame clínico minucioso e das provas laboratoriais pertinentes; de estabelecer o nexo
causal: considerar a possível existência de um dano anterior; e de avaliar a possibilidade de uma
simulação ou metassimulação.
A fadiga pode ser de caráter culposo, doloso ou acidental. Geralmente, o maior interesse reside
nas questões de interesse trabalhista.
Há também a chamada “síndrome do burn-out” ou “síndrome do esgotamento profissional” que
surge no final da vida laborativa, principalmente das ocupações liberais, e se manifesta por
depressão, apatia, esgotamento físico, retraimento, atitude negativa para si mesmo, cansaço
emocional e falta de perspectiva que levam a uma perda de motivação e tendência de sentimentos de
inadequação e fracasso. Caracteriza-se por três manifestações típicas: (1) esgotamento emocional,
(2) despersonalização e (3) sensação de fim da realização pessoal.
Essa síndrome é mais observada em profissões relacionadas com contato interpessoal mais ativo
e frequente, como médicos, psicanalistas, professores, enfermeiros, assistentes sociais, ou entre
aqueles que interagem de forma mais pessoal em suas atividades.
DOENÇAS PARASITÁRIAS
É irrefutável a nocividade de certas doenças parasitárias, principalmente no que atine à sua ação
espoliativa e tóxica.
São os helmintos – tênias, bacteriocéfalos, áscaris, filárias, triquinas e tricocéfalos – os maiores
responsáveis por esse tipo de energia. Responsáveis o são, também, algumas doenças produzidas por
protozoários e bactérias.
A diferença entre os parasitas e os germes da infecção prende-se ao fato de que os primeiros,
embora espoliem o hospedeiro, tendem a poupá-lo; os segundos, todavia, são inteiramente
perniciosos.
As bactérias e protozoários, em geral, agridem violentamente o doente, além de apresentarem
uma sintomatologia mais grave e mais gritante.
Outra nota é que os parasitas inclinam-se a localizar-se, enquanto os agentes da infecção, haja
vista sua migração constante, lançam suas toxinas por todo o organismo.
Na perícia das doenças advindas de parasitoses, mais relevante que a etiologia do mal é o estudo
genérico do paciente, levando-se em conta o depauperamento, a anemia e os demais sintomas dessa
forma de agressão.
As doenças parasitárias, apesar de esporadicamente, podem ser objeto de análise médico-legal,
principalmente quando vistas sob o ângulo das doenças profissionais.
SEVÍCIAS
Em virtude das várias tipicidades de sevícias: mecânica, bioquímica ou biodinâmica, mais
próprio é vê-las no âmbito das energias de ordem mista.
Raramente as sevícias mostram apenas uma forma de energia: lesões corporais (mecânica);
choque (biodinâmica); inanição (bioquímica). No entanto, mesmo isolando-se um tipo de ação, a
vítima não deixa de apresentar grave comprometimento da emotividade, levada pelo terror, medo,
revolta, ódio ou submissão.
A perícia deve seguir o itinerário das alterações físicas e psíquicas, avaliando não só
determinadas lesões isoladas, mas, sobretudo, suas repercussões na economia geral.
A natureza jurídica das sevícias é de caráter exclusivamente doloso. Entre elas, destacam-se a
síndrome da criança maltratada, a síndrome do ancião maltratado e a tortura.
Síndrome da criança maltratada
Ultimamente, vêm-se tornando cada vez mais frequentes a sevícia e os maus-tratos a crianças,
que vão desde a prisão e o isolamento em ambientes insalubres até os espancamentos brutais
seguidos de morte. Esse conjunto de lesões e agressões é conhecido pela denominação de síndrome
da criança maltratada ou síndrome de Silverman (“battered child syndrome ”) por ter sido esse
pediatra norte-americano que, em 1953, chamou a atenção mais seriamente para um quadro que ele
rotulava de trauma esquelético em crianças, de etiologia desconhecida. Também conhecida como
síndrome de Caffey-Kamp.
A experiência tem demonstrado que 80% desses menores maltratados têm menos de 3 anos e
40% deles são menores de 6 meses, com ligeira predominância do sexo masculino, socialmente
carentes e débeis ou retardados.
As formas mais comuns de maus-tratos são: a) por omissão – carência física (falta de
alimentação e de proteção) e carência afetiva (falta de carinho); b) por ação – maus-tratos físicos,
abuso sexual e maus-tratos psíquicos.
Perfil dos autores de maus-tratos
Os autores desses meios cruéis são geralmente padrastos, pais jovens ou familiares diretos, com
problemas de alcoolismo ou de drogas, desempregados, com desordens psicoafetivas, de baixo
índice de escolaridade e quase sempre vítimas de maus-tratos na infância. Os motivos são os mais
insignificantes, muitas vezes justificados como forma de “educar” as crianças.
Clínica da criança maltratada
A clínica da criança maltratada deve levar em conta a atitude da criança e as lesões encontradas.
A atitude da criança-vítima resume-se em: apatia, tristeza, indiferente ou temerosa, protegendo o
rosto com as mãos ou fechando os olhos com a aproximação das pessoas, ou impassível aos
movimentos do examinador. O que mais chama a atenção é o seu olhar triste e pungente. Um olhar de
vencido.
As crianças mais novas que não sabem manifestar-se de outra forma choram quando se
aproximam delas determinadas pessoas.
As lesões mais comuns são: hematomas e equimoses (Figura 4.87), ferimentos contusos,
queimaduras, edemas por compressão, mordidas humanas, alopecias traumáticas, fraturas dentárias
por introdução violenta de colheres na boca, sufocação por introdução violenta de alimentos,
desidratação, lesões genitais por abuso sexual, intoxicações por tranquilizantes, desnutrição, fraturas
ósseas e rupturas viscerais internas.
A perícia deve ser alertada para as lesões cutâneas múltiplas e de idades diferentes,
principalmente, na face e nos membros, coincidência de lesões cutâneas com fraturas ósseas,
contradições nas informações dos familiares, lesões específicas como queimaduras de cigarro ou
marcas de ataduras nos punhos e tornozelos, vítimas aterrorizadas, fraturas múltiplas de idades
diferentes e aquilo que mais caracteriza a síndrome de Silverman: o hematoma subperióstico, visto
pelos raios X, principalmente nos ossos longos dos membros superiores e inferiores. Outra
ocorrência é o arrancamento epifisário (síndrome metafisária de Straus).
Na necropsia, é necessário aprofundar bem o estudo das lesões, não esquecendo dos exames
laboratoriais e anatomopatológicos imprescindíveis, além de radiografias do corpo inteiro, pois as
lesões múltiplas e de épocas diferentes podem sugerir sinais recentes e antigos de maus-tratos.
Figura 4.87 Criança maltratada.
Em uma outra forma de agressão, chamada “síndrome da criança sacudida” ou “síndrome da
criança chacoalhada”, o menor é seguro pelo tórax e agitado com violência, podendo causar-lhe
danos neurológicos graves, sem no entanto mostrar lesões externas. Os danos mais comuns são:
hemorragias meníngeas, edema cerebral e hemorragia retinina.
Equívocos periciais
Com o aumento dos exames realizados em crianças com alegações de maus-tratos, foi-se
observando uma série de circunstâncias e achados que favoreciam o diagnóstico errôneo dessa
síndrome. Este fato, como não poderia deixar de ser, cria sérios problemas quando os pais ou
parentes são acusados de forma injustificada.
Lembrar que, entre as crianças com suspeita de espancamento, as lesões produzidas de forma
acidental são muito mais comuns que as provocadas por maus-tratos.
Um dos principais motivos desses equívocos são os hematomas e equimoses que surgem em datas
diferentes e que podem ser decorrentes de doenças traduzidas pela redução dos fatores da
coagulação, como, por exemplo, ocorre nos portadores de coagulopatia congênita do tipo hemofilia
ou de coagulopatias adquiridas como a púrpura trombocitopênica autoimune ou a leucemia linfoide.
Mesmo assim, não esquecer que a discrasia sanguínea e os maus-tratos não se excluem mutuamente.
Algumas lesões que aparentam ser produzidas por queimaduras podem ser oriundas de processos
outros, como epidermólise bolhosa ou dermatite herpetiforme.
Não esquecer também que fraturas sucessivas podem ser provenientes de processos osteopáticos,
os quais têm padrões semelhantes aos das lesões produzidas nas crianças espancadas.
Síndrome da alienação parental ou síndrome de
Medeia
Essa síndrome se caracteriza por alterações e perturbações que podem ocorrer nas crianças
quando o pai ou mãe guardião, por motivos injustificáveis, tenta isolá-las gradativamente do outro
progenitor. Isso sempre ocorre depois da separação ou do divórcio de pais biológicos ou adotivos,
embora isso possa ocorrer com avós, tios ou parentes afins. E ainda pode ocorrer até entre pais que
não passaram pela separação.
Gardner definiu a síndrome da alienação parental como “um transtorno que surge
principalmente no contexto de disputas para custódia de crianças”. E diz que o objetivo principal do
genitor alienador é a doutrinação da criança em uma campanha de difamação contra o outro genitor e
com isso levar vantagem nos Tribunais.
Conhecida também como síndrome de Medeia em referência a essa personagem mitológica que
mata os filhos depois de saber que o marido irá se casar com outra.
Na maioria dos casos a alienação ocorre no âmbito materno tendo em vista que a guarda
definitiva é na maioria das vezes dada às mães. Quando o pai é o guardião alienador um dos motivos
mais frequentes é o sentimento de vingança pela ruptura do casamento ou as razões que deram motivo
à separação. Some-se a isso ainda a participação de familiares nessa ação alienante. O alienador
muitas vezes não se apercebe de que suas emoções e reações podem alterar a estrutura psicológica
do filho que, em última análise, é o mais prejudicado nessa conturbada relação. Em situações muito
raras e graves, quando o genitor alienante não alcança o efeito desejado, pode partir para o
desesperado gesto do assassinato do próprio filho.
Gardner, em seus estudos, considera os três estágios das alterações e perturbações do filho:
Estágio I – Leve, a motivação principal do filho é conservar um laço sólido com o genitor alienador.
Estágio II – Médio, os filhos, que sabem o que genitor alienador quer escutar, intensificam sua
campanha de desmoralização. Estágio III – Grave, os filhos em geral estão perturbados e
frequentemente fanáticos, compartilhando as mesmas reações paranoicas que o genitor alienador tem
em relação ao outro genitor.
Tem muita valia o fato de o genitor alienado ser compreensível e hábil, entendendo que a aversão
do filho não é contra ele, mas apenas o resultado de um processo elaborado continuamente pelo
alienante. Deve usar de uma estratégia que realce uma existência positiva já vivida entre ele e o filho
e até mesmo entre ele e o ex-cônjuge.
Andréia Calçada, em seu livro “Falsas Acusações de Abusos Sexuais”, aponta as perturbações e
alterações mais comuns nessa síndrome: Alterações na área afetiva: depressão infantil, angústia,
sentimento de culpa, rigidez e inflexibilidade diante das situações cotidianas, insegurança, medos e
fobias, choro compulsivo sem motivo aparente. Alterações na área interpessoal: dificuldade em
confiar no outro, dificuldade em fazer amizades, dificuldade em estabelecer relações, principalmente
com pessoas mais velhas, apego excessivo a figura “acusadora”. Alterações na área da sexualidade:
não querer mostrar seu corpo, recusar tomar banho com colegas, recusa anormal a exames médicos e
ginecológicos, vergonha em trocar de roupa na frente de outras pessoas.
A criança vitimada pela síndrome de alienação parental corre o risco de se tornar um adulto
marcado pela culpa presumível de ter sido responsável pela forma de separação dos pais. Não é
exagero se dizer que essa síndrome funciona como meio de abuso ou de dano psicológico e
emocional, capaz de desdobramentos de grave repercussão, incluindo nisso a depressão, transtornos
de identidade e de imagem, sentimento incontrolável de culpa, comportamento hostil, entre outros.
Estudos mostram que algumas dessas crianças, quando adultas, têm se mostrado sensíveis ao uso de
álcool e drogas.
Um dos fatos mais graves a ressaltar nos casos de falsas acusações de abuso sexual é a
constatação de danos produzidos na criança envolvida, similares às ocorridas em consequência de
um abuso sexual real, em função daquilo que se forma na imaginação da criança.
Agora, com a Lei no 12.319, de 26 de agosto de 2010 a alienação parental tornou-se crime, o que
não deixa de ter sua importância, pelo que isto vem representando como desgaste emocional de
criança com pais separados e como graves conflitos entre estes. Lamenta-se, entre outros, que tenha
sido vetado um dispositivo que facultava as partes envolvidas a utilização da mediação para a
solução do litígio, antes ou no curso do processo judicial. Com isso, infelizmente, inibiu-se uma das
formas mais utilizadas em outras demandas, em que se apreciam os fatos por meios extrajudiciais, o
que daria mais proteção à intimidade e à privacidade da família, e não evitaria em muitos casos a
transformação destas ações em “caso policial” ou “caso judicial”. Seria um bom instrumento na
solução pacífica destes conflitos através do diálogo. A mediação não é o mesmo que conciliação. A
mediação tem o sentido de ampliar a consciência do conflito, discutir os direitos e deveres, e
permitir o diálogo e organização de uma nova identidade familiar.
Perícia
A perícia médico-legal em casos de alegação de alienação parental consiste em avaliação física
e psicológica do(s) menor(es), dos genitores, familiares ou responsáveis envolvidos.
A avaliação dos danos corporais existentes nos menores segue a mesma metodologia e o mesmo
critério estabelecidos para os casos de tortura, maus-tratos e procedimentos cruéis e desumanos, já
vistos nos casos de vítimas da síndrome da criança maltratada.
A avaliação psicológica dos menores deve ser feita com muito cuidado por especialistas que
tenham experiência com tais ocorrências, levando em conta como a criança ou o adolescente se
comporta, reage e se pronuncia diante das acusações de um dos genitores.
A avaliação psicológica dos genitores é a tarefa mais difícil e intrincada dessa questão. Ela deve
abranger entrevista pessoal e em conjunto com os genitores, análise de documentos contidos nos
autos, histórico testemunhal do relacionamento do casal e da separação e estudo da personalidade
dos envolvidos.
Não é raro o juiz solicitar essa avaliação de uma equipe multiprofissional cujos componentes
sejam médicos, psicólogos e assistentes sociais, tendo em conta a complexidade e a delicadeza do
assunto.
Para se convencer da existência da alienação parental, no decorrer do processo, o juiz poderá
solicitar uma avaliação dos envolvidos – pais e filhos, e os genitores denunciantes ou acusados
podem indicar assistentes técnicos e formular os quesitos que julguem pertinentes.
A perícia deve ser concluída dentro de 90 dias, cujo laudo deverá ser apresentado à autoridade
judicial solicitante, que pode sob justificativa circunstanciada permitir uma prorrogação de prazo.
Legislação
LEI NO 12.318, DE 26 DE AGOSTO DE 2010
Dispõe sobre a alienação parental e altera o art. 236 da Lei no 8.069, de 13 de julho de
1990.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o Esta Lei dispõe sobre a alienação parental.
Art. 2o Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança
ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelas avós ou pelos que tenham a
criança ou o adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que
cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.
Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim
declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros: I
– realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou
maternidade;
II – dificultar o exercício da autoridade parental;
III – dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;
IV – dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;
V – omitir deliberadamente ao genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou o
adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;
VI – apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou avós, para obstar ou
dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;
VII – mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando dificultar a convivência da
criança ou do adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.
Art. 3o A prática de ato de alienação parental fere direito fundamental da criança ou do
adolescente de convivência familiar saudável, prejudica a realização de afeto nas relações com
genitor e com o grupo familiar, constitui abuso moral contra a criança ou o adolescente e
descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda.
Art. 4o Declarado indício de ato de alienação parental, a requerimento ou de ofício, em qualquer
momento processual, em ação autônoma ou incidentalmente, o processo terá tramitação prioritária, e
o juiz determinará, com urgência, ouvido o Ministério Público, as medidas provisórias necessárias
para preservação da integridade psicológica da criança ou do adolescente, inclusive para assegurar
sua convivência com genitor ou viabilizar a efetiva reaproximação entre ambos, se for o caso.
Parágrafo único. Assegurar-se-á à criança ou ao adolescente e ao genitor garantia mínima de
visitação assistida, ressalvados os casos em que houver iminente risco de prejuízo à integridade
física ou psicológica da criança ou do adolescente, atestado por profissional eventualmente
designado pelo juiz para acompanhamento das visitas.
Art. 5o Havendo indício da prática de ato de alienação parental, em ação autônoma ou incidental,
o juiz, se necessário, determinará perícia psicológica ou biopsicossocial.
§ 1o O laudo pericial terá base em ampla avaliação psicológica ou biopsicossocial, conforme o
caso, compreendendo, inclusive, entrevista pessoal com as partes, exame de documentos dos autos,
histórico do relacionamento do casal e da separação, cronologia de incidentes, avaliação da
personalidade dos envolvidos e exame da forma como a criança ou o adolescente se manifesta acerca
de eventual acusação contra genitor.
§ 2o A perícia será realizada por profissional ou equipe multiprofissional habilitados, exigida,
em qualquer caso, aptidão comprovada por histórico profissional ou acadêmico para diagnosticar
atos de alienação parental.
§ 3o O perito ou a equipe multiprofissional designada para verificar a ocorrência de alienação
parental terá prazo de 90 (noventa) dias para apresentação do laudo, prorrogável exclusivamente por
autorização judicial baseada em justificativa circunstanciada.
Art. 6o Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a
convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá,
cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla
utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do
caso:
I – declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador;
II – ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado;
III – estipular multa ao alienador;
IV – determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial;
V – determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão;
VI – determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente;
VII – declarar a suspensão da autoridade parental.
Parágrafo único. Caracterizado mudança abusiva de endereço, inviabilização ou obstrução à
convivência familiar, o juiz também poderá inverter a obrigação de levar para ou retirar a criança ou
o adolescente da residência do genitor, por ocasião das alternâncias dos períodos de convivência
familiar.
Art. 7o A atribuição ou alteração da guarda dar-se-á por preferência ao genitor que viabiliza a
efetiva convivência da criança ou adolescente com o outro genitor nas hipóteses em que seja inviável
a guarda compartilhada.
Art. 8o A alteração de domicílio da criança ou adolescente é irrelevante para a determinação da
competência relacionada com as ações fundadas em direito de convivência familiar, salvo se
decorrente de consenso entre os genitores ou de decisão judicial.
Art. 9o (VETADO)
Art. 10. (VETADO) Art. 11. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 26 de agosto de 2010; 189o da Independência e 122o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto
Paulo de Tarso Vannuchi
Abandono familiar inverso | Responsabilidade dos
filhos em relação aos pais idosos
O abandono dos pais idosos pelos filhos, também chamado de abandono às avessas ou abandono
familiar inverso, é muito frequente, seja por desamparo afetivo ou por privação material. Não há
como negar ou discutir as obrigações dos filhos para com os pais idosos, no convívio domiciliar ou
fora dele, principalmente no que diz respeito à negligência e ao descaso à qualidade de vida deles. A
garantia das obrigações materiais não é o mais difícil nessa relação, pois, como se sabe, o caráter
objetivo delas não é complicado de se estabelecer pela sua referência em normais afins. O mais
intrincado nesse particular é estabelecer critérios e normas específicas em que fique estabelecido o
dever de afetividade dos filhos, obrigando-os ao dever de amar, principalmente na velhice, carência
e enfermidade dos pais em idade avançada.
O Estatuto do Idoso, em seu artigo 3o, prescreve: “É obrigação da família, da comunidade, da
sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à
liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A
garantia de prioridade compreende: (…). IV – viabilização de formas alternativas de participação,
ocupação e convívio do idoso com as demais gerações.” A Constituição Federal, neste sentido,
consagra o dever mútuo de relação entre ascendentes e descendentes, amparado no princípio da
solidariedade entre os entes da família, priorizando as relações afetivas, e a assistência física,
material e moral. Estabelece assim que “nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência,
discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou
omissão, será punido na forma da lei”.
É claro que as sanções por abandono imaterial não garantem o afeto e a amizade nem obrigam a
reaproximação familiar, mas tais sanções podem, pelo menos, ter efeito pedagógico. “O descaso
entre pais e filhos é algo que merece punição, é abandono moral grave, que precisa merecer severa
atuação do Poder Judiciário, para que se preserve não o amor ou a obrigação de amar, o que seria
impossível, mas a responsabilidade ante o descumprimento do dever de cuidar, que causa o trauma
moral da rejeição e da indiferença (Azevedo, AV; Venosa, SS. Código Civil Anotado e Legislação
Complementar. São Paulo: Atlas, 2004).
Se já admite-se a possibilidade de indenização por dano moral decorrente do abandono dos
filhos menores pelos pais, e levando em conta o mesmo significado do abandono às avessas, por que
não aceitar como justificáveis essas mesmas razões para uma indenização por dano moral
considerando o abandono afetivo dos filhos em relação aos pais idosos?
Se o afeto tem hoje um significado jurídico relevante quando considerado como elemento
agregador da família, nada mais justo do que se considerar ilícito o descaso e o abandono afetivo e,
como tal, a reparação e a geração de responsabilidade.
O respeito à dignidade da pessoa humana, mesmo não se contando ainda com legislação
específica sobre a matéria que discipline ações por abandono moral dos idosos, deve ser
considerado matéria fundamental e insuprível para garantir a função social da família, que é em suma
a base e o equilíbrio da sociedade.
É claro que apenas a imposição da regra jurídica civil ou penal não vai estabelecer e especificar
aquilo que é o mínimo indispensável em uma relação entre pais e filhos. Essa relação obrigatória
ficaria muito fria e reduzida a um mero instituto jurídico de reparação civil ou de repressão penal,
mas sem o alcance de uma solução socioafetiva que se espera. Outro fato que não se pode esquecer é
que seja qual for o tipo de sanção, além de não amenizar o sofrimento moral dos pais, pode aumentar
ainda mais a distância e a indiferença do filho e impedir que este relacionamento venha ser
reconstruído. Considera-se também que nesses casos a prova do dano moral é muito controvertida,
pois é difícil quantificar e qualificar por meio de uma perícia o quantum de abatimento, sofrimento
moral e humilhação.
A reparação indenizatória não vem como forma de imposição do afeto, tendo em vista sua
natureza subjetiva, mas como viés preventivo, punitivo e compensatório, na tentativa de garantir
proteção dos mais vulneráveis.
Não é fácil uma norma jurídica estabelecer a assistência afetiva obrigatória dos filhos, mas,
pode-se, ao menos, constituir sanções civis e penais compensatórias coativas pelo desprezo material
e afetivo. Antes disso, políticas públicas devem empregar esforços, inclusive de assistência social,
para fiscalizar, ininterruptamente, a qualidade de vida da pessoa idosa. Caso contrário, o abandono
familiar contará apenas com um instituto jurídico de implicação reparatória civil ou repressiva
penal, mas sem uma solução sociocriminal que o previna e o abomine.
Pouco se resolve tipificar ilicitudes civis e crimes, sem que o Estado aparelhe-se de estruturas
adequadas a serviço de uma tutela integral protetiva e preventiva. São necessárias medidas efetivas e
imediatas para que possa se construir, passo a passo, uma sociedade mais fraterna e consciente
dentro dos princípios que ressaltem a importância da família e o respeito à dignidade humana.
Síndrome de Munchausen
É um tipo de transtorno mental em que o paciente, de forma compulsiva, deliberada e contínua,
causa, provoca ou simula sintomas de doenças, com a única finalidade de obter cuidados médicos ou
assistenciais. Quando retratada pela mãe que assim procede em menores sob sua guarda por
considerá-los doentes ou para conseguir a atenção do marido ou de familiares chama-se “síndrome
de Munchausen por transferência”. Na maioria das vezes, tal atitude não tem nenhum sentido lógico.
Trata-se, portanto, de uma “doença crônica factícia (criada artificialmente) com sintomas físicos”.
Nessa forma de maus-tratos, a criança é submetida a repetidos exames e quando avaliada observa-se
falta de coerência anatomopatológica e ausência de resposta aos tratamentos; as consultas ou
hospitalizações são continuadas; e o agressor exibe uma postura de quem é bem relacionado com o
menor ou mostra exagerada solicitude a quem trata e cuida.
Os sinais mais comuns nessa modalidade de maus-tratos são simulação de sangramento por
contaminação da urina ou das fezes, conjuntivites provocadas por substâncias irritantes, sonolência
oriunda do uso de barbitúricos ou psicotrópicos, entre outros (in Almada, HR – Maltrato y abuso
sexual de menores, una revisión crítica, Granada: Editorial Comares, 2006).
Embora possam existir formas as mais variadas, há, no entanto, um perfil aproximado na maioria
dos casos: na maioria das vezes o responsável é a mãe, cuja idade está entre 20 e 30 anos; ela é vista
como afetuosa, levando a sensibilização das equipes de saúde, e quase sempre apresenta um
transtorno psiquiátrico; a criança geralmente é menor de 5 anos.
O nome deste mal foi dado como referência ao Barão de Munchausen, um oficial da cavalaria
alemã do século 18 que ficou conhecido por contar, nas tabernas que frequentava, histórias
fantásticas de sua vida como soldado, caçador e esportista.
Sindrome de Estocolmo
Chama-se de síndrome de Estocolmo um estado psicológico próprio, que determinadas pessoas
podem apresentar quando submetidas a um tempo prolongado de sofrimento e intimidação, em que
passam a ter uma certa forma de simpatia e afeição pelo seu opressor, inclusive apresentando
justificativas diante do agir do agressor. Uma espécie de gratidão para com os seus raptores,
principalmente pelo fato de terem sido mantidas vivas e salvas.
Este mecanismo não deixa de ser até certo ponto compreensível; em tais circunstâncias, o raptado
mostra-se afável com seus agressores como gesto de gratidão e alívio. E, dessa forma, cria-se
inconscientemente um mecanismo de defesa que o protege contra o sofrimento e a humilhação.
Começa a ser criado, então, um sentimento de identificação e simpatia e até afeição.
Este estado é diferente da síndrome de indefensividade adquirida, quando determinadas pessoas
são mantidas por muito tempo sob constantes atos de violência e, mesmo tentando livrar-se desta
condição, chegam à conclusão de que nada é capaz de salvar-lhe. É mais comum entre as mulheres
submetidas à violência física e psíquica no meio doméstico e familiar. A submissão, a tolerância e a
resignação funcionam como uma manifestação de sobrevivência. A vítima conclui que não tem mais
nenhuma reação às condições em que vive e qualquer atitude que venha esboçar é inútil e
agravadora. A impressão que se tem é que a vítima deixa de reagir para não agravar ainda mais o
problema.
Alguns justificam a síndrome de Estocolmo como um gesto de gratidão, pois o oprimido
considera que o resultado poderia ser pior, passando a desenvolver tal atitude como forma
inconsciente e irracional de defesa, no propósito de passar ao agressor um tipo de comportamento e
simpatia como quem faz um acordo para amenizar seus sofrimentos. Para alguns, pode estar embutido
nesta modalidade de comportamento um traço do caráter sádico ou masoquista latente na
personalidade do oprimido.
Na maioria das vezes, tudo começa por meio de pequenos gestos ou atitudes gentis, quando a
vítima passa a se relacionar emocionalmente com o opressor, que vão se ampliando pouco a pouco,
embora possam persistir atitudes dúbias de simpatia e ódio. Para alguns autores, há pacientes que
não percebem tais atitudes tão paradoxais. Para outros, a vítima age dessa forma como um processo
de defesa ante um fim que se mostra trágico e violento.
Para se firmar um diagnóstico mais preciso da síndrome de Estocolmo exigem-se duas
condições: que a vítima tenha assumido de forma inconsciente uma real identificação com os
propósitos, a ideologia e o comportamento de seus raptores, quase como se fosse um deles; e que
suas reações de simpatia e agradecimento se intensifiquem com o passar dos dias, mesmo quando já
esteja livre do cativeiro e inserida nas suas ocupações habituais.
Bullying
Bullying é uma expressão derivada da palavra inglesa bully que tem um significado próximo a
brigão, valentão, mas que, de fato, é caracterizada por opressão, humilhação, perseguição, maltrato,
ofensa, ameaça e principalmente por intimidação. O bullying não é um fenômeno tão atual quanto
parece, ele sempre existiu, mudando apenas certos aspectos em face da sociedade que se vive, como,
por exemplo, o fácil acesso à internet. As agressões se mostram mais graves quando se vitimizam
crianças e são sempre continuadas, repetitivas e verbais ou físicas. São muito comuns nas escolas e
podem ter conotações racistas, difamatórias e separatistas. Nos casos mais graves, podem levar ao
desequilíbrio emocional ou psíquico, e, até mesmo, ao suicídio. Por esse motivo, esses maus-tratos
são tão graves e ameaçadores.
Cleodelice Fante (in Fenômeno Bullying: Como Prevenir a Violência nas Escolas e Educar
para a Paz, 2a Edição, Campinas: Verus, 2005) diz que esta forma de agressão pode surgir em
qualquer contexto social, na escola, na vizinhança, nos locais de trabalho e inclusive na família. Ela
afirma de forma categórica: “É uma das formas de violência que mais cresce no mundo.” E aponta as
características mais comuns deste efeito ultrajante: comportamentos deliberados e danosos,
produzidos de maneira repetitiva em um período prolongado de tempo contra uma mesma vítima;
apresentam uma relação de desequilíbrio de poder, o que dificulta a defesa da vítima; não há motivos
evidentes; acontece de forma direta, por meio de agressões físicas (bater, chutar, tomar pertences) e
verbais (apelidar de maneira pejorativa e discriminatória, insultar, constranger); de forma indireta,
caracteriza-se pela disseminação de rumores desagradáveis e desqualificantes, visando à
discriminação e à exclusão da vítima de seu grupo social.
Deve ficar bem claro que nem tudo é bullying. É necessário que esta agressão seja repetitiva,
tenha intenção de atingir a uma vítima determinada, que ela esteja de alguma maneira relacionada
com a ofensa e que haja concordância e presença de um público de convivência com o agredido.
As vítimas são sempre os mais frágeis e nesta forma perversa de relação se tornam um objeto de
prazer nesta agressão. Começam sempre por pequenas ofensas que vão se repetindo e aumentando de
gravidade até chegar aos danos mais graves, inclusive a morte. As motivações têm na maioria das
vezes o caráter físico, étnico, religioso ou cultural.
Como este fato tem se verificado mais na escola é importante que os educadores passem a se
preocupar com tal forma de conflito social e integrem estes acontecimentos dentro de uma política de
prevenção de saúde pública.
As vítimas na escola estão sempre isoladas ou procurando ficar perto dos adultos. Na sala de
aula têm dificuldade de atenção e concentração e se mostram intranquilas e ansiosas; são tristes e
arredias; têm baixo rendimento escolar; simulam doenças para não frequentarem a escola; pedem
para trocar de escola; apresentam-se de forma desleixada e desatenta. Em casa, alguns se queixam de
dores de cabeça, enjoos,tonturas e apresentam mudanças repentinas do humor; mostram ansiedade,
sentimentos negativos e medo; relacionam-se mal com a família e com os amigos e apresentam baixa
autoestima.
De acordo com alguns autores a vítima pode ser classificada nos seguintes grupos: 1. Típica:
relaciona-se mal com os colegas, sofre muito com as consequências dos comportamentos agressivos,
tem aspecto físico frágil, coordenação motora deficiente, exaltada sensibilidade, timidez,
passividade, submissão, insegurança, baixa autoestima, alguma dificuldade de aprendizado,
ansiedade e aspectos depressivos. Sente insegurança de juntar-se ao grupo, tanto física quanto
verbalmente. 2. Provocadora: aquela que de certo modo provoca reações adversas, tentando reagir
mas sem condição de se impor. Tenta responder e reagir aos ataques, mas não encontra meios para
tanto. Tem atitudes ofensivas, irritantes e quase sempre é responsável por conflitos em seu ambiente
de relacionamento. 3. Agressora: tenta reagir às agressões recebidas como forma de confronto ou de
defesa, às vezes procurando outra vítima mais indefesa para reproduzir todos os insultos e agressões
que sofria transformando assim o bullying em um ciclo vicioso.
Os autores deste tipo de agressão são sempre aqueles que se intitulam líderes ou chefes de
grupos, falastrões e poderosos, vaidosos e exibidos, transferem suas frustrações e procuram assumir
ou aparentar uma imagem fantasiosa de si mesmos. Entre eles estão alguns que vieram de uma
relação familiar defeituosa. São violentos, insensíveis e contrários às regras de convivência. Muitos
já estiveram envolvidos em pequenos delitos. Têm baixo rendimento escolar. Alguns foram abusados
sexualmente na infância mais remota.
Seus atos na escola se caracterizam pelo desdenho e pela hostilidade, pelas agressões físicas e
verbais, pela difamação e lesão, pelas ameaças e coação na tomada de material escolar e pertences
de suas vítimas. Em casa, esses agressores têm atitudes de hostilidade e referem uma superioridade
entre seus colegas que não têm. São simulados e mentirosos e costumam chegar da escola com bens
que não justificam a posse.
Há também os expectadores – reféns da “lei do silêncio” e cúmplices passivos das agressões,
que a tudo assistem e calam, deliciando-se, aplaudindo e insuflando cada gesto agressor, ou ficam em
uma posição de não ajudar a vítima por covardia nem se opor ao agressor por medo de também ser
vítima. Eles são personagens destacados porque sem eles não existe bullying; são a plateia desta
infeliz tragédia.
Em muitas situações os pais são os maiores responsáveis por esta forma de agressão quando
apoiam e fingem não enxergar os maus modos e as formas de agressão que já se iniciam dentro de
casa.
LEI NO 13.185, DE 6 DE NOVEMBRO DE 2015
Institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying).
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA.Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu
sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o Fica instituído o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (bullying) em todo o
território nacional.
§ 1o No contexto e para os fins desta Lei, considera-se intimidação sistemática (bullying) todo
ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente,
praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou
agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes
envolvidas.
§ 2o O Programa instituído no caput poderá fundamentar as ações do Ministério da Educação e
das Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, bem como de outros órgãos, aos quais a
matéria diz respeito.
Art. 2o Caracteriza-se a intimidação sistemática (bullying) quando há violência física ou
psicológica em atos de intimidação, humilhação ou discriminação e, ainda:
I – ataques físicos;
II – insultos pessoais;
III – comentários sistemáticos e apelidos pejorativos;
IV – ameaças por quaisquer meios;
V – grafites depreciativos;
VI – expressões preconceituosas;
VII – isolamento social consciente e premeditado;
VIII – pilhérias.
Parágrafo único. Há intimidação sistemática na rede mundial de computadores (cyberbullying),
quando se usarem os instrumentos que lhe são próprios para depreciar, incitar a violência, adulterar
fotos e dados pessoais com o intuito de criar meios de constrangimento psicossocial.
Art. 3o A intimidação sistemática (bullying) pode ser classificada, conforme as ações praticadas,
como:
I – verbal: insultar, xingar e apelidar pejorativamente;
II – moral: difamar, caluniar, disseminar rumores;
III – sexual: assediar, induzir e/ou abusar;
IV – social: ignorar, isolar e excluir;
V – psicológica: perseguir, amedrontar, aterrorizar, intimidar, dominar, manipular, chantagear e
infernizar;
VI – físico: socar, chutar, bater;
VII – material: furtar, roubar, destruir pertences de outrem;
VIII – virtual: depreciar, enviar mensagens intrusivas da intimidade, enviar ou adulterar fotos e
dados pessoais que resultem em sofrimento ou com o intuito de criar meios de constrangimento
psicológico e social.
Art. 4o Constituem objetivos do Programa referido no caput do art. 1o:
I – prevenir e combater a prática da intimidação sistemática (bullying) em toda a sociedade;
II – capacitar docentes e equipes pedagógicas para a implementação das ações de discussão,
prevenção, orientação e solução do problema;
III – implementar e disseminar campanhas de educação, conscientização e informação;
IV – instituir práticas de conduta e orientação de pais, familiares e responsáveis diante da
identificação de vítimas e agressores;
V – dar assistência psicológica, social e jurídica às vítimas e aos agressores;
VI – integrar os meios de comunicação de massa com as escolas e a sociedade, como forma de
identificação e conscientização do problema e forma de preveni-lo e combatê-lo;
VII – promover a cidadania, a capacidade empática e o respeito a terceiros, nos marcos de uma
cultura de paz e tolerância mútua;
VIII – evitar, tanto quanto possível, a punição dos agressores, privilegiando mecanismos e
instrumentos alternativos que promovam a efetiva responsabilização e a mudança de comportamento
hostil;
IX – promover medidas de conscientização, prevenção e combate a todos os tipos de violência,
com ênfase nas práticas recorrentes de intimidação sistemática (bullying), ou constrangimento físico
e psicológico, cometidas por alunos, professores e outros profissionais integrantes de escola e de
comunidade escolar.
Art. 5o É dever do estabelecimento de ensino, dos clubes e das agremiações recreativas assegurar
medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate à violência e à intimidação sistemática
(bullying).
Art. 6o Serão produzidos e publicados relatórios bimestrais das ocorrências de intimidação
sistemática (bullying) nos Estados e Municípios para planejamento das ações.
Art. 7o Os entes federados poderão firmar convênios e estabelecer parcerias para a
implementação e a correta execução dos objetivos e diretrizes do Programa instituído por esta Lei.
Art. 8o Esta Lei entra em vigor após decorridos 90 (noventa) dias da data de sua publicação
oficial.
Brasília, 6 de novembro de 2015; 194o da Independência e 127o da República.
Síndrome do ancião maltratado
Na Inglaterra, aproximadamente em 1975, surgiu pela primeira vez o conceito de ancião
maltratado, como uma síndrome de características da violência intrafamiliar. Na maioria das vezes é
desconhecido, tornando difícil seu diagnóstico e sua distinção com os acidentes próprios da idade, a
exemplo das fraturas, contusões e ferimentos outros, muitas vezes pelo temor de o ancião denunciar
seus próprios filhos, parentes próximos e serviçais.
Em alguns países, como nos EUA, a incidência de anciãos maltratados é de 10%, chegando
muitas vezes a ultrapassar as cifras dos maus-tratos infantis. O envelhecimento demográfico da
população mundial certamente aumentará ainda mais esta forma de agressão.
O ambiente familiar é o lugar de maior evidência desses maus-tratos, pois grande parte das
pessoas idosas vive ali. Mas não quer dizer que noutros lugares como hospitais, creches de velhos,
asilos e casas especiais de abrigo não se venham a verificar tais excessos.
Os maus-tratos mais comuns são por abuso e negligência, ou seja, por ação, por omissão ou por
cuidados inadequados. No entanto, didaticamente, classificamos os maus-tratos em anciãos em:
maus-tratos físicos, maus-tratos psíquicos e maus-tratos econômicos.
Os maus-tratos físicos são sempre caracterizados por ferimentos repetidos e pouco justificáveis,
queimaduras, fraturas, escoriações e equimoses. Os maus-tratos psíquicos pelas agressões verbais,
“dano do silêncio”, ameaças, reprovações, desprezo e isolamento. E os maus-tratos econômicos pela
privação dos alimentos, supressão dos bens e pelo mau uso de suas disponibilidades.
Dentro dessa pungente realidade há que se entender a existência de fatores de risco que
naturalmente podem agravar mais ainda o quadro: fatores individuais (antecedentes psiquiátricos,
uso abusivo de álcool e de drogas dos agressores); herança violenta (filhos que sofreram violência
dos pais); dependência econômica (conflitos entre o maltratante e o maltratado); estresse (tipo de
vida que levam os agressores); isolamento social do ancião (quando eles vivem em comunidade, o
fato é mais raro).
A perícia médico-legal em tais eventos deve orientar-se pela história clínica, que deve ouvir o
ancião e seus acompanhantes separadamente. Ter em conta também o tempo decorrido entre as lesões
e a procura do tratamento. Ainda, se é evidente a existência de lesões de datas diferentes.
Em regra, os sintomas e sinais apresentados são semelhantes aos de uma doença crônica, cabendo
estabelecer a diferença entre os maus-tratos e essas patologias. Um fato muito importante nesta
avaliação é o do estado psíquico do paciente, principalmente no que se refere à aparência de terror e
medo que eles possam apresentar. Sobre o aspecto físico é muito importante verificar os locais das
lesões, como, por exemplo, os pulsos e tornozelos, por onde esses pacientes muitas vezes são
imobilizados ao leito.
Uma das formas comuns destes maus-tratos, principalmente em casas de hospedarias ou hospitais
de anciãos, é verificada pela contenção física em que se utilizam cintos de contenção em acamados
ou durante a noite, provocando lesões ou até a morte por asfixia devido a hiperpressão abdominal ou
por constrição do pescoço, atitude justificada como medida para evitar acidentes diante de agitações
ou demência. Na maioria das vezes isto é motivado pela qualidade inadequada dos cintos ou pela
forma errada de seu ajuste.
O mesmo estudo pode ser aplicado às pessoas deficientes maltratadas. Entende-se aqui como
“pessoas deficientes” aquelas que são incapazes de assegurar, por si mesmas, as necessidades de
uma vida individual ou social normal, em decorrência de uma acentuada deficiência, congênita ou
não, em suas capacidades físicas ou mentais.
LEI NO 13.146, DE 6 DE JULHO DE 2015
Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com
Deficiência).
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA.Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu
sanciono a seguinte Lei: (..).
TÍTULO II
DOS CRIMES E DAS INFRAÇÕES ADMINISTRATIVAS
Art. 88. Praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
§ 1o Aumenta-se a pena em 1/3 (um terço) se a vítima encontrar-se sob cuidado e
responsabilidade do agente.
§ 2o Se qualquer dos crimes previstos no caput deste artigo é cometido por intermédio de meios
de comunicação social ou de publicação de qualquer natureza:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
§ 3o Na hipótese do § 2o deste artigo, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a
pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência:
I – recolhimento ou busca e apreensão dos exemplares do material discriminatório;
II – interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na internet.
§ 4o Na hipótese do § 2o deste artigo, constitui efeito da condenação, após o trânsito em julgado
da decisão, a destruição do material apreendido.
Art. 89. Apropriar-se de ou desviar bens, proventos, pensão, benefícios, remuneração ou
qualquer outro rendimento de pessoa com deficiência:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. Aumenta-se a pena em 1/3 (um terço) se o crime é cometido:
I – por tutor, curador, síndico, liquidatário, inventariante, testamenteiro ou depositário judicial;
ou
II – por aquele que se apropriou em razão de ofício ou de profissão.
Art. 90. Abandonar pessoa com deficiência em hospitais, casas de saúde, entidades de
abrigamento ou congêneres:
Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, e multa.
Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem não prover as necessidades básicas de pessoa
com deficiência quando obrigado por lei ou mandado.
Art. 91. Reter ou utilizar cartão magnético, qualquer meio eletrônico ou documento de pessoa
com deficiência destinados ao recebimento de benefícios, proventos, pensões ou remuneração ou à
realização de operações financeiras, com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. Aumenta-se a pena em 1/3 (um terço) se o crime é cometido por tutor ou
curador.
Violência contra a mulher
A violência doméstica representa não só a mais dolorosa ocorrência de ordem afetivosentimental, por atingir o âmago da estrutura familiar, senão também um assunto da mais alta
complexidade sob o ponto de vista médico-pericial.
Esta não é uma situação nova. Hoje ela se torna mais clara pela oportunidade de denúncia pelos
movimentos em defesa dos direitos humanos e pelos movimentos feministas e de defesa da dignidade
da mulher. Acrescente-se a isso a evolução econômico-social da mulher na sociedade
contemporânea.
Sem nenhuma dúvida, tem sido a mulher a maior vítima da violência no meio familiar.
Por uma distorção histórica e cultural, as mulheres, principalmente em determinadas regiões de
nosso país, sempre foram tratadas com restrições, preconceitos e limites. Mesmo que exista uma luta
permanente e um sentimento desfavorável a essas posições, pouco tem sido o avanço de suas
conquistas sociais.
As estatísticas, em geral, atestam que apenas 10% das agressões contra mulheres são denunciadas
e sua incidência maior se dá em torno dos 30 anos de idade. E a idade do agressor, em torno de 42
anos.
A contribuição pericial nessa forma de agressão é de fundamental interesse para sua efetiva
reparação, tanto pela caracterização das agressões físicas com suas mais variadas formas de lesões,
como pela avaliação das agressões psíquicas, algumas delas aproximadas da chamada síndrome de
estresse pós-traumático.
Perícia. Diante de um quadro desta natureza deve o perito:
1 . Descrever e valorizar todas as lesões físicas da vítima. O exame clínico para registro e
avaliação das lesões físicas deve iniciar-se por uma entrevista cuidadosa e demorada, na qual se
valorizem todas as informações referentes aos antecedentes da vítima, sua história familiar e seu
relacionamento com o agressor, assim como as causas que motivaram suas queixas e os sintomas
consequentes ao dano. As lesões físicas, na sua maioria, não são difíceis de serem identificadas.
2 . Examinar e valorizar os danos psíquicos. Ter em conta, mesmo os especialistas em
psiquiatria médico-legal, a existência de certas dificuldades, a partir dos critérios diagnósticos que
não se ajustam a um padrão clínico habitual dos distúrbios psiquiátricos, a impossibilidade de
quantificar o dano, a imprecisão em determinar o nexo causal, a dificuldade de consignar a existência
de um dano psíquico anterior, a imprecisão de estabelecer a distinção entre um dano neurológico e
um dano psíquico, e a possibilidade muito frequente de simulação e de metassimulação por parte da
examinada.
Em primeiro lugar, deve-se fazer uma distinção bem precisa entre dano psíquico e transtorno
mental. Neste estudo, o primeiro caracteriza-se por uma deterioração das funções psíquicas, de
forma súbita e inesperada, surgida após uma ação deliberada e grave de alguém, trazendo para a
vítima um prejuízo material ou moral. O transtorno mental, chamado ainda por alguns de doença
mental, ainda que tenha como elemento definidor a alteração das funções psíquicas, tem origem de
causa dita natural.
3. Considerar o estado anterior. Problema complexo nessa questão é a avaliação da existência
de dano anterior ou do estado anterior da vítima quando se quer estipular existência de dano
psíquico. Muitas vezes se torna difícil estabelecer com rigor se a vítima antes da agressão traumática
ou da agressão psíquica era ou não portadora de um dano ou transtorno psíquico, principalmente
quando estes não foram diagnosticados ou tratados.
Para tanto, o perito deve valer-se de uma anamnese completa e cuidadosa, da informação de
profissionais e de relatórios de instituições que tenham porventura cuidado da paciente. Ter em conta
também que, mesmo existindo anteriormente um quadro de dano corporal ou transtorno mental, para
considerá-lo como importante na avaliação, basta que se prove ter havido agravamento do processo.
Todavia, se não houver nenhuma evidência sobre o estado anterior da vítima, pode-se concluir
que se está diante de uma situação mais complicada, restando tão só ao exame clínico acurado
demonstrar se a sintomatologia apresentada ou o seu agravamento é decorrente da agressão física ou
psíquica recebida.
4. Estabelecer o nexo de causalidade. Com certeza, esta é a parte mais delicada e complexa da
questão. A relação entre o dano físico ou psíquico e os maus-tratos é um pressuposto imperativo de
ordem pericial e não há como fugir disto.
Entende-se por nexo causal uma condição lógica de vínculo, de conexão, de liame ou de
eminente coesão entre a ação e o resultado, não sendo por isso uma situação de imperiosa certeza.
Basta apenas que exista ligação e coerência.
Nessa forma de violência, para se estabelecer o nexo de causalidade, é necessário que: a) a
agressão física ou psíquica tenha existido e, portanto, apropriada àquelas circunstâncias; b) a
agressão tenha sido súbita e exógena; c) haja relação de temporalidade (um prazo legal e um prazo
clínico), ou seja, exista uma coerência entre a idade do dano e a ocorrência dos fatos; d) exista uma
lógica anatomoclínica de sinais e sintomas típicos; e) haja exclusão da preexistência de danos
relativamente à agressão física ou psíquica.
Legislação. No dia 7 de setembro de 2006 o Governo Federal editou a Lei no 11.340
(Lei Maria da Penha), onde cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar
contra a mulher, nos termos do § 8 o do art. 226 da Constituição Federal, e estabelece medidas de
assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar, além de dispor
sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.
Por essa norma toda mulher, independentemente de classe, raça, orientação sexual, renda, cultura,
nível educacional, idade e religião, passa a gozar dos direitos fundamentais inerentes à pessoa
humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar
sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.
Para os efeitos da supracitada Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher
qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou
psicológico e dano moral ou patrimonial: I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o
espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as
esporadicamente agregadas; II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada
por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por
vontade expressa; III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha
convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
De acordo com a referida lei são formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre
outras: I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde
corporal; II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano
emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou
que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça.
constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz,
insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro
meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; III – a violência sexual,
entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou participar de relação
sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a
comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar método
contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante
coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos
sexuais e reprodutivos; IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure
retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos
pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas
necessidades; V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia,
difamação ou lesão.
Com a finalidade de coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher criar-se-ia um
conjunto articulado de ações da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios e de ações
não governamentais, tendo por diretrizes: I – a integração operacional do Poder Judiciário, do
Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social,
saúde, educação, trabalho e habitação; II – a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras
informações relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às
consequências e à frequência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para a
sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados
das medidas adotadas; III – o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais
da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a
violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1o, no inciso IV do
art. 3o e no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal; IV – a implementação de atendimento
policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher; V –
a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar
contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos
instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres; VI – a celebração de convênios,
protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de promoção de parceria entre órgãos
governamentais ou entre estes e entidades não governamentais, tendo por objetivo a implementação
de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher; VII – a capacitação
permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos
profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I quanto às questões de gênero
e de raça ou etnia; VIII – a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de
irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia; IX –
o destaque, nos currículos escolares, de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos
direitos humanos, à equidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e
familiar contra a mulher.
São criados também os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, que
poderão contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar, a ser integrada por profissionais
especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde. Esses Juizados poderão ser
acompanhados da implantação das curadorias necessárias e do serviço de assistência judiciária.
A Lei no 13.104, de 9 de março de 2015, alterou o art. 121 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de
dezembro de 1940 – Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do
crime de homicídio e o art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluí-lo no rol dos
crimes hediondos.
LEI NO 13.104, DE 9 DE MARÇO DE 2015
Altera o art. 121 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para
prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1 o da Lei
no 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos.
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA.Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu
sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o O art. 121 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passa a
vigorar com a seguinte redação:
“Homicídio simples
Art.
121.
..................................................................................................................................................................
Homicídio qualificado
§ 2o ................................................................................
Feminicídio
VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:
.............................................................................................
§ 2oA Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:
I – violência doméstica e familiar;
II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
..............................................................................................
Aumento de pena
..............................................................................................
§ 7o A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado:
I – durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;
II – contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência;
III – na presença de descendente ou de ascendente da vítima.” (NR)
Art. 2o O art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, passa a vigorar com a seguinte
alteração:
“Art. 1o .........................................................................
I – homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que
cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2o, I, II, III, IV, V e VI);
...................................................................................” (NR)
Art. 3o Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.
Brasília, 9 de março de 2015; 194o da Independência e 127o da República.
Tortura
A Lei no 9.455, de 7 de abril de 1997, que regulamenta o inciso XLIII do artigo 5o da
Constituição do Brasil de 1988, define tortura como o sofrimento físico ou mental causado a alguém
com emprego de violência ou grave ameaça, com o fim de obter informação, declaração ou confissão
de vítima ou de terceira pessoa, outrossim, para provocar ação ou omissão de natureza criminosa ou
então em razão de discriminação racial ou religiosa. Por sua vez, a Declaração de Tóquio, aprovada
pela Assembleia Geral da Associação Médica Mundial, em 10 de outubro de 1975, define como: “A
imposição deliberada, sistemática e desconsiderada de sofrimento físico ou mental por parte de uma
ou mais pessoas, atuando por própria conta ou seguindo ordens de qualquer tipo de poder, com o fim
de forçar uma outra pessoa a dar informações, confessar, ou por outra razão qualquer.”
A Convenção da Organização das Nações Unidas contra a Tortura a define como “qualquer ato
pelo qual são infligidos, intencionalmente, a uma pessoa, dores ou sofrimentos graves, sejam eles
físicos ou mentais, com o fim de obter informações ou uma confissão, de castigá-la por um ato
cometido ou que se suspeita que tenha cometido, de intimidá-la ou coagi-la, ou por qualquer razão
baseada em qualquer tipo de discriminação”.
A Convenção Interamericana para Prevenir e Sancionar a Tortura dá definição mais avançada
que esta da Convenção da ONU quando define a tortura como “a aplicação, em uma pessoa, de
métodos que tendem a anular a personalidade da vítima ou diminuir sua capacidade física ou mental,
embora não causem dor física ou angústia psíquica”.
A verdade é que o fato de o ser humano sofrer de forma deliberada de tratamento desumano,
degradante e cruel, com a finalidade de produzir sofrimentos físicos ou morais, é tão antigo quanto a
história da própria Humanidade. Houve uma época, não tão distante, que a Igreja e o Estado usavam
a tortura como formas legais de expiação de culpa ou como forma legal de pena. A Inquisição e a
Doutrina de Segurança Nacional não são diferentes em seus métodos, princípios e objetivos.
Na atualidade, malgrado um ou outro esforço, muitos são os países que ainda praticam, ou
toleram a tortura em pessoas indefesas, sem nenhuma justificativa ou qualquer fundamento de ordem
normativa. Muitas dessas práticas têm por finalidade punir tendências ideológicas ou reprovar e
inibir os movimentos libertários ou as manifestações políticas de protesto. Muitas dessas práticas
cruéis e degradantes nada têm a ver com a chamada “obtenção da verdade”; antes, um sistema
repressivo que dispõe o Estado contra os direitos e as liberdades dos seus opositores, como
estratégia de manutenção no poder.
Tais procedimentos, por motivos muito óbvios, são desconhecidos na maioria das vezes, pois sua
divulgação, mesmo em países ditos democráticos, é evitada de maneira disfarçada, e assim os
organismos internacionais que cuidam dos direitos humanos não têm informações nem acesso aos
torturados. Por outro lado, as próprias autoridades locais do setor de saúde não incluem essas
vítimas dentro de um programa capaz de resgatá-las de suas graves sequelas.
A nossa lei referente à tortura, anteriormente citada, não especifica quem são seus autores, dando
a entender assim que qualquer pessoa agindo daquela forma responderá por tal delito. Todavia, há
quem considere como autor do crime de tortura apenas os agentes públicos investidos em suas
funções e que se utilizam disso para obter informações, castigar, intimidar ou fazer confessar algo. E
por maus-tratos, procedimentos cruéis ou desumanos que mesmo não tendo um propósito específico,
manifestam o desejo de degradar, humilhar ou provocar sofrimentos à vítima. Tanto a tortura quanto
os maus-tratos devem merecer a mesma investigação e a mesma punição.
É um constrangimento enumerar os tipos de prática de tortura existentes. Cabe-nos, no entanto,
afirmar que tais procedimentos não só têm como meta causar sofrimento físico mais insuportável
possível ou a privação das necessidades mais imediatas, mas sobretudo causar humilhação. A
intenção do torturador é sempre a mesma: usar os meios de tortura como “método” de interrogatório
e facilitar a humilhação.
Os meios mais usados como maus-tratos aos detentos são: físicos (violência efetiva), morais
(intimidações, hostilidades, ameaças), sexuais (cumplicidade com a violência sexual) e omissivos
(negligência de higiene, alimentação e condições ambientais).
Violência institucional no Brasil
Os aparelhos do poder organizado em nosso país que administram a repressão e que executam a
punição não deixam, de certo modo, de exercer ou tolerar a violência. O Estado constitui-se sem
dúvida na mais grave forma de arbítrio porque ela flui de um órgão de proteção e contra o qual
dificilmente se tem remédio.*
A partir da organização dos movimentos coletivos de reivindicação e protesto, o poder passou a
prevenir e controlar de forma agressiva o que ele chamou de “desordens públicas”. Esse aparelho de
poder autorizado legalmente deixa claro que a garantia da “ordem social” tem suas razões ditadas
pelas classes dominantes que se sentem ameaçadas.
A violência do aparelho carcerário é certamente a mais impiedosa e humilhante porque o
presidiário, principalmente o de crimes comuns, representa, para o poder e para uma fração da
sociedade, uma escória. Não passa pelos critérios dessas pessoas que a pena seja uma medida de
recuperação e de ressocialização, mas tão só um instrumento de vingança e de reparação. O próprio
sentido de intimidação e de excessivo rigor punitivo não deixa de constituir uma modalidade de
terrorismo oficial.
A forma como essas instituições são administradas e o perfil dos seus administradores não
deixam dúvidas do verdadeiro sentido dessas prisões. Não é nenhuma novidade afirmar que essas
casas de custódia funcionam como desestímulo arrasador aos programas de recuperação. E é nesse
ambiente de trabalhos inúteis, de degradação e coação disciplinar, de prática sistemática de torturas
e maus-tratos que o regime carcerário propõe recuperar seus presos.
A falta de disciplina e a brutalidade gratuita de alguns dos seus agentes e o desdém pelas
entidades que promovem a defesa e a proteção dos direitos humanos é com certeza a manifestação
mais abjeta da intolerância, da irreverência e do arbítrio.
Recomendações em perícias de casos de tortura
Recomenda-se que, em todos os casos de perícias de alegação ou presunção de tortura, procedase sempre da seguinte maneira:
• valorizar no exame físico o estudo esquelético-tegumentar;
• descrever detalhadamente a sede e as características dos ferimentos;
• registrar em esquemas corporais todas as lesões encontradas;
• fotografar as lesões e alterações existentes nos exames interno e externo;
• detalhar em todas as lesões, independentemente do seu vulto, a forma, idade, dimensões,
localização e particularidades;
• radiografar, quando possível, todos os segmentos e regiões agredidos ou suspeitos de violênci
• trabalhar sempre em equipe;
• examinar sempre que possível à luz do dia;
• usar os meios subsidiários disponíveis;
• avaliar de forma objetiva e imparcial;
• examinar a vítima de tortura sem a presença dos agentes do poder;
• examinar com paciência e cortesia.
Por fim, recomenda-se que os peritos nunca usem as informações como propostas pessoais,
quaisquer que sejam suas posições políticas ou ideológicas.
Direitos do periciando em casos de tortura
Aquele que se apresenta à perícia ou está sendo examinado tem, como todo cidadão, assegurados
pela Constituição Federal, seus direitos individuais e coletivos, sem distinção de qualquer natureza.
Entre tantos, o que está expresso em seu artigo 5o, item II: “ninguém está obrigado a fazer alguma
coisa senão em virtude da lei.” Isto também se aplica ao próprio indivíduo que está sendo submetido
a perícia quando envolve a sua própria pessoa na dimensão física ou moral que merece. Portanto,
cabe ao investigando decidir sobre certas circunstâncias quando submetido a determinados testes ou
exames, certo também que arcará com o ônus decorrente da sua negativa.
Mesmo se cuidando de matéria de ordem criminal, em que sempre se assinala o interesse público
preponderando em detrimento do particular, ainda assim mantém-se o direito individual, porque todo
interesse coletivo começa do respeito a um indivíduo.
Assim, por exemplo, no processo penal (matéria de direito público), está pontificado que a
descoberta da verdade jamais ultrapassará limites da decência do réu, que tem o direito de ficar
calado, se omitir à verdade e até se recusar na participação da prova, sem que isso seja interpretado
como prejuízo a sua defesa ou como confissão de culpa.
Se fosse diferente, ou seja, se a busca da verdade fosse irrestrita, sem barreiras, submetendo-se
os examinandos a todas as formas de coações e violações quando submetidos às perícias, certamente
voltaríamos à época da Inquisição. Aqui não cabe o jargão de que “os fins justificam os meios”,
princípio despótico baseado nos modelos fascistas e decadentes, que não encontram mais guarida em
solo democrático.
Eis alguns dos seus direitos:
1. Ter conhecimento dos objetivos das perícias e dos exames. A informação é um pressuposto
ou requisito prévio do “consentimento livre e esclarecido”. É necessário que o examinando dê seu
consentimento sempre de forma livre e consciente e as informações sejam acessíveis aos seus
conhecimentos para evitar a compreensão defeituosa, principalmente quando a situação é complexa e
difícil de avaliar (princípio da informação adequada).
2. Ser submetido a exame em condições higiênicas e por meios adequados. Nada mais justo do
que ser examinado, qualquer que seja sua condição de periciando, dentro de um ambiente recatado,
higiênico e dotado das condições mínimas do exercício do ato pericial. Fora destas condições, além
do comprometimento da qualidade do atendimento prestado, há um evidente desrespeito à dignidade
humana. Não é de hoje que se pede à administração pública pertinente a melhoria dos equipamentos,
insumos básicos e recursos humanos para a efetiva prática da perícia nas instituições médicopericiais. Essa realidade vem contribuindo para justificar a má prática pericial médica e o descaso
que se tem com a pessoa do examinando.
3. Recusar o exame no todo ou em parte. O periciando manifestando a recusa de se submeter ao
exame ou parte dele não estaria cometendo crime de desobediência, nem tampouco arcando com as
duras consequências da confissão ficta; a uma, pela total falta de amparo legal que possa tipificá-lo
no delito mencionado; a duas, porque ninguém, por autoridade que seja, poderia obrigar a alguém a
submeter-se a um exame.
4. Ser examinado em clima de respeito e confiança. Mesmo para aqueles que cometerem ou são
suspeitos de práticas de delitos, qualquer que seja sua gravidade ou intensidade, o exame
legispericial deve ser procedido em um ambiente de respeito e sem a censura que possa causar a
quem os examina. Se o periciando é a vítima, com muito mais razão.
5. Rejeitar determinado examinador. O examinando não tem o direito de escolher determinado
examinador, mas pode, por qualquer razão apontada ou mesmo sem explicar os motivos, rejeitar
determinado examinador, por suspeição ou impedimento, ou mesmo por questões de ordem pessoal
que podem ir desde a inimizade até mesmo a amizade próxima.
6 . Ter suas confidências respeitadas. Certas confidências contadas pelo periciando, cujas
confirmações ele não queira ver registradas, podem ser omitidas, desde que isto não venha
comprometer o exame cuja verdade se quer apurar, algumas delas até em seu próprio favor.
7. Exigir privacidade no exame. O exame do periciando deve ser sempre realizado respeitando
sua privacidade, evitando-se a presença de pessoas estranhas ao feito. Quando se tratar de
estagiários, residentes ou estudantes, deve-se pedir a autorização do examinando e sempre respeitar
seu pudor e permitir a presença de pequenos grupos. Caso o examinando queira a presença de algum
parente ou pessoa de sua intimidade e confiança, isto não compromete a privacidade exigida.
8. Rejeitar a presença de peritos do gênero oposto. Esta é outra questão que se apresenta como
justa e razoável: o respeito ao pudor do examinando, seja ele homem ou mulher, atendendo ao seu
pedido na escolha de um perito do seu gênero.
9. Ter um médico de sua confiança como observador durante o exame pericial. Mesmo que na
fase da produção da prova ainda não seja a oportunidade de indicação do assistente técnico, não
vemos nenhum óbice justificável para se impedir a presença de um médico da confiança do
examinando durante a perícia, seja em um exame de lesão corporal, necropsia ou exumação.
Como se sabe, agora é facultado ao Ministério Público e às partes a indicação de assistentes
técnicos durante o curso do processo judicial que poderão apresentar seus pareceres em prazo a ser
fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência. Quando ainda no Inquérito Policial, na produção de
provas, este médico não teria as prerrogativas elencadas na Lei no 11.690, de 9 de junho de 2008,
que altera o artigo 159 do Código de Processo Penal. Mas, o que se tem observado na prática,
quando solicitada aquela presença, é que os magistrados têm atendido a esse pedido. Trata-se apenas
de uma forma de segurança que tranquiliza o periciando ao ser examinado pela perícia oficial. Isto
não é desdouro ou ofensa à credibilidade do órgão periciador, nem muito menos a quem o examina.
10. Exigir a presença ou a ausência de familiares e advogados durante os exames. Quanto à
presença de um familiar durante o exame pericial tudo faz crer não existir qualquer rejeição,
principalmente quando isto se verifica a pedido do examinando. Todavia, quanto à presença de um
advogado a questão é muito controvertida. Mesmo assim, entendemos que a Lei no 8.906, de 4 de
julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil –
OAB, em seu Capítulo II – Dos Direitos do Advogado, artigo 7o, diz em seu item VI, letra c, que são
direitos do advogado “ingressar livremente em qualquer edifício ou recinto em que funcione
repartição judicial ou outro serviço público onde ele deva praticar ato ou colher prova ou
informação útil ao exercício da atividade profissional, dentro do expediente ou fora dele, e ser
atendido, desde que se ache presente qualquer servidor ou empregado”.
Para tanto seria necessário que o advogado, devidamente habilitado naquela ação, se esta é a
vontade do seu assistido, não lhe cause constrangimento, desde que entenda que o perito necessita
exercer suas atividades com total liberdade e independência, que não pode ter participação ativa, e
sim discreta e sem causar confrontos. Isso amplia a lisura e a transparência dos atos do inquérito ou
do processo. O Conselho Federal de Medicina em seu Parecer CFM no 31/2013 estabelece: “A
perícia médica é ato privativo de profissional que exerce a Medicina. O médico-perito tem plena
autonomia para decidir pela presença ou não de pessoas estranhas ao ato médico pericial.” De tal
forma, o CFM submete a presença do advogado durante uma perícia médico-legal à simples anuência
de um médico-perito e não a princípios éticos ou legais justificadores de uma decisão desta ordem.
11. Ser avaliado de forma objetiva e imparcial. Qualquer que seja o motivo que tenha levado o
periciando a determinado tipo de exame tem ele o direito de ser tratado com respeito e isenção, sem
nenhuma avaliação de mérito pelo examinador no que diz respeito aos resultados periciais nem à
forma como é conduzida a perícia.
12. Ser examinado sem a presença de policiais. Seja o periciando detento ou presidiário,
principalmente quando vítima de tortura, maus-tratos ou tratamento degradante ou cruel, tem ele o
direito de ser examinado sem a presença ostensiva dos agentes policiais.
13. Ser tratado com paciência e cortesia. Durante o exame pericial aquele que se submete a ele
tem o direito de ser atendido com moderação e respeito, principalmente quando se tratar de menores
de idade e vítimas de violência sexual e de torturas.
Identificação da vítima
A identificação da vítima é sempre necessária mesmo com o reconhecimento de seus familiares
ou de terceiros, e por isso se impõe o registro completo de todos os elementos antropológicos,
antropométricos e a coleta de material para exame de DNA forense, assim distribuídos:
1. Sistema dactiloscópico. Através da comparação das impressões digitais dos dedos das mãos e
dos pés e das regiões palmares das mãos, com seus registros anteriores, principalmente nos casos
das vítimas vivas ou mortas recentemente.
2. Métodos odontológicos. Os meios mais utilizados são os de comparação pelas características
de cada dente, suas ausências, materiais de restauração, próteses, desgastes, malformações, devendose valorizar bem as radiografias dentárias e dos ossos da face.
3. Meios médicos-forenses. Os médicos legistas devem consignar todos os elementos referentes
à identificação por sexo, raça, idade, estatura, tatuagens, sinais individuais, malformações,sinais
profissionais, cicatrizes, superposição de imagens, dados radiológicos e pela morfologia e
dimensões do pavilhão auricular.
4. Meios antropológicos e antropométricos. No caso de corpos esqueletizados é importante o
exame para a identidade da vítima no que diz respeito a sua estatura, sexo, raça, estatura e idade.
5 . Estudo do DNA. Esse é o exame de grande utilidade na identificação de corpos não
identificados, em estado de decomposição ou já esqueletizados.
Exame clínico em casos de tortura
Toda avaliação pericial com fins legais, diante de casos de suspeita de tortura, deve ser
realizada de forma objetiva e imparcial, com base nos fundamentos médico-legais e na experiência
profissional do perito. O ideal seria que essas perícias fossem feitas não apenas por profissionais
imparciais – afinal, como deve ser todo perito –, mas também por pessoas que tenham treinamento
nestes tipos de exames, sabendo utilizar-se dos meios semiológicos pertinentes, dos meios
complementares específicos a cada caso e dos meios ilustrativos disponíveis.
É necessário entender que a investigação da tortura nem sempre é uma tarefa fácil porque, cada
vez mais, utilizam-se meios que não deixam marcas visíveis.
O exame deve ser feito em um clima de confiança, com paciência e cortesia. Entender que as
vítimas de tortura, na maioria das vezes, mostram-se arredias, desconfiadas e abaladas, em face das
situações vergonhosas e humilhantes por que tenham passado.
Deve-se manter sigilo das confidências relatadas e somente divulgá-las com o consentimento da
vítima. Examiná-la com privacidade, jamais na presença de outras pessoas, principalmente de
indivíduos que possam ser responsáveis ou coniventes com os maus-tratos.
O perito deve ter o consentimento livre e esclarecido do examinado sobre fins e objetivos do
exame, e este tem o direito de recusar ser examinado ou limitar o exame. Por outro lado, as vítimas
podem escolher o perito ou podem optar pelo sexo masculino ou feminino do examinador. Em casos
de estrangeiros, têm também o