Quem foi Ruth de Souza, 1ª atriz brasileira indicada a prêmio internacional - Revista Galileu | Cultura
  • Beatriz Gatti*
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Conheça a trajetória de Ruth de Souza, primeira brasileira a ser indicada a um prêmio internacional de cinema  (Foto: Acervo da Agência O Globo)

Conheça a trajetória de Ruth de Souza, primeira brasileira a ser indicada a um prêmio internacional de cinema (Foto: Leo Martins/Agência O Globo)

Imaginando a iluminação de uma cidade grande, a pequena Ruth enfileirava vagalumes para tentar remontar as ruas do Rio de Janeiro descritas pela sua mãe. Talvez nesse momento da infância já aparecessem os primeiros sinais de que aquela criança com uma mente tão criativa se tornaria a grande Ruth de Souza, primeira artista negra com destaque na dramaturgia brasileira e primeira brasileira indicada a um prêmio internacional de cinema.

Nascida no Rio de Janeiro em 12 de maio de 1921, Ruth viveu até os 9 anos de idade no interior de Minas Gerais. Após a morte do pai, ela voltou para a capital carioca junto à mãe, Alaíde Pinto de Souza, para viver em uma vila de lavadeiras em Copacabana. Foi lá que o filme Tarzan, o Filho das Selvas (1932) representou o primeiro encantamento com o cinema, onde Ruth ainda estrelaria diversas produções. Graças à mãe, a futura artista também descobriu o teatro através de peças, óperas e espetáculos custeados pelo dinheiro ganho com as roupas lavadas.

Nesta terça-feira (12), ela completaria 100 anos, dos quais mais de 70 foram dedicados a uma carreira de sucesso. A página inicial do Google a homenageou com uma ilustração no Doodle Celebration Today.

Google homenageou 100º aniversário de Ruth de Souza, que nasceu em 12 de maio de 1921 (Foto: Reprodução/Google)

Google homenageou Ruth de Souza, atriz brasileira que faria 100 anos no dia 12 de maio de 2021 (Foto: Reprodução/Google)

Vislumbrada com palcos e atuações, no início da carreira, Ruth ouvia com frequência comentários de que, por ser negra, seria impossível tornar-se atriz. Na época, a presença negra era raríssima no teatro e no cinema — e, quando havia, a representação era sempre caricata.

Aos 17 anos, Ruth descobriu um grupo que se reunia na União Nacional dos Estudantes (UNE) para formar uma companhia. Ela então juntou-se a Abdias do Nascimento e a Aguinaldo Camargo, entre outros, para criar o Teatro Experimental do Negro (TEN). “Queríamos provar que negro também podia ser ator. Não dava para acreditar: em um Brasil mulato como somos, não ter um ator negro! Era um absurdo!”, contou ela a Maria Angela de Jesus no livro Ruth de Souza, Estrela Negra.

Ruth teve seu primeiro papel em O Imperador Jones, de Eugene O’Neill, peça de estreia do TEN realizada na noite de 8 de maio de 1945, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Em 1947, aos 26 anos, atuou em Terras do Sem Fim, que tem texto de Jorge Amado e é fruto de uma parceria com o Teatro dos Comediantes. No mesmo ano, Ruth recebeu o Prêmio Revelação pela interpretação de Aíla em O Filho Pródigo, de Lúcio Cardoso.

 (Foto: Divulgação/Acervo TV Globo)

Ruth de Souza acumulou mais de sete décadas de carreira ao longo de seus 98 anos de vida (Foto: Divulgação/Acervo TV Globo)

No início dos anos 50, por recomendação de Paschoal Carlos Magno, Ruth foi se aperfeiçoar nos Estados Unidos com uma bolsa da Fundação Rockefeller. Durante um ano, estudou artes cênicas na American National Theater and Academy, em Nova York, na Karamu House, em Cleveland, e na Universidade Harvard.

Em 1953, participou do elenco do filme Sinhá Moça, que lhe projetou internacionalmente e lhe garantiu uma indicação ao Leão de Ouro no Festival de Veneza. Ela concorreu ao lado de Michèle Morgan, Lilli Palmer e Katharine Hepburn, a maior vencedora de Oscars até hoje, com quatro estatuetas de melhor atriz. Por dois pontos, Ruth não ganhou o prêmio de Veneza, que foi dado à alemã Lilli Palmer.

A atriz carioca não gostava de papéis que eram retratados como tolos. Sua preocupação era evidenciar que as personagens também sabiam pensar, fugindo da dinâmica padrão em que atrizes negras eram inseridas.

Panfleto de divulgação do filme Sinhá Moça, de 1953 (Foto: Acervo Ruth de Souza)

Panfleto de divulgação do filme Sinhá Moça, de 1953 (Foto: Acervo Ruth de Souza)

Representando a escritora Carolina de Jesus, Ruth protagonizou a peça Quarto de Despejo, uma adaptação do livro homônimo que foi levada aos teatros em 1961. Para construir o processo interpretativo, ela frequentou a favela paulistana retratada na renomada obra de Carolina de Jesus

Amiga de Nelson Rodrigues e Jorge Amado, Ruth dividiu palco com os grandes Oscarito e Grande Otelo. Também dominou papéis na televisão, onde acumulou 27 trabalhos em mais de 40 anos de carreira. Dentre eles destacam-se os primeiros teleteatros da TV Tupi e da TV Record, telenovelas da TV Excelsior e A Cabana do Pai Tomás, em que teve o papel principal — pela primeira vez, uma negra era protagonista de uma novela.

Seu último trabalho foi aos 97 anos como Madalena na minissérie brasileira Se Eu Fechar os Olhos Agora, produzida pelos Estúdios Globo e lançada em 2018. Faltou muito pouco para a dama da dramaturgia brasileira completar um centenário de existência — dos quais mais de 70 anos foram dedicados à carreira artística. Ruth de Souza morreu em 2019 na cidade onde nasceu, vítima de uma pneumonia. “Sempre lutei por meus sonhos”, disse uma vez a atriz que trocou a luz dos vagalumes pelos holofotes dos palcos.

*Com supervisão de Larissa Lopes