Os 70 anos de reinado de Elizabeth 2ª: quando a jovem princesa percebeu que se tornaria rainha

  • Robert Lacey*
  • Historiador e biógrafo
A formal portrait of the-then Duchess of York, Princess Margaret, the Duke of York - later King George VI - and Princess Elizabeth

Crédito, Universal History Archive/Getty Images

Legenda da foto, A jovem princesa Elizabeth (direita) com sua irmã Margaret e seus pais, quando eles eram duque e duquesa de York

Historiadores dizem que a rainha Elizabeth 2ª viveu a primeira década de sua vida com pouca expectativa sobre seu futuro. Ela teria sido uma criança despreocupada, aparentemente, que passava o tempo brincando com seus cavalos e cachorros, livre da sombra do que estava por vir.

Em 6 fevereiro de 2022 marcou-se o 70º aniversário de sua ascensão ao trono. Na época, surgiram comparações entre a jovem princesa Elizabeth e a atual princesa Beatrice — filha do segundo duque de York ("Bertie" em 1926, príncipe Andrew hoje), e, portanto, distante de qualquer perspectiva realista de herdar a coroa britânica, muito menos de reinar sobre os cerca de 500 milhões de habitantes do que era então conhecido como a Comunidade Britânica e Império.

Dezembro de 1936 tornou-se o dramático ponto de virada neste cenário quando seu tio David, o rei Edward 7º, surpreendeu o mundo e sua família ao abdicar do trono para se casar com Wallis Simpson, sua amante americana divorciada — jogando Elizabeth, de 10 anos de idade, na linha direta de sucessão.

Seu pai, o príncipe Albert, assumiu o título de rei George 6º, e Elizabeth virou sua herdeira imediata — a primeira da linha de sucessão.

Queen Mary with Princess Elizabeth, 1926

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Bebê princesa Elizabeth com sua avó, a rainha Mary, em 1926
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Mas a jovem princesa estava realmente tão despreparada?

"Papai vai ser rei", Elizabeth informou a sua irmã Margaret Rose, de seis anos, naquele dia de dezembro, explicando a repentina festa da multidão que se reunia do lado de fora de sua casa em Piccadilly.

"Isso significa que você vai ser rainha?", perguntou Margaret.

"Sim", respondeu Elizabeth friamente. "Suponho que sim."

"Coitadinha de você!", respondeu sua irmã mais nova com humor ao relatar o incidente a Elizabeth Longford no início de 1980.

Mas Margaret optou por omitir a piada quando recontou a história duas décadas depois ao historiador Ben Pimlott. Concentrou-se em como a nova herdeira parecia pouco inclinada a brincar sobre o assunto. "Ela não mencionou isso de novo", disse a princesa a Pimlott.

Então, o que a princesa Elizabeth de 10 anos sabia?

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O primeiro modelo da rainha Elizabeth 2ª para o que se tornou seu destino foi seu amado avô, o barbudo rei George 5º (1865-1936). Ela o chamava de "vovô Inglaterra", o que mostrava como a garotinha já compreendia a essência dos negócios reais.

George 5º é lembrado por não ter "nenhum exercício de dons sociais, nenhum magnetismo pessoal, nenhum poder intelectual", admitiu seu biógrafo oficial John Gore.

"Ele não era espirituoso e nem um contador de histórias brilhante."

O velho rei, em outras palavras, era exatamente como a maioria de seus súditos. Mas ele tinha um senso aguçado de sobrevivência — e também de simbolismo.

Foi George 5º quem sabiamente abandonou o sobrenome germânico da família real de Saxe-Coburg-Gotha em 1917. Portanto, não é de surpreender que, mais de um século depois, o mundo tenha tanta admiração pelas habilidades que a rainha implantou por meio de sua reinado excepcionalmente longo e distinto.

Ela os aprendeu em primeira mão com o fundador da Casa de Windsor.

George 5º foi a origem do famoso apelido de família de sua neta "Lilibet". Em abril de 1929, em seu terceiro aniversário, ela foi capa da revista TIME como "Princess Lilybet".

A grafia preferida de seu avô, no entanto, era "Lilibet" sem o "y", conforme estabelecido em frequentes referências carinhosas em seu diário meticulosamente mantido — uma das delícias dos Arquivos Reais em Windsor.

A Royal Smile. H.R.H. Princess Elizabeth', circa 1929. The future Queen Elizabeth II (born 1926) aged about three years old.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Princesa 'Lilibet' em foto tirada por volta de 1929

Naquela primavera de 1929, o velho rei insistiu que sua amada neta, de apenas três anos, fosse trazida para vê-lo em Bognor Regis, na costa de Sussex, como um dos dois estímulos cruciais para sua recuperação de uma operação pulmonar quase fatal (o segundo estímulo era que ele pudesse "ser autorizado a fumar um cigarro").

Nesses primeiros meses de 1929, George 5º compartilhou pela primeira vez sua esperança de que sua neta um dia ascendesse ao trono britânico.

"Você verá", disse ele ao pai de Lilibet, que o visitava durante sua recuperação, "seu irmão nunca se tornará rei".

"Eu lembro que pensamos: 'Que ridículo'. . .", a rainha-mãe lembrou anos mais tarde. "Nós dois nos olhamos e pensamos: 'Bobagem'."

Mas o velho rei tinha convicção. "Ele vai abdicar", insistiu o rei a um de seus confidentes — com extraordinária visão, considerando que a previsão foi feita sete anos antes do evento.

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George 5º estava preocupado não apenas que seu filho mais velho David pudesse sabotar seu próprio reinado quando herdasse a coroa, mas também que o próximo na linha, "Bertie", ele próprio frágil e sofrendo de congestão pulmonar, também não durasse muito.

O velho monarca aparentemente temia que o gago duque de York pudesse desmoronar sob a pressão da responsabilidade real, de modo que a pequena Lilibet pudesse vir a ser colocada no trono quando criança. Nesse caso, o regente lógico provavelmente seria o impassível terceiro filho de George 5º, Henry, Duque de Gloucester (1900-1974).

A possibilidade de uma Elizabeth ainda jovem ascender ao trono sob a tutela de seu tio Henry pode simplesmente ter refletido a preocupação de um rei doente.

Mas ficando em Balmoral no outono anterior, Winston Churchill, então chanceler do Tesouro (e mais tarde o primeiro primeiro-ministro da rainha) parecia endossar a ideia de que a criança seria a futura rainha. A jovem princesa, ele escreveu para sua esposa Clementine, "é uma figura. Ela tem um ar de autoridade e reflexão surpreendentes em uma criança".

Lilibet builds a sandcastle, watched over her grandfather, sat on a bench in Bognor in 1929

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Artista CE Turner capturou esta imagem da jovem princesa com seu avô Rei George em Bognor Regis em 1929
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Enquanto ela construía castelos de areia com seu avô que se recuperava lentamente, a criança evidentemente havia absorvido alguma seriedade real do imperador-rei.

Antes do fim do reinado de George 5º, em 1936, a extraordinária expansão de presentes públicos não solicitados para sua neta — e até mesmo pedidos para a presença da criança em funções públicas — atingiu tal volume que uma dama de companhia foi contratada para cuidar dos assuntos da jovem Elizabeth de York.

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No Castelo de Windsor, no final da década de 1920, a jovem princesa Elizabeth (nascida em 21 de abril de 1926) foi observada pelo bibliotecário real Owen Morshead sendo levada em seu carrinho para assistir à troca da guarda, quando o oficial comandante marcharia para saudá-la.

"Permissão para marchar, por favor, senhora?"

Sentada em seu carrinho, a princesa inclinou a cabeça com gorro, de acordo com Morshead, depois acenou com a mão para dar permissão. Nesta tenra idade, a garotinha que já compreendia o peso do papel nacional de seu avô como "Vovô Inglaterra", estava claramente desenvolvendo uma noção própria também...

Que efeito tem em uma mente de três anos descobrir que você só tem que acenar com a mão e acenar com a cabeça para a banda tocar ou todo o pelotão marchar a seu pedido?

Princes Elizabeth featured on featured on a six cent stamp in Newfoundland in 1932
Legenda da foto, Jovem princesa Elizabeth em um selo de seis centavos da Newfoundland em 1932
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Logo após seu quarto aniversário, no verão de 1930, uma efígie de cera da princesa Elizabeth fez sua estreia no Madame Tussauds, sentada em um pônei.

Dois anos depois, a princesa foi apresentada em um selo de seis centavos em Newfoundland — e perto do Polo Sul, a Union Jack (bandeira britânica) foi erguida sobre os 900 mil quilômetros quadrados da "Princess Elizabeth Land", reivindicada pela Austrália (e um total de 258 quilômetros quadrados maior do que todo o Reino Unido).

"Toda vez que ela sai para dar uma volta no parque", relatou o Belfast News Letter no verão de 1932, as "pessoas reconhecem a menina de seis anos". "Chapéus são levantados e lenços são levantados de todos os lados."

Para seu sétimo aniversário, em abril de 1933, a princesa enviou convites para a festa em seu próprio papel de carta azul gravado com um "E" maiúsculo abaixo de uma coroa real. Uma coroa!

Princess Elizabeth, right, and her sister Princess Margaret in 1933 at Y Bwthyn Bach or The Little House, situated in the garden of the Royal Lodge, Windsor Great Park, Berkshire, England.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Princesa Elizabeth, à direita, e sua irmã, a princesa Margaret, em 1933
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Seus pais contrataram o artista da sociedade Philip de László para pintar um retrato de sua filha, a quem o pintor descreveu como "uma garotinha muito inteligente e bonita... Ela é muito popular e... atualmente vista como a futura Rainha da Grã-Bretanha."

Esta notícia repercutiu em um relatório dos EUA em maio de 1934, de que o futuro Edward 8º era conhecido por ser "morno em relação ao trabalho para o qual nasceu".

Pessoas próximas do príncipe diziam que ele não demonstrava nenhuma alegria com a perspectiva de virar rei.

Como resultado, a princesa estava agora recebendo "a educação estrita de alguém que é considerada sucessora direta da coroa da Inglaterra".

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A provável fonte dessas revelações norte-americanas — que foram cuidadosamente ignoradas pela imprensa britânica ainda respeitosa da família real na época — foi a jovem governanta recém-recrutada da princesa Marion Crawford, que foi descrita como "muito bonita", "muito severa" e "muito escocesa".

Apelidada de "Crawfie" por seus jovens pupilos, a governanta se tornaria notória por suas revelações no best-seller The Little Princesses ("As Princesinhas", em tradução literal) — no qual relatou, por exemplo, como conspirou com a rainha Mary para subverter o desejo de sua mãe que suas filhas passassem menos tempo dentro da sala de aula.

A governanta e a avó trabalharam juntas para dar mais rigor na educação das irmãs. A severa matriarca real achava que a princesa Elizabeth deveria ler apenas "o melhor tipo de livros infantis", muitas vezes selecionando-os ela mesma — enquanto também sonhava com "divertimentos instrutivos" para a futura monarca, como visitas à Torre de Londres.

O "vovô Inglaterra", por sua vez, tinha metas mais simples. "Pelo amor de Deus", vociferou para a governanta, "ensine Margaret e Lilibet a escrever com uma letra decente — é tudo o que eu lhe peço! Nenhum dos meus filhos sabe escrever direito. Todos fazem exatamente da mesma maneira. Eu gosto de uma letra com algum tipo de personalidade."

A princesa Elizabeth com seu cachorro em uma foto tirada no ano da abdicação, 1936

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, A princesa Elizabeth em uma foto tirada no ano da abdicação, 1936 - é provável que ela já soubesse o que estava por vir
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Reportagens de jornais estrangeiros noticiaram que as chances da jovem princesa de se tornar "rainha regente" eram agora melhores do que as da rainha Vitória, de oito anos, um século antes — filha de um quarto filho com dois tios pela frente.

"Se algum dia eu for rainha", disse ela a Crawfie, "farei uma lei de que não se deve haver cavalgadas aos domingos. Os cavalos também merecem descansar."

A rainha Mary sentiu o perigo. Percebendo como sua neta estava se contorcendo impacientemente em uma excursão em um concerto, a rainha perguntou se ela não preferia ir para casa.

"Ah, não, vovó", foi a resposta, "não podemos sair antes do fim. Pense em todas as pessoas que estarão esperando para nos ver lá fora" — ao que a vovó imediatamente instruiu uma dama de companhia a escoltar o criança pelos fundos e levá-la para casa de táxi.

A rainha Mary não queria que sua neta mais velha ficasse viciada em bajulação. A rainha e seu marido entendiam que modéstia, humildade e senso de serviço eram o preço que a realeza tinha que pagar por sua grandeza em uma era democrática.

O dever era a palavra de ordem deles, e ambos passaram essa lição crucial para a neta — de que ela era menos importante que o sistema. Eles garantiram que Lilibet crescesse como uma pessoa que pensa nos demais.

Prince George with Prince William and the Queen at the Trooping of the Colour in 2015

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Príncipe William quis que seu filho, príncipe George, desfrute de alguns anos de relativa normalidade antes de ser informado sobre seu futuro

De todos os sinais, parece provável que a futura Elizabeth 2ª tenha adquirido uma ideia realista do que a esperava aos sete anos de idade — pelo menos três anos antes da abdicação.

Curiosamente, a idade de sete anos foi quando o príncipe William teria revelado a mesma realidade a seu filho George — no último momento antes que o menino fosse confrontado com a verdade em seu playground da escola em Londres.

Como Charles, seu pai, William expressou se mostrou dividido sobre a responsabilidade que herdou. Ele gostaria que seu filho George desfrutasse de alguns anos de relativa normalidade.

Chegando ao trono em 1952, Elizabeth 2ª presidiu um reinado de duas metades — relativamente monótono por quase três décadas, antes de chegar ao conturbado casamento de Charles com Diana nos anos 1980. Foi quando as lições de infância que a jovem Elizabeth aprendeu de seus avós ganharam importância.

A rainha precisou de toda a humildade para resistir à avalanche de tremores semelhantes aos da abdicação: Charles, Diana, Camilla, o incêndio de Windsor, Andrew-com-Fergie, Andrew-sem-Fergie — com a inesperada partida do neto Harry em 2020. Foi uma crise atrás da outra — e, apesar de tudo, a monarquia prevaleceu sob seu comando seguro.

Um senso de humor aguçado ajudou. Em 1992, a rainha brincou que o desastre do incêndio de Windsor e o colapso de três dos casamentos de seus filhos havia sido seu "Annus Horribilis".

"Oh, querida", ela perguntou quando uma envergonhada ministra do Trabalho, Clare Short, teve que desligar seu celular durante uma reunião do Conselho Privado. "Espero que não tenha sido alguém importante?"

Desde cedo, a perspicaz Elizabeth parece ter compreendido a comédia do espetáculo real no qual ela estaria destinada a desempenhar um papel de liderança.

"Não nos levemos muito a sério", ela declarou em seu programa de Natal de 1991. "Nenhum de nós tem o monopólio da sabedoria."

Elizabeth and Margaret with their parents and dogs at Windsor in 1936

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, As jovens princesas Elizabeth e Margaret com seus pais e cães em Windsor em 1936
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Em 1933, de acordo com a "lenda" real, Lilibet informou confiantemente sua irmã Margaret, nascida em 1930: "Eu sou três e você é quatro".

Jovem e confusa, mas ainda capaz de fazer as contas, Margaret respondeu: "Não, você não é. Eu tenho três anos, você tem sete!"

Demorou para Margaret perceber que sua irmã mais velha não estava falando sobre idade. Ela estava se referindo às respectivas posições das duas meninas na ordem de sucessão depois de seu avô — tio David, um; papai, dois; e Lilibet, três.

Depois da abdicação e tendo subido dois rankings para enfrentar o desafio de se tornar a número um na linha de sucessão, a princesa de 10 anos foi descrita por sua avó Lady Strathmore como "orando ardentemente por um irmão".

Mas não houve nenhum irmãozinho. A garotinha criada entre seus cavalos e cachorros agora tinha que se preparar para o desafio de se tornar "Vovó Inglaterra" — e "Vovó" do País de Gales, Irlanda do Norte e Escócia também.

*Robert Lacey é um historiador e biógrafo britânico que fez um estudo sobre a monarquia constitucional britânica. Sua biografia Majesty: Elizabeth II and the House of Windsor foi publicada em 1977. Desde 2015 ele é consultor histórico da série de TV The Crown, da Netflix.

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