A Rússia nunca teria sido a potência internacional que foi no século XVIII sem o empenho da czarina Catarina II, a Grande, uma mulher enérgica e voluntariosa, inteligente e ambiciosa, que, ao longo de trinta e quatro anos foi responsável pelo Império Russo. Soube acolher o legado do seu antecessor, Pedro, o Grande (1672-1725), que pretendia fazer da Rússia “uma janela virada para o Ocidente na costa do Báltico”, e expandiu-o até se abrir para o mar Negro. Se o primeiro introduziu a tecnologia no Império e renovou as instituições militares e de governo, Catarina, a Grande, fê-lo na administração, no pensamento, na ciência, na arte e cultura europeias.

Nascida em 1729 em Stettin, Pomerânia, e filha do general prussiano Cristiano Augusto de AnhaltZerbst, governador da cidade, a futura imperatriz foi baptizada como Sofia Frederica Augusta. Não parecia de todo destinada a partilhar o trono russo. No entanto, os esforços diplomáticos de Frederico II da Prússia e a ambição da sua mãe, Elizabete de Holstein-Gottorp, neta do rei da Suécia, conseguiram concertar o seu casamento com o herdeiro ao trono dos czares, sob o pretexto de reforçar os laços entre a Prússia e o Império Russo para combater o poder da Áustria. Assim, depois de ser baptizada como Catarina e ingressar na Igreja Ortodoxa, em 1745, casou em São Petersburgo com o grão-duque Pedro, herdeiro do trono imperial russo.

Início difícil

Depois do casamento, começou para Catarina um autêntico calvário. O czarvich Pedro, aos 18 anos, tinha a mentalidade de uma criança de 10, e, enquanto a sua jovem esposa ansiava por carinho, ele limitava-se a desafiá-la para brincar com um exército de soldadinhos de chumbo. Decidida a resolver este estado das coisas, e consciente das escassas condições do futuro czar para o governo, a então czarina, Isabel I, decidiu educar a jovem alemã para que, chegado o dia em que teria de partilhar o governo imperial, pudesse compensar as deficiências do marido. Com a certeza de que, pelo menos de facto, Catarina seria a sua sucessora, a czarina decidiu abordar um segundo, mas urgente, problema: era preciso dar um herdeiro ao trono e, uma vez que uma série de problemas físicos impediam o seu sobrinho de consumar o casamento, recomendou à sua jovem esposa que tivesse um amante, graças ao qual pudesse proporcionar um sucessor “oficial” à coroa. Segundo conta a própria Catarina II, nas suas Memórias, seguiu o seu conselho, e em 20 de Setembro de 1754, nasceu Pablo, herdeiro da coroa de todas as Rússias, fruto da sua relação com um membro da corte, chamado Sergei Vassilevitch Saltykov.

Catarina II

A coroação. Quando, depois da deposição do seu marido Pedro III, Catarina foi coroada imperatriz da Rússia, justificou a decisão alegando que se tratava de uma escolha unânime de toda a nação, argumento que não convenceu grande parte da nobreza, que a considerava uma usurpadora. Em cima A coroação da imperatriz Catarina II da Rússia (1777), pintura a óleo de Stefano Torelli, pintor da corte (Galeria Tretyakov, Moscovo).

Este foi o primeiro de uma longa série de amantes que justificaram o adjectivo de dissoluta, com o qual se ensombrou a memória da imperatriz russa. O conde Stanislaus II Poniatowski; o diplomata britânico, Charles Hanbury Williams; o militar Grigori Orlov, Alexei Vassiltchikov e Aleksándrovich Potiomkin; os políticos Aleksandr Dmitriev-Mamonov, Pyotr Zavadovsky, Simón Zorich e Iván Rimsky-Korsakov, avô do famoso compositor, precederam o que foi o último amor da czarina, um príncipe russo, chamado Platão Alexandrovich Zubov, quarenta anos mais novo que ela. No entanto, tão intensa vida amorosa nunca a distraiu das suas obrigações como imperatriz. Pelo contrário, a sua trajectória política e intelectual viu-se firmemente reforçada pela colaboração de alguns dos seus favoritos, especialmente Orlov e Potiomkin. Como militar, Orlov partilhava o ódio que a czarina sentia pelo seu marido, que não hesitava em desprezá-la e até mesmo maltratá-la em público. O futuro czar granjeara a inimizade do exército por força das suas múltiplas extravagâncias, caprichos e crueldades, pelo que, com a morte da czarina Isabel em 1761, quando Pedro III subiu ao trono, todos os olhares se viraram imediatamente para a sua esposa.

Crime em família

O descontentamento perante a arbitrariedade que evidenciava ao governar, chegou rapidamente a todas as classes sociais, incluindo a Igreja e o exército. Em contraste com o czar, Catarina surgia como a primeira das suas vítimas e a única preparada para conduzir a bom porto o governo imperial. Entre os seus inúmeros partidários, encontravam-se os irmãos Orlov, Grigori, o favorito da czarina, e Alexei, o mais novo dos dois, que se tornou a cabeça visível da rebelião contra o czar. E, quando no dia 6 de Julho de 1762, se espalhou o boato de que Pedro III dera ordem para prender a sua esposa, os Orlov vieram em seu auxílio. Depois de a irem buscar aos seus aposentos do palácio real de São Petersburgo, conseguiram pôr de pé, a seu favor, três regimentos que a escoltaram até à Catedral de São Pedro e São Paulo, onde foi proclamada imperatriz de todas as Rússias.

Nesse mesmo dia, o czar, sabendo que estava perdido, abdicou e retirou-se para Ropsha, outra das residências imperiais, a cerca de cinquenta quilómetros da capital. Poucos dias depois, em 17 de Julho de 1762, foi anunciado que Pedro III morrera. A morte foi atribuída a uma “violenta cólica”, mas tudo parecia indicar que o czar fora assassinado. Os irmãos Orlov foram acusados do crime e suspeitou-se que a czarina pudesse ter sido a instigadora. Fosse qual fosse a sua implicação, a verdade é que a Coroa se solidarizou com os assassinos e recompensou-os generosamente, a ponto de Grigori Orlov se ter tornado no homem mais poderoso de toda a Rússia, recebendo o título de príncipe e tendo-lhe sido atribuída uma pensão anual de cento e vinte mil rublos.

Orlov não foi o único beneficiado. Na verdade, todo o Império Russo saiu vitorioso com a subida ao trono de Catarina. Ao mesmo tempo que estendia os limites dos seus domínios, a czarina melhorou a agricultura e a indústria, e renovou as leis. Reformista e determinada defensora do pensamento iluminista, ocidentalizou a Rússia, promovendo as traduções dos enciclopedistas franceses e abrindo salões de discussão intelectual e política, conseguindo fazer da sua corte uma das mais cultas da Europa.

Catarina II

O legado da imperatriz iluminista. Catarina II foi mecenas de artistas, músicos e literatos, com o que conseguiu converter São Petersburgo num dos centros de irradiação cultural mais importantes da Europa. Foi ela quem fundou a soberba colecção de arte que hoje compõe os fundos do Museu Hermitage de São Petersburgo (na imagem), situado no impressionante edifício que outrora fora o Palácio de Inverno dos czares. Na sua ânsia por reunir uma herança artística equiparável ou superior à de outras cortes europeias, gastou grandes quantias na compra de centenas de pinturas e esculturas. Transacções que, muitas vezes, correspondiam à aquisição de colecções privadas de nobres e magnatas de França e de Inglaterra. Convencida de que a cultura era a melhor arma para promover o progresso dos povos, escreveu um manual pedagógico seguindo as teorias de John Locke e fundou o famoso Instituto Smolny em São Petersburgo para a formação de damas nobres. Amiga de Voltaire, a quem encorajou a escrever as suas Memórias, bem como diversas obras de narrativa e teatro, manteve com ele uma longuíssima correspondência que apenas se interrompeu com a morte do filósofo em 1778.

A reorganização do império

Depois da morte de Pedro III, e apesar da sua fulgurante ascensão social, Orlov não se conformava e insistiu junto da czarina sobre a possibilidade de virem a casar-se. Mas Catarina II era suficientemente inteligente para saber que um casamento morganático poderia desautorizá-la aos olhos da sua corte e desprestigiá-la perante o seu povo. Talvez por força desta recusa, a relação entre ambos se tenha progressivamente deteriorado e Orlov perdeu a sua compostura, ao ponto de o seu comportamento, como anteriormente o do czar Pedro, escandalizar os que o testemunhavam. Em 1772, a czarina enviou-o para a Moldávia à frente de uma embaixada de cortesia. Foi o canto do cisne do seu antigo favorito. Em Abril de 1783, sozinho e sem dinheiro, Orlov morreu. A czarina escreveu nas suas Memórias: “Com ele perdi um amigo a quem devo o maior reconhecimento e que me prestou os mais essenciais serviços.”

Possivelmente,  se  não  o  tivesse  afastado  da corte, teria beneficiado do seu conselho, em 1773, quando um cossaco chamado, Yemelyan Pugachev, liderou um levantamento contra a czarina, garantindo ser o falecido czar Pedro III. A esta rebelião lançada contra Catarina II, somaram-se outras divisões de cossacos, bem como diversas etnias de origem turca, que se sentiam negligenciados pelo centralismo do Estado, trabalhadores industriais dos montes Urales e um bom número de camponeses que procuravam escapar à servidão. O regime imperial encontrava-se naquela altura atolado na guerra contra a Turquia, o que concedeu uma certa vantagem aos rebeldes e lhes permitiu assumir o controlo de grande parte da bacia do rio Volga. A reacção das tropas imperiais não se fez esperar e Pugachov e os seus seguidores foram derrotados em 1774.

A revolta de Pugachov foi decisiva para confirmar a determinação da czarina em reorganizar a administração territorial da Rússia, a fim de reforçar o seu domínio sobre um império excepcionalmente extenso e povoado por múltiplas etnias e credos. O poder dos czares exercia-se sobre luteranos finlandeses, bálticos alemães, estonianos e lituanos, bem como católicos lituanos, polacos, letões, ortodoxos bielorrussos e ucranianos, povos muçulmanos no Sul do Império e, no Leste, gregos ortodoxos e membros da Igreja apostólica arménia. Perante tal diversidade, e para conter qualquer indício de oposição à autocracia russa, a czarina promoveu a criação de uma polícia secreta e impôs um regime de censura de informação para evitar qualquer dissidência. Além disso, em 1775, a Rússia foi dividida numa série de províncias e distritos na proporção do seu número de habitantes. As províncias dispunham de amplos poderes administrativos, que incluíam destacamentos militares e um aparelho judicial próprio, cujos cargos de autoridade máxima foram confiados aos nobres. A “ocidentalização” da Rússia foi um dos objectivos de Catarina II, embora ela própria se tenha imposto certos limites perante o perigo que poderia representar para a sua autoridade absoluta a mentalidade iluminista pré-revolucionária e a eclosão da Revolução Francesa. Assim, quando, em 1790, o escritor iluminista e poeta Aleksandr Radishchev tornou público, no seu livro Viagem de Petersburgo a Moscovo, um ataque feroz contra o sistema de servidão e autocracia, a czarina mandou-o prender e desterrou-o para a Sibéria. De facto, as medidas de Catarina II para organizar a sociedade russa foram as que lhe permitiram fazer frente ao desafio que a Revolução Francesa representou para as monarquias europeias.

Catarina II

Uma imagem omnipresente. Retrato da imperatriz Catarina II numa caixa de tabaco de prata dourada, obra de um artesão de Veliki Ústiug, em 1787 (Museu Estatal de História da Rússia, Moscovo).

Com essas reformas, conseguiu que, na transição do final do século XVIII para o início do século XIX, a Rússia se tornasse uma das grandes potências europeias e, como tal, que o império pudesse desempenhar um papel decisivo na Europa pós-revolucionária. Na verdade, os mesmos aristocratas que tinham abraçado os preceitos iluministas com entusiasmo, converteram-se, a partir de 1789, em membros de uma activa elite contra-revolucionária.

No dia 17 de Novembro de 1796, Catarina II, a Grande, estava em São Petersburgo quando sofreu uma apoplexia fulminante que pôs t rmo à sua vida. Deixava para trás um impér o de enormes dimensões, que não só tinha ligação directa com o mar Negro através da Crimeia, mas que, em 1792, se estendera para sudeste até ao rio Dniestre e a oeste até à Prússia, ao incorporar o território polaco.

Um império, além do mais, economicamente independente e cujo peso no panorama internacional se tornaria inquestionável ao longo do século XIX.