Quem foi a verdadeira Madame Bovary, a mulher que inspirou Flaubert | Revista Fórum
CRÔNICA DE DOMINGO

Quem foi a verdadeira Madame Bovary, a mulher que inspirou Flaubert

A verdadeira Madame Bovary, a mais famosa personagem feminina da literatura mundial

Créditos: Reprodução de gravura. Créditos na imagem
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Esta crônica começou a ser escrita na terça, dia 19 de setembro, e há uma razão para isso. Foi num 19 de setembro, mas há exatos 172 anos, que um escritor anotou a primeira página de seu futuro romance, com o qual ele tinha certeza de que iria revolucionar a literatura da época. Escreveu na folha de papel o nome do romance, sublinhou e pôs a data, com um pequeno sublinhado também. Mais nada. O autor: Gustave Flaubert. O romance: Madame Bovary. A data: 19 de setembro de 1851.

A partir daí foram quatro anos, sete meses e onze dias, praticamente sem interrupções, de manhã à noite, na construção do romance. Todos os dias em que ficou sem trabalhar, se somados, não chegariam a um décimo do tempo total.

Primeira página do manuscrito de Madame Bovary

A decisão pelo romance veio a partir de críticas recebidas dos amigos Louis Bouilhet e Maxime Du Camp sobre a primeira versão de um romance que ele escrevia, que se chamava As tentações de Santo Antão, cuja nova versão só viria a ser publicada anos após Madame Bovary.

Criticaram um lirismo excessivo, o que levou Flaubert a procurar inspiração na vida real. O que aconteceu quando se deparou com a história do jovem Eugène Delámare, que estudou medicina com o pai de Flaubert, casou-se com uma mulher bem mais velha e ficou viúvo no ano seguinte.

Vinte meses depois, ele se casou com uma jovem de 17 anos, Delphine Couturier, filha de agricultores ricos. O casal teve uma menina.

Na pequena cidade em que viviam, o comportamento de Madame Delámare provocou escândalo, segundo Mario Vargas Llosa, em seu livro sobre Madame Bovary, A Orgia Perpétua.

Segundo a empregada do casal, Delphine Delámare teve dois amantes: um poderoso agricultor, Louis Campion, e um estagiário de notário. Em desgraça na cidade, vitima dos "costumes da província" (subtítulo do romance de Flaubert), cheia de dívidas, ela teria se suicidado. O marido morreu um ano depois.

Alguém enxerga aí acontecimentos e modelos dos principais personagens de Madame Bovary, sendo Delphine a própria Emma? O primeiro casamento de Charles Bovary com uma mulher mais velha, que morre uma ano  depois. O casamento posterior com uma jovem filha de um fazendeiro, Emma. Que teve dois amantes com características semelhantes aos de Madame Delámare. O escândalo na província, as dívidas, o suicídio.

Madame Bovary
 

Antes de ser impresso como livro, Madame Bovary foi publicado em capítulos na Revue de Paris a partir de 1º de outubro de 1856 — domingo que vem completa 167 anos.

Foi um escândalo. A crítica profunda à burguesia, à hipocrisia, à vida provinciana; a mulher desejante, que corre atrás de seus sonhos, que quer transformar a vida medíocre naquela que sonhara para si, a ponto de ter amantes, levou Flaubert a ser processado por ofender a moral e a religião. Tentaram tanto descobrir um modelo para sua Emma que Flaubert saiu-se com a famosa frase "Madame Bovary c'est moi" [Madame Bovary sou eu].

O sucesso do romance foi além do literário, onde é reconhecido como o marco inaugural do romance moderno. Bovarisno se transformou até em verbete psicológico, indicando a pessoa que tem uma imagem idealizada de si, discordante de seu mundo real, e que vive essa dicotomia.

Há teses e livros sobre o romance e a personagem, inclusive o meu Madame Flaubert, publicado em 2013 pela Publisher, em que fiz a transposição da história para o período Collor, minha Ema sendo uma tijucana rodrigueana. O escritor, professor e pensador Gustavo Bernardo, que é um amigo querido, disse que Madame Flaubert é uma obra prima.

Reprodução da quarta capa de meu livro

No livro, quem traz Emma da França para ser a Emma da Tijuca, do Brasil collorido, é o aspirante a escritor Antônio C., que não percebe que ao escrever seu romance é escrito por ele, sua vida acompanhando passo a passo a dissolução de sua Ema, como a da Emma de Flaubert.

Na verdade, o Madame Bovary sou eu é uma frase que pode ser dita por qualquer um de nós, insatisfeitos com a realidade e que buscamos modificá-la, muitas vezes em autoilusão, a ponto de podermos dizer que Madame Bovary somos nós.

Obs:

1. Há uma página francesa dedicada ao romance de Flaubert. Neste link, você acessa todo o manuscrito original do romance, com as anotações do autor. É uma maravilha.

2. Se você se interessou pelo meu Madame Flaubert, ele ainda tem exemplares à venda na internet, basta pesquisar. Mas se quiser receber um exemplar autografado em sua casa, de qualquer lugar do Brasil, por R$50, escreva pra mim em blogdomello@gmail.com.

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