Luzia, o mais antigo ser humano das Américas | Blog da Yvonne Maggie | G1

Blog da Yvonne Maggie

Por Yvonne Maggie, G1


Réplica de 'Luzia', fóssil mais antigo das Américas e encontrado em Minas — Foto: Carlos Eduardo Alvim/Globo Minas

E Luzia sobreviveu, meio despedaçada, ao incêndio do Museu Nacional. Resistiu 11.500 anos na fenda de uma caverna em Lagoa Santa, Minas Gerais e foi encontrada em 1970. O mais antigo fóssil humano das Américas, materializado por um crânio e um fêmur, batizado como Luzia pelos cientistas que o estudaram, revolucionou a hipótese do povoamento desta parte do planeta. Luzia é diferente dos nossos ancestrais indígenas. Sua morfologia craniana apresenta características dos povos australianos e melanésios, modelo básico dos primitivos africanos. A hipótese que se firmou é a de que os ancestrais dos índios descobertos por Cabral e Colombo faziam parte de uma onda migratória posterior ao povo de Luzia.

Os fragmentos deste crânio feminino, que sobreviveram 11.500 anos até o dia 2 de setembro de 2018, quando o fogo consumiu e destruiu o Museu Nacional, foram considerados perdidos para sempre durante alguns longos dias. Foi imensa a tristeza do provável fim de nosso ancestral mais antigo. Porém, o que ficava exposto no salão para os visitantes eram réplicas dos restos de Luzia. Estes estavam, por segurança, guardados em uma caixa de ferro, pois os pesquisadores tinham medo que fosse roubado. Luzia sobreviveu a temperaturas altíssimas e foi, de certa forma, protegida por uma parede que ruiu sobre o armário onde a caixa era guardada. Luzia foi novamente encontrada numa fenda, desta feita entre os escombros do Museu Nacional da UFRJ.

Os pesquisadores choraram mais uma vez, porém de alegria, ao reconhecer aqueles fragmentos de ossos, talvez 80%. Ainda não se sabe ao certo o que se perdeu nas chamas, pois será preciso uma longa estrada para reconstruir Luzia. Mas o que foi salvo ainda poderá nos ensinar muito sobre nossas origens e sobre como o homo sapiens acabou chegando a estas paragens tendo se originado na África.

Luzia era muito querida e me lembro de uma Bienal do Livro, no final do século passado, em que o estande da Editora UFRJ foi o mais visitado de toda a feira, pois a diretora Heloisa Buarque de Hollanda e sua equipe decidiram expor a réplica de Luzia. Levas de crianças queriam ver o fóssil humano mais antigo das Américas e Luzia brilhou durante aqueles dias encantando os visitantes. Filas se formaram e milhares de crianças se extasiaram com o rosto reconstruído pelos pesquisadores.

De tempos em tempos voltava-se a falar em Luzia e os leigos adoravam ouvir as descobertas dos cientistas. De que teria morrido? Quem era Luzia? Como teria vivido e por que teriam seus companheiros de jornada desaparecido há cerca de 9 mil anos? Ou teriam eles se miscigenado com as populações da segunda onda migratória? São perguntas ainda sem resposta.

A nossa primeira guerreira sobreviveu a esses 11.500 anos e também a um incêndio de proporções dramáticas. Ainda bem que encontraram Luzia! Ela será nosso ícone de força e a imagem da história de longuíssima duração a nos dizer que é preciso pensar que a vida, embora fugaz, é feita de muitos caminhos e de longo percurso. Não estamos aqui nesta bola, no centro da qual há fogo e fúria, há pouco tempo, mas se pensarmos em relação ao universo esse nosso tempo é muito pequeno. O que dizer então do tempo presente? Parecerá um grão de areia diante da história do Universo.

Gosto de pensar nessa longa duração. É bom imaginar que Luzia viveu e morreu há 11.500 anos e sobreviveu, mesmo que aos frangalhos (não mais o crânio, mas ossos separados (e não todos), para nos dizer que a vida continua e que temos de ter forças para seguir em frente. Luzia resistiu às chamas do Museu para nos dizer alguma coisa, certamente!

Parte do crânio recuperado de Luzia é apresentado no Rio — Foto: Patrícia Teixeira/G1

Deseja receber as notícias mais importantes em tempo real? Ative as notificações do G1!
Mais do G1