A conjuntura internacional negativa, marcada pela guerra na Ucrânia e por disrupções nas cadeias de fornecimento a nível global, bem como o aumento da inflação, tem impacto na evolução dos preços das matérias-primas, cuja tendência ascendente já era visível desde 2021.

Assim, a Proposta do OE dá continuidade a algumas medidas conjunturais do passado, como a isenção do agravamento da tributação autónoma, que agora é alargada também a grandes empresas, e cria novos incentivos fiscais, de entre os quais é de destacar o incentivo à valorização salarial e o incentivo à capitalização das empresas.

 

Aplicação da taxa reduzida de IRC em operações de reestruturação

Com o propósito de incentivar operações de concentração de empresas, propõe-se a aplicação excecional da taxa reduzida de IRC de 17%, nos dois exercícios posteriores à operação de restruturação, a empresas que perderam a sua natureza de PME ou empresa de pequena média-capitalização (Small Mid Cap) por força de operações de reestruturação realizadas entre 2023 e 2026. Este incentivo é apenas aplicável quando, para além de outras condições previstas na Proposta do OE, a totalidade dos sujeitos passivos envolvidos na restruturação se qualifique como PME ou Small Mid Cap.

 

Desagravamento temporário da tributação autónoma para 2023 e desagravamento para grandes empresas, retroativamente, para 2022

Propõe-se um alargamento, às grandes empresas, da não aplicação do acréscimo de 10% sobre as taxas de tributação autónoma de sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal, com aplicação retroativa a 2022, e também para 2023. Desde 2020, a não aplicação deste acréscimo de 10% só beneficiava PMEs, propondo-se agora a sua extensão às grandes empresas para o período de 2023, e também com efeitos retroativos ao período de 2022.

Assim, nos termos da Proposta do OE, não será aplicável o acréscimo de 10% à tributação autónoma dos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal, nos períodos de tributação de 2022 e 2023, deixando de se aplicar o requisito de se qualificarem como PME, e mantendo-se apenas os requisitos que já constavam das Leis do OE para 2021 e 2022, ou seja: (i) os sujeitos passivos tenham obtido lucro tributável em um dos três períodos de tributação anteriores e tenham cumprido as obrigações declarativas previstas nos artigos 120.º e 121.º do Código do IRC (ou seja, a obrigação de apresentação da declaração periódica de rendimentos e a declaração anual de informação contabilística e fiscal) relativas aos dois períodos de tributação anteriores; ou (ii) os referidos períodos de tributação de 2022 e 2023 correspondam ao período de tributação de início de atividade ou a um dos dois períodos seguintes.

 

Apoio extraordinário a encargos suportados com eletricidade e gás

Com o objetivo de mitigar as consequências da guerra na Ucrânia e os efeitos da resultante subida dos preços da energia, a Proposta do OE prevê a criação de um apoio extraordinário que permite a majoração, em sede de IRC, em 20% dos gastos e perdas incorridos ou suportados referentes a consumos de eletricidade e gás natural na parte em que excedam os do período de tributação anterior, deduzidos de eventuais apoios recebidos nos termos do Decreto-Lei n.º 30-B/2022, de 18 de abril (que aprova o sistema de incentivos «Apoiar as Indústrias Intensivas em Gás»).

Esta majoração, aplicável ao período de tributação que se inicie em ou após 1 de janeiro de 2022, é tida em consideração para efeitos de determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC residentes que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, dos sujeitos passivos de IRC não residentes com estabelecimento estável em Portugal e dos sujeitos passivos de IRS com contabilidade organizada (categoria B).

Para apurar qual a parte que excede os gastos e perdas do período anterior, prevê-se que, no caso dos sujeitos passivos que tenham iniciado a atividade durante o período de tributação com início em ou após 1 de janeiro de 2021, os gastos e perdas a considerar devem ser proporcionais ao período de atividade do sujeito passivo nesse ano.

A majoração dos 20% não será aplicável aos sujeitos passivos que desenvolvam atividades económicas que gerem, pelo menos, 50 % do volume de negócios no domínio da produção, transporte, distribuição e comércio de eletricidade ou gás; ou na fabricação de produtos petrolíferos, refinados ou a partir de resíduos, e de aglomerados de combustíveis.

Este benefício fiscal não pode ser cumulado com outros apoios ou incentivos de qualquer natureza relativamente aos mesmos gastos e perdas elegíveis.

 

Apoio extraordinário a encargos suportados na produção agrícola

Ainda na senda da mitigação das consequências da guerra na Ucrânia, propõe-se, para 2022 e 2023, a majoração em 40% dos gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de adubos, fertilizantes e corretivos orgânicos e minerais, farinhas, cereais e sementes, rações, demais alimentação animal e água para rega, quando utilizados no âmbito de atividades de produção agrícola.

Este benefício é aplicável ao período de tributação que se inicie em ou após 1 de janeiro de 2022 e está sujeito às regras de auxílios de minimis.

 

Incentivo fiscal à valorização salarial

A Proposta do OE prevê que sejam considerados em 150% os encargos (quer a remuneração fixa, quer as contribuições para a segurança social a cargo da mesma entidade empregadora), contabilizados como custo do exercício, correspondentes aos aumentos determinados por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho dinâmica relativos a trabalhadores com contrato de trabalho por tempo indeterminado.

No sentido de combater a desigualdade de rendimentos, este incentivo fica vedado aos sujeitos passivos relativamente aos quais, face ao exercício anterior, se verifique um aumento do leque salarial entre a maior e menor remuneração fixa dos trabalhadores, apurada no último dia do período de tributação do exercício em causa.

Para efeitos deste incentivo, apenas são considerados os encargos relativos a trabalhadores cuja remuneração tenha aumentado em pelo menos 5,1% entre o último dia do período de tributação do exercício em causa e o último dia do período de tributação do exercício anterior e, bem assim, os encargos acima da remuneração mínima mensal garantida aplicável no último dia do período de tributação do exercício em causa.

Este incentivo tem como teto máximo de encargos majoráveis, por trabalhador, o correspondente a 4 vezes a retribuição mínima mensal garantida.

Para efeitos da aplicação deste incentivo não são considerados:

a)           Os trabalhadores que integrem o agregado familiar da entidade patronal;

b)          Os membros de órgãos sociais do sujeito passivo de IRC;

c)           Os trabalhadores que detenham direta ou indiretamente uma participação não inferior a 50 % do capital social ou dos direitos de voto do sujeito passivo de IRC.

De referir que, para este efeito, se considera instrumento de regulamentação coletiva de trabalho dinâmica, a outorga ou renovação de instrumento de regulação coletiva de trabalho concluída há menos de três anos.

Realça-se que o incentivo proposto tem caráter temporário, cessando a sua vigência em 31 de dezembro de 2026.

 

Incentivo à Capitalização das Empresas

Prevê-se a criação do Incentivo à Capitalização das Empresas (ICE), que tem como objetivo fundir e simplificar os regimes fiscais da Dedução por Lucros Retidos e Reinvestidos (DLRR) e da Remuneração Convencional do Capital Social, cuja revogação está prevista nesta Proposta do OE.

Assim sendo, propõe-se a possibilidade de dedução à matéria coletável de uma importância correspondente à aplicação da taxa de 4,5% ao montante dos aumentos líquidos dos capitais próprios das empresas com sede ou direção efetiva em território português.

São considerados:

  • Aumentos de capitais próprios elegíveis: (i) as entradas realizadas em dinheiro no âmbito da constituição de sociedades ou do aumento do capital social da sociedade beneficiária; (ii) as entradas em espécie realizadas no âmbito de aumento do capital social que correspondam à conversão de créditos em capital; (iii) os prémios de emissão de participações sociais; (iv) os lucros de tributação que sejam aplicados em resultados transitados ou, diretamente, em reservas ou no aumento do capital social.
  • Aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis: os aumentos dos capitais próprios elegíveis após a dedução das saídas, em dinheiro ou em espécie, em favor dos titulares do capital, a título de remuneração ou redução do mesmo ou de partilha do património, verificados no período de tributação e nos nove períodos de tributação anteriores.

No caso de empresas que se qualifiquem como PME ou de pequena-média capitalização (Small Mid Cap), a taxa de 4,5% acima referida é majorada em 0,5 pontos percentuais.

Esta dedução tem como limite o maior dos seguintes valores: € 2.000.000 ou 30% do chamado “EBIDTA fiscal”, sendo possível deduzir o excedente num dos cinco períodos de tributação posteriores, após a dedução relativa a esse mesmo período e dentro dos limites previstos neste parágrafo.

Este incentivo aplica-se, de forma exclusiva, aos sujeitos passivos que, no exercício em causa, exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e que preencham, cumulativamente, as seguintes condições:

a)           Não sejam qualificados como instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas;

b)          Disponham de contabilidade regularmente organizada, de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade;

c)           O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indiretos; e

d)          Tenham a situação fiscal e contributiva regularizada.

O incentivo ora proposto não pode ser aplicado quando, no mesmo período de tributação ou num dos cinco períodos de tributação anteriores, seja ou haja sido aplicado a sociedades que detenham direta ou indiretamente uma participação no capital social da empresa beneficiária, ou sejam participadas, direta ou indiretamente, pela mesma sociedade, na parte referente ao montante subjacente aos aumentos de capitais próprios elegíveis realizadas na esfera daquelas sociedades que haja beneficiado deste regime.

Para efeitos deste benefício, apenas se consideram os aumentos líquidos dos capitais próprios que ocorram nos períodos de tributação que se iniciem em, ou após, 1 de janeiro de 2023.

Propõe-se ainda que às entradas realizadas até à data da entrada em vigor da Lei do OE para 2023 continue a aplicar-se, relativamente às importâncias aplicadas até essa mesma data, o benefício fiscal da Remuneração Convencional do Capital Social, atualmente previsto no artigo 41.º A do EBF.

 

Benefícios fiscais aplicáveis aos territórios do Interior e às Regiões Autónomas

A Proposta do OE prevê um duplo alargamento do âmbito de aplicação deste benefício fiscal.

Assim, propõe-se, por um lado, que a taxa reduzida de 12,5%, atualmente aplicável aos primeiros € 25.000 de matéria coletável de PMEs sediadas no Interior ou nas Regiões Autónomas (i) com atividade e direção efetiva nas áreas beneficiárias, (ii) sem salários em atraso, (iii) cuja empresa não resulte de cisão efetuada nos dois anos anteriores e (iv) cujo lucro tributável seja determinado com recurso a métodos diretos ou no âmbito do regime simplificado, passe a aplicar-se aos primeiros € 50.000 de matéria coletável. Por outro lado, este benefício passa também a abranger as empresas de pequena-média capitalização (Small Midi Cap).

A Proposta do OE prevê a manutenção da dedução em 120% dos encargos suportados com criação líquida de postos de trabalho, mas clarifica os conceitos de “criação líquida de postos de trabalho” e de “encargos”. Adicionalmente, prevê-se que só são postos de trabalho elegíveis os referentes a trabalhadores por tempo indeterminado que aufiram rendimentos do trabalho dependente e que sejam residentes, para efeitos fiscais, em territórios do Interior, pelo que não são considerados no cálculo do número de postos de trabalho (i) os trabalhadores cedidos por empresas de trabalho temporário, no que respeita às entidades utilizadoras; (ii) os trabalhadores em regime de cedência ocasional, no que respeita à entidade cessionária; e (iii) os trabalhadores em regime de pluralidade de empregadores quando o empregador que representa os demais na relação laboral não preencha os pressupostos subjetivos e objetivos de atribuição do benefício.

 

Panda bonds

A Proposta do OE mantém, em linha com o que se verificou nas Leis do OE para 2020, 2021 e 2022, a isenção de IRS ou de IRC aplicável aos juros decorrentes de contratos de empréstimo celebrados pela Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública, IGCP, E.P.E., em nome e em representação da República Portuguesa, sob a forma de obrigações denominadas em renminbi colocadas no mercado doméstico de dívida da República Popular da China, desde que o credor seja um não residente (com exceção daqueles que residam em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável) e sem estabelecimento estável em território português ao qual o empréstimo seja imputado.

 

Jornada Mundial da Juventude

Tal como previsto nas Leis do OE para 2020, 2021 e 2022, a Proposta do OE prevê que os donativos em dinheiro ou em espécie concedidos à Fundação JMJ-Lisboa 2023 (entidade incumbida de organizar e coordenar a Jornada Mundial da Juventude a realizar em 2023 em Lisboa), sejam considerados gastos do período em 140% do respetivo total, para efeitos de IRC e da categoria B do IRS.

Continua igualmente a prever-se uma dedução à coleta do IRS, num montante correspondente a 30% dos donativos concedidos àquela Fundação, por pessoas singulares residentes em Portugal, desde que não tenham sido contabilizados como gasto do período.

Este regime vigora até à conclusão desta Jornada, a realizar em 2023.