A escalada estratégica do Iêmen • Diário Causa Operária

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Ricardo Rabelo

Ricardo Rabelo é economista e militante pelo socialismo. Graduado em Ciência Econômicas pela UFMG (1975), também possui especialização em Informática na Educação pela PUC – MINAS (1996). Além disso, possui mestrado em sociologia pela FAFICH UFMG (1983) e doutorado em Comunicação pela UFRJ (2002). Entre 1986 e 2019, foi professor titular de Economia da PUC – MINAS. Foi membro de Corpo Editorial da Revista Economia & Gestão PUC – MINAS.

Coluna

A escalada estratégica do Iêmen

"Em um discurso, o membro do Conselho Político Supremo do Iêmen, Muhamad Ali al-Houthi, disse que 'não podemos receber os inimigos americanos e britânicos com flores'"

No contexto da operação de extermínio pela fome dos palestinos, fica claro a manutenção do papel do imperialismo norte-americano em articulador estratégico do genocídio. É completamente errônea a posição de alguns debatedores de esquerda sobre a questão palestina de que haveria uma grande contradição entre Biden e Netanyahu. Alegam que Biden estaria contra o massacre em Gaza e que, por algum motivo inexplicável, não conseguiria convencer Netanyahu a parar com as operações militares contra os civis palestinos. 

A verdade é que o imperialismo não só concorda com o genocídio, como se tornou o suporte da estratégia de extermínio dos palestinos. Não há dúvida que Biden vem desenvolvendo uma operação de propaganda de que quer terminar com o genocídio, e daí vem as sanções contra alguns “colonos” da Cisjordânia, reduzida a alguns casos insignificantes, o envio de uma quantidade reduzida de alimentos por via aérea, cuja maior parte não chega ao destino e, mais recentemente, o projeto de um porto flutuante por onde entrariam as ajudas humanitárias.

O Imperialismo patrocina o Genocídio

Um aspecto em que fica evidente a real posição do imperialismo é sua ação para impedir a continuidade da atuação do Iêmen em solidariedade à Palestina e contra o genocídio em Gaza. Inicialmente o governo dos Estados Unidos, ou seja, o Genocide Joe, tentou criar uma grande coalizão de países, a operação guardiões da prosperidade, para impedir militarmente a ação do Iêmen em bombardear todo navio que passasse no estreito de Bab al-Mandab e se dirigisse a Israel. Para conseguir que as operações do Iêmen terminassem, bastaria que os Estados Unidos ordenassem Israel a parar com o genocídio em Gaza. Esta opção, no entanto, os EUA não tentaram exatamente porque estão totalmente a favor de sua continuidade. 

A coalizão fracassou porque os seus membros ou não aceitaram participar, ou abandonaram a empreitada tão logo tomaram consciência de que seus navios seriam facilmente alvos dos drones e foguetes do Iêmen. Os iemenitas não se deixaram amedrontar com a “frota” e continuaram a atacar os navios, inclusive os dos EUA e Reino Unido, com grande sucesso. 

O governo dos EUA não desistiu de impedir a ação de solidariedade à palestina pelos iemenitas. Biden não tem nenhuma intenção , como querem alguns comentaristas de esquerda, de interromper o genocídio. Se quisesse, bastaria aos EUA deixar de importunar os bravos militantes do Ansar Allah e não tentar impedir a sua ação. Mas, pelo contrário, os EUA voltaram a atuar, e dessa vez com ainda maior emprego da força militar contra o combalido país. Seguiram-se fortes bombardeios a civis no Iêmen, com apoio tão somente do Reino Unido, da mesma forma que faz Israel em Gaza, para convencer os iemenitas a abandonar a ação de solidariedade à Palestina. 

Os moradores da capital do Iêmen, Sanaa, enfrentaram outra noite tenebrosa, quando aviões americanos e britânicos lançaram bombas contra uma fábrica em um bairro residencial muito populoso. Um incêndio que subiu dezenas de metros no ar iluminou as casas próximas. Seguiu-se uma cena caótica que lembra assustadoramente as que agora são vistas regularmente em Gaza após os ataques israelenses. Na rua os moradores gritavam desafiadoramente: “joguem mais bombas” Não vamos deixar nenhum navio israelense passar”. 

Naquela mesma noite, nas cidades ocidentais de Haifan e Shami, pelo menos um civil foi morto, e seis membros de uma única família ficaram feridos em uma série de ataques aéreos americanos. Esses ataques ocorrem diariamente no país já destruído pela “guerra” com a Arabia Saudita, outra operação do imperialismo contra o Iêmen em que também foi derrotado. A República popular do Iêmen está cada vez mais comprometida com a causa palestina. Como costuma acontecer com as manifestações do Iêmen, uma multidão saiu às ruas em várias províncias para exigir um revide nos ataques contra os Estados Unidos, o Reino Unido e Israel. 

Por que o imperialismo odeia o Iêmen?

O Iêmen tem uma história muito particular entre os países atrasados do chamado Sul Global. O país dividiu-se entre os impérios otomano e britânico, no início do século XX. O Reino Mutawakkilite do Iêmen foi estabelecido após a Primeira Guerra Mundial, em novembro de 1918 e tornou-se na República Árabe do Iêmen, em 1962, enquanto o Iêmen do Sul continuou a ser um protetorado britânico até 1967.

 Em 1967, ao fim de uma violenta guerra de independência, a parte sul do Iêmen se declarou independente, e se constituiu como uma República Democrática Popular do Iêmen (PDRY), o único estado socialista na Península Árabe. A URSS apoiou o PDRY, enviando ajuda militar e econômica para os republicanos iemenitas. O PDRY adotou políticas socialistas, incluindo planejamento central e a luta contra o capitalismo e o imperialismo. As monarquias absolutas da região consideram-se ameaçadas, vendo o Iêmen do Sul como a vanguarda de potenciais movimentos revolucionários em seus próprios estados. Estes, em particular a Arábia Saudita, apoiam as incursões armadas de grupos da oposição. O Iêmen do Sul foi alvo de várias intervenções militares: da Arábia Saudita em outubro de 1968, dezembro de 1969 e novembro de 1970; do Reino Unido, quando aviões britânicos bombardearam a cidade de Haufe em maio de 1972 e do Iêmen do Norte em setembro e outubro de 1972.

Apesar deste ambiente hostil, o regime do Iêmen do Sul adotou reformas políticas, sociais e econômicas significativas: educação universal, serviços de saúde gratuitos, igualdade formal para as mulheres. 

A 22 de maio de 1990 foi criada a República do Iêmen, resultando da unificação entre a República Árabe do Iêmen (ou Iêmen do Norte) e a República Democrática do Iêmen (ou Iêmen do Sul).

Até 2011, o país estava sendo governado por Ali Abdullah Saleh, no poder havia 33 anos. Durante os fortes protestos do período que ficou conhecido como a Primavera Árabe, Saleh foi forçado a renunciar e deixar no poder o seu vice-presidente, Abd-Rabbu Mansour Hadi. A transição de poder, no entanto, fracassou, e Hadi precisou se exilar para fugir dos ataques de grupos armados houthis, que buscavam dominar o país. Para restabelecer o poder de Hadi, uma coalizão liderada pela Arábia Saudita, país de maioria sunita, com armas fornecidas pelos EUA, passou a bombardear sistematicamente o Iêmen, numa guerra que só começou a dar sinais de esmorecimento recentemente. Atualmente o Ansar Allah domina o Iêmen, inclusive sua capital, mas o imperialismo continua reconhecendo o governo do ditador Hadi.

A Escalada Estratégica da ação dos Hutis

Diante do clamor popular por um revide às agressões do imperialismo , as lideranças do Ansar Allah anunciaram recentemente uma nova fase, de escalada estratégica de suas operações no Mar vermelho. Não se trata apenas de aceitar as palavras de ordem das manifestações de massa. Os iemenitas sabem que as ações em apoio a Gaza estão de acordo com a opinião expressa pelo parlamento democraticamente eleito do Iêmen, que aprovou uma lei, em 5 de dezembro de 2023, que proíbe o reconhecimento diplomático e a normalização das relações com Israel. Uma outra de lei, que foi aprovada recentemente, identifica países, entidades e pessoas como hostis à República do Iêmen. A lei visa buscar recursos legais e militares contra atores que ameaçam a soberania da República do Iêmen. Os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e Israel foram classificados explicitamente como países hostis sob a nova lei.

Para a maioria da população , o Iêmen, como país que faz fronteira com o estreito de Babelmândebe, tem o direito de exercer sua soberania e jurisdição sobre a hidrovia e tem o direito de impor leis e regulamentos sobre os quais navios estrangeiros podem atravessar. O Iêmen tem o direito de impedir a passagem de navios de guerra de um Estado ou entidade hostil ao Iêmen. Não é aceitável a libertação de um navio detido dentro da jurisdição do Iêmen que foi levado ao porto para ser investigado pelas autoridades.

Os Iemenitas argumentam que o bloqueio de fato do Iêmen aos interesses israelenses no Mar Vermelho é totalmente consistente com o direito internacional e humanitário, convenções e tratados sobre o direito à autodefesa. Além disso, argumentam, a defesa conjunta entre o Iêmen e outros países árabes, incluindo a Palestina, está consagrada no Tratado de Defesa Árabe Conjunta e Cooperação Econômica, assinado em 1950 por membros da Liga Árabe.

O líder do Ansar Allah, Abdul-Malik al-Houthi, anunciou em um discurso televisionado em 14 de março que o Iêmen aumentaria a gravidade e o alcance de suas operações contra Israel e os Estados Unidos no Mar Vermelho para um nível não visto desde que as hostilidades começaram após 7 de outubro de 2023, quando a guerra de Israel em Gaza começou. As Forças Armadas Iemenitas vão ampliar o alcance de suas operações contra navios associados à entidade sionista, disse o líder do movimento popular Ansar Allah, Seyed Abdulmalik Badreddin al-Houthi.

Para evitar ataques de mísseis e drones da Marinha iemenita no Mar Vermelho e no Mar Arábico, navios que se dirigem a portos israelenses nos territórios ocupados optaram pela rota mais longa de circular pelo continente africano e foram redirecionados para a rota do Cabo da Boa Esperança, na África do Sul. Pois bem, a partir de agora, de acordo com Al-Houthi , o Iêmen vai atuar para “impedir que navios associados ao inimigo israelita cruzem o Oceano Índico em direção à África do Sul e ao Cabo da Boa Esperança”.

Desde o início da guerra genocida do regime de Tel Aviv contra a Faixa de Gaza, no início de outubro passado, as Forças Armadas atingiram 73 navios, incluindo 12 esta semana”, disse o líder de Ansar Allah, acrescentando que essas ações continuarão enquanto a agressão contra Gaza persistir.

Os houthis informaram no dia seguinte ao anúncio das lideranças , que atacaram três navios israelenses e americanos no Oceano Índico, impedindo que navios ligados a Israel transitassem pelo oceano em direção ao Cabo da Boa Esperança. O porta-voz militar houthi, Yahya Saree, disse que o grupo disparou mísseis navais e drones contra os três navios e afirmou que as operações “alcançaram com sucesso seus objetivos”.

Ansar Allah: EUA e Israel cometem o crime do século em Gaza

O líder de Ansar Allah considerou hipócrita o comportamento dos Estados Unidos ao enviar ajuda à população de Gaza, enquanto fornecia toneladas de bombas ao exército israelense para perpetrar seu genocídio contra o povo palestino. “A pequena ajuda que está sendo enviada ao povo de Gaza de avião é um espetáculo americano que prejudica a dignidade da nação palestina”, enfatizou Al-Houthi, observando que o enorme e horrendo número de mortos e feridos no enclave sitiado “é uma vergonha para o chamado mundo civilizado”

O líder disse que, “ao impedir a cessação da guerra e insistir na continuação do bloqueio, os Estados Unidos provocam a continuação dos crimes do regime de Tel Aviv”.

A aliança da Resistência Palestina e Ansar Allah 

Uma importante reunião aconteceu na semana passada, na qual altos dirigentes do Movimento de Resistência Islâmica Palestina (HAMAS), da Jihad Islâmica e da Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP) discutiram com responsáveis do movimento popular iemenita Ansar Allah os mecanismos de coordenação entre estas facções para a próxima fase da guerra. Durante a reunião, o movimento Ansar Allah confirmou que continuará suas operações no Mar Vermelho contra navios que se dirigem ao inimigo (Israel) para apoiar a resistência palestina. A reunião também discutiu o papel complementar do movimento na possível invasão de Rafah por Israel

Iêmen testa míssil hipersônico capaz de atingir alvos em Israel 

As Forças Armadas Iemenitas testaram com sucesso um míssil hipersônico com alta capacidade destrutiva, em meio ao aumento das tensões no Mar Vermelho. O porta-voz do exército iemenita informou sobre o ataque com foguetes e drones contra embarcações americanas e israelenses no Mar Vermelho e no Oceano Índico. Num comunicado lido na sexta-feira entre os participantes da manifestação iemenita na Praça Bab al-Yemen, capital de Sanaa, para apoiar os palestinos na Faixa de Gaza, o tenente-general Yahya Sari disse que as Forças Armadas do Iêmen atingiram o navio israelita Pacific 01 com potentes mísseis no Mar Vermelho. Foi atacado também um contratorpedeiro dos EUA no Mar Vermelho com alguns veículos aéreos não tripulados. 

Além disso, combatentes iemenitas realizaram três operações militares com alguns foguetes contra três navios israelenses e americanos no Oceano Índico. Sári alertou que os navios israelenses não devem passar pelo Cabo da Boa Esperança porque se tornarão nosso alvo legítimo. O dirigente alertou para que “até que a ofensiva contra a Faixa de Gaza e o cerco continuem, as Forças Armadas Iemenitas impedirão o trânsito de navios israelenses ou embarcações relacionadas a eles no Mar Vermelho, no Mar Arábico e no Oceano Índico

Iêmen pratica combate a uma ofensa terrestre dos EUA/Reino Unido

As Forças Armadas Iemenitas simularam um possível ataque terrestre dos EUA e do Reino Unido ao Iêmen e as formas de lidar com essa possível agressão. De acordo com o canal de televisão russo RT, combatentes iemenitas realizaram um exercício chamado “o dia prometido”, a fim de lidar com os ataques aéreos dos EUA e do Reino Unido para implantar uma força no Iêmen com a cooperação de mercenários. Este exercício foi baseado em um complexo roteiro abrangendo várias locações, reunindo 1.000 combatentes iemenitas com a ajuda de engenheiros, armas antitanque, franco-atiradores, unidades de artilharia e vários veículos militares.

Frente ao avanço das forças militares dos EUA e do Reino Unido em direção a locais estratégicos e, antes da chegada das Forças Armadas Iemenitas, alguns grupos de cidadãos iemenitas entraram em confronto com os inimigos e detiveram alguns deles.

Em um discurso, o membro do Conselho Político Supremo do Iêmen, Muhamad Ali al-Houthi, disse que “não podemos receber os inimigos americanos e britânicos com flores, vamos recebê-los matando-os”. O líder iemenita alertou que é inadmissível que as forças dos EUA ocupem qualquer parte do Iêmen, sejam montanhas, vales ou planícies. O líder afirma que se os inimigos tentarem uma ofensiva por terra vão sofrer uma completa derrota.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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