Pai do empirismo filosófico e cientista, não só estabeleceu as regras do método científico experimental, como conciliou a sua carreira política com a introdução do ensaio como género literário em Inglaterra.

Em 1576, um jovem indignado abandonava o Trinity College de Cambridge, com a convicção de que pouco ou nada poderia ensinar-lhe um dos centros de saber mais conceituados da Europa. Totalmente convencido de que o método científico que se ensinava nas suas aulas era anacrónico e estava obsoleto, Francis Bacon, que era como se chamava o aluno rebelde, decidiu virar as costas ao ensino universitário e consagrar a sua vida a desenvolver um novo método que permitisse avançar no campo da ciência e do pensamento, sem acatar como verdade única e absoluta a metodologia de Aristóteles.

Francis era o mais novo dos filhos de Sir Nicholas Bacon, guardião do selo real durante o reinado de Isabel I de Inglaterra. Tinha nascido no dia 22 de Janeiro de 1561, em Londres e, em virtude da sua saúde delicada, teve de passar os primeiros anos da sua vida sob a tutela pedagógica da sua mãe, Anne Cooke Bacon, uma mulher de grande erudição, dama da rainha e considerada uma das maiores defensoras do puritanismo anglicano, a qual exerceu, ao longo da sua vida, uma enorme influência sobre o seu filho Francis. Cumpridos os 13 anos, e com uma preparação muito superior à de outros jovens da sua idade, Francis ingressou no Trinity College de Cambridge, juntamente com o seu irmão mais velho, Anthony. Foi ali onde, apesar da admiração inicial pela figura de Aristóteles, acabou por chegar à conclusão de que o seu método estava completamente obsoleto. Como tal, considerava que a Filosofia necessitava de outros caminhos para alcançar o seu sentido e ser uma ferramenta de vida. Abandonou, assim, Cambridge e, em 1576, também na companhia do seu irmão mais velho, ingressou na prestigiada Gray’s Inn, uma escola corporativa onde se administrava o estudo das leis.

O começo na diplomacia

No entanto, Francis permaneceu apenas poucos meses na Gray’s Inn. Chamado pelo embaixador britânico em Paris, Amyas Paulet, e novamente na companhia do seu irmão, viajou para a capital francesa na qualidade de assistente do diplomata. O seu novo destino proporcionou-lhe uma experiência impagável no campo político. Foram-lhe atribuídas diversas e delicadas tarefas numa França, a de Henrique III, na altura imersa na chamada guerra dos Três Henriques pela sucessão ao trono gaulês: estes eram o próprio monarca, Henrique de Navarra (que seria o futuro rei Henrique IV) e o duque de Guisa.

Francis Bacon

O Trinity College. Filho do lord guardião do Grande Selo do Reino e de uma das mulheres mais iluminadas do seu tempo, Francis Bacon recebeu uma educação requintada por parte dos seus preceptores antes de ingressar no Trinity College de Cambridge, aos 13 anos de idade. Na imagem, o Great Court (Grande Pátio) do Trinity, construído na época de Bacon.

Foram tempos de uma actividade frenética. Instalado ente Poitiers e Paris, percorreu grande parte de França, e inclusive do resto da Europa, em diversas missões confidenciais que lhe permitiram conhecer em primeira mão a política do momento e o levaram a escrever as suas experiências na obra Notes on the State of Christendom (Notas sobre o estado da Cristandade). Precisamente da sua permanência em França surgiria um dos seus maiores contributos para a cultura da sua época: a introdução do género ensaístico na literatura inglesa. A leitura, por volta de 1580, dos Ensaios de Michel de Montaigne, impressionou-o pela clareza da exposição e crítica acutilante à cultura, ciência e religião da sua época.

De imediato adoptou a mesma técnica e tornou-se o pioneiro do ensaio britânico, ao publicar, em 1597, os Ensaios de moral e de política.

Em 1579, a morte de seu pai levou-o de regresso a Inglaterra, onde, em virtude da escassez da herança recebida, se viu obrigado a exercer como advogado. Francis acreditava que a sua experiência em assuntos diplomáticos, adquirida em França, somada ao prestígio que lhe conferiam os seus trabalhos publicados, lhe permitiria conseguir facilmente um cargo de responsabilidade na esfera política. Não lhe foi assim tão fácil, até que, introduzido no círculo de Robert Devereux, conde de Essex e favorito da rainha, conseguiu ingressar na Câmara dos Comuns (1592).

Uma brilhante carreira política

A sua sorte mudou com a morte de Isabel I em 1603. O seu sucessor, Jaime I, era um homem culto e erudito que admirava os intelectuais e gostava da sua companhia. Rapidamente fixou a sua atenção em Bacon e chamou-o para trabalhar ao seu lado. Foi o início de uma carreira política fulgurante: entre 1607 e 1618, foi nomeado sucessivamente letrado do gabinete real, procurador-geral, fiscal-geral do reino, membro do conselho privado do monarca, ministro da Justiça, lord guardião do selo e, finalmente, lord chancellor. Aos cargos somaram-se as honras, tendo-lhe sido concedidos por Jaime I os títulos de barão de Verulam e visconde de Santo Albano.

Francis Bacon

A Câmara dos Comuns. Pai do empirismo filosófico e científico, Francis Bacon foi também um influente político que chegou a ser membro da Câmara dos Comuns, ministro da Justiça e lord chancellor. Na imagem, óleo de Peter Tillemans que mostra uma sessão da Câmara dos Comuns.

A carreira acabou por ser interrompida em 1621, quando se viu envolvido numa série de intrigas políticas, tendo sido acusado de prevaricação por ter aceite um suborno. Perante os tribunais, mostrou-se arrependido e, num gesto que o honrou, confessou publicamente que era culpado de corrupção e, como tal, recusava defender-se. Declarado culpado, perdeu os seus cargos políticos e nunca mais voltou a sentar-se no Parlamento. Retirado por completo da vida pública, dedicou-se exclusivamente à Ciência e à Filosofia até à sua morte, que teve lugar em Londres, em 1626.

A obra de um inconformado

A maior preocupação de Francis Bacon foi regularizar o método científico. Para tal, eliminou toda e qualquer ideia preconcebida e impulsionou a teoria de que os conhecimentos deveriam ser deduzidos a partir de uma observação minuciosa e constante. Só a partir da própria experiência, é que o cientista poderia chegar a conclusões mais ou menos gerais, mas sempre com a prudência necessária até serem fidedignamente demonstradas. Ou seja, o homem de ciência deveria ser céptico e pôr em dúvida qualquer critério estabelecido até que o pudesse comprovar por observação e experiência. Sobre esta base, desenvolveu o pensamento empírico que influenciou os avanços da ciência no século XVII. A filosofia de Bacon acrescentou à lógica o método experimental indutivo, quando, até então, a indução só se levava a cabo chegando a conclusões gerais a partir de dados particulares.

Francis Bacon

Da Utopia de Thomas More à utopia de Nova Atlântida. Francis Bacon escreveu a que foi considerada como a primeira utopia tecnológica. Nela é descrita uma sociedade onde a hierarquia é marcada pelo saber, altamente tecnoló- gica e que tem à frente do seu governo as mentes científicas mais admiráveis.

Em 1626, Bacon escreveu a mais original das suas obras, Nova Atlântida, na qual descreve uma terra mítica cujos ilustres cidadãos realizam diversas experiências científicas, seguindo sempre a lógica empirista baconiana. O seu único propósito é compreender e conquistar a natureza em proveito da sociedade. Num mundo tão utópico, a família é o centro da organização social, e homens e mulheres vivem felizes graças à focagem no domínio da natureza e na proeminência da ciência. Ou seja, um mundo em que a sociedade alcança a harmonia através da submissão da natureza pelo homem. Uma utopia de características tecnológicas bem diferente da sua antecessora, a Utopia (1516), de Thomas More, na qual as linhas de argumentação não se cingem ao progresso e aos benefícios da técnica, mas que se centra no fio condutor da exaltação do idealismo e na condenação da tirania. Na imagem, a ilha da Utopia numa gravura a cores da primeira edição da obra de Thomas More (Lovaina, 1516).

No seu pensamento, destaca a rejeição à lógica aristotélica, com base no facto de que era útil para o debate intelectual, mas que acabava por se revelar incapaz de contribuir para a criação de obras que proporcionassem benefícios. Tornava assim impossível o progresso da ciência aplicada e, em consequência, os avanços da humanidade teriam sido travados na Idade Média e no Renascimento.

As obras de Bacon giraram à volta dos grandes temas: procura de um novo método científico e a aplicação da nova técnica à vida real. Convencido da necessidade de o homem dominar a Natureza, estabelecia como primeira condição que se sentisse submetido a ela e dedicasse os seus esforços à observação constante e paciente do meio. Partindo dessa base, a sua obra propôs-se reformar as ciências e idealizar um grande projecto de História Natural, a que chamou Instauratio Magna, cujo método de investigação foi estabelecido no Novum organum, um novo processo baseado na lógica indutiva, em oposição ao Organon aristotélico.

Novum organum

O Novum organum ou Indicações relativas à interpretação da natureza, publicado em 1620, é a principal obra de Francis Bacon, um extenso tratado que procura definir a ciência como instrumento para dominar a natureza e explicar os seus fenómenos. Para isso, desenvolve um processo lógico que intencionalmente se opõe ao Organon aristotélico. Bacon defende que a inteligência do homem é suficiente para alcançar os instrumentos que lhe permitam ser dono do meio natural e não seu escravo. Os instrumentos técnicos para o conseguir não são mais do que as experiências científicas, através das quais se conjugam e interpretam os conceitos adquiridos pela experiência sensorial.

Para isso, há que reforçar a capacidade de compreensão da mente humana, libertando-se de qualquer preconceito ou ideia preconcebida, os quais denomina “ídolos”, e que classifica em “ídolos da tribo” (preconceitos comuns a toda a sociedade), “ídolos da caverna” (adquiridos através da educação), “ídolos do foro” (formados a partir do uso errado ou pouco claro da linguagem) e “ídolos do teatro” (provenientes de falsas doutrinas). A partir daqui, se o ser humano se distanciar dos seus “ídolos” poderá adquirir novas experiências.

Para organizar, uma vez testados, os novos conceitos derivados da própria experiência e poder trabalhar com eles, Bacon propõe a “teoria dos três registos”. No primeiro, o “registo de presença”, recolhem-se os factos aos quais se atribui uma relação causa-efeito (por exemplo, a chuva molha). No segundo, o “registo de ausência”, regista-se qualquer fenómeno que não se produz (por exemplo, os raios do sol não causam frio). E no terceiro, o “registo de graus”, agrupam-se os casos nos quais, da observação da natureza, se identificam factos com diferentes graus de intensidade (por exemplo, a temperatura). O Novum organum, foi fundamental para a investigação científica e influenciou decisivamente os avanços que se alcançaram neste tempo ao longo do século XVII.

Francis Bacon escreveu ainda: Ensaios de moral e de política (1597), Tratado sobre o valor e o progresso das ciências (1605), Pensamentos e opiniões sobre a interpretação da natureza (1621) e um ensaio historiográfico, História de Henrique VII (1622).