As

As "nonas" Etelvina de Jesus Silva, de 94 anos, Helena Ferreira da Silva, de 104, Aline Silva Viana, de 95: Em comum, além da experiência, bom humor e disposição para enfrentar adversidades da vida e se manter sempre em atividade

crédito: As "nonas" Etelvina de Jesus Silva, de 94 anos, Helena Ferreira da Silva, de 104, Aline Silva Viana, de 95:

“Se hoje nós caminhamos por essas estradas e se tudo é mais fácil, é graças às outras que vieram antes de nós. Isso precisa ser reverenciado.” A declaração sob a forma de reconhecimento é da jornalista Luciana Morais, que, para contar histórias de pioneiras, cujos passos ajudaram a pavimentar o caminho para as gerações futuras, lançou em 2021 o Projeto Nonagenárias. Semanalmente, a iniciativa destaca em redes sociais trajetórias inspiradoras de mulheres com 90 anos ou mais. No mês da mulher, o Estado de Minas também presta homenagem a elas, trazendo os exemplos de três dessas personagens notáveis, que mantêm uma boa memória e histórias de vida e protagonismo feminino melhores ainda.


Helena Ferreira da Silva, moradora de Lagoa Santa, na Grande BH, é uma das “nonas” homenageadas. Do alto de seus 104 anos muito bem vividos, ela olha para trás e lista categoricamente três atividades que tem como favoritas: futebol, festa e carnaval. Já em relação às pessoas, ela não faz distinção: diz que gosta de todo mundo e não guarda raiva de ninguém. “Eu vivo para fazer festa, mas não gosto de presente, não. Meus presentes são os meus amigos; eu gosto mesmo é de gente”, afirma.

 

Dona Helena nasceu em Guanhães, no Vale do Rio Doce. Partiu para Lagoa Santa aos 30 anos, depois de contrair uma pneumonia que afetou os dois pulmões. “O médico falou que eu não ia sarar, que nunca mais ia andar, fiquei bem ruim mesmo. Não morri porque Jesus não deixou e porque cuidaram de mim”, conta.


Diante do prognóstico médico, a família procurou outra solução. “Uma amiga da minha mãe falou com ela que a lagoa da cidade já tinha curado muita gente. Minha filha, que na época tinha 8 anos, ouviu caladinha. Foi lá na beira da lagoa com uma garrafa de água e trouxe para mim”, conta. Bebendo a água da Lagoa Central de Lagoa Santa como se fosse remédio, dona Helena afirma que melhorou depois de oito dias e, contrariando a previsão de que nunca mais andaria, afirma ter saído correndo para agradecer a Nossa Senhora da Saúde, padroeira da cidade.

 


“Eu tenho muito respeito por essa lagoa, viu? Eu mexo com carnaval e a nossa escola nunca desfilou na beira dela. Tem que preservar.” A Escola de Samba Unidos do Satãs é a agremiação que contou com a presença de dona Helena no desfile e na produção das fantasias por muitos anos. “O nome não é muito bonito não, mas foi dado por um rapaz muito querido pelo grupo, e nós deixamos”, comenta, rindo.


Paixão em preto e branco

 

Além da Lagoa Central, a história de outro patrimônio importante do município também se mistura à de dona Helena. Trata-se do Lagoa Esporte Clube, cujo primeiro gramado e uniformes foram providenciados por ela. “Se eles têm esse campo hoje, têm de agradecer à força das mulheres de Lagoa Santa, porque fomos eu, minha amiga e a mãe dela que fizemos tudo. Depois, fui pedir dinheiro para costurar os uniformes e os meiões. Tudo preto e branco, da cor do Galão da Massa”, relembra, em referência ao Atlético Mineiro.


Graças ao papel importante que desempenhou na história da cidade, dona Helena foi reconhecida com o título de cidadã honorária, além da medalha Peter Lund, entregue para personagens que contribuíram para o desenvolvimento de Lagoa Santa. Como dona Helena é festeira declarada, a comemoração de aniversário dela não poderia passar em brando, e o evento, realizado todos os anos desde o centenário, mobiliza a cidade toda.


“A rua fica fechada, vem gente de todos os cantos. Meu aniversário é do povão”, diverte-se. Participam da festa escolas de samba do município, amigos, familiares e fãs da centenária, que pedem como presente fotos e abraços. Até Hulk, craque do Atlético, já passou no evento usando uma foto com o rosto de dona Helena. O presente do jogador foi uma camisa autografada, que se juntou à coleção já composta por uma camisa do time assinada pelo ex-diretor do Galo Bebeto de Freitas.


A festa deste ano, realizada em 22 de junho, já está sendo preparada. Perguntada sobre qual o segredo para ter conseguido comemorar tantos aniversários, dona Helena afirma: “A vida continua, a gente não pode parar de fazer festa. Eu tenho passado cada uma que eu nem te conto, mas eu aguento tudo com muita fé”.

 

Doçura nas mãos, decisão no coração

 

Já para a “nona” Aline Silva Viana, o segredo que a permitiu acumular 95 aniversários é o trabalho. “Eu trabalho desde novinha, já fiz de tudo... Já vendi muito doce, principalmente goiabada”, conta. A iguaria era vendida na terra natal, em Doutor Lund, distrito de Pedro Leopoldo, também na Região Metropolitana de BH, e ficou tão famosa que ela chegou a produzir mil quilos por mês. A mão cheia de doceira foi herdada da mãe, que produzia biscoitos e bolos para viajantes de trem que passavam pela estação ferroviária local.


Foi aos 22 anos que ela se casou e se mudou para o Centro de Pedro Leopoldo, onde mora até hoje. Uma das memórias que mais gosta de lembrar é do dia do casamento, quando o pai desistiu de levá-la à igreja, porque não tinha paletó para a ocasião. Aline transformou uma situação que poderia ser triste em motivo de orgulho e relembra: “Eu já estava pronta, saí de roupa de noiva, a pé e sozinha para a igreja. Eu era muito resolvida, se fosse qualquer outra mulher teria chorado até, mas eu fui”. Para compensar, a mãe de Aline a recebeu depois do casamento com uma mesa com todas as delícias pelas quais era conhecida.


Com família grande, dona Aline teve oito filhos e conta com 14 netos e nove bisnetos, para quem ama cozinhar. “Casa cheia e movimentada é casa com vida, é muito bom, gosto muito”, conta. Entre as dezenas de receitas que chega a recitar até de cor, a mais especial é a do pudim de gabinete – iguaria que ganhou fama por ser uma das preferidas de dom Pedro II –, e cujo preparo rendeu à cozinheira o primeiro lugar no 1º Festival Sabores & Artes de Doutor Lund. O nome da sobremesa faz referência ao armário onde os doces ficavam guardados, antes da existência da geladeira.


Além de cozinhar, dona Aline gosta de acompanhar as notícias, e elege os jornais Estado de Minas e Aqui como os favoritos para acompanhar o que acontece no mundo. “Eu fico lendo a manhã toda, até a hora do almoço com o nariz enfiado no meu jornal. Gosto de ficar atualizada”, conta. Entre as notícias que mais gosta de ler, ela cita as que mencionam uma das suas paixões: o Cruzeiro. Viajar é outro amor que preserva, e ela planeja conhecer muitos outros lugares. “Eu sei que já vivi bastante, mas mais um pouco não faz mal. Sou muito tranquila, tenho medo só de morrer, o resto todo eu dou conta”, afirma.


Coragem talhada pelos desafios

 

“Já estou velha e não tenho porque mentir mais. Eu sou assim: faço tudo com muito amor e honestidade, e isso é desde menina.” É como a “nona” Etelvina de Jesus Silva se define. Com a habilidade manual de quem já fez centenas de colchas de retalho e a memória boa de quem gosta de fazer caça-palavras, ela aponta o afeto que recebe como o principal fator para ajudá-la a chegar aos 94 anos, comemorados no último dia 17 de março.


Dona Etelvina, que consegue pensar em uma música para cada palavra que ouve, é natural de São José da Lapa, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, e atualmente mora em Lagoa Santa. Ela se casou em 1962, teve quatro filhos e tem cinco netos. Além das histórias, ela leva para onde vai uma foto da mãe, Eusébia, que exibe com orgulho. “Ela me criou e eu criei ela, viveu comigo até o fim, eu nunca parei de cuidar dela depois que ficou velha, até ela partir”, afirma.


Com a mãe, que ficou viúva aos 36 anos, Etelvina ajudou a criar os cinco irmãos, e afirma que os desafios que encontrou pelo caminho dão forças para continuar até hoje, inclusive com o orgulho de nunca ter sido internada. “O segredo da minha saúde é a luta, desde criança. Só Deus sabe o que eu vivi, e eu continuei firme e forte, e estou até hoje”, afirma.


Entre as memórias que ela guarda de outros tempos, dona Etelvina se lembra dos morros que descia e subia com uma bacia de roupas para lavar no córrego. E completa: “Se eu cheguei onde estou, é porque estou colhendo o que plantei. Sempre fui sincera e honesta, nunca maltratei ninguém e o que eu sou com você, sou com todo mundo. Gosto muito de fazer amizades e sou amiga de todos”.


Além de costurar, dona Etelvina se mantém ativa nas tarefas domésticas, sendo conhecida pela teimosia de querer fazer tudo sozinha. “Às vezes eles (a família) tentam fazer e eu não deixo, aí eu fiz um combinado: os pratos em que eles comem eu deixo lavar, o resto todo eu faço”, decreta, enfática.