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16 de Maio de 2024

O que são Fatos Jurídicos?

Instituto capital para a compreensão do Código Civil

Publicado por Tiago Jones da Silva
há 4 anos
O direito origina-se do fato, como na parêmia se dizia: ex facto ius oritur. [...] A lei comumente define uma possibilidade, um vir a ser, que se transformará em direito subjetivo mediante a ocorrência de um acontecimento que converte a potencialidade de um interesse em direito individual. [i]
Daí a assertiva de que um acontecimento meramente material, corriqueiro, transforma-se em fenômeno jurídico por conta da normatização. É a lógica do mundo jurídico. [ii]

1) INTRODUÇÃO

 Conforme se observará no presente estudo, a importância do tema é capital para todo o Direito Civil, o que poderá ser atestado em função dos diversos artigos do Código Civil aqui citados a fim de exemplificar as características dos tópicos trabalhados. É imprescindível o domínio do conceito de fato jurídico.

 A primeira citação acima é de Caio Mário da Silva Pereira, onde ele inicia a parte do seu livro que trata do Fato Jurídico. A segunda citação é de Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald. Essas poucas linhas são suficientes para serem destrinchadas a ponto que permitir que entendamos melhor o conceito de Fato Jurídico.

 Contudo, em que pese o direito originar-se do fato (listando quais fatos geram implicações no âmbito jurídico), nem todos os fatos têm repercussão jurídica. Temos, portanto, fatos (não jurídicos) e fatos jurídicos, e essa distinção é de grande importância para entendermos quais fatos são considerados como pressupostos materiais para o nascimento, a modificação ou a extinção de direitos subjetivos. [iii]

 Dessa forma, o que é Fato Jurídico? Quais as suas características?

2) DESENVOLVIMENTO

2.1) Fato Material e Fato Jurídico

 Durante os acontecimentos do dia a dia, inúmeros fatos ocorrem. Nós acordamos, nos arrumamos e saímos para trabalhar. O dia inicia e termina. Pode chover ou não. A depender do fato, ele pode vir a ter consequência jurídica. Mas isso não tem ligação com o fato em si, e sim com a consequência que ele gera.

Efetivamente, a vida é uma sucessão de acontecimentos, fatos, originados por vezes por forças da natureza e em outras oportunidades da conduta humana. O valor desses acontecimentos diuturnos, todavia, não é igual. Ao revés. Surge a norma jurídica exatamente para sopesar o valor dos fatos. Em outras palavras, a norma irá qualificar, adjetivar, os fatos cotidianos, juridicizando-os. [iv] (grifo meu)

 A chuva que cai no meio do oceano ou que cai no meio da cidade, a priori, não gera nenhuma consequência jurídica. Mas se a chuva se infiltra na estrutura de uma casa recém comprada e o antigo dono não fez menção dessa deficiência estrutural, temos, então, a evidência de vícios ocultos [v], gerando direito subjetivos ao comprador perante o antigo dono.

 Com base nesse pequeno exemplo, podemos perceber que o fato jurídico precisa de dois fatores para que venha a existir. O primeiro deles é um fato, ou qualquer eventualidade, que surge como causa sobre uma relação jurídica, seja para criá-la, modificá-la ou extinguindo-a. Em segundo lugar, é preciso que tal fato esteja previsto no ordenamento jurídico, a fim de que haja um efeito legal.

Sem esta última, o fato não gera a relação jurídica nem tampouco o direito subjetivo; sem o acontecimento, a declaração da lei permanece em estado de mera potencialidade. A conjugação de ambos, eventualidade e preceito legal, é que compõe o fato jurídico. [vi]

2.2) Fato Jurídico Natural e Fato Jurídico Voluntário

 Tendo sido feita a distinção entre Fato (puro) e Fato Jurídico, passemos, então, a analisar as duas formas de Fatos Jurídicos, são eles: fatos jurídicos naturais (quando independem da vontade humana) e fatos jurídicos voluntários (resultado da ação humana). [vii]

 Fatos naturais, tais como o nascimento e a morte de alguém, geram efeitos jurídicos sobre as pessoas. Vejamos o que diz o art. do Código Civil:

Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

 Já por fatos voluntários são entendidos aqueles que decorrem na ação humana, seja de forma positiva, quando estão de acordo com as leis presentes no ordenamento jurídico, seja de forma negativa, quando estão em desconformidade. Os primeiros são chamados de atos jurídicos (lato sensu) e os segundos chamados de atos ilícitos. [viii]

2.3) Das divisões do ato jurídico (lato sensu) e do ato ilícito

 O ato jurídico em sentido amplo (lato sensu), por sua vez, divide-se em 02 espécies quais sejam: o ato jurídico lícito em sentido estrito e o negócio jurídico, do qual o Contrato faz parte.

 O ato jurídico (stricto sensu) diz respeito às ações humanas que estão de acordo com a previsão legal, enquanto que o negócio jurídico possui a capacidade de criar efeitos jurídicos. A diferença principal entre ambos é que no ato jurídico os efeitos estão previstos na legislação enquanto que no negócio jurídico os efeitos (por mais que devam ser dentro dos limites legais para serem válidos) podem ser criados pelas partes. Vejamos o artigo abaixo do Código Civil:

Art. 67. Para que se possa alterar o estatuto da fundação é mister que a reforma:
I - seja deliberada por dois terços dos competentes para gerir e representar a fundação;

 A legislação prevê quais as condições para que o estatuto de uma fundação (Pessoa Jurídica) possa ser alterado, sendo o inciso I uma delas. Dessa forma, ao praticar o ato lícito previsto neste inciso, o caminho para a alteração do estatuto está sendo pavimentado. Para esse ato lícito (inciso I) já há a previsão legal para seu efeito (caput).

 Por outro lado, o negócio jurídico pode gerar efeitos diversos para as partes, dependendo do que tenha sido celebrado entre eles. Vejamos que são poucos os requisitos para que seja possível as partes criarem efeitos para si, conforme consta no Código Civil:

Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III - forma prescrita ou não defesa em lei.

 Dessa forma, considerando a estrutura de negócio jurídico válido, as partes podem acordar quais serão os seus efeitos. Para tanto, tomemos o exemplo a ideia de um Contrato e analisemos as diversas formas com que ele pode ser firmado. A legislação permite (ou seja, não é defesa em lei) que a compra e venda pode ter por objeto coisa atual ou futura [ix], que é lícito fixar o preço em função de índices ou parâmetros, desde que suscetíveis de objetiva determinação (ou seja, é uma opção) [x], que o vendedor de coisa imóvel pode reservar-se o direito de recobrá-lo no prazo máximo decadencial de três anos [xi], dentre diversas outras opções onde as partes é que irão decidir, em função da autonomia da própria vontade, quais são as cláusulas dos contratos, quais seus limites e, portanto, quais os seus efeitos.

 Temos também os atos ilícitos, caracterizados pela sua contrariedade às leis.

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

 Enquanto que o ato jurídico é a ação conforme a lei e o negócio jurídico pode criar devedores ou direitos às partes, o ato ilícito e o ato abusivo não criam direito a quem os comete, mas sim deveres, cuja dimensão será maior ou menor em função do grau da infração ou da lesão que causada a outrem. [xii]

2.4) Consequências dos Fatos Jurídicos

Quando o legislador vota uma norma, define o direito in abstracto. Não nasce nenhum direito subjetivo, que somente vem a surgir de um fato, ao qual se possa atribuir a criação de uma relação entre a potencialidade definida pelo direito positivo e um titular como o destinatário da norma jurídica é a pessoa, somente se tem como existente um direito, a partir de quando se vem a estabelecer a relação jurídica com todos os seus elementos fundamentais definidos. [xiii]

 A potencialidade dos fatos jurídicos é criar, modificar, substituir ou extinguir relações jurídicas [xiv], e aqui podemos trazer alguns exemplos que demonstrem tal assertiva.

 Observemos o que dispõem o artigo abaixo do Código Civil:

Art. 481. Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro.

 Vemos acima, portanto, que o vendedor, por conta da celebração do contrato, tem o direito de receber certo preço em dinheiro. Quando desta celebração, nasceu para o vendedor este direito, da mesma forma que nasceu para o comprador o direito de ter transferido para si o domínio de certa coisa.

 Caio Mário distingue duas formas de aquisição de direitos: a aquisição originária (ou absoluta) e a aquisição derivada (relativa). O caso ilustrado acima diz respeito à aquisição originária. Já a aquisição derivada ocorre por meio da sub-rogação de faculdades, sem alterar o conteúdo do direito. Ou seja, o direito já existia antes, sendo outro o seu titular naquele momento [xv]. O artigo 346 do Código Civil demonstra bem tal situação.

Art. 346. A sub-rogação opera-se, de pleno direito, em favor:
I - do credor que paga a dívida do devedor comum;

 O direito foi adquirido originalmente por quem vendeu o bem ao devedor (consideremos essa hipótese). Pelo fato de outra pessoa ter feito esse pagamento, este sub-roga-se na posição de credor perante o devedor. O credor original sai da operação, o direito é mantido (pois não houve mudança no objeto do Contrato) e uma nova pessoa passa a figurar como credor.

 Outras possibilidades de aquisição de direitos ocorrem através da cessão de crédito (vontade individual) e do usucapião (vontade legal).

Saber se a aquisição é originária ou derivada oferece sensível interesse prático. Quando se discute a validade de um direito, é necessário à apuração de suas qualidades indagar como nasceu para o sujeito. Se por aquisição originária, problema é apenas a investigação do fato da aquisição [...]. Se, ao revés, é derivada, será preciso cogitar se o fenômeno da aquisição foi regular, e, também, da integridade do direito preexistente, de vez que, se não era escorreito no antecessor, vicioso passou ao atual titular, pois ninguém pode transferir mais direitos do que tem [...]. [xvi]

 Com relação à modificação dos direitos, as mesmas são classificadas em subjetivas e objetivas, e estas últimas podem ser ainda consideradas em função de alterações quantitativas ou qualitativas na relação jurídica. [xvii]

 A modificação subjetiva ocorre quando atinge o titular o direito, mantendo a relação jurídica já existente, ou seja, não há uma extinção do direito e a aquisição de novo direito, uma vez que este não perde sua substância, havendo apenas o deslocamento de titularidades. [xviii] A situação de aquisição derivada, por conta da sub-rogação listada acima, é um exemplo de modificação subjetiva. Deve-se atentar, contudo, que os direitos da personalidade não podem ser transferidos, sendo vedada sua modificação subjetiva. [xix] Vejamos o exemplo abaixo presente no Código Civil:

Art. 1.707. Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora.

 Já as modificações objetivas, diferente das subjetivas, podem atingir o objeto da relação jurídica, seja por alterá-la quantitativamente, seja qualitativamente. Nas modificações qualitativas, o objeto do direito sofre alteração sem que haja qualquer impacto nas faculdades do sujeito. [xx] Vejamos abaixo um exemplo previsto no Código Civil, referente à Dação em Pagamento:

Art. 356. O credor pode consentir em receber prestação diversa da que lhe é devida.

 Concernente às modificações quantitativas, temos o quanto previsto no artigo 1.250 do Código Civil:

Art. 1.250. Os acréscimos formados, sucessiva e imperceptivelmente, por depósitos e aterros naturais ao longo das margens das correntes, ou pelo desvio das águas destas, pertencem aos donos dos terrenos marginais, sem indenização.

 Por fim, abordaremos a extinção e perda dos direitos, o que, segundo Caio Mário, são fenômenos diferentes [xxi]. Já Cristiano Chaves não faz essa distinção, considerando ambas as situações como “extinção”. [xxii]

 A distinção entre ambos os autores parece derivar do ponto de vista sob o qual se analisa a situação. Se for do ponto de vista do titular, a perda do direito será a mesma coisa que sua extinção. Se do ponto de vista do direito em si, a perda do direito por parte de um titular é uma mera migração para um novo, pois o direito em si está mantido. As visões me parecem mais complementares do que antagônicas.

 Caio Mário afirma que ocorre a perda do direito quando o mesmo já não pode mais ser exercido pelo titular original (ou anterior), mas passa a existir para um novo titular, havendo, nesse caso, a ideia de relatividade. Por outro lado, a extinção do direito ocorre quando há a destruição da relação jurídica, fazendo com que as faculdades jurídicas não possam ser exercidas por ninguém, seja o titular anterior ou atual. [xxiii]

 Ainda de acordo com o mesmo autor, a extinção do direito divide-se em 03 espécies: a extinção subjetiva, quando o titular do direito não pode mais exercê-lo; a extinção objetiva, quando há o perecimento do próprio objeto, a exemplo da morte de um animal ou destruição de um carro, cuja propriedade pertencia a alguém, pois, em tese, o dono tinha o direito de vendê-lo enquanto o mesmo estava vivo ou em estado de uso (a depender do caso). Contudo, caso a morte ou a destruição tenha ocorrido em função de ação de outrem, embora não seja mais possível vender seu ativo, o seu proprietário terá o direito de indenização/reparação, fazendo com que, nesse caso, haja uma modificação do direito, ao invés de extinção.

 Temos também a extinção em razão do vínculo jurídico, quando, em que pese haver a existência do sujeito e do objeto, o titular já não pode mais exercer suas faculdades jurídicas. Tal situação ocorre nos casos de prescrição e decadência. [xxiv]

 Por fim, há a renúncia, que é quando há o abandono voluntário do direito por parte de seu titular. [xxv]

3) CONCLUSÃO

 Os temas inicias de Direito Civil são a base de todo o entendimento da matéria. Por mais que, de início, não se perceba seu alcance, por falta de conhecimento mais aprofundado de sua aplicabilidade, é sempre importante revisitá-los com o fim de ampliar a percepção quanto aos seus efeitos.

Sendo os temas presentes em Direito Civil-Parte Geral os primeiros sobre os quais todo o restante do código irá se desenvolver, quanto mais sólida for essa base, melhor será a construção do conhecimento na matéria.

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[i] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: introdução ao direito civil: teoria geral de direito civil / Caio Mário da Silva Pereira; [revisão e atualização] Maria Celina Bodin de Moraes. – 32. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 387.

[ii] FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de direito civil: parte geral e LINDB / Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald – 16. ed. ver., ampl. e atual. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2018, p. 626.

[iii] Cf. PEREIRA, op. cit., p. 387.

[iv] FARIAS, op. cit., p. 624.

[v] Art. 441 do Código Civil brasileiro ( http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm)

[vi] Cf. PEREIRA, op. cit., p. 388.

[vii] Cf. Ibid, op. cit., p. 388.

[viii] Cf. Ibid, op. cit., p. 389.

[ix] Art. 483 do Código Civil brasileiro.

[x] Ibid, Art. 487.

[xi] Ibid, Art. 505.

[xii] Cf. PEREIRA, op. cit., p. 389-390.

[xiii] Ibid, op. cit., p. 390-391.

[xiv] Cf. FARIAS, op. cit., p. 631.

[xv] Cf. Ibid, op. cit., p. 391.

[xvi] PEREIRA, op. cit., 392-393.

[xvii] Cf. Ibid, op. cit., p. 393.

[xviii] Cf. Ibid, op. cit., p. 394.

[xix] Cf. FARIAS, op. cit., p. 633.

[xx] Cf. PEREIRA, op. cit., p. 395-396.

[xxi] Cf. Ibid, op. cit., p. 397.

[xxii] Cf. FARIAS, op. cit., p. 634.

[xxiii] Cf. PEREIRA, op. cit., p. 397.

[xxiv] Cf. Ibid, op. cit., p. 397.

[xxv] Cf. Ibid, op. cit., p. 398.

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