Quem foi Charles Manson, o líder da seita que aterrorizou os EUA em 1969 - Revista Galileu | Sociedade
  • Giuliana Viggiano
Atualizado em
Charles Manson em três fotos tiradas pela polícia em 1956, 1968 e 2017 (Foto: Wikimedia Commons/Redação Galileu)

Charles Manson em três fotos tiradas pela polícia em 1956, 1968 e 2017 (Foto: Wikimedia Commons/Redação Galileu)

Jovens conversam e dão risada enquanto passam baseados de uns para os outros, depois de ingerirem um pouco do LSD. O cenário onde isso acontece é uma propriedade na periferia de uma grande cidade durante o fim da década de 1960, em um ambiente onde todos podem ser e fazer o que quiserem. A ideia é se desvencilhar do sistema que promove guerras, como a do Vietnã.

Essa poderia ser a descrição de uma cena hippie em qualquer local dos Estados Unidos naquele período, mas não é. Neste caso, a visão é do Rancho Spahn, nos arredores de Los Angeles (LA), onde a “Família Manson” morava entre suas peregrinações, roubos e assassinatos cruéis — todos liderados pelo “messias”, Charles Manson.

Infância corrompida
Kathleen Maddox deu à luz Charles Milles Maddox em novembro de 1934, quando tinha apenas 16 anos de idade. O garoto nasceu em Cincinnati, no estado norte-americano de Ohio, mas passou boa parte da infância mudando de cidade, já que sua mãe foi expulsa de casa quando descobriu a gravidez.

Não bastasse as mudanças constantes, a relação mãe e filho não era boa. Em um episódio de seu livro, Manson in His Own Words (sem edição em português), Charles relata que Kathleen chegou a propor a uma garçonete trocá-lo por uma caneca de cerveja. Por essas e outras, adotou o nome de seu padrasto, Manson, com o qual ficaria famoso. 

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Notícias e documentos oficiais da época em que Manson era criança mostram que já na infância sua vida era marcada por comportamentos questionáveis. Ainda menino, Charlie (como era chamado) foi enviado a um internato católico para crianças delinquentes, de onde fugiu eventualmente. O garoto se manteve longe de casa, vivendo com o que conseguia roubar de estabelecimentos locais.

Passou por diversos reformatórios e detenções juvenis durante a infância, até ser preso pela primeira vez, em 1951, por indicação de um grupo de psiquiatras. Na prisão, conheceu sua primeira esposa e mãe de seu primeiro filho. Mas, em 1957, a mulher decidui que pediria o divórcio, e Manson tentou fugir da cadeia. Só que não conseguiu.

Kathleen Maddox engravidou de Charles Manson aos 16 anos e foi expulsa de casa (Foto: Reprodução)

Kathleen Maddox engravidou de Charles Manson aos 16 anos e foi expulsa de casa (Foto: Reprodução)

No ano seguinte, recebeu permissão para sua condicional, mas continuou cometendo crimes, como roubos e até a prostituição de uma jovem de 16 anos. Fora das grades, conheceu sua segunda esposa e mãe de seu segundo filho, uma prostituta chamada Leona. Algumas autoridades da época achavam que eles só se casaram para não poderem depor um contra o outro em um processo que sofriam naquele momento. Charles e Leona se livraram da prisão, mas não demoraria muito para que o rapaz fosse preso de novo, desta vez até 1967.

O surgimento do “messias”
Quando foi libertado, em março de 1967, Manson havia passado mais da metade dos seus 32 anos de vida em prisões e centros de detenção. A intimidade com o encarceramento era tanta que oficiais da época relatam que ele teria pedido para permanecer na cadeia, pois lá “se sentia em casa”.

Uma vez em liberdade, Charles viajou de Berkeley a São Francisco recrutando membros para seu grupo (a maioria mulheres). A promessa de uma vida livre e alternativa se mostrou apelativa para diversos jovens, principalmente para Mary Brunner, que seguiu o homem mais velho atraída por sua personalidade “magnética” — e acabou tendo um filho com ele.

Membros da "Família Manson". No auge de sua popularidade, o Rancho Spahn era lar de mais de 100 moradores da seita (Foto: Wikimedia Commons)

Membros da "Família Manson". No auge de sua popularidade, o Rancho Spahn era lar de mais de 100 moradores da seita (Foto: Wikimedia Commons/Redação Galileu)

Brunner chamou amigas para participar do grupo e, com isso, a seita começou a crescer. Após dias perambulando pelos entornos de Los Angeles, a apelidada "Família" se fixou em um antigo set de filmagens, o Rancho Spahn.

O destino era LA por uma simples razão: Manson pretendia seguir carreira como músico, pois aprendera a tocar guitarra enquanto estava preso (e tinha certeza de que seu momento de fama chegaria).

Graças a alguns contatos (e sua habilidade de persuasão), Manson se tornou amigo de Dennis Wilson, da banda Beach Boys, que acabou gravando uma das composições do ex-presiditário, Cease to Exist, com o título Never Learn Not To Love.

A relação do “líder familiar” com a música era tão intensa que em 1968, quando os Beatles lançaram White Album, ele teve certeza de que havia entendido a mensagem escondida por trás da música Helter Skelter.

Para Manson, a canção era um sinal de que suas teorias apocalípticas estavam certas – ele acreditava que uma guerra racial estava prestes a acontecer (teoria sempre fortemente refutada pelos membros da banda britânica). Estudos da Universidade da Virgínia, nos EUA, indicam que ele contou a seus seguidores à época que os negros ganhariam a disputa e os membros da Família governariam o que restou do mundo.

Embora a ideia parecesse ótima para os participantes da seita, meses se passaram e não havia nem sinal de que o confronto começaria em breve — Manson prevera que os primeiros crimes seriam cometidos por negros contra brancos.

Até que, no verão de 1969 (quando sua carreira musical e suas conexões em Hollywood estavam enfraquecidas), o “messias” convenceu o resto do grupo de que eles deveriam incitar a guerra. Como? Assassinando brancos ricos e influentes da cidade e incriminando grupos da resistência negra, como os Panteras Negras.

Caso Tate
Foi na madrugada de 9 de agosto de 1969 que Manson orientou seus pupilos Tex Watson, Susan Atkins, Linda Kasabian e Patricia Krenwinkel a invadirem o número 10050 da rua Cielo Drive e "destruir totalmente quem estiver lá, da maneira mais cruel que puderem".

Lá estavam a atriz Sharon Tate, grávida de oito meses; Jay Sebring, cabeleireiro, amigo e ex-namorado dela; a socialite milionária Abigail Folger e seu namorado, o polonês Wojciech Frykowski; e Steven Parent, amigo do caseiro. Os cinco foram cruelmente assassinados com um total de 102 facadas — algumas deferidas quando as vítimas já estavam mortas.

De cima para baixo, da esquerda para a direita: Sharon Tate, Abigail Folger, Wojciech Frykowski, Jay Sebring e Steven Parent (Foto: Wikimedia Commons)

De cima para baixo, da esquerda para a direita: Sharon Tate, Abigail Folger, Wojciech Frykowski, Jay Sebring e Steven Parent (Foto: Wikimedia Commons)

Para completar o “trabalho” e tentarem se livrar do crime, os assassinos escreveram a palavra pig (porco) com o sangue de uma das vítimas na porta da casa. A cena foi descoberta no dia seguinte e, como reportou a revista Time na época, “era tão brutal que assustou os policiais”.

A escolha do local para cometer essas atrocidades não parece ter sido aleatória. A propriedade era a antiga residência da atriz Candice Bergen e seu marido, o produtor musical Terry Melcher, que havia negado a Manson um contrato como músico em sua produtra. O casal, porém, havia se mudado há pouco tempo dali, e quem adquiriu a casa foram a atriz Sharon Tate e seu marido, o diretor de cinema Roman Polanski — que estava na Europa na data do crime.

"PORCO". Inscrição de Susan Atkins feita com o sangue da atriz Sharon Tate (Foto: Wikimedia Commons)

Na porta da mansão, Susan Atkins escreveu "Porco" com o sangue da atriz Sharon Tate (Foto: Wikimedia Commons)

Caso LaBianca
Em 10 de agosto de 1969, na noite seguinte aos primeiros assassinatos, Manson e seis membros da Família (Leslie van Houten, Steve Grogan, Susan Atkins, Linda Kasabian, Patricia Krenwinkel e Charles Watson) deram continuidade ao plano. Dessa vez, Manson se juntou ao grupo porque, segundo testemunhos posteriores de seus cúmplices, ele achava que no primeiro episódio não houve pânico suficiente.

A Família dirigiu pelos bairros da região procurando possíveis vítimas até que chegaram a uma casa onde haviam participado de uma festa um ano antes. A residência era de Leno LaBianca, o dono bem-sucedido de uma mercearia, e sua esposa, Rosemary.

Leno e Rosemary LaBianca (Foto: Wikimedia Commons)

Leno e Rosemary LaBianca (Foto: Wikimedia Commons)

O que aconteceu exatamente lá dentro não está claro até hoje, porque durante o julgamento os membros do grupo deram depoimentos contraditórios. Fato é que o casal foi brutalmente assassinado com um total de 67 facadas — nenhuma delas deferida pelo próprio Manson.

Após as execuções, Krenwinkel escreveu a palavra war (guerra) no estômago de Leno. Nas paredes da sala de estar, death to pigs (morte aos porcos) e rise (“levantem-se”) foram escritos com o sangue da vítima. Já na porta da geladeira lia-se Healter [sic] Skelter.

Investigações e prisões
As investigações de ambos os assassinatos duraram meses até que fossem relacionadas à seita. Na verdade, isso só aconteceu quando a gangue foi investigada por outros crimes e seus membros foram interrogados.

O fato crucial, porém, foi a prisão de Susan Atkins. Ela decidiu se gabar para suas colega de cela sobre ter participado dos casos Tate-LaBianca — e foi denunciada pelas próprias "companheiras". O relato da jovem era o elo que faltava para a polícia voltar a relacionar os dois crimes e, finalmente, os associar à Família Manson. 

Os julgamentos dos participantes da seita foram um evento à parte. As jovens acusadas entravam no tribunal contentes, de mãos dadas e cantando (anos depois, as rés diriam que Charles as orientou a “interpretarem para o público”).

A devoção pelo líder continuou mesmo após sua condenação: no dia seguinte à sentença, Leslie van Houten, Patricia Krenwinkel e Susan Atkins apareceram com suas cabeças raspadas em protesto.

Susan Atkins, Patricia Krenwinkel e Leslie Van Houten durante o julgamento, 1970. Na testa, o mesmo "X" usado por Charles Manson. (Foto: Wikimedia Commons)

Susan Atkins, Patricia Krenwinkel e Leslie Van Houten durante o julgamento, 1970. Na testa, o mesmo "X" usado por Charles Manson. (Foto: Wikimedia Commons)

Mesmo sem ter efetivamente assassinado nenhuma das vítimas dos casos Tate-LaBianca, Manson foi condenado à morte por manipular o grupo e fazê-los cometer os crimes. Charles Watson, van Houeten, Krenwinkel e Atkins receberam a mesma pena. No entanto, o veredito foi alterado um ano após o fim dos julgamentos, em 1972, pois o estado da Califórnia baniu as penas capitais, substituindo-as por prisões perpétuas. Linda Kasabian foi inocentada e serviu como testemunha de acusação durante os processos.

E depois?
A Família Manson virou um marco da criminologia e, para alguns especialistas, mostra a ambiguidade vivida durante o fim dos anos 1960 pelos hippies. Os fatos viraram mito no imaginário popular e deram origem a diversas músicas, séries e filmes, como o novo longa de Quentin Tarantino, Era uma Vez em Hollywood, que estreia no dia 15 de agosto.

Charles Manson morreu em novembro de 2017. Antes disso, concedeu diversas entrevistas nas quais deu declarações polêmicas — chegou a se definir como “uma ilusão”, “uma ideia”, “o criador de Deus” e “um nada”. Mas, por mais absurdas que fossem suas falas, Manson nunca deixou dúvidas sobre seu poder (ou pelo menos a crença de que era poderoso): “Se eu começasse a matar pessoas, não restaria nenhum de vocês”, ameaçou uma vez.

Quando questionado sobre a vida no cárcere, também quis sair por cima: “Vocês me colocam em uma cela achando que é o fim, mas esse é só o começo. Tem um universo lá, um mundo, eu estou livre”.

Os demais membros tiveram destinos diversos. Lynette Fromme, por exemplo, acabou presa por atentar à vida de Gerald Ford, ex-presidente dos Estados Unidos. Os outros continuam no cárcere até hoje ou morreram na prisão, como Atkins, que faleceu de câncer em 2009.

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