Catarina de Bragança tornou-se rainha de Inglaterra para se aliar ao trono de Carlos II e impedir que os espanhóis invadissem Portugal. Por ser católica, morena e rechonchuda, os ingleses não lhe facilitaram a vida. Mas, foi com ela que eles aprenderam a ter bom gosto e elegância.

Uma princesa não pode casar com quem quer. Uma princesa à moda antiga, é preciso que se diga. Elas, hoje, não têm de seguir muitas das tradições parvas que começaram na Idade Média e continuaram nos séculos seguintes. Catarina de Bragança não é uma dessas sortudas. Nascida em 1638 em Vila Viçosa, no Alentejo, não tinha ainda oito anos, quando os pais começaram a planear o seu casamento.

Mais do que uma tradição, tratava-se de uma urgência. O rei, D. João IV, estava aflito. Ao liderar um golpe de estado, conseguiu, ao fim de 60 anos, expulsar os espanhóis no dia 1 de dezembro de 1640. Mas a restauração da independência estava por um fio. Os Filipes de Espanha não iriam desistir e, sem um aliado de peso, Portugal corria o perigo de cair outra vez nas mãos da monarquia dos Habsburgos.

Casar a filha com o herdeiro de um trono poderoso seria a única estratégia para manter os invasores longe das fronteiras.

E foi assim que, aos 24 anos, e após negociações fracassadas com vários reinos, Dona Catarina Henriqueta ficou noiva de Carlos II de Inglaterra. O acordo nupcial reforçou a velha aliança com os ingleses, mas também custou os olhos, o couro e o cabelo aos súbditos de João IV.

Além da mão da filha, o rei deu um dos maiores dotes de casamento  – senão o maior – alguma vez concedido. Dois milhões de cruzados, joias, pratas e outros tesouros reais já chegariam para impressionar qualquer um. Mas a monarquia inglesa recebeu também duas valiosas cidades que eram pontos comerciais estratégicos do império português: Tânger, no Norte de África, e Bombaim, na Índia Oriental.

Era praticamente tudo o que Portugal tinha e os ingleses esfregaram as mãos de tão contentes que ficaram com o belo arranjo. A armada de Carlos II não tardou a atracar em Lisboa para levar a princesa. Houve missa na Sé de Lisboa, cortejos nas ruas, repiques de sinos e até trombetas para festejar a partida de Catarina de Bragança que, acompanhada por quatro damas, embarcou a 28 de abril de 1662 a bordo da nau capitania Grão-Carlos.

Uma rainha hostilizada

 Catarina era católica e os ingleses anglicanos. Bastou isso para que nunca fosse coroada. 

A partida de Lisboa foi memorável, mas a chegada a Inglaterra não foi das melhores. Catarina não era emproada nem tinha aqueles maneirismos que a corte inglesa tanto apreciava. A pele era morena e eles estavam habituados a copinhos de leite. Era também rechonchuda e ligeiramente dentuça. E, pior ainda, católica, enquanto a Inglaterra de Carlos era anglicana. Só por isso, foi sempre uma rainha sem coroa.

A vida dela, nos primeiros anos, não foi fácil. Catarina de Bragança aguentou muita maledicência, mas a pouco e pouco os ingleses começaram a tratá-la com deferência e respeito. É preciso não esquecer que estamos perante uma princesa, que se tornou rainha de Inglaterra. Ou seja, desde criança foi educada para se destacar entre a multidão.

Era, portanto, culta e tinha melhores modos do que muitos dos nobres a cirandar à volta da realeza. Usava rendas, sedas, sapatos a combinar com as vestes e joias enormes que impressionaram os ingleses com o seu bom gosto. Sempre muito elegante, Catarina dava nas vistas por onde passava.

Os ingleses imitavam-na não só nos gostos delicados, como também nos hábitos que ela trouxe da corte portuguesa.

Só para se ter uma ideia, antes dela, poucos ligavam ou sequer gostavam de música. E a música foi uma das suas grandes paixões. Tanto assim era que levou uma orquestra de instrumentistas portugueses para animar os saraus. E ainda mostrou pela primeira vez o que era a ópera italiana, que a partir daí teve um êxito retumbante.

O dinheiro não compra o bom gosto

 A rainha mostrou que, à mesa, a porcelana era mais bonita e prática do que o ouro. 

Catarina de Bragança também fez ver à corte de Carlos II que não basta ter fortuna para ser chique. A nobreza gostava de exibir a sua reluzente loiça de ouro e prata nos banquetes. Mas o luxo pouco ou nada impressionava quando a carne de caça, os molhos e os legumes ficavam mais enregelados do que hoje a manteiga no frigorífico.

Ela tratou de substituir todos os serviços por porcelana, não só mais práticos e higiénicos, como também requintados o suficiente para deslumbrarem os ingleses com a arte pintada na loiça chinesa.

O uso de talheres foi outra grande revolução cultural e social que esta rainha introduziu nas mesas dos ingleses. Acostumados a comer com mão direita, o garfo ajudava unicamente a trinchar e servir a carne. Mas ganhou uma nova utilidade quando Catarina mostrou como usá-lo à mesa.

Tantas foram as modas que ela levou para Inglaterra que os ingleses nunca mais foram os mesmos.

Seria cansativo enumerar tudo, desde a compota de laranjas portuguesas, que se popularizou como «marmelade», até ao mobiliário indo-português ou o tabaco que os homens passaram a transportar em caixinhas de rapé no bolso do colete.

Tudo o que Catarina de Bragança fazia ou recomendava era instantaneamente copiado pelos outros, ficando muitos desses hábitos enraizados entre os ingleses até aos dias de hoje. Acham um exagero? Quem julga que sim é porque desconhece ainda que uma das tradições mais genuínas de Inglaterra começou com a rainha portuguesa. Estamos a falar do five o’clock tea, pois claro! O chá das 5 é um dos grandes orgulhos exibidos pelos ingleses como um dos seus principais legados culturais.

São cinco da tarde: hora do chá!

 Imitando a rainha, a aristocracia não passava uma tarde sem o five o’clock tea. 

Não foi com ela que os ingleses descobriram o chá. Os holandeses já o tinham espalhado pela Europa através da Companhia das Índias Orientais. Mas apenas como remédio para uma série de maleitas como apoplexia, epilepsia, catarro, cólica, tuberculose, tonturas, enxaquecas ou vertigem.

O medicamento prometia curar tudo e mais alguma coisa, mas Catarina de Bragança apresentou uma nova forma de o beber. O chá não se limitava a ser apenas uma bebida quente para confortar as tardes frias. Mas implicava todo um ritual com bules, chávenas, leiteiras, açucareiros e ainda doçaria, pãezinhos e bolinhos a completar os apetitosos lanches servidos pela rainha.

O five o´clock tea passou a ser uma cerimónia requintada que as famílias da aristocracia gostavam de cultivar para mostrar que tinham bom gosto. Até hoje, quem não tem maneiras acaba, mais tarde ou mais cedo, a ser insultado por «ter falta de chá».

Portanto, e só para rematar, da próxima vez que um inglês gabarola disser que foram eles a ensinar o bom gosto aos europeus, lembrem-lhes que, se não fosse uma rainha alentejana dentuça e anafadita, eles teriam muito pouco para ensinar. Embrulha! 😉

FICHA BIOGRÁFICA

Nome e títulos de nobreza Infanta Dona Catarina Henriqueta de Portugal

Data de nascimento 25 de novembro de 1638 no Paço Ducal de Vila Viçosa

Nome dos pais João, 8º Duque de Bragança e Luísa de Gusmão.

Data da morte 31 de dezembro de 1705, em Lisboa. Enterrada na Igreja dos Jerónimos, o seu corpo foi depois trasladado para o panteão dos Braganças em São Vicente de Fora.

Se gostaste de conhecer mais sobre Catarina de Bragança, também irás gostar de ler mais sobre a Josefa de Óbitos. Clica aqui, se ficaste curiosa ou curioso: «De parvinha Josefa não tem nada».

Fontes consulradas: Etc e tal | escandalosreais.blogspot.com | BBC | Plataforma de Cidadania Monárquica |