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FISIOTERAPIA EM PEDIATRIA – Da Evidência à Prática Clínica Direitos exclusivos para a língua portuguesa Copyright © 2019 by MEDBOOK – Editora Cientí�ca Ltda. Nota da editora: Os autores e a editora não podem ser responsabilizados pelo uso impróprio nem pela aplicação incorreta de produto apresentado nesta obra. Apesar de terem envidado esforço máximo para localizar os detentores dos direitos autorais de qualquer material utilizado, os autores e a editora estão dispostos a acertos posteriores caso, inadvertidamente, a identi�cação de algum deles tenha sido omitida. Editoração eletrônica e capa: ASA Produção Grá�ca e Editorial Reservados todos os direitos. É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na Web ou outros) sem permissão expressa da Editora. CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ F565 Fisioterapia em pediatria: da evidência à prática clínica/organização Ana Cristina Resende Camargos ... [et al.]. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Medbook, 2019. 640 p. ; 28 cm. Apêndice Inclui bibliogra�a e índice ISBN 978-85-8369-045-0 1. Fisioterapia. I. Camargos, Ana Cristina Resende. II. Hércules Ribeiro Leite. III. Rosane Luzia de Souza Morais. IV. Vanessa Pereira de Lima. 19-55115 CDD: 616.8913 CDU: 615.8 Meri Gleice Rodrigues de Souza - Bibliotecária CRB-7/6439 08/02/2019 15/02/2019 MEDBOOK – Editora Cientí�ca Ltda. Avenida Treze de Maio 41/salas 803 e 804 – Cep 20.031-007 – Rio de Janeiro – RJ Telefones: (21) 2502-4438 e 2569-2524 – www.medbookeditora.com.br contato@medbookeditora.com.br – vendasrj@medbookeditora.com.br Dedicamos este livro aos nossos �lhos, maridos, esposas, pais e demais familiares. C omo organizadores, estamos extremamente honrados com a concepção �nal deste livro. Sabemos que a obra não seria possível sem o esforço e a dedicação dos colaboradores convidados para esta primeira edição. Todos eles foram além de nossas expectativas e mergulharam de cabeça nessa aventura que contribui para o avanço da �sioterapia pediátrica no Brasil. Os organizadores deste livro, além de colegas de trabalho, transformaram- se em amigos mais que especiais, pois da concepção da sinopse inicial (março de 2017) à entrega da versão �nal dos capítulos à editora (abril de 2018) estivemos unidos e �rmes, com muitas horas de dedicação e leitura minuciosa de todos os capítulos. Especial agradecimento às professoras Susan E�gen (USA) e Mijna Hadders-Algra (Holanda), que aceitaram com presteza o convite para prefaciar esta obra. Para nós é uma honra tê-las aqui. Seremos eternamente gratos por compartilharem seus conhecimentos com tamanha generosidade. Obrigado aos pais que gentilmente autorizaram o uso das imagens de suas crianças nesta obra. À Clínica Escola de Fisioterapia da UFVJM e aos demais colegas, técnicos e alunos do Departamento de Fisioterapia da UFVJM e do Departamento de Fisioterapia da UFMG, obrigado pela parceria e oportunidade diária de aprendizado e amizade. Finalmente, obrigado à MedBook Editora pela assistência e o cuidado na preparação dos originais para a publicação da obra. Ana Cristina Resende Camargos Hércules Ribeiro Leite Rosane Morais Vanessa Pereira de Lima Organizadores Aline Duprat Ramos Fisioterapeuta. Especialista em Fisioterapia Cardiorrespiratória e Neurofuncional pelo COFFITO. Mestre em Neurociências pela UFMG. Fisioterapeuta do setor de Neurologia/Neurocirurgia do HPS João XXIII – Rede FHEMIG – Belo Horizonte-MG. Fisioterapeuta da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Metropolitano Odilon Behrens – Belo Horizonte-MG. Ana Cristina Resende Camargos Fisioterapeuta. Especialista em Fisioterapia em Neurologia (Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG). Mestre em Ciências da Reabilitação (UFMG). Doutora em Ciências Fisiológicas (UFVJM). Professora Adjunta do Departamento de Fisioterapia da UFMG na área de Fisioterapia em Pediatria. Docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação da UFMG e docente colaboradora do Programa de Pós- Graduação em Reabilitação e Desempenho Funcional da UFVJM. Ana Karla da Silva Moura Pedrosa Fisioterapeuta pela UFPE. Especialização em Fisioterapia Aquática pela Faculdade Maurício de Nassau/UNINASSAU e Mestre em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Docente do curso de Fisioterapia nas Disciplinas Fisiopatologia em Neonatologia e Pediatria e Fisioterapia em Pediatria no Centro Universitário Brasileiro (UNIBRA) – Recife-PE. Ana Paula de Sousa Fisioterapeuta pela UFMG. Especialista em Aprendizagem Motora pela USP. Formação em Método Neuroevolutivo (Bobath), Baby Bobath, Método Pilates, �eraSuit Method, �eratogs, Terapia por Contensão Induzida. Sócia da ProAtiva BH. Ana Paula Mendonça Fisioterapeuta da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. Fisioterapeuta do Centro Especializado em Reabilitação de Diamantina, MG – CER IV. Andrea Pires Muller Fisioterapeuta. Mestre em Ciências da Saúde – PUC-PR. Docente do Curso de Fisioterapia da PUC-PR. Tutora da Residência Multipro�ssional em Saúde do Idoso – HUC-PUC-PR. Responsável pelo serviço de Fisioterapia do Hospital Cardiológico Constantini – Curitiba-PR. Andreza Letícia Gomes Fisioterapeuta. Especialista em Pediatria e Neonatologia. Mestre em Reabilitação e Desempenho Funcional (PPGReab-UFVJM). Anne Jansen Hupfeld Fisioterapeuta. Formação no Método de Tratamento Neuroevolutivo Bobath e Baby Course. Fisioterapeuta referência da Clínica de Má-Formação Congênita do setor de Fisioterapia Infantil da Associação de Assistência a Criança De�ciente – AACD Ibirapuera. Anne Karolyne Cruz Santiago Fisioterapeuta da Universidade Federal de Sergipe (UFS) – Campus Lagarto. Curso de aperfeiçoamento no método Pilates. Ayrles Silva Gonçalves Barbosa Mendonça Fisioterapeuta. Mestre em Engenharia Mecânica com tese na área biomédica e Doutora em Biotecnologia na área da Saúde. Formação em PediaSuit. Docente do curso de Fisioterapia da UFAM. Carla Trevisan Martins Ribeiro Fisioterapeuta. Mestre em Ciências (UFRJ). Doutora em Ciências (UFRJ). Fisioterapeuta Neurofuncional do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira, IFF/Fiocruz. Carolina Gomes Matarazzo Fisioterapeuta. Especialista em Assimetrias Cranianas e Fisiologia. Mestre em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Primeira �sioterapeuta a atuar numa clínica de órteses cranianas no Brasil e a criar um centro de tratamento de intervenção precoce das assimetrias. Pesquisadora na área de Assimetrias e Torcicolo. Caroline Bolling Fisioterapeuta. Especialista em Saúde e Segurança do Trabalhador pela FUMEC. Mestre em Saúde Pública pela UFMG. Doutora pela VUmc – Vrije Universiteit Amsterdam. Cristiane Cenachi Coelho Fisioterapeuta Doutoranda em Ciências da Reabilitação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre em Engenharia Biomédica- Bioengenharia pela Universidade do Vale do Paraíba (UNIVAP). Especialista em Fisioterapia Cardiopulmonar pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais (FCMMG). Fisioterapeuta do Hospital Infantil João Paulo II. Coordenadora do Programa de Residência Multipro�ssional do Hospital Infantil João Paulo II da Fundação Hospitalar de Minas Gerais (FHEMIG). Danielle Vieira Rocha Soares Fisioterapeuta. Doutora em Ciências da Reabilitação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professora Adjunta do Departamento de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Dayane Montemezzo Fisioterapeuta. Doutora em Ciências da Reabilitação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professora Adjunta do Departamento de Fisioterapia da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Elizabeth Rocha e Rocha Fisioterapeuta. Especialista em Fisioterapia Intensiva Pediátrica e Neonatal pelo COFFITO. Fisioterapeutaobjeto19 (Figura 1.28). Figura 1.27A e B Posturas ajoelhada e semiajoelhada. Figura 1.28 Postura de cócoras ou agachada. O desenvolvimento da postura de pé tem início com o apoio das mãos. Os bebês se puxam para a posição de pé e gradativamente necessitam de menos suporte para permanecerem nessa postura. Durante a passagem para a postura de pé, os membros inferiores estão mais ativos e o bebê, muitas vezes, pode sair da postura sentada e passar para as de quatro apoios, ajoelhada, semiajoelhada e de pé, sucessivamente. Se não tiver o apoio das mãos, ele pode passar pela postura semiagachada e se transferir para a de pé utilizando a extensão simétrica dos quadris e joelhos13,58. Em torno dos 10 meses, o bebê já pode ser capaz de permanecer de pé com a assistência mínima de uma das mãos, o que deixa os membros superiores mais livres para exploração. À medida que o controle postural se aprimora, o bebê pode �car de pé sem o apoio de ambas as mãos e para isso mantém a abdução de quadris para aumentar a base de suporte49 (Figura 1.29). Figura 1.29A a B Passagem para a postura de pé e postura de pé sem apoio. Antes de conseguir realizar a marcha anterior, o bebê adquire a habilidade de andar de lado, ou seja, executa a marcha lateral (Figura 1.30). Essa habilidade é interessante por proporcionar a locomoção de pé sem a ajuda de um adulto. Ao praticar a marcha lateral em torno de sofás, cadeiras ou com o apoio das mãos na parede, o bebê ganha mais força muscular dos membros inferiores e aprimora a percepção visual para se equilibrar e também a coordenação entre os membros inferiores62,63. Figura 1.30 Marcha em torno de mobília com apoio dos membros superiores. A transição de engatinhar para andar modi�ca o campo visual do bebê51. Durante o engatinhar, as mãos estão apoiadas e o bebê vê o chão; durante o andar, toda a con�guração do ambiente está em seu campo de visão (p. ex., pessoas, brinquedos, paredes e aberturas). Em acréscimo, enquanto anda, o bebê carrega muito mais objetos do que enquanto engatinha, favorecendo a interação social, o compartilhamento de objetos e o modo como o adulto responde ao bebê51,53,64. A marcha anterior com apoio torna possíveis a prática e o desenvolvimento do controle postural de pé, sendo realizada com a extensão do tronco, quadril, joelho e tornozelo no �nal da fase de apoio, e o peso é distribuído para a cabeça dos metatarsos19. Ao �nal do primeiro ano de vida, a maioria dos bebês consegue andar de maneira independente, embora haja uma grande variação na idade de aquisição desse marco motor (8 a 18 meses)49. Para iniciar a marcha independente o bebê precisa ter desenvolvido força muscular e equilíbrio su�cientes para sustentar o peso do corpo sobre um membro inferior enquanto o outro está na fase de balanço13. A marcha é caracterizada por passos curtos e rápidos, base de suporte alargada e ausência de balanceio recíproco de membros superiores (isto é, cotovelos semi�exionados e mãos acima da altura do quadril). O bebê executa a �exão do quadril, a semi�exão do joelho e a �exão dorsal durante a fase de balanço. O contato inicial é feito com todo o pé no chão ou em �exão plantar. No �nal da fase de apoio ocorre ligeira extensão do quadril e do joelho. Os quadris se mantêm em rotação externa e abdução durante todo o ciclo da marcha, o que faz com que os pés apontem para fora46,65 (Figura 1.31). Figura 1.31 Marcha anterior sem apoio. Diversos fatores contribuem para a aquisição da marcha independente. Dentre eles podem ser citadas as mudanças nas proporções corporais (p. ex., os membros inferiores se tornam mais longos em relação ao tronco e ocorre o abaixamento do centro de massa), a maturação neural (p. ex., crescimento cerebral, rápida multiplicação de células da glia, mielinização das �bras neurais e formação de novas sinapses) e a experiência, que contribui para o aumento da força muscular e do equilíbrio, pois proporciona a prática de se mover na posição ereta66. O desenvolvimento da marcha independente pode parecer apenas um estágio natural da sequência de aquisição de habilidades do bebê; entretanto, não é uma aquisição simples. Adolph et al.67 observaram a atividade espontânea de 116 bebês (de 11,8 a 19,3 meses de idade) que andavam independentemente em uma sala com mobílias, superfícies variadas e brinquedos durante 15 a 60 minutos. As �lmagens mostraram que, em média, os bebês dão 2.368 passos, percorrem uma distância de 701 metros e caem 17 vezes por hora67. Esse estudo demonstrou que o aprimoramento da marcha exige muita prática e oportunidade de exploração. A prática da marcha é variável e distribuída, ou seja, o bebê intercala a marcha com longos períodos parado, de pé ou sentado, brincando ou interagindo com pessoas. Ele explora as superfícies, mobílias e se engaja em diferentes atividades46. As possibilidades de ação se modi�cam semana após semana, à medida que as habilidades locomotoras do bebê se aprimoram. Além de o bebê precisar se manter na trajetória para alcançar um destino, passar em torno de obstáculos e através de aberturas, a locomoção demanda o monitoramento da superfície60. Por exemplo, a superfície oferece suporte ou não? É �rme o su�ciente para passar sobre ela andando? Estudos mostraram que o bebê percebe as propriedades da superfície e escolhe atravessá-la andando, quando ela é rígida o su�ciente para isso, ou engatinhando, como nas situações em que há um colchão de água escondido por baixo de uma superfície aparentemente �rme68. Os estudos sobre a locomoção de bebês em rampas sugerem que a criança que tem marcha independente escolhe maneiras mais seguras e apropriadas de locomoção sobre terrenos, atendendo às propriedades da superfície de suporte em relação a suas próprias capacidades de ação. Já a criança que engatinha não consegue fazer isso. O re�namento da atividade exploratória e a descoberta de que formas alternativas podem ser usadas na descida podem ser o primeiro passo no aprendizado da percepção de a�ordances para locomoção sobre rampas21. CONSIDERAÇÕES FINAIS A literatura aponta que as diferenças culturais e práticas na rotina diária do bebê podem acelerar ou atrasar a aquisição de algumas habilidades motoras49,69,70. Por exemplo, em algumas regiões da África é costume das mães realizar massagens e exercícios em seus bebês, colocando-os desde muito novos nas posturas sentada e de pé com apoio71. Essas práticas aceleram a aquisição do sentar e andar independente13. Por outro, a prática de restringir as oportunidades do bebê de �car em decúbito ventral pode atrasar o desenvolvimento do engatinhar e de outras habilidades relacionadas com essa postura72,73. Portanto, as diferenças na maneira como o cuidador estrutura o ambiente e interage com seu bebê podem afetar a aquisição de novas habilidades, a idade em que elas aparecerão e a trajetória do desenvolvimento. Entretanto, a idade para a aquisição das habilidades motoras é muito variável entre bebês, e essa variabilidade é uma característica do desenvolvimento normal74. A progressão dos marcos motores sugere uma ordem sequencial relacionada com a idade, mas as trajetórias do desenvolvimento podem diferir muito de um bebê para o outro75. Em outras palavras, os bebês podem adquirir habilidades em várias ordens diferentes, pular estágios ou regredir para estágios anteriores sem que isso signi�que uma alteração no desenvolvimento motor13,76. Por outro lado, a variabilidade no desenvolvimento motor normal se apresenta como um desa�o para terapeutas que trabalham com o rastreamento de crianças com suspeita de atraso ou de alguma alteração no desenvolvimento. Essa variabilidade aparece nos escores obtidos pelas crianças quando são aplicados testes (p. ex., Alberta Infant Motor Scale) para a identi�cação do atraso no desenvolvimento motor76. Isso sugere que os bebês devem ser avaliados em mais de um momento para que o terapeuta tenha um melhor entendimento do desenvolvimento apresentado pelo bebê77. Em síntese, durante seu primeiro ano de vida, o bebê explorao ambiente e aprende diversas relações existentes no mundo. Os bebês são motivados pela tarefa e exploram as diversas possibilidades de ação, de maneira prospectiva, até selecionarem uma opção que os faça conseguir cumprir seu objetivo. À medida que o sistema perceptual do bebê se desenvolve, as atividades exploratórias são usadas para descobrir as a�ordances que são pertinentes a cada fase do desenvolvimento. O desenvolvimento perceptual impulsiona o aprimoramento das capacidades de ação do bebê, o que, por sua vez, favorece a descoberta de novas possibilidades. Em outras palavras, o desenvolvimento ocorre em ciclos de percepção-ação indissociáveis, que incluem períodos de rápidas mudanças intercalados com períodos de relativa estabilidade. Novas habilidades motoras proporcionam diversas experiências que modi�cam as oportunidades para o aprendizado e, assim, in�uenciam o desenvolvimento cognitivo e afetivo e a interação social do bebê. Referências 1. Van Sant A. Life-span motor development. In: Lister MJ, ed. 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Apesar de a genética proporcionar um conjunto de possibilidades ao indivíduo, essa herança não predetermina os acontecimentos da vida da criança. Teorias contemporâneas enfatizam a associação entre genética e ambiente, ou seja, existe uma relação de interação e correlação entre os fenômenos. O ambiente modera a expressão da genética e vice-versa. Além disso, o ambiente pode desencadear importantes eventos neuro�siológicos que levam à organização do sistema nervoso e de suas funções5,6. O período entre a concepção e a idade de 24 meses, denominado os primeiros 1.000 dias de vida, é considerado crítico/sensível para o crescimento e o desenvolvimento infantil. Entretanto, fatores ambientais, como viver em um ambiente de pobreza crônica, têm efeito não apenas nesse período, mas também, pelo menos, até os 5 anos de idade1,4. Alguns fatores presentes na vida intrauterina e/ou nos primeiros anos da vida extrauterina podem interferir negativamente no processo do desenvolvimento e acarretar di�culdades para a criança atingir a plenitude de suas capacidades. Por isso, algumas crianças necessitam de intervenção precoce (IP). A IP consiste em um conjunto de serviços multidisciplinares para crianças vulneráveis ao comprometimento de seu desenvolvimento cognitivo, motor, psicossocial ou adaptativo desde o nascimento até os 3 ou 5 anos de idade7. Essa intervenção deve acontecer o mais cedo possível para prevenir o surgimento de doenças ou transtornos ou mesmo reduzir sua gravidade, além de promover melhores resultados funcionais8. Dessa maneira, a IP tem sido direcionada para crianças de 0 a 5 anos de idade que apresentam8: • Fatores de risco que in�uenciam negativamente seu desenvolvimento em razão de fatores psicossociais/ambientais, como aquelas que vivem em desvantagem socioeconômica ou que contam com cuidadores que fazem uso excessivo de substâncias psicoativas. • Fatores de risco que in�uenciam negativamente seu desenvolvimento em razão de fatores biológicos, como baixo peso ao nascer ou prematuridade. • Diagnósticos estabelecidos que interferem negativamente no desenvolvimento, como os de paralisia cerebral, síndromes genéticas e transtornos do neurodesenvolvimento. Assim, este capítulo irá discorrer sobre a IP, um processo multifacetado e multipro�ssional. Inicialmente, serão abordadas algumas concepções fundamentais para a com preensão da IP. Em seguida, serão apresentados os principais instrumentos padronizados de avaliação utilizados na IP. A partir daí, serão discutidas algumas suposições contemporâneas da IP e apresentadas as principais estratégias que têm sido adotadas tanto para as crianças sob risco biológico como para aquelas sob risco psicossocial/ambiental. A IMPORTÂNCIA DO INVESTIMENTO NOS PRIMEIROS ANOS DE VIDA A comunidade cientí�ca reconhece atualmente que o alicerce para uma sociedade produtiva e bem-sucedida tem início na primeira infância (0 a 36 meses de vida). Nos primeiros anos de vida se estabelecem as bases sólidas para um melhor desempenho acadêmico, econômico e produtivo, as quais são imprescindíveis à formação de cidadãos satisfeitos consigo e bem-ajustados à sociedade5,9. Estudos longitudinais indicam que o custo para a sociedade do investimento em IP em crianças de risco psicossocial/ambiental é cerca de 100 vezes menor quando comparado ao do tratamentotardio e das consequências sociais da não intervenção. Dentre essas repercussões sociais podem ser citados a depressão, os transtornos de conduta e o abuso de substâncias ilícitas2,10,11. Como pode ser observado na Figura 2.1, investimentos voltados à primeira infância proporcionam melhor retorno social e econômico para um país, quando comparados ao emprego de recursos em quaisquer outras etapas da vida1,5,12. Figura 2.1 Retorno do investimento em capital humano × Períodos do ciclo de vida. (Reproduzida de: Comitê Científico do Núcleo Ciência Pela Infância, 2014. Disponível em: http://www.ncpi.org.br) A explicação para o maior retorno �nanceiro tem origem em achados da neurociência que demonstram que a formação e o desenvolvimento da citoarquitetura das estruturas que compõem o sistema nervoso são sensíveis às condições ambientais e que as experiências vivenciadas na primeira infância serão importantes no desenvolvimento do cérebro e em seu funcionamento futuro5,13. O período sensível do desenvolvimento cerebral A habilidade e extensão em que o cérebro pode ser remodelado é denominada plasticidade cerebral. Existem vários mecanismos por meio dos quais a plasticidade ocorre: alguns são primariamente direcionados por genes, outros dependem da experiência ambiental14. O Quadro 2.1 apresenta alguns desses eventos. A plasticidade pode ocorrer durante toda a vida, porém é mais intensa nos primeiros anos de vida4,13. Quadro 2.1 Eventos neurofisiológicos que ocorrem durante o período de desenvolvimento cerebral14 (Couperus e Nelson, 2006) Neurulação Proliferação Migração Crescimento axonal e dendrítico Sinaptogênese Poda sináptica Mielinização Formação do tubo neural Criação de neurônios e células da glia a partir de células- tronco As células migram de onde nasceram para onde irão permanecer Crescimento axonal Brotamento dendrítico Conexão entre neurônios por meio de axônios e dendritos Eliminação de superprodução de sinapses As células (mielinas) envolvem e isolam os axônios dos neurônios Período pré-natal Aproximadamente 22 dias após a concepção Período pré- natal Cerca de 26 dias após a concepção Proliferação neural e divisão do sistema nervoso central Período pré e pós-natal A partir da oitava semana pré-natal até 4,5 meses pós- natais Período pré e pós-natal Varia conforme a área Crescimento axonal 15 a 32 semanas pré-natais Brotamento dendrítico de 15 semanas pré-natais a 24 pós- natais Pré e pós-natal Sinapse madura a partir de 23 semanas pré- natais e ao longo da vida. Pico no primeiro ano de vida, variando conforme a área cerebral Pós-natal Primeiro ano de vida até a adolescência Pré e pós- natal Varia conforme a área A Figura 2.2 mostra que durante a primeira infância é maior a habilidade das mudanças cerebrais em resposta às experiências. Os primeiros anos são decisivos para o desenvolvimento da criança, uma vez que é nesse período da vida que acontecem importantes eventos neuro�siológicos que sofrem in�uências ambientais, como a sinaptogênese e o podamento sináptico14. Figura 2.2 Habilidade de mudança cerebral em resposta às experiências × Quantidade de esforço necessário. (Adaptada de: https://developingchild.harvard.edu/science/key-concepts/brain-architecture/.) Durante o primeiro ano de vida a criança desenvolve as principais habilidades sensoriomotoras, socioemocionais e cognitivas, as quais serão primordiais para a vida adulta5,15. Cada um desses domínios do desenvolvimento se aprimora em um momento diferente (Figura 2.3). As capacidades sensoriais, por exemplo, apresentam maior sinaptogênese próximo aos 3 meses de vida, enquanto que as áreas responsáveis pelas funções cognitivas se destacam entre o primeiro e o segundo ano de vida. Figura 2.3 Formação de novas sinapses no ciclo de vida. (Reproduzida de: Comitê Científico do Núcleo Ciência Pela Infância, 2014. Disponível em: http://www.ncpi.org.br.) Os momentos em que são maiores as possibilidades de modi�cação dos circuitos cerebrais em resposta ao ambiente são denominados períodos sensíveis1,4. Nos períodos sensíveis há maior plasticidade para a aquisição de habilidades, a qual funciona como uma janela de oportunidades em que a criança estaria particularmente mais receptiva a experiências ambientais ou a intervenções. Em contrapartida, na presença de estímulos negativos ou perturbações externas, o desenvolvimento da criança pode ser afetado4. Desse modo, a expressão período crítico se refere ao intervalo de tempo durante o qual determinado evento/estímulo ou a ausência desse evento/estímulo tem impacto no desenvolvimento da criança. VULNERABILIDADE E FATORES DE RISCO Alguns conceitos relacionados com a adaptação ambiental positiva ou negativa da criança ao longo de seu desenvolvimento são utilizados dentro da terminologia da IP. Assim, embora uma discussão aprofundada sobre esses termos ultrapasse o escopo deste capítulo, o Quadro 2.2 apresenta um glossário conciso. As crianças que necessitam de IP são aquelas que podem apresentar atraso ou desenvolvimento fora do esperado em um ou mais domínios do desenvolvimento infantil em virtude da exposição a fatores de risco biológico ou psicossocial/ambiental3,16-18. Quadro 2.2 Glossário conciso relacionado com a vulnerabilidade e fatores de risco18 Vulnerabilidade Suscetibilidade a um desfecho negativo específico em contexto de risco ou adversidade Risco Elevada probabilidade de um desfecho negativo ou indesejado no futuro Fatores de risco Atributos mensuráveis das pessoas, suas relações ou contextos associados a risco Fatores de Atributos mensuráveis das pessoas, seus relacionamentos ou contextos associados a proteção desfechos positivos (apesar do nível de risco ou adversidade) Adversidade Experiência duradoura ou repetida esperada ou observada para se ter efeito significativamente negativo ou perturbador da adaptação; geralmente estão envolvidos múltiplos fatores de risco Resiliência Padrão de adaptação positivo em um contexto de risco ou adversidade Fatores de risco biológicos Os fatores de risco biológicos estão relacionados com eventos pré, peri e pós-natais. São alguns exemplos: prematuridade, baixo peso, as�xia perinatal, hemorragia intraventricular e distúrbios bioquímicos e hematológicos3,19. Essas crianças de risco biológico são denominadas de alto risco em virtude da probabilidade de sofrerem lesão cerebral e posteriormente receberem o diagnóstico de paralisia cerebral ou outro tipo de transtorno no neurodesenvolvimento20. Na IP, as crianças com diagnósticos estabelecidos nos primeiros meses de vida, como paralisia cerebral, microcefalia, malformações congênitas e doenças genéticas, também são inseridas na categoria de risco biológico3,19. O efeito da IP nas crianças de risco biológico tem sido particularmente estudado em bebês de nascimento pré-termo20. A prematuridade (isto é, abaixo de 37 semanas) é uma causa signi�cativa de mortalidade e morbidade durante a infância. Quanto maior a prematuridade e menor o peso, maiores são os riscos. Por exemplo, bebês com prematuridade extrema (menos de 28 semanas de gestação) e peso extremamente baixo ao nascer (do peso esperado, enquanto o cerebelo só atingiu 35% a 40% do volume esperado em comparação com 40 semanas gestacionais (a termo)21. Os vasos sanguíneos no cérebro se desenvolvem paralelamente ao parênquima. Durante as últimas 16 semanas de gestação, a rede periventricular se expande com o crescimento de vasos penetrantes longos e curtos e com a formação de anastomoses extensas. Na metade da gestação, o �uxo sanguíneo para a substância branca é de apenas 25% em relação ao �uxo que segue para o córtex cerebral. Desse modo, a lesão da substância branca difusa é identi�cada em mais de 50% dos bebês de peso extremamente baixo ao nascer, considerando o baixo �uxo sanguíneo para essa região21. Lesões perinatais podem então interferir no crescimento das conexões cerebrais, fornecendo assim uma possível explicação para os dé�cits difusos em funções cognitivas superiores em indivíduos nascidos com peso extremamente baixo. Essas alterações persistem até o �nal da infância, a adolescência e a idade adulta e estão correlacionadas a distúrbios neuropsicológicos, como falta de atenção, hiperatividade, ansiedade e outros problemas sociais e emocionais21,22. Fatores de risco psicossociais/ambientais Os fatores de risco ambientais são considerados eventos ou condições que ocorrem fora do indivíduo, como, por exemplo, as experiências relacionadas com a vida em família e/ou em sociedade23. Em outras palavras, são aqueles relacionados com qualquer tipo de violência doméstica, física, sexual, psicológica, exposição à violência conjugal, negligência, uso excessivo de álcool e substâncias psicoativas pelos cuidadores e pobreza3,12,24. Quando são consideradas a in�uência do ambiente e a relevância dos diferentes contextos que envolvem o indivíduo, torna-se necessário analisar não apenas os ambientes ou as situações que apresentam relação direta com o sujeito, como o ambiente familiar, mas também é importante averiguar a vizinhança, o ambiente educacional e outras pessoas da comunidade que possam ter in�uência indireta, mas signi�cativa, para a vida do indivíduo9,25. A pobreza extrema é considerada um dos fatores de risco psicossociais/ambientais mais impactantes no desenvolvimento infantil. Isso porque sua presença aumenta a probabilidade de exposição das crianças a múltiplas adversidades, incluindo estresse familiar, abuso ou negligência infantil, insegurança alimentar e exposição à violência, que, muitas vezes, são agravadas por morarem em comunidades com recursos limitados26. Há na literatura duas perspectivas teóricas que procuram explicar a relação entre o impacto da pobreza no ambiente doméstico e o desenvolvimento infantil: modelo do investimento familiar e modelo do estresse familiar. O primeiro modelo preconiza que famílias economicamente desfavorecidas têm di�culdade em investir em recursos que dão suporte ou estimulam o desenvolvimento infantil. Em outras palavras, o capital �nanceiro é mais escasso, havendo prejuízo em investir no capital humano da criança, ou seja, há menor oferta de brinquedos, livros, investimento em viagens, passeios e educação complementar27. O segundo modelo enfatiza que os recursos �nanceiros escassos são fatores estressores que esgotam os recursos psicossociais e têm consequências na saúde mental dos membros da família. Assim, os pais de crianças economicamente desfavorecidas seriam mais suscetíveis ao estresse ou a alterações de humor e, consequentemente, mais punitivos ou menos disponíveis e receptivos às necessidades de atenção, afeto e estímulos da linguagem, cognição e psicomotricidade da criança28. É possível que a teoria do estresse familiar e a teoria do investimento familiar apresentem efeitos cumulativos ou interativos27. Fatores de risco psicossociais/ambientais, que incluem a combinação de vários elementos estressores, como depressão materna, abuso de substâncias ilícitas ou violência infantil, podem ser considerados um contexto de adversidade9,29. Avanços cientí�cos nas áreas de neurociências, biologia molecular e genética têm demonstrado que adversidades signi�cativas enfrentadas precocemente na infância podem ocasionar perturbações �siológicas e/ou biológicas que causariam prejuízos no desenvolvimento de sistemas do corpo humano. Esses danos estariam relacionados com uma resposta de estresse intensa e prolongada, denominada estresse tóxico4,13,30. A Figura 2.4 apresenta a taxonomia do estresse proposta pela National Scienti�c Council on the Developing Child (Conselho Nacional Cientí�co sobre o Desenvolvimento da Criança). Um estresse positivo é aquele que é infrequente, leve ou breve, caracterizado por forte suporte socioafetivo. Esse suporte socioemocional permite que a criança retorne rapidamente ao patamar anterior ao estresse e seja minimamente exposta a seus mediadores hormonais. Esse tipo de situação, ou seja, um suporte emocional diante da adversidade, possibilita que a criança construa resiliência. Um estresse tolerável, por sua vez, não possibilita necessariamente a construção de resiliência, mas a existência de um suporte socioafetivo su�ciente (p. ex., apoio familiar) permite que a criança retorne ao patamar anterior ao estresse. Por outro lado, o estresse tóxico resulta de uma exposição frequente, forte e prolongada à resposta corporal ao estresse. Nesse caso, o suporte socioemocional é insu�ciente para que a criança retorne ao patamar anterior ao estresse31. Figura 2.4 O estresse tóxico na infância. (Adaptada de Gardner, 2013.) O estresse tóxico desregula o eixo hipotálamo-hipó�se-adrenal e, em consequência, pode promover alterações nas funções cerebrais e diminuição do volume da substância cinzenta no hipocampo e dos lobos frontal e temporal (regiões importantes para a memória e o aprendizado)24,32. Essas perturbações podem resultar em alterações anatômicas ou desregulações �siológicas e serem precursoras de problemas de comportamento, aprendizagem, baixo desempenho cognitivo e acadêmico, dentre outros9. Convém ressaltar que os fatores de risco biológicos e psicossociais/ambientais estão muitas vezes interligados8. Por exemplo, quando a mãe faz um acompanhamento pré- natal de�ciente, tem uma nutrição inadequada, usa substâncias lícitas e ilícitas e ocorrem infecções durante a gestação, o bebê se torna mais vulnerável à prematuridade, ao baixo peso ao nascimento e a doenças que afetam o desenvolvimento neuropsicomotor33. Em outras palavras, riscos psicossociais/ambientais também deixam a criança mais suscetível a apresentar problemas de saúde, �cando, portanto, também exposta a riscos biológicos potencialmente prejudiciais ao seu desenvolvimento3,27. USO DE INSTRUMENTOS PADRONIZADOS NA IP Antes da IP é necessário avaliar a criança e, nesse momento, a escolha de um teste padronizado (adequado) adquire importância fundamental. Um teste é considerado padronizado quando apresenta a uniformização dos procedimentos que serão realizados com o estabelecimento de regras �xas para administração e pontuação. Desse modo, todos os testes padronizados contam com um manual que descreve a proposta do teste e contém as normas para administração, materiais utilizados e instruções aos examinadores. Além disso, os testes padronizados apresentam um número �xo de itens que não podem ser removidos ou adicionados pelo examinador, uma vez que isso pode afetar a interpretação dos testes12,34. Os testes padronizados possibilitam que os resultados obtidos com a criança avaliada sejam comparados ao desempenho de outras crianças que realizaram previamente o teste, sendo denominados, neste caso, testes referenciados por norma. Quando possibilitam a comparação da criança testada com critérios preestabelecidos por pesquisadores, com a �nalidade de determinar as habilidades que a criança é capaz ou não de realizar, são denominados testes referenciados por critério34. Seleção de instrumentos padronizados para crianças brasileiras A escolha do instrumento padronizado representa um grande desa�o para os pro�ssionais de saúde que trabalham com o desenvolvimento infantilno Brasil. Esses pro�ssionais relatam di�culdades na seleção do teste ideal e na aplicação dessas escalas em virtude da escassez de instrumentos padronizados e validados para crianças brasileiras. Por isso, na maioria das vezes, acabam por utilizar de maneira inadequada testes e escalas internacionais padronizados para outras populações. Essa inadequação de uso ocorre por não haver como estabelecer comparações de dados com crianças de outros países, na medida em que existem diferenças culturais e ambientais relevantes que podem in�uenciar a avaliação do desenvolvimento infantil. Por exemplo, a interpretação de testes utilizando normas e propriedades psicométricas internacionais pode não se adequar às crianças brasileiras. Portanto, a carência de instrumentos padronizados para o Brasil di�culta a aplicação, a compreensão e a interpretação dos testes35,36. Para a seleção apropriada do instrumento a ser utilizado, o pro�ssional de saúde deve primeiro ter em mente os motivos para aplicação, decidindo-se por um instrumento de triagem ou de diagnóstico, cujas diferenças serão explicitadas mais adiante. Além disso, essa decisão deve ser fundamentada, também, nos diferentes modos de utilização e administração de um teste (administração direta com a própria criança, observação da criança nas atividades da vida diária, relato dos pais e/ou dos professores). Outros aspectos relevantes são as propriedades psicométricas do instrumento (validade e con�abilidade) e sua acessibilidade ao pro�ssional, o que inclui o custo para aquisição do teste e do manual, a necessidade de treinamento e o tempo de administração do teste12,36. Instrumentos de triagem × instrumentos de diagnóstico Instrumentos padronizados podem ser utilizados por inúmeros motivos, como, por exemplo, para assegurar o diagnóstico de alterações no desenvolvimento ou para avaliar um grande número de crianças em curto período de tempo e identi�car uma suspeita de atraso no desenvolvimento. Instrumentos padronizados de triagem são avaliações curtas com menor quantidade de itens que mensuram um ou mais domínios do desenvolvimento infantil. São de rápida aplicação (30 minutos em média), o que viabiliza seu uso em larga escala, como na atenção primária12,37. Os testes de triagem podem ser aplicados diretamente na criança ou podem ser baseados no relato dos pais, ou ambos12. São bastante utilizados tanto na prática clínica como em pesquisas cientí�cas em razão das evidências cientí�cas de sua capacidade de detecção de desvios de desenvolvimento e por serem viáveis e de baixo custo. Quando bem utilizado, um instrumento de triagem pode detectar mais de 70% dos problemas de desenvolvimento e comportamento. Todavia, checklists informais ou instrumentos com pobres propriedades psicométricas identi�cam menos de 30% desses distúrbios38. Apesar de auxiliarem a identi�cação de crianças com alterações de desenvolvimento/comportamento, os instrumentos de triagem não têm poder diagnóstico, havendo a necessidade de uma avaliação mais completa a ser realizada pelo pro�ssional competente39. Com essa �nalidade são utilizados instrumentos padronizados de diagnóstico ou testes de habilidade, que apresentam maior quantidade de itens, com a avaliação de múltiplos domínios do desenvolvimento de maneira mais detalhada. A aplicação adequada desse tipo de instrumento padronizado oferece ao pro�ssional a certeza diagnóstica, embora exija mais tempo para avaliação, em média 1 hora, sendo, por isso, mais utilizado em pesquisas12. Instrumentos padronizados utilizados no Brasil Na tentativa de auxiliar e atualizar os pro�ssionais de saúde a identi�car precocemente as alterações de desenvolvimento/comportamento será apresentada uma revisão de importantes instrumentos de avaliação padronizados utilizados na criança brasileira na primeira infância. Um resumo desses instrumentos pode ser consultado no Quadro 2.3. Quadro 2.3 Principais instrumentos padronizados utilizados na IP GMA: General Movement Assessment; Bayley-III: Bayley Scales of Infant and Toddler Development – 3a edição; EDCC: Escala de Desenvolvimento do Comportamento da Criança no Primeiro Ano de Vida; Denver-II: Denver Developmental Screening Test – Second Edition; AIMS: Alberta Infant Motor Scale; ASQ-3 BR: Ages and Stages Questionnaire – 3a edição; SWYC: Survey of Wellbeing of Young Children; SDQ: Strengths and Di�culties Questionnaire. General Movement Assessment (GMA) O GMA é uma avaliação diagnóstica que analisa a qualidade dos movimentos generalizados (do inglês general movements – GM). Trata-se de movimentos espontâneos normalmente presentes no repertório motor de bebês nos primeiros meses de vida. O curso para capacitação para a aplicação do GMA tem sido ministrado no Brasil, e o GMA tem sido aplicado em alguns estudos40,41. Fundamenta-se na observação visual dos movimentos, não é invasivo, não necessita manusear a criança, é econômico e exige treinamento de poucos dias do pro�ssional41–43. Os GM se modi�cam ao longo dos meses de vida (em torno de 36 a 38 semanas gestacionais) e são descritos como movimentos writhing, elípticos, e em torno de 6 a 9 semanas pós-natais se modi�cam para movimentos do tipo �dgety, movimentos de velocidade moderada e aceleração variada. Em torno de 20 semanas, os movimentos se tornam voluntários e direcionados a uma meta (ação motora). A Figura 2.5 mostra o surgimento desses movimentos44. Figura 2.5 Surgimento dos movimentos gerais ao longo das semanas. A qualidade desses movimentos fornece informações sobre a integridade do cérebro; assim, quando típicos, os movimentos gerais são caracterizados por variação e complexidade e, quando atípicos, estão reduzidos ou ausentes. A predição de paralisia cerebral utilizando o GMA é considerada excelente quando embasada em séries longitudinais de avaliação41. A análise é feita a partir da �lmagem do bebê deitado em supino, acordado, movimentando-se livremente por, pelo menos, 10 minutos. A pontuação é feita por examinadores treinados que avaliam a complexidade, a variedade e a �uência dos movimentos44. Bayley Scales of Infant and Toddler Development – 3a edição (Bayley-III) Instrumento norte-americano criado em 1953 por Nancy Bayley e revisado em 1993 e 2005 com o objetivo de detectar atrasos de desenvolvimento em crianças do primeiro mês de vida até os 3 anos e 6 meses45, a escala Bayley-III é um teste padronizado de diagnóstico considerado em muitos países um instrumento padrão-ouro para veri�car desvios no desenvolvimento infantil12,46. O teste avalia os domínios do desenvolvimento por meio de cinco escalas: cognitiva (91 itens), motora grossa (72 itens), motora �na (66 itens), linguagem (97 itens), socioemocional e comportamento adaptativo. Três dessas escalas são administradas diretamente na criança (cognitiva, motora e linguagem) e as outras duas (socioemocional e de comportamento adaptativo) consistem em questionários administrados aos pais ou cuidadores45. Cada item observado pelo examinador recebe pontuação 1, e os itens não observados na avaliação recebem pontuação 0. A soma dos pontos fornece a pontuação �nal por domínio, que será interpretada por meio de tabelas. A escala apresenta um grande número de itens e administração na maioria das vezes demorada; contudo, o tempo gasto para aplicação é variável, pois dependerá da idade da criança e da habilidade do examinador. A Bayley-III necessita de um ambiente silencioso, com iluminação e espaço para a criança executar atividades do domínio motor grosso, como correr e pular45. Em 2016, a escala Bayley-III recebeu uma adaptação transcultural e validação em 207 crianças brasileiras na faixa etária de 12 a 42 meses46. A versão brasileira da escala apresentou propriedades psicométricas adequadas com alta validade convergente para a maioria dos domínios, elevada consistência interna e boa homogeneidade dos itens46. Apesar de demonstrar utilidade para o diagnóstico de atraso do desenvolvimento em crianças brasileiras, esse instrumento ainda é pouco usado na práticaclínica por exigir treinamento do pro�ssional e demandar elevado investimento �nanceiro. Escala de Desenvolvimento do Comportamento da Criança (EDCC) no primeiro ano de vida Criada e padronizada por Pinto et al. em 1997, a EDCC é um instrumento diagnóstico para avaliação do desenvolvimento do comportamento de crianças brasileiras até 1 ano de idade47. A amostra de validação consistiu em 242 crianças brasileiras saudáveis, de ambos os sexos, divididas em grupos homogêneos48. Posteriormente foi realizado estudo utilizando a EDCC em crianças pré-termo49. Trata-se de um instrumento de fácil aplicação que contém uma lista com 64 comportamentos motores e de atividades (não comunicativas e comunicativas) observados durante o primeiro ano de vida. A escala torna possível a avaliação do desenvolvimento motor grosso e �no, linguagem e pessoal-social em caso de suspeita de atraso de desenvolvimento, o que propicia o planejamento da IP47,48,50. O examinador procede a uma observação interativa da criança e analisa o tipo de comportamento, os comportamentos mais signi�cativos para a faixa etária e o ritmo de desenvolvimento, estabelecendo uma estimativa de atraso ou não do desenvolvimento do comportamento49. Apesar de ser a única escala criada para crianças brasileiras até os 12 meses de idade, a EDCC é um instrumento ainda pouco utilizado no país provavelmente em razão da faixa etária restrita do teste. Além disso, a aplicação do instrumento exige treinamento, um kit com materiais e um manual a ser adquirido pelo pesquisador. Denver Developmental Screening Test – Second Edition (teste de triagem Denver-II) O teste de triagem de Denver foi desenvolvido e publicado em 1967 por Frankenburg e Dodds e revisado em 1990, passando a ser denominado teste de triagem Denver-II51,52. Esse instrumento de fácil e rápida aplicação (25 minutos, em média) é considerado adequado para avaliar o desenvolvimento global de crianças de 0 a 6 anos de idade, incluindo crianças pré-termo53,54. Seus 125 itens são subdivididos em quatro áreas: motricidade ampla (32 itens), motricidade �na (29 itens), comportamento pessoal-social (25 itens) e linguagem (29 itens)51,53, os quais são registrados tanto por meio de observação direta e interação com a criança como a partir do relato do cuidador sobre a realização das atividades51,53. A aplicação do Denver-II exige treinamento simples, e o teste contém um kit com materiais acessíveis, como pom- pom vermelho, uvas-passas, chocalho, caneca de plástico, dentre outros. Para determinar os itens que deverão ser avaliados o examinador traça no formulário de registro uma linha vertical sobre a idade da criança que irá atravessar as quatro áreas/domínios do teste51,53. O desempenho da criança recebe a seguinte classi�cação: • “Passa”: a criança consegue executar a tarefa. • “Falha”: a criança não consegue realizar a tarefa. • “Recusa”: a criança não quer executar a tarefa. • “Não houve oportunidade”: a criança não teve a oportunidade de executar a tarefa em virtude das restrições dos cuidadores ou por outros motivos. Caso a criança apresente dois ou mais itens de falha (com atrasos) no teste, há a suspeita de atraso de desenvolvimento. De acordo com a interpretação �nal do Denver- II, a criança pode ser classi�cada como “Normal”, “De risco” ou “Não testável”52. O Denver-II é um teste amplamente utilizado no Brasil e no mundo53,55 tanto na pesquisa como na prática clínica. Apesar de existirem vários estudos nacionais que examinam as propriedades psicométricas desse instrumento, o Denver-II ainda não foi validado para o Brasil54,56. Rcentemente foi traduzido e adaptado transculturalmente para a população brasileira. Alberta Infant Motor Scale (AIMS) Teste de avaliação do desenvolvimento motor infantil publicado em 1994 pelas �sioterapeutas Piper & Darrah, a AIMS consiste em um instrumento de triagem observacional do desenvolvimento motor grosso de fácil aplicação e rápida administração (20 a 30 minutos), direcionado a crianças de zero a 18 meses58-60. Objetiva a identi�cação de desvios no desenvolvimento de crianças a termo e pré-termo e o acompanhamento dos resultados das intervenções. A AIMS é constituída por 58 itens que avaliam a criança em quatro posições: prono (21 itens), supino (9 itens), sentado (12 itens) e em pé (16 itens). Nessas posturas é observada a movimentação ativa da criança com base em três critérios: alinhamento postural, movimentos antigravitacionais e equilíbrio58-60. Para a aplicação da escala é necessária a aquisição do manual com as folhas de pontuação e ter à disposição materiais simples, como colchonete ou tatame, banco e brinquedos apropriados para a faixa etária. O ambiente para aplicação do teste deve ser tranquilo e agradável58. Após observar a criança, o avaliador de�ne uma janela de habilidades motoras, considerando a posição mais primitiva e a mais evoluída para essa criança. Cada item encontrado dentro dessa janela de habilidades e observado pelo aplicador recebe 1 ponto e cada item não observado recebe pontuação 0. São pontuados também os itens posicionados anteriormente à janela de habilidades motoras por ser esperado que a criança já tenha adquirido as posturas e movimentações mais primitivas. As pontuações obtidas em cada uma das posturas são somadas e é encontrado um escore total bruto. Esse escore é transferido para um grá�co no qual se obtém o percentil do desempenho motor da criança. Esse percentil pode variar de 5% a 90%58,59,61. O processo de validação da escala AIMS no Brasil começou em 2008, em 88 crianças prematuras por Almeida et al., nas quais foram encontrados valores de validade e con�abilidade adequados62. Em 2009, Saccani et al. ampliaram essa amostra com a adição de crianças a termo. Essa nova amostra consistiu em 766 crianças pré-termo e a termo e também demonstrou propriedades de medida adequadas com índices elevados de con�abilidade (> 0,90), con�abilidade entre examinadores (0,86 a 0,99) e teste-reteste (0,98)59-61,63. Além disso, foram construídas curvas de referência da AIMS do domínio motor grosso de crianças brasileiras com de�nição dos percentis por sexo35,60. A AIMS não exige treinamento especí�co para sua aplicação; entretanto, o pro�ssional de saúde deve ter conhecimento e experiência com o desenvolvimento infantil. Apesar da tradução e validação da escala para o Brasil, o manual da AIMS em português ainda não está disponível para venda. No entanto, há a opção de compra da versão em língua inglesa. Ages and Stages Questionnaire – 3a edição (ASQ-3) Criado por Briecker et al. em 1997 nos EUA com o objetivo de avaliar o desenvolvimento global na primeira infância64, o ASQ-3 consiste em uma entrevista realizada com pais ou cuidadores sobre o desenvolvimento de seus �lhos e é de fácil e rápida administração. Trata-se de um dos instrumentos de triagem do desenvolvimento mais utilizados em todo o mundo, tendo sido traduzido e validado para pelo menos nove línguas, dentre as quais espanhol, norueguês, chinês e, recentemente, para o português brasileiro65. A versão norte-americana da terceira edição do ASQ-3 apresenta 21 questionários que abrangem a faixa etária de 4 a 66 meses. Já a versão brasileira (ASQ-3BR), que passou por adaptação transcultural e validação para o português, tem somente 18 questionários que avaliam o desenvolvimento de crianças de 6 a 60 meses de idade65,66. O ASQ-3BR apresenta propriedades psicométricas adequadas para uso na prática clínica e em pesquisa, obtendo elevados valores de con�abilidade teste-reteste, validade concorrente, especi�cidade e sensibilidade65,67. Cada questionário do ASQ-3 contém 30 itens divididos em cinco domínios do desenvolvimento: comunicação, coordenação motora ampla, coordenação motora �na, resolução de problemas e pessoal-social. Cada item dispõe de três alternativas de resposta: “sim” (10 pontos), “às vezes” (5 pontos) ou “não” (0 pontos), e a soma das respostas dos pais fornece a pontuação �nal para cada área do desenvolvimento64,65. Esse escore é transferido parauma tabela que leva em consideração a idade da criança. Apesar da tradução e validação do instrumento, ainda não foram estabelecidos os pontos de corte para a classi�cação do desenvolvimento da criança brasileira, sendo ainda utilizados os critérios norte-americanos. Assim, em cada domínio do desenvolvimento a criança é classi�cada em abaixo da média, na média e acima da média, seguindo a normatização do ASQ-3 para crianças norte-americanas. Essa escala exige treinamento para aplicação, o qual pode ser presencial ou online, e necessita de um kit com materiais especí�cos, além do manual do examinador. A tradução da versão brasileira do ASQ-3 ainda não está disponível para compra, sendo necessário importar os materiais para administração do teste. O ASQ-3 vem sendo utilizado em programas públicos norte-americanos de IP e na vigilância do desenvolvimento de crianças em creches brasileiras64,65. Survey of Wellbeing of Young Children (SWYC) Criado em 2011 e validado em 2013 por Perrin et al., o SWYC é um questionário norte- americano para avaliação do desenvolvimento infantil. Trata-se de um instrumento de triagem de rápida e fácil aplicação (10 minutos, em média), o que torna viável sua utilização na atenção primária à saúde68. Foi desenvolvido para a faixa etária de 1 a 65 meses e não necessita de um kit especí�co nem de treinamento, estando inteiramente disponível online (https://www.�oatinghospital.org/�e-Survey-of-Wellbeing-of-Young- Children/Translations/Portuguese-SWYC) sem qualquer custo, para as famílias e outros pro�ssionais envolvidos com o cuidado na primeira infância. O teste pretende fornecer uma visão global da criança por meio de vigilância continuada e contém 12 questionários especí�cos para as principais idades-chave do desenvolvimento infantil (2, 4, 6, 9, 12, 15, 18, 24, 30, 36, 48 e 60 meses)68. O SWYC é dividido em três grandes domínios que tornam possível a obtenção de informações sobre o desenvolvimento global, socioemocional e fatores de risco familiares que podem interferir no desenvolvimento infantil68. Consiste em uma entrevista realizada com os pais/cuidadores, que devem responder cerca de 40 perguntas com itens distribuídos entre os três domínios anteriores. Recentemente foram realizados uma adaptação transcultural e o estudo normativo do SWYC para crianças brasileiras56. Os resultados preliminares mostraram índices aceitáveis de validade convergente e con�abilidade, evidenciando parâmetros adequados que apoiam o uso do instrumento em crianças do Brasil56; contudo, ainda são necessários mais estudos sobre a validade do SWYC. Para a avaliação do domínio desenvolvimento são utilizados dois questionários: “Marcos do Desenvolvimento” e “Observações dos Pais sobre a Interação Social (POSI)”68. O questionário “Marcos do Desenvolvimento” contém 10 questões que avaliam as áreas cognitivas, motora, social e linguagem em todas as faixas etárias abrangidas pelo teste. O escore total é obtido pela soma das respostas dos pais referentes a cada item, com 0 indicando que a criança “ainda não” realiza a tarefa, 1 que a realiza “um pouco” e 2 quando a criança já a realiza “muito”68,69. Uma tabela de referência especí�ca para crianças brasileiras é utilizada para veri�car se a pontuação total obtida está acima ou abaixo do ponto de corte estabelecido para a faixa etária56. O questionário POSI foi criado com intuito de rastrear transtornos do espectro autista (TEA) e é usado no SWYC somente para a análise em idades especí�cas (18 a 34 meses). Trata-se de um questionário breve, composto de sete itens relacionados com as interações sociais, comunicação e comportamentos repetitivos. Se os pais selecionam uma ou mais respostas localizadas nas últimas três colunas, a questão recebe pontuação 1; caso contrário, é dado 068. A pontuação �nal do POSI é baseada no projeto grá�co do questionário; assim, três ou mais pontos nas últimas três colunas indicam que há suspeita de TEA e a criança deve ser encaminhada para avaliação diagnóstica68,70. Para avaliação do domínio socioemocional são usados dois questionários no SWYC: a “Lista de Sintomas do Bebê (BPSC)”, para menores de 18 meses, e a “Lista de Sintomas Pediátricos (PPSC)”, para crianças na faixa etária de 18 a 65 meses. O BPSC apresenta 12 itens divididos em três subescalas (irritabilidade, in�exibilidade e di�culdades com mudanças na rotina). Cada subescala recebe pontuação independente68,71. Já o PPSC não apresenta subescalas, contendo 18 itens divididos em quatro dimensões (problemas de externalização, internalização, problemas de atenção e desa�os para parentagem)68,72. O escore �nal de ambos os questionários é dado pelo somatório das respostas dos responsáveis (0 para a resposta “ainda não”, 1 para “um pouco” e 2 para “muito”). Na versão brasileira do SWYC, veri�ca-se em um grá�co se a criança apresenta suspeita de alterações de comportamento com base em sua faixa etária e em sua pontuação nos testes56. Os responsáveis respondem ainda duas questões que integram a subseção “Preocupações dos Pais”, referentes às preocupações relativas ao comportamento e ao desenvolvimento da criança. Para �nalizar a triagem, os pais respondem o questionário “Perguntas sobre a Família”, que contém nove itens, incluindo fatores de risco familiares, como depressão, abuso de álcool e drogas, insegurança alimentar e con�itos parentais. Cada fator de risco apresenta uma forma de pontuação diferente disponível no manual do instrumento68. Strengths and Di�culties Questionnaire (SDQ) O SDQ é um instrumento de identi�cação de problemas de saúde mental de crianças de 2 a 4 anos de idade de fácil e rápida aplicação (em torno de 10 minutos). Essa escala de triagem, publicada em 1997 por Goodman et al. e amplamente utilizada em diversos países, foi traduzida para mais de 60 idiomas73-75 e validada para a população brasileira em 2001. Fleitlich et al. (2001) veri�caram que o SDQ é adequado para a identi�cação de problemas psicossociais por apresentar apropriadas medidas psicométricas mediante a aplicação do questionário em 898 pais de crianças e adolescentes brasileiros76. O teste não exige treinamento e não tem custos para o pro�ssional, pois a folha de pontuação e as instruções estão disponíveis online (http://www.sdqinfo.com). O SDQ contém 25 itens, que devem ser respondidos pelos pais/responsáveis ou professores, subdivididos em cinco subescalas (sintomas emocionais, problemas de conduta, hiperatividade/desatenção e problemas no relacionamento com colegas) relacionadas com possíveis di�culdades enfrentadas pela criança e comportamento pró- social referente às capacidades. Para cada alternativa os pais podem responder: ‘‘Falso’’ (0 ponto), ‘‘Mais ou menos verdadeiro’’ (1 ponto) e ‘‘Verdadeiro’’ (2 pontos). Serão obtidos uma pontuação por subescala e um escore geral que irá classi�car o comportamento da criança como ‘‘Normal’’, ‘‘Limítrofe’’ ou ‘‘Anormal74,77. A IP NA CONTEMPORANEIDADE As estratégias para IP têm sofrido modi�cações ao longo do tempo, considerando as mudanças de paradigma na área da saúde de um modelo biomédico para um modelo biopsicossocial78, os pressupostos de abordagens ecológicas na área do desenvolvimento humano7,25 e também em razão dos estudos recentes que veri�cam a e�cácia da IP20,79,80. De modo geral, observam-se mudanças importantes nos programas de IP, as quais serão descritas a seguir. Mudança de um programa de IP com base no modelo de de�ciência para um modelo biopsicossocial Durante muitas décadas a IP esteve voltada para a de�ciência da criança, originada no modelo biomédico da atenção à saúde. Nesse modelo, há uma relação de causalidade e dependência entre os impedimentos corporais e as incapacidades funcionais/desvantagens sociais. Portanto, cabia aos pro�ssionais tratar essas de�ciências, e o alvo a ser alcançado era o padrão da normalidade. Nessa perspectiva, o pro�ssional detinha o conhecimento necessário e, portanto, seria o responsável por realizar o tratamento8,81. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estabeleceuem 2001 a Classi�cação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF)78, segundo a qual uma pessoa com de�ciência não é simplesmente um corpo com impedimentos, mas uma pessoa com impedimentos vivendo em um ambiente com barreiras e facilitadores. A passagem do modelo biomédico para o modelo biopsicossocial da de�ciência foi resultado de um extenso debate político. Nesse modelo, a incapacidade é um conceito guarda-chuva que engloba o corpo, as de�ciências, as limitações de atividades ou as restrições de participação. Em outras palavras, a incapacidade não se resume às de�ciências, mas é o resultado negativo da inserção de um corpo com impedimentos (de�ciências) em ambientes sociais pouco sensíveis à diversidade corporal das pessoas81. Nesse aspecto, o foco não está apenas na de�ciência, mas também na atividade e participação social, procurando diminuir as barreiras ambientais que di�cultam que a criança atinja esses objetivos. Assim, as aspirações, os objetivos e a participação da criança e da família dentro desse modelo passam a ser valorizados e compartilhados com o terapeuta8. Desse modo, há um “empoderamento” das famílias, ou seja, o fortalecimento da iniciativa da família na tomada de decisões acerca da condição de saúde da criança. É enfatizado o papel fundamental de responsabilidade contínua que os pais têm na vida da criança, tornando necessário o estabelecimento de parcerias entre os pais e os pro�ssionais. O terapeuta é um especialista em desenvolvimento infantil que fornece suporte e medeia todo o processo, enquanto os pais são os que mais conhecem as particularidades de seus �lhos7. Mudança de um programa de IP centrado na criança para um modelo centrado na família Embora as famílias tenham sempre participado da IP, no passado seu papel era mais passivo, seguindo apenas as instruções dos terapeutas. Os pro�ssionais da IP decidiam do que a criança e a família precisavam e lhes diziam o que deveriam fazer, sem haver uma verdadeira parceria entre as partes. Atualmente, as famílias – independentemente de sua formação educacional e socioeconômica – têm sido cada vez mais reconhecidas como parceiras-chave, ativas e iguais no processo de IP8. A fundamentação do modelo centrado na família se dá mediante a valorização e a in�uência das teorias ecológicas7,25. Ecologia é a ciência que estuda as interações entre os organismos e seu ambiente. Nessa perspectiva, o desenvolvimento da criança é visto como o resultado da interação entre aquilo que ela traz ao mundo ao nascimento e de que maneira o mundo a modela82. Em consonância com essa perspectiva, o professor e psicólogo Bronfenbrenner criticava a ciência do desenvolvimento humano, que até a metade do século XX se direcionava apenas ao campo descritivo. Segundo o autor, ela se caracterizava como uma “ciência do comportamento estranho da criança em situações estranhas com adultos estranhos pelos períodos de tempo mais breves possíveis”83. Para Bronfenbrenner, o início da investigação deveria ser focado na maneira como as crianças se desenvolvem em ambientes representativos de seu mundo real e natural, ou seja, contextos ecologicamente válidos, como suas casas, creches, área de lazer, e não em laboratórios. Ele propôs o modelo Processo-Pessoa-Contexto-Tempo (PPCT)83. O “contexto” ou ambiente compreende a interação de quatro níveis ambientais – microssistema, mesossistema, exossistema e macrossistema. O nível mais interno, o microssistema, representa o complexo de relações entre o indivíduo em desenvolvimento e o ambiente imediato no qual ele está inserido, ou seja, onde as relações interpessoais são vivenciadas diretamente. Por exemplo, os microssistemas de uma criança nos primeiros anos de vida seriam o ambiente familiar e, em muitos casos, a creche84. O segundo nível do ambiente ecológico, os denominados mesossistemas, representa as interconexões entre os microssistemas, ambientes nos quais o indivíduo em desenvolvimento participa ativamente. Por exemplo, o mesossistema para uma criança pequena incluiria conexões entre a casa e a creche. Em seguida, há os chamados exossistemas, ambientes que não envolvem o indivíduo em desenvolvimento como um participante ativo, mas nos quais ocorrem eventos que podem afetá-lo, como, por exemplo, a vizinhança e a rede de amizade ou de trabalho dos pais da criança84. A estrutura mais externa, e que exerce in�uência indireta, é o macrossistema. Este é um sistema de valores culturais, crenças e estilo de vida característico de determinado grupo social no qual estão inseridas a criança e sua família84. Bronfenbrenner também leva em consideração outros elementos, como o “tempo” (microtempo, mesotempo e macrotempo), o “processo” (as interações recíprocas, progressivamente mais complexas, entre a criança e seu ambiente) e o elemento “pessoa”, que se refere às características do indivíduo, tanto as genéticas e biológicas como as construídas em sua interação com o contexto ambiental. Cabe ressaltar que a relação é de reciprocidade, ou seja, a criança (pessoa) é um ser ativo, suas atitudes e reações podem modi�car o meio onde vive e, como consequência, re�etir-se sobre o modo como as pessoas e o meio interagem com ela83. De maneira semelhante, a Teoria Transacional7 ressalta a interdependência existente entre a criança e os contextos de desenvolvimento, de onde decorrem interações bidirecionais em que a criança in�uencia e é in�uenciada. O comportamento da criança, em qualquer momento, é um produto das transações entre o fenótipo (a criança), o ambientótipo (a fonte de experiência externa) e o genótipo (fonte de organização biológica)7. A partir dessas perspectivas, torna-se evidente a impossibilidade de analisar as necessidades, de�nir os objetivos e intervir junto à criança separadamente da família. Assim, o enfoque da IP não é apenas a criança, mas os vários contextos de sua vida e as interações que ocorrem nesses contextos e que são essenciais para a compreensão de seu desenvolvimento. A constatação de que todas as famílias têm capacidades e pontos fortes que ultrapassam suas necessidades, atuando na tomada de decisões e sendo os responsáveis �nais pelos cuidados da criança, otimizou o processo de tratamento, e a abordagem centrada na família passou a se constituir na prática mais importante em um programa de IP. A abordagem centrada na família (também conhecida como Cuidado Centrado na Família) se refere a uma �loso�a de prestação de serviços que surgiu a partir dos programas de IP e é atualmente considerada o tipo de prática que melhor contribui para que as crianças recebam uma intervenção máxima, já que os cuidados com a criança são inseridos na rotina diária da família; além disso, a colaboração entre pais e terapeutas torna mais e�caz o plano de condutas85-88. Na abordagem centrada na família, tanto o terapeuta como a família atuam no processo de intervenção, trabalhando juntos, em parceria, para de�nir e direcionar, respectivamente, as necessidades da criança85,89. O processo de intervenção visa a uma abordagem que respeite os valores e preferências da família, suas prioridades e necessidades na rotina diária de cuidados à criança. O terapeuta pode contribuir de maneira a direcionar a família para ajustar sua rotina ao programa de intervenção diário e no planejamento dessas intervenções88,90. Os objetivos terapêuticos são discutidos com a família para que as metas estabelecidas sejam reais e adequadas aos problemas, necessidades e prioridades da criança e de sua família em seu contexto. O terapeuta deve atuar de modo a habilitar a família para fazer escolhas com base nas necessidades da criança. Os cuidadores são incentivados a examinar os pontos fortes e as necessidades de seus �lhos e, com o apoio do terapeuta, desenvolver um programa de IP que atenda às suas próprias metas e aspirações8. Os pressupostos teóricos da intervenção centrada na família a descrevem como fundamentada por um conjunto de valores, atitudes e abordagens que se relacionam com os serviços prestados às criançase a suas famílias. Reconhecem que cada família é única, constante na vida da criança, e os familiares são os que mais conhecem as habilidades e necessidades da criança91. Essa de�nição é capaz de re�etir as premissas básicas dessa abordagem e, a partir delas, determinar princípios e elementos-chave da função do terapeuta, os quais se encontram descritos no Quadro 2.4. Quadro 2.4 Premissas, princípios e elementos-chave da abordagem centrada na família Premissas Princípios Elementos-chave Os pais conhecem mais seus filhos e desejam o melhor para suas crianças Cada família deve ter a oportunidade de decidir o grau de envolvimento que deseja ter na tomada de decisão para o tratamento de sua criança A família deve ter a responsabilidade final pelos cuidados com a criança Encorajar a família na tomada de decisões Assistir e identificar potencialidades e necessidades Promover e compartilhar informações sobre a criança e sua condição Dialogar e colaborar com a família Promover a acessibilidade a serviços relacionados com as necessidades da família Famílias são diferentes e únicas Cada família e cada membro familiar devem ser tratados com respeito Respeitar as famílias e dar suporte a elas Escutar as expectativas da família Acreditar e confiar na família Promover serviço individualizado Aceitar as diferenças Comunicar claramente O ótimo funcionamento da criança ocorre dentro de um contexto familiar e comunitário: a criança é afetada pelo estresse e pela maneira como outros membros da família enfrentam as situações As necessidades de todos os membros da família precisam ser consideradas O envolvimento de todos os membros da família deve ser apoiado e encorajado Considerar as necessidades psicossociais e encorajar a participação de todos os membros da família Respeitar o modo como a família enfrenta as situações diversas Encorajar o uso dos suportes oferecidos pela comunidade Auxiliar na construção de pontos fortes Fonte: adaptado de Rosembaum et al.91. Mudança de um programa fragmentado para um modelo integral Atualmente, os modelos de prestação de serviços formam um contínuo que vai desde contextos segregados e equipes multidisciplinares até contextos inclusivos com equipes transdisciplinares92. Tradicionalmente, na IP os programas são focados em um único domínio do desenvolvimento infantil – cognitivo, social, linguagem, motor – em que o intervencionista trabalha individualmente com a criança. Nesse tipo de programa, as necessidades da família raramente são vistas, mas eventualmente o pro�ssional pede ajuda aos pais, ensinando-lhes algumas atividades educacionais especí�cas que podem ser realizadas com a criança. Os atendimentos são geralmente especializados e oferecidos em ambientes separados, como clínicas ou consultórios, e eventualmente são fornecidos na casa da criança92. Além disso, nesse modelo todos os programas desenvolvidos por outros pro�ssionais são considerados suplementares. Embora o terapeuta reconheça que a criança possa ter necessidades médicas e também necessidades dentro do contexto familiar, essas questões são encaradas fora do foco do programa de intervenção. Eventualmente, o terapeuta sente necessidade de conversar com os demais pro�ssionais, mas em geral informalmente, pois dispõe de pouco tempo para um trabalho coordenado com outros pro�ssionais, considerando que passa a maior parte do tempo em atendimento com a criança92. Esse tipo de programa tem sido considerado atualmente como aquele que, apesar de obter bons resultados, não é capaz de isoladamente, por ser fragmentado, resolver a situação e contribui para aumentar o estresse familiar93. Além disso, esse trabalho isolado e sem comunicação pode acarretar a falta de continuidade, congruência e convergência entre os serviços8. Um modelo integrado apresentado como alternativa tem como pilares a abordagem centrada na família (descrito previamente), a integração das diferentes terapias e o uso de ambientes e rotinas naturais da criança92. O trabalho integrado da equipe implica uma visão transdisciplinar na qual cada participante (família e pro�ssionais de diferentes áreas) discute suas observações e partilha suas perspectivas relativas à avaliação, ao planejamento e à tomada de decisão. Isso ocorre por meio de reuniões periódicas, onde todos assumem responsabilidades e tomam decisões conjuntas94. Para aqueles pro�ssionais que trabalham isoladamente, ou seja, fora de uma equipe multidisciplinar, uma opção é contar com a consultoria de outros pro�ssionais conforme as necessidades da própria criança92. Uma verdadeira articulação entre os pro�ssionais e entre os serviços prestados implica a existência de um modelo descentralizado e �exível que articule os diferentes recursos existentes na comunidade. Dentro de um modelo integrado, um contexto mais natural é oferecido à criança e à sua família, no qual é estimulado o envolvimento dos pais e observado o comportamento da criança em atividades signi�cativas para ela. Assim, os serviços devem, tanto quanto possível, ser prestados dentro das rotinas e ambientes naturais da criança. Devem ser evitados ambientes de segregação e privilegiando, além do ambiente de casa, os ambientes em que crianças típicas e atípicas possam conviver (p. ex., escolas, parquinhos, praças)92. IP PARA CRIANÇAS COM RISCO BIOLÓGICO1 Estudos têm evidenciado o efeito positivo da IP no desenvolvimento cognitivo e motor de crianças pré-termo (nível de evidência 1a)79, em crianças consideradas de alto risco ou com diagnóstico de paralisia cerebral20,95,96. No entanto, os autores a�rmam que os ensaios clínicos existentes e incluídos em revisões sistemáticas apresentam uma metodologia muito variada, o que di�culta a comparação entre eles. Há também carência de estudos com alta qualidade metodológica, e o tamanho do efeito da intervenção é considerado pequeno20,79,96. Apesar disso, existem evidências promissoras para abordagens na IP que incorporam princípios como o movimento iniciado pela própria criança, tarefa especí�ca, modi�cação do ambiente e educação dos pais20,96,97. Uma tarefa especí�ca signi�ca que a criança irá executar uma atividade com uma meta dirigida, ou seja, com uma �nalidade de interação ambiental. Por esse motivo, as atividades propostas precisam despertar o interesse da criança, pois ela necessita cumprir a meta de maneira ativa20,96. Estudos em �lhotes de gatos demonstram que lesões no trato corticoespinhal produzem um padrão alterado na função desse trato que se assemelha ao de uma criança com paralisia cerebral. No entanto, terapias fundamentadas em atividades restauram essas conexões, melhorando o controle sobre os movimentos realizados98. O ambiente deverá ser estruturado e enriquecido com estímulos para que a criança tenha o interesse de interagir, ou seja, de executar os movimentos propostos. Estudos em animais demonstram a importância de um ambiente enriquecido para melhorar a recuperação cerebral em níveis estruturais e bioquímicos. Nesses estudos, os animais são colocados em ambientes com altos níveis de complexidade e variabilidade com a disponibilidade de brinquedos, plataformas e túneis trocados periodicamente. Nesse caso, os animais não são forçados a realizar atividades e seu envolvimento com o meio ambiente é ativo e lúdico99. A educação e a participação dos pais fazem parte do modelo da abordagem centrada na família discutida previamente. Os pais que convivem diariamente com as crianças geralmente são fonte de afeto e cuidado. Por esse motivo, em um contexto natural os pais podem, por meio de brincadeiras direcionadas e estabelecidas em conjunto com o pro�ssional, favorecer a prática contínua das atividades propostas para a criança100. A IP para crianças com alto risco ou com diagnóstico clínico de paralisia cerebral realizada de acordo com esses pressupostos, ou seja, a criança ativa, interagindo em seu ambiente enriquecido por estímulos, além de maximizar a neuroplasticidade cerebral, minimiza as eventuaisdo Centro de Terapia Intensiva Pediátrico do Hospital das Clínicas da UFMG – Belo Horizonte-MG. Ester Miriã Gomes da Silva Graduação em Fisioterapia pela UFVJM. Residência Multipro�ssional em Urgência e Trauma pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Evanirso da Silva Aquino Fisioterapeuta. Doutor em Saúde Internacional pelo Instituto de Medicina Tropical da USP. Mestre em Fisioterapia pela Universidade Cidade de São Paulo (UNICID). Especialista em Fisioterapia Respiratória pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Betim). Fisioterapeuta do Hospital Infantil João Paulo II – Unidade de Doenças Complexas e Ambulatório de Fibrose Cística. Fabiana Rita Câmara Machado Fisioterapeuta. Especialista em Fisioterapia Neurofuncional da Criança e do Adolescente. Especialista em Fisiologia do Exercício. Mestre em Ciências da Reabilitação. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. Fisioterapeuta do Serviço de Fisiatria e Reabilitação do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Fernanda de Cordoba Lanza Doutora em Ciências Aplicadas à Pediatria da Disciplina de Alergia, Imunologia Clínica e Reumatologia do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação da Universidade Nove de Julho. Especialista em Terapia Intensiva Pediátrica e Neonatal pela Associação Brasileira de Fisioterapia Cardiorrespiratória e Fisioterapia em Terapia Intensiva (ASSOBRAFIR). Francielly Dorvina Medeiros Ribeiro do Carmo Fisioterapeuta. Especialista em Urgência e Emergência pelo Hospital Infantil João Paulo II da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG). Graduada em Fisioterapia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – Campus Betim (PUC-MG). Hércules Ribeiro Leite Fisioterapeuta. Especialista em Fisioterapia Neurofuncional da Criança e do Adolescente (COFFITO) e Fisiologia do Exercício (PUC-Minas). Mestre e Doutor em Fisiologia com ênfase em Neurociências (UFMG). Pós- Doutorado em Fisioterapia na �e University of Sydney, Sydney, Austrália (UNISYD). Docente do curso de Fisioterapia da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e orientador dos Programas de Pós-Graduação em Reabilitação e Desempenho Funcional (PPGReab) e Multicêntrico em Ciências Fisiológicas (PMPGCF). Josy Davidson Fisioterapeuta. Pós-Doutorado em Ciências Aplicadas à Pediatria (UNIFESP). Professora A�liada do Departamento de Pediatria/Disciplina de Pediatria Neonatal (UNIFESP). Coordenadora do Curso de Pós-Graduação em Fisioterapia Hospitalar do Centro Universitário São Camilo. Jousielle Márcia dos Santos Fisioterapeuta. Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Reabilitação e Desempenho Funcional da UFVJM e Doutoranda em Ciências Fisiológicas pela Sociedade Brasileira de Fisiologia (SBFis) na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). Karine Beatriz Costa Mestre e Doutoranda em Ciências Fisiológicas pela Sociedade Brasileira de Fisiologia (SBFis) na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). Karoliny Lisandra Teixeira Cruz Fisioterapeuta. Mestranda do Programa de Reabilitação e Desempenho Funcional (PPGReab-UFVJM). Professora Substituta do Curso de Fisioterapia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Kênnea Martins Almeida Ayupe Fisioterapeuta. Mestre em Ciências da Saúde – Instituto Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz). Doutora em Ciência da Reabilitação – UFMG. Professora Adjunta do Departamento de Educação Integrada em Saúde da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Liliane Baía Silva Fisioterapeuta. Especialista em Neurologia pela UFMG. Fisioterapeuta da Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação – Belo Horizonte-MG. Lisa Carla Narumia Fisioterapeuta. Especialização em Fisioterapia Motora Ambulatorial e Hospitalar (UNIFESP). MBA em Gestão Executiva em Saúde (FGV). Formação no Método de Tratamento Neuroevolutivo Bobath e Baby Course. Fisioterapeuta referência da Clínica de Paralisia Cerebral do setor de Fisioterapia Infantil da Associação de Assistência à Criança De�ciente – AACD Ibirapuera. Luciana De Michelis Mendonça Fisioterapeuta. Especialista em Fisioterapia Esportiva. Mestre e Doutora em Ciências da Reabilitação pela UFMG. Pós-Doutorado em Fisioterapia pela UFSCar. Docente do Curso de Fisioterapia da UFVJM. Ludmila Ferreira Brito Fisioterapeuta. Especialista em Fisioterapia Neurofuncional da Criança e do Adulto. Sócia proprietária da clínica de reabilitação neurofuncional ReabilitaAÇÃO em Belo Horizonte-MG. Luisa Fonseca Sarsur Fisioterapeuta. Especialista em Aprendizagem Motora pela USP. Formação nos métodos Conceito Bobath e Baby Bobath, �eraSuit, Reeducação do Movimento Ivaldo Bertazzo e Pilates. Maria Gabriela Abreu Fisioterapeuta. Graduada em Fisioterapia na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). Maria Leonor Gomes de Sá Vianna Fisioterapeuta. Mestre em Bioética (PUC-PR). Docente do Curso de Fisioterapia da PUC-PR. Membro do Grupo de Pesquisa Bioética, Humanização e Cuidados em Saúde CNPq-PUC-PR. Mariana Aguiar de Matos Fisioterapeuta. Mestre e Doutora em Ciências Fisiológicas pelo Programa Multicêntrico de Pós-Graduação em Ciências Fisiológicas da UFVJM. Míriam Ribeiro Calheiros Sá Fisioterapeuta do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira ‒ Fiocruz. Especialista em Fisioterapia Neurofuncional da Criança e do Adolescente. Doutora em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação do IFF-Fiocruz em Saúde Coletiva, área de concentração: Saúde da Criança. Nicolette Celani Cavalcanti Fisioterapeuta. Mestre em Ciências – IFF/Fiocruz. Fisioterapeuta do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira – IFF/Fiocruz. Paula Christina Muller Maingué Fisioterapeuta. Especialista em Geriatria e Gerontologia (PUC-PR). Mestre em Bioética (PUC-PR). Docente do Curso de Fisioterapia da PUC-PR. Paula de Almeida Thomazinho Fisioterapeuta do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/ Fiocruz). Especialista em Fisioterapia Neurofuncional. Mestre em Saúde Materno-Infantil pelo IFF/Fiocruz. Doutora em Ciências pelo IFF/Fiocruz. Paula Silva de Carvalho Chagas Fisioterapeuta. Mestre e Doutora em Ciências da Reabilitação pela UFMG. Professora Associada do Departamento de Fisioterapia do Idoso, do Adulto e Materno-Infantil da Faculdade de Fisioterapia da UFJF. Orientadora do Programa de Pós-Graduação strictu-sensu em Ciências da Reabilitação e Desempenho Físico-Funcional da UFJF. Peterson Marco O. Andrade Fisioterapeuta. Doutor em Neurociências – Universidade Federal de Minas Gerais. Professor Efetivo do Departamento de Fisioterapia do Campus de Governador Valadares da Universidade Federal de Juiz de Fora. Priscilla Rezende Pereira Figueiredo Fisioterapeuta – Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Especialista em Fisioterapia em Ortopedia. Mestre em Ciências da Reabilitação – UFMG. Doutoranda em Ciências da Reabilitação – UFMG. Coordenadora do Núcleo de Ensino e Pesquisa da Associação Mineira de Reabilitação (AMR). Rafaela Silva Moreira Fisioterapeuta – Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). Especialista em Fisioterapia em Neurologia – Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre e Doutora em Ciências da Saúde/Saúde da Criança e do Adolescente (UFMG). Professora Adjunta do Departamento de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC-Araranguá), área de concentração: Fisioterapia em Pediatria. Rejane Vale Gonçalves Fisioterapeuta. Especialista em Fisioterapia Neurofuncional – Universidade Gama Filho (UGF). Mestre e Doutora em Ciências da Reabilitação – Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professora Adjunta domodi�cações deletérias do crescimento e desenvolvimento muscular e ósseo101. No caso de paralisia cerebral, o período de idade anterior a 12 a 24 meses era considerado um período silencioso ou latente, pois o diagnóstico não era estabelecido. No entanto, a ressonância magnética e o uso de alguns instrumentos de avaliação (como o GMA) possibilitam, atualmente, um diagnóstico precoce, antes mesmo dos 6 meses de idade101. Alguns autores reforçam a importância desse diagnóstico clínico de paralisia cerebral precoce, pois as abordagens de tratamento diferem conforme a distribuição topográ�ca e, quanto mais cedo aplicadas, melhor o prognóstico da criança101,102 (veja mais detalhes no Capítulo 4). IP PARA CRIANÇAS COM RISCO AMBIENTAL As estratégias de IP para crianças com risco psicossocial são multidimensionais, abrangendo intervenções que vão desde o período pré-natal até os 5 anos de idade103. Esses procedimentos englobam atitudes e conhecimento relativos ao cuidado (saúde, nutrição e higiene), educação e estímulos para o desenvolvimento global, proteção social/segurança e responsividade no cuidado (vínculo e con�ança)103,104. Os pro�ssionais de saúde têm um papel relevante na promoção do desenvolvimento na primeira infância na medida em que podem auxiliar os pais na efetivação das boas práticas do cuidado e na criação de vínculos afetivos. Participam de maneira ativa, desde o período gestacional, com atuação no acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil, auxiliando a identi�cação de possíveis vulnerabilidades105. A complexidade e a multidimensionalidade da avaliação do desenvolvimento infantil tornam necessário um processo contínuo de vigilância dos pro�ssionais de saúde2,106. Esses pro�ssionais irão atuar na identi�cação de potenciais fatores de risco e anormalidades, estabelecendo algum diagnóstico e, se necessário, encaminhando para intervenções2. Apesar das recomendações da OMS e da Academia Americana de Pediatria, o monitoramento do desenvolvimento infantil ainda ocorre de modo precário e insu�ciente em todo o mundo, com base apenas no julgamento clínico do pro�ssional. Muitas das estratégias apresentadas nesta seção podem ser idealmente desenvolvidas no contexto da Atenção Primária e mais especi�camente na Vigilância do Desenvolvimento Infantil, que será apresentada no Capítulo 3. A seguir serão descritas algumas estratégias para estímulo precoce do desenvolvimento infantil para crianças sob risco ambiental/psicossocial. Estratégias da concepção ao nascimento: cuidados com bem-estar, saúde e nutrição materna Os comportamentos e preocupações maternas relativos ao desenvolvimento e à saúde dos seus �lhos correspondem à maneira como a mãe lida com sua própria saúde e bem- estar. Intervenções direcionadas às mães nos períodos pré-natal, perinatal e pós-natal se mostram bené�cas por assegurar cuidado e assistência de qualidade às crianças (nível de evidência 1a)103. Estudos demonstram que depressão materna, ansiedade, estresse, uso de substâncias ilícitas e/ou violência doméstica são problemas maternos que têm desfechos negativos para o desenvolvimento infantil24,103,105. Dentre esses desfechos pode ser incluído o pobre desempenho cognitivo e de linguagem, além de di�culdades emocionais e de comportamento nas crianças103. Além disso, medidas preventivas adotadas com as mães no período pré-natal conseguiram reduzir a probabilidade de baixo peso e desnutrição em crianças. Dentre essas intervenções estão a administração de corticoide antenatal às mães com risco de parto prematuro, a suplementação de iodo antes ou durante o parto e/ou o uso de agentes antiplaquetários em mães com risco de pré-eclâmpsia103. O acompanhamento da gestante por meio de um pré-natal de qualidade é capaz de identi�car adversidades enfrentadas pelas futuras mães, possibilitando um tratamento precoce e e�caz80. Estratégias do nascimento até os 5 anos de idade Programas de apoio parental A participação dos pais em serviços que estimulam as interações entre pais e �lhos, atuando sobre crenças, atitudes e comportamentos paternos a �m de incentivar a aprendizagem e o desenvolvimento global, tem mostrado bons resultados. Várias organizações, como a OMS e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), têm atuado em nível mundial no sentido de realizar intervenções centradas na família que incluem técnicas de mudanças de comportamento, práticas e estratégias para resolução de problemas (níveis de evidência 1a e 1b)103,104. Vínculos familiares A segurança emocional, proveniente de vínculos bem estabelecidos entre a criança e seus pais e/ou cuidadores, é essencial para a promoção adequada do desenvolvimento infantil. No ambiente domiciliar é que se iniciam as relações de apoio e experiências de aprendizagem positivas105. Assim, a participação da família/cuidadores, atuando de maneira responsiva, confortadora e acolhedora nos momentos de estresse, dor ou necessidade de atenção, é fundamental para a construção de vínculos seguros. Portanto, em programas de IP, um dos pontos-chave é a realização de atividades que envolvam os cuidadores de modo que eles consigam suprir as necessidades de seus �lhos1,104,105. Atividades em casa Atividades simples e de baixo custo que na maioria das vezes façam uso de objetos familiares podem proporcionar às crianças estímulos que promovam um desenvolvimento melhor. Cantar, brincar com utensílios domésticos, ler, contar histórias e assistir a programas de televisão ou outras mídias são alguns exemplos desses tipos de atividade. Essas atividades podem contribuir, também, para o fortalecimento de vínculos com os cuidadores1. Educação infantil e pré-escolar O acesso à educação de qualidade pode promover o desenvolvimento infantil, melhorando a aprendizagem escolar e as habilidades sociais das crianças. A qualidade da creche terá efeito maior em crianças que vivem em ambiente familiar de risco psicossocial107. Vários estudos indicam que programas educacionais de alta qualidade têm impacto positivo no desenvolvimento social e cognitivo das crianças de nível socioeconômico baixo com repercussões na fase adulta11,107. Isso decorre da realização no ambiente escolar de atividades pedagógicas e brincadeiras, além da interação e da convivência da criança com seus pares. Desse modo, esse ambiente é capaz de unir aspectos cognitivos e linguísticos aos aspectos sociais e emocionais essenciais à formação da criança (nível de evidência 1b)1,103,105. Os indicadores de qualidade de creche mais expressivamente estudados têm sido a estrutura física, a formação ou capacitação dos educadores, a permanência duradoura da equipe, a estrutura do programa, a quantidade de crianças por educador e o envolvimento da família108. Assim, os estudos indicam que, quanto maior a estabilidade da equipe que trabalha com a criança, menor a relação número de crianças-educador e, quanto mais treinado e capacitado for o educador, melhor efeito terá sobre o desenvolvimento da criança. Esses aspectos estão relacionados com o aumento da atenção, da responsividade e da disponibilidade do educador para a estimulação cognitiva, da linguagem e para a estimulação motora da criança109. Saúde e nutrição Estudos demonstram a associação entre desnutrição grave e piores desfechos no desenvolvimento infantil. A formação dos circuitos neuronais e das estruturas nervosas que irão constituir os órgãos e sistemas corporais depende de fontes nutritivas, e a ausência dessas fontes pode ter graves repercussões no crescimento e no desenvolvimento, como demência1,15. Efeitos positivos da amamentação no crescimento e no desenvolvimento a curto e longo prazo são bem reconhecidos na literatura com redução da mortalidade e da morbidade infantil e com aumento dos níveis de inteligência (nível de evidência 1b)1. Prevenção contra maus-tratos Maus-tratos durante a infância podem causar prejuízos na memória e na aprendizagem infantil. Crianças que vivenciaram um cuidado inadequado são mais suscetíveis a apresentar problemas de comportamento,manifestando mais di�culdade em lidar com as situações de estresse4,110. Os programas de intervenção que realizam o acompanhamento das mães durante o pré-natal e que rotineiramente fazem visitas domiciliares têm apresentado resultados promissores na prevenção de abusos contra as crianças (nível de evidência 1a)103. Intervenções de proteção social Programas que objetivam proporcionar segurança/proteção social às crianças e suas famílias por meio da transferência de renda têm efeitos positivos, mas indiretos, sobre desfechos importantes, como diminuição da ocorrência de doenças, morbidade e aumento do peso ao nascimento93. Esses efeitos são indiretos porque o aumento dos recursos �nanceiros das famílias pode atuar na melhoria das condições de vida com in�uência nos múltiplos níveis do desenvolvimento infantil (nível de evidência 1b)93,103. Um exemplo no Brasil é o Programa Bolsa Família (PBF), um programa de transferência de renda proposto pelo Ministério de Desenvolvimento Social (MDS) para as famílias que vivem em situação de extrema pobreza111. Em contrapartida, as famílias bene�ciadas assumem o compromisso com o poder público de cumprir algumas metas, como a manutenção de crianças e adolescentes na escola, o acompanhamento da saúde das gestantes e nutrizes e o monitoramento do crescimento e desenvolvimento das crianças112. O relatório da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) atribui ao PBF quase um quarto da queda na desigualdade na distribuição de renda no Brasil. O programa também tem sido indicado como importante estratégia para queda da desnutrição no país não apenas pelo impacto na renda familiar, mas também pelas exigências na participação em programas de monitoramento do crescimento das crianças113. Portanto, a maioria das intervenções que mostram bons resultados se baseia na combinação das estratégias descritas previamente, as quais asseguram uma adequada qualidade do cuidado por meio do fortalecimento das famílias e de proteção social. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os constantes avanços do conhecimento e da tecnologia referentes aos cuidados neonatais promovem aumento da sobrevida das crianças de risco e, consequentemente, a clara necessidade da IP. Além disso, os riscos ambientais aos quais as crianças podem estar submetidas também ocasionam o risco de atraso no desenvolvimento, e a IP se mostra, mais uma vez, uma prática assertiva e recomendada para potencializar o desenvolvimento global dessas crianças. Compreender a real função da IP, a maneira de atuação dos pro�ssionais da equipe multidisciplinar, a melhor maneira de abordagem e a importância da participação ativa da família em todo o processo de reabilitação, bem como os vários contextos em que a criança está inserida, é determinante para se obter sucesso nesse tipo de serviço. CASOS CLÍNICOS Estudo de caso 1 – Risco biológico Abordagem centrada na família no contexto domiciliar ONBR, sexo feminino, a termo (40 semanas), com peso adequado para idade gestacional (AIG), mãe com 32 anos, primípara, ensino superior completo, realizou acompanhamento pré-natal durante toda a gestação, parto normal, apresentação pélvica, Apgar 1’:2, 5’:5 e 10’:6. Ao nascimento, a criança apresentou-se hipotônica, sendo entubada na sala de parto e transferida para a UTI neonatal, mantida por breve período em ventilação mecânica, evoluindo para CPAP nasal por algumas horas. Nos primeiros dias de vida apresentou quadro de hiper-re�exia, clônus e irritabilidade intercalada com prostração. O quadro evoluiu bem, com ausência de alterações ao exame clínico e neurológico, e a criança recebeu alta hospitalar 6 dias após o nascimento. A criança foi encaminhada à �sioterapia aos 4 meses de idade com suspeita de disra�smos espinhais, apresentando fosseta sacral, mantendo acompanhamento médico. A Figura 2.6 mostra a interação dos componentes da CIF de funcionalidade, incapacidade e fatores contextuais relevantes para a criança realizado a partir da primeira avaliação �sioterapêutica. Figura 2.6 Relação entre os componentes da Classificação de Funcionalidade e Incapacidade e Saúde considerados relevantes na avaliação e intervenção da criança (Organização Mundial da Saúde, 2001). (ADM: amplitude de movimento; MMII: membros inferiores; MMSS: membros superiores.) Foi iniciado um programa de IP no contexto domiciliar com abordagem centrada na família, no qual foi realizada uma visita por semana com duração média de 60 minutos cada, durante 7 semanas, com um intervalo de 4 semanas após a terceira visita. O Quadro 2.5 mostra as estratégias utilizadas para o estabelecimento de metas de tratamento, engajamento dos pais e a tomada de decisões compartilhadas. Essas metas foram traçadas semanalmente a cada visita e de modo a serem incorporadas diariamente na rotina da família. Quadro 2.5 Determinação de metas semanais para intervenção precoce domiciliar com abordagem centrada na família Dia 1 (Criança com 4 meses e 12 dias de idade) Avaliação (AIMS – percentil 25) Discussão das necessidades da família relacionadas com o desenvolvimento da criança, prioridade da família e rotina diária – a primeira preocupação da mãe foi em relação à movimentação ativa de membros inferiores, que ela considera que a criança movimenta pouco em relação a outras crianças Coleta e registro da rotina diária da criança Determinação de uma meta mutuamente acordada para intervenção – alcançar os pés na posição de supino e em alguns momentos retirar a fralda (de pano ecológica) para facilitar o desempenho na atividade (Figura 2.7) Demonstração da tarefa à mãe Estabelecimento de momentos dentro da rotina para estimular a criança Figura 2.7 Mãe brincando e incentivando a criança a pegar os pés e promover o contato entre eles. A ausência da fralda de pano ecológica melhora o desempenho da criança. Dia 2 (4 meses e 19 dias de idade) Avaliação pelos pais e terapeutas da última tarefa traçada – foram observados progresso na movimentação ativa dos membros inferiores (Figura 2.8) e maior interesse da criança em pegar os pés. A mãe relatou que obteve bom desempenho na tarefa e que aproveitava os momentos em que a criança estava sem a fralda para estimulá-la, além de outros momentos dentro da rotina. Como para a família o uso da fralda de pano ecológica é um valor, seu uso foi respeitado e sugerido revezar as brincadeiras de “pegar os pés” com o uso dela também Planejamento pela mãe e terapeuta da próxima intervenção – conseguir que a criança role de supino para prono e de prono para supino A mãe foi incentivada a brincar com a criança visando ao alcance dessa meta e o terapeuta auxiliou dentro do necessário (Figura 2.8) Figura 2.8 Movimentação alternada dos membros inferiores evidenciando a fralda ecológica. Figura 2.9 Mãe e filha brincando juntas com o objetivo de rolar. Dia 3 (4 meses e 26 dias de idade) Discussão acerca do sucesso e dos desafios encontrados para desempenhar a última meta acordada entre pais e terapeuta. Nessa etapa, algumas perguntas-chave foram utilizadas88: “Como se deu o desempenho da criança desde a última visita?” “O que foi mais difícil?” “O que você (mãe) mais gostou?” “Houve alguma dúvida ou preocupação quanto à realização das atividades planejadas?” “Você (mãe) acha que devemos mudar a meta?” Mãe: “A minha filha ficou irritada na posição de prono, não permanecendo por muito tempo, o que me dificultou estimulá-la a rolar.” “Houve ligeira mudança em desempenhar a atividade de rolar e melhor desempenho para pegar os pés.” “Atualmente, minha filha está mais interessada em objetos, como colheres, do que em seus próprios brinquedos.” “Acho que ela pode melhorar o rolar. Parece que ela não tem um bom controle do movimento e se joga.” Em conjunto com a mãe, novas estratégias foram elaboradas para que a criança melhore seu desempenho ao rolar e para permanecer por mais tempo na posição de prono. Mãe e terapeuta realizando juntas as atividades. Terapeuta incentivando a mãe a encontrar as melhores estratégias paraa realização das tarefas 4 semanas de intervalo Dia 4 (6 meses e 7 dias de idade) As mesmas perguntas da última visita foram refeitas à mãe A mãe relatou progresso na movimentação ativa dos membros inferiores da criança e no rolar de prono para supino e de supino para prono, mas não se adaptando bem à posição de prono (a criança se irritava, resmungava e chorava) Foram explicados à mãe os benefícios da postura de prono para a criança A mãe concordou que seria importante insistir um pouco mais em brincar com a criança em prono e que pensaria em algum recurso para que ela não ficasse irritada Em concordância com a mãe, foi traçada uma nova meta – brincar com a criança na posição sentada com apoio A mãe foi incentivada a brincar com a criança visando ao alcance dessa meta e o terapeuta auxiliou dentro do necessário Dia 5 (6 meses e 14 dias de idade) As perguntas-chave foram refeitas A mãe relatou que houve progresso da criança na posição sentada (Figura 2.10), mantendo-se independente, sem suporte, com bom controle dos movimentos de cabeça e tronco no plano sagital e capaz de alcançar objetos na posição. Não houve progresso na posição de prono; ainda houve dificuldade em estimular a criança nessa posição Em concordância com a mãe, foram mantidas as condutas de brincar na posição sentada para melhorar a performance e estimular a manutenção na posição de prono Figura 2.10 Alcance à frente na posição sentada sem suporte. Dia 6 (6 meses e 28 As perguntas-chave foram refeitas A mãe relatou que houve um progresso na postura de prono. Os pais utilizaram recursos musicais para acalmar a criança e, assim, ela se manteve por mais tempo na posição de prono (Figura 2.11). Já dias de idade) na posição sentada, houve melhora na performance, mantendo-se por mais tempo e alternando a postura dos MMII A mãe e os profissionais decidiram manter as condutas e a mãe solicitou uma cartilha na qual ela pudesse acompanhar os marcos motores do desenvolvimento para saber qual o próximo estímulo ou oportunidade a ser ofertado à criança, demonstrando um empoderamento da mãe Figura 2.11 Mãe toca um chocalho e canta para a criança permanecer na posição de prono. Dia 7 (7 meses e 4 dias de idade) Reavaliação (AIMS – entre os percentis 25 e 50) Em uma avaliação compartilhada com a mãe foram observados maior movimentação ativa dos membros inferiores em todas as posturas, bom desempenho no rolar, sentar sem apoio (Figura 2.12) e usar as mãos para alcançar e manipular brinquedos na posição As perguntas-chave foram refeitas A mãe se mostrou mais engajada em relação às formas de estimular a criança e relatou ser nítido o avanço do desempenho motor da criança Foi acordado que as próximas metas seriam estimular a criança nas posições de gato e se puxar para a postura de pé A mãe foi incentivada a brincar com a criança visando ao alcance dessas metas e o terapeuta auxiliou dentro do necessário (Figura 2.13) Foi entregue à mãe uma cartilha com orientações quanto às fases do desenvolvimento típico até 1 ano de idade e sugestões de estimulação da criança Figura 2.12 Criança sentada independente, com bom controle de tronco e quadris, modifica a postura dos membros inferiores em razão da �exão de joelho. Figura 2.13 Mãe e terapeuta incentivando a criança a passar para a posição de quatro apoios. AIMS: Alberta Infant Motor Scale. Estudo de caso 2 – Risco psicossocial/ambiental – Contexto da creche Vinte crianças frequentadoras de uma creche de associação bene�cente localizada na periferia de um município brasileiro de pequeno porte. Características das crianças • Idade entre 8 e 30 meses; metade de meninos e metade de meninas. • Apenas uma criança com baixo peso ao nascimento; nenhuma pré-termo ao nascimento; todas, ao nascimento, com Apgar de 5’ > 8. • Bayley-III – escore composto: – escala cognitiva: 89 – abaixo da média. – escala da linguagem: 77 – limítrofe. – escala motora: 93 – na média. Características do ambiente de casa • Dados socioeconômicos das famílias: 80% pertencentes às classes econômicas D e E e 20% à classe C114; 25% das famílias monoparentais femininas; 50% das crianças não convivem diariamente com o pai; 80% das mães apresentam 8 anos ou menos de estudo. • Qualidade do ambiente de casa por meio do inventário HOME115. A Figura 2.14 mostra as medianas obtidas para cada subescala e o total. Valor3. Walker SP, Wachs TD, Meeks Gardner J, Lozo� B, Wasserman GA, Pollitt E, et al. Child development: risk factors for adverse outcomes in developing countries. Lancet. 2007. p. 145–57. 4. Comitê Científico do Núcleo Ciência Pela Infância. O Impacto do Desenvolvimento na Primeira Infância sobre a Aprendizagem [Internet]. 1st ed. Livro CB do, editor. São Paulo: Fundação Maria Cecília Vidigal; 2014. 1-14 p. Available from: http://www.ncpi.org.br. 5. National Scientific Council on the Developing Child. 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Desse modo, ao longo das últimas décadas se observam a ampliação e o fortalecimento de políticas públicas voltadas à sobrevivência e ao bem-estar na infância (período de 0 a 12 anos incompletos)2. As ações básicas na atenção integral à saúde da criança, propostas na década de 1980 pelo Ministério da Saúde (MS), constituem o centro da atenção a ser prestada em toda a rede básica de serviços de saúde: (1) promoção do aleitamento materno; (2) imunizações; (3) prevenção e controle das doenças diarreicas; (4) prevenção e controle das infecções respiratórias agudas; e (5) acompanhamento do crescimento e desenvolvimento3. Na década de 1990 foram implantados o Programa de Saúde da Família (PSF), hoje denominado Estratégia da Saúde da Família (ESF), e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), que fortaleceram a execução das ações básicas na atenção integral à saúde da criança. Nas últimas décadas avançaram alguns indicadores relativos ao bem-estar e à sobrevivência na infância, como a queda na taxa de mortalidade infantil e na desnutrição4. Houve a concretização de ações básicas de saúde pela ESF e o PACS, como melhora na atenção pré-natal, incentivo ao aleitamento materno, divulgação da reidratação oral e intensi�cação dos programas de vacinação5. Assim, uma vez que o país tem avançado nos indicadores de saúde e bem- estar, são necessários esforços no sentido de manter essas conquistas, mas também garantir à criança um desenvolvimento global adequado, possibilitando que atinja suas capacidades plenas enquanto adulta6. Desse modo, em 2015 o MS instituiu a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC), em que manteve e ampliou as ações básicas de saúde integral à criança. A PNAISC propõe sete eixos estratégicos: 1. Atenção humanizada e quali�cada à gestação, ao parto, ao nascimento e ao recém-nascido. 2. Aleitamento materno e alimentação complementar saudável. 3. Promoção e acompanhamento do crescimento e desenvolvimento integral. 4. Atenção a crianças com agravos prevalentes na infância e com doenças crônicas. 5. Atenção integral à criança em situação de violências, prevenção de acidentese promoção da cultura de paz. 6. Atenção à saúde de crianças com de�ciência ou em situações especí�cas e de vulnerabilidade. 7. Vigilância e prevenção do óbito infantil, fetal e materno7. Na perspectiva da atenção integral à saúde da criança, este capítulo tem por objetivo apresentar a contribuição da �sioterapia na atenção primária à saúde. Inicialmente serão descritos alguns conceitos da saúde coletiva e, em seguida, os objetivos e as possibilidades de atuação do �sioterapeuta nesse nível de atenção. à A CONTRIBUIÇÃO DA FISIOTERAPIA PARA A INTEGRALIDADE DA ASSISTÊNCIA O conhecimento dos princípios e diretrizes do sistema de saúde é relevante para a organização dos serviços e a de�nição dos objetivos dos pro�ssionais. De acordo com a legislação brasileira (Lei Federal 8.080/90), a integralidade da assistência representa uma das diretrizes do sistema de saúde, sendo entendida como: um conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema8. Um cuidado integral e articulado entre os serviços da atenção básica e especializada da Rede de Atenção à Saúde (RAS) do Sistema Único de Saúde (SUS) possibilita a prevenção, a detecção precoce e o tratamento de diferentes condições de saúde da criança, garantindo melhor resolutividade para cada caso9. A Constituição Federal de 1988 (art. 197) estabeleceu a integralidade com “prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais”. Portanto, a assistência integral no sistema de saúde pode ser operacionalizada com o desenvolvimento de ações articuladas entre os pro�ssionais da RAS. O �sioterapeuta é um dos pro�ssionais que contribuem para a promoção dessas ações por meio de medidas preventivas e curativas relacionadas com distúrbios cinéticos funcionais. Segundo o COFFITO, 2017: Fisioterapia é uma ciência da saúde que estuda, previne e trata os distúrbios cinéticos funcionais intercorrentes em órgãos e sistemas do corpo humano, gerados por alterações genéticas, por traumas e por doenças adquiridas, na atenção básica, média complexidade e alta complexidade. Fundamenta suas ações em mecanismos terapêuticos próprios, sistematizados pelos estudos da biologia, das ciências morfológicas, das ciências fisiológicas, das patologias, da bioquímica, da biofísica, da biomecânica, da cinesia, da sinergia funcional e da cinesia patológica de órgãos e sistemas do corpo humano e as disciplinas comportamentais e sociais10. Desse modo, o �sioterapeuta pode atuar na articulação das ações preventivas e curativas com intervenções individuais ou coletivas na RAS. A REDE DE ATENÇÃO À SAÚDE E OS NÍVEIS DE PREVENÇÃO Organização do sistema de saúde e a Rede de Atenção à Saúde O sistema de saúde é composto por serviços da atenção primária ou básica, secundária (média complexidade) e terciária (alta complexidade). Esses serviços compõem a RAS. A atenção primária à saúde, também conhecida como atenção básica, se caracteriza por um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrange a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação, a redução de danos e a manutenção da saúde com o objetivo de desenvolver uma atenção integral que impacte na situação de saúde e autonomia das pessoas e nos determinantes e condicionantes de saúde das coletividades11. A atenção secundária (média complexidade) é composta por um conjunto de ações e serviços que visam atender os principais problemas de saúde e agravos da população, cujo nível de complexidade da prática clínica demande a disponibilidade de profissionais especializados e a utilização de recursos tecnológicos de apoio diagnóstico e terapêutico que implicam o uso mais intenso para alcançar algum grau de economia de escala, o que acarreta não serem realizados em todos os municípios do país, em grande parte muito pequenos12. A atenção terciária (alta complexidade) tem por objetivo “propiciar o acesso da população a serviços quali�cados de alta tecnologia e alto custo”12. A alta complexidade é organizada por redes estaduais, com adscrição da clientela para a oferta dos serviços em alguns municípios de referência. Os municípios de referência para os serviços de média e alta complexidade (atenção secundária e terciária) são encontrados no Plano Diretor de Regionalização dos Estados13. Neste capítulo, o foco será a atuação do �sioterapeuta na atenção primária, porém o Quadro 3.1 ilustra alguns serviços, procedimentos ou especialidades que fazem parte desses níveis de atenção disponíveis no Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e Órteses, Próteses e Meios Auxiliares de Locomoção (OPM) do SUS. Quadro 3.1 Exemplos de procedimentos, especialidades ou serviços de cada nível de atenção à saúde Nível de atenção Procedimentos Primária (procedimentos realizados nas unidades básicas de saúde, por exemplo) Atividade educativa/orientação em grupo na atenção básica Prática corporal/atividade física em grupo Visita domiciliar/institucional por profissional de nível superior Estimulação precoce para desenvolvimento neuropsicomotor Média complexidade (atenção secundária) (procedimentos realizados em clínicas de �sioterapia e/ou hospitais) Parto cesariano em gestação de alto risco Atendimento fisioterapêutico em paciente neonato Atendimento fisioterapêutico em paciente com comprometimento cognitivo Atendimento/acompanhamento em reabilitação física, mental, visual e múltiplas deficiências Acompanhamento neuropsicológico de paciente em reabilitação Acompanhamento psicopedagógico de paciente em reabilitação Tratamento cirúrgico de pé cavo Tratamento cirúrgico de pé torto congênito Alta complexidade (atenção terciária) (procedimentos realizados em clínicas especializadas e/ou hospitais) Ressonância magnética de crânio/tomografia computadorizada Acompanhamento de paciente com implante coclear Transplante de coração Procedimentos de neurocirurgia Assistência aos usuários com distrofia muscular progressiva Assistência aos pacientes com queimaduras Fonte: SIGTAP – Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM do SUS, 2017. Link: http://sigtap.datasus.gov.br/tabela-unificada/app/sec/inicio.jsp. Classi�cação das medidas preventivas O conhecimento dos conceitos de prevenção propostos pelos epidemiologistas contribui para a classi�cação das intervenções dos pro�ssionais da saúde. O tipo de medida preventiva depende do estágio de saúde ou de doença em que se encontra o indivíduo14. O Quadro 3.2 exempli�ca os níveis de aplicação de medidas preventivas propostos por Leavell e Clark15. A prevenção primária tem por objetivo evitar a ocorrência de doenças/lesões ou aumentar a resistência contra a moléstia14. Por exemplo, as imunizações previnem doenças e as consultas pré-natais reduzem o risco de nascimento pré-termo16. Dentro da prevenção primária diferenciam-se os conceitos de promoção da saúde e proteção especí�ca. Promoção da saúde é: processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria da qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo17. Portanto, a promoção da saúde da criança está relacionada com práticas saudáveis estabelecidas em uma relação dialógica com os pais das crianças, como, por exemplo, enfatizando a importância do aleitamento materno18 e práticas parentais que favorecem o desenvolvimento do lactente19, entre outras. As ações de promoção da saúde “são medidas que não se dirigem a determinada doença ou desordem, mas servem para desenvolver a saúde e o bem-estar gerais”20. Proteção especí�ca “inclui medidas para impedir o aparecimento de uma determinada afecção em particular ou de um grupo de doenças a�ns”21. São exemplos de proteção especí�ca: vacinação, exame pré-natal, �uoretação na água, suplementos nutricionais, cinto de segurança dos veículos, air bags e equipamentos de proteção individual e coletiva(capacete, protetores de ouvido etc.)21. A prevenção secundária tem por objetivo administrar riscos especí�cos, uma vez que eles já ocorreram, para prevenir a ocorrência de doenças ou reduzir sua gravidade (p. ex., detecção de risco para o desenvolvimento infantil e programa de intervenção precoce [veja o Capítulo 2] para crianças com nascimento pré-termo)16. Testes de rastreamento tornam possível a detecção de doenças latentes (ocultas) em indivíduos considerados de risco14 ou que não procuraram um serviço de saúde. As medidas de prevenção secundária não previnem a causa da doença ou lesão, mas podem prevenir a progressão da doença14. A prevenção terciária tem por objetivo a dedicação ao cuidado especí�co, à reabilitação ou ao tratamento para uma condição ou doença já estabelecida. Nesse caso, o intuito é prevenir complicações, promover a funcionalidade e reduzir as possíveis de�ciências e/ou limitações provocadas pela doença. Um exemplo de prevenção terciária é a reabilitação para crianças com paralisia cerebral16. Portanto, tanto as medidas de prevenção primária (promoção da saúde e proteção especí�ca) como secundária (diagnóstico e tratamento precoce) e terciária (prevenção da incapacidade e reabilitação) devem ser desenvolvidas pelos pro�ssionais que atuam na RAS. Relações entre os níveis de atenção e de prevenção para uma abordagem integral sob a perspectiva biopsicossocial Convém ressaltar que em cada serviço da RAS (Quadro 3.1) é possível a integração de medidas de prevenção primária, secundária e/ou terciária (Quadro 3.2), ou seja, nos procedimentos de média e alta complexidade (atenção secundária e terciária) o pro�ssional também deve preocupar-se em prevenir doenças e agravos (prevenção primária). São exemplos as medidas de prevenção de uma infecção hospitalar durante o parto cesariano de uma gravidez de risco ou em um transplante cardíaco, procedimentos de média e alta complexidade, respectivamente. Da mesma maneira, medidas de prevenção terciária (reabilitação) podem ser desenvolvidas nos serviços de atenção primária, ou seja, as medidas de prevenção devem ser realizadas em todos os níveis de atenção para uma abordagem integral22. Quadro 3.2 Níveis de aplicação de medidas preventivas na história natural da doença Prevenção primária Prevenção secundária Prevenção terciária Promoção da saúde Proteção específica Diagnóstico e tratamento precoce Reabilitação Fonte: adaptado de Leavell e Clark, 1965. Na RAS, a atenção primária é um espaço privilegiado para a promoção de ações resolutivas e para o atendimento das reais necessidades dos usuários, pois as abordagens ocorrem no contexto de vida das pessoas11. Assim, o atendimento na atenção primária contribui para a implantação da perspectiva biopsicossocial preconizada pela Organização Mundial da Saúde no sistema de saúde, pois o pro�ssional promove intervenções no ambiente da família do usuário. O ambiente, como fator contextual, integra o processo de funcionalidade, incapacidade e saúde de acordo com o modelo da Classi�cação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF). Outros componentes são: estruturas e funções do corpo, atividades e participação social e fatores pessoais23. Esses componentes interagem por meio de alças de retroalimentação que tornam o modelo de funcionalidade multidimensional. ATUAÇÃO DO FISIOTERAPEUTA NO NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA O Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) atua de maneira integrada e complementar às ações das UBS, contribuindo para a resolubilidade do cuidado9. O NASF é composto por uma equipe interdisciplinar, e o �sioterapeuta costuma ser um de seus integrantes. Os objetivos da criação do NASF foram24: 1. Ampliar a abrangência e o escopo das ações da atenção básica, bem como sua resolubilidade. 2. Contribuir para a integralidade do cuidado aos usuários do SUS principalmente por intermédio da ampliação da clínica. 3. Auxiliar o aumento da capacidade de análise e de intervenção sobre problemas e necessidades de saúde tanto em termos clínicos como sanitários. São exemplos de ações de apoio desenvolvidas pelos pro�ssionais dos NASF: discussão de casos, atendimento conjunto ou individual, interconsulta, construção conjunta de projetos terapêuticos, educação permanente, intervenções no território e na saúde de grupos populacionais e da coletividade, ações intersetoriais, ações de prevenção e promoção da saúde e discussão do processo de trabalho das equipes, entre outros24. No contexto da atenção primária à saúde, o �sioterapeuta pode compor a equipe do NASF ou a equipe de saúde dentro de uma UBS e/ou ESF. Para garantir o cuidado integral à criança e sua família é importante considerar os outros pro�ssionais que compõem a equipe de saúde e as interfaces com outras equipes do território (p. ex., serviço social, escolas, creches e organizações de bairro), além de trabalhar sob a lógica de rede, considerando as parcerias com as redes especializadas (média e alta complexidade)9. ATUAÇÃO DO FISIOTERAPEUTA NA ATENÇÃO PRIMÁRIA COM FOCO NA SAÚDE DA CRIANÇA A abordagem da �sioterapia na atenção primária à saúde pode ocorrer em condições de saúde variadas, como: • Ações de promoção de saúde e prevenção de doenças para crianças típicas (prevenção primária). • Monitoramento de bebês de alto risco para o desenvolvimento neuropsicomotor (prevenção secundária). • Abordagens integrais em casos de obesidade, asma, paralisia cerebral, entre outras condições de saúde (prevenção primária, secundária e terciária). A atuação do �sioterapeuta pode garantir a resolubilidade da atenção primária e, com isso, a satisfação dos usuários e a redução de custos com atendimentos na média e alta complexidade do sistema25. Os principais objetivos do �sioterapeuta no contexto da atenção primária, considerando a saúde da criança, são: 1. Promover a saúde da criança e de sua família. 2. Desenvolver avaliação e diagnóstico funcionais (identi�car e registrar as necessidades do indivíduo). 3. Intervir considerando os três níveis de prevenção (dentro das atribuições e da disponibilidade estrutural, tecnológica e de pro�ssionais na atenção primária e das demandas existentes na população). 4. Atender às demandas individuais e coletivas por meio de visitas domiciliares, atendimentos individuais, grupos operativos, palestras, campanhas e levantamentos epidemiológicos, entre outros. 5. Encaminhar as crianças para serviços especializados para ações complementares não disponíveis na atenção primária. No Quadro 3.3 são apresentadas propostas de ações do �sioterapeuta na atenção primária em seus três níveis de prevenção, visando ao cuidado integral à saúde da criança estabelecido pela PNAISC. Para tanto, o cuidado precisa ocorrer desde o período pré-natal (da concepção ao nascimento), seguindo pelo período neonatal (0 a 28 dias incompletos), primeira infância (0 a 3 anos), segunda infância (acima de 3 anos até 6 anos) e terceira infância (acima de 6 anos a 12 anos incompletos)26,27. Quadro 3.3 Ações do fisioterapeuta na atenção integral à saúde da criança na atenção primária à saúde Prevenção Períodos do ciclo vital Pré-natal Período neonatal Primeira infância Segunda e terceira infâncias Prevenção primária Incentivo ao acompanhamento pré-natal Programas maternos de preparação para receber o bebê Participação do “Quinto Dia da Estratégia Integral” Orientações quanto às técnicas de aleitamento materno Orientações quanto aos cuidados com o bebê Programas que incentivem o vínculo materno e um ambiente adequado para o crescimento e desenvolvimento infantil Incentivo à amamentação e à alimentação saudável Incentivo à vacinação Programas de práticas parentais: prevenção de maus-tratos, orientações quanto ao desenvolvimento infantil, prevenção de acidentes domésticos Participação nas consultas de puericultura Incentivo à vacinação Prevenção de acidentes Incentivo a práticas de atividades físicas, brincadeiras motoras grossas Participação do Programa Saúde na Escola; por exemplo,orientações sobre bons hábitos posturais Prevenção secundária Desenvolver levantamentos epidemiológicos para auxiliar a equipe da atenção primária à saúde Participação junto à equipe de Desenvolver levantamentos epidemiológicos para auxiliar a equipe da atenção primária à saúde Vigilância para o desenvolvimento infantil: Desenvolver levantamentos epidemiológicos para auxiliar a equipe da atenção primária à saúde Monitoramento de alterações saúde da terceira etapa do Método Canguru (visita domiciliar) reconhecimento de fatores de risco; realização de triagem do desenvolvimento; encaminhamento para profissionais ou serviços especializados Participação junto à equipe de saúde da terceira etapa do Método Canguru (visita domiciliar) Monitoramento de alterações ortopédicas na infância Prevenção de agravos das doenças respiratórias da infância ortopédicas na infância Monitoramento de crianças com sobrepeso e obesidade Prevenção de agravos das doenças respiratórias da infância Prevenção terciária Orientar a família quanto aos procedimentos indicados pelos profissionais da média/alta complexidade Manter suporte e ligação com redes especializadas no caso de crianças com desenvolvimento atípico Acompanhamento domiciliar em caso de doenças progressivas e/ou terminais Ações de prevenção primária Período pré-natal Como membro de uma equipe, cabe ao �sioterapeuta incentivar a participação das mães nas consultas pré-natais para garantir não apenas a saúde e reduzir a mortalidade materna, mas também promover a queda na mortalidade infantil e prevenir fatores de risco para a saúde e o desenvolvimento infantil27. Estudos indicam que a depressão e a ansiedade são condições comuns durante a gestação e ocasionam uma série de consequências no bebê, incluindo retardo no crescimento infantil, apego inseguro com a mãe e distúrbios emocionais e comportamentais28. Desse modo, o �sioterapeuta, dentro de uma equipe interdisciplinar, pode propor a formação de grupos de apoio e preparação para a maternidade com tópicos relativos aos cuidados com o bebê após seu nascimento e técnicas de amamentação, entre outros. Período neonatal (0 a 28 dias) Após o nascimento do bebê e antes da alta hospitalar, os pais recebem a Caderneta de Saúde da Criança (CSC)29 com os dados de nascimento devidamente preenchidos. Essas informações consistem em registros importantes para que a equipe da atenção primária receba a criança e passe a realizar seu acompanhamento. É importante a valorização da CSC como instrumento de saúde integral por parte dos pro�ssionais, preenchendo-a corretamente e incentivando a família a proceder à sua leitura e a seguir as orientações nela contidas. Esse procedimento torna possível o registro detalhado do histórico de saúde da criança, facilitando a comunicação entre os pro�ssionais dentro da própria atenção primária e também ao ser feita a referência da criança para os demais níveis de atenção da RAS. Além disso, fortalece as competências familiares, considerando as informações nela existentes30. O Quinto Dia de Saúde Integral é uma estratégia adotada para que a criança inicie seu vínculo com os pro�ssionais da atenção primária. Nesse dia, a mãe recebe orientações sobre amamentação e cuidados infantis e a criança realiza o “teste do pezinho”27. O aleitamento materno tem inúmeras vantagens para a saúde, o crescimento e o desenvolvimento infantil31, e o �sioterapeuta é um dos membros da equipe que podem oferecer às mães orientações, manejo de técnicas e esclarecimentos de dúvidas. Primeira infância (0 a 3 anos) Durante os primeiros anos de vida, para que o bebê cresça saudável ele precisa de um ambiente estável, sensível às suas necessidades de saúde e nutrição, seguro contra ameaças, responsivo, emocionalmente favorável e com estímulos adequados para seu desenvolvimento global28. Os programas para os pais são de�nidos como intervenções ou serviços destinados a melhorar comportamentos, conhecimentos e interações parentais com suas crianças28. Esses programas podem ser realizados por meio de práticas coletivas na unidade de saúde, por meio de visitas domiciliares ou com a participação do �sioterapeuta nas consultas de puericultura32,33. Estudos têm demonstrado a efetividade desses programas em promover maior vinculo afetivo entre os pais e a criança, diminuir abusos e maus-tratos e favorecer o desenvolvimento global infantil28,32 (veja o Capítulo 2). A prevenção de acidentes também é uma temática importante para a atuação do �sioterapeuta. Nos primeiros anos de vida, os acidentes ocorrem principalmente no ambiente domiciliar e estão diretamente relacionados com as etapas de desenvolvimento infantil34 (veja o Capítulo 1). No entanto, é importante que os pais saibam disso, uma vez que a reestruturação do ambiente familiar, visando a aumentar a segurança da criança, está relacionada com a percepção de risco dos pais. O conhecimento do cuidador acerca dos marcos do desenvolvimento infantil pode reduzir a probabilidade de que ele superestime as capacidades da criança e adote uma estratégia de supervisão inadequada35. No Apêndice deste capítulo são apresentadas sugestões de orientações que podem ser fornecidas aos pais. Segunda e terceira infâncias (acima de 3 anos até 12 anos incompletos) Quando a criança se encontra na segunda e terceira infâncias, o risco maior de acidentes está no ambiente externo, como nos playgrounds e nas ruas35. Assim, é importante que o �sioterapeuta trabalhe não apenas com os pais, mas também com a própria conscientização da criança. Essa abordagem poderá ser adotada em ambiente coletivo, como, por exemplo, nas escolas. Outro aspecto a ser considerado diz respeito à promoção da prática de atividades físicas, ou seja, brincadeiras motoras grossas na infância. As crianças brasileiras apresentam um comportamento cada vez mais sedentário e estão ocupadas em atividades passivas, como assistir à televisão ou usar o computador ou mídias interativas36. A prática de atividades físicas pode prevenir a obesidade infantil e aprimorar as habilidades motoras grossas. No entanto, o estímulo à prática de brincadeiras motoras grossas exige mudanças ambientais e políticas. A criação de espaços seguros de recreação ao ar livre, como praças e parques, é uma intervenção que exige a mobilização de outros setores além da saúde, devendo incluir toda a comunidade37. O Programa Saúde na Escola é um trabalho integrado entre o MS e o Ministério da Educação com a perspectiva de ampliar as ações especí�cas de saúde aos alunos da rede pública de Educação Básica por meio de ações de prevenção, promoção e atenção à saúde38. O �sioterapeuta pode atuar de diversas maneiras nesse programa, sendo a prevenção de alterações posturais comuns na fase escolar uma das ações mais frequentemente executadas39. As inadequações de postura, principalmente em casa e na escola, promovem um desequilíbrio da musculatura global do corpo, ocasionando alterações posturais40,41. A orientação postural realizada pelo �sioterapeuta é importante para prevenir possíveis problemas futuros. Nesse ponto, o pro�ssional poderá atuar na orientação às crianças no próprio ambiente coletivo escolar e sobre aspectos como a maneira adequada de carregar mochilas, sentar, caminhar e carregar peso42,43. Ações de prevenção secundária pelo �sioterapeuta Com o objetivo de ilustrar algumas ações de prevenção secundária do �sioterapeuta na atenção primária, apresentaremos alguns procedimentos relacionados com: • Vigilância do desenvolvimento infantil. • Participação da terceira etapa do Método Canguru. • Identi�cação e monitoramento de alterações ortopédicas na infância. • Diagnóstico funcional e prevenção de agravos de doenças respiratórias na infância. Vigilância do desenvolvimento infantil A vigilância do desenvolvimento infantil compreende todas as atividades relacionadas com a promoção do desenvolvimento infantil sem intercorrências, ou seja, um desenvolvimento típico. Refere-se ainda à detecção de problemas no desenvolvimento,sendo um processo contínuo e �exível que envolve a circulação de informações entre os pro�ssionais de saúde, pais e professores44. Portanto, a vigilância do desenvolvimento infantil envolve medidas de prevenção primária (promoção do desenvolvimento), secundária (avaliações e intervenções) e até mesmo terciária, nos casos de atrasos ou desenvolvimento atípico. O �sioterapeuta pode atuar diretamente na vigilância do desenvolvimento infantil, considerando suas competências e habilidades especí�cas. Embora a ação básica estabelecida pelo MS seja “acompanhar o crescimento e o desenvolvimento infantil”, esses dois conceitos são interdependentes, mas não sinônimos. O crescimento se expressa por hipertro�a e hiperplasia das células corporais, ao passo que o desenvolvimento se dá pela aquisição de habilidades progressivamente mais complexas. Crescimento e desenvolvimento exigem, portanto, abordagens diferentes e especí�cas tanto para medir como para intervir45. O desenvolvimento ocorre a partir da interação daquilo que a criança traz consigo, ou seja, fatores genéticos e/ou hereditários, com fatores biológicos e fatores psicossociais ou ambientais46. Os fatores biológicos são aqueles eventos relacionados com a história da vida intrauterina, do nascimento e da saúde da criança, como, por exemplo, idade gestacional e peso ao nascimento47. Os fatores psicossociais estão associados ao ambiente, ou seja, são condições externas à criança, como, por exemplo, as experiências relacionadas com a vida em família, no ambiente educacional (creche ou escola) ou na vizinhança46. Portanto, para que possa ser realizada a vigilância do desenvolvimento infantil, várias ações devem ser consideradas pelo �sioterapeuta, como: 1. Reconhecimento de fatores de risco biológicos e ambientais. 2. Realização de triagem do desenvolvimento infantil. 3. Encaminhamento para serviços especializados e/ou acompanhamento de bebês de alto risco. Reconhecimento dos fatores de risco para o desenvolvimento infantil Fatores de risco são aqueles motivos pelos quais o pro�ssional deve estar vigilante, uma vez que eles podem colocar a criança em desvantagem para atingir seu potencial de desenvolvimento. Os riscos podem ser biológicos ou psicossociais, cujos exemplos são apresentados no Quadro 3.416,44. Quadro 3.4 Exemplos de fatores de risco biológicos e psicossociais para o desenvolvimento infantil Fatores de risco Biológicos Psicossociais Prematuridade ao nascimento Baixo peso ao nascimento Desnutrição (ingestão calórica deficiente) Carências nutricionais (ferro, vitaminas, cálcio, iodo etc.) Doenças genéticas Hipoxia perinatal Falta de acompanhamento pré-natal Condições inadequadas de higiene Falta de saneamento e de água tratada Ambiente pouco seguro ou acolhedor Cuidados familiares insuficientes Pais adolescentes Família monoparental feminina Depressão materna Baixa escolaridade dos pais Falta de estímulos/objetos para brincar Realização de triagem do desenvolvimento infantil Uma das di�culdades para a efetivação da vigilância do desenvolvimento infantil na atenção primária é que o desenvolvimento não pode ser avaliado de maneira tão direta e objetiva como o crescimento. Para medir o crescimento bastam um estadiômetro, uma balança e curvas padronizadas de crescimento, independentemente da idade da criança48. O desenvolvimento infantil, por sua vez, não pode ser mensurado diretamente, mas por meio da observação do comportamento motor, cognitivo e afetivo- social da criança. Esse comportamento se modi�ca constantemente ao longo da vida, o que signi�ca que as tarefas que deverão ser testadas quase sempre diferem ao longo dos meses/anos da criança. Vários instrumentos podem ser utilizados para avaliar os diferentes domínios do desenvolvimento16 (veja o Capítulo 2). No entanto, considerando o contexto da atenção primária, duas propostas têm sido as mais utilizadas: a Vigilância do Desenvolvimento Infantil da CSC29 e o Manual de Vigilância do Desenvolvimento Infantil da Atenção Integrada das Doenças Prevalentes da Infância (AIDPI)49. Embora o Brasil seja um país de dimensões continentais, com diferentes hábitos e costumes, deve ser ressaltada a importância da padronização de instrumentos na atenção primária para melhor referência, além de facilitar as investigações diagnósticas e o levantamento de indicadores para as posteriores execuções de políticas públicas. O Cartão da Criança sempre foi a principal instrumento utilizado nacionalmente para o acompanhamento da saúde da criança de 0 a 5 anos de idade. Em 2005, o Cartão da Criança foi revisado e transformado na CSC com o objetivo de promover a vigilância à saúde integral da criança até os 10 anos de idade. A CSC contém dados ampliados sobre a gravidez, o parto, as condições de saúde do recém-nascido, orientações importantes sobre alimentação saudável e grá�cos de perímetro cefálico, peso e estatura. Apresenta ainda orientações sobre a saúde auditiva, visual e bucal, prevenção de acidentes, acompanhamento do desenvolvimento global, suplementação pro�lática de ferro e de vitamina A e calendário básico de vacinação45. O Manual de Vigilância do Desenvolvimento Infantil da AIDPI foi desenvolvido inicialmente para suprir a necessidade de capacitação dos pro�ssionais que atuavam na atenção primária da Secretaria Municipal de Saúde de Belém-PA. Trata-se de um manual que contempla a saúde integral da criança, incluindo a vigilância do desenvolvimento infantil47. Em virtude de seu sucesso, ou seja, do encaminhamento de diversas crianças com alterações no desenvolvimento, esse manual passou a ser utilizado em várias unidades de serviço de saúde do Brasil e em países da América do Sul. Recentemente foi revisado e atualizado49. A vigilância do desenvolvimento infantil está presente tanto na CSC como no manual da AIDPI e consiste em um conjunto de itens retirados de outros testes padronizados já existentes na literatura50. Ambos são de fácil aplicação e não exigem treinamento prévio, apenas a leitura atenta de seu conteúdo explicativo; além disso, são acessíveis, podendo ser adquiridos gratuitamente pela internet29,49. As cadernetas da menina e do menino são acessadas em links diferentes: 1. Caderneta da menina: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/caderneta_saude_crianca_meni na_11ed.pdf. 2. Caderneta do menino: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/caderneta_saude_crianca_meni no_11ed.pdf O manual da AIDPI pode ser acessado no link: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2017/julho/12/17-0095- Online.pdf. No entanto, cabe ressaltar que tanto a CSC como o manual da AIDPI apresentam fragilidades por não contarem com estudos cientí�cos prévios de validade e con�abilidade que embasem sua aplicação. Atualmente, uma comissão do Ministério da Saúde estuda a avaliação do desenvolvimento infantil na atenção primária com propostas de reformulações futuras50. Vale destacar ainda que eles consistem em testes de triagem, ou seja, não têm �nalidade diagnóstica, mas a de detectar possíveis casos de crianças com desenvolvimento fora do esperado. Uma vez detectado um possível atraso no desenvolvimento, a criança deverá ser submetida a um teste diagnóstico para avaliação mais profunda50. A interpretação e a orientação das condutas referentes à vigilância do desenvolvimento da CSC e do manual da AIDPI são semelhantes e levam em consideração três aspectos principais: 1. Marcos do desenvolvimento presentes ou ausentes. 2. Fatores de risco presentes ou ausentes. 3 Medidas do perímetro cefálico dentro ou fora do esperado. Apesar das semelhanças entre as duas triagens, estudos realizados em ESF têm demonstrado baixa correlação dos resultados encontrados50. O Quadro 3.5 compara as triagens do desenvolvimento propostas pela AIDPI e a CSC. Quadro 3.5 Comparação entre a vigilância do desenvolvimento infantil da Caderneta de Saúde da Criança e do manual da AIDPI Caderneta de Saúde da Criança AIDPI O que avalia Desenvolvimento global Desenvolvimento global Faixa etária 0 a 36 meses,Curso de Fisioterapia da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais (FCMMG). Renato Guilherme Trede Filho Fisioterapeuta. Especialista em Geriatria e Gerontologia ‒ UFMG. Mestre em Ciências da Reabilitação e Doutor em Bioengenharia – UFMG. Pós- Doutorado em Biomecânica pela University of Central Lancashire ‒ UCLan, Inglaterra. Docente do Curso de Fisioterapia da UFVJM. Rosalina Tossige Gomes Fisioterapeuta da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Mestre em Ciências Fisiológicas (UFVJM) e Doutoranda em Ciências Fisiológicas (UFVJM). Rosane Luzia de Souza Morais Fisioterapeuta. Doutora em Ciências da Saúde da Criança e do Adolescente da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professora Adjunta do Departamento de Fisioterapia da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) na área de concentração: Saúde da Criança e do Adolescente. Sabrina Pinheiro Tsopanoglou Fisioterapeuta. Doutora em Ciências Aplicadas à Pediatria (UNIFESP). Docente Auxiliar I na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). Sheila Schneiberg Fisioterapeuta. Mestre em Ciências Biomédicas opção Reabilitação, Universidade de Montréal, Québec, Canadá. Doutora em Ciências da Reabilitação, Universidade McGill, Québec, Canadá. Pós-Doutora em Neurociências (UFRJ). Docente do Departamento de Fisioterapia da Universidade Federal de Sergipe (UFS) ‒ Campus Lagarto. Simone Nascimento dos Santos Ribeiro Doutora em Ciências da Saúde ‒ Saúde da Criança e do Adolescente – pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Especialista em Terapia Intensiva Pediátrica e Neonatal pela Associação Brasileira de Fisioterapia Cardiorrespiratória e Fisioterapia em Terapia Intensiva (ASSOBRAFIR). Tatiana Vasconcelos dos Santos Fisioterapeuta. Mestre em Ciências (IFF/Fiocruz). Fisioterapeuta do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (UFRJ). Thais Peixoto Gaiad Fisioterapeuta pela UNESP. Especialização em Fisioterapia Aplicada à Neuropediatria pela Unicamp. Formação no Conceito Neuroevolutivo Bobath (IBITA) e Doutora em Ciências pela USP. Docente da Disciplina Fisioterapia Aplicada às Disfunções Neuromusculares II e do Programa de Pós-Graduação em Reabilitação e Desempenho Funcional (PPGReab) da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). Valeria Cury Fisioterapeuta. Mestrado em Ciências da Reabilitação pela UFMG. Formação no Conceito Neuroevolutivo Bobath, Reeducação Postural e Método Pilates. Instrutora certi�cada do �eraSuit Method pelo �eraSuit LLC (EUA) e membro da American Academy for Cerebral Palsy and Developmental Medicine (AACPDM). Sócia proprietária da ProAtiva – Habilitação Integrada em Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional em Belo Horizonte. Vinícius Cunha Oliveira Educador Físico pela UFMG e Fisioterapeuta pela PUC-MG. Mestre em Ciências da Reabilitação pela UFMG. Doutor em Fisioterapia pela University of Sydney. Professor Adjunto do Departamento de Fisioterapia da UFVJM. D urante os últimos 50 anos, mudanças importantes ocorreram no campo da �sioterapia pediátrica. A pro�ssão desenvolveu-se inicialmente a partir de abordagens focadas nas de�ciências da criança e evoluiu para abordagens que reconhecem que a atividade e a participação da criança, bem como de sua família, são mais importantes que as de�ciências atuais da criança. Essa mudança foi certamente promovida pela implementação do modelo da Classi�cação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, Versão Crianças e Jovens (CIF-CJ). Essa transformação foi também facilitada pela mudança nos conceitos de função e desenvolvimento cerebral, haja vista que o comportamento motor não é mais considerado como organizado por meio de uma cadeia de re�exos. Ademais, reconhece-se que a atividade espontânea e variada é uma característica do sistema nervoso. O desenvolvimento motor não é mais considerado o resultado de um aumento no controle cortical induzido pela maturação dos re�exos, e sim o resultado da rede de interações contínuas entre genética e ambiente. A partir da idade fetal precoce, a atividade espontânea do sistema nervoso induz comportamentos variados, isto é, uma exploração de seu repertório motor. Por sua vez, a atividade motora auxilia a moldar o cérebro. Com o aumento da idade e a crescente complexidade do sistema nervoso, a criança está cada vez mais habilitada a selecionar estratégias motoras e�cientes fora de seu repertório. Desse modo a criança desenvolve seu comportamento motor adaptativo. Entretanto, perturbações iniciais no desenvolvimento desses processos têm as seguintes consequências: grandes prejuízos da função cerebral resultam em redução do repertório e capacidades limitadas para adaptar o comportamento motor, e pequenas de�ciências resultam principalmente em adaptação prejudicada. A combinação das três mudanças conceituais – de uma terapia centrada na criança para uma terapia centrada na família; com foco nas de�ciências para uma abordagem baseada em atividade e participação; e mudança na visão do sistema nervoso como um órgão reativo até a apreciação da poderosa atividade espontânea do cérebro – transformou totalmente a �sioterapia pediátrica. Hoje, os valores e objetivos da criança e da família são muito apreciados; eles desempenham um papel importante no planejamento da terapia. Além disso, percebe-se cada vez mais a quantidade de tecnologia assistiva, incluindo dispositivos de mobilidade eletrônica em idade precoce, que podem promover maior participação nas atividades de vida diária da criança com distúrbio do desenvolvimento. Há muito se reconhece a importância de iniciar precocemente a �sioterapia em crianças com distúrbios do desenvolvimento no início da vida, pois esse é o período de maior plasticidade do cérebro. No entanto, sempre foi difícil detectar crianças com transtornos do desenvolvimento em idade precoce. Felizmente, as ferramentas para detectar esses bebês melhoraram ao longo das décadas. Atualmente, sabemos que não apenas a neuroimagem pode auxiliar a detecção precoce, mas também instrumentos especí�cos do domínio da �sioterapia pediátrica, ou seja, a avaliação da qualidade do comportamento motor do bebê por meio da General Movements Assessment (GMA) e do Infant Motor Pro�le (IMP). Por �m, parabenizo os organizadores e colaboradores pela publicação deste livro. Espero que ele facilite a disseminação de conceitos e práticas atualizadas em Fisioterapia Pediátrica no Brasil e em outras comunidades de língua portuguesa. Mijna Hadders-Algra MD, PhD University Medical Center Groningen Beatrix Children’s Hospital Institute of Developmental Neurology Groningen, �e Netherlands A Fisioterapia Pediátrica certamente tem visto grandes mudanças nas últimas décadas, como observado pela Dra. Hadders-Algra. Mudamos do cenário inicial, que incluía ouvir gurus e personalidades carismáticas, para um novo cenário com a utilização da ciência e das evidências para apoiar nossas intervenções. Nosso foco agora deve ser a participação da criança e da família no contexto da comunidade em que vivem. Expectativas realistas de possíveis melhorias em de�ciências devem ser abordadas nos termos da CIF e de como essas melhorias afetam a atividade e a participação. Por exemplo, melhorar a amplitude de movimento ou força tem pouco signi�cado se essas mudanças não melhorarem a capacidade da criança de fazer algo signi�cativo. A pro�ssão de Fisioterapia mudou à medida que obtivemos a pesquisa para apoiar muitas de nossas intervenções. Não devemos perder tempo, esforço e dinheiro em intervenções que não produzem os resultados desejados. Traduzir o conhecimento da pesquisa em aplicação clínica é, no entanto, uma tarefa muito difícil. Os organizadores desta obra também ressaltaram suas tentativas de trazer a prática baseada em evidências para a arena da prática clínica. Uma vez que a pesquisa é traduzida em aplicação clínica, os clínicos devem ser incentivados a implementar novas intervenções e parar de usar intervenções sem embasamentodiferentes tarefas para cada mês 0 a 24 meses, divididos em faixas etárias: 0 a 2 meses; 2 a 4 meses; 4 a 6 meses; 6 a 9 meses; 9 a 12 meses; 12 a 15 meses; 15 a 18 meses; 18 a 21 meses; 21 a 24 meses Material Um objeto (chocalho); seis cubos; uma xícara de plástico com alça; uma fralda ou qualquer tecido Um chocalho; um pompom vermelho; três cubos; uma xícara de plástico com alça; uma fralda ou qualquer tecido semelhante; semelhante; um punhado de jujubas ou bolinhas de papel; um lápis; uma bola um punhado de grãos de milho ou feijão secos; um lápis; uma bola de mais ou menos 15cm Como funciona Testa tarefas correspondentes a cada mês, destacadas em amarelo no gráfico de desenvolvimento infantil Testa as tarefas apresentadas para cada faixa de idade em meses e descritas no manual Resultado encontrado e conduta Desenvolvimento adequado (elogiar os pais/cuidadores) Desenvolvimento adequado com fatores de risco (informar a mãe sobre sinais de alerta) Alerta para o desenvolvimento (informar os pais/cuidadores sobre os sinais de alerta; orientar e marcar retorno para 30 dias) Provável atraso no desenvolvimento (encaminhar para avaliação neuropsicomotora em serviço especializado) Desenvolvimento normal (elogiar os pais/cuidadores) Desenvolvimento normal com fatores de risco ou possível atraso no desenvolvimento (informar os pais/cuidadores sobre os sinais de alerta; orientar e marcar retorno para 30 dias) Provável atraso no desenvolvimento (encaminhar para avaliação neuropsicomotora em serviço especializado) Tanto a CSC como o manual da AIDPI destacam a importância do acompanhamento do perímetro cefálico da criança. Trata-se de uma medida antropométrica relativamente simples, não invasiva, mas que, se acompanhada longitudinalmente, poderá apresentar resultados importantes na detecção de microcefalias e/ou macrocefalias51. Encaminhamento para serviços especializados ou acompanhamento de crianças de alto risco O �uxograma apresentado na Figura 3.1 aponta o direcionamento de condutas que o pro�ssional de saúde deverá seguir sob a perspectiva da vigilância do desenvolvimento infantil. Figura 3.1 Fluxograma da vigilância do desenvolvimento infantil. Uma vez detectados fatores de risco, a criança deverá ser avaliada por meio de um teste de triagem (CSC ou manual da AIDPI). Em caso de atraso, é importante encaminhá-la para acompanhamento em centro especializado44,45. Convém ressaltar que a maioria das crianças que apresentam fatores de risco biológicos necessita ser encaminhada o mais precocemente possível para acompanhamento especializado, pois, considerando o “período sensível” do desenvolvimento, quanto mais cedo iniciar o tratamento, melhores serão suas respostas45. Esse aspecto, denominado intervenção precoce, é abordado no Capitulo 2 deste livro. As orientações domiciliares deverão ser fornecidas sempre que fatores de risco estiverem presentes. Cabe enfatizar que as famílias apresentam suas competências para cuidados e estímulos necessários para o desenvolvimento infantil52. No entanto, muitas vezes, alguns pais acreditam que o desenvolvimento é algo inato, ou seja, que irá acontecer de qualquer modo, independentemente dos estímulos ou oportunidades ambientais. Estudos cientí�cos atuais têm demonstrado que a criança apresenta potencial genético, mas o ambiente in�uenciará o desencadeamento do desenvolvimento infantil53. Participação na terceira etapa do Método Canguru O Método Canguru é um modelo assistencial instituído pelo MS para bebês de baixo peso (risco biológico). A primeira etapa consiste na identi�cação, durante o pré-natal, de gestações de risco. Nesses casos, as gestantes são encaminhadas para os centros de referência. Ao nascimento, caso o bebê necessite permanecer na unidade de terapia intensiva neonatal, deve ser dada especial atenção à formação do vínculo entre os pais e o bebê e também ao estímulo à lactação. A segunda etapa diz respeito ao Método Canguru propriamente dito, ou seja, uma vez alcançada a estabilidade clínica, ainda no hospital, o bebê é colocado em contato pele a pele com a mãe durante o maior tempo possível, respeitando-se a vontade da mãe44. A terceira etapa poderá ocorrer na atenção primária à saúde, após a alta hospitalar44, ou seja, caso não haja no município um serviço especializado de atenção secundária de acompanhamento de bebês de alto risco, a equipe de saúde deverá prestar assistência a essa criança e sua família, de preferência por meio de visita domiciliar27. Esse bebê, considerado de risco biológico, deverá ser acompanhado por meio de avaliação �sioterapêutica e seus pais orientados a partir de seus resultados. Para esse acompanhamento poderá ser utilizada a vigilância do desenvolvimento proposta na CSC ou no manual da AIDPI ou poderão ser usados os testes padronizados (descritos no Capítulo 2). O �sioterapeuta pode contribuir, dentro da equipe interdisciplinar, orientando e dando suporte aos pais quanto às posições e às brincadeiras que favoreçam o desenvolvimento motor infantil. Brincadeiras sensoriomotoras são inerentemente motivadoras para os bebês e favorecem o desenvolvimento motor, social, cognitivo e da linguagem54 (veja o Capítulo 2 para mais detalhes sobre intervenção precoce). O acompanhamento pode ocorrer nos meses subsequentes, tanto na unidade de saúde, de maneira coletiva, ou seja, em grupos de pais e suas crianças, como por meio de visitas domiciliares individualizadas. O �sioterapeuta organiza o espaço com tapetes de EVA ou similares no chão, além de disponibilizar brinquedos. As atividades terapêuticas deverão ser incentivadas de acordo com o estágio de desenvolvimento e os interesses dos bebês. À medida que as sessões prosseguirem, o �sioterapeuta deverá adaptar gradualmente o espaço terapêutico para introduzir variações e novos desa�os54. Identi�cação e monitoramento de alterações ortopédicas na infância Durante o crescimento e o desenvolvimento infantil, algumas condições ortopédicas �siológicas surgem e geram preocupação nos pais, como pé plano55 (veja o Capítulo 18) e alterações angulares56 e rotacionais (veja o Capítulo 19) dos membros inferiores57. Essas e outras condições ortopédicas serão tratadas neste livro. Muitas vezes, a criança é encaminhada para avaliação do �sioterapeuta por membros da equipe da UBS após consulta. Nesses casos, o �sioterapeuta pode avaliar a criança, sanar as dúvidas dos pais e fornecer orientações quando necessário. Em alguns casos, a resolubilidade dessas condições reside na atenção primária; no entanto, em outros casos será necessário encaminhá-la para centros especializados de média ou alta complexidade57. Diagnóstico funcional e prevenção de agravos das doenças respiratórias na infância As doenças respiratórias são consideradas prevalentes na infância e são causa de morbidade e mortalidade infantil27. Várias medidas podem ser tomadas na atenção primária para evitar o agravamento dessas doenças e a consequente sobrecarga da atenção terciária. A vacinação, o aleitamento materno e a alimentação saudável são algumas medidas de prevenção primária adotadas para essas doenças58. Além disso, o �sioterapeuta pode realizar o acompanhamento de crianças com história de sibilância recorrente ou mesmo asma diagnosticada (prevenção secundária) (veja o Capítulo 25). A asma deixa a criança mais vulnerável aos patógenos que causam pneumonia, que, por sua vez, exacerbam os sintomas da asma, contribuindo para o agravamento do quadro e a necessidade de hospitalização59. O pro�ssional pode orientar os cuidadores das crianças quanto aos cuidados ambientais necessários para o controle da doença, como alérgenos da poeira domiciliar, fumaça de cigarro, pelos de animais e mofo60, além de fornecer orientações quanto às atividades físicas e à importância do uso constante de soro �siológico para limpeza e �uidi�cação das secreções nasais61. Ações de prevenção terciária pelo �sioterapeuta Nos casos em que a criança necessita de prevenção terciária é importante que ela seja acompanhadapor �sioterapeuta de serviço de média ou alta complexidade com o objetivo de garantir uma abordagem integral, uma vez que a atenção primária não dispõe de estrutura física e recursos tecnológicos para a reabilitação de algumas condições62. As ações de prevenção terciária ou de reabilitação na atenção primária devem ser realizadas com o objetivo complementar, ou seja, aumentar a frequência de intervenções dentro do contexto natural da criança, sua casa e/ou comunidade. Diante disso, é relevante a comunicação entre os pro�ssionais da rede de atenção à saúde para garantir a integralidade da atenção às crianças que se encontram em reabilitação. A ação conjunta dos pro�ssionais da rede de cuidados terá forte in�uência nos casos em que é abordado o tratamento das crianças com condições sistêmicas mais graves, quando se torna mais difícil o deslocamento domiciliar semanal, como em estágio terminal de doenças ou nos casos de doenças progressivas e/ou degenerativas. A �sioterapia domiciliar poderá ser bené�ca nos cuidados paliativos, oferecendo técnicas que promovam o alívio dos sintomas no tratamento das complicações osteomioarticulares, das úlceras de pressão, da fadiga e melhora na função pulmonar. A �sioterapia, nesses casos, visa ao aprimoramento da qualidade de vida e ao incentivo à prática de atividades funcionais64,65. CONSIDERAÇÕES FINAIS A �sioterapia na atenção primária contribui para a promoção da integralidade para a saúde da criança com ações de prevenção primária, secundária e terciária. Esse serviço facilita a identi�cação de necessidades de saúde por meio de medidas de prevenção secundária (vigilância do desenvolvimento, identi�cação e monitoramento de alterações ortopédicas na infância, diagnóstico funcional e prevenção de agravos das doenças respiratórias na infância e participação na terceira etapa do Método Canguru). Em outras palavras, a �sioterapia na atenção primária à saúde é essencial para a identi�cação de problemas latentes com o potencial de gerar complicações. Diante disso, o pro�ssional atua nas questões clínicas prevalentes na infância, reduzindo os custos com a assistência à saúde nas complicações causadas por essas enfermidades. As ações de prevenção primária do �sioterapeuta na atenção primária à saúde complementam as medidas adotadas pela ESF. Além disso, as ações de prevenção terciária potencializam as intervenções propostas pelos serviços de média/alta complexidade da �sioterapia e/ou dos serviços de reabilitação. Referências 1. Brasil. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília; 1988. 2. Brasil. Lei no 8.080 de 19 de setembro de 1990: Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, e dá outras providências. Brasília; 1990. 3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Departamento de atenção básica. Saúde da criança: Acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Brasília; 2002. 4. Barros RP, Biron L, Carvalho M et al. Determinantes do desenvolvimento na primeira infância no Brasil. IPEA. 2010; 7-28. 5. Victora CG, Aquino EML, Leal MC, Monteiro CA, Barros FC, Szwarcwald CL. 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Logo quando nasce, o bebê precisa receber de seus pais proteção e todos os cuidados básicos para sua sobrevivência, mas não basta ser trocado, alimentado e aquecido. Ele precisa de pais sensíveis para compreender e responder prontamente aos seus sinais, capazes de oferecer afeto, aceitação e segurança. No início, seu bebê dorme bastante, mas, quando acordado, demonstra interesse por olhar para objetos em movimento e com contraste de cores, além da face das pessoas. Faz sons diferentes para demonstrar felicidade, irritabilidade e fome. Apresenta braços, mãos e pernas bem dobradinhos, próximos ao corpo. Ao longo dos primeiros 3 meses o bebê vai �cando cada vez mais tempo acordado e o corpinho vai esticando, as mãos se abrem mais e as pernas e os braços vão ganhando mais liberdade de movimento. No terceiro mês, deitado com a “barriga para cima”, o bebê observa ou leva suas mãos para cima do tórax e agarra objetos quando colocados em suas mãos, podendo leva-los à boca. Movimenta a cabeça, deixando-a alinhada com o corpo. Deitado de “barriga para baixo”, o bebê consegue cada vez mais levantar a cabeça. OFERECENDO OPORTUNIDADE PARA O DESENVOLVIMENTO DE SEU BEBÊ • Coloque um móbile colorido suspenso sobre o berço de modo que o bebê possa observá-lo (30cm de distância do rosto). • Dê colo, atenção e converse com ele. • Chame a atenção dele com caretas, sorrisos e diferentes expressões faciais. • Brinque com chocalhos ou outros objetos que façam barulho. • Use brinquedos ou objetos coloridos, de preferência com contraste de formas e cores (por exemplo, vermelho, preto e branco). ATENÇÃO A posição de “barriga para baixo” NÃO é aconselhada para dormir! No entanto, quando acordado, é importante acostumar o bebê a brincar de “barriga para baixo” desde pequenino, mas, claro, sob a vigilância de um adulto! Isso ajudará a fortalecer os músculos da cabeça e das costas do bebê. EVITANDO ACIDENTES • Não deixe outra criança pequena carregar de um lado para outro seu bebê, pois ela poderá tropeçar e cair, machucando a cabeça do bebê, que ainda tem os ossos bem molinhos. • Ao dar banho, teste antes a temperatura da água na região do seu pulso. • Quando for sair de carro, nunca leveo bebê no colo, jamais no banco da frente, e sim na cadeirinha de carro. 4 A 6 MESES Conheça seu bebê! Nessa fase, seu bebê está mais interessado em explorar o ambiente, ou seja, olhar e brincar com pessoas e objetos em sua volta. Vira a cabeça quando escuta um barulho. Grita, ri e pronuncia vogais, como, “oo”, “ahh”. Quando deitado de “barriga para cima”, mantém a cabeça alinhada com o corpo, traz as duas mãos juntas ao peito ou aos joelhos dobrados e alcança brinquedos que lhe são entregues cada vez mais distantes. Brinca com objetos, mãos e pés, levando-os à boca. Nessa fase, o bebê começa a rolar de “barriga para cima” para os lados e depois de “barriga para baixo” para “barriga para cima”. Próximo de 6 meses, aprende a rolar de “barriga para cima” para “barriga para baixo”. Fica cada vez melhor de “barriga para baixo”. Se acostumado desde pequeno, vai brincar, pivotear (girar), alcançar brinquedos e se divertir bem nessa posição. O bebê com 5 e 6 meses já começa a �car sentado sozinho por alguns segundos, mas é necessário um adulto por perto. OFERECENDO OPORTUNIDADE PARA O DESENVOLVIMENTO DE SEU BEBÊ • Continue colocando o bebê de “barriga para baixo” para brincar. • O bebê aprende a rolar; portanto, é hora de dar a ele mais espaço. Quando acordado, coloque o bebê em um colchonete ou edredom sobre o chão limpo. • É hora de oferecer chocalhos, pois são mais fáceis de agarrar, e mordedores, pois o bebê os leva à boca e pode coçar os dentes, caso estejam nascendo. • Os brinquedos devem ser coloridos e fazer barulho. ATENÇÃO! • Retire o móbile do berço após 4 meses para que a criança não puxe. Geralmente o móbile é pesado. Os móbiles devem ser colocados apenas para o bebê nos primeiros 3 meses observar, antes de ser capaz de alcançar objetos. • Nunca coloque crianças nessa fase em cima da cama, mesmo que seja de casal, pois o bebê se movimenta bastante, podendo cair. • O bebê nessa fase leva tudo à boca; é a forma que ele tem de conhecer o formato e a textura dos objetos. Assim, separe brinquedos para essa �nalidade. Deixe-os sempre limpos. EVITANDO ACIDENTES A distância entre as grades do berço não pode passar de 6,5cm para evitar que o bebê prenda o pescoço, o braço ou as pernas. • Nunca deixe o bebê sentado na banheira sozinho; ele ainda não é capaz de �car sentado por muito tempo. • Nunca coloque cordão em volta do pescoço do bebê, pois ele pode se sufocar. 7 A 9 MESES Conheça seu bebê! Nessa fase, o bebê já distingue rostos familiares e estranhos. Vira a cabeça e olha quando alguém chama o nome dele. Faz sons de sílabas como “ga”, “gu”, “da”. Se o bebê for acostumado desde pequeno, prefere �car na posição de “barriga para baixo”; aliás, é difícil manter a criança de “barriga para cima” até para trocar fraldas! De “barriga para baixo” pode passar para gato, engatinhar e passar para a posição sentada. De 7 até 9 meses, vai aprimorando a posição sentada, podendo ser deixado sozinho no �nal desse período. Outra novidade é que agora o bebê pode passar para a posição de pé no berço, no colo de uma pessoa ou no sofá. Quer pegar, jogar, puxar, empurrar, bater e passar objetos de uma mão para a outra. Ainda coloca os brinquedos na boca, embora um pouco menos. OFERECENDO OPORTUNIDADE PARA O DESENVOLVIMENTO DE SEU BEBÊ • Gosta de jogar objetos para que os outros os apanhem. • Gosta de brinquedos que fazem barulho e de diferentes formatos. • Aprecia brinquedos que se movem quando tocados, pois pode ir atrás engatinhando. • Gosta de brincar de esconder o rosto com a fralda para puxar em seguida. Primeiro, a fralda é usada para esconder o rosto do pai/mãe e só depois nele mesmo. ATENÇÃO • Evite deixar o bebê muito tempo em cercadinho ou berço, pois ele precisa de espaço para se desenvolver. • NÃO coloque a criança no voador (andador), pois, além do risco de quedas e traumas, não ajuda a criança a andar mais rápido. EVITANDO ACIDENTES • Cuidado com objetos pequenos, pois o bebê consegue levá-los à boca e pode se engasgar. • Como o bebê está engatinhando, tampe com esparadrapo as tomadas e coloque fora do alcance produtos de limpeza e embalagens plásticas. • Cuidado com móveis de quinas e pontiagudos. • Quando for sair de automóvel, nunca leve o bebê no colo, nunca no banco da frente, e sim na cadeirinha de carro. 10 A 12 MESES Conheça seu bebê O bebê, nessa fase, dá “tchauzinho” e bate palminhas. Gosta de “conversar sozinho”, ou seja, fala enrolado, usando combinação de sílabas, como “gaga”, “papa”, “mama”. Engatinha rápido e se senta no chão de diferentes formas. Ao se puxar para de pé, anda ao redor dos móveis, se segurando apenas com uma das mãos. Começa a andar apoiado nos adultos e logo irá dar passinhos sem apoio. Uma vez andando sozinho, consegue agachar e se levantar novamente sem se segurar. Abre e fecha caixas e potes, balança objetos que fazem barulho, retira brinquedos de dentro de uma caixa e os joga no chão. Aponta e toca em brinquedos com o dedo indicador. Também usa o indicador e o polegar para pegar objetos pequenos (como uma pinça). A criança se mostra habilidosa no uso das mãos e dedos; assim, quase não coloca mais brinquedos na boca. OFERECENDO OPORTUNIDADE PARA O DESENVOLVIMENTO DE SEU BEBÊ • Gosta de brincar com bolas coloridas de tamanho e consistência diferentes, jogos de encaixar, caixas que possam ser enchidas de coisas e principalmente esvaziadas e, ainda, brinquedos de empurrar e puxar. • Tem interesse por livrinhos com gravuras grandes sem ou com poucas palavras. • Agora está compreendendo o signi�cado real das coisas; assim, gosta de brinquedos como bonecas, carrinhos, panelinhas, celular de brinquedo. ATENÇÃO! • Se seu bebê se senta em W ocasionalmente, tudo bem; mas não permita que o bebê crie o hábito de se sentar dessa maneira. Essa posição pode prejudicar a formação óssea do quadril da criança e, mais tarde, ela poderá andar com os joelhos e /ou pés para dentro. EVITANDO ACIDENTES • Cuidado com objetos pequenos, pois o bebê consegue levá-los à boca e pode se engasgar. • Tampe com esparadrapo as tomadas e coloque fora do alcance produtos de limpeza e embalagens plásticas. • Cuidado com móveis de quinas e pontiagudos e também com cabos de panelas virados para fora do fogão. • Quando o bebê começa a andar, não tem muito equilíbrio e cai muito; assim, retire brinquedos e tapetes do caminho. 13 A 24 MESES Conheça sua criança A criança inicia essa fase falando “mama” para a mãe ou “papa” para o pai. Ao longo desse período ela irá aprender mais algumas palavrinhas. Pode inclusive estar combinando duas palavras. Compreende bem quando falam com ela. Aponta para partes simples do corpo. A cada dia anda melhor, com mais equilíbrio. Enquanto caminha, pode segurar um objeto em cada mão, possui bom equilíbrio para frear e já pode dar alguns passos nas pontas dos pés ou para trás. Corre, ou melhor, anda rápido. Sobe e desce em móveis. É bem ativa; abre e fecha armários, gavetas e portas; mexe em tudo! Prefere brincar agachada por ser mais rápido se levantar do chão. É habilidosa com as mãos; roda, aperta, transfere, encaixa e desencaixa. Uma mão auxilia a outra. OFERECENDO OPORTUNIDADE PARA O DESENVOLVIMENTO DE SUA CRIANÇA • Mostra interesse em dar nome a objetos e �guras e em repetir palavras. • Rasga papéis e rabisca. • Gosta de objetos domésticos comuns ou brinquedos de imitação, como escovas e vassouras, baldes, canecas, potes, telefones e ferramentas de jardinagem. • Gosta ainda de brinquedos para empurrar ou puxar, como cadeirinha de passeio, carrinho de bebê, caminhão com caçamba (para encher). • Brincar com areia e água é importante nessa fase. ATENÇÃO • O pé da criança é fo�nho e redondo; por isso, deixe ela andar e brincar sem sapatos sempre que puder, pois pode ajudar a formar a curva de dentro do pé. EVITANDO ACIDENTES • Coloque fora do alcance produtos de limpeza, tóxicos e in�amáveis. • Cuidado com cabos de panela virados para fora do fogão. • Nunca a deixe a criança na calçada ouna rua sem segurar em sua mão, pois ela pode correr para o meio da rua sem que você perceba. DEFINIÇÃO, EPIDEMIOLOGIA E ETIOLOGIA A expressão paralisia cerebral (PC) abrange uma diversidade de manifestações clínicas referentes ao tipo, à gravidade e à distribuição do comprometimento motor. Conforme consenso internacional publicado em 2007, a PC é de�nida como “um grupo de desordens permanentes do desenvolvimento do movimento e da postura, causando limitações de atividades, que são atribuídas a distúrbios não progressivos que ocorreram no cérebro em desenvolvimento”1. As desordens motoras podem ser acompanhadas de distúrbios de sensação, percepção, cognição, comunicação e comportamento, além de epilepsia e problemas musculo- esqueléticos secundários1. A PC é uma das causas mais comuns de incapacidade física na infância2. A incidência dessa condição de saúde varia, entre diferentes países, de 1,4 a 3,6 casos a cada 1.000 nascidos vivos3-5. O dano encefálico que leva à PC pode ser decorrente de inúmeros fatores etiológicos. A lesão pode ocorrer durante a gestação (pré-natal), próximo ou no momento do parto (perinatal), ou após o nascimento da criança (pós- natal)5. Não há uma idade máxima de�nida na literatura para que manifestações clínicas decorrentes de lesão no cérebro, cerebelo ou tronco encefálico sejam classi�cadas como PC; entretanto, a maior parte da literatura estabelece como limite superior, aproximadamente, entre 2 e 3 anos de idade1,6. A etiologia exata da PC, em muitos casos, não pode ser identi�cada6. Na realidade, em mais de 30% dos casos a etiologia é desconhecida e não existe nenhum fator de risco conhecido1,5. Entretanto, a literatura aponta alguns fatores que aumentam o risco de a criança sofrer uma lesão neurológica. Dentre os fatores de risco pré-natais podem ser citados a exposição materna a infecções, como toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus e herpes (isto é, infecções TORCH)6 ou zika vírus7; crescimento anormal do feto; malformações cerebrais; hipóxia; gestação múltipla; desordens metabólicas e patologias placentárias8. Os fatores perinatais incluem as�xia, prematuridade, ruptura uterina, prolapso de cordão umbilical, apresentação pélvica, pré-eclâmpsia e febre materna durante o trabalho de parto9. Já os fatores pós-natais mais comuns são acidente vascular isquêmico, hemorragia intraventricular, leucomalacia periventricular, sepse, meningite, traumatismo craniano, síndrome do bebê sacudido, crises convulsivas nas primeiras 48 horas após o nascimento, problemas respiratórios e excesso de bilirrubina sérica resultante de doença hemolítica5. Durante muitas décadas, acreditou-se que a as�xia perinatal seria a causa mais comum de PC10. Mais recentemente, com os avanços nos exames de imagem, os fatores pré-natais passaram a ser reconhecidos como a causa de 70% a 80% dos casos tanto em lactentes nascidos a termo como em prematuros11. Embora um único fator seja su�ciente para causar a lesão neurológica, a presença de vários fatores de risco aumenta a chance de ocorrência de PC. A contribuição de fatores genéticos que deixam o feto ou o lactente mais vulnerável à lesão tem sido recentemente considerada na �siopatologia da PC8. Algumas condições maternas e gestacionais, consideradas fatores de risco, têm um componente genético, incluindo o nascimento prematuro, a pré-eclâmpsia e as infecções maternas. O risco de uma criança ter PC é distinto em diferentes idades gestacionais, mas a prematuridade aumenta em até 100 vezes esse risco8,11. O risco também aumenta em casos de gestação múltipla, sendo quatro vezes maior em uma gestação gemelar e 18 vezes maior no caso de trigêmeos3,12. Õ Í CLASSIFICAÇÕES E TIPOS CLÍNICOS Nas últimas décadas houve uma crescente necessidade de documentação e classi�cação da funcionalidade de crianças com PC, com enfoque em desfechos relevantes para essa população, como mobilidade, habilidade manual e comunicação. Os sistemas de classi�cação utilizados na prática clínica e na pesquisa para esses �ns são denominados: Sistema de Classi�cação da Função Motora Grossa (Gross Motor Function Classi�cation System – GMFCS)13,14, Escala de Mobilidade Funcional (Functional Mobility Scale – FMS)15, Sistema de Classi�cação da Habilidade Manual (Manual Ability Classi�cation System – MACS)16 e Sistema de Classi�cação da Função de Comunicação (Communication Function Classi�cation System – CFCS)17. Atualmente, o GMFCS representa a classi�cação mais importante das crianças com PC e tem sido amplamente utilizado pelos pro�ssionais de saúde para o prognóstico de mobilidade e locomoção, planejamento terapêutico, prescrição de tecnologia assistiva e dispositivos de auxílio para mobilidade, bem como para facilitar a linguagem entre pro�ssionais e familiares. O GMFCS foi traduzido para praticamente todos os idiomas, e sua versão em português está disponível para download no site da CanChild (https://canchild.ca/en/resources/42-gross-motor-function-classi�cation- system-expanded-revised-gmfcs-e-r). O GMFCS classi�ca o desempenho de autolocomoção da criança e do adolescente e considera as limitações de mobilidade e a necessidade de dispositivos manuais para locomoção (como andadores, muletas ou bengalas) ou mobilidade sobre rodas. O GMFCS contém cinco níveis, em escala ordinal, e apresenta distinções por faixa etária (antes dos 2 anos, entre 2 e 4 anos, entre 4 e 6 anos, entre 6 e 12 anos e entre 12 e 18 anos de idade)13,14. A de�nição dos níveis, correspondente a uma criança de 6 anos de idade, é a seguinte: • Nível I: a criança anda em diferentes ambientes sem apoio e sobe e desce escadas sem segurar no corrimão. A criança desenvolve a habilidade de correr e pular, mas com limitações na velocidade, equilíbrio e coordenação. A participação nos esportes e em atividades físicas é fundamentada na escolha pessoal e em fatores ambientais. • Nível II: a criança consegue andar sem apoio, mas com algumas limitações, como precisar do corrimão para subir e descer escadas e ter di�culdade ou não ser capaz de correr e pular. Pode precisar de adaptações para realizar atividades esportivas. • Nível III: a criança anda com dispositivo de auxílio para marcha em espaços internos (p. ex., andador) e pode precisar de cadeira de rodas fora de casa e na comunidade. A criança precisa de assistência para se transferir do solo e da posição sentada para a de pé e de adaptações para realizar atividades físicas e esportivas. • Nível IV: a criança apresenta di�culdade para se locomover, mas pode rolar, se arrastar e permanecer sentada (geralmente com apoio), e consegue se mover independentemente com uma cadeira de rodas manual ou motorizada. A criança pode percorrer pequenas distâncias com auxílio físico ou andador com suporte de peso, mas depende de terceiros para chegar a diferentes locais. Necessita de adaptações para realizar atividades físicas e esportivas. • Nível V: a criança é dependente para todas as atividades relativas à mobilidade. Apresenta limitações no controle antigravitacional de cabeça e tronco e na movimentação ativa de membros superiores (MMSS) e inferiores (MMII), necessitando da assistência para as transferências. A participação da criança é muito limitada. Ela pode ter locomoção motorizada com extensivas adaptações para a postura sentada e para o controle da cadeira. A literatura reporta uma relativa estabilidade dos níveis do GMFCS, o que signi�ca que a criança classi�cada em um nível tende a permanecer nele ao longo do tempo, embora seja possível que a criança mude de nível em resposta a programas de intervenção. Essa informação torna possível inferir sobre o prognóstico da criança com PC18. Em acréscimo, os autores da classi�cação desenvolveram uma curva de percentil para cada nível do GMFCS (disponível em: https://canchild.ca/en/resources/237-motor- growth-curves). Essas curvas descrevem padrões de desenvolvimento motor de crianças com PC, agrupadas por nível do GMFCS, à medida elas se desenvolvem. Crianças com PC alcançam, em média, 90% da capacidademotora em torno dos 5 anos de idade para o nível I do GMFCS e em torno dos 2,7 anos de idade para o nível V18. As curvas de percentil auxiliam os pro�ssionais de saúde e as famílias a entenderem como as habilidades motoras grossas das crianças classi�cadas em cada nível se modi�cam com a idade. Além disso, essas curvas oferecem uma estimativa das capacidades motoras da criança no futuro, incluindo o nível de independência que é provável que a criança atinja, já que as curvas parecem atingir um platô em torno dos 7 anos de idade. Para a classi�cação da mobilidade funcional de crianças com PC, a FMS leva em consideração o fato de poderem necessitar de meios de mobilidade ou dispositivos de auxílio distintos, dependendo da distância que precisam percorrer. Mais especi�camente, a FMS classi�ca a habilidade de locomoção da criança em seis níveis para cada uma de três distâncias de�nidas, quais sejam: 5, 50 e 500 metros15, representativas do desempenho de mobilidade nos contextos de casa, escola e comunidade, respectivamente: • Nível 6: anda independentemente em todas as superfícies. • Nível 5: anda independentemente apenas em superfícies planas. • Nível 4: necessita de uma ou duas bengalas. • Nível 3: precisa de bengalas canadenses ou muletas. • Nível 2: anda com auxílio de andador. • Nível 1: usa cadeira de rodas. Há também como opção a classi�cação da criança por meio da letra C – a criança engatinha para se locomover em casa (5m) – e da letra N – caso não seja possível classi�car a mobilidade da criança em determinada distância (p. ex., a criança não completa a distância de 500m)15. A FMS é aplicada pelo pro�ssional que avalia a criança com base em perguntas direcionadas aos pais de crianças/adolescentes de 4 a 18 anos de idade. A versão em português da FMS está disponível para download em http://www.healthtranslations.vic.gov.au/bhcv2/bhcht.nsf/PresentDetail? open&s=FMS_-_�e_Functional_Mobility_Scale. O MACS descreve como as crianças ou os adolescentes com PC (de 4 a 18 anos) usam suas mãos para manipular objetos em atividades diárias16. Os cinco níveis do MACS são fundamentados na habilidade da criança em iniciar sozinha a manipulação de objetos e na necessidade de assistência ou adaptação para realizar atividades manuais na rotina diária: • Nível I: a criança manuseia objetos facilmente e com sucesso. • Nível II: a criança manuseia a maior parte dos objetos, mas com qualidade e/ou velocidade reduzidas. • Nível III: a criança manuseia objetos com di�culdade, necessitando de ajuda para preparar e/ou modi�car as atividades. • Nível IV: a criança manuseia uma seleção limitada de objetos de fácil manejo em situações adaptadas. • Nível V: a criança não manuseia objetos e requer total assistência para desempenhar até as ações consideradas mais simples16. O MACS não distingue o uso de uma das mãos; portanto, não importa se a criança realiza as atividades com uma ou com as duas mãos. Para classi�car a criança usando o MACS, o terapeuta deve perguntar aos pais ou responsáveis como ela desempenha atividades típicas de sua idade, como se vestir, se alimentar e brincar. Ao contrário do GMFCS, o MACS não apresenta distinções por idade, embora já exista o Mini-MACS, versão adaptada para crianças entre 1 e 4 anos de idade. A versão em português do MACS pode ser encontrada em http://www.macs.nu/download-content.php. O sistema CFCS tem por objetivo classi�car o desempenho da comunicação diária dos indivíduos com PC em cinco níveis17. A comunicação ocorre sempre que um emissor transmite uma mensagem e o receptor entende a mensagem. O comunicador e�ciente alterna, de modo independente, seu papel de emissor e receptor, não importando as demandas de uma conversação, os parceiros da comunicação e os assuntos. Também apresenta cinco níveis: • Nível I: a criança atua como emissora e receptora e�caz com parceiros desconhecidos e conhecidos. • Nível II: a criança atua como emissora e receptora e�caz com parceiros desconhecidos ou conhecidos, porém é mais lenta nesse processo. • Nível III: a criança geralmente se comunica de maneira e�caz com os parceiros conhecidos, mas a comunicação não é consistente e e�caz com a maioria dos parceiros desconhecidos. • Nível IV: a criança não alterna consistentemente seu papel de emissora e receptora, mesmo com parceiros conhecidos. • Nível V: a comunicação da criança é raramente e�caz, mesmo com parceiros conhecidos17. Todas as formas de comunicação são consideradas quando se determina o nível do CFCS, o que inclui o uso da fala, gestos, comportamentos, olhar �xo, expressões faciais e a comunicação alternativa e aumentativa. A CFCS é uma classi�cação complementar ao GMFCS e ao MACS, e a versão traduzida para o português também está disponível para download (http://cfcs.us/?page_id=8). Além da classi�cação de funcionalidade, a PC também pode ser classi�cada de acordo com o subtipo neurológico e topográ�co, incluindo a forma espástica (unilateral ou bilateral), discinética (distônica ou coreoatetoide), atáxica ou mista19,20. Existem fatores causais mais prevalentes para os diferentes tipos de PC. Cada categoria se refere a uma área encefálica especí�ca que sofreu a lesão e apresenta sintomas característicos que a diferem das outras formas de PC (Tabela 4.1). Tabela 4.1 Tipos de paralisia cerebral Subtipo neurológico Comprometimento Topogra�a Área lesionada Espástica Bilateral Quadriplegia Área cortical ou subcortical Diplegia Trato corticoespinhal (cápsula interna) Unilateral Hemiplegia Trato corticoespinhal unilateralmente Discinética Distonia Quadriplegia Núcleos da base, tálamo, tronco encefálico e cerebelo Coreoatetose Quadriplegia Núcleos da base e tálamo Atáxica Quadriplegia Cerebelo Paralisia cerebral espástica A PC espástica é o subtipo neurológico mais comum de PC (70% a 90% dos casos) e resulta de lesão no sistema nervoso central (SNC), especi�camente no neurônio motor superior localizado no cérebro5,21. As manifestações clínicas típicas da PC espástica incluem fraqueza muscular, aumento do tônus muscular (hipertonia), espasticidade e diminuição do limiar de ativação dos re�exos de estiramento22. A forma espástica pode ser classi�cada topogra�camente em bilateral (inclui os termos quadriplegia e diplegia, utilizados anteriormente na literatura) e unilateral (termo hemiplegia utilizado anteriormente)19,23. O termo bilateral denota comprometimento dos MMSS e MMII, enquanto unilateral indica o envolvimento dos membros superior e inferior de um dimídio corporal9. No caso da PC espástica bilateral do tipo quadriplegia, o comprometimento dos quatro membros pode ser causado por qualquer patologia que provoque lesão difusa, simétrica ou assimétrica, nos dois hemisférios cerebrais8. Resulta, muitas vezes, de eventos hipóxico- isquêmicos globais, malformações cerebrais, corticais ou subcorticais. Crianças com PC espástica bilateral do tipo quadriplegia são classi�cadas, na maioria dos casos, nos níveis IV ou V do GMFCS24,25. A PC espástica bilateral do tipo diplegia é caracterizada por maior comprometimento dos MMII em relação aos MMSS. Essa é a forma de PC predominante em crianças prematuras, resultado de leucomalacia periventricular ou hemorragia peri ou intraventricular, haja vista que as �bras motoras que inervam os MMII estão localizadas mais próximo da região ventricular26. A lesão cerebral em crianças prematuras é decorrente da vulnerabilidade dos tratos motores no cérebro em desenvolvimento. Os fatores causais incluem infecção intrauterina, ruptura prematura da placenta e gestação múltipla. As crianças com PC espástica bilateral do tipo diplegia podem ser classi�cadas em todos os níveis do GMFCS, embora seja maior a prevalência de crianças classi�cadas entre os níveis I e III24,27. As causas mais comuns da PC espástica unilateral, de acordo com estudos de neuroimagem, são o acidente vascular perinatal e as malformações congênitas8. Lesões focais ou, algumas vezes, multifocais resultam em PC unilateral. As crianças com PC espástica unilateralsão, na maioria dos casos, classi�cadas nos níveis I ou II do GMFCS24,25. Paralisia cerebral discinética A PC discinética representa em torno de 10% a 15% dos casos de PC28. Nesse subtipo, a lesão ocorre nos núcleos da base do cérebro e a criança apresenta manifestações clínicas, como de�ciência na regulação do tônus muscular e movimentos involuntários29. O comprometimento inclui os quatro membros, o tronco, a coluna cervical e a face. A discinesia (isto é, distúrbio do movimento) ocorre ou é exacerbada na tentativa da criança de se movimentar e pode variar de acordo com a posição corporal, a tarefa, o estado emocional e o nível de consciência da criança30. A forma discinética é subdividida em distônica e coreoatetoide, mas características de ambos os tipos podem estar presentes concomitantemente19,31. A criança com distonia apresenta contrações musculares sustentadas, hipocinesia (isto é, diminuição do movimento) e desregulação do tônus muscular, que aumenta facilmente32. No caso da coreoatetose há a presença de coreia (ou seja, movimentos descoordenados, rápidos e, muitas vezes, fragmentados das extremidades proximais) e atetose (ou seja, movimentos lentos, constantemente modi�cados e contorcionais das extremidades distais), além de hipercinesia e desregulação do tônus muscular, que está geralmente diminuído29,32. A distonia é mais severa e prejudica de maneira mais evidente a funcionalidade da criança em comparação à coreoatetose, podendo ser confundida com a PC espástica quadriplégica31. Crianças discinéticas geralmente são classi�cadas no nível IV ou V do GMFCS24,25. Paralisia cerebral atáxica A PC atáxica resulta de lesão no cerebelo e apresenta como de�ciências principais desequilíbrio nas diferentes posturas, incoordenação motora e dismetria (isto é, interpretação errônea da distância, desorientação espacial, incapacidade para alcançar com precisão um ponto determinado), além de fraqueza e hipotonia muscular33. Os movimentos da criança com ataxia são caracterizados por diminuição de força muscular, ritmo e precisão19,32. No que se refere à mobilidade, as crianças atáxicas, na maioria dos casos, adquirem marcha independente, sendo classi�cadas no nível I ou II do GMFCS24,25. Paralisia cerebral mista Quando ocorrem lesões em diferentes áreas do encéfalo, a criança pode apresentar manifestações clínicas de diferentes subtipos de PC32. Em geral, há predomínio da sintomatologia de um subtipo com componentes associados de outro. Nesses casos, a criança é classi�cada de acordo com a característica clínica dominante junto com o componente associado (p. ex., PC espástica bilateral com componente atáxico). Apesar de no consenso de 20071 não haver descrições sobre esse subtipo de PC, tradicionalmente a expressão paralisia cerebral hipotônica vem sendo utilizada clinicamente para classi�car as crianças que não apresentam manifestações clínicas que se encaixem nas outras formas de PC. A criança hipotônica apresenta como características principais tônus muscular baixo e importante atraso no desenvolvimento motor. À medida que ela se desenvolve, sinais de discinesia ou ataxia podem aparecer e o diagnóstico mais preciso é estabelecido. Caso contrário, é importante investigar outras possíveis condições de saúde para o diagnóstico da criança, como erros inatos do metabolismo. ASPECTOS RELACIONADOS COM A FUNCIONALIDADE E A INCAPACIDADE DAS CRIANÇAS COM PARALISIA CEREBRAL A Classi�cação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), modelo proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2001, fornece uma representação conceitual do processo de funcionalidade dos indivíduos, considerando aspectos biomédicos, psicológicos e sociais. Esse modelo preconiza uma linguagem padronizada e terminologia comum para a descrição da saúde e dos estados relacionados com a saúde dos indivíduos. Funcionalidade é um termo que engloba todas as estruturas e funções do corpo, atividades e participação; de maneira similar, incapacidade é um termo que inclui de�ciência, limitação de atividade ou restrição na participação, sendo a funcionalidade e a incapacidade consideradas resultado da interação dinâmica entre a condição de saúde e os fatores contextuais, como ilustrado na Figura 4.134. Figura 4.1 Relação entre os componentes da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF)34. Em 2006, a OMS criou uma versão da CIF para crianças e jovens, levando em consideração as diversas mudanças que ocorrem ao longo do crescimento e desenvolvimento físico, psicológico e social, desde o nascimento até os 18 anos de idade. Nessa versão foi destacada a importância do contexto familiar, sendo a funcionalidade da criança in�uenciada por sua interação com a família e os cuidadores35. Posteriormente, um grupo de pesquisadores parceiros da OMS desenvolveu os Core Sets da CIF para crianças e adolescentes com PC no intuito de proporcionar uma descrição de funcionalidade de fácil utilização por parte dos pro�ssionais da saúde. A expressão Core Sets se refere a um conjunto de categorias da CIF que são consideradas as mais relevantes para a descrição da funcionalidade de um indivíduo com determinada condição de saúde36. No caso da PC, cinco Core Sets destacam as áreas de funcionalidade mais importantes a serem avaliadas pela equipe interdisciplinar36,37. Os Core Sets se encontram disponíveis em: https://www.icf-research- branch.org/download/category/8-neurologicalconditions. A utilização da CIF possibilita que o terapeuta amplie sua visão da criança com PC para além das de�ciências, valorizando a capacidade e o desempenho das atividades e a participação social, em conjunto com as interações com os fatores contextuais38. Vários estudos têm utilizado esse modelo multidimensional e interativo para descrever a saúde, a funcionalidade e a incapacidade de crianças com PC39-42. Neste capítulo serão revisados os principais aspectos de funcionalidade e incapacidade para a organização do raciocínio clínico no processo de avaliação e planejamento do tratamento de crianças com PC. Fatores contextuais Os fatores contextuais no modelo da CIF incluem fatores ambientais e pessoais. Os fatores ambientais englobam aspectos físicos, sociais, culturais, institucionais ou de atitudes no ambiente em que as pessoas vivem34,38. Condições de acesso aos espaços físicos da casa, escola ou comunidade, suporte familiar e escolar, uso de tecnologia assistiva, meios de transporte comunitários e nível socioeconômico podem impactar de forma negativa ou positiva a funcionalidade da criança, sendo considerados barreiras ou facilitadores, respectivamente34,39,43. São exemplos de barreiras físicas: ausência de banheiro adaptado, portas estreitas ou pavimentação irregular de ruas e passeios. A di�culdade de acesso a recursos de tecnologia assistiva pode ser considerada uma barreira social. Por outro lado, a presença de rampas e elevadores no espaço físico da casa e da escola, o acesso a serviços de saúde e as atitudes da família de encorajamento da criança para o desempenho em atividades podem ser identi�cados como facilitadores44. A família representa um fator ambiental determinante no desenvolvimento infantil38, podendo se quali�car como facilitadora ou como barreira à funcionalidade da criança44. Os fatores pessoais incluem sexo, idade, educação, estilo de vida, atitudes, motivação e características da personalidade34,38,39. A capacidade de enfrentamento da criança é um fator pessoal que merece destaque, uma vez que in�uencia sobremaneira o sucesso das intervenções. Além disso, é importante reconhecer as escolhas e preferências pessoais das crianças, uma vez que terão mais interesse em realizar tarefas que sejam signi�cativas para elas38,43. Restrições de participação e limitações de atividades A CIF apresenta as atividades e a participação em um capítulo único, embora descreva de�nições distintas acerca de cada um dos termos, quais sejam: atividade consiste na execução de uma tarefa ou ação por um indivíduo; participaçãodiz respeito ao envolvimento de um indivíduo em uma situação da vida real. Desse modo, restrições à participação são problemas que a criança pode experimentar em situações reais da vida que envolvem um contexto social e limitações da atividade são di�culdades que a criança pode encontrar para executar tarefas ou ações34. As restrições e limitações apresentadas pelas crianças dependem de inúmeros fatores, mas podem ser parcialmente previstas pela classi�cação e tipo clínico da PC, sendo menos signi�cativas em crianças com PC unilateral classi�cadas no nível I do GMFCS e do MACS45,46. Em relação à restrição de participação, destaca-se a di�culdade em participar nos contextos da casa, da escola, de lazer, de recreação e da prática de esportes43,47. Crianças com PC podem enfrentar problemas como bullying dos pares escolares e apresentar di�culdade em interagir com outras pessoas, podendo se isolar socialmente43,47. Dentre as limitações de atividade podem ser citadas: incapacidade para mudar e manter as posturas ou posições do corpo e realizar transferências; limitação na mobilidade para andar e se deslocar em diferentes locais; incapacidade para transportar, mover e manusear objetos com os MMSS e com as mãos; di�culdade para realizar atividades de autocuidado, como alimentação, higiene pessoal e vestuário; e limitações na habilidade de se comunicar5,48-51. Cabe ressaltar que a presença dessas limitações aumenta a necessidade de assistência por parte dos pais e/ou cuidadores51. De�ciências das estruturas e funções do corpo Crianças com PC podem apresentar de�ciências (ou seja, alterações) em diversas estruturas (ou seja, partes estruturais ou anatômicas) e funções �siológicas, incluindo as funções psicológicas34. Serão enfatizadas neste tópico as alterações das funções neuromusculoesqueléticas e relacionadas com o movimento, comumente avaliadas pelos �sioterapeutas. Além disso, serão abordadas as funções vestibulares, que incluem o equilíbrio. Funções da força e resistência muscular A fraqueza muscular é uma de�ciência primária presente em todas as crianças com PC52. Quando comparadas a seus pares, crianças com PC apresentam em torno de 50% a menos de força muscular53,54. Veri�cam-se alterações musculares estruturais, como redução do volume muscular e do número de sarcômeros em série, e diferenças na composição e distribuição das �bras musculares que impactam diretamente a capacidade de geração de força55-57. Em outras palavras, crianças com PC apresentam alterações da curva de comprimento-tensão muscular, pois o ponto de amplitude articular associado a um comprimento ótimo para geração de força é modi�cado. Assim, há menor geração de potência muscular em amplitudes que seriam mais adequadas à função realizada, o que pode impactar no desempenho da criança em atividades54,58. Identi�cam-se ainda outros comprometimentos da função muscular, como menor velocidade de geração de força e menor resistência muscular, o que contribui para a ocorrência de fadiga59. Alguns autores identi�cam a presença de alterações estruturais e funcionais também no membro não afetado de crianças com acometimento unilateral55. Funções do tônus muscular As funções do tônus muscular estão relacionadas com a tensão presente nos músculos em repouso e a resistência oferecida quando se tenta mover os músculos passivamente34. As alterações do tônus muscular compreendem a hipertonia e a hipotonia, bem como a espasticidade32,34,60. Na criança com PC, a de�ciência do tônus muscular está associada à área do SNC que sofreu a lesão5. A espasticidade é uma das de�ciências mais discutidas na literatura sobre PC, sendo de�nida como o aumento da resistência muscular à movimentação passiva, dependente da velocidade com que o músculo é movido ou alongado61. A espasticidade decorre de lesão do neurônio motor superior e está associada ao aumento do tônus muscular (hipertonia) em decorrência da diminuição do limiar de ativação dos re�exos de estiramento5,57,62. Com frequência, os termos espasticidade e hipertonia são apontados pela literatura como sinônimos63. Entretanto, é importante destacar que a espasticidade é somente um dos fatores que contribuem para a resistência à movimentação passiva. A hipertonia pode estar relacionada tanto com mecanismos neurais (espasticidade) como com mecanismos não neurais (alterações nas propriedades mecânicas musculares). Dessa maneira, nem toda resistência à movimentação passiva apresentada pela criança com PC é espasticidade, podendo a rigidez estar associada às propriedades mecânicas musculares57,62. As crianças com hipertonia apresentam aumento da rigidez muscular passiva, mudanças na composição muscular e alterações do tecido conectivo, bem como redução do comprimento das �bras musculares54, o que limita o movimento e o alongamento muscular, di�cultando o crescimento muscular longitudinal e as funções musculares61. Funções do controle do movimento voluntário O controle motor seletivo é essencial para o movimento humano, uma vez que torna possível a realização de movimentos articulares de modo independente. A perda do controle muscular seletivo, associada à fraqueza muscular, resulta em movimentos associados ou compensatórios que promovem padrões atípicos de postura e movimento, impactando negativamente no alinhamento articular e na execução dos movimentos64. A perda do controle muscular seletivo em crianças com PC está relacionada com o desequilíbrio entre coativação muscular (isto é, ativação simultânea dos músculos agonistas e antagonistas de uma articulação) e sinergias musculares (isto é, atuação conjunta de mais de um músculo para execução de um movimento)65. Convém apontar que as sinergias musculares contribuem para o controle dos graus de liberdade de movimento e a coativação pode auxiliar a estabilidade das articulações65,66. Ao longo do desenvolvimento, as crianças com PC necessitam desenvolver diferentes estratégias para se movimentar contra a gravidade, utilizando os recursos que têm disponíveis para lidar com o impacto de suas de�ciências neuromusculoesqueléticas (ou seja, fraqueza muscular, alteração de tônus, incapacidade no controle do movimento voluntário) na interação com o ambiente. Essas estratégias são individuais; entretanto, é possível identi�car padrões comuns de movimento nessas crianças, como a ocorrência de sinergias musculares �exoras em MMSS e extensoras de MMII, que acabam di�cultando a realização de tarefas motoras65-68. Em relação aos MMSS, observa-se ainda que crianças com PC apresentam alteração do tempo de ativação muscular e da coordenação motora, padrão de movimento em �exão do punho e cotovelo, pronação do antebraço, elevação dos ombros e presença de movimentos compensatórios proximais e distais, limitando o desempenho de tarefas unimanuais e bimanuais50,69. Em crianças com comprometimento unilateral é possível identi�car a presença de movimentos associados ou espelhados no MS contralateral (isto é, não afetado)70. Funções relacionadas com o padrão de marcha As funções do padrão de marcha estão relacionadas com alguns tipos característicos de marcha que podem ser identi�cados em crianças com PC64,65,71-73. Estudos clássicos, como o de Rodda e Graham71, descrevem padrões especí�cos de marcha principalmente no plano sagital para crianças com comprometimento unilateral ou bilateral. Entretanto, cada criança apresenta características cinemáticas e cinéticas próprias, conforme as estratégias desenvolvidas para vencer a gravidade e deambular. Em crianças com comprometimento unilateral são descritos comumente os seguintes padrões de marcha: • Marcha com o “pé caído”, na qual se observa ausência ou diminuição da �exão dorsal na fase de balanço. • Marcha em equino, na qual se observa �exão plantar no apoio inicial e médio com ou sem hiperextensão do joelho no apoio terminal. • Marcha com o “joelho rígido”, apresentando limitação da �exão de joelho na fase de balanço. • Marcha com alterações proximais, na qual as alterações citadas anteriormente ocorremassociadas à adução e rotação interna do quadril e à inclinação anterior da pelve71. Em crianças com comprometimento bilateral são identi�cados os seguintes tipos de marcha: • Equino verdadeiro, caracterizado por �exão plantar durante toda a fase de apoio. • Marcha jump, caracterizada por �exão plantar associada à �exão do joelho e do quadril no apoio. • Equino aparente, caracterizado por �exão plantar no contato inicial com abaixamento do calcanhar entre o apoio médio e o �nal, associados à manutenção do joelho e do quadril em �exão. • Marcha crouch ou agachada, caracterizada por �exão excessiva de joelho em toda a fase de apoio, associada à �exão de quadril71. De modo geral, quando comparadas a crianças normais, as crianças com PC apresentam as seguintes alterações cinemáticas: in-toeing (isto é, marcha com os pés para dentro) ou out-toeing (marcha com os pés para fora); menor amplitude de movimento total de �exão dorsal e maior de �exão plantar; joelhos com maior �exão na fase de apoio e menor �exão na fase de balanço (joelho rígido); recurvatum de joelho na fase de apoio terminal (em crianças com comprometimento unilateral); quadril com maior pico de �exão, adução e rotação interna e menor pico de extensão na fase de apoio; maior inclinação anterior e rotação da pelve72-74. É importante ainda considerar que os padrões de movimento do tronco também podem estar alterados durante o padrão de marcha75. As características relativas ao desempenho da marcha, como velocidade, serão analisadas no componente de atividade. Funções de mobilidade e da estabilidade das articulações Outra de�ciência apresentada por crianças com PC é a diminuição da amplitude de movimento (ADM) articular76. O desequilíbrio entre as forças compressivas (isto é, gravidade) e as forças tensionais (isto é, contração muscular) que agem nas articulações e no tecido ósseo em crescimento é um dos principais fatores que predispõem à diminuição de ADM e à disfunção da integridade estrutural das articulações da criança com PC76,77. A rigidez passiva se refere às propriedades passivas do tecido muscular não contrátil, como tendões, ligamentos e tecido conectivo56. No tecido muscular de crianças com PC observa-se proliferação de matriz extracelular com aumento do colágeno, aumento da rigidez das células e alteração das propriedades mecânicas do material extracelular57,78. A presença dessas adaptações estruturais leva ao aumento da rigidez passiva76, o que predispõe o encurtamento muscular79, levando à diminuição da ADM. Com o crescimento, e dependendo das estratégias de movimentação que a criança apresenta, esse encurtamento muscular pode aumentar, ocasionando desalinhamento articular, contraturas e deformidades e podendo resultar em articulações rígidas e instáveis77,80,81. As disfunções de mobilidade e estabilidade articular na criança com PC são progressivas, proporcionais à incapacidade (ou seja, maior em crianças GMFCS IV e V) e podem ocorrer em qualquer articulação82,83. Na coluna, a escoliose é a alteração mais prevalente e está associada à obliquidade pélvica e ao desalinhamento do quadril como “quadril em ventania” (isto é, um quadril posicionado em abdução e o outro em adução)84-86. A instabilidade do quadril é uma disfunção bastante comum em crianças com PC e pode progredir para subluxação e luxação83,87. Dentre os fatores de risco podem ser citados: desequilíbrio muscular80, manutenção da postura em adução e rotação interna do quadril82, aumento da anteversão femoral e do ângulo colo-diá�se (coxa valga)80,82,88 e displasia acetabular88. A obliquidade pélvica e a escoliose também estão associadas à ocorrência de luxação de quadril83,86. Em estágios avançados, a luxação de quadril pode di�cultar a higiene íntima87. Podem ser observadas ainda discrepância de comprimento de membros89, deformidades em �exão ou hiperextensão no joelho71, deformidades em equino, equinovaro, equinovalgo79 e deformidades em �exão de punho e dedos90, dentre outras. Outras alterações das funções do corpo Apesar de neste tópico terem sido destacadas as funções neuromusculoesqueléticas relacionadas com o movimento, é importante considerar que crianças com PC podem apresentar de�ciências em outras estruturas e funções corporais, que incluem alteração das funções mentais43,91, alterações das funções sensoriais e dor43,92,93, alteração das funções de voz e fala94 e alterações das funções do aparelho cardiovascular e do aparelho respiratório95,96. Em acréscimo, devem ser consideradas ainda as funções vestibulares de posição, equilíbrio e movimento, conforme especi�cado pela CIF34. Crianças com PC podem apresentar dé�cits tanto na manutenção de posturas (p. ex., sentada, ajoelhada e de pé) como dé�cits de equilíbrio do corpo e do movimento (p. ex., durante as atividades de andar, correr e pular)66,97-99. A estabilidade postural consiste na habilidade de manter o centro de massa corporal dentro da base de suporte, mesmo perante uma perturbação, e envolve mecanismos neuromusculares com alto grau de complexidade, além da integridade dos sistemas visual, somatossensorial e vestibular98,100. A habilidade em manter a estabilidade postural é um fator importante para a realização das atividades e para a participação, pois possibilita a realização de movimentos desejados e previne quedas98. Cabe ressaltar que o equilíbrio (função vestibular) é apenas um dos componentes dessa capacidade de se manter estável. Relação entre os componentes da CIF Conforme descrito em parágrafos anteriores, todos os componentes da CIF são inter-relacionados e se in�uenciam mutuamente. No estudo de Bjornson et al.101 foi descrito um exemplo que mostra a interação de todos os componentes. Quando se pensa no desempenho na marcha (atividade), é possível observar que ele pode ser in�uenciado pela oportunidade de participar de atividades físicas (participação), pela resistência/força muscular (estrutura e função do corpo), pela presença de tecnologia assistiva (fatores ambientais) e pela motivação (fatores pessoais)101. Na Figura 4.2 foi confeccionado um quadro com os principais aspectos relacionados com a incapacidade de crianças com PC, demonstrando as possíveis relações entre eles. Figura 4.2 Principais aspectos relacionados com a incapacidade em crianças com paralisia cerebral.  à à IMPORTÂNCIA E ATUAÇÃO DA EQUIPE DE REABILITAÇÃO A PC é uma condição de saúde que requer uma abordagem interdisciplinar. Diversos pro�ssionais estão envolvidos no processo de reabilitação dessas crianças, dentre eles o �sioterapeuta, o terapeuta ocupacional, o fonoaudiólogo e o psicólogo. A equipe médica é composta, normalmente, pelo ortopedista e neurologista. A comunicação e a ação integrada entre os pro�ssionais de saúde são cruciais para que as necessidades das crianças com PC e suas famílias sejam atendidas. O diagnóstico clínico da PC nem sempre é realizado nos primeiros meses de vida. Crianças que apresentam um ou mais fatores de risco para PC devem ser monitoradas e acompanhadas para que se identi�que precocemente o aparecimento ou o desenvolvimento de possíveis sinais de PC. Alguns desses sinais podem ser visíveis no período neonatal (p. ex., alterações nos movimentos espontâneos, choro excessivo, irritabilidade, di�culdade para sugar), enquanto outros aparecem à medida que a criança se desenvolve (p. ex., assimetria corporal, disfunções do tônus muscular, marcha na ponta dos pés). O intervalo entre a suspeita inicial e o estabelecimento do diagnóstico de PC pode ser muito frustrante para a família. Portanto, a intervenção deve ser iniciada o mais cedo possível, com foco nas necessidades da criança e da família, independentemente do estabelecimento do diagnóstico clínico20. Uma ferramenta com alta validade preditiva para detecção precoce da PC (ou seja, antes dos 5 meses de idade) é o Prechtl Qualitative Assessment of General Movements (GM)102. Esse instrumento se baseia na observação da qualidade dos movimentos realizados pelo bebê e tem sido recentemente utilizado em estudosinternacionais para identi�car precocemente crianças com risco de PC, podendo ser aplicado por �sioterapeutas treinados (veja o Capítulo 2)20,103. Durante o processo de reabilitação de crianças com PC, é preciso abordar todos os aspectos de funcionalidade e incapacidade, bem como os fatores contextuais. Dependendo da necessidade da criança, uma ou mais intervenções especí�cas devem ser iniciadas. A �sioterapia atua com o objetivo de favorecer o ganho de habilidades motoras de acordo com o potencial da criança e prevenir as alterações secundárias. A terapia ocupacional é importante para favorecer o desenvolvimento cognitivo e promover a participação da criança nos diversos contextos (ou seja, casa, escola e comunidade). Em caso de di�culdade para comunicar, comer, beber ou engolir, a criança deve ser encaminhada à fonoaudiologia. Em muitos casos, o acompanhamento da família e da criança por um psicólogo é necessário para dar suporte e auxiliá-las no enfrentamento de angústias e di�culdades. Em acréscimo, as famílias também devem ser orientadas quanto à necessidade de acompanhamento odontológico e nutricional. Na fase escolar é importante que a equipe de reabilitação dê suporte à família com relação à inclusão da criança com PC na escola regular. No Brasil, diversos fatores impedem que as crianças se bene�ciem efetivamente da inclusão escolar. Quanto maior a de�ciência cognitiva, maior a di�culdade de participação da criança na rotina da escola. Existem também barreiras ambientais que prejudicam a participação da criança com PC classi�cada nos níveis III a V do GMFCS, como, por exemplo, o acesso à sala de aula apenas por escadas104,105. A equipe de reabilitação, em conjunto com a família, deve encorajar a criança a ser o mais ativa possível, de maneira segura. Para isso, é essencial identi�car quais atividades são �sicamente desa�adoras, prazerosas e que possam ser praticadas durante a terapia e também na rotina diária da criança. Crianças mais velhas e adolescentes podem participar de atividades especializadas, como escolinha de futebol, natação ou balé, de acordo com sua capacidade, para que possam manter um nível adequado de atividade física106. A criança com PC precisa de acompanhamento médico especializado durante toda a vida, de modo que seja possível avaliar a necessidade de intervenções especí�cas de acordo com o quadro clínico apresentado. Intervenções médicas com o objetivo de reduzir a espasticidade incluem: injeções musculares de álcool107 e toxina botulínica108-110 para induzir desnervação química, prescrição de dantrolene, diazepam e baclofeno oral107, uso de baclofeno intratecal (ou seja, medicação introduzida diretamente na medula espinhal através de uma bomba implantada cirurgicamente dentro do abdome da criança) e rizotomia dorsal seletiva (ou seja, procedimento neurocirúrgico para secção de raízes nervosas na medula espinhal)111. As intervenções cirúrgicas mais comuns são as ortopédicas e incluem cirurgia da mão, para melhorar o posicionamento do polegar e a atividade manual112, do quadril, para reduzir a subluxação ou corrigir a luxação do quadril (ou seja, alongamento de partes moles, como a liberação de adutores113, reconstrução óssea), e do pé, para correção da deformidade em equino do tornozelo. Muitas vezes, crianças com PC espástica apresentam mais de uma deformidade nos MMII e, nesses casos, é realizada a cirurgia multinível em evento único114. Essa técnica se baseia na correção ortopédica de múltiplas deformidades (ou seja, em quadris, joelhos e tornozelos) em uma única sessão cirúrgica, exigindo apenas uma hospitalização e um período de recuperação. Em acréscimo, a gastrostomia115 (isto é, colocação cirúrgica de uma sonda de alimentação não oral) é frequentemente realizada, principalmente em crianças classi�cadas no nível V do GMFCS, com o objetivo de prevenir ou reverter problemas no ganho ponderal ou prevenir pneumonia por aspiração. Finalmente, a prescrição de anticonvulsivantes para prevenir e controlar crises convulsivas e de bifosfonatos109,116 para diminuir a reabsorção óssea e tratar a osteopenia são intervenções médicas comumente utilizadas em crianças com PC. INTERVENÇÃO FISIOTERAPÊUTICA Avaliação A avaliação �sioterapêutica da criança com PC deve ser criteriosa e abrangente, de modo a abordar todos os componentes da CIF e, sempre que possível, o �sioterapeuta deve utilizar métodos válidos, con�áveis e padronizados para a avaliação dos desfechos de interesse117. Tradicionalmente, a avaliação da criança com PC contemplava, principalmente, a identi�cação de de�ciências nas funções neuromusculoesqueléticas, sendo enfatizadas as disfunções do tônus muscular e de re�exos ou reações, além de possíveis alterações nos padrões de movimento5. Esse modelo tradicional de avaliação �sioterapêutica, direcionado apenas às de�ciências, era condizente com as abordagens terapêuticas da década de 1970, que priorizavam a busca pela “normalização” de padrões de movimento de crianças com PC, conferindo pouca ou nenhuma importância a aspectos relacionados com a atividade e a participação social118. Nas últimas duas décadas, impulsionado pelo desenvolvimento da CIF, o processo de avaliação de crianças com PC teve seu foco modi�cado, de modo a destacar aspectos positivos e negativos relacionados com a funcionalidade que sejam mensuráveis, passíveis de mudança e contemplem metas signi�cativas para as crianças e suas famílias9,38,118. O emprego da CIF amplia a visão do terapeuta para além das de�ciências em estruturas e funções do corpo, enfatizando também as atividades e a participação da criança nos diferentes contextos, bem como o impacto de fatores pessoais e ambientais na funcionalidade. Em acréscimo, pode ser utilizado como guia para auxiliar a elaboração do raciocínio clínico e o processo de tomada de decisão terapêutica, levando em consideração múltiplos fatores que contribuem para desfechos positivos na participação, atividades, estruturas e funções corporais, bem como nos fatores contextuais39. O modelo de avaliação proposto neste capítulo foi desenvolvido com base nas alterações comumente encontradas nas crianças com PC e será descrito de acordo com a proposta contemporânea da CIF. Serão destacados instrumentos validados e con�áveis que auxiliam a avaliação de cada componente de funcionalidade e incapacidade, bem como a organização do raciocínio clínico e a elaboração de metas terapêuticas38. Diante de uma gama de instrumentos disponíveis, serão abordados, principalmente, aqueles que foram traduzidos e adaptados culturalmente para a população brasileira. Cabe destacar que um mesmo instrumento pode avaliar diferentes componentes da CIF, como é o caso do School Function Assessment (SFA)119 e do Inventário de Avaliação Pediátrica de Incapacidade – Testagem Computadorizada Adaptativa (Pediatric Evaluation of Disability Inventory – Computer Adaptive Test – PEDI-CAT)120. Convém ressaltar, ainda, que a maior parte desses instrumentos foi desenvolvida antes da proposta da CIF e, muitas vezes, a nomenclatura neles utilizada não corresponde exatamente ao componente da CIF que será avaliado. Coleta da história clínica com pais e cuidadores O processo de avaliação inicia com uma entrevista com os pais, cuidadores e, sempre que possível, com a criança. Devem ser registradas questões relacionadas com gestação, parto, período neonatal, etapas do desenvolvimento infantil, intercorrências médicas, condições de saúde associadas, cirurgias e outras intervenções já realizadas, assim como os dados da equipe de reabilitação. As queixas e preocupações da criança e da família devem ser detalhadamente investigadas, pois são determinantes para a de�nição das metas terapêuticas. Fatores contextuais Ainda durante a entrevista e ao longo da avaliação, devem ser identi�cados os fatores contextuais (ou seja, pessoais e ambientais) que representam o histórico completo e o estilo de vida da criança. Os fatores pessoais que devem ser principalmente investigados são: idade, comportamento,cientí�co. Por exemplo, agora é clara a evidência de que a terapia de movimento induzido por restrição (Constraint Induced Movement �erapy – CIMT) e o treino intensivo bimanual (Hand-arm Bimanual Intensive Training ‒ HABIT) para aqueles com paralisia cerebral unilateral são e�cazes, mas a implementação continua sendo um problema. É por causa da rejeição à pesquisa? Ou, mais provavelmente, os clínicos não adotaram as diretrizes de implementação e não determinaram a melhor forma de agendar a intervenção intensiva exigida para a CIMT? Devemos buscar caminhos para incentivar o avanço e a mudança na prática clínica. Os terapeutas devem ser aprendizes por toda a vida e aceitar a mudança como uma constante. Fornecer a prática baseada em evidências é uma luta em constante evolução para o que é melhor para as crianças que servimos e suas famílias. Susan K. E�gen, PT, PhD, FAPTA Professor of the Department of Rehabilitation Sciences University of Kentucky Lexington, Kentucky, United States A s pesquisas na área de Fisioterapia Pediátrica cresceram exponencialmente nas últimas décadas, ocasionando uma revolução na abordagem do pro�ssional �sioterapeuta, como descrito no prefácio pela Profa. Dra. Mijna Hadders-Algra (Holanda) e pela Profa. Dra. Susan E�gen (EUA). Apesar das mudanças ocorridas em vários países, ainda enfrentamos inúmeras di�culdades para integrar os resultados obtidos em pesquisas cientí�cas à prática clínica do �sioterapeuta pediátrico. Observamos, muitas vezes, um distanciamento entre o que é evidenciado no meio cientí�co e o que é realizado nas clínicas no país, o que ressalta cada vez mais a necessidade da Knowledge Translation (i.e., tradução do conhecimento acadêmico para a prática clínica). Nessa óptica, esta obra nasce a partir de um sonho dos docentes e pesquisadores da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) – Hércules Leite, Rosane Morais e Vanessa Pereira de Lima – e da Universidade de Minas Gerais (UFMG) – Ana Cristina Camargos. O objetivo é oferecer acesso à literatura cientí�ca atualizada a respeito da intervenção �sioterapêutica das diversas condições de saúde, de modo a aprimorar constantemente a prática clínica. Este livro foi elaborado considerando dois pilares importantes para a prática clínica do �sioterapeuta pediátrico: o modelo conceitual da CIF e a Prática Baseada em Evidência (PBE). O estudante de �sioterapia e o pro�ssional �sioterapeuta irão compreender a importância de organizar o raciocínio clínico para elaboração da intervenção �sioterapêutica (i.e., avaliação e tratamento) sob a óptica da CIF. Salientamos que nesta primeira edição não há um capítulo dedicado exclusivamente ao referencial teórico da CIF, porém o leitor encontrará uma descrição mais detalhada ao acessar o manual da CIF ou veri�cando a literatura referenciada ao �nal de cada capítulo. A partir da compreensão da CIF, orientamos que, ao se debruçar sobre a avaliação �sioterapêutica em cada capítulo (especialmente a partir da Seção II), o leitor inicie sempre pelo domínio atividade e participação. Observe que esse domínio permitirá que o �sioterapeuta elabore hipóteses que poderão ser testadas no domínio estrutura e função do corpo. Por exemplo, durante a avaliação da capacidade de marcha (i.e., atividade e participação) uma criança apresenta menores distância e velocidade de caminhada e di�culdade em transpor objetos no chão. A partir desse achado, quais aspectos de estrutura e função do corpo podem estar relacionados à redução da capacidade: fraqueza dos músculos dos membros inferiores? Reduzida tolerância ao exercício físico? Limitação de amplitude de movimento? Assim, a organização desse raciocínio clínico deve ser realizada em todos os capítulos descritos nesta obra. Não é objetivo dos autores que todos os elementos evidenciados na avaliação sejam reproduzidos à risca no contexto da prática clínica, mas que o pro�ssional ou estudante de �sioterapia saiba compreender as melhores ferramentas como aquelas que sejam validadas e con�áveis. Esse mesmo raciocínio se aplica ao tratamento �sioterapêutico, sendo destacadas as propostas de intervenção mais discutidas na literatura contemporânea, sempre considerando a melhor evidência disponível. A PBE é um dos pilares para a prática clínica do �sioterapeuta pediátrico. A PBE como vista na �gura abaixo depende de três componentes fundamentais: (1) melhor evidência cientí�ca disponível, (2) experiência do �sioterapeuta e (3) opinião dos pais e da criança ou adolescente. Com base nessa estrutura, o �sioterapeuta deverá escolher as técnicas e condutas que condizem melhor com a realidade daquela família. Técnicas com alto custo para a família e o �sioterapeuta nem sempre apresentam a melhor evidência cientí�ca. Portanto, sugerimos fortemente que a leitura deste livro seja também um convite para a desconstrução de vários paradigmas que já foram quebrados mundialmente e ainda permanecem no cenário da �sioterapia no Brasil. A �m de utilizar da maneira mais adequada a PBE, no �nal do livro você encontrará um anexo que descreve os cinco níveis de evidência. Entretanto, para �ns didáticos atente-se que o nível 1 se refere à melhor evidência cientí�ca disponível (oriunda de revisões sistemáticas a partir de ensaios clínicos bem delineados), os níveis intermediários (níveis 2 a 4) variam de ensaios clínicos (nível 2) a estudos de caso (nível 4) e o nível 5 compreende evidências a partir da opinião e do consenso de especialistas. Sabemos que a prática clínica do �sioterapeuta pediátrico ainda é carente em relação às evidências disponíveis, porém o intuito desta obra é reunir grande parte das informações disponíveis na literatura. Além disso, ao �nal de cada capítulo são descritos casos clínicos que permitem aliar a informação disponível à prática clínica. Esta obra é dividida em quatro seções: a Seção I trata dos aspectos relacionados ao desenvolvimento infantil. A Profa. Dra. Rosane Morais e os colaboradores descrevem o desenvolvimento da criança no primeiro ano de vida a partir de conceitos teóricos contemporâneos. Além disso, são destacados a importância da intervenção precoce, considerando crianças de risco biológico e psicossocial (ambiental), e os principais instrumentos padronizados utilizados para avaliação preliminar. A seção �naliza com um capítulo sobre atenção primária, em que é abordada a atuação do �sioterapeuta pediátrico com intuito de aprimorar a abordagem integral à saúde da criança. Na Seção II ‒ Fisioterapia Neurofuncional, a Profa. Dra. Ana Cristina Camargos e os demais colaboradores descrevem a funcionalidade e as incapacidades das principais condições de saúde no cenário da �sioterapia neuropediátrica, bem como as evidências que respaldam o tratamento �sioterapêutico. Os capítulos foram elaborados considerando as abordagens contemporâneas, destacando aspectos relacionados com a atividade e a participação, que contemplem as necessidades reais das crianças, de suas famílias e do contexto em que estão inseridas. Recomendamos inicialmente a leitura do capítulo sobre Paralisia Cerebral (Capítulo 4) para compreensão do raciocínio clínico utilizado na elaboração dos objetivos e plano de tratamento �sioterapêutico. Na Seção III ‒ Fisioterapia Musculoesquelética, o Prof. Dr. Hércules Ribeiro Leite apresenta, juntamente com os colaboradores, o impacto das disfunções musculoesqueléticas no cenário da �sioterapia pediátrica. Os capítulos apresentam um robusto referencial teórico, embasado nas melhores evidências disponíveis, destacando o desenvolvimento do sistema musculoesquelético típico e seus desvios. Sabemos que a �sioterapia musculoesquelética tem sido incorporada por pro�ssionais que não compreendem as peculiaridades dessa faixa etária; portanto, os conteúdos apresentados nessa seção têm papel essencial para a reformulação de conteúdos moldados inicialmente para os adultos e adaptados para a população pediátrica. Na última seção (Seção IV – Fisioterapia Pneumofuncional), a Profa. Dra. Vanessa Pereiramotivação, interesses pessoais, hábitos, maneiras de enfrentar problemas e escolaridade. Os fatores pessoais não são codi�cados pela CIF em razão da grande variabilidade social e cultural a eles associada34. Os fatores ambientais são externos à criança e constituem aspectos do contexto físico, social e atitudinal em que elas vivem, podendo exercer in�uência positiva (facilitadores) ou negativa (barreiras) em seus aspectos de funcionalidade34,38. Os pais e as crianças são encorajados a relatar as barreiras e os facilitadores físicos, econômicos, sociais e atitudinais existentes em casa, na escola e na comunidade. Devem ser coletadas informações detalhadas acerca do uso de medicamentos e de tecnologias assistivas. Por exemplo, se a criança utiliza uma órtese, é necessário saber e veri�car o tipo de órtese, o estado de conservação, as situações em que é utilizada e como a utiliza. Para avaliação padronizada dos fatores ambientais a literatura disponibiliza o questionário Craig Hospital Inventory of Environmental Factors (CHIEF)121, cujo objetivo é avaliar a percepção do indivíduo sobre a frequência e a magnitude das barreiras ambientais que comprometem sua participação na sociedade. O CHIEF pode ser aplicado aos responsáveis pelas crianças com de�ciências (ou com os próprios adolescentes) para avaliar sua percepção sobre as barreiras ambientais enfrentadas por seus �lhos. O questionário apresenta uma versão longa, composta por 25 itens, e uma versão curta, com 12 itens, ambas divididas em cinco subescalas que informam sobre barreiras: (1) políticas; (2) físicas e estruturais; (3) no trabalho e na escola; (4) de atitude e suporte; e (5) de serviços e assistência121. Esse questionário foi traduzido para a língua portuguesa e adaptado culturalmente (CHIEF-BR) por Furtado et al.122 para ser administrado aos responsáveis por crianças brasileiras com PC. Atividade e participação Podemos dar continuidade à avaliação abordando os componentes de participação e atividade, sendo importante avaliar tanto a capacidade como o desempenho. Na avaliação da capacidade, veri�ca-se o que a criança é capaz de fazer em condições ideais, como, por exemplo, em um ambiente clínico padronizado. Já o desempenho re�ete aquilo que a criança realmente realiza em seu ambiente natural de casa, escola ou comunidade34,38. A avaliação da participação pode ser iniciada na entrevista com os pais e com a criança. Deve ser identi�cado de que maneira se dá a participação da criança em casa, na comunidade, na escola, em atividades esportivas, nas brincadeiras com os amigos, no lazer etc. Dentre os instrumentos padronizados que podem ser utilizados para documentar a participação de crianças com PC em casa e na escola estão o Children Helping Out: Responsibilities, Expectations and Supports (CHORES)123 e o SFA119, respectivamente. O CHORES é utilizado para mensurar a participação de crianças e adolescentes com idade entre 6 e 14 anos nas tarefas domésticas, bem como o nível de assistência dispensada pelos cuidadores. Trata-se de um questionário que informa sobre o desempenho nas tarefas domésticas por meio de subescalas de cuidados pessoais e de cuidados familiares123. O instrumento foi traduzido para o português e adaptado culturalmente para crianças brasileiras124. O SFA é um instrumento padronizado que pode ser aplicado em forma de questionário para os professores ou ser pontuado por meio de observação direta da criança no contexto escolar. Esse teste mensura o desempenho escolar da criança em tarefas não acadêmicas que fornecem suporte à participação da criança na educação infantil e no ensino fundamental: • Parte I (participação): avalia a participação da criança em seis ambientes escolares distintos: sala de aula, pátio/recreio, transporte casa/escola/casa, banheiro, transições na sala de aula e/ou entre ambientes escolares e hora da refeição/lanche. • Parte II (necessidade de assistência na realização de tarefas): avalia a necessidade da assistência do adulto e/ou adaptações durante as tarefas escolares físicas e cognitivas/comportamentais. • Parte III (desempenho da atividade): avalia o desempenho da criança em atividades físicas e cognitivo-comportamentais especí�cas do contexto escolar119. O SFA ainda não foi traduzido para o português, mas se trata de um teste válido e con�ável e tem sido utilizado para avaliar a atividade e a participação de crianças brasileiras125. O componente atividade tem grande relevância na avaliação, no estabelecimento de metas e na escolha das intervenções �sioterapêuticas para a criança com PC. De acordo com as evidências mais atuais acerca dos processos de avaliação e intervenção, a avaliação da atividade deve anteceder a avaliação das estruturas e funções do corpo126,127. A identi�cação de limitações em atividades pode direcionar a busca por possíveis de�ciências. Por exemplo, caso seja identi�cado que a criança apresenta alguma limitação na velocidade da marcha, devem ser investigadas, dentre outras variáveis, a força e a extensibilidade dos músculos �exores plantares. A atividade deve ser investigada utilizando-se parâmetros quanti�cáveis, preferencialmente por meio de instrumentos padronizados. Serão descritos a seguir instrumentos que avaliam o desempenho em atividades – PEDI128,129, PEDI-CAT120,130 e Questionário de Experiência de Crianças no Uso da Mão (Children’s Hand-Use Experience Questionnaire – CHEQ)131,132; instrumentos que avaliam a capacidade em realizar atividades de mobilidade – Medida da Função Motora Grossa (Gross Motor Function Measure – GMFM)133,134, Teste de Caminhada de 10 Metros135, Teste de Caminhada de 6 Minutos136 e Timed up and Go Test modi�cado (mTUG)137; e instrumentos que avaliam a capacidade de realizar atividades com os MMSS – Teste de Função Manual Jebsen-Taylor (Jebsen-Taylor Test of Hand Function – JTTHF)138 e Teste de Destreza Manual Box & Block (Box & Block Test of Manual Dexterity – BBT)139. O PEDI tem por objetivo fornecer informações sobre a funcionalidade de crianças entre 6 meses e 7 anos e meio de idade, mas pode ser utilizado em crianças maiores, desde que o desempenho seja compatível com o de crianças dessa faixa etária128. Esse instrumento foi traduzido para o português e adaptado culturalmente para o Brasil, sendo um dos mais conhecidos e utilizados na prática clínica no país129. Pode ser aplicado por meio de observação direta, julgamento clínico ou entrevista estruturada, sendo a última a mais comumente utilizada. Divide-se em três partes: habilidades funcionais, assistência do cuidador e modi�cações do ambiente. Cada parte abrange três áreas: autocuidado, mobilidade e função social. O escore bruto obtido em cada parte/área pode ser convertido em escore normativo e escore contínuo. A partir do escore normativo é possível determinar se a criança se encontra atrasada, dentro da normalidade ou adiantada em relação ao desempenho de crianças com desenvolvimento normal da mesma faixa etária. Já o escore contínuo torna possível localizar o repertório apresentado pela criança em um mapa de itens, organizado de acordo com o nível de di�culdade de cada item do teste, em uma escala contínua de 0 a 100129. Em 2012, o PEDI foi revisado e foi desenvolvida a segunda versão, denominada PEDI-CAT120. Essa versão já foi traduzida para o português e sua licença para utilização está disponível no site: https://www.pedicat.com/130. O PEDI-CAT informa sobre a funcionalidade de crianças, adolescentes e jovens adultos, de 0 a 20 anos de idade, em quatro domínios: atividades diárias, mobilidade, social/cognitivo e responsabilidade, sendo os três primeiros domínios relacionados com as atividades e o último com a participação130. O CHEQ é um questionário indicado para avaliação da experiência de uso da mão afetada por crianças com PC unilateral no desempenho de atividades bimanuais na rotina diária. Pode ser respondido via internet (ou seja, online) pelos pais/cuidadores ou por adolescentes a partir de 13 anos de idade131. Traduzido e adaptado culturalmentepara crianças e adolescentes brasileiros132, encontra-se disponível no endereço eletrônico: http://www.cheq.se/. A capacidade da criança de realizar atividades motoras grossas pode ser avaliada pelo GMFM, um instrumento válido, con�ável e amplamente utilizado na prática clínica e em pesquisas da área140-142. O GMFM avalia a atividade motora grossa em cinco dimensões: (A) deitar e rolar; (B) sentar; (C) engatinhar e ajoelhar; (D) de pé; (E) andar, correr e pular143. Cada item é avaliado de maneira observacional pelo terapeuta, que pontua a criança de acordo com a capacidade demonstrada no momento da avaliação: 0 – não inicia a atividade; 1 – inicia; 2 – realiza parcialmente; 3 – completa a atividade. A primeira versão do instrumento, com 88 itens (GMFM-88), está indicada para a avaliação de crianças com PC, principalmente aquelas com maior comprometimento motor (p. ex., GMFCS V), e crianças com diferentes condições de saúde (p. ex., síndrome de Down). A versão reduzida, com 66 dos 88 itens iniciais (GMFM-66), é utilizada apenas para a avaliação das crianças com PC, principalmente aquelas com níveis I a IV do GMFCS142,143. No GMFM-66, a pontuação da criança em cada item é inserida no so�ware Gross Motor Ability Estimator (GMAE), que converte os escores e os transforma em uma escala intervalar da atividade motora grossa. O GMAE fornece um mapa de itens por ordem de di�culdade, identi�cando as habilidades motoras que a criança apresenta e aquelas que ela é capaz de realizar dentro do repertório de atividades compatíveis com a pontuação obtida134,142,143. Esse mapa de itens tem grande utilidade no planejamento dos objetivos e intervenções terapêuticas (Figura 4.3). Figura 4.3 Mapa de itens obtido pela avaliação com GMFM-66 de criança com PC diplégica, 3 anos, GMFCS II. Os números circulados representam a pontuação obtida em cada item, a linha vertical contínua indica o escore total e as linhas pontilhadas delimitam o intervalo de confiança. Os itens à esquerda das linhas representam as habilidades consolidadas no repertório motor da criança, e os itens à direita, aquelas que ainda não foram adquiridas por completo. O intervalo entre as linhas pontilhadas representa as habilidades que a criança é capaz de realizar, sendo possível estipular como objetivo terapêutico o aumento das pontuações dos itens que se encontram nesse intervalo. Por exemplo, no item 59, a pontuação máxima (3 pontos) ainda não foi atingida, porém se encontra dentro do intervalo, podendo ser traçada como objetivo terapêutico a ser alcançado a curto prazo, qual seja: conseguir passar da postura sentada no banco para a de pé sem apoio dos membros superiores (item 59). O GMFM apresenta altos níveis de validade, con�abilidade e responsividade, o que indica que ele é capaz de detectar diferença mínima clinicamente importante para crianças com PC141,143. A partir dos resultados do GMFM é possível mensurar a capacidade da criança de realizar atividades motoras, determinar objetivos terapêuticos, detectar mudanças ao longo do tempo e veri�car o resultado de intervenções, bem como facilitar a comunicação com a família acerca das conquistas da criança143,144. Em 2013 foi publicada a segunda edição do manual, que conta com duas versões abreviadas do GMFM-66: a versão Conjunto de Itens (GMFM-66 Item Set) e a versão Basal & Teto (GMFM-66 Basal & Ceiling), que possibilitam a aplicação mais rápida do GMFM133,145. Na versão GMFM-66 Item Set, a criança é avaliada em três itens decisivos e sua capacidade nesses itens indica o conjunto de itens que deve ser administrado dentre quatro possíveis. Esses conjuntos de itens foram de�nidos a partir de algoritmo que identi�ca itens signi�cativos para serem testados em cada criança, dependendo da capacidade que demonstram nos três itens decisivos. Na versão GMFM-66 Basal & Teto, a idade e o nível do GMFCS da criança indicam a partir de qual item deve ser iniciada a administração do teste. Ambas as versões abreviadas apresentam alta concordância com o GMFM-66 completo. Além das versões abreviadas, foi criada a segunda versão do GMAE (GMAE-2), que torna possível localizar a criança, de acordo com seu resultado no GMFM-66, nas curvas percentilares de referência para cada GMFCS, bem como calcular os escores de todas as versões do GMFM133. O manual do GMFM foi traduzido para o português, e a segunda versão já disponibiliza as informações das novas versões do GMFM e o GMAE-2134. Para avaliar a capacidade relacionada com a atividade de deambular ou a capacidade de marcha, principalmente de crianças classi�cadas nos níveis I a III do GMFCS, podem ser utilizados testes válidos, rápidos e simples, como o Teste de Caminhada de 10 Metros e o Teste de Caminhada de 6 Minutos39,101,135,146. O Teste de Caminhada de 10 Metros é realizado para documentar a velocidade de marcha, utilizando-se um cronômetro para registrar o tempo gasto pela criança para percorrer uma distância de 10 metros, a qual é incentivada a andar o mais rápido possível135. Um espaço de no mínimo 14 metros é necessário para a aplicação do teste, uma vez que os dois metros iniciais e os dois �nais não são computados para o cálculo da velocidade por serem considerados períodos de aceleração e desaceleração, respectivamente. Já o Teste de Caminhada de 6 Minutos é considerado um teste submáximo, realizado em um espaço de 30 metros, no qual é mensurada a distância percorrida pela criança em um período de 6 minutos. A criança deve ser incentivada verbalmente a cada minuto, e a frequência cardíaca, bem como sinais de dispneia e fadiga, deve ser monitorada no início e durante o percurso, utilizando-se a escala de Borg136 (veja o Capítulo 23). O mTUG, outro teste válido e de fácil aplicação, avalia a capacidade de mobilidade, especi�camente as capacidades de mudar e manter a posição do corpo e se mover34,147. Baseia-se no tempo que a criança necessita para levantar de uma cadeira, caminhar 3 metros, girar, retornar à posição inicial e sentar novamente na cadeira147. As modi�cações do TUG para o mTUG envolvem a utilização de uma cadeira com encosto sem apoio de braços e altura do assento apropriada a cada criança, além de fornecer uma tarefa motivadora para a criança, como pedir para tocar uma estrela na parede antes de realizar o giro e voltar para se sentar137,148. A atividade manual pode ser avaliada pelo JTTHF e pelo BBT. O primeiro teste consiste na mensuração do tempo gasto para completar tarefas unimanuais, como virar cartas, pegar e colocar objetos pequenos dentro de recipiente, simular alimentação com utensílios, empilhar blocos e transportar latas138,149. O examinador cronometra o tempo gasto pela criança para realizar cada tarefa, primeiro com o membro superior dominante e em seguida com o não dominante. O limite de tempo para completar cada uma das tarefas com cada membro superior é de 180 segundos. Caso a criança exceda esse tempo, o examinador deve parar o cronômetro e passar para a tarefa seguinte. O escore é dado a partir do somatório de tempo, em segundos, gasto para completar todas as tarefas. No BBT, a criança é solicitada a pegar cubos de madeira de 2cm e transportá-los de um compartimento para o outro de uma caixa de madeira durante 60 segundos139. A criança deve transportar somente um bloco de cada vez, iniciando o teste com o membro superior dominante e repetindo- o, em seguida, com o membro não dominante. O escore é dado a partir do número de blocos transportados em 60 segundos com cada um dos MMSS. Em ambos os testes, a criança deve estar sentada em banco ou cadeira de altura adequada com apoio do tronco e dos pés. Estruturas e funções do corpo A partir dos resultados nos aspectos relacionados com a atividade e a participação, o �sioterapeuta será direcionado para a escolha de instrumentos e testes para avaliar as estruturas e funções corporais que possivelmente apresentarão disfunções. A força muscular em crianças com PC pode ser veri�cada por meio do teste de força muscular manual, considerado o mais utilizado naprática clínica, apesar de seu caráter relativamente subjetivo. O teste gradua a força entre 0 e 5, que varia de ausência de contração até contração contra resistência máxima. Entretanto, é difícil graduar a força aplicada pelo examinador nos graus 4 e 5 de maneira objetiva em crianças, sendo mais con�ável o uso do teste naquelas com grau de força inferior a 4150,151. A avaliação da força muscular de todos os grupos musculares demanda tempo e a cooperação do avaliado, sendo mais difícil em crianças com menos de 6 anos de idade. Dessa maneira, Je�ries et al.152 propuseram a criação de uma escala denominada Functional Strength Assessment (FSA), que inclui a avaliação da força do tronco e das extremidades em crianças com PC classi�cadas em todos os níveis do GMFCS, entre 1 ano e meio e 5 anos de idade. Essa escala se utiliza de procedimentos similares ao teste de força muscular manual e gradua oito grandes grupos musculares, que compreendem os �exores e extensores de pescoço e tronco, os �exores de ombro direito e esquerdo, os extensores de quadril direito e esquerdo e os extensores de joelho esquerdo e direito. A soma da pontuação em cada item oferece um escore total e pode ser utilizada para monitorar as alterações ao longo do tempo152. Essa escala se encontra disponível no endereço eletrônico: https://www.canchild.ca/system/tenon/assets/attachments/000/000/468/orig inal/Muscle_Strength.pdf. O teste de repetição máxima é outro método quantitativo de mensuração da função muscular de fácil aplicação e que tem sido bastante usado para direcionar a intensidade de treinamentos de força muscular de crianças com PC153. O teste avalia a carga máxima suportada pela criança durante a realização de uma ou mais repetições. A carga máxima suportada em uma repetição (1RM) representa a força máxima que a criança é capaz de gerar, enquanto que a carga máxima suportada em mais repetições (isto é, 10RM) é representativa da resistência muscular153. A mensuração da ADM articular passiva é comumente realizada por meio do goniômetro, mas fatores como a experiência do examinador e o posicionamento adequado da criança podem comprometer a con�abilidade dessa medida154. Bartlett155 propôs a utilização do Spinal Alignment and Range of Motion Measure (SAROMM) para crianças com PC. Esse instrumento se divide em duas seções: (1) alinhamento da coluna espinhal; (2) ADM e extensibilidade muscular. Apresenta um total de 26 itens, e o escore de cada item varia entre 0 (isto é, alinhamento normal sem nenhuma limitação passiva) e 4 (isto é, apresenta limitação �xa, estrutural, estática, não redutível e severa). É considerado um método válido, con�ável, simples e responsivo para detectar alterações do alinhamento da coluna espinhal e das de�ciências em ADM articular em crianças com PC155,156, porém ainda não foi traduzido para a língua portuguesa. O SAROMM se encontra disponível no endereço eletrônico: https://canchild.ca/system/tenon/assets/attachments/000/000/088/original/S AROMM.pdf. A avaliação do tônus muscular consistia em um dos parâmetros mais importantes no modelo tradicional de avaliação �sioterapêutica de crianças com PC, porém, atualmente, não tem sido considerada uma medida de desfecho relevante para elaboração de metas de tratamento �sioterapêutico. O aumento no tônus muscular (hipertonia) na PC pode estar associado à espasticidade e/ou a alterações nas propriedades mecânicas do músculo, como aumento em sua rigidez em razão da maior concentração de tecido conectivo intramuscular54. Os meios de avaliação da espasticidade em crianças com PC têm sido muito questionados na literatura62. Na prática clínica, a escala modi�cada de Ashworth é o método comumente utilizado para medir espasticidade157, porém essa escala gradua a presença de hipertonia e depende da interpretação subjetiva do avaliador e da velocidade de alongamento muscular158. A escala modi�cada de Ashworth avalia o grau de resistência à movimentação passiva em 0 (ou seja, tônus muscular normal) a 4 (ou seja, hipertonia com partes rígidas em �exão ou extensão)157. A escala não apresenta resultados satisfatórios no que diz respeito a suas propriedades psicométricas, principalmente con�abilidade159. Outro teste, com maiores índices de con�abilidade, que pode ser utilizado para avaliação da espasticidade é a escala de Tardieu, que leva em consideração a resistência ao movimento passivo tanto em baixa como em alta velocidade160. O teste é aplicado da seguinte maneira: primeiro passo: mede-se com o goniômetro a ADM passiva total da articulação de interesse (R2), realizando o movimento do modo mais lento possível; segundo passo: posteriormente, realiza-se o mesmo movimento com alta velocidade e é medida a ADM máxima (R1) obtida, considerando a reação da musculatura; terceiro passo: o valor de R1 é subtraído do valor de R2, e o resultado representa um componente quantitativo da resposta muscular a um estímulo de estiramento rápido160. A estabilidade postural de crianças com PC pode ser mensurada por meio da Avaliação Clínica Precoce do Equilíbrio (Early Clinical Assessment of Balance – ECAB). O ECAB é um instrumento com 13 itens que pode ser utilizado em crianças com PC entre 1 ano e meio e 5 anos de idade, classi�cadas em qualquer nível do GMFCS161. Foi elaborado utilizando itens do Movement Assessment of Infants162 e da Escala de Equilíbrio Pediátrica163. Apresenta duas partes: a parte I avalia a estabilidade postural da cabeça e do tronco, e a parte II, a estabilidade nas posturas sentada e de pé. Caso a criança seja classi�cada nos níveis III a V do GMFCS, a administração do teste deve ser iniciada na parte I. Nos casos de crianças classi�cadas nos níveis I e II é possível iniciar o teste a partir da parte II. Esse instrumento foi desenvolvido pelo Move & PLAY Study da CanChild, e a versão traduzida para o português se encontra disponível no endereço: https://canchild.ca/system/tenon/assets/attachments/000/001/506/original/T radu%C3%A7%C3%A3o_Avalia%C3%A7%C3%A3o_Cl%C3%ADnica_Pre coce_do_Equil%C3%ADbrio_ECAB_28mar2016.pdf. Utilizada para fazer inferências sobre a disfunção do equilíbrio de crianças entre 5 e 15 anos de idade163, a Escala de Equilíbrio Pediátrica (EEP) é composta por 14 itens, cada um dos quais é pontuado de 0 a 4. A pontuação máxima da escala é 56 e, quanto maior o escore, melhor o equilíbrio164. A versão em português dessa escala está disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rb�s/v16n3/pt_aop022_12.pdf. Cabe ressaltar que o equilíbrio é considerado uma função vestibular, mas o conteúdo da EEP contempla itens de atividade34. O padrão de marcha pode ser avaliado por meio de escalas observacionais. A Physician Rating Scale (PRS) possibilita a avaliação qualitativa da marcha mediante análise de �lmagem da marcha nas vistas anteroposterior e lateral em uma distância mínima de 6 metros. A PRS contém seis itens que avaliam a posição do joelho no médio apoio, contato inicial do pé, contato do pé no médio apoio, tempo de levantamento do calcanhar, base de suporte e dispositivos que auxiliam a marcha165,166. A literatura disponibiliza outras escalas que avaliam o padrão de marcha de crianças com PC. Araújo et al.167 propuseram uma Escala Observacional de Marcha para crianças com PC com 24 itens por meio dos quais são avaliados os movimentos articulares do tornozelo/pé, joelho, quadril e pelve nas diferentes fases da marcha. As inúmeras de�ciências que a criança com PC pode apresentar, como desalinhamento e sobrecarga articular precoce, aumento da rigidez, dentre outras, podem resultar em dor aguda ou crônica. Entretanto, a dor é subestimada nessas crianças, levando-as a apresentar ainda mais limitações em atividades e restrições na participação168. Para avaliação da dor em crianças com PC a literatura disponibiliza inúmeros instrumentos que podem ser escolhidos a partir do grau de funcionalidade da criança, mas a maioria das escalas que detalham os variados aspectos da dor não foi traduzida para o português168. Na prática clínica, uma escalade fácil aplicação que pode ser utilizada em crianças com PC é a Escala Visual Analógica de Faces169 (Figura 4.4). Figura 4.4 Escala Visual Analógica de Faces de Wong Baker. Diagnóstico �sioterapêutico Ao �nal da avaliação, o �sioterapeuta organiza os dados coletados para elaboração do diagnóstico �sioterapêutico. Segundo a American Physical �erapy Association e a World Confederation for Physical �erapy, o objetivo do diagnóstico é orientar os �sioterapeutas na determinação do prognóstico e das estratégias de intervenção mais apropriadas para os pacientes/clientes, assim como o compartilhamento de informações170,171. O diagnóstico �sioterapêutico é resultado de um processo de raciocínio clínico que implica a identi�cação de de�ciências, limitações em atividades e restrições na participação, além de fatores que in�uenciam a funcionalidade de maneira positiva ou negativa170,171. Logo, o diagnóstico �sioterapêutico da criança com PC deve incluir um resumo das restrições, limitações e de�ciências mais relevantes encontradas na avaliação e que contribuam para a tomada de decisão com relação às estratégias de intervenção. PLANEJAMENTO E TRATAMENTO FISIOTERAPÊUTICO2 As intervenções �sioterapêuticas devem ser selecionadas com base nos três pilares da Prática Baseada em Evidência, quais sejam: as preferências da criança e de sua família, a experiência clínica dos terapeutas e a melhor evidência cientí�ca disponível111,172,173. Existem muitas modalidades terapêuticas disponíveis para o tratamento da criança com PC, sendo a última década marcada por uma expansão rápida e signi�cativa do corpo de evidências, possibilitando o emprego de intervenções mais novas, seguras e e�cazes111,174. A literatura contemporânea sobre as novas abordagens para crianças com PC descreve uma mudança no foco das intervenções, anteriormente direcionadas à remediação de alterações (ou seja, “inibir re�exos primitivos”, “normalizar tônus muscular”, “diminuir mecanismos compensatórios”) e, mais recentemente, concentrando-se na promoção de aspectos relacionados com a atividade e a participação da criança (ou seja, “correr”, “andar de bicicleta”, “entrar no ônibus de maneira independente”, “vestir-se sozinha”, dentre outros)111,126,127,172. Essa mudança de concepção no estabelecimento de objetivos terapêuticos re�ete melhor os interesses e as necessidades das crianças e de suas famílias, além de estar em consonância com a estrutura proposta pela CIF38,111,126,127. A PC é uma condição de saúde complexa que demanda da equipe de reabilitação um trabalho em conjunto no planejamento das intervenções. Os objetivos terapêuticos devem ser direcionados à criança em seus diferentes contextos, estabelecidos em conjunto com a família, de modo a abordar todos os componentes da CIF (isto é, participação, atividade, estrutura e função, fatores pessoais e fatores ambientais), devendo cada membro da equipe direcionar os esforços para as áreas de sua competência38. O estabelecimento de objetivos representa parte fundamental do planejamento terapêutico172, os quais devem ser especí�cos (S – speci�c), mensuráveis (M – measurable), alcançáveis (A – attainable), relevantes para a criança (R – relevant) e com tempo estipulado para serem alcançados (T – time- based)175. Os objetivos �sioterapêuticos para as crianças com PC podem ser divididos em de curto prazo e de longo (ou médio) prazo. Os objetivos �sioterapêuticos de curto prazo devem ser direcionados à aquisição das habilidades emergentes e re�etir as necessidades prioritárias da criança em cada fase do desenvolvimento172. A avaliação deve ser pautada em critérios objetivos e mensuráveis para facilitar o planejamento terapêutico, a orientação aos pais e o acompanhamento da evolução da criança e dos resultados das intervenções. Os testes padronizados auxiliam sobremaneira a de�nição de objetivos, o acompanhamento da evolução da criança e o fornecimento de feedback às famílias. Um excelente teste padronizado, que ajuda a de�nir objetivos a curto prazo e a acompanhar a evolução da criança com PC em relação ao desempenho em atividades motoras grossas, é o GMFM. Como descrito anteriormente, o GMFM-66, por meio do GMAE, fornece um mapa de itens que revela as habilidades motoras que a criança apresentou na avaliação e aquelas que a criança tem capacidade de adquirir em curto espaço de tempo, as quais podem ser delineadas como objetivos a curto prazo133,134. São exemplos de objetivos �sioterapêuticos de curto prazo estabelecidos a partir da avaliação do componente atividade: conseguir passar da posição sentada no chão para a sentada no banco; conseguir passar da posição sentada para a de pé sem apoio; conseguir �car de pé sem apoio; conseguir colocar a bermuda sem auxílio, dentre outros. As atividades escolhidas como objetivos terapêuticos precisam oferecer uma demanda desa�adora, mas que possam ser alcançadas pela criança. A aquisição da locomoção independente, principalmente a aquisição da marcha, é um dos objetivos mais almejados pelas famílias e, frequentemente um dos objetivos terapêuticos traçados para crianças classi�cadas nos níveis I a IV do GMFCS39,135. A avaliação da marcha deve ser objetiva e padronizada para que os objetivos possam ser adequadamente construídos. São exemplos de objetivos relacionados com a marcha: conseguir dar 10 passos com auxílio de muletas; conseguir dar 10 passos sem apoio; aumentar a velocidade de marcha; conseguir andar, parar e retornar; aumentar o comprimento de passo; conseguir andar da sala de casa até o quarto. Além das demandas relacionadas com as atividades, aspectos relativos à participação social aparecem frequentemente entre as queixas principais da criança e da família, como, por exemplo, “conseguir brincar com os amigos”. Os objetivos relacionados com a participação da criança em seus diferentes contextos, quais sejam, casa, escola e comunidade, assim como aqueles relacionados com outros componentes da CIF, são mediados pelos fatores pessoais (p. ex., idade, cognição, motivação, outras condições de saúde) e pelas barreiras e facilitadores ambientais (p. ex., condição socioeconômica, acesso a órteses e dispositivos de suporte para a mobilidade, acessibilidade física, atitudes dos pares, dentre outros). São exemplos de objetivos direcionados à participação: conseguir participar da educação física na escola; ir ao shopping com os amigos utilizando muletas; participar das tarefas domésticas, como arrumar o próprio armário, e conseguir se alimentar de maneira independente. De�ciências nas estruturas e funções do corpo, como fraqueza muscular, hipertonia, encurtamentos musculares e desalinhamento articular, são frequentemente observadas em crianças com PC1. A avaliação direcionada e padronizada das estruturas e funções do corpo contribui para o raciocínio clínico e para o planejamento terapêutico. São exemplos de objetivos �sioterapêuticos a curto prazo direcionados às de�ciências: diminuir a dor; aumentar a força concêntrica do músculo tríceps sural; aumentar a amplitude de movimento de extensão do punho, dentre outros. Para que esses objetivos sejam estabelecidos é necessário que valores quantitativos de dor, força, ADM e de outras variáveis sejam documentados por meio de avaliação padronizada. Devem ser evitados objetivos imprecisos e aqueles relacionados com mudanças em variáveis que não têm métodos válidos e con�áveis de mensuração, como, por exemplo, “trabalhar a força”, “melhorar a propriocepção” e “melhorar a dissociação de cinturas”126,172. Objetivos e estratégias terapêuticas direcionados às estruturas e funções do corpo não implicam necessariamente melhora no nível de atividades e participação. Em outras palavras, um treinamento de força muscular do músculo quadríceps pode resultar em aumento da força desse músculo, mas não necessariamente na melhora da atividade de passar da posição sentada para a de pé111,126,172. Os objetivos �sioterapêuticos a longo (ou médio) prazo representam as metas futuras, levando em consideração os diferentesaspectos relacionados com a funcionalidade da criança, observados durante a avaliação, e o prognóstico da criança com PC previsto por seu GMFCS para cada uma das idades correspondentes14. A partir da de�nição do nível de GMFCS, é possível estabelecer objetivos a longo prazo condizentes com as prováveis habilidades futuras da criança, como, por exemplo, adquirir marcha independente com dispositivo de auxílio na escola – para uma criança de 2 anos de idade que ainda se mantém sentada com apoio, classi�cada no nível III do GMFCS. Os objetivos a longo prazo também podem estar relacionados com a prevenção de de�ciências nas estruturas e funções do corpo, que deve ser continuamente abordada no planejamento das intervenções, como, por exemplo: prevenir a subluxação de quadril; prevenir o desalinhamento em valgo do calcâneo; prevenir o encurtamento dos músculos �exores do joelho. Após de�nição dos objetivos a longo prazo, a família e a equipe de reabilitação devem unir esforços para que esses objetivos sejam alcançados, eliminando barreiras, oferecendo recursos e desenvolvendo estratégias para favorecer a participação social e a qualidade de vida dessas crianças e adolescentes. Muitas vezes, é necessário realizar visitas domiciliares e escolares e prescrever tecnologias assistivas e adaptações ambientais, dentre outras intervenções, sempre de acordo com as necessidades da família e com a equipe de reabilitação. Após a de�nição dos objetivos a serem alcançados até a avaliação subsequente, considerando as relações entre as de�ciências, limitações, restrições e fatores contextuais encontrados, é necessário selecionar as intervenções mais e�cazes e adequadas para alcançar esses objetivos. Convém enfatizar que o componente da CIF estabelecido no objetivo deve ser o mesmo do teste de avaliação e da intervenção escolhida para que seja alcançado o resultado esperado38,126. As reavaliações apuram o resultado da intervenção por meio da conferência dos objetivos propostos, aplicando-se os mesmos testes utilizados na primeira avaliação, e auxiliam a identi�cação de novas habilidades emergentes para o replanejamento terapêutico. Para gerenciamento das metas alcançadas pode-se utilizar a Goal Attainment Scaling (GAS). Na GAS, as metas são ponderadas pelo grau de di�culdade e relevância, sendo possível pontuar cada uma das metas estabelecidas e alcançadas no curso da intervenção175. Diante das inúmeras intervenções descritas na literatura, foram selecionadas as que apresentam maior corpo de evidência cientí�ca que ateste sua e�cácia111 e algumas que, apesar de não contarem com comprovação cientí�ca tão consistente, vêm sendo muito utilizadas na prática clínica, as quais serão descritas a seguir. PRÁTICA ORIENTADA À TAREFA (GOAL-DIRECTED TRAINING OR FUNCTIONAL TRAINING) Trata-se da prática especí�ca de tarefas com base nas metas estabelecidas para cada criança em conjunto com a família, utilizando-se a abordagem de aprendizado motor111,176. A capacidade de melhorar e adquirir novas habilidades motoras depende, dentre outros fatores, do aprendizado motor176. A efetivação da aprendizagem motora implica que as mudanças no comportamento motor são mantidas após o período de aquisição das habilidades em razão das mudanças e adaptações dos diferentes sistemas envolvidos na tarefa. Outra característica do aprendizado é a transferência de habilidades recém-adquiridas para outras tarefas similares. As intervenções fundamentadas nos princípios de aprendizagem motora incluem elementos como a prática intensiva e especí�ca de tarefas motoras de membros superiores ou inferiores com participação ativa da criança176. Essa abordagem tem o potencial de melhorar o desempenho nas tarefas de autocuidado e na atividade motora grossa (nível de evidência 3b)177,178. A prática orientada à tarefa tem sido incorporada como componente de diferentes intervenções, como os treinamentos intensivos do membro superior179,180, intervenções que utilizam realidade virtual181 e programas domiciliares182, dentre outras. Essas intervenções e as evidências de seus efeitos serão descritas ao longo deste capítulo. PROGRAMAS DOMICILIARES (HOME PROGRAMS) Programas domiciliares são atividades terapêuticas que a criança desempenha com a assistência dos pais, no ambiente doméstico, para alcançar os objetivos propostos183. Os programas domiciliares são uma boa estratégia para diminuir os custos com as terapias realizadas em serviços especializados e para se atingir alta intensidade das terapias184. A partir da prática regular de atividades em casa, os pais maximizam o potencial de seus �lhos e, utilizando o apoio que recebem para a realização do programa, se tornam mais con�antes nos cuidados com eles183. Os programas domiciliares não são um modelo especí�co de intervenção, mas um meio de oferecer a terapia proposta, que deve apresentar alto nível de evidência para garantir os resultados de aplicação em casa183. Nos programas domiciliares, os pais são treinados e recebem suporte dos terapeutas. Existem alguns pré-requisitos básicos para a realização desses programas, quais sejam: • Estabelecer parceria colaborativa, na qual os pais são os especialistas no conhecimento da criança e do ambiente familiar. • Permitir que a criança e a família de�nam quais objetivos desejam trabalhar no ambiente domiciliar. • Escolher intervenções fundamentadas em evidências, que estejam em consonância com os objetivos da criança e da família, e capacitar os pais para planejar ou trocar de atividades conforme a rotina familiar e as preferências da criança. • Fornecer apoio e orientação regulares para que a família seja capaz de identi�car a melhora da criança e ajustar o programa conforme necessário. • Avaliar os resultados em conjunto com a família183. O sucesso do programa domiciliar depende da escolha adequada de intervenções comprovadamente e�cazes, do respeito às preferências dos pais e da criança e do treinamento e suporte contínuo aos cuidadores para implementação do programa183. Diversas intervenções que serão descritas neste capítulo podem e são frequentemente realizadas no ambiente domiciliar, como um programa de fortalecimento muscular185, suporte parcial de peso186 e treino intensivo dos membros superiores182, dentre outras. Existe evidência de que programas domiciliares que adotam a abordagem de prática orientada à tarefa resultam em aumento signi�cativo do desempenho em atividades em crianças com PC (nível de evidência 1b)182,187. A intensidade e a frequência dos programas domiciliares, bem como as tarefas a serem realizadas, dependem da modalidade de intervenção que será aplicada. TERAPIA DE MOVIMENTO INDUZIDO POR RESTRIÇÃO E TREINO INTENSIVO BIMANUAL DE BRAÇO E MÃO (CONSTRAINT INDUCED MOVEMENT THERAPY – CIMT E HAND- ARM BIMANUAL INTENSIVE TRAINING – HABIT) De�nição As técnicas de alta intensidade de treinamento dos MMSS, como a Terapia de Movimento Induzido por Restrição (CIMT) e o Treino Intensivo Bimanual de Braço e Mão (HABIT), visam à promoção de atividades manuais de crianças com PC unilateral (ou seja, hemiplégica)188. O membro superior afetado da criança com PC unilateral apresenta de�ciências estruturais e funcionais, além de redução na destreza para o desempenho de atividades, especialmente as bimanuais, que necessitam do uso coordenado de ambas as mãos23,189. A CIMT é caracterizada pela restrição do membro superior não afetado, associada ao treino intensivo do membro afetado, com o objetivo de “forçar” o uso desse membro, além de utilizar métodos comportamentais que visam aumentar a adesão da criança à intervenção189,190. O HABIT objetiva melhorar a quantidade e a qualidade do uso do membro superior afetado em atividades bimanuais, mantendo os mesmos princípios da CIMT, porém sem a restrição do membro não afetado191. O HABIT surgiu a partir da identi�cação de algumas limitações da CIMT, especialmente do fato de a CIMT ser centrada em atividades unimanuais, embora as maiores limitações de crianças com PC unilateral estejam relacionadascom atividades bimanuais191. Além disso, a restrição do membro não afetado pode causar desconforto e frustração na criança192,193. Ambas as técnicas apresentam os seguintes elementos: prática estruturada de tarefas com foco nas limitações da atividade e não na correção de padrões considerados incorretos; shaping (isto é, aumento gradual da di�culdade e complexidade da tarefa); repetição da atividade e resolução de problemas por parte da criança191. Aplicação da técnica A restrição utilizada na CIMT pode ser realizada por meio de luva, tipoia, tala ou gesso, dependendo do conforto e da segurança da criança194,195. Enquanto o membro não afetado está contido, a criança executa tarefas motoras com di�culdade progressiva (shaping) e de maneira repetida, conforme a avaliação da criança e os objetivos estabelecidos para a intervenção. Durante a prática das tarefas, a criança deve receber reforço positivo acerca de suas conquistas e evolução para que se sinta motivada a desempenhar as atividades com o membro afetado (Figura 4.5). No HABIT, as atividades são realizadas sempre com os dois membros superiores em atividades bimanuais, seguindo os mesmos princípios da CIMT (Figura 4.6). Figura 4.5A e B Exemplos de atividades utilizadas durante a CIMT. Figura 4.6A a C Exemplos de atividades utilizadas durante o HABIT. Inicialmente, o protocolo da CIMT para crianças sugeria a intensidade de 6 horas diárias de terapia; entretanto, diversos estudos buscam demonstrar efeitos positivos das técnicas com intensidades mais baixas para aumentar a tolerância da criança196. As intensidades de ambas as técnicas variam, principalmente, entre 3 e 6 horas diárias, por 1 a 10 semanas, com o total de 24 a 210 horas de tratamento194,195,197. Na CIMT, a restrição varia desde 2 horas diárias até o dia inteiro194. As técnicas são aplicáveis a crianças (geralmente com idade superior a 4 anos de idade) e adolescentes com PC unilateral ou com atividade assimétrica do membro superior, classi�cadas nos níveis I a III do MACS194,195,197. A CIMT tem sido utilizada também em crianças com menos de 2 anos de idade com protocolos de 30 minutos por dia, 6 dias por semana, durante 12 semanas, demonstrando resultados signi�cativos na melhora e no desenvolvimento precoce da atividade manual (nível de evidência 2b)198,199. As terapias podem ser realizadas em consultórios, centros de reabilitação, escolas ou no ambiente domiciliar por �sioterapeutas, terapeutas ocupacionais ou por cuidadores treinados e sob supervisão dos terapeutas197,200-202. Evidências Tanto a CIMT como o HABIT apresentam efeitos positivos na melhora da qualidade e quantidade de uso espontâneo do membro superior afetado, no aumento da velocidade de execução de atividades bimanuais e na melhora do desempenho e independência em atividades de autocuidado (níveis de evidência 1a, 1b e 3a)188,195,197,201-204. Uma revisão sistemática da literatura publicada recentemente comparou os efeitos das duas técnicas e demonstrou ausência de superioridade de uma em relação à outra na promoção da funcionalidade de crianças com PC unilateral (nível de evidência 3a)194. Considerações adicionais As técnicas de treinamento intensivo do membro superior estão entre as intervenções com maior comprovação cientí�ca no tratamento da criança com PC111. Ambas as técnicas apresentam efeitos positivos na melhora da atividade manual da criança com PC unilateral, de modo que os terapeutas e familiares podem optar por aquela que atenda melhor às demandas e preferências da criança. A CIMT promove melhora importante na funcionalidade do membro superior afetado; entretanto, a maioria das atividades usuais é realizada com ambas as mãos. Modelos híbridos, que se utilizam das duas técnicas no mesmo protocolo de intervenção205,206, podem ser uma boa estratégia para melhorar o uso do membro superior afetado, bem como o desempenho nas tarefas bimanuais da criança com PC com comprometimento unilateral. Outra estratégia utilizada com bons resultados consiste na repetição dos protocolos de modo intermitente para maior retenção e a aquisição de novos ganhos199,207. FORTALECIMENTO E ATIVIDADE FÍSICA (STRENGTHENING TRAINING AND PHYSICAL ACTIVITY OR FITNESS TRAINING) Descrição A fraqueza muscular e a baixa tolerância ao exercício físico são de�ciências típicas da criança com PC e podem in�uenciar seu desempenho em atividades cotidianas e esportivas208-210. Por outro lado, as crianças com PC precisam se esforçar mais e apresentam maior gasto energético para realizar suas atividades em virtude das alterações dos padrões de movimento, como as alterações da marcha74,210. Os programas de fortalecimento muscular incluem a prática de exercícios progressivos que gerem esforços superiores aos realizados no desempenho de atividades usuais com o objetivo de aumentar a força, a potência e a resistência muscular211. Já as atividades físicas, estruturadas e planejadas, envolvem movimentos repetitivos do corpo que resultam em aumento dos gastos de energia para melhorar ou manter a função dos aparelhos cardiovascular e respiratório, resultando em aumento da resistência física geral, da tolerância aos esforços e da capacidade aeróbica212,213. Aplicação da técnica Antes da prescrição de exercícios de fortalecimento, o terapeuta deve avaliar o grau de força dos diferentes grupos musculares. Os exercícios podem ser realizados de maneira livre contra a gravidade ou se utilizando de recursos que ofereçam resistência aos movimentos, como caneleiras, halteres, coletes, elásticos, pesos �xados em roldanas, molas (isto é, pilates) e aparelhos de musculação, dentre outros153,208,209,214 (Figura 4.7). Figura 4.7A a C Exemplos de dispositivos e equipamentos que oferecem carga para exercícios de fortalecimento. Ainda não existem diretrizes especí�cas para o treino de força em crianças e adolescentes com PC; entretanto, o �sioterapeuta pode adotar as diretrizes para crianças típicas da National Strength and Conditioning Association211. Essas diretrizes estabelecem os seguintes parâmetros de frequência e intensidade: aquecimento inicial de 5 a 10 minutos, uma a três séries do exercício de fortalecimento, seis a 15 repetições, com carga de 50% a 85% de 1RM (teste de repetição máxima), intervalos de 1 a 3 minutos para descanso entre as séries, 2 a 4 dias por semana, entre 8 e 20 semanas, com aumentos progressivos da resistência em 5% a 10% da carga estabelecida inicialmente153,211. Nos estudos direcionados ao fortalecimento muscular de crianças e adolescentes com PC, as intensidades variam de 40% a 70% de 1RM, uma a três séries de exercícios, entre oito e 15 repetições, duas a cinco vezes por semana, entre 8 e 16 semanas, com 5 a 10 minutos de aquecimento e 1 a 3 minutos de descanso entre as séries153,209. A maioria dos estudos recomenda o treinamento de força para crianças com mais de 6 anos de idade e classi�cadas nos níveis I a III do GMFCS153,208,209. Quando o objetivo é o aumento da força muscular (hipertro�a muscular), recomenda-se o uso de cargas maiores (60% a 70% de 1RM) com número menor de repetições. Em contraste, quando o objetivo é o aumento da resistência muscular, devem ser utilizadas cargas menores (40% a 60% de 1RM) com maior número de repetições. Por �m, quando o objetivo consiste em aumentar a potência muscular, preconiza-se a realização de exercícios com maior velocidade208,209. Para melhorar as funções dos aparelhos cardiovascular e respiratório das crianças e adolescentes com PC, os exercícios aeróbicos regulares (p. ex., caminhada, corrida, andar de bicicleta, circuitos) devem ser realizados duas a três vezes por semana com intensidade de 60% a 95% da frequência cardíaca máxima ou entre 50% e 65% do consumo máximo de oxigênio (pico de VO2), durante pelo menos 20 minutos, duas a três vezes por semana213,215. Muitos programas de exercícios para crianças com PC visam aumentar tanto a força muscular como a resistência física geral, a tolerância aos esforços e a capacidade aeróbica dessas crianças213. EvidênciasEnsaios clínicos aleatorizados comprovam a e�cácia dos exercícios de fortalecimento nos seguintes aspectos de funcionalidade: aumento da força da musculatura dos membros inferiores, principalmente dos extensores de quadril e joelho e dos �exores plantares (nível de evidência 1b)216-220; melhora na atividade motora grossa (nível de evidência 1b)217,218 e melhora de parâmetros cinemáticos da marcha (nível de evidência 2b)218. Com relação à morfologia e à arquitetura muscular, existem evidências de que os exercícios de fortalecimento promovem aumento do volume muscular, o que comprova que os músculos das crianças com PC respondem positivamente aos treinamentos de força (nível de evidência 3a)209. Estudo de revisão sistemática com metanálise identi�cou efeito maiores decorrentes de treinos de força realizados em crianças e adolescentes mais novos (até 13 anos de idade), três vezes por semanas e com sessões de 40 a 50 minutos (nível de evidência 1a)208. Recente revisão de literatura sobre os efeitos das atividades físicas na funcionalidade de crianças com PC demonstrou que os treinamentos aeróbicos melhoram a atividade motora grossa, embora não existam evidências que demonstrem o impacto desse tipo de intervenção na participação e na qualidade de vida de crianças com PC (nível de evidência 3a)213. Estudos que associam em seus protocolos exercícios de fortalecimento e treinamento aeróbico, como atividades de circuito, demonstram efeitos positivos no aumento da capacidade aeróbica, diminuição do consumo de oxigênio e melhora da atividade motora grossa (níveis de evidência 1a e 3b)221,222. Considerações adicionais Historicamente, o fortalecimento muscular não era recomendado para crianças com PC, pois se acreditava que esse tipo de treinamento poderia levar ao aumento da espasticidade nessas crianças. Entretanto, estudos atuais comprovam que o treinamento resistido melhora a função muscular e não causa efeitos adversos em crianças com PC, sendo uma técnica amplamente utilizada na prática clínica208,220,223. Os programas de treinamento de força muscular devem durar, no mínimo, de 6 a 8 semanas, uma vez que esse é o tempo mínimo para que ocorra resposta tecidual (neural e muscular) ao exercício resistido153,208,211. Em crianças com PC, no entanto, é necessário um tempo ainda maior em decorrência das de�ciências nas estruturas e funções neuromusculares dessas crianças153,208,211. Os treinos de fortalecimento muscular associados a treinos aeróbicos e a atividades, como subir e descer um degrau ou passar da posição sentada para a de pé usando um colete com pesos, têm maior potencial para que os ganhos ocorram tanto no domínio de função neuromuscular como no domínio da atividade da CIF216,217,221; entretanto, o fortalecimento isolado de um músculo é mais e�caz para o aumento de força de músculos muito fracos153. Crianças e adolescentes com maior comprometimento motor (GMFCS IV) também podem se bene�ciar do treinamento de força. Nesses casos, recursos auxiliares, como a estimulação elétrica, podem potencializar os efeitos do treinamento, incentivando as crianças a contraírem seus músculos voluntariamente153. ESTIMULAÇÃO ELÉTRICA FUNCIONAL (FUNCTIONAL ELECTRICAL STIMULATION – FES) De�nição A estimulação elétrica neuromuscular (NMES) consiste na aplicação de corrente elétrica transcutânea a músculos super�ciais inervados para estimular a contração das �bras musculares224. A estimulação elétrica funcional (FES) é um tipo de NMES, na qual a corrente elétrica é aplicada em um músculo durante a realização de atividades, o que implica a participação ativa do indivíduo. A corrente elétrica proporcionada pela FES ativa um número seletivamente maior de unidades motoras das �bras musculares do tipo II (ou seja, �bras de contração rápida), que são aquelas em menor proporção nos músculos de crianças com PC comparadas às crianças normais225. O maior recrutamento de unidades motoras pode aumentar a potência articular gerada pelo músculo estimulado e promover adaptações teciduais em longo prazo, como aumento da área de secção transversa do músculo. Aplicação da técnica Os eletrodos devem ser a�xados sobre a região correspondente ao ponto motor do músculo a ser estimulado. Em alguns aparelhos de estimulação elétrica é possível optar por uma onda simétrica ou assimétrica. No caso da simétrica, tanto o catodo (preto) como o anodo (vermelho) estão ativos; portanto, essa forma pode ser escolhida para estimular músculos maiores que apresentam mais de um ponto motor. Já na onda assimétrica, apenas o eletrodo correspondente ao catodo estará ativo e deve ser colocado sobre o ponto motor, enquanto o anodo pode ser colocado em outra região do ventre muscular, próximo ao catodo224. Os parâmetros de estimulação elétrica devem ser ajustados de acordo com a tolerância da criança, o tamanho do músculo a ser estimulado e a tarefa que será realizada. De modo geral, a duração do pulso deve ser ajustada entre 200 e 400 microssegundos, a frequência de estímulo deve ser de 26 a 35 pulsos por segundo para provocar a contração muscular, e a intensidade (amplitude da corrente em 1.000 amperes) deve ser ajustada, de maneira individualizada, conforme a tolerância de cada criança, com limite máximo de 40.000 amperes224,225. Outro parâmetro que deve ser ajustado é o tempo em que a corrente estará ligada (ON) e desligada (OFF). Ambos os tempos, ON e OFF, podem ser ajustados para 15 segundos (p. ex., para estimulação da musculatura paravertebral enquanto a criança realiza uma atividade na posição sentada)226. O tempo máximo de uso da FES de maneira contínua deve ser de 20 minutos para evitar fadiga muscular. Caso esteja disponível, o uso de um disparador remoto pode favorecer a estimulação do músculo desejado durante atividades mais dinâmicas, como a marcha. Desse modo, o terapeuta pode disparar a corrente apenas no momento em que o músculo deveria contrair (p. ex., disparo da corrente para ativação do tríceps sural no momento da impulsão na marcha) (Figura 4.8). Dentre os equipamentos portáteis de FES utilizados no Brasil, podem ser citados o Neurodyn Portable TENS/FES®, o EMPI Continuum® e o Foot Drop Stimulator®224,227. Figura 4.8A a C Exemplos do uso do disparador remoto para ativar o tríceps sural durante atividades dinâmicas. Evidências Há na literatura evidência sobre os efeitos positivos do uso da FES, embora esses efeitos variem de acordo com o músculo estimulado e também com a combinação da FES à realização de atividades. Na maioria dos estudos, o músculo estimulado é o tibial anterior durante a marcha. Essa forma de intervenção aumenta a amplitude ativa de dorsi�exão e a força muscular do tibial anterior, mas diminui a velocidade da marcha da criança (nível de evidência 3a)228. Uma revisão sistemática aponta a FES no músculo tibial anterior como uma alternativa à órtese em crianças com PC espástica; entretanto, não há dados su�cientes que embasem os ganhos nos domínios de atividade e participação (nível de evidência 3a)228. Em outra revisão sistemática sobre o efeito da FES no domínio de atividade em crianças com PC (nível de evidência 1a)229, foram incluídos cinco ensaios clínicos, sendo em cada estudo estimulado um músculo diferente: (1) glúteo médio230; (2) adutores e abdutores de quadril231; (3) tríceps sural232; (4) dorsi�exores do tornozelo e extensores do joelho durante a marcha233, e (5) abdominais e paravertebrais durante a posição sentada234. Dois estudos documentaram efeito positivo do uso da FES na velocidade da marcha (nível de evidência 1b)231,230 e um estudo encontrou melhora na atividade motora grossa (nível de evidência 1b)234 em comparação com o grupo que não utilizou FES. Os outros dois estudos não reportaram diferença signi�cativa no grupo que usou FES durante a atividade em comparação com o grupo que treinou a mesma atividade sem FES (nível de evidência 1b)232,233. Uma terceira revisão sistemática ainda sugere que a estimulação do músculo gastrocnêmio, em combinação ou não com a estimulação do tibialanterior, tem maior efeito positivo sobre os parâmetros da marcha, especialmente a velocidade, do que a estimulação isolada do tibial anterior (nível de evidência 3a)235. Considerações adicionais Os estudos mostram que a FES, quando utilizada no músculo adequado, promove aumento de força muscular e melhora a atividade motora grossa e os parâmetros cinemáticos e cinéticos da marcha de crianças com PC236. A maioria dos estudos foi realizada em crianças classi�cadas nos níveis I e II do GMFCS; portanto, existe menor evidência sobre o uso da FES em crianças com nível maior de comprometimento motor. Em acréscimo, a literatura não reporta um limite inferior de idade para utilização da FES. SUPORTE PARCIAL DE PESO CORPORAL (PARTIAL BODY WEIGHT SUPPORT) De�nição Trata-se de uma intervenção caracterizada por suportar parcialmente o peso da criança de pé, enquanto ela deambula. Por aliviar a carga corporal, esse recurso reduz as demandas impostas à criança para o treino especí�co da tarefa de deambular, possibilitando um treinamento com parâmetros de repetição e intensidade mais altos do que ela suportaria caso tivesse de lidar com seu peso corporal total237-239. Tem como objetivo principal melhorar a capacidade e o desempenho da marcha, além de aumentar a força e a resistência muscular e as funções dos aparelhos cardiovascular e respiratório. O suporte parcial do peso pode ser realizado de diversas maneiras, desde os pais ou terapeutas sustentando manualmente a criança até o uso de equipamentos mais so�sticados, que proporcionam maior estabilidade postural e minimizam a força necessária para deambular238,239. Os equipamentos de suspensão contam com um sistema de �xação e sustentação do peso corporal ajustável para cada criança. Esses equipamentos podem ser móveis ou �xados ao teto. Essa técnica tem sido muito utilizada em associação ao uso de esteiras ergométricas para o treino de marcha238,239 (Figura 4.9). Figura 4.9A Exemplo de equipamento de suspensão corporal. B Utilização do equipamento de suspensão corporal associado ao uso de esteiras ergométricas. Aplicação da técnica A quantidade de suporte ofertada pelos equipamentos disponíveis para realização da terapia deve ser individualmente ajustada com a manipulação das tiras que sustentam a criança239. A maioria dos estudos que investigaram os efeitos da técnica utilizou um suporte inicial de 30% do peso corporal (ou a menor quantidade de suporte necessária para manter a postura de pé), sendo esse valor sistematicamente reduzido até que a criança fosse capaz de deambular suportando o próprio peso239,240. Os protocolos variam, em média, de 6 a 16 semanas, 2 a 5 dias por semana, de 10 a 30 minutos por dia238-240. Enquanto a criança tem seu peso suportado, ela pode deambular sobre uma esteira (cuja velocidade depende da avaliação da criança e dos objetivos terapêuticos) ou sobre o chão241,242. A marcha sobre a esteira possibilita maior controle da velocidade, mas a marcha sobre o chão se aproxima mais da atividade de deambular realizada pela criança em seus contextos de vida241,242. Caso seja necessário, os terapeutas ou os pais podem auxiliar, posicionando os membros inferiores da criança enquanto ela deambula sobre a esteira239. A assistência pode ser realizada também por órteses robóticas, denominadas exoesqueletos243. Essa técnica pode ser utilizada com diversas �nalidades e é aplicável a crianças com PC em diferentes etapas do desenvolvimento e níveis de GMFCS. Por exemplo, o suporte parcial de peso pode auxiliar o início do treino de marcha em crianças com PC que ainda não deambulam, bem como pode ser utilizado para melhorar o desempenho da marcha e aumentar a força muscular dos membros inferiores e a capacidade aeróbica das crianças classi�cadas nos níveis I a IV do GMFCS. Evidências O treino com suporte parcial de peso pode melhorar a velocidade de marcha (nível de evidência 3a)238 e a atividade motora grossa (níveis de evidência 1b, 3a e 3b)239,240,244 de crianças com PC. Considerações adicionais A marcha independente com ou sem dispositivo de auxílio está entre os objetivos mais almejados pela criança e sua família e consiste em um dos desfechos mais investigados nos estudos cientí�cos da área. O suporte parcial de peso, associado ou não à esteira ergométrica, tem sido muito utilizado na prática clínica com bons resultados. Entretanto, faltam estudos cientí�cos de qualidade que comprovem seus potenciais efeitos. VESTES TERAPÊUTICAS (THERAPEUTIC SUITS) De�nição As vestes terapêuticas (ou “elásticas”) são órteses dinâmicas que podem contribuir para o realinhamento das estruturas articulares e facilitar a movimentação da criança com PC245. Algumas vestes terapêuticas atuam mediante a compressão das estruturas articulares e segmentos corporais, como tronco e membros, com o objetivo de aumentar a estabilidade postural. Essas vestes são conhecidas como Full body suit, Body Suit e Stabilizing Pressure Input Orthosis (SPIO) e podem cobrir todo o tronco e os membros ou o tronco e parte dos membros. Essas vestes normalmente são fabricadas com tecidos de borracha sintética que se ajustam ao corpo (isto é, neoprene)245-247. Outras vestes contêm sistemas de tiras elásticas que podem ser ajustadas para tracionar os segmentos do corpo com o objetivo de realinhar os segmentos articulares e facilitar a execução dos movimentos. Os �eraTogs, �eraSuit e PediaSuit são exemplos de vestes terapêuticas com sistemas de tiras elásticas (Figura 4.10). Essas vestes são fabricadas com diferentes tecidos, e o sistema de tiras elásticas varia de acordo com o modelo245,248,249. As vestes contêm colete e shorts, além de âncoras nos membros e adaptações nos calçados, que servem como suporte para a �xação das tiras elásticas. Algumas vestes terapêuticas podem ainda conter tanto componentes de compressão (ou seja, colete e shorts justos no corpo) como de tração (isto é, tiras elásticas). Figura 4.10A Veste TheraSuit. B Veste TheraTog. Aplicação da técnica Cada um dos modelos de vestes terapêuticas citados, além de outros modelos comercializados, tem orientações especí�cas quanto à maneira de utilização, conforme o objetivo a ser atingido com a veste e a tolerância da criança. As vestes se encontram disponíveis em diferentes tamanhos e devem ser ajustadas individualmente ao corpo de cada criança, abordando as necessidades especí�cas. Nas vestes com sistema de tração, as tiras ou cabos elásticos podem ser direcionados entre os segmentos do tronco, do tronco para os membros ou entre os segmentos dos membros, nos três planos de movimento245. As vestes são colocadas e ajustadas pelos �sioterapeutas; no entanto, os pais também podem colocar e ajustar as vestes em seus �lhos sob a supervisão periódica dos terapeutas. A intensidade de uso depende do modelo da veste. Os modelos que atuam por meio de compressão (p. ex., Body Suit) são recomendados para utilização durante todo o dia, mas podem causar desconforto, como calor excessivo e di�culdade para usar o banheiro247,250. Os �eraTogs são utilizados em torno de 10 a 12 horas por dia, diária e continuamente, até que os objetivos estabelecidos sejam alcançados249,251,252. As vestes �eraSuit e PediaSuit costumam ser utilizadas em associação a protocolos de tratamentos intensivos com a duração de 3 a 4 horas por dia, por 3 a 4 semanas248,253. As vestes terapêuticas podem ser utilizadas em crianças com PC classi�cadas em qualquer nível do GMFCS. Evidências Existem evidências de efeitos positivos do uso da veste �eraTogs no alinhamento postural dos membros inferiores, parâmetros cinemáticos da marcha e atividade motora grossa (níveis de evidência 1b, 3a e 3b)245,249,251,252. Em acréscimo, a literatura documentou efeitos positivos de um modelo denominado Dynamic Elastomeric Fabric Orthose (isto é, shorts de neoprene com efeito compressivo na pelve, rotação externa e abdução dos quadris e extensão dos joelhos) no alinhamento articular do joelho e na velocidade de marcha (nível de evidência 3b)78,246. A literaturaainda não disponibiliza evidências sobre os efeitos das demais vestes terapêuticas. Os modelos �eraSuit e PediaSuit ainda não tiveram seus efeitos isolados comprovados cienti�camente (níveis de evidência 1a e 3a)245,248. Efeitos positivos encontrados com os métodos intensivos associados ao uso de vestes terapêuticas estão relacionados com a intensidade de treinamento e não com o uso da veste em si (níveis de evidência 1a e 1b)248,253. Considerações adicionais Apesar de amplamente utilizadas na prática clínica, existem poucas evidências sobre os efeitos das vestes terapêuticas na funcionalidade de crianças com PC245. Os estudos existentes apontam para melhora do alinhamento articular e de parâmetros cinemáticos da marcha em decorrência do uso das vestes que exercem tração sobre os segmentos corporais, que consistem em efeitos mecânicos correspondentes aos objetivos de uma órtese dinâmica. Outros benefícios atribuídos comercialmente às vestes, como melhora da propriocepção, do tônus e do equilíbrio, não foram testados cienti�camente. As vestes terapêuticas podem ser boas aliadas no tratamento de crianças com PC, quando utilizadas de maneira correta e com objetivos compatíveis com as evidências disponibilizadas na literatura. MÉTODOS THERASUIT E PEDIASUIT (THERASUIT METHOD E PEDIASUIT METHOD) De�nição Esses métodos consistem em tratamentos de alta intensidade que incluem o uso das vestes �eraSuit e PediaSuit, já descritas na seção de vestes terapêuticas, associadas à realização de várias técnicas e exercícios com a participação ativa da criança245,248,254. Apesar dos nomes distintos, ambos apresentam uma abordagem muito semelhante e ganharam grande popularidade no Brasil a partir de 2010. A literatura lista ainda outros nomes para esses modelos terapêuticos, como AdeliSuit �erapy e NeuroSuit245,255. Além da veste, outro recurso que caracteriza os métodos �eraSuit e PediaSuit consiste na realização dos exercícios na Universal Exercise Unit, conhecida como “gaiola” (Figura 4.11). Com o uso da gaiola e de seus acessórios é possível realizar exercícios de fortalecimento e condicionamento físico, treino de equilíbrio e treino de atividades com suporte parcial de peso, por meio de roldanas, pesos e elásticos (Figura 4.12). Figura 4.11A e B Universal Exercise Unit do método TheraSuit e acessórios. Figura 4.12A e B Exercícios realizados com suspensão parcial de peso na Universal Exercise Unit do método TheraSuit. Aplicação da técnica Os parâmetros de frequência e intensidade dos protocolos variam de 3 a 4 horas por dia, 5 dias na semana, durante 3 a 4 semanas245,248. O planejamento do protocolo completo e de cada atendimento depende da avaliação �sioterapêutica e aborda o tratamento tanto das de�ciências como das limitações e restrições apresentadas pelas crianças253. De modo geral, cada sessão engloba técnicas de aquecimento, como massagem e alongamento, exercícios de fortalecimento muscular vigoroso, exercícios de equilíbrio, exercícios de condicionamento físico (p. ex., jump) e treino de atividades motoras grossas e �nas, que mudam progressivamente ao longo das semanas de tratamento253,256. As sessões são realizadas em consultórios ou centros de reabilitação, podendo incluir treino de tarefas em ambientes externos, como treino de marcha com muletas em terrenos irregulares. A veste é um dos componentes do método, sendo utilizada entre 1 e 2 horas e meia durante cada sessão, conforme a necessidade de cada criança256. A intervenção é recomendada para crianças a partir de 2 anos de idade e que consigam participar ativamente da sessão, principalmente aquelas classi�cadas nos níveis I a IV do GMFCS. Evidências Ensaios clínicos aleatorizados demonstram efeitos positivos dos métodos �eraSuit (e AdeliSuit) na atividade motora grossa de crianças com PC (nível de evidência 1b)255,257,258, porém não há diferença na comparação entre esse método e uma terapia convencional aplicada na mesma intensidade (nível de evidência 1b) 255,257. Revisão sistemática com metanálise revelou ainda efeito pequeno na mudança da atividade motora grossa de crianças com PC GMFCS I a IV tanto após o tratamento como no seguimento (follow-up) (nível de evidência 1b)248. Um ensaio clínico aleatorizado de alta qualidade metodológica (nível de evidência 1b)253 comparou grupos que realizaram o método �eraSuit com e sem o uso da veste e não encontrou diferença signi�cativa na atividade motora grossa e nas habilidades funcionais entre esses grupos, revelando que os efeitos encontrados não dependem da utilização da veste. Especi�camente em relação ao método PediaSuit, ainda não há na literatura estudo de alta qualidade metodológica que tenha documentado seus efeitos (nível de evidência 4)254,259,260. Considerações adicionais Os efeitos positivos do método �eraSuit parecem ser decorrentes da alta intensidade do tratamento e da utilização de técnicas cuja e�cácia já está comprovada na literatura, como fortalecimento muscular e prática de tarefas especí�cas253. A alta intensidade em curto período de tempo (ou seja, 3 a 4 semanas) produz melhora perceptível na atividade motora grossa da criança com PC, porém a retenção desses ganhos a longo prazo ainda não está comprovada245,248. A gaiola é um recurso que possibilita a realização de diferentes exercícios e treino de atividades e não é exclusiva do método, podendo ser adquirida e utilizada pelos terapeutas em suas clínicas. Apesar dos relatos de melhora da criança, na percepção das famílias e dos terapeutas, ainda não há na literatura evidências que sustentem o emprego dessas técnicas248, especialmente no que diz respeito ao uso isolado das vestes �eraSuit e PediaSuit245, que oneram bastante o custo desse tratamento para as famílias. REALIDADE VIRTUAL (VIRTUAL REALITY) De�nição A realidade virtual (RV) pode ser de�nida como o uso de simulações interativas, desenvolvidas por meio de hardware e so�ware de computadores, que possibilitam aos usuários a oportunidade de se engajar em ambientes similares aos vivenciados no mundo real261,262. Os aplicativos de RV utilizam simulações interativas que respondem ao movimento da criança para que ela possa interagir com o ambiente virtual enquanto executa atividades motoras263,264. São considerados atributos principais da RV: possibilidade de ajuste do grau de di�culdade da tarefa de modo a fornecer um desa�o adequado à capacidade da criança; feedback visual e auditivo imediato relacionado com o desempenho da tarefa; possibilidade de resolução de problemas e treinamento de tarefas especí�cas; e oportunidade de brincar, o que pode aumentar a motivação e o envolvimento das crianças em atividades motoras265. Aplicação da técnica A RV é realizada com o uso de diversos tipos de equipamentos de videogame. Os mais utilizados são: Nintendo Wii, PlayStation EyeToy, Xbox Kinect, GestureXtreme e jogos de computador261,263. Cada modelo oferece um ou mais tipos de interação com o videogame, como joysticks e plataformas, que podem ser manipulados pelas mãos ou apresenta sistemas que captam os movimentos de todo o corpo da criança enquanto ela joga. A intensidade de utilização da RV encontrada nos estudos cientí�cos varia de 20 a 90 minutos por dia, 1 a 7 dias na semana, e entre 4 e 20 semanas de intervenção261,263. A escolha dos jogos deve ser embasada nos objetivos terapêuticos (p. ex., um jogo de basquete no qual a criança realiza o movimento de jogar a bola na cesta pode ser utilizado para aumentar a ADM ativa dos MMSS). Para participar desse tipo de terapia as crianças precisam conseguir interagir com o equipamento de RV, o que ocorre geralmente a partir dos 4 anos de idade. Costuma ser indicado para crianças cujos níveis de atividade motora grossa e atividade manual variam entre I e IV no GMFCS e MACS, respectivamente. A terapia com RV pode ser realizada em ambientes terapêuticos ou em casa sob orientação e supervisão �sioterapêutica261,263,266 (Figura 4.13). Figura 4.13 Equipamento e acessórios para intervenção de Realidade Virtual – NintendoWii®. Evidências A terapia com RV apresenta efeitos positivos na melhora da funcionalidade do membro superior, como aumento do uso das mãos em atividades bimanuais e melhora da destreza e da coordenação manual (níveis de evidência 1b e 3b)267,268. A RV também apresenta efeitos positivos na capacidade de deambular, equilíbrio na posição de pé e no desempenho de atividades cotidianas (nível de evidência 1b)269-271. A RV pode ainda ser utilizada em associação a outras terapias para potencializar os ganhos, como, por exemplo, a RV em associação ao treino de marcha em esteira melhora signi�cativamente a atividade motora grossa, a velocidade de marcha, o equilíbrio na posição de pé e a força muscular dos membros inferiores (nível de evidência 1b)272 e a RV associada à CIMT melhora signi�cativamente a velocidade, a destreza, a quantidade e a qualidade do uso do membro afetado de crianças com PC unilateral (nível de evidência 1b)273. Recente revisão sistemática e metanálise identi�cou que efeitos maiores são encontrados em estudos que realizaram a RV de maneira intensiva e em crianças mais novas (nível de evidência 1a)261. Considerações adicionais O uso de videogames e jogos de computadores pode aumentar a motivação de algumas crianças para realizar exercícios com objetivos terapêuticos. A literatura mais atual tem comprovado os efeitos desse modelo de intervenção, principalmente quando associado a outra técnica e�caz. Entretanto, a transferência de habilidades adquiridas com o uso de videogames para o desempenho em atividades nos diferentes contextos ainda não está comprovada274. Desse modo, a RV não deve ser escolhida como única intervenção que garanta a melhora da funcionalidade da criança com PC, mas realizada em associação a outras intervenções. EQUOTERAPIA (EQUINE-ASSISTED THERAPY, HIPPOTHERAPY OU THERAPEUTIC HORSEBACK RIDING) De�nição A equoterapia consiste no uso do cavalo (animal) como recurso terapêutico na reabilitação de indivíduos com as mais diversas condições de saúde275,276 e, no Brasil, abrange a hipoterapia, a educação e reeducação equestre, o pré- esportivo e a prática esportiva paraequestre. A equoterapia in�uencia, principalmente, a estabilidade do tronco da criança por meio dos movimentos triplanares da marcha do cavalo, que demandam ajustes contínuos do corpo do cavaleiro. Quando o cavalo se move, seu centro de gravidade é deslocado nos planos sagital, transversal e frontal, causando oscilações contínuas do centro de gravidade da criança que está montada e promovendo uma demanda de ajustes posturais no tronco da criança275. A técnica apresenta critérios especí�cos para sua realização, como escolha do animal adequado, espaço apropriado e equipe composta por veterinários, tratadores e terapeutas275,276. Aplicação da técnica Durante o atendimento de equoterapia, a criança está montada sobre o cavalo, que é conduzido por um guia. Um assistente caminha de um lado e um terapeuta, do outro lado, conduz as atividades da criança de montar, conduzir o cavalo, manter-se sentada, mudar de posição sobre o animal, bem como outras tarefas conforme os objetivos terapêuticos, a independência e a familiarização da criança com o animal. A intensidade da terapia varia de 30 a 40 minutos diários, 1 a 2 dias por semana, durante 12 a 20 semanas, mas algumas crianças continuam recebendo atendimento de equoterapia durante um tempo prolongado276-278. São exemplos de exercícios realizados sobre o cavalo: • Montar sem o apoio das mãos com os ombros �etidos e abduzidos. • Pegar uma bola que está com o terapeuta e passar para o assistente do outro lado. • Com os pés nos estribos, estender os joelhos, passando para a postura de pé para pegar uma fruta na árvore. • Abaixar e levantar um bastão com os dois braços. • Variar as posturas sobre o cavalo. Crianças classi�cadas em qualquer nível do GMFCS podem realizar a equoterapia, desde que a intensidade e a assistência do terapeuta sejam ajustadas às suas individualidades. Essa modalidade terapêutica não é recomendada para crianças com subluxação ou luxação do quadril, encurtamento importante dos músculos adutores de quadril, crises convulsivas não controladas, hidrocefalia, desnutrição e transtornos de comportamento e para crianças menores de 2 anos de idade275,276 (Figura 4.14). Figura 4.14A a C Equoterapia. Evidências Os benefícios da equoterapia nas estruturas e funções do corpo são: melhora da estabilidade de tronco (níveis de evidência 3a e 3b)276,277,279,280 e melhora na mobilidade articular dos membros inferiores (nível de evidência 3b)280. Em relação à atividade, estudos mostram que a técnica melhora a mobilidade das crianças e sua capacidade nas habilidades motoras grossas relacionadas com as posturas sentada e de pé, além de reduzir a necessidade de assistência do cuidador nas atividades de mobilidade (nível de evidência 3b)276,279-281. Considerações adicionais A rica interação entre a criança e o cavalo, somada ao fato de a atividade ser realizada em contato direto com a natureza, pode ter outros benefícios para criança, como aumento da autoestima e da con�ança e o desenvolvimento cognitivo e perceptual275. Apesar de existirem na literatura estudos que investigaram os efeitos da equoterapia, uma recente revisão aponta para a necessidade de estudos com alta qualidade metodológica que comprovem de maneira mais consistente os efeitos da intervenção e os parâmetros de intensidade para que os benefícios sejam alcançados282. CONSIDERAÇÕES FINAIS De acordo com as evidências atuais acerca dos efeitos das intervenções disponíveis para crianças com PC, os ingredientes terapêuticos com maior potencial para promover benefícios para essa população consistem na prática especí�ca da tarefa que se deseja alcançar/melhorar e no emprego de maior intensidade nas terapias (níveis de evidência 1a, 3a e 3b)111,174,184,248,283. As intervenções que abordam os componentes de atividade e participação aperfeiçoam os pontos fortes das crianças e re�etem seus interesses e motivações, enquanto as intervenções com foco nas estruturas e funções do corpo ajudam a mitigar a história natural e as de�ciências secundárias da PC (p. ex., luxação do quadril)111. Além das intervenções descritas neste capítulo, muitas outras modalidades são utilizadas na prática clínica. Algumas são antigas e seus princípios não são mais compatíveis com o corpo de conhecimento atual, ao passo que outras terapias são muito novas e ainda não apresentam evidências cientí�cas que as embasem. Muitos estudos que buscam a comprovação das novas técnicas as comparam com o tratamento neuroevolutivo (Conceito Bobath), considerado uma “terapia convencional” por ser amplamente difundida e empregada na prática clínica desde a década de 1970284,285. Apesar de consistir em uma abordagem muito difundida e empregada, os benefícios do tratamento neuroevolutivo, principalmente em sua forma original (ou tradicional), não apresentam comprovação cientí�ca com evidência de alta qualidade. Por esse motivo, alguns autores recomendam outras terapias comprovadamente e�cazes para o tratamento de crianças com PC111,174,285-288. O �sioterapeuta e a equipe de reabilitação contam ainda com uma gama de recursos que podem ser empregados no tratamento da criança com PC, como tecnologias assistivas, órteses, kinesio taping, plataforma vibratória, gesso seriado, dentre outras289-291. Diante de um universo de possibilidades terapêuticas e, na maioria das vezes, dos recursos limitados das famílias, é importante que os �sioterapeutas se atualizem constantemente e escolham métodos comprovadamente e�cazes para o tratamento das crianças. Além disso, a aplicação de técnicas com uma aparência de alta tecnologia ou que prometem efeitos extraordinários, porém sem evidência cientí�ca, pode aumentar as expectativas de bons resultados, alimentar falsas esperanças e despender esforços desnecessários das crianças e de suas famílias111,248. Os resultados positivos de qualquer modalidade terapêutica dependem de uma excelente avaliaçãode Lima apresenta em conjunto com os demais coautores a importância da área pneumofuncional pediátrica, incorporando os conceitos da CIF e da PBE. Essa seção apresenta o capítulo sobre Avaliação da Capacidade Funcional (Capítulo 23) dentro do contexto da CIF, o qual é extremamente importante para que o leitor compreenda como avaliar a capacidade funcional, bem como a tolerância ao exercício físico de crianças e adolescentes portadores de disfunções respiratórias. Contamos nessa seção com os princípios recentes da utilização da CIF nas doenças respiratórias, ainda um campo vasto a ser percorrido. Além disso, a seção é complementada com as afecções mais recorrentes na área da �sioterapia pneumofuncional tanto em nível ambulatorial como no meio hospitalar. Finalmente, este livro tem sido alvo de muito trabalho, horas de escrita, leituras, pesquisas e discussões, mas também de amor à �sioterapia e ao conhecimento. Esperamos que essa seja uma pequena semente para instigar os �sioterapeutas a buscarem cada dia mais a utilização da PBE. Sabemos e compreendemos que o conhecimento é dinâmico e as evidências apresentadas nesta obra estão sujeitas a mudanças ao longo do tempo. Assim, convidamos todos para que sigam a página o�cial do livro no Facebook (Livro Fisioterapia em Pediatria: Da evidência à prática clínica) e �quem por dentro de novidades e estudos recentes na área da �sioterapia pediátrica. Ana Cristina Resende Camargos Hércules Ribeiro Leite Rosane Morais Vanessa Pereira de Lima Organizadores SEÇÃO I – ASPECTOS RELACIONADOS COM O DESENVOLVIMENTO INFANTIL 1 Desenvolvimento Motor durante o Primeiro Ano de Vida Rejane Vale Gonçalves 2 Intervenção Precoce: Lidando com Crianças de Risco Biológico e Psicossocial e suas Famílias Rosane Luzia de Souza Morais Rafaela Silva Moreira Karine Beatriz Costa 3 Fisioterapia na Atenção Primária: Abordagem Integral à Saúde da Criança Peterson Marco O. Andrade Rosane Luzia de Souza Morais Ana Paula Mendonça à SEÇÃO II – FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL 4 Paralisia Cerebral Ana Cristina Resende Camargos Kênnea Martins Almeida Ayupe Priscilla Rezende Pereira Figueiredo Rejane Vale Gonçalves 5 Síndrome de Down Ana Cristina Resende Camargos Paula Silva de Carvalho Chagas 6 Espinha Bí�da Hércules Ribeiro Leite Luisa Fonseca Sarsur Míriam Ribeiro Calheiros Sá 7 Lesão Medular Traumática Aline Duprat Ramos Elizabeth Rocha e Rocha Liliane Baía Silva 8 Distro�as Musculares Thais Peixoto Gaiad Ana Karla da Silva Moura Pedrosa Ana Paula de Sousa 9 Paralisia Braquial Perinatal Hércules Ribeiro Leite Fabiana Rita Camara Machado Ludmila Ferreira Brito 10 Abordagem das Condições Raras: Síndrome de Dandy- Walker, Síndrome de Prader-Willi e Doença de Pompe Infantil Paula de Almeida Thomazinho Ã É SEÇÃO III – FISIOTERAPIA MUSCULOESQUELÉTICA 11 Torcicolo Muscular Congênito Hércules Ribeiro Leite Sheila Schneiberg Anne Karolyne Cruz Santiago Carolina Gomes Matarazzo 12 Assimetrias Cranianas Posicionais Carolina Gomes Matarazzo 13 Pé Torto Congênito Ayrles Silva Gonçalves Barbosa Mendonça Hércules Ribeiro Leite Maria Gabriela Abreu 14 Osteogênese Imperfeita Carla Trevisan Martins Ribeiro Nicolette Celani Cavalcanti Tatiana Vasconcelos dos Santos 15 Artrogripose Múltipla Congênita Anne Jansen Hupfeld Lisa Carla Narumia 16 Pé Equino Idiopático Valeria Cury Ana Paula de Sousa 17 Escoliose Idiopática Vinícius Cunha Oliveira Mariana Aguiar de Matos Jousielle Márcia dos Santos 18 Pé Plano Flexível Idiopático Rosalina Tossige Gomes Renato Guilherme Trede Filho 19 Alterações Torcionais e Angulares Mariana Aguiar de Matos Rosalina Tossige Gomes 20 Artrite Idiopática Juvenil Ester Miriã Gomes da Silva Andreza Letícia Gomes Hércules Ribeiro leite 21 Legg-Calvé-Perthes Hércules Ribeiro Leite Sheila Schneiberg Karoliny Lisandra Teixeira Cruz 22 Lesões no Esporte Luciana De Michelis Mendonça Caroline Bolling Hércules Ribeiro Leite SEÇÃO IV – FISIOTERAPIA PNEUMOFUNCIONAL 23 Avaliação da Capacidade Funcional Danielle Vieira Rocha Soares Dayane Montemezzo 24 Fibrose Cística Evanirso da Silva Aquino Cristiane Cenachi Coelho Francielly Dorvina Medeiros Ribeiro do Carmo 25 Asma Fernanda de Cordoba Lanza Simone Nascimento dos Santos Ribeiro 26 Oncologia Maria Leonor Gomes de Sá Vianna Andrea Pires Muller Paula Christina Muller Maingué 27 Recém-Nascido de Alto Risco Sabrina Pinheiro Tsopanoglou Josy Davidson Anexo – Níveis de Evidência Índice Remissivo INTRODUÇÃO O desenvolvimento motor se refere ao conjunto de mudanças que acontecem no comportamento motor e que estão relacionadas com a idade do indivíduo, ocorrendo ao longo de toda a vida1. Diferentes abordagens teóricas podem ser utilizadas para o entendimento do desenvolvimento motor durante a infância. O referencial teórico adotado pelo pro�ssional da área de reabilitação in�uencia a avaliação e o planejamento de ações terapêuticas diante de uma situação clínica, seja a de uma criança com atraso no desenvolvimento, seja a de uma criança diagnosticada com alguma condição de saúde, como paralisia cerebral (veja o Capítulo 4). Embora seja essencial a aplicação do conhecimento cientí�co disponível, o conjunto de práticas pro�ssionais, muitas vezes, não tem sido modi�cado de acordo com a crescente informação proveniente da literatura acerca do desenvolvimento motor2. O conhecimento de como a criança modi�ca seu comportamento ao longo do tempo e como isso pode ser utilizado para se entender o processo de mudança em crianças com alterações no desenvolvimento é essencial para o raciocínio clínico3. O estudo tradicional do desenvolvimento motor foi caracterizado por observações cuidadosas e detalhadas a respeito das modi�cações progressivas e sequenciais que os bebês apresentam ao longo do tempo4. Uma extensa catalogação das aquisições das habilidades motoras de crianças tornou-se a base de um grupo de in�uentes suposições sobre o desenvolvimento motor (isto é, a Teoria Neuromaturacional)5,6. A partir da década de 1960, os estudos de Nicolai Bernstein7, James Gibson8 e Esther �elen9 provocaram uma revolução no entendimento do controle da ação, ou seja, posturas e movimentos guiados pela informação perceptual. Pesquisadores do desenvolvimento começaram a aplicar os novos conceitos teóricos (p. ex., Abordagem dos Sistemas Dinâmicos e Abordagem Ecológica à Percepção-Ação) para explicar as mudanças que ocorrem no comportamento motor durante a infância10,11. Este capítulo tem por objetivo discutir o desenvolvimento motor durante o primeiro ano de vida da criança. Esse período foi escolhido por ser caracterizado por grandes mudanças no comportamento motor do indivíduo em um espaço relativamente curto de tempo. É importante ressaltar que o desenvolvimento exploratório do bebê não pode ser entendido de maneira isolada dos contextos ambiental, social e cultural em que ele ocorre. Isso signi�ca dizer que movimentos ocorrem em um sistema indivíduo-ambiente indissociável, ou seja, fatores intrínsecos ao bebê (p. ex., mudanças em suas proporções corporais, ganho de massa adiposa e muscular, motivação, atenção) e fatores ambientais (p. ex., força da gravidade, propriedades da superfície de apoio, forma de manejo dos membros da família) in�uenciam o desenvolvimento12. Novas habilidades motoras ou o aprimoramento de uma habilidade descortinam partes novas do ambiente e proporcionam novas oportunidades para o aprendizado e para a ação13. O desenvolvimento exploratório do bebê durante o primeiro ano de vida pode ser descrito de diferentes maneiras. Neste capítulo optou-se por apresentar o desenvolvimento sob as perspectivas teóricas mais recentes, com enfoque na proposta de Eleanor Gibson14, ou seja, como uma sequência de fases durante as quais o bebê aprende sobre as características permanentes do mundo, sobre as relações previsíveis entre eventos e sobre sua própria capacidade para agir e intervir no ambiente. As três fases não devem ser vistas como estágios rígidos e fechados,�sioterapêutica, do planejamento terapêutico coerente com as reais necessidades da criança e da escolha da intervenção mais adequada para potencializar o alcance dos objetivos estabelecidos, além da parceria com a família, elemento essencial e sem o qual a probabilidade de sucesso é drasticamente reduzida. Os primeiros anos de vida da criança representam o período de aquisição dos marcos motores mais importantes do ser humano e são considerados o período em que é maior a possibilidade de as crianças com PC alcançarem novas habilidades motoras18. Também são um período de crescimento acelerado, no qual a equipe de reabilitação deve trabalhar na prevenção de de�ciências musculoesqueléticas na criança com PC, como encurtamentos musculares e deformidades articulares6. Nessa fase, os familiares estão bastante empenhados em levar seus �lhos para as terapias e experimentam diferentes modalidades terapêuticas, como a equoterapia e a �sioterapia aquática. Com o passar dos anos, é comum as crianças e suas famílias abandonarem os tratamentos, principalmente em virtude das demandas escolares, da escassez de recursos e da mudança de interesses do adolescente292. A equipe multidisciplinar e os �sioterapeutas devem preparar as crianças/adolescentes para o momento de diminuição da intensidade ou para a alta dos tratamentos por meio de orientações à família, prescrição adequada de tecnologias assistivas, adaptações ambientais e transferência para uma atividade esportiva292. Convém ressaltar que os adultos com PC apresentam altos índices de fadiga, dor, desgaste articular, diminuição do desempenho da marcha, perda da capacidade de andar, menor qualidade de vida, além de inúmeras restrições na participação social293,294. Essas incapacidades e disfunções, na medida do possível, devem ser prevenidas durante a infância e a adolescência e acompanhadas na idade adulta. Com base na estrutura da CIF, a CanChild, mais importante centro educacional e de pesquisa das condições de saúde que afetam o desenvolvimento infantil, sugere a incorporação no modelo estrutural da CIF de seis palavras (isto é, “F-words”) que mais representam os interesses das crianças com incapacidades e que devem ser utilizadas como norteadoras no processo de reabilitação da criança com PC118. Essas palavras e os componentes correspondentes à CIF são: (1) “Functionality” (atividade) – a criança é ativa e quer fazer as coisas por si própria; (2) “Family” (fatores ambientais) – a família representa o ambiente essencial da criança; (3) “Fitness” (estrutura e função) – importante realizar atividade física para a saúde e o bem-estar; (4) “Fun” (fatores pessoais) – representa o que deve ser a infância (ou seja, diversão); (5) “Friendship” (participação) – a criança deseja construir novas amizades em seu meio social118. Por �m, a sexta palavra, “Future”, nos leva a questionar os pais e as crianças sobre suas expectativas e sonhos para o futuro e a ajudá-los a tornar esse futuro possível em vez de decidir para eles o que é impossível118. CASOS CLÍNICOS Caso clínico 1 História da condição de saúde, fatores do contexto e participação V.A.T. é um menino de 5 anos de idade com diagnóstico de PC espástica bilateral do tipo quadriplegia, GMFCS nível IV e MACS nível II. A criança é frequentemente transportada no colo dos cuidadores e necessita de cadeira de rodas (propulsionada pelo cuidador) para se locomover por longas distâncias. Segundo relato da mãe, V.A.T. nasceu prematuro, pesando 1.054g, por meio de parto vaginal na 28a semana de gestação, em virtude de descolamento prematuro da placenta. Ao nascer, apresentou síndrome do desconforto respiratório, havendo necessidade de entubação ainda na sala de parto e encaminhamento para a Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN), onde permaneceu por 1 mês e apresentou como intercorrência hemorragia peri-intraventricular (HPIV) grau IV bilateralmente. Posteriormente, foi encaminhado para o berçário, onde permaneceu internado por mais 3 meses, até a alta hospitalar. Aos 6 meses de idade corrigida, V.A.T. apresentava importante atraso no desenvolvimento motor e iniciou acompanhamento no serviço de intervenção precoce de uma instituição de referência em Minas Gerais, onde continua sendo assistido atualmente. V.T.A. se expressa verbalmente, é interessado e capaz de acompanhar o desempenho de sua turma em escola regular da rede pública. Atualmente, sua principal demanda consiste em conseguir jogar bola com os colegas na escola. A família, especialmente a mãe, que acompanha o �lho nas intervenções, mostra-se empenhada e participa ativamente da tomada de decisões junto à equipe de reabilitação. Atualmente, a queixa principal da mãe é que a criança seja capaz de se locomover de maneira mais independente nos ambientes domiciliar e escolar. Recentemente, o ortopedista da criança sugeriu uma intervenção cirúrgica para realinhar as articulações do quadril (ou seja, tenotomia parcial dos músculos adutores) e do tornozelo (isto é, tenotomia parcial dos músculos �exores plantares) com intuito de facilitar o início do treino de marcha com andador. No momento da avaliação que se segue, V.T.A. estava iniciando o acompanhamento pós- operatório com a equipe de �sioterapia da instituição. Atividade motora grossa Aos 5 anos de idade, V.A.T. apresenta capacidade de engatinhar (não reciprocamente) (Figura 4.15A) e se arrastar no solo para se locomover por curtas distâncias. É capaz de se manter sentado com apoio das mãos no banco e dos pés no solo (Figura 4.15B). Consegue passar da posição sentada para a de pé com apoio, embora demore na realização dessa atividade. Mantém-se na posição ortostática com apoio por aproximadamente 30 segundos, porém tem di�culdade em manter a extensão dos joelhos e quadris nessa posição. É capaz de dar dois passos com apoio, mas não apresenta marcha independente com dispositivo de auxílio. Faz uso contínuo de órteses suropodálicas (isto é, Ankle-Foot Orthosis – AFO) rígidas bilateralmente. Figura 4.15A Engatinha para se locomover por curtas distâncias. B É capaz de se manter sentado com apoio das mãos no banco. Para avaliação padronizada da atividade motora grossa foi utilizado o GMFM, versão 88, uma vez que a criança necessitava do uso de órtese para desempenhar itens das dimensões D e E, sendo o uso desses equipamentos permitido somente na avaliação com a versão 88. A pontuação total da criança no GMFM-88 foi de 48,06%, sendo 100% na dimensão A, 80% na dimensão B, 50% na dimensão C, 10,3% na dimensão D e 0% na dimensão E. Estruturas e funções do corpo Amplitude de movimento passiva (ADM) e �exibilidade V.A.T. apresenta redução da ADM de abdução de quadris (30 graus com joelhos estendidos ou �etidos) e de �exão dorsal dos tornozelos (10 graus). As demais ADM passivas de quadris, joelhos e tornozelos estão preservadas. Há redução da �exibilidade dos isquiossurais bilateralmente (ângulo poplíteo = –30º). Força muscular A aplicação do teste de força muscular manual revelou fraqueza em diferentes graus da musculatura de membros inferiores (MMII) e de tronco, como mostra o Quadro 4.1. Quadro 4.1 Resultado do teste de força muscular manual (caso 1) Grupos musculares MID MIE Flexores de quadril 4 4 Extensores de quadril 3 3 Adutores de quadril 2 2 Abdutores de quadril 2 2 Rotadores internos de quadril 2 2 Rotadores externos de quadril 2 2 Flexores de joelhos 3 3 Extensores de joelhos 4 4 Flexores dorsais 2 2 Flexores plantares 2 2 Reto abdominal 3 Abdominais oblíquos 3 Extensores de tronco 3 MID: membro inferior direito; MIE: membro inferior esquerdo. A Figura 4.16 apresenta um resumo da avaliação conforme os componentes da CIF. Figura 4.16 Resumo da avaliação no modelo estrutural da CIF (caso 1). Diagnóstico �sioterapêutico V.A.T., 5 anos de idade, GMFCS IV, apresenta restrição para brincar com os colegas da mesma idade, limitações nas atividades motoras que demandam a postura ortostática, inclusive a marcha, e de�ciências nas funções neuromusculoesqueléticas e funçõesmas, ao contrário, como fases que se sobrepõem e cujo tempo relativo de cada uma varia muito de um bebê para outro14. FASE 1 – BEBÊS EXPLORAM EVENTOS: DO NASCIMENTO ATÉ EM TORNO DOS 4 MESES Os sistemas de ações do bebê estão ancorados tanto no domínio perceptual quanto no domínio motor; por isso, a descrição do desenvolvimento deve considerar igualmente os dois aspectos. Em acréscimo, de acordo com abordagens teóricas mais recentes, a intencionalidade é vista como aspecto básico de todas as ações15,16. Portanto, todos os movimentos dos recém- nascidos não começam sendo re�exos, com a intencionalidade adicionada em algum estágio posterior, como tradicionalmente se acreditava17. Embora os re�exos sirvam a importantes funções para o bebê, eles são, por de�nição, estereotipados, provocados e automáticos. A literatura atual mostra que a maioria das ações do recém-nascido é prospectiva, ou seja, é direcionada externamente de maneira antecipatória. Portanto, as ações são intencionais desde o momento em que elas emergem e são iniciadas por um indivíduo motivado, de�nidas por um objetivo e guiadas pela informação (p. ex., visual, auditiva, tátil) disponível no ambiente18. As ações são compostas de posturas, ou seja, aquisições persistentes do indivíduo no ambiente e de movimentos, que são mudanças especí�cas na postura para produzir mudanças na relação indivíduo-ambiente12. O termo recém-nascido compreende a fase do bebê desde o nascimento até o 28o dia de vida19. Durante esse período ocorrem o ajustamento e o aperfeiçoamento das funções �siológicas do bebê20. A movimentação espontânea do recém-nascido nas diferentes posturas, ou seja, decúbito ventral, decúbito dorsal, sentado e de pé com apoio, é in�uenciada pelo posicionamento de as articulações e pelo padrão �exor (isto é, a tendência das articulações se manterem em �exão e retornarem à �exão quando estendidas passivamente). Ao longo do desenvolvimento o bebê irá desenvolver o controle nessas posturas de modo a explorar e interagir com pessoas, objetos e o ambiente em que está inserido13. O bebê nasce com sistemas perceptuais que captam a informação do ambiente; ele nasce, portanto, com a habilidade de perceber as a�ordances de superfícies, coisas, lugares e eventos. A�ordances são as possibilidades de ação suportadas pelo ambiente, tomando como referência as capacidades de ação do indivíduo. Aprender sobre a�ordances implica atividades exploratórias, ou seja, ciclos de percepção-ação que têm consequências15. Elas trazem novas informações sobre as mudanças no ambiente provocadas pela ação e também sobre o bebê, onde ele está, para onde está indo e o que está fazendo. Portanto, a atividade exploratória garante a exposição variada do bebê ao que está acontecendo externamente a ele e, ao mesmo tempo, ao que está acontecendo em seu próprio corpo. No entanto, as possibilidades de execução da ação são mínimas no bebê muito novo, e é necessário um tempo para o ajuste de seus sistemas perceptuais14. O aprendizado perceptual é um processo gradativo de diferenciação ao longo do desenvolvimento que resulta na especi�cação da informação para uma determinada a�ordance. Em outras palavras, signi�ca a descoberta de características distintas e propriedades invariantes de objetos e eventos (p. ex., distinguir o rosto de uma pessoa ou as letras do alfabeto)15,21. O recém-nascido é espontaneamente ativo e explora visualmente o ambiente por meio dos movimentos dos olhos e da cabeça, os quais podem ser provocados por sons (p. ex., a voz humana)14. O comportamento de olhar é a primeira forma de interação social do bebê. Entretanto, os olhos ainda não acompanham objetos ou pessoas sem a movimentação da cabeça. Embora a exploração seja preferencialmente visual, os recém-nascidos se utilizam de outras maneiras de explorar o ambiente, ou seja, por meio do sistema perceptual auditivo e também háptico (informação proveniente de receptores mecânicos localizados na pele, nos músculos, tendões, ligamentos e na fáscia). Esse é o motivo pelo qual os bebês colocam tudo o que pegam na boca, a qual funciona como um importante sistema exploratório22. O bebê apresenta movimentos generalizados, do inglês general movements (GM), que são movimentos grossos espontâneos que envolvem todo o corpo e podem durar de segundos a alguns minutos23. Esses movimentos aparecem no início da gestação (isto é, entre 9 e 10 semanas de vida intrauterina) e podem ser observados até em torno de 4 meses de idade pós- natal. Os GM apresentam sequência variável de movimentação nos membros, no pescoço e no tronco e geralmente envolvem movimentos de extensão e �exão de membros superiores e inferiores, acompanhados de rotações com ligeira mudança na direção do movimento. Variam em intensidade e velocidade e têm início e �m graduais. Apesar da variabilidade dos GM, eles são considerados um padrão de movimento típico do bebê facilmente reconhecido nos primeiros meses de vida24. Decúbito ventral Ao nascimento, quando o bebê é colocado em decúbito ventral (ou seja, prono), a cabeça repousa rodada para o lado, mas ele é capaz de levantá-la e rodá-la para o outro lado. Os ombros estão aduzidos e �exionados, os cotovelos �exionados e as mãos fechadas. A coluna está �exionada, apresentando cifose desde a cervical até a região sacral, o que pode ser atribuído aos discos intervertebrais com baixa concentração de água, à posição no útero e à inatividade dos músculos paravertebrais. A pelve está posicionada em retroversão e os quadris estão �exionados, abduzidos e rodados externamente; os joelhos estão �exionados e os tornozelos em �exão dorsal. Essa posição dos membros inferiores provoca a elevação da pelve e o deslocamento do peso corporal para face, ombros e mãos. Por isso, o bebê movimenta muito pouco os membros superiores na postura de decúbito ventral13,19 (Figura 1.1). Figura 1.1 Recém-nascido na postura de decúbito ventral. Durante o período compreendido entre o nascimento e os 4 meses de idade, a força da gravidade e a ativação dos músculos extensores auxiliarão o alongamento dos músculos �exores, principalmente dos quadris e dos joelhos. Assim, os ombros �cam mais abduzidos e com maior �exão anterior, a coluna mais estendida, a pelve menos retrovertida e os quadris e os joelhos mais estendidos. As mudanças gradativas no posicionamento das articulações e o desenvolvimento da estabilidade do úmero e da escápula favorecem a elevação da cabeça25. Desse modo, ao �nal dessa fase o bebê adquire a habilidade de manter a cabeça ereta (isto é, 90 graus de extensão) com apoio dos antebraços na postura de decúbito ventral19 (Figura 1.2). Figura 1.2A e B Bebê na postura de decúbito ventral aos 2 e aos 4 meses de idade. À medida que o bebê experimenta a postura de decúbito ventral, ocorre a ativação sinérgica dos �exores de tronco durante a extensão. Logo, ele será capaz de se apoiar sobre as mãos, mantendo os cotovelos semi�exionados (Figura 1.3). Em acréscimo, a maior atividade dos músculos paravertebrais e dos abdominais oblíquos desempenha um papel importante na angulação das costelas para baixo a partir da posição horizontal original19. Figura 1.3 Bebê de 4 meses na postura de decúbito ventral com maior extensão de cotovelos e suporte de peso sobre as mãos. Decúbito dorsal Decúbito dorsal (ou seja, supino) é a postura que o recém-nascido assume durante a maior parte do tempo. A cabeça geralmente está rodada para o lado, os membros superiores próximos ao corpo, a pelve em retroversão, os quadris abduzidos, �exionados e rodados externamente, os joelhos �exionados e os tornozelos em �exão dorsal (Figura 1.4). Nessa postura, o bebê dá pontapés frequentemente quando está acordado. Para isso ele �exiona ou estende as articulações do quadril, joelho e tornozelo em fase, ou seja, todas as articulações de um membro inferior se �exionam ao mesmo tempo, enquanto as articulações do outro membro inferior se estendem26 (Figura 1.5). Com o passar do tempo ocorrem mudanças no padrão de movimento dos membros inferiores.Entre 4 e 6 meses de idade, o movimento em sincronia de todas as articulações diminui e o bebê é capaz de realizar ao mesmo tempo, por exemplo, a �exão do quadril com a extensão do joelho (ou seja, o padrão de movimento dos pontapés se torna fora de fase)27,28. Figura 1.4 Recém-nascido na postura de decúbito dorsal. Figura 1.5 Recém-nascido realizando pontapé alternado. A emergência de um padrão de movimento ocorre em função da con�uência de restrições do indivíduo, da tarefa e do ambiente29. Os bebês são capazes de selecionar um padrão de movimento e são motivados pelo resultado proporcionado pela ação. Um exemplo disso foi demonstrado em um estudo no qual a perna de bebês de 3 meses foi acoplada a um móbile. Em poucos minutos, o bebê começava a dar os pontapés de maneira mais vigorosa com o membro inferior que estava acoplado ao móbile para ver o reforço do movimento e o barulho proporcionados pelo móbile30. Em torno do terceiro ou quarto mês de vida, o bebê já apresenta a habilidade de permanecer com a cabeça e os membros superiores e inferiores orientados de maneira simétrica. Em acréscimo, ele consegue unir as duas mãos na linha média e alcançar os joelhos na postura de decúbito dorsal19 (Figura 1.6). Figura 1.6A e B Bebê de 4 meses com orientação corporal simétrica. Sentado com apoio Nessa primeira fase do desenvolvimento, o bebê ainda não consegue permanecer na postura sentada sem apoio. O recém-nascido, quando suportado, apresenta �exão de cabeça e tronco, com a pelve perpendicular à superfície de apoio, e os membros inferiores adotam a mesma posição do decúbito dorsal. Se o bebê for solto, ele cairá para a frente (Figura 1.7). Ao longo do primeiro ano de vida, o bebê precisará vencer gradativamente a força da gravidade, o que vai acontecer primeiro com a cabeça, progredindo para os pés13,31. Figura 1.7 Bebê recém-nascido na postura sentada sem apoio. Durante esse período, o bebê desenvolve a capacidade de elevar a cabeça, o que se torna cada vez mais fácil para ele ao longo do tempo. Antes de apresentar o controle do tronco, o bebê pode adotar estratégias para aumentar a estabilidade, como elevar os ombros e realizar a adução das escápulas32. Ao �nal dessa fase, embora a coluna ainda não alcance extensão su�ciente, o bebê consegue sustentar a cabeça contra a força da gravidade quando suportado na postura sentada. As faces laterais da coxa e da perna apoiam-se na superfície, favorecendo a maior estabilidade. A cabeça está livre para rotação, mas o bebê ainda não consegue alcançar objetos nessa postura19 (Figura 1.8). Figura 1.8 Bebê de 3 meses na postura sentada com apoio. Estudos sobre a atividade mão à boca em recém-nascidos mostraram que a boca se abre antes de a mão começar a se mover, demonstrando o controle prospectivo do bebê33. Von Hofsten34 observou que recém-nascidos, quando posicionados com adequado suporte postural em frente a um objeto, levam a mão em direção ao objeto com a tendência de diminuir a velocidade da mão próxima ao alvo, apesar de ainda não conseguirem alcançá-lo34. A mão se tornará um sistema exploratório em torno dos 4 meses, quando se inicia a habilidade de alcançar e manipular objetos. Já a boca é usada desde o nascimento para paladar, sugar, vocalizar e examinar texturas e propriedades de objetos21,35. De pé com apoio Quando sustentado na postura de pé, o recém-nascido consegue suportar parte de seu peso corporal e estender os quadris e os joelhos. Entretanto, o grau de extensão dos membros inferiores é limitado pelo encurtamento dos músculos �exores e de outros tecidos moles. Os tornozelos permanecem em �exão dorsal e inversão. O ângulo formado entre o fêmur e a tíbia no plano coronal é em torno de 15 graus, o que signi�ca um alinhamento �siológico em varo do joelho ao nascimento36. Se o recém-nascido for inclinado para a frente enquanto de pé, ele pode executar movimentos alternados de �exão e extensão dos membros inferiores em um padrão de movimento semelhante à marcha19 (Figura 1.9). Figura 1.9 Bebê recém-nascido sustentado de pé realiza movimentos alternados de �exão e extensão de membros inferiores. Tradicionalmente, isso é conhecido como re�exo de marcha automática, que desapareceria em torno de 8 semanas de vida em decorrência da maturação do sistema nervoso central5. No entanto, alguns pesquisadores propuseram uma explicação alternativa para a marcha automática a partir dos resultados de três experimentos com bebês37. No primeiro experimento, bebês foram observados quando tinham 2, 4 e 6 semanas de idade enquanto sustentados de modo a provocar o re�exo de marcha. A partir da contagem do número de passos e da avaliação da quantidade de gordura corporal, foi documentado que com 4 semanas os bebês que ganharam mais peso deram menos passos. No segundo experimento, caneleiras leves foram colocadas nas pernas dos bebês para simular o ganho médio de peso entre 4 e 6 semanas. Como esperado pelos pesquisadores, os bebês diminuíram signi�cativamente o número de passos com a adição de peso. Já no terceiro experimento, os pesquisadores colocaram os bebês na água, e o número de passos foi o dobro do que fora dela. Em conjunto, esses experimentos reforçam a ideia de que o comportamento do bebê é adaptativo desde o início e não pode ser entendido fora do contexto no qual está inserido. Durante esse período especí�co do desenvolvimento, os bebês adquirem maior quantidade de tecido adiposo do que massa muscular, o que leva a uma capacidade de gerar força muscular relativamente menor do que ao nascimento38. Em outro estudo, �elen e Fisher39 compararam parâmetros cinemáticos e padrões de ativação muscular dos passos do período neonatal com aqueles apresentados pelas crianças no início da marcha independente. Os resultados sugerem que o padrão de ativação muscular se desenvolve gradualmente durante o primeiro ano de vida e que os passos da criança que inicia a marcha independente são derivados de um padrão mais simples, disponível desde o nascimento. Assim, o bebê só não continua a dar passos ao longo do primeiro ano de vida porque a maturação e a experiência em todos os subsistemas contribuintes, incluindo equilíbrio, controle postural, força muscular e demandas dinâmicas da marcha, ainda não estão prontas38,39. FASE 2 – ATENÇÃO PARA AFFORDANCES E CARACTERÍSTICAS DISTINTAS DOS OBJETOS (DE 5 A 8 MESES) Em torno dos 5 aos 8 meses de idade, os bebês têm maior atenção para a�ordances e características distintas dos objetos, constituindo a fase 2 do desenvolvimento exploratório14. Durante essa fase, novas atividades exploratórias tornam possível a descoberta de um novo conjunto de a�ordances e ocorrem o aumento da acuidade visual e o aprimoramento dos componentes musculares para exploração visual, alcance, preensão e manipulação de objetos (p. ex., bater, balançar, apertar, jogar)40. O bebê aprende sobre o que o objeto oferece, o que pode ser feito com ele, as possibilidades funcionais e o uso. Em outras palavras, o bebê aprende sobre as características distintas dos objetos, ou seja, quais aspectos fazem dele único e como ele se assemelha ou não a outros objetos. A percepção das a�ordances depende tanto da informação disponível quanto do estágio do desenvolvimento do sistema de ação do indivíduo. Esse conhecimento forma a base potencial para a classi�cação das coisas e para dar signi�cado a elas. As especi�cidades de cada objeto, como a discriminação de cor, parecem começar a ser diferenciadas em torno dos 6 meses de idade14. Assim como em outras aquisições motoras, diversos fatores contextuais in�uenciam o desenvolvimento das habilidades manuais, como o corpo do bebê e os ambientes físico, social e cultural. Por exemplo, quando é proporcionado suporte postural a recém-nascidos e bebês muito novos, eles são capazes de estender os membros superiores enquanto olham para um objeto41,42. Entretanto, o alcance bem-sucedido com o contato da mão com o objeto se inicia, em média, aos 4 meses de idade43. Inicialmente, o alcance é caracterizadopor movimentos sinuosos do membro superior com variações na velocidade e mudanças de direção antes do contato com o objeto35,40. Ao longo da segunda fase, o bebê aprimora a capacidade de alcançar os objetos e realizar a preensão, com aumento gradativo do número de alcances e do tempo investido na manipulação de objetos44. A capacidade de realizar a preensão de um objeto abre novas oportunidades para exploração visual, manual e oral e proporciona ao bebê informações sobre as propriedades distintas dos objetos10. Em torno de 5 meses de idade, o bebê é capaz de ajustar a con�guração da pegada da mão de acordo com o tamanho e a forma do objeto. Entre 9 e 10 meses, a mão começa a se fechar em antecipação ao contato com o objeto e a preensão se aperfeiçoa de tal maneira que o bebê é capaz de pegar objetos muito pequenos com o polegar e os dedos (isto é, utilizando a pinça �na)45. Decúbito ventral Durante essa fase, a maior atividade extensora de paravertebrais possibilita maior elevação do corpo na postura de decúbito ventral, deslocando o peso sobre o abdome. O bebê inicia a transferência de peso de modo a se sustentar com apenas um membro superior apoiado para alcançar objetos. A sustentação do peso sobre o punho e os dedos favorece o ganho de mobilidade da mão19,46 (Figura 1.10). Figura 1.10 Bebê sustentando peso sobre um dos membros superiores e liberando o outro para alcançar objetos. As reações de equilíbrio se desenvolvem na postura de decúbito ventral entre os 5 e os 8 meses de idade. Nessa fase, o bebê desenvolve a habilidade de rolar de decúbito ventral para decúbito lateral e também para decúbito dorsal (Figura 1.11). Em acréscimo, nesse período o bebê adquire novas formas de locomoção (isto é, pivotear, arrastar e engatinhar). Figura 1.11 Bebê rolando de decúbito ventral para decúbito dorsal. Para pivotear, o bebê precisa usar seus membros superiores e inferiores e rodar em torno de seu próprio eixo corporal47 (Figura 1.12). Para arrastar, o bebê distribui peso ora sobre um, ora sobre o outro lado do corpo, o que favorece a mobilidade da pelve e alongamento do tronco e a extensão do quadril no lado que sustenta o peso (Figura 1.13). O quadril que se impulsiona trabalha contra uma resistência, favorecendo a diminuição da coxa valga e da anteversão femoral, que são características �siológicas da articulação do quadril ao nascimento. Figura 1.12 Bebê se deslocando em prono por meio de abdução e adução horizontal de ombro de maneira alternada. Figura 1.13 Para se arrastar, o bebê se impulsiona utilizando os membros inferiores de maneira alternada. Para engatinhar, o bebê precisa manter os cotovelos estendidos e realizar a extensão dos ombros de modo alternado. Os membros superior e inferior de lados opostos movem o corpo para a frente48. O engatinhar é uma habilidade que o bebê adquire entre o sétimo e o nono mês de idade; entretanto, alguns bebês não passam por essa fase do desenvolvimento e adquirem a marcha independente ao �nal do primeiro ano de vida sem ter engatinhado49. Isso acontece, muitas vezes, em decorrência do modo como os pais proporcionam ao bebê oportunidades para �car no chão e explorar essa habilidade. Bebês que são estimulados desde cedo a permanecer no colo ou sobre alguma superfície (p. ex., colchão da cama, chão), sustentados na postura de pé, apresentam tendência maior a andar sem engatinhar13. Bebês que pivoteiam ou se arrastam têm mais chance de engatinhar e serem pro�cientes nessa habilidade do que bebês que não experimentaram essas formas anteriores de locomoção. O engatinhar com o apoio das mãos e dos joelhos aumenta a exigência de estabilidade porque o abdome está fora do chão50. A experiência de engatinhar permite que o bebê se locomova independentemente, sem precisar que alguém o carregue, ampliando o acesso rápido a lugares diferentes. Essa nova capacidade de ação favorece a percepção visual e tem implicações no desenvolvimento cognitivo e social do bebê51. Decúbito dorsal Em decúbito dorsal, o bebê aprimora o controle antigravitacional dos músculos �exores e desenvolve as reações de equilíbrio nessa postura. O bebê é capaz de rolar de decúbito dorsal para ventral em torno de 5 ou 6 meses de idade. Para rolar, o bebê precisa realizar a adução do ombro e do quadril, transferindo o peso para um lado do corpo. A cabeça se reti�ca lateralmente e a ação dos abdominais promove a rotação do tronco durante a transferência19 (Figura 1.14). Figura 1.14A a D Bebê rolando de decúbito dorsal para decúbito ventral. O bebê apresenta maiores adução ativa do quadril e extensão do joelho, consegue executar movimentos de �exão do quadril mantendo o joelho em extensão, e ainda pode realizar a ponte de quadril (ou seja, a partir da posição de quadris e joelhos �exionados, o bebê se empurra com os pés e levanta a pelve e o tronco da superfície de apoio)19. Em torno dos 6 meses, o bebê consegue alcançar objetos colocados distantes do corpo, realizando abdução escapular, maiores �exão e adução dos ombros e extensão dos cotovelos (Figura 1.15). Nessa fase, as mãos alcançam os pés e o bebê pode levá-los à boca (Figura 1.16). Em acréscimo, o bebê consegue alcançar objetos além da linha média, usando a pronação do antebraço e a extensão do punho e dos dedos. Para isso, devem estar ativos os músculos serrátil anterior, peitoral maior e manguito rotador. Quando o bebê não quer mais manipular o objeto, ele já consegue abrir a mão para soltá-lo19,52. Figura 1.15 Bebê realizando �exão anterior de ombro com extensão de cotovelo, o que torna possível alcançar objetos posicionados longe do corpo. Figura 1.16 Bebê alcançando os pés e os explorando com a boca. Ao �nal dessa fase, o bebê não costuma gostar muito de �car em decúbito dorsal, uma vez que já é capaz de se transferir e explorar o ambiente utilizando os movimentos de rolar, se arrastar e engatinhar. A postura de decúbito dorsal é utilizada em brincadeiras de exploração de objetos e do próprio corpo (Figura 1.17). Figura 1.17 Postura de decúbito dorsal utilizada para exploração de objetos. Sentado Em torno dos 6 meses de idade, o bebê pode adquirir a habilidade de permanecer sentado sem apoio, pois o controle postural está mais desenvolvido46,49. Inicialmente, os movimentos da cabeça e do tronco se restringem ao plano sagital. À medida que a estabilidade da cintura pélvica e dos membros inferiores aumenta, o bebê consegue realizar a rotação do tronco e alcançar objetos que estão mais distantes de seu corpo13,31. O posicionamento dos membros inferiores em “círculo” ou em anel favorece a estabilidade na postura sentada (Figura 1.18). Os membros superiores �cam livres para alcançar e explorar objetos, possibilitando que o bebê rode, trans�ra objetos de uma mão para a outra e aponte as extremidades deles32. As novas atividades exploratórias tornam possível a descoberta de um novo conjunto de a�ordances, favorecendo o desenvolvimento perceptual e cognitivo do bebê53,54. Figura 1.18 Postura sentada com membros inferiores em anel. O desenvolvimento do controle postural sentado progride da habilidade de se sentar com o apoio das mãos para se sentar brevemente sem o apoio das mãos e, �nalmente, sentar independente55,56. Se o centro de gravidade do bebê for deslocado para além dos limites de estabilidade, ele poderá não ter força muscular su�ciente para se puxar de volta à posição57. Ao longo do desenvolvimento, ele consegue se proteger com as mãos (isto é, reação protetora) para a frente e para os lados e posteriormente voltar à posição inicial sem cair ou precisar se proteger. A rotação da cabeça favorece a mobilidade pélvico-femoral. Em acréscimo, em torno dos 7 meses de idade tem início a lordose lombar, indicando que o bebê apresenta maior grau de extensão da coluna56. Karasik et al.54 observaram bebês de 5 meses de idade em casa enquanto estavam envolvidos na rotina diária com suas mães, durante 1 hora. A pro�ciência da postura sentada, as oportunidades diárias para praticar o sentar, as superfíciessobre as quais o bebê era colocado sentado e a proximidade da mãe foram documentadas em seis grupos culturais diferentes (Argentina, Camarões, Coreia do Sul, EUA, Itália e Quênia). Os autores observaram que os bebês tinham a oportunidade de praticar o sentar em contextos variados (p. ex., chão, cadeira para bebê, sofá e no colo da mãe). A pro�ciência variou consideravelmente dentro e entre os grupos culturais, de modo que a maioria dos bebês se sentou apenas com o suporte da mãe ou de uma mobília, ao passo que 36% conseguiam se sentar independentemente aos 5 meses de idade54. Esse estudo ilustra a variabilidade tanto da idade em que o bebê adquire a capacidade de se sentar independentemente como da pro�ciência, medida em porcentagem de tempo que o bebê permaneceu na postura sentada durante o intervalo de 1 hora. Na realidade, o bebê pode ter inúmeras oportunidades de aprimorar o controle postural sentado enquanto é carregado no colo ou quando é colocado sobre um sofá. Nesse estudo, em média, os bebês permaneceram um terço do tempo de observação sentados no colo das mães enquanto elas estavam envolvidas em atividades diversas, como interagindo face a face, vestindo-os, alimentando-os ou carregando- os. Desse modo, o bebê experimenta diferentes formas de manejo da mãe, o que pode in�uenciar o desenvolvimento do controle postural sentado54. Ao �nal dessa fase, o bebê consegue modi�car a posição dos membros inferiores e se sentar de diferentes maneiras, como, por exemplo, anel, joelhos estendidos, de lado (um quadril em rotação externa e o outro em rotação interna) ou em W (rotação interna dos quadris e �exão dos joelhos). As diferentes maneiras de sentar modi�cam a base de suporte e são usadas para transferência para outras posturas ou para exploração de objetos e do ambiente19 (Figura 1.19). Figura 1.19A a C Diferentes maneiras de sentar: com joelhos estendidos, de lado e em W. De pé com apoio No início dessa fase, o tronco permanece inclinado para a frente e os quadris ainda estão atrás dos ombros quando o bebê é sustentado na postura de pé. O bebê já consegue suportar maior peso corporal nos membros inferiores e geralmente brinca nessa postura de “saltar” (isto é, realizando �exão e extensão de quadris e joelhos simetricamente). Durante esse movimento ocorre a coativação dos músculos ao redor da pelve, fornecendo informação háptica e vestibular ao bebê. Os quadris permanecem semi�exionados e ligeiramente posteriores à linha dos ombros. Os pés estão pronados e os artelhos �exionados19 (Figura 1.20). Figura 1.20 Bebê de 5 meses na postura de pé com apoio. À medida que o controle na postura de pé se desenvolve, em torno dos 7 meses de idade o bebê pode conseguir permanecer de pé com o apoio apenas de uma das mãos e se abaixar para pegar objetos no chão49 (Figura 1.21). Figura 1.21A a C Postura de pé sustentada por um adulto, com apoio dos membros superiores e pegando objeto no chão. Entre os 7 e os 10 meses (8 meses em média) tem início a habilidade de se puxar para a posição de pé. Isso ocorre, muitas vezes, no berço com o bebê se segurando na grade e passando para a posição de pé a partir da postura sentada no colchão. Inicialmente, o bebê se puxa para a posição de pé sustentando a maior parte de seu peso corporal com os membros superiores e realiza a extensão simétrica dos membros inferiores. Com o aprimoramento da força muscular dos membros inferiores, estes se tornam mais ativos durante a transferência58 (Figura 1.22). Figura 1.22 Transferência da postura sentada no chão para a de pé com apoio. Os movimentos de rotação do tronco e da pelve sobre o fêmur na postura de pé auxiliam o aumento da mobilidade da articulação dos quadris e também a formação dos arcos longitudinais dos pés19. Alguns bebês conseguem dar passos curtos quando sustentados pelas mãos de um adulto. Eles mantêm a rotação externa de quadril e a base de suporte alargada19 (Figura 1.23). Figura 1.23 Início da marcha com apoio. FASE 3 – EXPLORAÇÃO AMBULATÓRIA: DESCOBRINDO A CONFIGURAÇÃO DO AMBIENTE (DE 9 A 12 MESES) A fase 3 é denominada por Gibson14 Exploração ambulatória: descobrindo a con�guração do ambiente e se estende dos 9 aos 12 meses de idade, aproximadamente. Com o aprimoramento da locomoção há uma expansão do horizonte e um novo campo de conhecimento é aberto para a criança. A função da percepção é mais uma vez a de guiar a locomoção59. Manter o equilíbrio é particularmente difícil para os bebês devido às suas proporções corporais, ou seja, cabeça maior em relação ao corpo, e também porque a velocidade com que eles caem é maior do que a dos adultos em razão de sua estatura menor. Os bebês se utilizam de várias fontes de informação para manter o equilíbrio: informação háptica de seus músculos, articulações e pele; informação vestibular das acelerações da cabeça, e informação visual do �uxo óptico criado pelos movimentos do corpo10. O desenvolvimento da locomoção é um processo de resolução de problemas, ou seja, o bebê precisa explorar as soluções possíveis para se locomover de acordo com sua capacidade. A descoberta de soluções �exíveis e adaptativas exige aprendizado, repetição e variabilidade em seu repertório motor60. Assim como nas fases anteriores, os pais ou cuidadores têm um papel essencial em proporcionar ao bebê oportunidades para exploração. Eles promovem a ação do bebê mediante a organização do ambiente e da tomada de decisões, como deixá-lo brincar no chão e dar acesso monitorado a escadas e a mobílias que deem suporte às ações do bebê durante a descoberta da con�guração do ambiente46. Decúbito ventral Na fase 3, as atividades preferidas pelo bebê se tornam o engatinhar e o escalar. Enquanto o bebê explora o ambiente, suas habilidades perceptivas são desenvolvidas e ele aprende a encontrar soluções para se desfazer de cada tipo de obstáculo e sobre as relações entre seu corpo e o ambiente19. Variações do engatinhar podem integrar o repertório de habilidades do bebê, como, por exemplo, engatinhar com apoio de um pé na lateral ou com as mãos e os pés apoiados no chão, além do engatinhar com o apoio das mãos e dos joelhos (Figura 1.24). Quando o bebê engatinha com o apoio das mãos e dos pés no chão, os joelhos permanecem em ligeira �exão ou estendidos, o que exige maior estabilidade dos ombros e o controle da pelve. O engatinhar com o apoio das mãos e dos joelhos no chão se aprimora ao longo do tempo, com posicionamentos dos quadris em menor abdução e rotação externa e maior distribuição do peso e sustentação na diagonal50,61. Figura 1.24A a C Variações na postura de quatro apoios: com joelhos apoiados, com um pé e um joelho apoiados e com os pés apoiados no chão. Quando o bebê está explorando o ambiente e encontra um obstáculo no caminho (p. ex., uma almofada) ou deseja pegar um brinquedo que está em cima ou embaixo do sofá, ele usa a escalada para transpor o obstáculo, subir no sofá ou se arrasta ou engatinha debaixo de mobílias. Essas experiências proporcionam informação sobre seu próprio corpo e sobre o ambiente, aprimorando a percepção espacial e de profundidade19 (Figura 1.25). Figura 1.25A a D Exploração da configuração do ambiente. Sentado Em torno dos 9 aos 12 meses de idade, a postura sentada é usada para explorar objetos e para o bebê se transferir para a posição semiajoelhada, de quatro apoios ou de pé, à medida que se interessa por algo no ambiente51. O bebê consegue alcançar objetos ao lado e atrás do corpo e usa a rotação do tronco para passar para quatro apoios a partir da postura sentada19 (Figura 1.26). Figura 1.26 Transferência da posição sentada para a de quatro apoios com rotação de tronco. De pé As capacidades de ação se aprimoram de modo a favorecer a exploração do ambiente. O bebê consegue assumir as posturas ajoelhada e semiajoelhada e nelas permanecer sem suporte externo para brincar (Figura 1.27). Outra habilidade adquirida nessa fase é a postura de cócoras, na qual o bebê permanece agachado, com �exão de quadris e joelhos, para explorar algum