Lutando contra as lágrimas, neto de Churchill deixa a política e ataca Johnson - Jornal O Globo
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Lutando contra as lágrimas, neto de Churchill deixa a política e ataca Johnson

Após 37 anos de Parlamento, Nicholas Soames disse que sua expulsão do Partido Conservador foi o fim de sua carreira política
Nicholas Soames, em uma de suas últimas participações no plenário, antes de votação de pedido de urgência de projeto para barrar um Brexit sem acordo Foto: Simon Dawson / REUTERS
Nicholas Soames, em uma de suas últimas participações no plenário, antes de votação de pedido de urgência de projeto para barrar um Brexit sem acordo Foto: Simon Dawson / REUTERS

LONDRES — Ao se levantar para falar diante de um Parlamento quase vazio na quarta-feira, Nicholas Soames , neto de Winston Churchill, engasgou, lutando contra as lágrimas.

Aos 71 anos, Soames é parlamentar há 37 anos, sendo bastante popular, conhecido por seu senso de humor. Mas agora ele estava anunciando sua decisão de se aposentar da política, um dia depois do premier Boris Johnson tê-lo expulsado do Partido Conservador. Ele se juntou a um grupo de 21 conservadores que desafiaram Johnson na noite da terça-feira ao votar a favor de uma lei que pavimentaria o caminho para bloquear um Brexit sem acordo de transição .

— Estou muito triste que tudo tenha acabado desta maneira — afirmou Soames. — A minha esperança mais fervilhante é que essa casa redescubra o espírito do compromisso, humildade e compreensão, que nos permitirá seguir adiante com o trabalho vital nos interesses de todo o país, algo que inevitamelmente foi, de maneira triste, negligenciado enquanto dedicamos tanto tempo nessa luta em torno do Brexit.

Se o Brexit está abalando as fundações da política partidária no Reino Unido, a expulsão e a resignação de Soames são coisas que, até pouco tempo atrás, seriam inimagináveis. É especialmente curioso que Johnson, que o colocou de lado, considere Churchill um de seus maiores heróis, inclusive tendo escrito uma biografia sobre o líder britânico da Segunda Guerra.

Soames, cuja mãe era a filha mais nova de Churchill, disse que votou contra o Partido Conservador em três ocasiões durante os seus 37 anos de mandato, mas que foi a primeira vez em que teve sua filiação retirada, o impedindo de representar o partido no Parlamento.

— Fui informado por um líder do partido, que é meu amigo e de quem gosto muito, que esse era seu triste dever me informar que teria minha filiação removida após 37 anos como representante dos conservadores no Parlamento — afirmou em uma entrevista à BBC. — São os fatos da guerra, eu sabia o que estava fazendo.

Rebelião Conservadora

Determinado a levar adiante o Brexit no dia 31 de outubro “de qualquer maneira”, Johnson se tornou cada vez mais cruel, exacerbando divisões existentes dentro de seu partido sobre a saída britânica da União Europeia . Desde que chegou ao cargo, em julho, Johnson expulsou ministros e ordenou uma suspensão de 5 semanas do Parlamento , como estratégia para limitar a capacidade de questionamentos ao seu plano para deixar o bloco com ou sem um acordo de transição.

Mas os legisladores revidaram na terça, com o apoio dos rebeldes conservadores, ao brigar pelo controle da agenda parlamentar em um voto no plenário. Em seguida, foram atrás de uma legislação para impedir um Brexit sem acordo.

Soames diz que a estratégia era um plano de Johnson para levar a uma eleição geral, onde se colocaria como o candidato pró-Brexit, atacando assim o Partido do Brexit, de Nigel Farage ,

— É uma vergonha, uma grande vergonha, que tudo isso estava diante de mim — diz Soames. — Era exatamente o que queriam, eles ainda tentarão uma eleição geral, que é o seu grande objetivo.

Os parlamentares expulsos, ou, em termos técnicos, “deseleitos”, poderão concorrer nas próximas eleições como independentes, mas Soames diz que não fará isso.

Polêmicas e vinho

Desde o início de sua carreira política, Soames se confrontou com a sombra de seu avô, mas conseguiu criar seu próprio espaço.

Em 1952, quando Soames tinha 5 anos, era não tinha noção da importância de seu avô. Ele disse ao jornal The Guardian que uma vez entrou no quarto de seu avô e perguntou: “É verdade, vovô, que você é o maior homem do mundo?”.

“Sim, eu sou”, respondeu Churchil. “Agora caia fora”.

Soames, que recebeu o título de Cavaleiro das mãos da rainha Elizabeth II por seus serviços na política, também é conhecido por ser impetuoso. Guy Woodward, um jornalista que o entrevistou sobre sua paixão pelo vinho, descreveu a experiência como “dolorosa”.

“O decano conservador não fala com você, mas através de você, poucas vezes parando para respirar”, escreveu Woodward na revista Decanter Journal.

O veterano do Parlamento, casado duas vezes e com três filhos, foi acusado de ser um dos parlamentares mais sexistas. No livro “Women in Parliament — The New Suffragettes” (“Mulheres no Parlamento — As Novas Sufragistas”, sem edição em português), pelo menos seis mulheres acusam Soames de abuso sexual verbal. Outras o acusam de fazer gestos com as mãos, incluindo relacionados aos seios das muheres, de acordo com o jornal The Independent.

Soames disse que as acusações “são sem sentido” e não passavam de “ficção para vender o livro”.

Por sua parte, Johnson falou diversas vezes sobre sua profunda admiração pela liderança de Churchill e marcou o 50º aniversário de sua morte, em 2014, publicando uma biografia, “The Churchill Factor: How One Man Made History” (“O Fator Churchill”, título da edição em português).

Na introdução ele escreveu: “Quando eu estava crescendo não havia dúvida sobre isso. Churchill foi o maior homem público que o Reino Unido já produziu. Desde cedo eu tive a ideia do que ele fez, liderou meu país a uma vitória, contra todas as previsões, diante de uma das mais nojentas tiranias que o mundo já viu”.

Ao final a “deseleição” foi mais uma coisa que Soames tinha em comun com seu avô. Ele também foi alvo da medida em 1904, após uma discussão sobre livre comércio. Politicamente, porém, se recuperou.