A arquiduquesa reflecte com muita lucidez e sagacidade e deseja ter uma ideia dos negócios. Possui tal ambição por reinar e tantas condiçõespara esta missão que considera o seu pai quase como um administrador […] Possui um espírito e uma lógica implacáveis […] É alegre e jovial.”

Este foi o lisonjeiro retrato que o embaixador britânico em Viena fez de Maria Teresa de Habsburgo, arquiduquesa de Áustria. Decorria o ano de 1733 e a princesa, que tinha apenas 16 anos, já mostrava qualidades de liderança e força de carácter que a converteriam numa das soberanas mais poderosas do século XVIII, tal como Catarina da Rússia, Luís XV de França ou Frederico da Prússia, este último o seu grande inimigo.

 

A admiração do diplomata também é explicada pela circunstância excepcional de uma mulher ser herdeira do trono dos Habsburgos. Isto só era possível desde 1713, quando o imperador Carlos VI, o pai de Maria Teresa, promulgou uma nova lei, a Pragmática Sanção, que regulava a sucessão austríaca. Estabelecia que os domínios patrimoniais dos Habsburgos (os territórios, como os da actual Áustria, que lhes pertenciam hereditariamente, ao contrário de outros títulos, como os de reis da Boémia e da Hungria ou imperador, que eram por eleição) seriam indissolúveis e que, à falta de um herdeiro varão, poderiam herdá-los as filhas ou netas do imperador. A nova disposição viria a ter utilidade após a morte do filho primogénito de Carlos em 1716 e o nascimento, no ano seguinte, de Maria Teresa.

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Em 1760, o filho mais velho de Maria Teresa, o futuro imperador José II, casou-se com uma princesa italiana, Isabel de Parma. O enlace foi celebrado em Viena em grande estilo, com um desfile de coches; a boda na igreja dos Agostinhos; um banquete em Hofburg, o antigo castelo-palácio dos Habsburgos, e um concerto. Martin van Meytens, o pintor da corte, representou estes actos numa série de óleos espectaculares.

Preparada para reinar

Carlos VI colocou todo o seu empenho em assegurar a posição da filha como futura soberana. Insistiu que tanto os súbditos como os demais Estados europeus reconhecessem a validade da Pragmática Sanção, que alguns príncipes desejavam impugnar para colocar dificuldades aos Habsburgos. Ao mesmo tempo, proporcionou à filha uma cuidada educação, que incluiu lições de história, matemática, latim e idiomas modernos, aulas de canto e dança e de etiqueta. A partir dos 15 anos, a herdeira foi obrigada a assistir aos conselhos de ministros.

Aos 19 anos, Maria Teresa casou-se com um príncipe alemão, Francisco Estêvão, duque de Lorena. Como as mulheres não podiam ser “imperatrizes”, esperava-se que fosse ele designado como imperador, embora o poder se mantivesse nas mãos dos Habsburgos.

Carlos VI faleceu em 20 de Outubro de 1740. Dois dias depois, Maria Teresa compareceu perante a corte. Firme por baixo do dossel da Sala de Cavaleiros de Hofburg, o palácio real de Viena, declarou com voz potente: “Quero ser vossa abnegada soberana em tudo e vossa mãe até à morte.” As dificuldades que tinha pela frente pareciam muito superiores às forças de uma jovem de 23 anos.


 

À morte de Carlos VI, o império não passava pelos melhores momentos. O exército austríaco tinha menos de 100 mil homens e estava desmoralizado. Os ministros estavam divididos e a nobreza era comparada com os romanos na fase decadente do respectivo império, mais preocupados com as suas villae do que com os destinos da sua pátria. A própria Maria Teresa descreveu mais tarde o panorama que encontrou ao chegar ao trono: “Ninguém me contradirá se afirmo que dificilmente se encontra na história um exemplo de outra soberana que tenha tomado as rédeas do governo em circunstâncias mais penosas do que aquelas em que eu me debatia.

As tropas, antigamente consideradas como as primeiras da Europa e o terror dos seus inimigos, tinham perdido quase todo o seu prestígio. A peste fazia estragos na maior parte do território; as fronteiras estavam abertas por toda a parte. Os cofres tinham escassos milhares de florins […] As dificuldades pareciam insuperáveis.”

Áustria invadida

Esta situação debilitada despertou a cobiça de outros soberanos, em particular de Frederico II da Prússia, que no mesmo ano de 1740 invadiu de surpresa a rica região da Silésia.
A Baviera também roubou a sua fatia, e o seu líder eleito, Carlos Alberto, conseguiu que o elegessem imperador em 1742 (coroado como Carlos VII), o primeiro príncipe não Habsburgo a obter esta honra em três séculos. Por seu lado, Augusto da Saxónia reclamou a Morávia; Carlos Manuel da Sardenha, o Milanês, e Filipe V de Espanha, os ducados de Parma e Piacenza. Até a França se aliou com a Prússia, integrando um exército aliado que em 1742 invadiu a Alta Áustria.

Esse foi o momento mais crítico do reinado de Maria Teresa, pois a intimidante aliança de inimigos estava disposta a repartir entre si os despojos do império. A rainha não se intimidou. Obteve ajuda da Grã-Bretanha, receosa do engrandecimento da Prússia e da França no continente, e cativou a nobreza húngara para o seu lado. Conseguiu salvar a situação e em 1748 negociou um tratado de paz, em Aix-la-Chapelle: perdia a Silésia para a Prússia, mas salvaguardava o grosso dos seus territórios.

O império austríaco mantinha-se nas mãos dos Habsburgos depois de Francisco Estêvão ter sido coroado em 1745 e  consolidava a sua unidade como grande potência, que manteria até à Primeira Grande Guerra. Oito anos depois deste tratado, aconselhada pelo seu chanceler Kaunitz, Maria Teresa estabeleceu uma aliança com a França para recuperar a Silésia, dando origem à guerra dos Sete Anos (1756-1763). Não conseguiu o seu objectivo, mas estendeu os seus domínios na Galícia e em Bucovina, garantindo a sucessão imperial do seu filho José II.

O seu envolvimento na guerra de 1740-1748 foi decisiva para consolidar o seu poder. Anos depois, um diplomata italiano recordava que, durante a guerra, “a solene entrada da rainha nas cidades, montada na sua égua branca, saudando graciosamente as populações, fez muito nos inícios do reino para calar a boca aos que murmuravam que a coroa tinha recaído sobre fêmeas”. Outros recordavam-na a ocupar-se da guerra mesmo grávida, ao dizer: “Não sei se me restará alguma cidade onde dar à luz.” Na sucessão das suas reformas administrativas e económicas, inspiradas pela experiência da derrota frente à Prússia, o seu carácter humanitário – o seu lema pessoal era Justita et clementia – e o seu sentido de dignidade fizeram de Maria Teresa uma “mãe” (Landesmutter) para os austríacos.


 

Caseira e jovial

Apesar da sua irrefreável ambição política, Maria Teresa foi também uma mulher de família.
O seu casamento com Francisco Estêvão foi feliz. Tiveram 16 filhos, dos quais só dez atingiram a idade adulta. Gostava de ser pintada acompanhada de toda a sua família, num ambiente surpreendentemente “burguês”, com uma simplicidade que contrastava com a opulência de outras cortes europeias. A família passava o Inverno em Viena, no Hofburg, antigo palácio-castelo dos Habsburgos. Maria Teresa e Francisco estabeleceram residências de Verão para onde iam com a corte desde os finais de Abril, como o Schönbrunn, chamado por vezes de Versalhes austríaco, embora na realidade tivesse dimensões muito mais modestas.

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Retrato de família. Maria Teresa da Áustria com a sua família: a imperatriz e o seu marido tiveram 16 filhos, entre os quais a futura rainha de França, Maria Antonieta. Quadro de Van Meytens, Versalhes.

Em todos estes palácios, mesmo nos momentos mais difíceis, a alegria era a tónica dominante, com frequentes comédias, dança, concertos e bailes de máscaras. O Carnaval era uma das festas preferidas da rainha, segundo descreveu o conde de Khevenhüller em 1743: “Nunca está tão contente a imperatriz como durante os dias em que se mistura com a multidão, disfarçada, incógnita.”
A música tinha grande presença na corte, onde foram acolhidos os principais compositores da Europa, como Haydn, Gluck ou Mozart, quando ainda era um menino. O pai do compositor anotou a visita no seu diário: “Fomos recebidos pela imperatriz Maria Teresa de Áustria e pelo imperador, perante os quais Wolfgang protagonizou dois concertos, sendo felicitado pela augusta senhora.”

Tempos de aflição

No entanto, na corte vienense, nem tudo eram carnavais e festas profanas. As celebrações religiosas, como se poderia esperar de um Estado que era o baluarte do catolicismo, tinham grande peso. O duque de Richelieu, embaixador em Viena, manifestava ao cardeal de Polignac, seu colega em Roma, o cansaço ocasionado pela obrigatoriedade de assistir a tantas cerimónias: “Os embaixadores estão obrigados a seguir a corte como camareiros […] Não há um capuchinho, por mais forte que seja a sua saúde, que possa resistir a vida semelhante durante a Quaresma […] Permaneci no total, desde o Domingo de Ramos até quarta-feira depois da Páscoa, cem horas na igreja seguindo o imperador […] Estou esgotado!”

Depois de anos de felicidade, chegaram os revezes da fortuna. Em 1761, um dos seus filhos, Carlos José, morreu de varíola, aos 16 anos. A imperatriz ficou profundamente deprimida e, considerando a varíola como inimiga da família imperial, preveniu a propagação da doença pelos seus domínios, fornecendo vacinas. Um golpe ainda mais duro foi produzido pela morte do marido Francisco Estêvão em 1765, vítima de apoplexia. Desanimada, confessava numa carta à sua amiga condessa Edling: “Perdi o mais amável dos esposos […] Ele era todo o consolo da minha dura existência; agora para mim nada mais resta […] Que Deus me ilumine e conforte, se ainda tiver de vaguear mais algum tempo por este mundo!” No seu missal, anotou o cálculo do tempo que vivera na sua companhia: “Francisco I, o meu esposo, faleceu em 1 de Agosto, às nove e meia. Viveu 680 meses, 2.958 semanas, 20.778 dias, 496.992 horas. A nossa feliz união durou 29 anos, 6 meses e 6 dias, ou seja 1.540 semanas, 10.781 dias, 358.774 horas.”


 

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O inventor da vacina. Retrato de Edward Jenner, óleo sobre tela de Charles Meynier. O médico britânico foi o primeiro a proporcionar a vacina contra a varíola. Instituto Pasteur, Paris.

Dois anos depois, ela própria contraiu a varíola enquanto cuidava da sua nora Josefa. Ao contrário desta, a imperatriz sobreviveu, mas a sua saúde ressentiu-se gravemente. “Estou mais gorda do que a minha defunta mãe” – escreveu à condessa Edlding. “E também corada, sobretudo desde a varíola. Os pés, o peito e os olhos estão uma lástima. Os primeiros estão muito inchados. Não posso queixar-me: a natureza humana tem de acabar. Tive saúde durante 50 anos; é justo que também eu sinta algo. É uma misericórdia de Deus!”

Apesar disso, em nenhum momento Maria Teresa abandonou os assuntos públicos. Depois da morte do marido, em teoria o poder deveria transitar para o seu filho José II. Pontualmente, a rainha-mãe cedeu à vontade deste – como na divisão do reino da Polónia em 1772, à qual se opôs por a considerar uma injustiça –, mas manteve-se à frente do império até à sua morte, em 29 de Novembro de 1780. Um poeta alemão, Klopstock, honrou nessa altura Maria Teresa como “a maior da sua estirpe, por ser a mais humana”.

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José II, filho e sucessor. A figura de porcelana sobre estas linhas representa José II, filho e sucessor de Maria Teresa da Áustria. É uma obra do escultor Anton Grassi, de 1780. Palácio Pitti, Florença.

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