Luís Graça & Camaradas da Guiné

quinta-feira, 25 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25442: No 25 de abril eu estava em... (33): No regresso de uma operação no mato, já no dia 26, com a malta (que tinha ficado no aquartelamento) a gritar, eufórica, no heliporto, à nossa espera: ""Meu furriel, a guerra acabou, a guerra acabou"...A notícia tinha sido escutada na BBC por um dos um militares, rádio-amador na vida civil (José Manuel Lopes, ex-fur mil, CART 6250/72, Mampatá, 1972/74)




Guiné > Região de Quínara > Buba > Jilho de 1974 > A LDG carregada com o material da companhia, a CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74), a sair do cais de Buba, a caminho de Bissau, depois de terminada a comissão.


Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > Em quase todos os aquartelamentos do CTIG, houve a seguir ao 25 de Abril de 1974, entre maio e junho, tentativas mais ou menos bem sucedidas de aproximação do PAIGC às NT, com vista ao cessar-fogo, ao fim da guerra e à reconciliação (e vice-versa, das NT em relação ao PAIGC). Nesta foto, vemos o ex-fur mil José Manuel Lopes (o poeta Josema) com um guerrilheiro do PAIGC.  Mais difícil foi, de facto,  a aproximação entre o PAIGC e os militares e mlícias guineenses que estavam do lado das NT, como foi o caso dos Comandos Africanos.

Fotos (e legendas): © José Manuel Lopes (2008). Todo os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



 1. O José Manuel Lopes, o Josema (pseudónimo literário), o Zé Manel da Régua (terra da sua naturalidade), vitivinicultor (Quinta Senhora da Graça),  foi Fur Mil Inf Armas Pesadas, com o curso de Operações Especiais  e a especialidade de Minas e Armadilhas. 

É  uma figura, muito querida e popular, da nossa Tabanca Grande.

Soube do 25 de Abril, já no dia seguinte, quando vinha de uma operação no mato e viu um grupo  de camaradas da CART 6250/72,  à sua espera, no heliporto de Mampatá, agitadíssimos, muito eufóricos, a gritar "Meu furriel, a guerra acabou, a guerra acabou!" (*).

Como noutros lados, pela Guiné fora, A notícia tinha sido escutada na BBC, por um dos um militares, que na vida civil era rádio-amador.

2. Recorde-se que a sua  unidade esteve entre 1972 e 1974, sempre em Mampatá, subsector de Mampatá,  sector S2 (Aldeia Formosa).

A tropa vivia misturado com a população (maioritariamente, futa-fula, razão talvez por que nunca foram atacados). Não tinham artilharia, só mais tarde é que passaram a ter obus 14, que dava apoio às operações de segurança de construção da estrada Aldeia Fomorsa (Quebo)-Mampatá-Salancaur. Também aqui, em Salancaur, abriram um destacamento (arame farpado, valas e tendas).

O essencial da missão da companhia era fazer segurança aos trabalhos da nova estrada Aldeia Fomorsa (Quebo) - Mampatá - Salancaur, que ficou asfaltada antes do 25 de Abril... Tratava-se de uma obra que ia ao encontro da estratégia do Spínola, a da contra-penetração nas regiões libertadas do PAIGC: a  obra parou com o 25 de Abril: o novo troço deveria ter uns 30 quilómetros.

Segundo a história que nos contou ao entrar para a Tabanca Grande (em 27 de fevereiro de 2008) (**)  , tinha sido inesperadamente mobilizado para a Guiné, já com 18 meses de tropa... Juntou-se à malta da CART 6250, que era constituída por gente do interior (do Alentejo, das Beiras, do norte)... A unidade mobilizadora foi o regimento de Vila Nova de Gaia.

Após realização da IAO, de 30jun72 a 26Jul72, no CIM, em Bolama, seguiu em 29jul72 para Mampatá, a fim de efectuar o treino operacional e  a sobreposição com a CCaç 3326.  Em   Buba tiveram logo o baptismo de fogo.

Em 24ago72, assumiu a responsabilidade do referido subsector de Mampatá, ficando integrada no dipositivo e manobra do BCaç 3852 e depois do BCaç 4513/72, sendo orientada, inicialmente, para a segurança e protecção dos trabalhos da estrada Marnpatá-Buba e depois para a contrapenetração no corredor de Missirã, em conjugação com outras subunidades do sector. 

Em 10fev73, a CART 6250/72  destacou dois pelotões para Colibuia, no mesmo subsector, para construção do aquartelamento respectivo e execução dos trabalhos de reordenamento das populações.

Em 6set73, após substituição pela 2ª Comp/BCaç 4516/73, os pelotões recolheram à sede da subunidade, voltando, em 9nov73, a destacar um pelotão para Colibuia, a fim de integrar um destacamento, em conjunto com outro pelotão de outra subunidade, o qual substituíu a 3ª Comp/BCaç 4516/73, ali colocada do antecedente.

Em 22 e 23lu174, após ter sido substituída no subsector de Mampatá por forças do BCaç 4513/72, recolheu a Ilondé, a fim de aguardar o embarque de regresso.

 
3. Ele e a companhia dele seguiram os acontecimentos de Guileje em maio de 1973, e saíram de Mampatá para fazer segurança à CCAV 8530, restantes forças e população civil, que andaram perdidos, nesse perigoso campo de minas, que era todo o corredor de Guileje, montadas umas pelo PAIGC e outras pelas NT; aliás, a sua CART 625o foi uma das unidades que mais minas levantou, durante a guerra e no final da guerra; recorda-se que se pagava mil escudos por cada mina levantada...

Durante a sua comissão, ele próprio costumava andar com um lápis e um caderninho n0 bolso, onde nomeadamente ia escrevendo os seus poemas... Fez versos  que depois  eram acompanhados com músicas conhecidas da época, de autores contestatários como o Zeca Afonso. Chegou a fazer um poema por dia. A maioria foi destruída, já depois da "peluda"... Salvaram-se umas escassas dezenas, que fomos publicando na série "Poemário do José Manuel" (trinta postes, o último em  29 de setembro de 2009)...

Durante anos não falou da guerra colonial com ninguém... Teve conhecimento do nosso blogue, porque viu o programa Câmara Clara, da RTP Dois, a Paula Moura Pinheiro, edição de 24 de Fevereiro de 2004, que foi dedicado à literatura sobre a guerra colonial, e teve dois convidados em estúdio, os escritores Lídia Jorge (autor da Costa dos Murmúrios...) e Carlos Matos Gomes (que assina Carlos Vale Ferraz, o autor de Soldadó)- 

Nessa edição, o fundador e editor deste blogue foi entrevistado; o nosso blogue foi amplamente divulgado; o programa passava também na RTP África e na RTP Internacional.
Ficou muito sensibilizado e até emocionado, e foi visitar o blogue de que passou a ser visita diária...
 
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quarta-feira, 24 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25441: CCAÇ 675 - Guiné 1964 / 66 - Retalhos do nosso pós-guerra - II (Parte III e última) (Belmiro Tavares)


CCAÇ 675
Guiné 1964 / 66
Retalhos do nosso pós-guerra - II (Parte III)

Belmiro Tavares

2023/24


O Nascimento era um trabalhador incansável! Inteligente, como era, sabia trabalhar sem usar a força… bruta. Sabia, devido à sua experiência de vida, cumprir ordens com o menor esforço possível; estava sempre em, todas!

O Nascimento, quer no serviço intramuros quer no mato, ocupava sempre o primeiro lugar na secção e… foi esse o princípio do seu fim. Mais uma vez, ele colocou-se, no topo da coluna e fez explodir uma mina antipessoal – provavelmente teria uma carga de trotil acoplada.

Recordemos como aconteceu o pavoroso acidente que vitimou, irremediavelmente, o Nascimento naquele dia aziago, dia de triste memória para todos nós.

Naquele tempo, o alf. Tavares encontrava-se em Bissau, na consulta externa de otorrino (otorrinolaringologia) do hospital Militar; os seus ouvidos não resistiram a tantas e tão agressivas intempéries, acompanhadas de violentos rebentamentos de explosivos vários. Por esse motivo, o alf. Mendonça comandou, naquele dia, o 3.º pelotão. Como devem lembrar-se, ainda em Bissau, o Mendonça ficou sem o seu “pelotão de acompanhamento”; as suas esquadras de morteiro, de “breda” e de LGF foram distribuídas pelos outros três grupos de combate.

Nesse dia, a patrulha destinava-se à região de Buborim, o limite oeste da nossa zona. Pouco depois de Banhima, o pessoal saiu para a margem esquerda da estrada, enfronhando-se, entre o capim espesso, alto e encharcado, devido à chuva intensa que caía desde alta madrugada. O Nascimento entrou num “trilho” que a nossa tropa abrira, uns dias antes. O normal (todos sabiam mas, na hora, escolhe-se, regra geral, o caminho mais fácil) seria abrir nova vereda mas, devido às dificuldades ambientais e à falta de experiência da chefia, escolheu-se o caminho menos complicado, na aparência, mas… errado e perigoso. Percorridos poucos metros, ouve-se a enorme explosão… duma “bomba” potente, um rebentamento descomunal. O enfermeiro, Pereira, 1.º cabo n.º 2515, natural de Entre-os-Rios (entretanto, já falecido), acorreu à cabeça da coluna (local da explosão) e deparou com um acidente horroroso – estendido no capim, o Nascimento tinha apenas um pé; o outro não mais foi avistado. O profissional da Enfermagem, cumpriu cabalmente, o seu dever: um garrote para estancar a perda de sangue; um penso para proteger a zona afetada e soro para reestabelecer a pressão da corrente sanguínea. Naquele local e com os meios disponíveis, nada mais poderia fazer para reverter a situação.

Devemos ter em devida conta que os nossos enfermeiros levavam sempre, a tiracolo, uma bolsa enorme cheia de medicamentos e similares para enfrentar as situações mais complicadas. A maior carga seria a elevada quantidade de frascos de soro – e quantas vezes nos fizeram um jeitão do caraças! À saída do aquartelamento, aquela bolsa pesaria uns vinte quilos… bem medidos.

Um dia, em data que não conseguimos confirmar, patrulhávamos a região de Sanjalo; a CCav 487, de Farim, andaria, ali perto, como havia sido acordado. Detetámos um acampamento e os seus ocupantes foram obrigados a dar corda às sandálias; fugiram em direção à estrada de Farim. Minutos mais tarde, ouvimos, mais a sul, um forte tiroteio. A 487 vinha, estrada fora e teve de pagar as favas.

Corremos em direção à dita estrada onde, segundo informação do PCA, havia um ferido grave. Quando nos encontrámos com a tropa de Farim, ficámos aturdidos com aquela confusão; ninguém conseguia gerir a situação. Além do mais, eles traziam poucos medicamentos. Os nossos enfermeiros entraram em ação e a barafunda acabou. Parecia que os nossos (os de Binta) eram os “velhos” e os 487 aparentavam ser “os periquitos”. Nós sabíamos que o BCav 490 tinha participado na tão badalada “guerra do Como” que terá sido algo extremamente complicado. Avante!

Voltemos ao tema do nosso caro Nascimento! Via rádio, foi logo pedida a evacuação dum ferido tipo Y (épsilon); tratava-se duma espécie de código que significava um “ferido muito” grave. O heli não aparecia; o homem do rádio insistia. Passado “longo tempo” (naquela azáfama, um minuto parecia uma eternidade) informaram da base aérea de Bissau que, devido ao mau tempo, o heli não podia sair – o risco seria enorme! Decidiu-se voltar ao aquartelamento (Binta), em alta velocidade (a velocidade possível, em tais estradas). A cor do rosto do Nascimento e o seu comportamento faziam prever o pior. Em Binta, o dr. Barata poderia fazer mais um dos seus preciosos milagres. Era a esperança, a tábua de salvação daquele pessoal atormentado.

Durante o percurso, um solavanco mais forte desequilibrou o soldado que segurava o frasco do soro e a agulha “desenfiou-se” da veia, deixando o sinistrado sem receber soro. Tentaram reintroduzir a agulha no local devido mas… tal não foi possível. Mais à frente, falaremos de “veias bailarinas”.

Os homens do Rádio continuavam a insistir, nervosamente, na evacuação dum ferido muito grave. Estes chamamentos aflitivos chegaram aos ouvidos do piloto, Honório; sabendo tratar-se da CCaç 675, voluntariamente, ele decidiu rumar a Binta, numa avioneta; fez voo rasante, ao longo da costa e depois sobre o Cacheu, aterrando, um pouco mais tarde, em Binta e em segurança. Levava consigo um mecânico. Porquê um mecânico e não um enfermeiro? Certamente terá pensado que, no meio daquele temporal, o mecânico poderia ser-lhe mais útil, ou seria o que tinha, ali, à mão. Por outro lado, ele sabia que em Binta havia um médico ótimo e enfermeiros muito bons.

Na pista de Bissau, uma ambulância aguardava a chegada do Honório com o sinistrado. Após a aterragem, a transferência foi rápida mas, logo, se aperceberam que o garrote vinha desapertado e o Nascimento perdia sangue. Reapertado o garrote, a ambulância seguiu, em velocidade, para o HM 241. Entrou na estrada principal e… o inacreditável aconteceu! Um pneu “explodiu”! O condutor correu, até à base e trouxe outra viatura.

Depois de tantos “trancos e solavancos”, o Nascimento veio a falecer, nas escadas de acesso ao HM – um azar do caraças.

Parecia que o Nascimento pressentiu que chegara ao seu dia fatídico. O enfermeiro, Oliveira, contou que, naquele dia o soldado Nascimento foi dos últimos a entrar na formatura, às primeiras horas daquele dia estuporado. Normalmente, ele era um dos primeiros a chegar. Pediu desculpa pela demora e justificou-se: - “Estive a arrumar a correspondência”. Coincidências estranhas, em dia de tanto azar!

Nesse dia, 30 de julho, o Tavares encontrava-se, em Bissau, e de nada sabia. À tarde, casualmente, encontrou o Honório, na baixa da cidade, e ele informou:
- Fui, hoje, a Binta! Trouxe um ferido que faleceu, já no hospital!
- Onde o recolheste?
- Em Binta!
- Sabes o nome do sinistrado?
- Nascimento!
- Que grande porra! É meu!

O Tavares “pegou” um táxi para o HM. Logo, à entrada, encontrou o enfermeiro, Martins, o Rato, de quem falámos no texto anterior. Ele encontrava-se, tremendamente, nervoso, mesmo exaltado! Ele perguntou:
- Sabe o que aconteceu, meu alferes?
- Sei! A vítima fatal foi o pobre do Nascimento!

O Rato praguejava por todos os poros e comentou:
- Eu safei vários em estado bem mais grave! Não sei como isto pode ter acontecido. Será bom que se averigue!

Seguido pelo Tavares, o Rato percorreu uns corredores, abriu uma porta, sacudiu, bruscamente, um lençol e… ali estava o Nascimento, estendido sobre um colchão… sem um pé mas, inacreditavelmente, estava defunto.

O Tavares procurou o médico de serviço a quem solicitou explicações. Ele declarou:
- Sei, apenas, que o soldado morreu, antes de entrar no hospital; se ele aguentasse mais uns segundos e entrasse na sala de operações, não morreria. Nada mais sei! Nada mais posso acrescentar!

O Tavares retorquiu:
- Ainda ontem, eu vi um alferes entrar neste hospital com as duas pernas cortadas por uma rajada, a nível dos joelhos e não morreu. Como é que este não resistiu… apenas com a falta de um pé?

Eis a resposta do médico:
- Algo terá corrido mal entre a hora do acidente e a chegada a este hospital. Sobre isso, nada posso adiantar, porque desconheço, em absoluto. Se pretender outros pormenores, o melhor será seguir o caminho em sentido inverso.

Entretanto, em Binta, logo pela manhã, o dr. Barata, o nosso bom Galeno e o Oliveira, contactaram o HM 241 para saber novas do Nascimento. Receberam, de chofre, a notícia mais brutal e inesperada:
- O Nascimento morreu!

Seguindo o conselho do médico do hospital, o Tavares socorreu-se do piloto Honório para saber outros pormenores. O Honório, um grande amigo e admirador da CCaç 675, averiguou com os telegrafistas da base aérea como tudo tinha acontecido:
- O “teto baixo” atrasou e impediu o socorro, apesar das insistências…

O Tavares interrompeu, perguntando:
- O que é isso de “teto baixo”?

Explicaram:
- São nuvens e/ou nevoeiro espesso, rente ao solo; com teto baixo, o heli não pode sair.

Ninguém ordenou que o Honório partisse para Binta, de avioneta, mas ele era arrojado e, sabendo que a CCaç 675 estava em dificuldades, saiu por sua conta e risco.

De seguida, o Honório solicitou a um médico, ali presente, que ajudasse a esclarecer como aquilo teria acontecido. O médico fez várias considerações (inconclusivas). Por fim perguntou:
- Sabe se fizeram o “desbridamento”?
- Não sei o que é isso! – respondeu o Tavares.
- Quando não se consegue apanhar a veia para introduzir soro na circulação sanguínea, faz-se o “desbridamento”, ou seja, corta-se a pele onde a veia está mais à superfície, “pega-se a veia à mão” e introduz-se nela a agulha do soro.

Acrescentou que, devido a uma perda anormal de sangue, as veias tornaram-se “bailarinas”. Isto significa que, nessa altura, as veias “desviam-se” de tudo o que é metálico, “temendo” perder mais sangue, colocando-se em causa a resistência humana.

Anos mais tarde, o Tavares falou de “veias bailarinas” e “desbridamento” com o nosso amigo Oliveira ele respondeu que ouviu esses vocábulos, pela primeira vez, aquando do ferimento do Nascimento.

Acrescentou que o dr. Barata se preparava para fazer o desbridamento quando o Honório aterrou em Binta. Logo desistiu (não iniciou a operação) porque não havia tempo a perder e porque a avioneta e o piloto podiam fazer falta noutro local. Naquela hora, o mais importante era a entrada do Nascimento no hospital, o mais rapidamente possível.

Durante esta conversa, o Oliveira, ainda informou:
- Quando o Nascimento chegou a Binta, a primeira coisa que fiz foi proceder à troca do garrote. Eu tinha comigo um garrote diferente dos nossos; era usado pelos fuzileiros; era mais seguro e menos doloroso do que os que nós usávamos.

O Tavares perguntou:
- Era possível que o tal garrote se desapertasse, por si só, durante o voo?

Um “não” categórico foi a resposta.

O certo, porém, é que o Nascimento chegou à base aérea com o garrote desapertado e, portanto, a perder algum do pouco sangue que lhe restaria.

Acontece que todos nós sabíamos que os garrotes deviam ser “aliviados” de quarenta em quarenta minutos, aproximadamente. Depreende-se que o Nascimento o terá desapertado e… não conseguiu reapertá-lo.

Fatal!

Entre nós e sobre este tema lamentável, não houve mais conversa! Assunto encerrado! Em boa verdade, nada nos traria o amigo Nascimento de volta! Porca miséria! Ironias do destino Acabado de narrar este caso de triste memória, vamos transmitir uma notícia também amarga: - o Fernando Marques da Silva, mais conhecido por “Dentinho” (ele exibia um dente de ouro) faleceu, recentemente. Vivia na região de Lisboa e esteve ligado aos “caminhos de ferro”. Foi a esposa que nos transmitiu esta notícia tão danada.

Podemos afirmar que aquela senhora, nossa conhecida de longa data, foi extraordinária, avisando-nos da morte do marido. É bom que os familiares dos nossos companheiros, que vão “partindo” cumpram esta espinhosa missão. Acreditem! O Tavares não adivinha o quer que seja – tem de ser avisado! Caso contrário… não há notícias para ninguém.

Por vezes, ele recebe estas novas, quando telefona a convidar um companheiro para mais uma confraternização. Não esqueçam de “ordenar” à família que deve comunicar estes acontecimentos, por mais tristes que sejam, ao Tavares. Ele avisará os restantes companheiros. Seria bom que não ocorressem tais factos. Durante anos, o Dentinho foi um participante assíduo das nossas confraternizações.
Inicialmente, ele era condutor mas, devido a um acidente, ainda em Bissau, passou a atirador.
Ele era o sold. Cond. auto 2575; passou a soldado atirador com o mesmo número.

Quando, no dia 5 de janeiro de 1965, levámos a cabo a célebre incursão na península e base de Sambuiá, já no regresso, a poucos metros da picada de Guidage, entre Cufeu e Ujeque, o Dentinho caiu desmaiado, no meio do capim, com um princípio de insolação, devido ao gigantesco esforço despendido, à hora de maior calor. Foi, na verdade, uma tarefa tremendamente exigente. O fur. mil. Oliveira tratou dele e, pouco depois estava como novo.

Neste mesmo dia e quase à mesma hora – estávamos ao fim da tarde -; o Firmino Padre Eterno, sold. Cond. auto. n.º 2775, ao volante da sua GMC, detetou uma mina anticarro, naquela picada. Por pouco, não a fez explodir! Seria um acidente gravíssimo, principalmente, porque uma semana antes – 28 de dezembro de 1964 – uma mina semelhante destruiu o unimog do Malveira (sold. Cond. auto n.º 2577, Virgílio Manuel Martins de Carvalho). Provocou a morte imediata do companheiro, fur. mil. inf. Álvaro Manuel Vilhena Mesquita, três feridos graves e quatro feridos menos graves. Seria, para nós, extremamente gravoso sofrer um novo acidente semelhante, em tão curto espaço de tempo. Psicologicamente, seria ruinoso para nós mas, pior que o fator psicológico, seria o real… que na verdade não aconteceu, porque… tínhamos ao nosso lado, ao volante da GMC o Padre Eterno.

Digam lá que não é bom ter um Padre Eterno… como amigo – é sempre uma muito boa ajuda!

O Padre Eterno conseguiu parar a GMC (ficando a mina entre as duas rodas da frente daquela viatura, velha p’ra caraças, tinha apenas travão de mão. O de pé tinha ido pró maneta).

O Firmino contou:
- Eu vinha a seguir as pegadas de uma vaca, na areia; de repente deixei de ver as marcas das patas do animal; vi o rasto dum pneu e parei. O nosso fur Pedra barafustou comigo e eu disse-lhe que estava ali uma mina. Ele meteu lá o pé e… quase virou calhau, quando viu aquela “bomba”.

Retirada a viatura do local, o nosso sempre presente capitão fez explodir aquela mina danada… sem perigo para ninguém.

De seguida, alguém que gosta de se rir e fazer rir os outros, disse ao Padre Eterno, o homem do dia:
- Tu vinhas a seguir as marcas das patas da vaca mas, o que tu tiveste foi… uma “vaca”… do caraças!

Assim terminamos a nossa tarefa de hoje. Será retomada se, antes do fim do ano, surgir outro assunto que mereça ser tratado.

Nota: retomamos a escrita porque, entretanto, soubemos que o 1.º cabo n.º 2133, Filipe Manuel Ferreira dos Santos, do 3.º pelotão faleceu em 2015. A informação foi prestada pelo companheiro Ataíde (o do morteiro) que foi (quase) o dono da CP. Ele conhecia um cunhado do Filipe Santos que lhe deu a triste nova. Dessa vez a esposa “esqueceu-se” de nos avisar. O Filipe trabalhou na Lisnave mas, há anos, foi vítima de um AVC e ficou debilitado… para o resto da sua vida. Assim, perdemos mais um elemento de grande qualidade. Aquando do ferimento do 2.º sarg. Gouveia Marques, em Caurbá, o Santos passou a comandar a 1.ª secção; fê-lo com brilhantismo até à chegada do fur. mil. Andrade. Fazia uma boa equipa com o 1.º cabo João Moura, n.º 2137.

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Nota do editor:

Posts anteriores de:

22 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25425: CCAÇ 675 - Guiné 1964 / 66 - Retalhos do nosso pós-guerra - II (Parte I) (Belmiro Tavares)
e
23 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25431: CCAÇ 675 - Guiné 1964 / 66 - Retalhos do nosso pós-guerra - II (Parte II) (Belmiro Tavares)

Guiné 61/74 - P25440: Historiografia da presença portuguesa em África (420): Sim, Bissau teve uma capital de ficção antes de 1941 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Outubro de 2023:

Queridos amigos,
Desconhecia inteiramente a existência de Bissau como capital do distrito da Guiné em 1835. Rebusquei em autores da época, como Lopes de Lima, em historiadores como Veríssimo Serrão, nenhuma referência a Bissau capital, ainda por cima no ano seguinte ao fim da guerra civil. Mas os factos documentais comprovam a nomeação. Bastou-me ler a indispensável Memória de Honório Pereira Barreto que diz verdades com punhos, que fala de um governador que não governa, de uma capital reduzida a uma fortaleza sem o mínimo de condições e a um quadro administrativo caótico, e tudo o mais que se recolhe neste artigo, acrescendo que Cacheu não se conformou com a criação da capital em Bissau e viveu-se no enigmático território guineense com dois distritos, o de Bissau e o de Cacheu durante cerca de 10 anos. Esta é a verdade dos factos, tenho que agradecer a Philip Havik a iluminação que trouxe para esta questão que era dada como inexistente.

Um abraço do
Mário



Sim, Bissau teve uma capital de ficção antes de 1941

Mário Beja Santos

Até recentemente, dava como certo e seguro de que a Guiné portuguesa jamais tivera capital até ser desafetada de Cabo Verde, o que ocorreu em 1879. Ao longo dessa década resolvera-se a questão de Bolama, houvera o dramático desastre de Bolor, Lisboa tomou a decisão de dar autonomia a um território que não possuía fronteiras precisas, a Carta Constitucional não referia a Guiné, mas mencionava Cacheu e Bissau, porque havia o sobe e desce de Praças, Presídios e Feitorias. Num livro respeitante aos cadernos de campo do professor Orlando Ribeiro, um dos coordenadores, um investigador com créditos firmados, Philip J. Havik, assumiu que Bissau obtivera o estatuto de capital em 1835. Escrevi para o blogue um artigo “Será que Bissau foi capital da Guiné antes de 1941?”, vasculhei em obras da época qualquer referência à capital, nada encontrei até que se me deparou um despacho do Visconde Sá da Bandeira datado de 29 de abril de 1858 referindo Bissau como a capital da Guiné portuguesa e residência do respetivo governador, erguendo a povoação à categoria de vila com a denominação de vila de Bissau.

Estava armada a confusão, e na altura desafiei um conjunto de investigadores a pronunciarem-se sobre a questão. Philip Havik respondeu, e do modo seguinte:
“As reformas feitas na sequência da revolução liberal em Portugal foram decididas de aplicar a reorganização administrativa por decreto de 16 de maio de 1832 à Guiné em 1834, criando uma Prefeitura de Cabo Verde e a Guiné. Por conseguinte, o distrito da Guiné transformou-se numa comarca, ainda dependente de Cabo Verde, com a sua sede em Bissau, governado por um Subprefeito. Isto foi feito através do decreto de 30 de agosto de 1835. Bissau serviu como capital da Guiné até que se tornou uma província independente com um governo autónomo em 1879, com capital em Bolama através da lei de 18 de março de 1879.”

E o investigador recomendava referências na obra de João Barreto, A História da Guiné (1418-1918), Lisboa, 1938, e no artigo de Arnaldo Brasão, A Vida Administrativa da Colónia da Guiné, publicado no Boletim Cultural da Guiné portuguesa, volume II, n.º 7, 1947. Não posso esconder a minha surpresa, eu tinha lido a importante obra de Lopes de Lima, de 1844, e não se mencionava qualquer capital em Bissau. Um artigo publicado por Teixeira da Mota e Fausto Duarte sobre as efemérides da Guiné portuguesa referia a criação da comarca da Guiné, dirigida por um Subprefeito, mas nada se mencionava sobre a capital, uma comarca é só reorganização administrativa, vinha na sequência do ambicioso projeto de Mouzinho da Silveira de alterar em profundidade a administração do território, gerando municípios, comarcas e entidades apropriadas da administração, desde a justiça à atividade aduaneira. Lendo a História de Portugal de Veríssimo Serrão, encontrei a referência à criação do lugar do governador da Guiné, com residência em Bissau.

Impunha-se, pois, apurar a densidade e a operacionalidade desta capital de que desconhecia qualquer referência. Procurei um verdadeiro tira-teimas, Honório Pereira Barreto e a sua Memória sobre o estado atual da Senegâmbia portuguesa, causas da sua decadência e meios de a fazer prosperar, Lisboa, 1843. Lendo este importantíssimo texto, constata-se que o território desta Senegâmbia tinha uma dimensão fluida, a presença portuguesa era submetida a uma permanente hostilidade e os recursos escassíssimos, como Barreto logo abre a sua introdução: “Se nesta província houvesse um Boletim de Governo aonde se estampasse os ofícios e relatórios das diversas autoridades, não me veria obrigado a escrever esta Memória, cuja matéria é tão superior a minhas forças; porque então apareceria em público o verdadeiro estado destas Possessões.” É um discurso sempre franco, duro e doloroso: “Vive-se em Senegâmbia portuguesa sem segurança alguma; a todos os momentos seus habitantes são vexados pelo gentio, fere-se e assassina-se impunemente, e em Lisboa lê-se no Diário do Governo que as Possessões Portuguesa, nesta parte, estão em ordem, e vão florescendo.”

E a sua narrativa não esconde a inexistência de poder político, da vida das instituições, enfim, o caos reina por toda a parte: “Desgraçadamente se pode dizer que nestas Possessões há um governador e comandante; mas que não há governo. O país está inteiramente desorganizado. Todos os empregados, desde o primeiro até ao último, ignoram quais são as suas atribuições, e, por consequência, quais são os seus deveres: só tratam de seus negócios, pois são negociantes. Não há lei administrativa (nem outra) que vigore, e por isso é suprida pela vontade dos governadores. A vontade deles faz a lei; o capricho executa; as paixões julgam; os rogos dos Gentios, dos amigos fazem minorar, e perdoar as penas.”

É facto que falando do concelho de Bissau, Barreto dirá que é composto da Praça de Bissau, capital do governo, do presídio de Geba, do ponto de Fá, da ilha de Bolama e do Ilhéu do Rei. E apresenta Bissau deste modo: “É uma Praça situada na ilha deste nome, e construída segundo o sistema de Vauban; mas não foi acabada. Não tem obras algumas exteriores, à exceção dos fossos já quase entulhados, e aonde se planta algodão, milho e índigo. O quarto da tropa está quase a cair, e por isso a maior parte dos soldados moram em palhosas; o indecente quartel dos oficiais aonde chove como na rua; o arruinado armazém do governo; e a pequena e destelhada capela com invocação de S. José, que é o orago da praça. O governador mora no quartel dos oficiais em uns quartos pequenos e ridículos.” Há, pois, uma capital do distrito da Guiné portuguesa, da Guiné não se conhece bem a configuração e a importância da capital é dada pelo governador que anda a comprar parcelas do território de diferentes régulos, e em todas as direções. É vila, por despacho do Visconde Sá da Bandeira, será cidade em 1914 e terá mesmo o seu primeiro plano de urbanização concebido pelo engenheiro Guedes Quinhones; o governador Vellez Caroço dar-lhe-á em 1923 o seu primeiro foral.

Philip Havik refere João Barreto e Arnaldo Brasão. Para mim, continua a ser um mistério a data de 1835. João Barreto refere que em 1851 o Governador-geral de Cabo Verde, Fortunato José Barreiros, tomara a iniciativa de unificar o governo da Guiné fixando a sua sede na vila de Bissau e escreve que a partir de 1852 deixou de existir o governo autónomo de Cacheu, passando a existir um distrito único com sede em Bissau. Alegou o governador ter tomado esta resolução para dar unidade à ação governativa. Era nomeado interinamente governador da costa da Guiné (já ouvimos falar de Possessões, de Senegâmbia e de Guiné portuguesa…) o Tenente-Coronel Alois Dziezaski com algumas competências do governador-geral. Bissau é capital do Distrito da Guiné portuguesa.

Arnaldo Brasão, no seu artigo, chama a atenção para a Guiné constituída como uma unidade administrativa, em 1834, com atribuições conferidas por legislação de 1835, referindo igualmente o papel do governador, a quem ficavam sujeitos todos os serviços públicos. “Os governos inferiores, presídios, estabelecimentos marítimos ou do interior, formavam governos subalternos que se regulavam pelo que estava determinado para o governo das praças do reino.”

As lutas entre absolutistas e liberais refletiram-se nas colónias, e adianta Arnaldo Brasão: “Cacheu, que fora o primeiro núcleo de colonização e de povoamento não poderia conformar-se com uma situação de subalternidade em relação a Bissau, que passar a ser a capital desde 1835, e por isso solicitou a sua separação que o governo cartista se apressou a satisfazer em março de 1842, passando desde então o território guineense a ser constituído por dois distritos, mas subordinados ainda ao governo de Cabo-Verde. Esta situação durou perto de 10 anos, porque em setembro de 1851 procede-se à unificação administrativa, sendo escolhido novamente Bissau para sede do governo.”

Considero totalmente corretas as observações expendidas pelo investigador Philip J. Havik, em 1835 Bissau tornou-se a capital de distrito de um território com dimensões indefinidas e dentro de um quadro que um lídimo protagonista da época, Honório Pereira Barreto, mostrou que se tratava de uma capital de ficção. Um governador sem governo, uma capital reduzida a uma fortaleza sem o mínimo de comodidades e cercada por populações hostis.

Dou como esclarecida a existência de uma capital de ficção, numa província de ficção, que passou a uma realidade depois do sobressalto de Bolama e com contornes definidos depois de a França nos ter subtraído o Casamansa, as fronteiras ficaram parcialmente definidas em 12 de maio de 1886, o governador da Guiné terá a sua capital em Bolama.


Monumento a Honório Pereira Barreto, em Bissau, em tempos coloniais
O que resta da Bolama dos tempos áureos
Um pormenor da fortaleza de S. José da Amura na atualidade
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Nota do editor

Último poste da série de 17 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25401: Historiografia da presença portuguesa em África (419): Será que Bissau foi capital da Guiné antes de 1941? O estado da questão (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P25439: Os 50 anos do 25 de Abril (12): Hoje, na RTP1, às 21:29, o primeiro de nove episódios: "A Conspiração", série documental realizada por António-Pedro Vasconcelos (1939-2024)



RTP > Série Documental (9 episódios), da autoria de António-Pedro Vasconcelos 
(Leiria, 1939-Lisboa, 2024)


A última obra de António-Pedro Vasconcelos. Conhecemos os ícones, as músicas e os locais emblemáticos do 25 de Abril 1974. Mas como surgiu a Revolução que mudou o destino de Portugal?

"A Conspiração", série documental realizada por António-Pedro Vasconcelos, é o resultado de uma meticulosa investigação que conta com depoimentos exclusivos de protagonistas que conseguiram concretizar em menos de 24 horas, o que em 48 anos muitos outros não haviam conseguido.

Desde as reuniões secretas aos personagens-chave, é-nos revelado o extraordinário processo conspirativo que começou no verão de 1973 e que culminou na madrugada de 25 Abril de 1974, com o derrube do Estado Novo e a conquista da liberdade.

O resto, como dizem, é história.

Fonte: RTP > Programas TV (com a devida vénia..:)

 A Semente Revolucionária

Episódio 1 de 9

1961 marca o início do fim do império português. É nos confins da Guiné, Moçambique e Angola, nas frentes de combate e nas quentes noites no mato, que germina a semente revolucionária.

Os capitães, revoltados com as condições em que combatiam numa guerra que não podiam ganhar, apercebem-se que a única saída é uma solução política.

E no verão de 1973, os infames decretos-lei 353/73 e 409/73, revelam ser a gota de água que faz transbordar o copo. 

Uma onda de contestação progride dentro do exército, principalmente entre os capitães do quadro permanente e é em Bissau que surge a primeira reação colectiva. Os oficiais aí destacados, fazem chegar às chefias políticas e militares uma carta assinada por 53 oficiais, contestando os decretos. Era... "a pica no elefante".

Ficha técnica: 

Título Original A Conspiração | Intérpretes: Narração: Adelino Gomes ! Realização: António-Pedro Vasconcelos | Autoria: António-Pedro Vasconcelos | Ano: 2024

Próximas emissões deste episódio:

24 Abr 2024 21:20 RTP Internacional |  24 Abr 2024 21:29 RTP1 | 25 Abr 2024 02:23 | RTP Internacional América | 25 Abr 2024 15:09 | RTP Internacional Ásia

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Nota do editor LG:

Último poste da série > 23 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25426: Os 50 anos do 25 de Abril (11): Entrevista do nosso camarada, amadorense, cor art ref António- J. Pereira da Costa à TV Amadora: "É pá...A Guerra, pá...", vídeo c. 37')

Guiné 61/74 - P25438: Humor de caserna (59): O anedotário da Spinolândia (X): Alferes, cabra de mato!... Pum, pum!!! (David Guimarães, ex-fur mil at art, MA, CART 2716, Xitole,, 1970/72

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David Guimarães, Guiné-Bissau, 2001

1. O David Guimarães (ex-fur mil at inf, MA, CART 2716 / BART 2917, Xitole, 1970/72) é um dos nossos "dinossauros", um dos nossos VCC (velhinhos como o c...).

Ele é do tempo do "blogueforanada", que deu origem ao atual blogue... Ele, o Sousa de Castro, o A. Marques Lopes, o Humberto Reis... foram alguns dos primeiros camaradas que me ajudaram a "exorcizar os meus fantasmas" da Guiné...
Tem 113 referências no nosso blogue.. E hoje faz anos. 77. Entrou tarde para a tropa, quando chegou ao Xitolee tinha já 23, e, quando regressou a casa, 25.

Claro que, ao fim destes anos todos (vinte!), só muito raramente ele aparece agora no blogue... É mais "feicebuqueiro" do que "blogueiro", como tantos outros... Mas a gente não se esquece do seu papel, na "proto-história" da Tabanca Grande. Tenho especial carinho e amizade por ele.

E, neste dia, além de já lhe ter telefonado e mandado "by air", para Espinho, um "balaio" cheio de votos de parabéns e de muita saúde e coragem para o resto da caminhada... (que de minas e armadilhas sabe ele!), vou ressuscitar duas das suas histórias deliciosas, passadas ainda no tempo em que eles "periquitos",o pessoal da CART (chegaram em maio de 1970).. Tem um fino sentido de humor, o David, ou não fosse ele um ex-fur mil at inf, de minas e armadilhas, que viu morrer um sapador (Quaresma) e outro furriel ficar cego (Leones).

Estas duas histórias merecem figurar no "anedotário da Spinolânda"... Diz o Carlos Matos Gomes, no seu novo livro ("Geração D: da Ditadura à Democracia", Lisboa, Porto Editora, 2024), a Guiné sempre foi até ao fim, "uma coutada pessoal de Spínola" 
(páf. 188), ao ponto de querer transformar os comandos africanos numa guarda pretoriana... 

Justa ou injustamente, temos falado aqui na Spinolândia (*), e no seu anedotário (que alimentava o nosso humor de caserna)... Na realidade, o nosso general parecia comportar-se, no CTIG, como se fosse o dono daquilo tudo... E o pessoal também o via como tal... 



Humor de caserna > O anedotário da Spinolândia>  Alferes,  cabra de mato!... Pum, pum!!! 
 
por David Guimarães


(i) Alferes, cabra de mato!


Um dia, novinhos ainda, piras, com as fardinhas novinhas em folha, aí vamos nós. Sai o 1º Grupo de Combate. Patrulha em volta do aquartelamento para os lados de Seco Braima, o que era normal: acampamento IN....

Era bem de manhã. E a certa altura, zás, ouve-se o matraquear de espingardas automáticas:

− Que coisa!... Oh diabo, estão a enrolar…

Os morteiros fixos lá fazem fogo de barragem. Novamente os experientes homens de armas pesadas. E que eficientes! Como eles faziam aqueles morteiros dispar tão amiúde e certeiro... Cessar fogo, tudo silêncio à volta, fora os abutres que logo foram ver o que acontecia.

− Que aconteceu? E agora... Estará alguém ferido ? O que aconteceu ? O que vamos fazer ?

Nenhum deles disse nada... mas voltaram depressa. E nós nem percebíamos ainda porque que é que eles voltaram assim tão rapidamente... Bem, lá regressa, da patrulha, o 1º Grupo de Combate. Ofegantes, e agora dentro do aquartelamento esboçando sorrisos, todos pretos... Que coisa, sempre que havias tiros ficava-se todo preto!

−Que aconteceu ?!...

Lá vem a explicação: o grupo estava a instalar-se, para um tempinho em posição de emboscada. Uma cabra de mato passa em frente... Um soldado diz para o aferes,  muito baixinho:

− Alferes, cabra de mato!
−  Atira-lhe − , responde o Alferes… 

Há rico tiro, pum, pum!!!

E não é que o IN estava lá emboscado, do outro lado da cabra ? Seriam poucos, mas ao sentirem-se detectados deram uns tiros e fugiram, pois que entretanto também começaram a cair bem perto as granadas do morteiro do aquartelamento....

− Manga de cu pequenino

Olha que sorte, a santa cabra do mato! ... Foi ela, afinal, o nosso anjo da guarda. O Correia voltou com o seu grupo de combate inteiro e o soldado que detetou a cabra... herói. Mais tarde,  foi-lhe proposto e concedido o prémio Governador Geral. Todos achámos muito bem, veio à metrópole. Se não fora assim, nunca iria lá de férias, porque não tinha dinheiro para isso...

Ninguém soube se a cabra morreu ou não, mas os homens, depois de contados, estavam todos... E os abutres também voltaram ao aquartelamento e continuaram a comer o que restava da vaca morta nesse dia...

A guerra tinha disto também, e ainda bem... Como entendê-la ? Só um combatente... Este era o nosso tempo de recreio de guerra dentro da guerra.

(ii) O Caco Baldé no Xitole

Um helicóptero que pousa na pista do Xitole, gente da alta e o Homem Grande (General, Comandante-Chefe e Governador do CTIG - Comando Territorial Independente da Guiné): António de Spinola, ele mesmo, mais conhecido por... Caco Baldé!

Spínola, Governador e Com-Chefe, era conhecido por  Caco, Caco Baldé, Homem Grande de Bissau...

Volta à companhia, verificação da posição das NT dentro do Aquartelamento... Rapidamente se forma um U, cada qual fardado o melhor que podia, era um ver se te avias.... Sua Excelência, de pernas afastadas, mãos atrás das costas, impecavelmente fardado e com seu monóculo começa assim um discurso:

− Tenho péssimas informações do Batalhão [ BART 2917, com sede em Bambadinca ], à exceção desta companhia [ CART 2716 ]... Continuem,  etc., e tal e tal...

E lá foi o homem embora: meteu-se no helicóptero e saiu pelos ares da Guiné, algures no Leste, rumo a Bissau, possivelmente.

− - Porra que elogio, mas para quê? Ele afinal até é bom!

− Porreiro !   −  dizia um...

− Que se foda !  −  dizia outro...

− Bem, sempre é melhor este elogio do que o contrário...

− Que se lixe, já foi...

− Mas seremos assim tão bons para levar este elogia? Tão novos... merda, que se dane!...

Percebemos pouco tempo depois o que ele nos queria a dizer... Tinha-se realizado a Op Abencerragem Candente (Ponta do Inglês, Xime, 25 e 26 de Novembro de 1970, que o Luís e o Humberto já têm aqui evocado várias vezes), com um porrada de mortos e feridos...

Aí percebemos melhor o discurso do General quando na ordem de serviço veio o seguinte (reproduzo de cor): Segue para a Metrópole o tenente coronel de artilharia M. F.,  por ser incompetente para comandar um Batalhão... Em seu lugar nomeio João Polidoro Monteiro, tenente coronel de infantaria, etc. etc. etc... 

Nestas coisas, o Caco Baldé não brincava em serviço, cortava a direito... Não percebo por que é poupou o major A.C. (dizem que foi por ser antigo professor da Academia Militar...).

− Ai,  olha, ele varreu com o Nord Atlas  −   assim chamávamos nós ao M. F. (um bom homem, mas que de guerra efectivamente só deveria saber o que vinha nos livros)... 

Apanhou uma porrada desse nível e, ainda por cima, estava de férias, enquanto o A. C., o principal responsável pelo fracasso dessa operação e o consequente desastre, ficava...
 
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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 6 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25396: Humor de caserna (58): O anedotário da Spinolândia... O "Fugitivo", por Manel Mesquita ("Os Resistentes de Nhala, 1969/71", s/l, ed. autor, 2005, pp. 130/132)

Guiné 64/74 - P25437: 20º aniversário do nosso blogue (10): Inconfidências de um antigo combatente que é mais "blogueiro" do que "feicebuqueiro": Se eu não tivesse criado este blogue, hoje seria 'mais feliz, livre, saudável e provavelmente rico' ? (Luís Graça)


1. Humor com humor se (a)paga... e é ainda o que nos vale, rir e saber rir. Mas nesta onda de comemorações dos 20 anos do nosso blogue (*), deixem-me, caros leitores, partilhar aqui um pequeno segredo... 

Já me têm dito ou insinuado que se eu não tivesse "a m... do blogue", hoje seria "mais feliz, livre, saudável e provavelmente rico"... Acusam-me, às vezes, de ter prejudicado a minha vida pessoal, familiar e profissional por causa das... "blogarias", da "m... da guerra" e dos camaraadas da Guiné", etc. 

Ainda é cedo (espero eu...) para arrumar as botas, lavrar o testemento vital e, mais importante ainda, fazer as "partilhas" ... Por que eu sei que "fica cá tudo", um gajo leva, ou não pode levar,  nada de "material"para  o outro mundo "imaterial"... Não sei o que é que conta lá: quando eu era pequeno, diziam-me que eram as "boas acções" (ainda se escrevia com dois c).

Vem isto a propósito de um aniversário em que, se calhar, há pouco a celebrar (aos olhos dos críticos do blogue)...Não me compete a mim fazer esse juízo. Limitei-me apenas a usar a "força da inércia"... O comboio começou a andar, muito lentamente é certo, em 23/4/2004... 

Uns meses antes, ainda se estava na fase dos "ensaios": era versão beta do nosso blogue, que antes de se chamar "Luís Graça & Camaradas da Guiné", era o "blogue-fora-nada" e depois o "blogue-fora-nada-e-vão-três"... 

Em 1999, quatro anos antes, já tinha criado, muito antes que os meus colegas, a minha página pessoal e profissional... Ao fim de vinte e poucos anos, a instituição onde trabalhei "descontinuou" a página... (Recuperei-a,  há tempos, mas é um "aqruivo morto", não a posso atualizar)

Só por mera curiosidade dos "blogueiros" (que nos leem) (ou que ainda são mais "blogueiros" do que "feicebuqueiros", o que começa a ser raro), posso adiantar que o primeiro poste (ou postagem) que publiquei no "blogue-fora-nada" foi este, que a seguir reproduzo, com data de 8/10/2023...

Ao reler  "conto com mural ao fundo", quase 25 anos depois, não deixo de esboçar um sorriso amarelo, quiçá amargo... E penso na minha vida: e eu não tivesse tido e-email, nem página na web, nem blogues, nem computador(es) ?... Será que hoje seria "mais feliz, livre, saudável e provavelmente rico" ?
 
A pergunta é idiota, porque não tem resposta... Não há "ses" na vida de um  homem. Só há uma vida, única, irrepetível... Sei que não vou ter outra "chance", se a desperdicei, tenho que assumir as consequências até ao fim e beber a taça amaraga da "cicuta"... 

Mas o leitor pode ler ou reler a história e, até, eventualmente, achar-lhe piada...Eu, confesso, que mr deixou deprimido a releitura do meu primeiro "conto com mural ao fundo" (em parte adaptado)...


Blogue-fora-nada > Estórias com mural ao fundo - I: Ter ou não ter (e-mail)

por Luís Graça


Tenho por (mau) hábito perguntar às pessoas que vou conhecendo "se têm e-mail"... Mas depois de ler a história a seguir, não vou ter mais lata para o fazer: 

(i) é indelicado; 
(ii) pode ser embaraçoso; 
e (iii) até pode dar azar... 

Um dia houve alguém que me respondeu, com agressividade mal contida: "Não tenho... mas será que já é obrigatório ?"...

Nós, os ex-clérigos (durante séculos o pessoal universitário, incluindo os estudantes, estavam sujeitos ao direito canónico e só com o triunfo do liberalismo é que o reitor de Coimbra passou a ser um leigo!), temos dificuldade em imaginar um mundo sem livros, sem cátedras e, agora, sem Internet, sem blogues e sem e-mail...

Não sei se é obrigatório ter e-mail (ou se vai sê-lo em breve), mas a verdade é que todos os dias nos ameaçam com a infoexclusão, uma espécie de upgrade das labaredas do inferno. Há muito boa gente que hoje em dia teme ser acusada de infoanalfabeta e pensa que, "pelo sim, pelo não, sempre é bom ter e-mail, não vá o diabo tecê-las"... E quem diz e-mail, diz outras buzzwords horríveis tais como url, password, username, nib...

Já assim pensavam, noutro contexto, os cristão novos de Trancoso que assinalavam, com uma cruz, as suas casas, não fossem os cristãos velhos desconfiar que eles eram judaizantes, logo ignorantes e inimigos da fé cristã (a única, a verdadeira, a dominante)... A cruz era a password e o e-mail daqueles tempos em que os portugas sucumbiram à tentação totalitária...

Por isso, "ter ou não ter e-mail: eis a questão" é uma história com moral... E com mural ao fundo. 

Ponderei seriamente se havia de a pôr a circular entre @s car@s ciberamig@s... Há sempre o risco de uma leitura demasiado literal, apologética, direi mesmo...primariamente neoliberal !!! Mas, pensando bem, o que conta são os factos, a narrativa (digna do melhor do Reader's Digest, diga-se de passagem). 

A moral, cada um que a tire. E quanto ao mural, cada um que o pinte... Moralistas e grafiteiros do meu país, divirtam-se! 

A minha (moral) é apenas a da filosofia baseada na evidência. E quanto ao mural, sempre preferi o branco-da-cal-da-parede. Com aviso: 

(i) pintado de fresco; 
(ii) por favor não encostar à parede; 
(iii) é expressamente proibido fuzilar (contra o muro).

Por azar o meu, recebi esta mensagem por e-mail, através de um amigo angolano (J.D.) que, coitado, também ele tem e-mail... Dei à história o meu toque pessoal. Vocês usem-na (e socializem-na)... para os devidos efeitos. Não posso evitar eventuais tentativas de branqueamento da história. A história é para se usar e branquear, dizem os historiadores oficiais. Mas esse não é o meu ofício. No fim, não se esqueçam do nosso trato: Ciber-humor com ciber-humor se paga...

Ter ou não ter e-mail: eis a questão!

Um homem respondeu a um anúncio da MicroDura com uma generosa oferta de emprego para desempregados de longa duração. O lugar era para empregado de limpeza. 

Um adjunto do Gestor dos Recursos Humanos (GRH) entrevistou-o, fez-lhe um teste (tão simples como varrer o chão, apanhar o lixo e enfiá-lo num saco) e disse-lhe:

- Parabéns, o lugar é seu. Dê-me o seu e-mail para eu lhe poder enviar a ficha. Depois de preenchida e devolvida, aguarde que a MicroDura lhe comunique a data e a hora em que se deverá apresentar ao serviço nos nossos headquarters.

O homem, embaraçado e nervoso, respondeu que não tinha sequer casa, e muito menos computador, e muito menos ainda Internet, endereço de correio electrónico e essas coisas todas. 

Aí o valente adjunto do GRH da MicroDura ficou branco como a cal da parede... Por essa é que ele não estava à espera!... Um cidadão norte-americano sem e-mail, o que era uma aberração sociológica, bloguissimamente falando !... O que iria pensar o Mr. Bill Gaitas ?!... Por fim, recompôs-se e disse:

- Lamento muito, mas se eu o senhor não tem e-mail, isso quer dizer que virtualmente não existe; e, não existindo, não pode ter o privilégio de pertencer ao admirável mundo novo dos colaboradores da MicroDura.

O homem saiu, envergonhado e, pior ainda, mais desesperado e desempregado que nunca. Tinha apenas 10 dólares no bolso. Em vez de ir ao McSandocha’s matar a fome, resolveu entrar num Bigmercado e comprar uma caixa de 10 quilos de tomate para revenda. 

Em menos de duas horas vendeu a mercadoria, porta à porta, num dos bairros mais próximos (habitado por negros e porto-riquenhos), tendo assim conseguido duplicar o seu capital. Repetiu a operação mais três vezes e obteve um lucro de 60 dólares.

No fim do dia, concluiu que podia sobreviver dessa maneira, pelo menos por uns tempos. Passou a trabalhar mais horas por dia. Rapidamente aumentou o seu pecúlio, e em breve comprou a sua primeira carrinha, em segunda mão. Uns meses depois trocou-a por um camião.

O resto da história é fácil de adivinhar: ao fim de um ano e meio já era dono de uma pequena frota e ao fim de cinco estava milionário, ao tornar-se o principal accionista de uma das maiores cadeias de distribuição alimentar nos Estados Unidos... 

Como podes imaginar, caro leitor, esta história de sucesso só podia ter acontecido na Terra Prometida e já se tornou um casestudy nos mais famosos cursos de MBA.

Pensando no futuro da sua nova família, o nosso homem resolveu fazer um não menos milionário seguro de vida. Chamou um corretor ao seu escritório e acertou um plano. Quando a reunião estava praticamente concluída, o corretor de seguros pediu-lhe o e-mail para lhe poder enviar rapidamente a proposta de contrato. 

O homem-que-se-fez-a-si-próprio respondeu, com a maior naturalidade deste mundo, que simplesmente não tinha nem nunca tivera nem nunca provavelmente viria a ter um endereço de e-mail. O corretor não queria acreditar e comentou, em tom de brincadeira:

- Você não tem e-mail e construiu todo este império!... Imagine até onde poderia ter chegado, se tivesse e-mail!... Quem sabe se não poderia estat agira sentado na cadeira presidencial,na Casa Branca!

O homem ponderou as palavras do corretor e respondeu-lhe, com a mais fina das ironias:

- Olhe, se eu tivesse e-mail, ainda hoje andaria, feito cão, a lamber o chão do escritório do Bill Gaitas!!!

Moral da história:

1. Ter ou não ter e-mail, eis a questão.

2. Se queres ser empregado de limpeza da MicroDura ou doutra grande empresa, procura antes de mais ter um e-mail.

3. Se não tens e-mail e gostas de trabalhar, ainda podes vir a ser milionário (ou até bilionário).

4. Se por acaso recebeste esta mensagem por e-mail,  é por que estás mais perto de ser empregado de limpeza do que ser milionário (para não falar de bilionário)...

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Guiné 61/74 - P25436: (De) Caras (206): Arsénio Puim, ex-alf graduado capelão, CCS/BART 2917 (Bambadinca, mai 70- mai 71), vai fazer 88 anos em 8/5/2024... Associemo-nos à homenagem (e a surpresa) que lhe quer fazer a Tertúlia Açoriana.



Infografia: Tertúlia Açoriana (2024)



1. Mensagem da Tertúlia Açorina, com data de 17/04/2024, 17:52:

Boa tarde,

À semelhança dos postais de aniversário compilados para Eduíno de Jesus, João de Melo, e Onésimo Teotónio Almeida e Artur Goulart (em actualização), a Tertúlia Açoriana convida todos a participar no postal de aniversário (surpresa) para o mariense Arsénio Chaves Puim, que fará anos no próximo dia 8 de Maio.

Façam chegar os vossos textos (2, 20 ou 200 linhas, todas contam!) até, no máximo, dia 4 de Maio.

Caso saibam de quem também queira participar, por favor passem a mensagem!

Podem enviar a vossa mensagem, texto curto, ou imagem, para:

  • tertulia.acoriana@gmail.com
  • angelaloura@gmail.com

Obrigada desde já,

Cumprimentos, Ângela Loura



2. Comentário do editor LG: 

Teremos todo o gosto, a Tabanca Grande,   em participar, mais uma vez, nesta iniciativa. Já em 2021, por ocasião dos seus 85 anos, lhe escrevemos uma mensagem publicada no seu "Baluarte de Santa Maria" (*).

O Arsénio Chaves Puim, ou simplesmente Arsénio Puim, continua a merecer a nossa estima, apreço, amizade e camaradagem, mais de meio século depois da sua expulsão do CTIG: tal como o nosso "cônsul de Bordéus", o  Aristides Sousa Mendes, ele foi "vítima da ira de César por mor de Deus e da sua consciência cristã" (*)...

Recorde-se aqui de quem se trata: (i) ex-alf graduado capelão, CCS/BART 2917 (Bambadinca, maio de 1970/maio de 1971), expulso do CTG: (ii) natural da ilha de Santa Maria. onde nasceu há 88 anis, vive em São Miguel; (iii) enfermeiro reformado do Serviço Regional de Saúde, e escritor: (iv) faz parte da nossa Tabanca Grande desde 2007; (v) tem cerca de 70 referências no nosso blogue. (**)

É uma inicitiava meritória, a que nos juntamos. Na sua página do Facebook, a Tertúlia Açoriana". apresenta-se do seguinte modo: "Inspirados na pessoa de Vitorino Nemésio, como o intelectual e divulgador da Cultura Açoriana que era, pretendemos também divulgar a Cultura Açoriana. Fica aqui o convite a todos para participarem nesta Tertúlia."


Tertúlia Açoriana > Logo da página do Facebook

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 8 de maio de 2021 > Guiné 61/74 - P22181: Os nossos capelães (16): Arsénio Puim, vítima da ira de César por mor de Deus e da sua consciência de cristão e português (Luís Graça, "O Baluarte de Santa Maria", maio de 2021)

(**) Último poste da série > 13 e abril de  2024 > Guiné 61/74 - P25379: (De)Caras (205): Uma foto, rara, de 'Nino' Vieira, presidente da República, na inauguração do Parque Nacional do Cantanhez, em 25 de maio de 2008... Rara por vir publicada no antigo sítio da AD Bissau, do Pepito, e que fomos recuperar...

Guiné 61/74 - P25435: No 25 de Abril de 1974 eu estava em... (32): Rio de Janeiro, como rececionista num hotel, numa fase difícil da minha vida; como emigrante não prestava, até 1996, grande atenção à política em Portugal (João Crisóstomo, Nova Iorque)



João Crisóstomo: (i) é natural de Torres Vedras; (ii) membro da nossa Tabanca Grande desde 26 de julho de 2010, sentando-se à sombra do nosso poilão sob o n.º 432; (iii) tem 225 referências no nosso blogue; (iv) é o régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona; (v)  foi alf mil inf, CCAÇ CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67); (vi) vive em Queens, Nova Iorque, desde 1975, mas vem cá com frequência, ao seu querido Portugal; (vii) conhecido ativista social, foi-lhe atribuido recentemente o Prémio Tágides 2023 (na categoria de "Portugal no Mundo")



Guiné >Zona Leste >  Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Xime > CCAÇ 1439 (1965/67) > Agosto de 1965 > O primeiro contacto com as terras do Xime...Em primeiro plano, o alferes Crisóstomo  e o picador...

Foto (e legenda): © João Crisóstomo (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Mensagem do João Crisóstomo:

Data - segunda, 22/04/2024, 06:37
Assunto - 25 de Abril

Vejo já artigos, reportagens, descrições individuais fabulosas sobre este 25 de Abril. E quase estou na dúvida se devo mandar o que segue, que em comparação não tem muito por onde se lhe pegue, a não ser que o tédio também conte.

Ao fim e ao cabo estou a falar pouco desse dia, exceto dum ponto muito subjetivo e mesquinho, quase e apenas pessoal. Bom, talvez conte, para fazer vir o sono a alguns dos mais velhotes e como eu com dificuldades de dormir, antes de irem para a cama… 

Mas foi isto que me veio à ideia quando pensei no “meu’ 25 de Abril (*).

O 25 de Abril 1974 apanhou-me numa fase difícil da minha vida. Depois de ter regressado são e salvo da Guiné (**), decidi dar uma volta pela Europa para aperfeiçoar línguas, pois tinha posto na cabeça que o meu futuro em Portugal seria o turismo.

Dois anos na Inglaterra, um ano em França, sete meses na Alemanha e no meio deste encontrei a que viria a ser minha esposa.

Casados em Londres,  decidimos ir para o Brasil,  onde tencionávamos gerir um restaurante que teórica e oficialmente pertencia a um avô da minha esposa. Mas no Brasil isso não contava já nada.

Avisados para não nos metermos em sarilhos, pois se tentássemos sequer reaver o restaurante tudo nos podia acontecer, acabei por começar do zero, pois a tal lei de reciprocidade entre portuguese e brasileiros, nessa altura. na prática não passava de uma fantasia no Brasil.

A cunha de um português bem alicerçado no Brasil que tinha sido colega de escola da minha sogra, foi a minha salvação. 

E estava já trabalhando como rececionista num hotel, quando chegou a notícia : houve um golpe de Estado em Portugal.

A minha reação foi quase nula: "Oxalá não hajam mortos e apareça alguém com capacidade para governar", pensei eu.

Tudo o que me preocupava era encontrar maneira de dar à minha jovem família e a mim mesmo razão de esperança e confiança de um futuro melhor do que estava experimentando desde que tinha chegado ao Brasil.

Uma crise de meningite em crianças que subitamente pôs o Rio de Janeiro em estado de pânico,  levou-me a pôr a minha família no primeiro barco de regresso a Portugal, enquanto eu, que tinha sido promovido a subgerente, ficava, mas ainda procurando algo melhor.

Do Brasil vim aos Estados Unidos, convencido de que aqui podia tirar um grau superior em Hotelaria, que me ia abrir as portas no mundo do turismo, que era para mim a minha primeira escolha depois que voltei da Guiné.

Tudo saiu diferente do que esperava e acabei por ficar em Nova Iorque para onde trouxe depois a minha família, agora acrescida de um filho que tinha nascido em Portugal, seis meses depois do regresso do Brasil.

Como emigrante não prestava muita atencão à política em Portugal, sabendo apenas que, graças a Deus, tal golpe de Estado tinha sido quase pacífico, mas que havia muita confusão : que se tinha dado a correr a independência a todos os que a pediam; mas que a pressa em que tudo era feito não augurava bom futuro para ninguém, como se veio a verificar.

E lembro que em 1996 quando me pediram para me envolver na causa de Timor Leste, eu respondi imediatamente que não me queria envolver em guerras fraticidas e na confusão que essa concessão de independência total sem as preparações devidas tinha causado em toda a parte.

Mas a minha experiência na Guiné vinha-me frequentemente à memória e comecei a procurar saber notícias e mesmo literatura . Não encontrava nada.

Até que numa visita a Portuga encontrei numa feira do livro, na Gare do Oriente, o livro "em Terras de Soncó", do Mário Beja Santos. Esse livro , logo seguido pela minha entrada para a Tabanca Grande, e encontros com camaradas da Guiné e outros veio reforçar o interesse por assuntos portugueses que durante muito tempo eu tinha intencionalmente ignorado.

Minha opinião agora é de que o 25 de Abril possibilitou e desencadeou um despertar de consciências geral, que possibilitou a democracia que agora vivemos. Não é perfeita, mas parece-me que o é o melhor que já alguma vez tivemos. E isso faz dessa data uma das mais importantes da nossa história.

João Cisóstomo, Nova Iorque

(Revisão / fixação de texto, negritos: LG)

__________

Notas do editor:

(*) ÚLtimo poste da série > 21 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25419: No dia 25 de Abril de 1974 eu estava em... (31): Lisboa, de licença de férias, e depois de uma noitada o meu cunhado acordou-me às 9h00: "Eh, pá, já não voltas mais para a guerra" (Jorge Pinto, ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74)

(**) Vd. poste de:

14 de março de 2022 > Guiné 61/74 - P23078: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - XIX (e última) Parte: Anexo B: Outros dados estatísticos: baixas, louvores e condecorações

Guiné 61/74 - P25434: Meu pai meu velho meu camarada (70): Henrique Gonçalves Vaz (1922-2001), último Chefe do Estado Maior do CTIG/CCFAG, foi também um cavaleiro com classe (Luís Gonçalves Vaz) - II (e última) Parte




Guiné > Bissau > Sala de operações do QG/CTIG > 11 de Julho de 1973 - Da esquerda para a direita; (i) Brigadeiro Banazol, comandante do CTIG; (ii) Coronel Galvão de Figueiredo, 2º comandante do CTIG; e (iii) o Chefe do Estado-Maior/CTIG, Coronel do CEM Henrique Gonçalves Vaz: este último responde, na sala de operações do QG, ., ás palavras do CMDT do CTIG, numa cerimónia de transmissão de funções do CEM/CTIG.



Guiné > Região do Cacheu > Pelundo >  1973 > Instrução das milícias >  Da esquerda para a direita; (i) Delegado do Governo no Chão Manjaco, Tenente-coronel de Art Sousa Teles; (ii) Comandante Geral das Milícias, Major Mário Arada Pinheiro (membro da nossa Tabanca Grande); (iii) CEM/CTIG, Coronel do CEM Henrique Gonçalves Vaz, em inspeção á instrução das milícias, representando o 2º CMTE do CTIG.



Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Nova Lamego > Setembro de 1973 > Coronel Henrique Vaz,  com o Brigadeiro Banazol (comandante do CTIG), perante um desfile de um pelotão de milícia, no âmbito do encerramento da instrução.



1- Segunda parte do texto do Luís Gonçalves Vaz



Cor cav CEM Henrique Gonçalves Vaz (Barcelos, 1922- Braga, 2001)


Fotos (e legendas): © Luís Gonçalves Vaz  (2024). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Henrique Gonçalves Vaz, último Chefe do Estado Maior do CTIG/CCFAG,
foi também um cavaleiro com classe - II (e última) parte (*)

por Luís Gonçalves Vaz



A carreira profissional do Coronel Henrique Gonçalves Vaz tem duas grandes etapas: (i) como cavaleiro, enquanto oficial subalterno de Cavalaria (vd. Parte I) (*); e (ii)  como Oficial do Quadro do Corpo do Estado-Maior.

Como oficial CEM, desempenhou funções nos Quarteis Generais da Região Militar do Norte, na Região Militar de Angola e no CTIG /CCFAG na Guiné Portuguesa.
 
Em 20 de Novembro de 1963, é destacado, em comissão de serviço, para servir no
Quartel General da Região Militar de Angola, onde exerce em 63/64 as funções de Oficial Adjunto da 4ª Repartição e,  em 1965, as de Chefe da 1ª Repartição, regressando à “Metrópole” neste ano.

 Os serviços prestados nesta comissão, pelo então Major Vaz, são reconhecidos
superiormente, nomeadamente pelo General Comandante da Região Militar de Angola e pelo próprio Ministro do Exército, reconhecimentos estes que se traduzem em Louvores e em Condecorações atribuídas. 

Entre 1966 e 1970, desempenha, na Região Militar do Norte (RMN)
na cidade do Porto, as funções, primeiro de subchefe e, nos últimos dois anos, a de Chefe do Estado-Maior da RMN.

Entre 1971 e 1972, comanda o Regimento de Cavalaria  nº 6 (RC 6), no Porto, onde uma vez mais se distingue como se pode comprovar no Louvor concedido pelo General Comandante da Região Militar do Norte, “... pela maneira altamente distinta e plena de dignidade como comandou o RC6 ....que revelaram um oficial distinto que valorizou a sua unidade e prestigiou a Região e as Instituições Militares...”.

No ano seguinte, 1973, é nomeado para servir, novamente, no “Ultramar”, desta vez no Comando Territorial Independente da Guiné (CTIG), como Chefe do Estado-Maior, sob o comando do General Spínola e posteriormente do General Bettencourt Rodrigues, numa altura de grandes ofensivas do PAIGC, 

A partir do 25 de Abril de 1974, e por instruções superiores (do Brigadeiro Fabião ), é o principal responsável em realizar os “Planos de Entrega dos Aquartelamentos na Guiné”, com a colaboração do sr. Major Mourão. 

Os últimos “Planos de entrega de aquartelamentos” foram entregues ao Brigadeiro Fabião no dia 10 de Outubro de 1974, um dia antes da reunião com os comandantes do PAIGC. 

A entrega do Complexo Militar de Santa Luzia foi efetuada no dia 13 de Outubro, pelas 15 horas, enquanto o Forte da Amura, o último “reduto militar português” a ser entregue, foi entregue apenas no dia 14 de Outubro, o dia previsto para a “retirada final”, e reservado para o embarque do que restava das tropas portuguesas na Guiné. Só regressará a Lisboa no dia 14 de outubro de 1974, cerca de seis meses após a Revolução de 25 de Abril. 

Em 31 de Agosto de 1976, é colocado no 1º Tribunal Militar Territorial do Porto, assumindo, no ano seguinte, a função de Juiz Presidente. Em março de 1978, passa à situação de Reserva, mas continua a exercer o referido cargo naquele tribunal. É reconduzido nas mesmas funções, desde 9 de setembro de 1979, por novo biénio.

Em 1 de Janeiro de 1982, deixa de prestar serviço efetivo no Quartel General da Região Militar do Norte.

Braga, 18 de abril de 2024
Luís Beleza Gonçalves Vaz (foto à esquerda)
(filho do biografado)

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Nota do editor: