Bio | Gisele

A essência da menina do interior

Gise, como é chamada pela família e amigos mais íntimos, e eu nascemos no dia 20 de julho de 1980, em Horizontina, uma cidadezinha no interior do Rio Grande do Sul. Ela é a terceira e eu a quarta filha dos nossos pais, Vânia e Valdir, que depois ainda tiveram mais 2 meninas. Crescer em meio a tantas irmãs foi algo realmente especial. Nossa infância foi maravilhosa, vivíamos brincando livres pelas ruas, em meio às árvores, andando de bicicleta, jogando vôlei. Nossos pais trabalhavam fora e tiveram bastante trabalho para criar 6 meninas. Claro que as irmãs mais velhas ajudavam a cuidar das mais novas, e assim nos criamos. Aprendemos cedo a nos virarmos sozinhas, todas nós tínhamos que ajudar nas tarefas de casa.

Um dos lugares que a Gisele mais gostava de visitar era a pequena propriedade rural dos nossos avós maternos, onde podia andar na carroça com meu avô, tirar leite das vacas e coletar os ovos das galinhas com minha avó, colher os morangos da horta, descascar os milhos para alimentar os animais. A Gise sempre foi muito conectada com a natureza e com as coisas simples da vida.

  O carinho pelos animais também foi algo que despertou muito cedo na Gisele, ela era empenhada e adorava cuidar dos nossos cachorros e gatos. Além disso, ela também sempre teve uma forte conexão com cavalos e era a mais destemida de todas entre as irmãs. Aliás, destemida para tudo, pois sempre foi muito aventureira e gostava de adrenalina.

A Gisele criança era muito ativa, por isso, a prática de esportes sempre foi algo incentivado lá em casa. Do balé à ginástica olímpica, do atletismo ao vôlei. Neste último, ela se destacava não só pela altura, que era propícia para o esporte, mas pelo seu comprometimento. A Gise sempre levou tudo muito a sério. Na hora de jogar, era competitiva e dava o seu melhor, também não tinha medo de chamar a atenção das companheiras, caso elas estivessem desanimadas e pouco focadas. Nunca faltava aos treinos e sempre jogava com garra.

Se a altura era boa para o vôlei, não ajudava muito na autoestima de uma pré-adolescente. Ela tinha que aturar as brincadeirinhas e apelidos dos meninos da escola. De saracura a Olivia Palito, ela ouviu muitas piadinhas pelo fato de ser muito magra e alta. Nas festinhas também não era fácil encontrar um menino do seu tamanho para dançar.

A entrada no mundo da moda

No ano anterior aos seus 15 anos, 1994, Gisele participou, juntamente comigo, com nossa irmã Gabriela e algumas amigas, de um curso de modelo. Queríamos nos preparar para o baile de debutantes do ano seguinte. O curso encerrava com uma excursão para conhecer Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo. Nós nunca havíamos viajado para esses grandes centros, e foi durante esta viagem que olheiros de modelos viram a Gisele, em um Shopping Center, e convidaram-na para fazer parte da agência. No início, ela relutou um pouco, pois queria ir ao parque de diversões com o restante das meninas, mas acabou topando ir com eles e minha mãe, que sempre nos acompanhava nas excursões, para conhecer o lugar.

Desde este primeiro contato com o mundo da moda, que era algo totalmente desconhecido por nós, a Gisele nunca mais parou. Devido à insistência do pessoal da agência, que dizia que ela tinha perfil para o ramo, meu pai e minha mãe autorizaram-na a fazer um book fotográfico e, durante as férias da escola, ela acabou voltando a São Paulo para fotografar seu primeiro editorial de moda como aspirante à modelo. Neste mesmo ano, nossa mãe viu num grande concurso de modelos uma boa oportunidade para avaliar se ela efetivamente tinha potencial. Gi não ganhou, mas ficou classificada em 2º lugar na etapa nacional e entre as 4 finalistas na etapa final em Ibiza, Espanha.

A oportunidade da Gisele se tornar modelo mexeu com toda a família, era uma área de atuação que não conhecíamos, portanto havia muita insegurança e desconfiança sobre a profissão. Além disso, a Gi também era muito nova, tinha apenas 14 anos. Após muita análise, reuniões em família, que costumávamos fazer sempre que havia algum problema ou algo a se discutir, e muita conversa com o pessoal da agência, nossos pais autorizaram a mudança dela para São Paulo.

Em 1995, ela saiu de mala e cuia, como falamos aqui no Sul, embarcou num ônibus e encarou mais de 1.000km do Rio Grande do Sul até São Paulo. Nunca mais voltou a morar em casa. Trocou a vida calma e simples da cidade do interior pela correria da cidade grande. Ao desembarcar em São Paulo, enfrentou seu primeiro desafio, foi assaltada e levaram todo o dinheiro que o pai havia dado para passar o mês.

Já estabelecida na cidade, começou a peregrinação: castings e mais castings. No início não foi fácil. Ela não tinha nenhuma experiência e desenvoltura com a profissão, mas Gi nunca foi de desistir. Lembro-me dela comentar comigo certa vez que não queria decepcionar nossos pais, já que havia conquistado a confiança deles para sair de casa. Algo dentro dela dizia que iria conseguir.

Um degrau de cada vez – os desafios do início

“Não, não, não… você é muito nova, você tem o nariz e o peito muito grande, você não é o tipo ideal para este trabalho…”. Isso é o que ela mais ouvia no início da carreira. Chegaram a lhe falar que ela nunca conseguiria ser capa de revista por causa do seu nariz expressivo. Imaginem só: hoje Gisele é uma recordista de capas. Enfim, este é um meio bem cruel com as meninas que chegam tão novas à profissão. É preciso ter muita força de vontade e autoconfiança para não desistir.

Ainda em 95, Gisele viajou para o Japão, que era para onde as modelos que estavam em início de carreira iam para tentar juntar algum dinheiro para se manterem em São Paulo, afinal os custos eram altos. Lembro até hoje que Gisele voltou do Japão cheia de presentinhos para todos. E isso acontecia na volta de quase todas as viagens. Ela sempre foi muito generosa com todos.

Infelizmente, diferente do que acontece com muitas outras meninas, nossa mãe não tinha como ficar com a Gisele em São Paulo ou acompanhá-la nas viagens, pois tinha outras 5 filhas em casa, inclusive uma pequena. Mas, sempre que possível, alguém da família ia visitá-la.

Devagarinho as coisas começaram a acontecer. Gisele começou a fotografar as revistas para adolescentes, fazer desfiles, editoriais e algumas campanhas publicitárias. Nossa mãe guardava todas as revistas em que ela aparecia. Era um orgulho para a família.

E veio a possibilidade de ir morar em Nova Iorque. Mesmo sem falar inglês, ela não hesitou em nenhum momento sequer em se mudar para lá. Era uma oportunidade que ela não queria perder. Viajou para Nova Iorque pela primeira vez em 1996 e só em 1997, aos 16 anos, mudou-se definitivamente para lá. Tudo para, mais uma vez, começar do zero. Naquele momento, no entanto, ela já tinha muito mais desenvoltura como modelo e já havia aprendido a se virar sozinha.

Nesta ocasião, novamente, nossa família ficou apreensiva. Como uma menina de 16 anos iria morar sozinha lá fora? Meu pai solicitou um plano de negócios à agência internacional, pois queria saber quais os caminhos possíveis para a carreira da Gisele. Além disso, sempre enviava uma de nós, irmãs, para passar um tempo com ela e dar apoio. Mas Gisele sempre foi muito autossuficiente, ela é que se achava a protetora de todas. Aliás, esta é uma característica que tem desde criança. Estava sempre protegendo as irmãs com unhas e dentes.

Em Nova Iorque, sua carreira demorou um pouco para deslanchar. Ela participava de muitos testes, atravessava a cidade de um lado para o outro em busca de oportunidades de trabalho. Passou alguns perrengues, morava com inúmeras meninas e, às vezes, via-se em apuros pelas brincadeiras que elas faziam pelo fato de ela não falar inglês. A Gi parecia não se importar, levava na brincadeira e focava no que realmente a interessava.

Houve um período em que ela fez 43 testes para desfiles e só foi selecionada para 1, mas este único sim foi a oportunidade que ela precisava para mostrar a que veio. Sua força na passarela é algo realmente impactante, só quem já a viu desfilando pode dizer. Depois disso, começaram a surgir os títulos, como “The Body” (o corpo), “A Mulher Mais Linda”, “O Retorno das Curvas”, “A Mais Desejada”. Seu nome começou a estar estampado nas capas das revistas, todos queriam saber quem era aquele novo rosto no meio da moda. 

Ela trazia uma grande mudança ao estereótipo da época, era o final da era do biotipo supermagro, com cara pálida, olheiras e alguns traços de androgenia, conhecido ironicamente por “Heroin Chic”, para a ascensão de um visual sexy, corpo saudável, curvas e um bronzeado dourado. Aliás, o engraçado é que algumas vezes ela chegava um pouco mais bronzeada aos desfiles e levava um “puxão de orelha”. Aos poucos esse look natural dela, mais saudável, foi sendo incorporado à moda.

O desenrolar de uma trajetória de sucesso

Aos 19 anos (1999), foi eleita a melhor modelo do mundo e, a partir de então, sua vida virou de ponta-cabeça. Sua casa era o avião. Como viajava muito e acabava ficando longe da família, comprou uma cachorrinha para acompanhá-la e a chamou de Vida. Foi uma grande companheira da Gi, pois, de certa forma, trazia um pouco de aconchego nos momentos de solidão. Gisele também tatuou uma estrela no pulso. Dizia que era a sua estrela-guia.

Gisele tinha algo diferente. Ela não tinha aquele tipo de beleza perfeita, angelical. Tinha traços marcantes e uma personalidade forte, além de empatia, simpatia, cordialidade. Ela sempre tratou a todos de forma igual, valorizando o trabalho de cada um no estúdio e foi muito interessada em aprender. Hoje, inclusive, dizem que ela fotografa bem porque entende de tudo um pouco, sabe sobre luz, melhores ângulos e como entregar o que o cliente quer. Outro ponto sobre o qual costumo ouvir relatos é em relação ao seu profissionalismo e comprometimento. Desde o início, Gisele encarou a carreira de modelo como profissão e procurava dar o seu melhor. Em um meio em que se lida com muitos “egos”, ela soube ter jogo de cintura e não levar as coisas para o lado pessoal.

Vieram os tempos áureos, eram conquistas atrás de conquistas. Naquela época, uma modelo era fashion ou comercial, porém Gisele acabou com esse padrão. Ela conseguia ser cool, superfashion e fazer trabalhos comerciais ao mesmo tempo. Era considerada uma camaleoa pela capacidade de transformação. Podia estar linda e glamourosa em um trabalho, parecendo moleca ou mais masculinizada em outro. Algumas vezes, fotografava sem nem usar maquiagem e, ainda assim, impressionava. Definitivamente, ela tem uma luz especial.

Nossa família acompanhava tudo de perto. Demorou um pouco para compreendermos a magnitude que a Gisele havia alcançado e também para entendermos como esse mundo funcionava, lidar com imprensa, fãs… Era tudo muito diferente. Em uma oportunidade em que Gisele estava no Brasil, fomos ao shopping, aparentemente algo corriqueiro, mas uma multidão se aglomerou em frente à loja em que estávamos e tivemos que solicitar ajuda dos seguranças para sair do shopping… Foi aí que “caiu a ficha”. Tivemos um pouco de dificuldade para lidar com a situação no início, afinal crescemos naquele clima de interior em que todo mundo se conhece e as portas de casa estão sempre abertas para receber as pessoas. Aprendemos na marra que precisaríamos nos proteger do assédio e que nem tudo são flores e glamour neste meio. Mas sempre tivemos uns aos outros para nos apoiarmos.

Gisele chegou ao topo do mundo da moda, posou para as lentes dos maiores fotógrafos do mundo, estampou capas e editoriais das mais importantes revistas do segmento, desfilou e realizou campanhas para as mais reconhecidas marcas de moda, cantou, dançou, atuou e teve os maiores contratos comerciais da história até então.

Übermodel – única

Sua trajetória foi tão marcante que foi necessário inventar um novo termo para definir sua presença no mundo da moda, chamaram-na de “Übermodel”: mais que uma supermodelo. Um jornal inglês chegou a dizer uma vez: “Existiram supermodelos e existe Gisele Bündchen”. Um bom exemplo para ilustrar esse fato é o seguinte: uma modelo passa a vida querendo aparecer na capa de uma Vogue América. Gisele, só no ano de 1999, apareceu três vezes. Ao longo de sua carreira, foram 11. E até hoje ela continua surpreendendo e quebrando paradigmas no meio da moda. Recentemente, estrelou a campanha de um famoso perfume, cujo papel principal nunca antes havia sido feito por uma modelo, só pelos mais famosos atores de todos os tempos, como Marilyn Monroe e Brad Pitt. Estes são apenas alguns exemplos da relevância da Gisele neste meio.

Em 2003, aos 23 anos, a Gi estava cansada da maratona em que vivia, então decidiu dar um tempo na carreira, passou um período em Horizontina, fez uma viagem para África com nossos pais e tirou um momento para ela. Queria sossego. Como começou a trabalhar muito cedo e assumiu compromissos de adultos quando ainda muito nova, acabou pulando uma fase da vida que eu, particularmente, achei das mais divertidas: a adolescência. Dos 14 ao início dos seus 20 anos, ela praticamente só trabalhou. Nunca foi de festanças, claro que gostava de sair com os amigos, mas sua prioridade era o trabalho e estava muito focada em fazer dar certo.

Durante o período de introspecção, a Gi teve um tempo para parar e refletir, sentia que havia algo maior por trás de todas as conquistas, e mais: tinha um sentimento e uma vontade constante de resgatar suas raízes e as coisas simples, como o contato com a natureza, que era onde ela geralmente se refugiava para recarregar suas energias e buscar equilíbrio.

Em 2004, decidiu visitar uma tribo indígena no Xingu e pôde ver de perto os problemas que eles vinham enfrentando por causa do desmatamento e da poluição dos rios. Desde então, nunca mais parou sua luta pelo meio ambiente e, após apoiar inúmeros projetos e causas, inclusive de construir juntamente com nosso pai e família um projeto na cidade onde nascemos, chamado Água Limpa (para recuperar a qualidade da água do local), foi reconhecida pela ONU por seus esforços e nomeada Embaixadora da Boa Vontade para o Meio Ambiente pela UNEP (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente).

Mas a carreira da Gisele não parou por aí. Quando imaginávamos que ela iria desacelerar ou partir para outro ramo, chegou até a fazer participação no cinema e ainda gravou duas músicas, ela nos surpreendia e sempre se reinventava. Seu sucesso duradouro vem muito das escolhas que fez ao longo do caminho. Ela construiu uma carreira sólida, baseada em bons valores, integridade e muita positividade. Virou um verdadeiro ícone em uma carreira supostamente de curta duração. Se antes as pessoas a contratavam como modelo para interpretar um papel, um conceito em uma campanha, hoje a chamam para que ela agregue seus valores à marca. O conceito passou a ser a própria GISELE.

O mais interessante nisso tudo é que, apesar da fama, do sucesso absurdo e jamais imaginado por nenhum de nós, ela não se deslumbrou, nem perdeu sua essência. Ao contrário, é pé no chão e está sempre em busca de melhorar como ser humano. Um verdadeiro exemplo e inspiração para nós da família.

Hoje, sua prioridade é sua família. A Gi é mãe do Benjamim e da Vivian, e é casada com o americano Tom Brady. Mas ela continua correndo atrás e trabalhando para realizar seus sonhos. Como ela mesma costuma dizer: “Os sonhos nos movem e, por isso, é importante nunca para de sonhar”.