'Drácula': tudo que você precisa saber sobre a obra de Bram Stoker | Cultura | Galileu

Por Oscar Nestarez


O personagem interpretado pelo ator Béla Lugosi (Foto: Reprodução) — Foto: Galileu
O personagem interpretado pelo ator Béla Lugosi (Foto: Reprodução) — Foto: Galileu

Em 2017, o mais célebre personagem da literatura de horror está completando 120 anos. Sim, faz mais de um século que o Conde Drácula saiu da mente do escritor irlandês Abraham “Bram” Stoker para aterrorizar, repelir, fascinar, seduzir e inspirar gerações — primeiro de leitores, depois de telespectadores, de jogadores de RPG, de gamers, e por aí vai. Entra ano, sai ano, o magnetismo exercido pelo maior vampiro de todos continua em dia, sem dar sinais de enfraquecimento. Até porque, diante da eternidade, o que são 120 anos?

Para nós, meros mortais, 120 anos é bastante tempo. Então, como explicar o sucesso que a criação de Bram Stoker faz desde finais do século 19 — mais especificamente, desde 1897? Em que pontos Drácula, o livro, acertou tanto para manter-se vivo no nosso imaginário por tamanho intervalo de tempo? Como amantes e pesquisadores da literatura de horror, apresentaremos alguns fatores que podem contribuir para essa mística.

O autor
Em 1897, Bram Stoker já era um escritor maduro e reconhecido. Estava prestes a completar 50 anos e estabelecera-se como um talentoso romancista de sua geração.

Natural de Dublin, Stoker começou a escrever no início da adolescência. Graduado em Matemática (!), jamais exerceu a profissão. Uma de suas paixões era o teatro. Foi crítico teatral do Dublin Evening Mail, de propriedade de um conterrâneo e colega autor seu, Joseph Sheridan Le Fanu — que tornou-se também uma influência fundamental.

Drácula foi o quinto livro publicado por Stoker. Na narrativa, o autor explora, com grande habilidade, um recurso retórico que começava a surgir na época: o romance epistolar. Ou seja, a história contada por meio de cartas — e de atualizações em diários, de notícias de jornais, de documentos náuticos etc. O formato fortalece uma característica indispensável para qualquer narrativa de teor sobrenatural: a verossimilhança.

Tanto que, na ocasião do lançamento, Drácula foi considerado tétrico e excessivamente violento. Em uma resenha do mesmo ano, o jornal britânico Manchester Guardian classificou o romance como “grotesco demais” e Stoker teria cometido “um erro artístico ao preencher todo um volume com horrores”.

Bram Stoker, a mente por trás do Conde Drácula (Foto: Reprodução) — Foto: Galileu
Bram Stoker, a mente por trás do Conde Drácula (Foto: Reprodução) — Foto: Galileu

Críticas à parte, a obra não foi, de modo algum, a primeira a colocar vampiros no centro de uma narrativa. Anos antes, em 1872, Sheridan Le Fanu (o chefe de Bram Stoker) havia publicado Carmilla, novela de horror que marcou época. A história gira em torno da personagem-título — a primeira vampiresa de que se tem notícia — e de seu relacionamento afetivo/assombrado com a narradora, Laura.

Mas há registros de relatos anteriores, também. Um deles remete a uma noite já bem conhecida pelos fãs de histórias de horror: aquela tempestuosa de 1816, em que, numa certa mansão à beira do lago Léman, na Suíça, a também britânica Mary Shelley esboçou o rascunho de Frankenstein: ou o Prometeu moderno.

Nessa noite, Lord Byron, o anfitrião, propôs uma atividade para afastar o tédio entre os presentes: cada um produziria uma história assombrada. Além de Byron e da autora, participaram o amante dela, o poeta Percy Shelley, e o médico londrino John Polidori.

Este último, inspirado por um relato do próprio Byron, escreveu a novela The Vampyre. Hoje, o texto é considerado pelos críticos como o primeiro a conseguir fundir elementos díspares de vampirismo em um “gênero literário coerente”.

E há obras ainda mais antigas. Na Europa continental, Johann Wolfgang Von Goethe — uma das maiores figuras do romantismo alemão — publicara, em 1797, Die Braut von Korinth (A Noiva de Corinto), poema de temática profundamente vampiresca.

Não há dúvidas de que Bram Stoker tenha (com o perdão da metáfora) bebido de todas essas histórias. Sobretudo da de Le Fanu, cujos ecos são facilmente identificáveis na obra de 1897. Mas há um ponto fundamental em que Drácula se distingue: o formato epistolar e a fundamentação histórica.

Conde Drácula, por Béla Lugosi (Foto: Reprodução) — Foto: Galileu
Conde Drácula, por Béla Lugosi (Foto: Reprodução) — Foto: Galileu

Construindo Drácula
De acordo com especulações (não há confirmação do fato), o autor serviu-se de uma figura real para compor seu protagonista: Vlad Tepes (Vlad, o Impalador, em romeno), sanguinário príncipe da Valáquia, hoje Romênia, que tinha o hábito de trespassar os prisioneiros de guerra com imensas lanças.

Para além disso, escrever boa parte da história por meio de cartas e de telegramas trocadas entre personagens, bem como de atualizações de diários e de memorandos, foi uma das grandes ideias de Bram Stoker. Porque o recurso não só acrescenta verossimilhança ao que é narrado, mas também deixa os leitores em suspenso quanto à certeza sobre o que realmente ocorreu.

Há, ainda, notícias de jornais, registros náuticos e outros documentos que são inseridos ao longo do texto. É fato que o procedimento interfere na nossa fruição da história — pois, sem um narrador onisciente, temos que montar, nós mesmos, uma espécie de quebra-cabeça, o que pode atenuar o suspense ou enfraquecer certas passagens. Neste sentido, vale lembrar que o personagem-título não é, curiosamente, o protagonista; seu ponto de vista não é apresentado. Por outro lado, isso acaba envolvendo o Conde em brumas de mistério ainda mais espessas.

Aliás, o próprio formato epistolar acentua as brumas de enigma que pairam sobre a narrativa, fustigando a nossa imaginação em vários sentidos. Tanto que o formato segue fazendo escola até hoje: George R. R. Martin e suas Crônicas de Gelo e Fogo são provas disso.

Por falar em atmosfera...
Eis outro grande triunfo de Bram Stoker. É consenso, entre leitores e críticos, que a ambiência carregada de Drácula funciona, e muito bem. O cuidado do autor na criação de cenários sinistros e o tom pesaroso com que ele relata a história acentuam o efeito do horror, provocando nos leitores uma tensão que permanece vibrante até hoje.

Para tanto, Stoker serviu-se fartamente da tradição gótica na literatura. Vemos essa influência já no início do romance: quando Jonathan Harker, advogado de uma firma imobiliária, viaja até a propriedade do Conde Drácula na Transilvânia, a descrição é profundamente gótica.

O ambiente noturno, os povoados desolados pelos quais o jovem passa, a aura de sobrenatural que paira por todos os lados e, claro, o assustador castelo do Conde não deixam dúvidas quanto a isso. E são vários os outros indícios do gótico encontrados no texto.

Leia mais:
+ A pouca conhecida tradição de literatura de horror no Brasil
+ Linha do tempo da literatura de horror

Enfim, estes são apenas alguns pontos que, a nosso ver, fazem de Drácula uma obra poderosa, quem sabe imortal. Recontada até hoje das mais diversas formas e nos mais diversos formatos, a história não dá sinais de perder seu apelo. E seu alcance só faz aumentar graças às adaptações cinematográficas, aos games, aos jogos de RPG e às influências na música, a legião de fãs continua crescendo em todo o mundo.

Aqui no Brasil, este culto também rende “criaturas” interessantes. Uma das mais recentes é Vampiro - Um Livro Colaborativo (Editora Empíreo), lançado em outubro de 2017 em São Paulo. A iniciativa marca os 120 anos de Drácula, reunindo 49 contos livremente inspirados pela mística da obra de Bram Stoker — e somente de autores nacionais.

Há vampiros bíblicos, vampiros em submarinos, vampiros medievais, vampiros do zodíaco, vampiros indígenas e até vampiros nas capitanias hereditárias. Uma profusão tal que certamente levaria o Conde a se acomodar melhor no caixão, forçando-o a abrir um raro sorriso de satisfação.

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