Descrição de chapéu The New York Times

Destino do Parthenon é alvo de conversas secretas entre Museu Britânico e Grécia

Pressão por restituição dos frisos ao país de origem é forte, mas acordo ainda não parece iminente

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Alex Marshall
The New York Times

Quando o aristocrata britânico lorde Elgin retornou da Grécia para seu país no início do século 19, também despachou para a Inglaterra alguns dos maiores tesouros da antiguidade: uma coleção que incluía estátuas de deuses gregos e frisos de mármore esculpidos retratando centauros em combate, que no passado decoravam o Parthenon de Atenas.

Em alguns casos arrancados das paredes do templo, ostensivamente com a permissão dos otomanos que então governavam a Grécia, os chamados Mármores de Elgin foram mais tarde vendidos ao governo britânico e estão entre os artefatos mais valorizados no acervo do Museu Britânico.

Mas, praticamente desde o dia em que foram removidos, também se tornaram causa de talvez a mais notória disputa cultural do planeta.

Segurança na galeria do Parthenon no British Museum, em Londres
Segurança na galeria do Parthenon no Museu Britânico, em Londres - Tom Jamieson/The New York Times

Desde os dias de lorde Byron, um poeta romântico que foi um dos primeiros críticos de sua remoção, o destino dos frisos vem sendo amargamente disputado. Os britânicos dizem que os mármores foram adquiridos legalmente e que é melhor que sejam expostos ao lado de outros artefatos em um museu universal, enquanto os gregos os veem como tesouros saqueados que representam um dos alicerces de seu patrimônio nacional.

O debate se acirrou ainda mais nos últimos anos, à medida que as ações dos impérios do passado passaram a ser esquadrinhadas com mais rigor e batalhas por restituição começaram a abalar as fundações dos museus ocidentais.

A pressão pela restituição dos frisos cresceu, já que outros museus restituíram itens de destaque como bronzes de Benim, antiguidades italianas e outros fragmentos do Parthenon devolvidos no mês passado pelo Vaticano.

Agora há sinais de esperança de que talvez haja uma solução à vista, entre o Museu Britânico e a Grécia, depois que representantes das duas partes admitiram que conversas secretas estão sendo realizadas. Mas mesmo que essas revelações tenham gerado otimismo quanto à possibilidade de progresso real em breve, os dois lados deixaram claro que por enquanto um acordo não é iminente.

Na verdade, eles continuam muito distantes quanto a algumas questões cruciais.

As conversas estão em curso em Londres desde novembro de 2021, entre o primeiro-ministro grego Kyriakos Mitsotakis e o antigo secretário das Finanças britânico George Osborne, agora presidente do Museu Britânico.

Em reuniões realizadas no conforto de hotéis de luxo e na casa do embaixador grego em Londres, os dois lados vêm tentando chegar a um acordo sobre o futuro dos frisos, de acordo com duas pessoas informadas sobre as negociações, que falaram sob a condição de que seus nomes não fossem revelados porque estão discutindo questões confidenciais. Uma dessas pessoas está informada sobre a posição grega; a outra conhece a posição do Museu Britânico.

Em diversas dessas reuniões, Giorgos Gerapetritis, um ministro sem pasta no governo grego, atuou como representante de Mitsotakis, de acordo com as duas fontes.

O sucesso das negociações até o momento é tema de muita especulação. Um artigo publicado no mês passado pelo jornal grego Ta Nea sobre as conversas dizia que elas estavam 90% completas, citando fontes gregas "bem posicionadas".

A agência de notícias Bloomberg noticiou na semana passada que as partes estavam "a caminho de fechar" um acordo, e outras reportagens otimistas surgiram na mídia. Segundo a proposta discutida, dizia o artigo da Bloomberg, algumas das peças regressariam temporariamente a Atenas, em troca de outros tesouros antigos.

Mas um acordo permanece muito mais distante do que as reportagens em questão indicam, segundo as duas pessoas informadas sobre as negociações que falaram ao jornal The New York Times. E, de fato, nos últimos dias representantes das duas partes falaram publicamente para conter as expectativas de que qualquer acordo estivesse iminente.

De sua parte, Mitsotakis pediu ao Museu Britânico que devolvesse o friso completo que integra sua coleção, cerca de 80 metros de pedra talhada que no passado revestiam o Parthenon, disse a pessoa informada sobre a posição grega.

Mitsotakis queria um acordo para que esses painéis permanecessem na Grécia durante pelo menos 20 anos, acrescentou a pessoa. Lá, eles seriam reunidos com outras partes do friso já em exposição no Museu da Acrópole, em Atenas.

A fonte disse que a expectativa de Mitsotakis era a de que, ao final do prazo de 20 anos, o acordo fosse prorrogado para que os painéis do friso permanecessem em Atenas.

O lado grego esperava negociar a devolução das esculturas restantes em uma data posterior, acrescentou a pessoa informada sobre sua posição. Em troca do friso, os museus gregos forneceriam ao Museu Britânico uma seleção rotativa de artefatos de valor inestimável, alguns dos quais jamais saíram da Grécia, segundo a fonte.

O Museu Britânico quer um acordo diferente, de acordo com a fonte informada sobre a posição da instituição. Até agora, Osborne sugeriu a devolução de uma parte menor do friso, e de algumas esculturas de deuses e centauros, na forma de um empréstimo em curto prazo, disse a pessoa. O museu estaria disposto a oferecer até um terço dos artefatos do Partenon que integram sua coleção, acrescentou a pessoa.

Assim que a Grécia devolvesse esses artefatos a Londres, outros seriam enviados a Atenas para substitui-los, disse a pessoa. Com o tempo, o número de artefatos enviados para a Grécia aumentaria, refletindo a a confiança crescente entre as duas partes, acrescentou a fonte.

A opinião do Museu Britânico é de que não poderia oferecer mais, mesmo que quisesse, disse a pessoa informada sobre sua posição. Nos termos da lei britânica, o museu não pode remover artigos de seu acervo a menos que sua retenção seja imprópria, embora esteja livre para emprestar objetos a outras instituições.

O museu argumenta que lorde Elgin adquiriu os artefatos legalmente, sob uma licença que lhe foi concedida pelos administradores do Império Otomano, que naquela época governavam Atenas. Também insiste em que é melhor apresentar as esculturas entre as coleções mundiais do museu, para que contem uma história mais ampla sobre a civilização humana.

Se qualquer acordo com o governo grego não incluir uma cláusula sob a qual os frisos devem retornar a Londres, ele poderia ser contestado nos tribunais britânicos. Mas qualquer acordo seria escrito de uma maneira que não exigisse que a Grécia desistisse da sua reivindicação de propriedade sobre os artefatos, disse a pessoa que está informada sobre a posição do museu.

O Museu Britânico se recusou a comentar as negociações, mas um porta-voz da instituição admitiu por email que elas estavam acontecendo. "Estamos buscando ativamente uma nova parceria quanto ao Parthenon com os nossos amigos na Grécia, e, com a chegada de um novo ano, temos discussões construtivas em curso", disse.

Agora que uma proposta informal e uma contraproposta estão na mesa, as conversas atingiram uma fase que "não tinha sido vista antes", disse a fonte do lado grego. As duas partes estão "negociando de boa-fé", acrescentou a pessoa, mas a expectativa é de que não haja novos progressos antes que a Grécia realize eleições parlamentares, no final deste ano.

Enquanto isso, cresce a pressão sobre o Museu Britânico. No ano passado, a Itália devolveu um fragmento do Parthenon que estava em exposição há mais de 200 anos em um museu da Sicília. E em dezembro o Vaticano anunciou que entregaria três fragmentos do Parthenon ao líder da Igreja Ortodoxa Grega, que deve transferi-los ao Museu da Acrópole.

Outras importantes coleções ocidentais, incluindo o Smithsonian e o Humboldt Forum, em Berlim, recentemente devolveram obras de arte de grande importância, e o Museu Britânico parece estar cada vez mais defasado.

Além dos artefatos do Parthenon, a instituição é dona de uma extensa coleção de bronzes de Benim, reivindicada pela Nigéria; da Pedra de Rosetta, que alguns arqueólogos querem ver devolvida ao Egito; e de uma estátua da Ilha de Páscoa, cuja restituição foi solicitada pela população nativa da ilha, os rapa nui.

Este ano, o Museu Britânico deve anunciar uma grande reforma, que incluirá melhoras em seu telhado e no sistema de aquecimento, o que poderá resultar no fechamento de algumas galerias por longos períodos. O projeto tem custo estimado em 1 bilhão de libras (cerca de R$ 6,45 bilhões), de acordo com uma reportagem do jornal The Financial Times.

Leslie Ramos, diretora fundadora da Arteater, uma agência que aconselha museus a obter fundos, disse que potenciais doadores para trabalhos de reforma "podem querer informações específicas" sobre o que o Museu Britânico pretende fazer quanto aos artefatos do Parthenon, antes que decidam contribuir.

Para o museu, entrar em negociações sobre os objetos em disputa seria "uma forma de apelar a uma nova geração de filantropos", ela acrescentou.

Além da distância que separa as propostas das duas partes, há mais um grande obstáculo: determinar se os legisladores britânicos e gregos aceitariam um acordo.

O governo britânico disse no ano passado que não pretende alterar a lei e permitir uma restituição total dos frisos. Na quarta-feira, Michelle Donelan, a ministra britânica da Cultura, disse à BBC que a devolução dos artefatos abriria uma "caixinha de surpresas" e poderia levar a exigências de restituição de outros artigos do museu. "Devolvê-los é um caminho perigoso a percorrer", disse.

Também não ficou claro se a Grécia aceitaria uma parceria caso isso implique que o Museu Britânico é proprietário dos mármores. Sia Anagnostopoulou, uma legisladora grega pelo partido da oposição Syriza e porta-voz de seu partido quanto a questões de cultura, disse que se opunha a qualquer acordo que não deixasse claro que os mármores são propriedade legítima da Grécia e que um empréstimo era inaceitável.

"É uma questão de dignidade para todos os gregos", ela disse, "como seria, para o povo britânico, se lhes fosse pedido que emprestasse temporariamente peças que tivessem sido roubadas de Stonehenge".

Especialistas em direito e administradores de museus em todo o mundo estão acompanhando a situação atentamente.

"Se houvesse algum tipo de acordo, seria um grande símbolo para outros dos que buscam restituições", disse Alexander Herman, diretor do Institute of Art and Law, em Londres.

Max Hollein, diretor do Museu Metropolitano de Arte de Nova York, o Met, disse que "a questão toda dos Mármores de Elgin é uma história tão longa e complexa" que qualquer solução "seria um passo importante para as instituições, e para o diálogo cultural no mundo".

O Met chegou recentemente a um acordo com a Grécia para que o museu de Nova York pudesse exibir uma coleção de antiguidades cicládicas montada pelo filantropo Leonard Stern, reconhecendo ao mesmo tempo que, em última análise, os artefatos pertencem ao Estado grego. Nos termos do acordo, os artefatos viajarão entre os Estados Unidos e a Grécia.

Hollein disse que o governo grego estava aberto a negociar soluções inovadoras para restaurar a propriedade do patrimônio cultural do país, ao mesmo tempo em que permitia que artefatos fossem expostos no exterior.

Em uma visita recente ao Museu Britânico, a galeria em que os frisos estão expostos estava repleta de turistas, muitos deles tirando selfies diante das estátuas e do friso.

Dilan Polat, 20, estudante de arte que estava esboçando o torso musculoso de um centauro de um dos painéis, disse que considerava "uma grande sorte poder desenhar esculturas gregas reais". Mas acrescentou que elas deveriam regressar "ao seu lugar de direito" na Grécia.

John Lancaster, 59, motorista de ônibus, disse que os mármores deveriam regressar à Grécia, porque fazem parte da história daquele país. "É como as joias da coroa", acrescentou Lancaster. "Se alguém as levasse, nós iríamos querê-las de volta, não?"

No ano passado, um levantamento do instituto de pesquisa YouGov constatou que 59% dos britânicos acreditavam que as esculturas pertenciam à Grécia.

Mas é pouco provável que a opinião pública venha a ser o fator decisivo nas negociações. Herman, o especialista jurídico, disse que, em intervalos de alguns poucos anos, "parece surgir um vislumbre de esperança" no debate sobre as esculturas do Parthenon —mas depois o processo encalha.

A mesma coisa poderia acontecer agora, ele disse. Mas acrescentou que Mitsotakis e Osborne eram homens de negócios, pessoas de "espírito prático", e acostumados a negociar acordos. "Se há duas pessoas que têm a capacidade de se reunir em uma sala e resolver o problema", disse Herman, "provavelmente serão pessoas como aqueles dois".

Tradução Paulo Migliacci

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