Boris apresenta lei de imigração que torna crime entrar sem permissão no Reino Unido - Jornal O Globo
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Boris apresenta lei de imigração que torna crime entrar sem permissão no Reino Unido

Projeto de Lei de Nacionalidade publicado nesta terça-feira pretende dificultar a entrada de imigrantes e solicitantes de asilo
Passageiros no terminal internacional do Aeroporto Heathrow, em Londres, Reino Unido, em foto de maio de 2020 Foto: JUSTIN TALLIS / AFP
Passageiros no terminal internacional do Aeroporto Heathrow, em Londres, Reino Unido, em foto de maio de 2020 Foto: JUSTIN TALLIS / AFP

LONDRES — Chegar "conscientemente" ao Reino Unido sem permissão poderá ser crime, segundo um projeto de lei apresentado ao Parlamento pelo governo do primeiro-ministro Boris Johnson nesta terça-feira. A chamada Lei de Nacionalidades e Fronteiras também prevê que solicitantes de refúgio e asilo que tentem chegar ao solo britânico aguardem o processamento de seus pedidos em terceiros países .

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A proposta, que não se aplica ao turismo, é caracterizada pelo governo como as "mudanças mais radicais em décadas no corrompido sistema de asilo", dificultando a vida daqueles que tentam ingressar irregularmente no país e desencorajando quem planeje fazê-lo. A legislação será examinada ainda neste ano pelo Parlamento, que precisará aprová-la.

O projeto provocou críticas de ativistas e instituições filantrópicas, que alertaram para um possível desrespeito ao direito à proteção. O Partido Trabalhista, da oposição, apontou também que a iniciativa poderia violar a lei internacional.

A ministra do Interior, Priti Patel, prometeu que o projeto criaria um sistema de asilo "firme, mas justo" para permitir que o Reino Unido "assuma o controle total de suas fronteiras". Ela ainda disse que a proposta "quebraria o modelo de negócios" das gangues de contrabando de pessoas.

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Segundo a BBC, um recorde de 6 mil pessoas cruzou o Canal da Mancha, que separa o Reino Unido da França, em pequenos barcos nos primeiros seis meses de 2021, o que significa que a cifra de 8.417 do ano passado poderá ser superada em breve. Mais de 36 mil solicitaram asilo no Reino Unido em 2020. Cerca de 10 mil receberam proteção de alguma forma, incluindo sob status de refugiado.

— Por muito tempo, o nosso sistema de asilo corrompido tem enriquecido as gangues criminosas abomináveis que enganam o sistema  — disse Patel. — Essa legislação entrega aquilo pelo qual o povo britânico votou várias vezes: que o Reino Unido assuma o controle total de suas fronteiras  — completou, em uma referência ao forte sentimento anti-imigração no país, um dos motivos que ajudam a explicar o Brexit, o divórcio britânico da União Europeia.

Entre as medidas do projeto, estão a fixação de uma pena máxima de prisão perpétua para condenados por contrabando de pessoas e uma avaliação de idade para identificar imigrantes adultos que finjam ser menores.

O projeto também deve permitir que os pedidos de asilo sejam processados fora do Reino Unido , potencialmente abrindo o caminho para a utilização de centros offshore ou instalações em outros países.

Depois do Brexit, concretizado em 1º de janeiro deste ano, o Reino Unido deixou o chamado Sistema de Dublin, que antes lhe permitia transferir para outros países da UE requerentes de asilo que viessem de nações do bloco, para que seus pedidos fossem processados nos locais de origem.

O governo de Boris Johnson começou a negociar com as autoridades dinamarquesas, que aprovaram no início de junho uma legislação similar , a compra de instalações em Ruanda, na África, a mais de 7 mil quilômetros do Reino Unido, para onde os solicitantes de refúgio seriam enviados.

Balsas que não são utilizadas, plataformas de exploração de petróleo abandonadas e a Ilha da Ascensão — território ultramarino britânico isolado no meio do Atlântico, entre a costa africana e a brasileira — também são citados como possíveis destinos em documentos oficiais vazados, segundo o jornal The Guardian.

Outra cláusula da legislação prevê facilitar a remoção de imigrantes que não se classifiquem para pedidos de asilo, punindo os países que se recusarem a receber seus próprios cidadãos deportados. A proposta prevê que o governo britânico tenha um novo "poder para controlar a disponibilidade de vistos" para aqueles que tentam ingressar regularmente no país.

Boris, que chegou ao poder impulsionado pela promessa de concretizar o Brexit e com um forte discurso anti-imigação, vem pressionando sua ministra nos últimos meses para que encontre uma solução para as travessias clandestinas.

Se aprovado, o projeto porá um fim à política britânica de dar boas-vindas a quem sofre perseguições em algum canto do planeta. Também diverge significativamente de qualquer esforço coordenado da União Europeia para fazer frente à questão.

Para o diretor do Refugee Council, Ever Solomon, o governo está "não apenas escolhendo recusar quem precisa de segurança, mas também os tratando como criminosos":

— Essa lei anti-refugiados vai causar ainda mais caos em um sistema já ineficiente e ineficaz, com mais atrasos e custos — disse ele ao Guardian.

A Sociedade Legal da Inglaterra e do País de Gales, por sua vez, afirmou que os planos provavelmente irão violar a Convenção dos Refugiados de 1951. O documento, que tem o Reino Unido como um de seus signatários, é considerado um pilar do direito internacional.

— Punir solicitantes de asilo que buscam nossas costas por rotas irregulares, como por barco, criaria um sistema de asilo com duas categorias, revertando um acordo internacional longo e arduamente conquistado — afirmou a presidente do grupo, Stephanie Boyce, à BBC. — A reputação deste país de justiça e equidade seria seriamente comprometida se este projeto se tornar lei.