Carlos III é o primeiro monarca britânico a falar no Bundestag. Fez piadas e usou a Ucrânia como exemplo da nova era de união na Europa - Expresso

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Carlos III é o primeiro monarca britânico a falar no Bundestag. Fez piadas e usou a Ucrânia como exemplo da nova era de união na Europa

Carlos III foi o primeiro monarca britânico a discursar no Parlamento alemão
Carlos III foi o primeiro monarca britânico a discursar no Parlamento alemão
Sean Gallup/Getty Images

Até ver, a primeira viagem oficial de Carlos III não teve momentos embaraçosos. O primeiro destino do rei foi a Alemanha, anulada que foi a deslocação a França. A história partilhada entre os dois países e as ligações diretas da família do monarca ao país anfitrião acabaram por transformar a visita num sucesso. Esta quinta-feira falou no Parlamento alemão. A Ucrânia foi tema principal, mas sobrou espaço para Beatles e Brahms

Carlos III tornou-se esta quinta-feira o primeiro monarca britânico a discursar no Bundestag, o Parlamento alemão. Falou na língua do local que o recebeu, passando ao inglês apenas para contar piadas, que funcionam sempre melhor no idioma em que foram pensadas.

Espirituoso, irónico em certas partes do discurso, como é próprio de um verdadeiro britânico, a visita de Carlos III está a ser considerada um sucesso pela imprensa da especialidade, porque, até ver, não há notícia de qualquer gafe.

São muitas as ocasiões entre o embaraçoso e o engraçado no currículo do chefe de Estado do Reino Unido. Carlos já se esqueceu, por exemplo, de cumprimentar Mike Pence, ex-vice-presidente dos Estados Unidos. Mais recentemente, já no trono, houve outro momento polémico e nada engraçado. Numa cerimónia na Irlanda do Norte, faz cara zangada para um empregado retirar uma caneta, um tinteiro e outros objetos de cima de uma mesa que ia usar para assinar documentos.

Desta vez, na Alemanha, parece ter corrido tudo bem. Visitas como a que leva Carlos àquele país até sexta-feira são provas de fogo para o seu soft power e, por isso, também têm peso político.

Governo é quem manda

As viagens dos monarcas britânicos não são organizadas pela família real, sim pelo Governo do Reino Unido. Ser palco de uma viagem oficial tem importância. Quando se poderia esperar um país da Commonwealth como primeiro destino de quem reina há pouco mais de seis meses, acabou por ser a Alemanha, um dos ventrículos do coração da União Europeia, a receber Carlos e a mulher, Camila.

Estava previsto que a primeira viagem fosse a França, outra cavidade importante da máquina europeia. Os protestos que têm tomado as ruas de cidades como Paris e Bordéus, duas paragens previstas no itinerário do rei, forçaram o adiamento, a pedido do Executivo francês.

Ir à Alemanha (e, quando possível, a França) é forma de mostrar que a Europa continua a ser parceiro prioritário para o Reino Unido, mesmo depois do “Brexit”, palavra que Carlos não proferiu ao discursar Bundestag nem em qualquer outro ato público. Ainda assim, não pôde evitá-la: o Presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, fez questão de referir esse momento de rutura na receção que ofereceu ao casal real.

“Vou dizer com franqueza: para mim, pessoalmente, foi um dia triste. E foi o mesmo para muitas pessoas neste país”. Dado o recado, já se pode partir para as frivolidades do champanhe e das declarações de estreitamento de relações que sempre pontuam estes momentos. Durante tais brindes, o rei disse aos seus anfitriões que tudo faria para “fortalecer as ligações” entre o Reino Unido e a Alemanha.

Piadas e História comum

No Bundestag, num discurso mais longo, aprofundou o tema das ligações entre os dois países. A Alemanha não é terreno estranho para Carlos, que a visitou pelo menos 40 vezes, segundo disse o próprio, quarta-feira, num jantar repleto de piadas.

A que trouxe a sala abaixo foi a referência ao sketch de comédia “Dinner for One”, escrito em 1963 e tornado clássico na Alemanha, apesar de ser britânico. Nesse pequeno filme, uma senhora está a festejar o seu 90.º aniversário. Os amigos já morreram, pelo que pede ao empregado de mesa que personifique cada um e beba como eles beberiam. Daí resulta uma bebedeira considerável para o prestável funcionário.

Carlos começou por focar a História partilhada entre os dois países, admitindo grande influência da Alemanha na sua formação pessoal, mas também na cultura britânica. “As nossas nações admiram a cultura uma da outra, dependem das economias uma da outra e inspiram-se nas ideias uma da outra”, afirmou.

Depois de provocar gargalhadas com uma comparação entre Beatles e Brahms, rematou dizendo que os dois países “ou se riem um do outro, ou um com o outro”. Carlos III opera ainda, talvez para sempre, na sombra da mãe, que tinha um toque mágico na frente diplomática, parecia desatar os mais complexos nós sem mostrar constrangimento ou esforço. Não ficou esquecida a ligação da falecida a este país. A amizade “entre a Alemanha e o Reino Unido significou muito para a minha mãe”, recordou.

A preservação do ambiente, tema que Carlos III há muito acarinha, também surgiu no discurso, mas a Ucrânia foi, de longe, o ponto alto. “Inúmeras vidas foram destruídas, a liberdade e a dignidade humana foram espezinhadas de forma brutal. A segurança da Europa foi ameaçada, com os nossos valores democráticos”, alertou. Enquanto o mundo assiste horrorizado às “cenas terríveis de destruição”, Reino Unido e Alemanha podem inspirá-lo om a sua “unidade em defesa da Ucrânia, da paz e da liberdade”.

A investigadora principal de política externa do Reino Unido no grupo de análise política Policy Exchange, Sophia Gaston, enalteceu a viagem em declarações à Sky News. “Não podemos subestimar o significado desta visita: é significativa para o rei, é a sua primeira visita oficial de Estado, mas também é um sinal mais amplo do Reino Unido, a mostrar que recalibrou o seu relacionamento com a UE, com as capitais europeias, uma movimentação para um novo tipo de ligação, pragmática e muito mais confiante”.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: piquete@expresso.impresa.pt

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