Depois de sete meses de are baba e muita dancinha, a novela “Caminho das Índias” chega aos finalmentes. Mais algumas semanas e o folhetim de Glória Perez se despede do horário nobre da Globo deixando abertos de um lado fracassos de personagens que eram para ser importantes e histórias mal contadas e, de outro, tramas que fugiram ao controle da própria autora, Glória Perez, ganharam vida própria e caíram no aplauso do público.

Especialistas em TV não poupam a produção. Afirmam que Glória Perez fez da Índia “um verdadeiro circo”. Ainda assim, a autora chegou à boa média de 42 pontos no Ibope contra os 38 que dava sua antecessora, “A Favorita”.

A dancinha indiana na casa de Opash, algo meramente decorativo em sua origem, ganhou graça e virou referência de humor no horário, sendo reaproveitado até por programas como “Casseta & Planeta”. Apesar de o povo indiano não passar o dia às requebradas, como mostra a trama, os quase 14 personagens que circulam pela mansão usaram bem o recurso influenciado pelos filmes feitos em Bollywood, na Índia. “Apesar desses personagens serem indianos, são muito parecidos conosco, sabem ser felizes”, diz o ator Tony Ramos sobre as coreografias.

Mais inesperado foi o naufrágio daquele que era para ser o maior galã de todos no horário nobre atual: Márcio Garcia. Bahuan não deu liga com a mocinha Maya, de Juliana Paes, e estranhamente sumiu das cenas principais, sendo substituído por Rodrigo Lombardi (Raj). “O Bahuan foi esquecido de vez. Faltou texto para ele, faltou um ‘nomão’ ao lado dele. Além de virar antagonista – o personagem hoje persegue Maya (Juliana Paes) – ele tem contracenado com a Thayla Ayala. A Thayla é a ápice da canastrice”, diz Leão Lobo, especialista em bastidores de TV.

Nilson Xavier, estudioso de novelas, autor da obra “Almanaque de Teledramaturgia Brasileira”, fala de outros nomes que tiveram funções mal aproveitadas pela autora Gloria Perez. Para ele, as existências de Komal, vivido pelo estreante “semimudo” Ricardo Tozzi, e de Manu, o comerciante hiperativo e bonachão feito por Osmar Prado, não ficaram claras. “O Ricardo, coitado, nem abriu a boca, ficou com a cara grudada no computador vendo pornografia na internet. E o Osmar, que é um excelente profissional, só apareceu aos berros. Resumindo, a Índia virou um verdadeiro circo.”

Nilson vai além em sua análise. “A pior novela da Glória foi ‘América’, de 2005, quando ela perdeu totalmente o rumo. Mas como ‘O Clone’ (2002) foi muito boa, ela resolveu repetir a dose ao fazer ‘Caminho das Índias’. No entanto, o triângulo Maya, Raj e Bahuan não emplacou.”

Glória Perez responde às críticas. À reportagem, diz que “ambos os núcleos (brasileiro e indiano) são bem valorizados.” Ela acredita que a novela tem chão ainda e que muitas coisas que estão soltas podem ser ajustadas para um desfecho ao gosto do público, apesar de faltar menos de um mês para o fim.

Entre os atores-chave, aqueles que geralmente fazem a diferença quando aparecem, José de Abreu é outra amarga decepção. Afinal, seu Pandit, um guru indiano com tudo para deslanchar, virou fumaça de incenso. Abreu diz que a distância cultural entre Brasil e Índia criou ruído na audiência. “O Pandit é um cara distante dos brasileiros, que no final não fez muito sucesso. Eu esperava mais dele, mas não deu. Mesmo assim, foi gostoso trabalhar ao lado de Tony Ramos. Ele soube lidar bem com o humor, sem exagero.”

Maria Vassallo de Lopes, coordenadora do centro de estudos de telenovela da USP, tem outra visão. Diz que alguns personagens indianos ficaram apagados porque o núcleo brasileiro se sobressaiu mais. “Os brasileiros foram muito bem, colocar a Letícia Sabatella como vilã foi uma boa sacada.” Para ela, a Índia também teve boas notícias. “O André Gonçalves (Gopal) conseguiu transitar bem e deu uma pitada de ação”, diz a especialista.

Glória não deu só derrapadas. Dentre as melhores cenas no Brasil estão as protagonizadas por Tarso, o garoto que se revela esquizofrênico vivido por Bruno Gagliasso. Fora o show à parte de Bruno, Glória tem méritos por criar um núcleo de portadores de deficiências mentais sem caricaturas, sem estereótipos e com ótimas atuações.

Norminha, a assanhada morena de Dira Paes, também ganhou vida própria. De seus decotes ao forró repetido para sua trilha sonora (“Você Não Vale Nada Mas Eu Gosto de Você”), tudo virou moda a ponto de surpreender a própria autora. Fenômeno que, pelo menos por enquanto, não ocorreu com Letícia Sabatella, que faz uma Yvone do mal muito parecida com a recente psicopata Flora, que Patrícia Pillar criou para “A Favorita”. É como se, depois de ver Flora, o telespectador visse Yvone apenas como uma aprendiz de vigarista. E nada mais. “É difícil alcançar o nível do João Emanuel (autor de ‘A Favorita’) mas, no começo, ela (Yvone) até enganava o público”, diz o estudioso Xavier.

Glória corre contra o tempo que lhe resta e alguns núcleos deverão ser naturalmente esquentados. Ao contrário do que diz, não tem prazo para fazer tudo deslanchar. No dilema audiência de sucesso versus fracasso de personagens, o forró “você não vale nada, mas eu gosto de você” faz sentido.