Noiva perfeita, casamento imperfeito: a princesa Margaret e o “primeiro divórcio real desde 1540”!

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

Em meados da década de 1950, o envolvimento de Margaret Rose com o capitão Peter Townsend rendeu notícia para todas as mídias do mundo. A história da princesa que se viu forçada a abdicar de seu verdadeiro amor para salvar a imagem da monarquia já foi objeto de produções televisivas, como “The Crown”, e preencheu páginas e mais páginas de biografias sobre a família real inglesa. Por outro lado, Margaret carregou consigo o trauma dessa experiência por muitos anos, especialmente quando chegou o momento de escolher um marido que fosse adequado ao gosto da Instituição. Na família real britânica, casamentos quase nunca eram motivados por reciprocidade de afeto. Eram uniões entre membros de uma mesma classe, visando a manutenção da ordem hierárquica. Portanto, a irmã da rainha precisava encontrar um noivo que não fosse da classe média, como Townsend, e muito menos divorciado. Entregando-se a uma existência preenchida por festas estimuladas pelo efeito do álcool e do cigarro, seu estilo glamoroso, à maneira das estrelas de Hollywood, lhe conferiu um status de celebridade. Nessa vida em ebulição, ela acabou conhecendo a pessoa com quem passaria os próximos 15 anos de sua vida, o fotógrafo Antony “Tony” Armstrong-Jones.

A famosa fotografia da princesa Margaret, tirada em 1959 por Tony Armstrong-Jones.

Com efeito, Billy Wallace, que manteve um romance com a princesa após seu caso com Peter, disse: “A coisa com Townsend foi uma bobagem de menina que saiu do controle. Nunca foi a grande coisa por parte dela que as pessoas afirmam”. Margaret teria aceitado uma proposta de casamento feita pelo herdeiro milionário, até descobrir dos lábios do próprio Billy que ele tinha uma amante nas Bahamas. “Tive minha chance e estraguei tudo com minha boca grande”, lamentou anos mais tarde o membro do Partido Conservador. Com Tony a história foi diferente. Os dois se conheceram em 1958, na casa de lady Elizabeth Cavendish. Filho de pais divorciados (um advogado, Ronald Armstrong-Jones, e uma mulher de família com raízes artísticas, Anne Parsons, que se tornou condessa de Rosse pelo seu segundo casamento), Antony desenvolveu uma carreira de prestígio como fotógrafo da alta sociedade e frequentava os mesmos espaços que a princesa. Ele chegou até a fazer alguns retratos de amigos íntimos da família real, bem como dos pequenos príncipes Charles e Anne. Embora fosse uma mulher normalmente arrogante, Margaret se permitiu iniciar um romance semipúblico com o fotógrafo, mas longe dos olhos do palácio e do gabinete do Primeiro-Ministro.

O casal se encontrava na casa que Tony alugava na Rotherhite Street, n° 59, que lhe servia de estúdio. Foi neste espaço que ele capturou uma das imagens mais lindas e controversas da irmã da rainha. A foto, feita em 1959 por ocasião do aniversário de 29 anos de Margaret, mostrava-a desnuda do ombro para cima, sem qualquer sugestão de estar vestida, exceto por um colar de diamantes e um brinco de pérola. Seu olhar sedutor, com o rosto em posição ¾, era um convite para a imaginação do observador. O efeito da imagem era bem diferente das fotografias inspiradas nos contos de fadas que Cecil Beaton costumava tirar. Aquela seria uma das muitas fotos irreverentes que Tony faria de sua esposa. O conceito combinava perfeitamente com o estado zombeteiro e teatral que a princesa desenvolveu após o rompimento com Peter Townsend. Conforme a própria disse ao seu amigo e escritor Gore Vidal: enquanto a rainha era a fonte de toda honra e bondade da família, ela “deveria ser o foco da mais criativa malícia, a irmã do mal”. Assim que soube que Townsend se casaria com uma jovem belga em dezembro daquele ano, ela finalmente aceitou se tornar esposa de Antony. Até hoje, muitos especulam se essa tomada brusca de decisão não foi motivada pelo anúncio do noivado de Peter e/ou pela pressão que a rainha-mãe fazia para que a filha escolhesse logo um noivo.

Quando ficou sabendo que Townsend se casaria com uma jovem rica, Margaret, tentando parecer indiferente à notícia, debochou da escolha: “mas não é da realeza”. Horas depois de receber uma carta do ex-amante confirmando o consórcio, ela comunicou seu próprio noivado. Anos mais tarde, a princesa admitiu:

Eu tinha recebido uma carta de Peter de manhã, e nessa mesma noite decidi casar com Tony. Não foi uma coincidência. No fundo não queria de forma alguma me casar. Então porque me casei? Porque ele me pediu em casamento! Seriamente, apesar de tudo, ele era tão boa pessoa naquela altura. Compreendia o meu trabalho e me encorajava a ser ativa. De certo modo me apresentou a um novo mundo (apud KELLER, 1997, p. 169).

“A princesa Margaret anunciou o seu noivado com Tony Armstrong-Jones”, anotou o dramaturgo Noel Coward no seu diário de 28 de fevereiro de 1960. “Tony é bastante bonito, mas se o casamento é ou não apropriado é algo que ainda veremos”, completou. Alguns membros da realeza, como a duquesa de Kent e a princesa Alexandra, teriam desaprovado a união, uma vez que o noivo não era um membro da aristocracia. Pensando nisso, o pai de Antony aconselhou seu filho a não levar adiante aquela proposta de matrimônio. No editorial do Times se comentava o seguinte: “Não existe um precedente recente de um casamento de alguém tão perto do trono, fora do estatuto da realeza internacional e da nobreza inglesa”. Mesmo o jornal liberal News Statesman conteve sua aprovação, dizendo que a realização daquela união entre uma princesa e um plebeu deveria ser avaliado “com uma indulgência que apenas há alguns anos atrás seria impensável”.

Margaret vestida de noiva para seu casamento, no dia 6 de maio de 1960.

A rainha Elizabeth II, por sua vez, decidiu apoiar sua irmã e ofereceu a Tony o título de Mr. Armstrong-Jones, algo que a princípio ele recusou. Apenas no ano seguinte, quando sua esposa ficou grávida do primeiro filho, foi que ele aceitou os títulos de conde Snowdon e visconde de Lynley e Nymans. O casamento foi um verdadeiro espetáculo, celebrado na abadia de Westminster no dia 6 de maio de 1960. Para a ocasião, a noiva usava um vestido branco deslumbrante, desenhado por Norman Hartnell e a famosa tiara Poltimore, adquirida meses antes. Foi o primeiro espetáculo da realeza depois da coroação de 1953 e, tal como a anterior, a cerimônia foi televisionada para mais de 300 milhões de espectadores no mundo todo[1]. Cerca de 2000 convidados estavam presentes na abadia, quando a noiva entrou de braços dados com o príncipe Philip. Depois de fazerem seus votos, os noivos se dirigiram para a sacada do palácio de Buckingham, onde acenaram para a multidão. Nas próximas semanas, eles partiram à bordo do iate real Britannia para sua lua de mel no Caribe. Ali, Margaret recebeu de presente de Colin Tennant, futuro barão de Glenconner, um terreno na sua Ilha particular de Mustique, para onde a princesa se retiraria durante os anos mais depressivos de sua vida.

Uma vez casados, Margot e Tony se mudaram para apartamentos no palácio de Kensington. Em seguida, vieram os filhos. Em 3 de novembro de 1961, nasceu David, atual conde Snowdon. Três anos depois, em 1 de maio de 1964, veio lady Sarah. Naqueles anos, a monarquia passava por uma forte crise em decorrência da revolução cultural da década de 1960. A princesa Margaret representava a antítese do tradicionalismo da Instituição chefiada por sua irmã. Principal musa de seu marido, ela se deixou fotografar em diferentes poses e cenários. O jogo de luzes e sombras (característico do trabalho de Tony) realçava a beleza da princesa, fosse sorrindo dentro de uma banheira no melhor estilo Marilyn Monroe, ou na clássica pose ¾ com olhar sedutor e as costas nuas. Assim, eles fizeram importantes conexões não apenas com a antiga aristocracia, como também com personalidades do mundo da política e celebridades do show business. Porém, o estilo de vida dispendioso dos Snowdon acarretou fortes críticas do recém-eleito Partido Trabalhista. “Por que, me diga, por que estamos pagando [£ 35.000] a essa mulher tão cara para ela fazer o que ela faz?”, questionou Willie Hamilton em um debate na Câmara dos Comuns sobre os gastos com a família real.

Contudo, fosse para o bem ou para o mal, Margaret e Tony trouxeram uma nova roupagem e um pouco de descontração para o enferrujado mundo dos Windsor. Embora fosse criticada pelo governo por não cumprir tantos compromissos públicos quanto o restante de sua família, as aparições de Margaret tinham o poder de hipnotizar a audiência. Ela representou a Coroa durante as cerimônias de independência da Jamaica em 1962 e três anos depois viajou até os Estados Unidos, onde foi recebida pelo presidente Lyndon B. Johnson e sua esposa na Casa Branca. A visita fazia parte de uma estratégia da Coroa juntamente com o Primeiro-Ministro para estreitar as relações com o governo norte-americano, que estavam bastante tensas. A chegada de Margaret foi um verdadeiro sucesso. Ela e o presidente Johnson bridaram juntos e dançaram por horas no dia 17 de novembro. “Você reivindicou nosso coração e estamos muito orgulhosos de lhe entregá-lo”, disse Johnson. “Mas você fez mais. Lord Nelson disse uma vez: ‘A Inglaterra espera que cada homem cumpra o seu dever’. Eu digo esta noite: todas as mulheres também. E você cumpriu seu dever enquanto estava na América. Você representou bem as pessoas a quem serve com dignidade, graça, espírito e alegria”.

Margot e Tony em 1960.

Emocionada ao som de tais palavras, Margaret brindou ao presidente e à primeira-dama por seu 31º aniversário (que era naquele dia), dizendo: “Estamos nos divertindo muito nos Estados Unidos. A hospitalidade e a gentileza que recebemos em todos os lugares nos tocaram muito e nos farão levar para casa memórias bastante felizes de tudo o que fizemos e vimos”. Graças à princesa, os dois países reataram as boas relações. Entretanto, a tour custou ao governo britânico nada menos do que 30.000 libras, de modo que demoraria quase uma década até que Margaret fosse requisitada para outra viagem à América. Não obstante, rumores sobre escândalos extraconjugais envolvendo o casal Snowdon começaram a circular à boca miúda pela imprensa. Já na época do casamento, especulava-se sobre a sexualidade de Tony. Histórias davam conta de que ele se relacionava tanto com homens quanto com mulheres e a própria Margaret, em certa ocasião, deu a entender que tinha conhecimento desses casos dos tempos em que ele cursava a faculdade de Cambridge. Dizem que numa festa em Nova York, organizada por Sharman Douglas, perguntaram à princesa como estava a rainha. “A qual rainha se refere?”, ela questionou. “À minha irmã, à minha mãe ou ao meu marido?”.

Na privacidade do lar, os dois começaram a viver um relacionamento tóxico, marcado por ofensas. Margot, que um dia fora a musa de Tony, agora era chamada por ele de “manicure judia” e ridicularizada por sua forma de se vestir e por sua aparência. A situação se tornou mais aguda quando o casal passou a trocar farpas em público, constrangendo convidados e expondo ao ridículo a família real. No início da década de 1970, eles levavam existências cada vez mais separadas. Ela quase sempre pegava um jatinho para sua propriedade em Mustique, onde se cercava da sua pequena corte de bajuladores, e ele se retirava para sua propriedade rural na companhia da amante, enquanto os filhos eram deixados aos cuidados das babás em Londres. Em 1973, quando a princesa completou seu aniversário de 43 anos, ela foi apresentada por Colin Tennant ao jovem galês de 25 anos, Roddy Llewellyn. Pouco depois, Margaret iniciou uma caso extraconjugal com o rapaz, que acabaria durando oito anos. A diferença de idades e a condição modesta de Roddy foram os principais alvos de crítica para quem tinha conhecimento do affair. A situação piorou em 1976, quando o News of The World, jornal sensacionalista do australiano Rupert Murdoch, preencheu sua primeira página expondo o romance da irmã da rainha.

Fotos de Margaret sendo massageada na praia por Roddy foram capturadas pelas câmeras de paparazzi infiltrados em Mustique e depois vendidas para os tabloides. A notícia caiu como uma bomba no colo de Elizabeth II, que na época enfrentava uma crise governamental com a renúncia do Primeiro-Ministro Harold Wilson, eleito pela segunda vez dois anos antes. Tal exposição foi a gota d’água para que o já fragmentado casamento de Margot e Tony se desmanchasse. O conde, que estava desesperado por um divórcio para se casar com Lucy Lindsay-Hogg, aproveitou a oportunidade para expor a esposa como adúltera. Em um comunicado oficial emitido pelo palácio de Kensington, foi dito: “Sua Alteza Real, a Princesa Margaret, Condessa de Snowdon, e o Conde de Snowdon, concordaram em viver separados. A Princesa desempenhará as suas funções públicas não acompanhada por Lorde Snowdon”[2]. Destroçada, ela saiu na companhia de amigos para beber, retornando para casa embriagada às 4h00 da manhã. Sabendo das tendências autodestrutivas da irmã, Elizabeth evitou lhe fazer sermão por vários dias. Apesar de tudo, Margaret não conseguia acreditar que seu casamento estava terminando daquele jeito. Tony, por sua vez, dizia que se sentia como um prisioneiro cumprindo sua sentença, apenas à espera da liberdade.

A princesa Margaret e seus filhos David e Sarah.

No seu estado de desamparo, Margaret se apegou cada vez mais a Roddy. “Eu preciso dele”, dizia ela aos soluços. “Ele é bom pra mim”. Temendo a opinião pública, Elizabeth pediu para que sua irmã colocasse um ponto final naquela história. Mas a princesa titubeou. Então Willie Hamilton voltou mais uma vez a fazer seus ataques na Câmara dos Comuns: “aquela amizade pode estar de acordo com a moda, mas transformou a princesa numa punk real”. Desta vez, os membros do Partido Conservador não protestaram. A Igreja e os jornais condenaram publicamente o comportamento de Margaret, enquanto ela os chamava de “baldes transbordantes de hipocrisia”. Uma pesquisa pública feita na ocasião comprovou que 73% dos britânicos consideravam que seu modo de vida tinha manchado a monarquia. Pressionada de todos os lados, infeliz, bebendo e fumando inveteradamente, a princesa teve um colapso nervoso e ameaçou se suicidar pouco antes do comunicado oficial do divórcio, em 24 de maio de 1978[3]. Meses depois, Antony se casou com Lucy, que já estava grávida. Quanto à Margaret, ela passou a levar uma existência bastante solitária, pautada pelo senso de dever e lealdade à única pessoa que se importava consigo: sua irmã, a Rainha!

Notas:

[1] A transmissão do casamento da princesa Margaret criou um precedente para outras cerimônias matrimoniais dentro da família real.

[2] Conforme ressalta Kitty Kelley, “a lei britânica exige uma separação formal de dois anos antes de conceder um divórcio incontestado. Se uma das partes se opõe, é imposto um período de espera de cinco anos antes de ser possível conceder o divórcio” (1997, p. 229).

[3] As manchetes do jornais anunciaram o primeiro divórcio real desde o rei Henrique VIII e Ana de Cleves em 1540.

Referências Bibliográficas:

CHANG, Rachel. Princess Margaret: What Really Happened on Her 1965 Tour of the United States. 2019. – Acesso em 8 de fevereiro de 2021.

HOBSBAWM, Eric J. A era dos extremos: o breve século XX. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

KELLEY, Kitty. Os Windsor: radiografia da família real britânica. Tradução de Lina Marques et. al. Sintra, Portugal: Editorial Inquérito, 1997.

MARR, Andrew. A real Elizabeth: uma visão inteligente e intimista de uma monarca em pleno século 21. Tradução de Elisa Duarte Teixeira. São Paulo: Editora Europa, 2012.

MEYER-STABLEY, Bertrand. Isabel II: a família real no palácio de Buckingham. Tradução de Pedro Bernardo e Ruy Oliveira. Lisboa, Portugal: Edições 70, 2002.

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