Príncipe André pode ser julgado por abuso sexual de menor, decreta juiz de Nova Iorque

Internacional

Príncipe André pode ser julgado por abuso sexual de menor, decreta juiz de Nova Iorque

12 janeiro 2022 15:54

Filho da rainha Isabel II vê rejeitada tentativa de evitar julgamento com base em argumentos técnicos. Cidadã americana alega ter sido forçada a relações sexuais com ele, aos 17 anos, no âmbito da rede pedófila do milionário Jeffrey Epstein

12 janeiro 2022 15:54

A menos de um mês de cumprir 70 anos de reinado, Isabel II recebeu esta quarta-feira uma má notícia. O príncipe André, terceiro da sua descendência e duque de Iorque, vai provavelmente responder em tribunal por abuso sexual de menores. A acusadora é Virginia Roberts Giuffre, que alega ter sido forçada — em 2001, tinha ela 17 anos — a ter relações com o filho da rainha britânica.

André tentou que o processo cível instaurado por Giuffre não fosse avante, com base em argumentos técnicos, mas o juiz Lewis Kaplan, de um tribunal de Nova Iorque, rejeitou os seus argumentos. O alegado abuso sexual teria ocorrido no âmbito da rede pedófila montada pelo milionário americano Jeffrey Epstein, amigo do príncipe. André nega tudo e diz que não conhece Giuffre, mas há uma foto sua com o braço à volta da cintura dela, em casa de Ghislaine Maxwell, antiga namorada de Epstein, recentemente condenada por cumplicidade nos seus crimes sexuais. É um dos locais onde Giuffre afirma terem tido sexo, além da mansão de Epstein em Nova Iorque e na sua ilha privada nas Ilhas Virgens BritÂnicas.

Epstein suicidou-se numa prisão nova-iorquina em 2019. André recebeu críticas por ter mantido a amizade com ele após conhecidos os seus atos, tendo mesmo passado dias em sua casa em Nova Iorque, em 2010. Mais tarde alegou que essa estada serviu para cortar relações com o amigo.

Giuffre processou André em agosto de 2021, afirmando que Epstein e a sua namorada Ghislaine Maxwell (amiga do príncipe) abusaram sexualmente dela, obrigando-a a relações com o filho da rainha. Valeu à acusadora, hoje com 38 anos, uma lei estadual de Nova Iorque ao abrigo da qual sobreviventes de abuso sexual de menores podem processar os agressores sem prescrição.

Acordo extrajudicial não protege o príncipe

O demandado tentou invalidar o caso apoiando-se num acordo extrajudicial entre a demandante e Epstein, o qual isentaria outros envolvidos na rede de prostituição de menores.  O advogado do príncipe alegou que a queixosa “renunciou aos seus direitos” a processá-lo quando assinou o acordo com o milionário pedófilo, em 2009, tendo recebido uma indemnização de 500 mil dólares. Este protege “segundas partes e qualquer outra pessoa ou entidade que pudesse ser incluída como potencial réu”.

Para Kaplan, porém, só o falecido Epstein poderia invocar aquele documento, não sendo claro que o mesmo “demonstre, de forma clara e sem ambiguidade, que as partes pretendiam que o instrumento beneficiasse ‘diretamente’, ‘primariamente’ ou ‘substantivamente’ o príncipe André”. O juiz frisou que a decisão agora ditada “não pode ser interpretada como indicação relativa à verdade das alegações ou contra-alegações”. Ou seja, nada diz sobre a culpa ou inocência do príncipe.

Este foi criticado por tentar ganhar na secretaria. Antes de invocar o acordo entre Giuffre e Epstein procurou que o caso fosse encerrado porque Giuffre, que vive na Austrália, instaurou o processo em Nova Iorque. Acontece que a acusadora é cidadã americana registada no estado do Colorado.

Maxwell foi recentemente condenada por cinco acusações de abusos sexuais. Era ela quem recrutava jovens, as mais novas das quais com apenas 14 anos, para serem brinquedo sexual do milionário.

Litigância prevê-se longa

André tem vias de recurso que podem ir até ao Supremo Tribunal para evitar o processo cível, embora a decisão de Kaplan pareça tornar menos provável o êxito dessa opção, segundo a imprensa britânica. Sem isso, Giuffre e André serão interrogados sob juramento, podendo a acusadora testemunhar ainda esta primavera. A recolha de depoimentos tem como prazo 14 de julho, podendo o tribunal intimar as partes a apresentar documentos e outros elementos de prova.

O advogado de Giuffre, segundo o diário londrino “The Telegraph”, afirmou querer chamar duas testemunhas. Presumindo-se que uma é o acusado, a imprensa britânica especula que a outra possa ser a sua ex-mulher Sarah Ferguson, o seu irmão Carlos (herdeiro do trono) ou a filha Beatriz, com quem André assegura ter estado numa pizaria numa das ocasiões em que Giuffre afirma terem tido sexo.

Segundo “The Guardian”, André e Giuffre podem resolver o caso através de acordo extrajudicial. Apesar de tal implicar que não fosse ilibado em tribunal, pouparia o príncipe à exibição de provas e à exposição de um julgamento. Um perito consultado pelo jornal antevê uma “longa litigância”.

André defendeu-se ainda —numa entrevista à BBC, em 2019, que gerou reações tão negativas que o levaram a abandonar a vida pública —afirmando que sofre de uma “condição médica peculiar” que o impede de suar, o que, a seu ver, desmente a descrição de Giuffre dos seus presumíveis encontros sexuais, em que ele “suava abundantemente” em cima dela. “Eu não suo, ou na altura não suava”, afirmou à entrevistadora. Diz, contudo, não ter documentos que comprovem essa incapacidade, nem testemunhas do jantar com a filha.

Reputação irremediavelmente manchada

A entrevista, dada em pleno palácio de Buckingham, causou danos irreparáveis à reputação de André. Único filho da rainha a não aparecer nas imagens que acompanharam o recente discurso de Natal da soberana, não cumpre funções públicas desde então, tendo apenas prestado breves declarações aquando da morte do pai, o príncipe Filipe, duque de Edimburgo, em abril de 2021.

Combatente na guerra das Malvinas em 1982, André esperava ser promovido a almirante ao fazer 60 anos, em 2020, mas o escândalo impediu-o. A sua queda e o afastamento voluntário do sobrinho Harry (filho mais novo de Carlos) — por ironia amarga, os dois membros da família real com mais experiência militar ­—, levou Isabel II a impor que no funeral do marido todos fossem vestidos à civil.

A rainha tem mantido relação pessoal com o filho, embora seja sabido que o seu afastamento foi decisão de Isabel. Os porta-vozes da monarca escusam-se a comentar o caso de Giuffre. Acresce que o príncipe Carlos, a preparar a sucessão de forma cada vez mais notória (a mãe faz 96 anos em abril), estará inquieto com os danos que o irmão causa à popularidade da monarquia. Uma hipótese de contê-los seria fazer André renunciar aos títulos, honras militares e cargos honorários que ocupa.

FOTO: “Vergonha”, lê-se neste mural pintado no bairro londrino de Shoreditch, com a imagem do príncipe André (GETTY IMAGES)