"50 anos em 5" — O Plano de Metas e a Explosão Brasileira | by Eduardo Kfuri | Medium

"50 anos em 5" — O Plano de Metas e a Explosão Brasileira

Eduardo Kfuri
11 min readJul 18, 2021
Juscelino Kubitschek em frente ao palácio do planalto, DF

Investigação

Até que ponto o Plano de Metas de Juscelino Kubitschek impactou o crescimento dos setores secundários e terciários no Brasil, e com quais consequências?

O Brasil é o maior exportador de café e soja, a 9º maior economia, e um núcleo financeiro, comercial e cultural — mas esse nem sempre foi o status da nação… O século XX foi marcado por industrialização e modernização, e no Brasil esses processos tomaram força na presidência de Juscelino Kubitschek (1956–1961). A implementação do Plano de Metas foi um fator-chave para o protagonismo Brasileiro que hoje vemos na economia global.

O objetivo dessa investigação é de avaliar — por análise de trabalhos acadêmicos, editoriais, e políticas industriais da época — a influência e eficácia do Plano de Metas nos avanços dos setores secundários e terciários do Brasil. A investigação irá focar nos anos 1951–1961 (Eventos Prévios e Plano de Metas), aos anos 1973–2002 (“década perdida” e abertura econômica — privatizações), onde observa-se a maior parte dos desdobramentos do evento.

Evidências

Posterior ao Plano de Metas, vários eventos ocorreram para ‘afofar o terreno para JK’. Após o fim do ‘boom’ cafeeiro em 1930, e com a presidência de líderes como Getúlio Vargas, o Brasil já contava com uma indústria primária forte, então a maioria dos desenvolvimentos ocorriam nos setores secundários e terciários — especialmente com o surgimento dos grandes centros urbanos, como São Paulo. O Plano de Metas propulsionou o Brasil à um patamar elevado, tornando-se um dos países mais desenvolvidos e industrializados da época. Porém, esses desenvolvimentos vieram à custo de inflação e recessão.

De acordo Weslei Lima Machado (UFRJ), a vitória de Getúlio Vargas em 1950 pareceu acelerar a disposição dos Americanos para colaborarem com a expansão de equipamentos e infraestrutura Brasileira. Em 1952, também foram impedidos os desejos de estabilidade econômica com a crise cambial, quando o acúmulo de déficit foi mais de US$610 Milhões. Como apontado pela historiadora Hildete Melo, vale ressaltar que o desenvolvimentismo de Kubitschek não era algo novo. “A política de desenvolvimento vinha sendo gestada desde o segundo governo Vargas, que avançara na modernização… e dera surgimento a novas instituições — para o que contribuiu a criação do BNDES… Apoiada em fundos provenientes de empréstimos compulsórios dos contribuintes do Imposto de Renda, a política executada pelo BNDES já apontava rumo à diversificação industrial.” (Melo, 45)

Juscelino Kubitschek é considerado o pioneiro do populismo no Brasil. Pode-se dizer que o quadro de instabilidade econômica na época foi um dos fatores que contribui ao seus discursos e pensamento nacional-desenvolvimentista. Mas a principal reflexão de sua ambição está na execução do Plano de Metas. Assim como dito pela historiadora Suely Braga da Silva (FGV), o Plano de Metas contava com vários obstáculos, considerando os ideais controversos de crescimento, e a oposição no governo. Para implementar as medidas de maneira a não desrespeitar a constituição e esquivar-se da oposição, Kubitschek criou o Conselho do Desenvolvimento, um órgão subordinado à presidência, e que coordenava, planejava, e executava as políticas do plano de metas.

O plano era subdividido em 31 metas, sendo essas ‘energia’ (1–5), ‘transporte’ (6–12), ‘alimentação’ (13–18), ‘indústria de base’ (19–29), ‘educação’ (30), e a 31º meta era a construção de Brasília, visando uma interiorização do Brasil e uma mudança para um país urbanizado. Observa-se também que com apenas uma meta, a educação não era prioridade, e sim um crescimento industrial-econômico acelerado invés de estabilidade. De acordo com o economista Celso Furtado, a economia Brasileira cresceu 2.9% em 1956, mas nos anos seguintes as taxas de crescimento foram, na devida ordem, 7.7%, 10.8%, 9.8% e 9.4% (Furtado).

Inauguração de Brasília, Abril de 1960

Os setores que mais receberam recursos foram os de transporte, energia, e indústrias de base. Esses processos visavam iniciar uma industrialização mais aprimorada. Como expresso por Thiago Andrade Ferro (UFRJ), o governo investia diretamente no setor público, enquanto facilitava a operação de companhias estrangeiras em solo Brasileiro em um processo de substituição de importações, e para remediar as dificuldades Brasileiras de financiamento externo após a crise cambial (Ferro, 4).

Analisando os dados da figura 1, torna-se óbvio que o foco era no desenvolvimento das áreas automobilísticas, energia, e indústrias de base. Isso reverberou nos anos que seguiram, pois o crescimento acelerado veio à custo de dívidas tremendas, e assim como dito em um editorial do Estadão, “esse período foi marcado por inflação”. Para entender a principal causa das instabilidades, vale ressaltar, assim como dito por Thiago A. Ferro (UFRJ), que o Brasil, “num contexto de estrutura fiscal lenta e ineficiente, o setor público recorreu a uma política de emissão de moeda de modo a cobrir seus recorrentes déficits orçamentários”. Dessa recorrência à uma solução economicamente insustentável, e do fim do período nacional-desenvolvimentista, que vemos suas reverberações — mais notavelmente a “década perdida”, período de constante reforma da moeda e inflação desenfreada (Marangoni). Porém também vemos hoje em dia um Brasil com indústrias avançadas. Mesmo com a indústria primária sendo ainda muito forte, a maioria de seu PIB (e consequentemente lugar na economia mundial) — de acordo com o site ‘Statista’ — é constituída pelo setor de indústrias (secundário) e serviços (terciário).

Avaliação de fontes históricas

Gilberto Marangoni, Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas: “Anos 1980, década perdida ou ganha?” ano 9 edição 72, 15 de Junho 2012.

O artigo de Marangoni, publicado pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) discute o apelido “década perdida” e reflete quais foram — nos anos 1980 — os ganhos e perdas para os Brasileiros. O artigo tem como propósito ilustrar os ganhos sociopolíticos da década perdida: a aproximação de governos latino-americanos e o engajamento populacional para derrubar a ditadura. Entretanto, o momento trouxe perdas socioeconômicas, mais notavelmente a hiperinflação, desaceleramento do PIB, e eventual estagnação econômica. O artigo também tem o propósito de delinear algumas causas da recessão. A principal delas é o fim do ciclo de políticas desenvolvimentistas, especialmente o Plano de Metas, que causaram déficit orçamentário, inflação, e criou um cenário de um país com uma economia secundária e terciária pré-maturas e suscetíveis à instabilidade econômica. Tendo como base outros documentos primários, este artigo é um documento secundário. Porém ainda é extremamente válido como uma análise das reverberações do desenvolvimentismo tanto na economia e indústria, quanto na sua política e população. O artigo é especialmente válido para entender as causas preliminares da recessão, e como essa levou à uma adaptação na economia nacional, para um país agora majoritariamente de indústrias e serviços. Marangoni é um jornalista, e seu artigo foca nos movimentos sociais da década de 80, então o documento é limitado em foco, quando usado para entender os detalhes políticos e econômicos da recessão.

Thiago A.M. Ferro, UFRJ — Instituto de Economia: “O governo JK e o desenvolvimento econômico brasileiro no período 1956–1961” Abril 2013.

A monografia de Thiago Ferro é um documento secundário, onde é elaborada uma síntese de dados para discutir a eficácia do Plano de Metas de JK. A origem do documento é uma monografia de bacharelado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O ensaio de Ferro tem como propósito apresentar dados e contextualizar as políticas de JK para demonstrar sua eficácia em industrializar e modernizar o Brasil. Esse estudo é extremamente válido para compreender os fatores que contribuíram à implementação do Plano de Metas, a maneira em que as políticas foram implementadas, e como uma fonte de gráficos e estatísticas que ajudam o leitor a visualizar o impacto do Plano de Metas. Porém, quando usando o documento para analisar os efeitos da corrente política nacional-desenvolvimentista, a conclusão, ou dedicação para os desdobramentos do Plano de Metas é curta e breve. Com uma conclusão breve, não há nenhuma explicação elaborada sobre os efeitos das políticas de Kubitschek, e o leitor é deixado com um encerramento da tese sucinto, porém desconsiderado de fatores externos (como a situação na época da América Latina). Entretanto, com a abundância de dados e uma conclusão objetiva, o documento é extremamente válido para determinar a eficácia, e verdadeiro sucesso de Kubitschek em atingir seus objetivos do Plano de Metas.

Análise das Informações e Evidências

Para compreender a influência do Plano de Metas no desenvolvimento do Brasil que vemos hoje, e suas consequências, é necessário entender o grau de participação do estado em sua execução. Kubitschek conseguiu dar continuação à uma política desenvolvimentista, implementando medidas radicais, porém em nenhum momento desrespeitando a democracia ou constituição — já que criara o Conselho de Desenvolvimento, diretamente subordinado à presidência…

Na tabela, observa-se que dos 225 projetos de colaboração autorizados na época, apenas 30 foram para agricultura ou setores complementares. Pode-se observar então como o estado facilitava a operação de companhias estrangeiras, tornando realidade a aspiração de Kubitschek de mudar o Brasil de um país agrícola para um núcleo industrial-urbano… Foi durante esse período que vemos projetos que incentivam a transformação para uma nova estrutura industrial: que apoia mais centros urbanos e presta serviços à sua população (Ferro, 62). Um dos melhores exemplos foi o investimento do governo no setor público no transporte, que causou um crescimento enorme nas redes de conexão Brasileira. De acordo com Machado, o setor de transporte abrangia 29.6% dos investimentos totais do governo (Machado, 31).

Outro exemplo da ganância por crescimento de Kubitschek é refletida no setor de energia. Cobrindo 43.4% dos investimentos totais, em apenas 5 anos o setor viu um crescimento de 65.3% na capacidade instalada de energia elétrica (Figura 4).

Como visto pela informação abaixo, os gastos do governo, especialmente no setor privado, colocaram o estado em um déficit orçamentário onde a solução encontrada foi um aumento na emissão da moeda, causando inflação e eventualmente uma estagnação econômica (Ferro, 66).

Vale também refletir com base no gráfico abaixo (figura 6), sobre o tamanho do investimento feito pelo governo na época, e como seu tamanho afetou o estado permanentemente.

Todavia o Plano de Metas teve sucesso em várias áreas, como por exemplo, após 1960, a indústria de máquinas e equipamentos gerais teve um aumento de mais de 100%. No sentido de promover um desenvolvimento de “50 anos em cinco”, o Plano de Metas foi muito bem sucedido. Durante seu mandato, Kubitschek conseguiu causar profundas mudanças estruturais nas indústrias de base (uma indústria guiada para o consumidor Brasileiro, e não necessariamente para a exportação), através de altos investimentos e crescimento econômico.

Objetivamente, o Plano de Metas foi bem sucedido, porém suas consequências não podem ser negadas. Vindo de uma corrente nacionalista, os ideais desenvolvimentistas de Kubitschek induziram vários desequilibrios regionais, setoriais, e financeiros. Assim como dito por Carlos Nelson dos Reis e Edemar Rotta, “…o ideário desenvolvimentista e suas experiências de formulação de política socioeconômica, no Brasil, estão ligados a processos de crise…”.

Analisando na figura 7 a evolução dos diferentes setores do Brasil, podemos observar que a agricultura foi o setor com menor crescimento, e estagnado até meados da década de 1980. Em comparação, observamos que a partir de 1950, e especialmente em 1956 com a execução do plano de metas, um ‘boom’ na indústria e nos serviços — que logo entra em declínio antes e após os anos 1970 (Rotta, Reis, 164).

Os investimentos do Plano de Metas trouxeram uma infraestrutura modernizada, avanços no setor público. As políticas industriais contribuíram para a industrialização — e com mais fábricas — para a urbanização e interiorização do Brasil. No entanto, ao fim do mandato de JK o Brasil havia mudado em meio à avanços econômicos e em detrimento à estabilidade monetária (Silva, FGV). O novo Brasil não era mais agrícola, e sim uma nação urbana e industrializada. Além do déficit orçamentário ter causado recessões anos à frente, o Plano também foi um dos eventos que moldaram a economia Brasileira no momento.

Conclusão

O Brasil, desde seus primórdios, é um país com uma vocação agropecuária. Porém vemos hoje, ao contrário de antigamente, o Brasil como um núcleo cultural, comercial, e financeiro. O Plano de Metas foi eficaz e sucedeu em transformar a economia do país para uma majoritariamente industrial e econômica. Suas consequências negativas causaram recessões, mas o avanço do setor secundário e terciário possibilitou a origem de muitas empresas, trazendo urbanização e criando um cenário onde a abundância de novos negócios apontava para uma eventual — inevitável — abertura econômica em 1990.

Adicionalmente, essa instabilidade no crescimento após o Plano de Metas aponta para a necessidade de um projeto nacional de desenvolvimento controlado, sem interferência, protagonismo, ou obrigações do estado e assentado na expansão do mercado interno para exportar — assim aumentando a capacidade de consumo da população, e integrando mais ainda o Brasil à economia internacional. O populismo e ambição de JK nos alerta sobre decisões de política econômica: é preciso ter cuidado entre políticas que valorizam maior crescimento e estabilidade a longo-prazo, e políticas expansionistas que geram popularidade entre eleitores e satisfação em curto-prazo, à detrimento de saúde financeira.

Fontes

Ferreira, Pedro Cavalcanti, and Fernando Veloso. “O Desenvolvimento Econômico Brasileiro No Pós-Guerra.” Fundação Getúlio Vargas, FGV, 2013, pp. 129–165.

Ferro, Thiago Andrade Moellmann. “O Governo JK e o Desenvolvimento Econômico Brasileiro No Período 1956–1961.” Universidade Federal Rio de Janeiro, Instituto De Economia, 2013, pp. 1–68.

Furtado, Celso. Formação Econômica Do Brasil. 32nd ed., Companhia Editora Nacional, 1959.

Machado, Weslei Miguel Lima. “A Importância Do Plano De Metas Para o Desenvolvimento Da Indústria Pesada No Brasil.” Universidade Federal Rio de Janeiro, Instituto De Economia, 2019, pp. 1–46.

MELO, Hildete Pereira de; COSTA, Gloria Maria Moraes da. Memórias do Desenvolvimento. Ano 4, nº 4. Rio de Janeiro: Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, 2010.

“Plano De Metas De JK Foi Um Marco.” O Estadao De S. Paulo, Estadão, 3 Aug. 2009, economia.estadao.com.br/noticias/geral,plano-de-metas-de-jk-foi-um-marco,412544.

Rotta, Edemar, and Carlos Nelson dos Reis. “As Práticas Do Desenvolvimentismo Brasileiro: Plano De Metas e Programa De Aceleração Do Crescimento.” Repositorio.pucrs.br, Pontífica Universidade Cristã, July 2018, repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/14423/2/As_Praticas_do_Desenvolvimentismo_Brasileiro_Plano_de_Metas_e_Programa_de_Aceleracao_do_Crescimento_The_Practices_of.pdf.

Silva, Suely Braga. “50 Anos Em 5: o Plano De Metas.” CPDOC, Fundação Getúlio Vargas, 2019.

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