(PDF) PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO INTERDISCIPLINAR EM CIÊNCIAS HUMANAS | Eduardo Felippsen - Academia.edu
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO INTERDISCIPLINAR EM CIÊNCIAS HUMANAS José Eliézer Mikosz A Arte Visionária e a Ayahuasca: Representações Visuais de Espirais e Vórtices Inspiradas nos Estados Não Ordinários de Consciência (ENOC). Florianópolis 2009 PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO INTERDISCIPLINAR EM CIÊNCIAS HUMANAS José Eliézer Mikosz A Arte Visionária e a Ayahuasca: Representações Visuais de Espirais e Vórtices Inspiradas nos Estados Não Ordinários de Consciência (ENOC). Tese de Doutorado apresentada à banca formada pelo Programa de Pós Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Ccatarina, área de concentração Condição Humana na Modernidade, Linha de Pesquisa Modernidade e Globalização, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Ciências Humanas. Orientador Professor Doutor: João Eduardo Pinto Basto Lupi Co-orientador Professor Doutor: Luis Eduardo Luna Florianópolis 2009 M5895a Mikosz, José Eliézer A arte visionária e a Ayahuasca: Representações Visuais de Espirais e Vórtices Inspiradas nos Estados Não Ordinários de Consciência (ENOC). / José Eliézer Mikosz. Orientador: João Eduardo Pinto Basto Lupi. – Florianópolis, 2009. 291 f. : il. ; 30 cm. Tese (doutorado) – Universidade Federal de Santa Catarina – Doutorado em Ciências Humanas, 2009. Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas (PPGICH). Condição Humana na Modernidade. Modernidade e Globalização. Co-Orientador: Luis Eduardo Luna. Inclui bibliografia. 1. Arte Visionária. 2. Arte-Psicologia. 3. Fantasia na arte. 4. Inspiração. 5. Surrealismo. 6. Santo Daime. 7. Ayahuasca. I. Lupi, João Eduardo Pinto Basto. II. Universidade Federal de Santa Catarina. III. Título. CDU:7.036.7 À memória dos meus pais, Estefano Mikosz e Zoé Costa Mikosz, com carinho e reconhecimento. AGRADECIMENTOS Um trabalho de tese como este, na verdade, como qualquer outro similar, não é produto de um estudante, de uma pessoa dedicada a fazer uma pesquisa com profundidade, é fruto de um universo de pessoas. Ela se formou das contribuições dos autores usados, dos orientadores, dos professores, dos cientistas que se dispuseram a dar seus pareceres na medida em que o trabalho se desenvolvia, de todo um grupo de pessoas que colaboraram das mais diversas formas, seja através de depoimentos, seja até mesmo através de um café amigo. Tenho que iniciar agradecendo aos mais próximos, Marili Azim, minha companheira de quase três décadas, pela paciência, cumplicidade e carinho; Marianah Mikosz e Lucas Mikosz, meus filhos, onde encontrei sempre amor, incentivo, confiança e apoio fundamental para continuar. Quero ser grato a minha irmã Ana Lúcia Mikosz da Nóbrega pelo suporte em todos os sentidos, por sua sempre torcida incondicional, junto com meu cunhado Kenneth F. H. da Nóbrega. Agradeço ao PPGICH pela oportunidade de ingressar no doutorado e devo reconhecer aqui o mérito de um programa interdisciplinar que, sem dúvida na presente pesquisa, era a única maneira de abordar um tema pouco ortodoxo que trata das relações entre arte e consciência. Esse trabalho não teria sido possível sem a orientação do prof. Luis Eduardo Luna. Quando o procurei da primeira vez, me recebeu em sua casa, dando dicas fundamentais para o trabalho, passou a bibliografia que inspirou a escolha pela investigação dos vórtices, me apresentando, nos contatos seguintes, para cientistas de renome internacional dispostos a colaborar e interessados na investigação. O prof. Luna foi fundamental na transição da orientação onde pudemos reformular toda a estrutura da tese, nos voltando para a idéia inicial de usar metodologias mais pertinentes aos estudos sobre os modos de consciência e as representações visuais realizadas em decorrência das experiências vividas pelos artistas. Devo agradecer também a Adriana Rosa, esposa do prof. Luna, por sua gentileza e atenção em todos os encontros ocorridos em sua casa. Sou grato ao prof. João Lupi onde as discussões sobre os caminhos da chamada “Nova Era” e seus reflexos na sociedade, em disciplina ministrada por ele, nos aproximou para a orientação final e organização desta tese. Fiquei muito feliz por ele ter aceitado pegar a orientação “andando” e por toda atenção que recebi, colaborando com o prof. Luna a dar sábios cortes e ajustes de foco em um assunto tão vasto e fácil de cair em digressões. Aos demais professores do DICH, meus agradecimentos ao prof. Alberto Cupani pelas bases metodológicas e epistemológicas para um trabalho de natureza interdisciplinar; ao prof. Rafael Raffaelli pelo contato e orientação inicial; aos profs. Héctor Leis e Selvino Assmann, pelas aulas riquíssimas nos dando uma visão geral das ciências humanas, além da amizade querida e exemplo desses dois grandes homens dedicados. Também sou grato aos dois por aceitarem fazer parte da banca como suplentes (foi um modo de deixar uma cópia da tese para eles como lembrança). Sou muito grato a profa. Carmen Rial e profa. Joana Maria Pedro pelo apoio nos concedendo uma bolsa emergencial do programa que, por motivos alheios a nossa vontade, tivemos que optar por desistir, mas esse apoio nos fortaleceu e nos deu confiança de defender a tese no prazo apesar das aparentes dificuldades para tal. Meus sinceros agradecimentos aos integrantes da banca de defesa, por aceitarem nosso convite e pelas importantes contribuições recebidas: prof. Marcelo Mercante, prof. Artur Freitas, prof. Marcos Montysuma e, em especial, para a profa. Luciana Martha Silveira, minha orientadora de mestrado, por aceitar estar comigo em mais essa etapa de minha vida. Agradeço ao prof. Alberto Groisman pelas colocações durante a qualificação, escrevendo 11 páginas de observações e dicas que foram bem apreciadas ao longo do desenvolvimento da tese e, em grande parte, utilizadas. Ao prof. David Lewis Williams, criador do método neuropsicológico de leitura das imagens utilizado na tese e por ter sempre respondido nossos e-mails e, também, por ter permitido a tradução de artigos seus para a Revista INTERthesis. Ao escritor e pesquisador Graham Hancock que gentilmente nos concedeu uma entrevista em julho de 2007 por intermédio do prof. Luna onde nos relatou um pouco sobre seu livro Supernatural – Ancient Teachers of Mankind, que nos foi de grande inspiração, reforçando, pela sincronicidade, várias hipóteses da tese. Ao prof. Benny Shanon pela disposição em ajudar no que fosse preciso para o desenvolvimento do trabalho e por suas ousadas e inspiradoras pesquisas sobre a ayahuasca. Sou grato ao apoio e a receptividade da antropóloga Bia Labate, pesquisadora brilhante e incansável, escritora, palestrista e incentivadora das investigações relacionadas aos psicoativos e suas implicações na sociedade. Bia Labate ainda coordena o NEIP (Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos) e edita blogs que são atualizados constantemente sendo uma enorme fonte de informação para pesquisadores e interessados. Sou muito grato aos artistas que pude contatar diretamente como L. Caruana, Andrew Gonzalez, Martin Oscity, Alexandre Segrégio e Mark Henson pela disposição em colaborar, responder às entrevistas, permitir o uso das imagens e apoiarem incondicionalmente a pesquisa. Ao amigo Adão de Araújo, por seus sempre válidos palpites quanto à melhor forma de comunicar idéias e conceitos presentes na tese e também pela revisão do texto. A todos os colegas do DICH, em especial ao Wellington Amorim, Paulo Roberto da Silveira, Raquel Barros, Juliane Odinino (grato pelas hospedagens!), Rosa Maria, Paulo Benincá (in memorian), Dora Maria Dutra Bay (in memorian) pelo convívio, pelos estudos, pela alegria de estar com vocês presencialmente ou nas lembranças. A amiga Silmara Cimbalista, pela torcida e pelo companheirismo nas empreitadas em prol da INTERthesis, nossa revista do doutorado, e Cláudia Hausman Silveira pelas mesmas razões e pela pousada do “Joca & Chica” que usamos algumas vezes em Floripa. Agradeço ao Centro Espírita Beneficente União do Vegetal, dentro da qual pude conhecer a ayahuasca e onde permaneci durante cinco anos em convívio amistoso. Aos meus grandes colaboradores “ocultos” no apêndice que, nos depoimentos dados, além da profundidade alcançada, fizeram divertidas descrições das experiências, me apresentando o brilhantismo e riqueza delas mesmo quando parecem nos colocar em “saias justas”. Liana Bergman, Ângelo Couto La Porta e Jerônimo Duarte Ayala, secretários do DICH pelo profissionalismo, amizade, disposição e colaboração eficiente em todos os momentos que precisamos. Enfim, agradeço a vida mesmo que, mais uma vez, criou condições inesperadas que atenderam minhas necessidades de forma valiosa e sincrônica. RESUMO Os Estados Não Ordinários de Consciência, ENOC, induzidos especialmente por alguns tipos específicos de agentes psicoativos, como a ayahuasca, propiciam visões, tratadas aqui também como mirações. Nos estágios iniciais da experiência, essas mirações geralmente são formadas por padrões luminosos geométricos simétricos, ziguezagues, treliças, teias e espirais, entre outros. Em estágios mais avançados, essas imagens podem se transformar em objetos e cenários diversos, onde a influência cultural exercerá importante papel. Padrões visuais análogos encontram-se em obras artísticas, desde as pinturas rupestres pré-históricas, o que possibilita inferir que sua produção esteja, de algum modo, associada aos ENOC. Com efeito, esses mesmos padrões visuais são encontrados em obras indígenas e de artistas da atualidade que usam essa categoria de psicoativo. As mirações dos ENOC são muitas vezes consideradas experiências de natureza espiritual ou mística, já que são sentidas como vivências genuínas de um “outro mundo”, que só podem ser traduzidas para “este mundo” – o mundo objetivo, material, do dia-a-dia – de forma descritiva e simbólica. Dentre as diversas imagens que podem aparecer nas mirações, o trabalho investigou as espirais e os vórtices e estudou alguns dos significados que costumam ser atribuídos a esses elementos, assim como algumas transformações e adaptações que eles podem passar, dependendo da cultura local. Foram coligidos ainda alguns exemplos da presença das espirais e vórtices na natureza, na ciência e na história da arte, com o intuito de evidenciar a forte influência que essas imagens podem ter sobre a imaginação, o conhecimento e a produção artística. Palavras-chave: Artes Visuais. Arte Visionária. Ayahuasca. Espirais. Vórtices. Estados Não Ordinários de Consciência (ENOC). ABSTRACT Non-ordinary States of Consciousness, produced by some specific kinds of psychoactive agents, as, for instance, the ayahuasca, propitiate visions, treated in this work as mirações.1 In the initial stages of the experience, these mirações are often formed by luminous and symmetrical geometric patterns, zigzags, latticeworks, cobwebs, and spirals, among others. In more advanced stages, these images can turn themselves into several objects and scenes, where the influence of culture will play an important role. Analogous visual patterns can be found in artistic works, ever since the pre-historical rupestrian paintings, and this fact allows the conclusion that such a production is, in some form, related to the Non-Ordinary States of Consciousness. In fact, the same visual patters can be found in the art of Indians and present day artists that use such kind of psychoactive agents. The mirações from NOSC are often considered spiritual or mystical experiences, since are felt as actual experiences of “another world”, and such experiences can only be translated to this world, the objective, material and daily world, in a descriptive and symbolical way. Among the several images that can appear in the mirações, this work aims at investigating spirals and vortices. It approaches some of the meanings that are commonly related to these elements, as well as some transformations and adaptations that they are bound to, depending on the local culture. Moreover, this work collects some spirals and vortices occurrences in nature, science and art history, aiming at presenting the great influence that such images may have on the imagination, knowledge and art productions. Keywords: Visual Arts. Visionary Arts. Ayahuasca. Spirals. Vortex. Not Ordinary States of Consciousness (NOSC). 1 Miração is a term generally used by ayahuasca users inside Brazilian religions like União do Vegetal, Santo Daime and Barquinha. In order not to use the word hallucination, we have chosen to use the term miração. Miração probably comes from the Spanish verb mirar, which means to see, to watch. We, therefore, used miração mainly when the experience under analysis is related to ayahuasca. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 1 MÉTODO ......................................................................................................................................... 4 DESCRIÇÃO DOS CAPÍTULOS ............................................................................................................ 8 1. A MATÉRIA: O CHÁ “MISTERIOSO” ............................................................... 12 1.1. BOTÂNICA .............................................................................................................................. 13 1.2. QUÍMICA ................................................................................................................................ 15 1.3. PREPARO................................................................................................................................ 19 2. O ESPÍRITO: OS ESTADOS NÃO ORDINÁRIOS DE CONSCIÊNCIA ............. 22 2.1. O XAMANISMO E OS ESTADOS DE CONSCIÊNCIA.............................................................................. 23 2.2. A CONSCIÊNCIA E A SUA COMPLEXIDADE ....................................................................................... 25 2.3. A LEGITIMIDADE DAS EXPERIÊNCIAS DOS ENOC.............................................................................. 28 2.4. MÉTODOS DE INDUÇÃO AOS ENOC ............................................................................................. 31 2.4.1. ENFERMIDADES ............................................................................................................................ 31 2.4.2. MISTICISMO E RELIGIÃO................................................................................................................. 31 2.4.3. RELACIONADOS AOS SENTIDOS E À MENTE ........................................................................................ 32 2.4.4. RELACIONADOS AO CORPO ............................................................................................................. 32 2.4.5. USO DE PSICOATIVOS .................................................................................................................... 33 2.4.6. ASPECTOS EMOCIONAIS ................................................................................................................. 33 2.5. LEWIS‐WILLIAMS E OS 3 ESTÁGIOS DOS ENOC ............................................................................... 35 2.5.1. ESTÁGIO‐1 DOS ENOC .................................................................................................................. 37 2.5.2. ESTÁGIO‐2 DOS ENOC E OS VÓRTICES ............................................................................................. 41 2.5.3. ESTÁGIO‐3 DOS ENOC .................................................................................................................. 42 2.6. OS MITOS .............................................................................................................................. 44 2.7. A RELIGIÃO ............................................................................................................................. 46 2.8. EFEITOS DA AYAHUASCA NA PSIQUE ............................................................................................. 47 2.9. AYAHUASCA E CRIATIVIDADE ...................................................................................................... 54 2.10. AS VISÕES DA AYAHUASCA ....................................................................................................... 55 3. O HISTÓRICO – GERAÇÕES AYAHUASQUEIRAS ......................................... 60 3.1. 1ª GERAÇÃO – OS PIONEIROS ..................................................................................................... 61 3.1.1. POVOS TUKANO ........................................................................................................................... 62 3.1.2. SHIPIBO‐CONIBO .......................................................................................................................... 67 3.1.3. CAXINAUÁ ................................................................................................................................... 70 3.1.4. MANCHINERI ............................................................................................................................... 72 3.2. 2ª GERAÇÃO – VEGETALISTAS RIBEIRINHOS ................................................................................... 73 3.3. 3ª GERAÇÃO – DA FLORESTA PARA AS CIDADES .............................................................................. 75 3.3.1. CICLU E O ALTO SANTO ................................................................................................................ 76 3.3.2. BARQUINHA. ................................................................................................................................ 77 3.3.3. CENTRO ESPÍRITA BENEFICENTE UNIÃO DO VEGETAL .......................................................................... 78 3.3.4. SANTO DAIME (CEFLURIS) ........................................................................................................... 81 3.4. 4ª GERAÇÃO – DISSIDÊNCIAS E REINVENÇÕES................................................................................. 82 4. ESPIRAIS NA NATUREZA E NA CIÊNCIA ....................................................... 89 4.1. ANIMAL E VEGETAL .................................................................................................................. 90 4.2. O PODER DOS OPOSTOS COMPLEMENTARES .................................................................................. 93 4.3. DO ÍNFIMO AO INCOMENSURÁVEL ............................................................................................... 96 4.4. A RAZÃO ÁUREA E OUTRAS MATEMÁTICAS.................................................................................. 102 4.5. OS FRACTAIS ......................................................................................................................... 109 4.6. ESPIRAIS NO CÉREBRO ............................................................................................................. 111 5. HISTÓRIA DA ARTE VISIONÁRIA .................................................................. 115 5.1. CONCEITUAÇÃO ..................................................................................................................... 115 5.2. RECORTE NA HISTÓRIA DA ARTE OCIDENTAL ................................................................................ 117 5.2.1. O RENASCIMENTO ...................................................................................................................... 119 5.2.2. O MANEIRISMO ......................................................................................................................... 122 5.2.3. O ROMANTISMO ........................................................................................................................ 124 5.2.4. OS PRÉ‐RAFAELITAS .................................................................................................................... 125 5.2.5. O SIMBOLISMO E A ART NOUVEAU ................................................................................................ 127 5.2.6. O ABSTRACIONISMO ................................................................................................................... 130 5.2.7. O SURREALISMO ......................................................................................................................... 133 5.2.8. O REALISMO FANTÁSTICO ............................................................................................................ 135 5.2.9. O PSICODELISMO ........................................................................................................................ 136 5.2.10. VISIONÁRIOS AO LONGO DA HISTÓRIA DA ARTE ............................................................................. 140 5.3. A ARTE VISIONÁRIA E A AYAHUASCA .......................................................................................... 141 5.3.1. OS AYAHUASQUEIROS PABLO AMARINGO E ALEXANDRE SEGRÉGIO ..................................................... 143 5.3.2. AYAHUASCA E OUTRAS PLANTAS SAGRADAS ‐ L. CARUANA ................................................................ 148 5.3.3. COGUMELOS SAGRADOS ‐ ANDREW GONZALEZ ............................................................................... 150 5.3.4. OS SINTÉTICOS – MARK HENSON E CHRISTIAN RÄTSCH ..................................................................... 151 5.3.5. SEM PSICOATIVOS ‐ MARTIN OSCITY E JOHN ROBINSON.................................................................... 153 6. AS ESPIRAIS NO PASSADO E PRESENTE ................................................... 157 6.1. 6.1.1. 6.2. 6.2.1. 6.3. 6.3.1. 6.4. 6.4.1. 6.5. 6.5.1. 6.6. 6.6.1. 6.7. 6.7.1. 6.8. 6.8.1. ESPIRAIS SIMPLES, DUPLAS E TRIPLAS ......................................................................................... 159 OS VÓRTICES ENTÓPTICOS ........................................................................................................... 172 AS SERPENTES E O URÓBOROS .................................................................................................. 176 AS SERPENTES DOS VISIONÁRIOS ................................................................................................... 189 AS ESFERAS E O COSMO EM CAMADAS ....................................................................................... 193 VISÕES DO COSMO ..................................................................................................................... 195 OS TÚNEIS E OS AXIS MUNDI .................................................................................................... 199 TÚNEIS E AS PASSAGENS PARA OUTROS MUNDOS ............................................................................. 204 AS ESCADAS .......................................................................................................................... 210 AS ASCENSÕES DA ALMA ............................................................................................................. 212 OS CÍRCULOS E CIRCUNFERÊNCIAS.............................................................................................. 217 CÍRCULOS VISIONÁRIOS................................................................................................................ 221 AS MANDALAS ...................................................................................................................... 224 VISÕES DE MANDALAS ................................................................................................................. 230 OS LABIRINTOS ...................................................................................................................... 232 LABIRINTOS VISIONÁRIOS ............................................................................................................. 236 Considerações Finais ........................................................................................... 241 ESPECULAÇÕES PARA TRABALHOS FUTUROS .......................................................................................... 249 01 – VISÕES SEMPRE PRESENTES ................................................................................................................ 249 02 – DEFESAS DO ORGANISMO .................................................................................................................. 249 03 – LAVAGEM CEREBRAL ......................................................................................................................... 250 04 – TERAPIAS COM A AYAHUASCA ............................................................................................................. 251 05 – A “PEIA” COMO INTENSIFICAÇÃO DA CULPA .......................................................................................... 251 06 – SONS E VISÕES ................................................................................................................................. 252 07 – TEORIA DA COR NOS MITOS ............................................................................................................... 252 08 – HISTÓRIA DA ARTE VISIONÁRIA ........................................................................................................... 253 09 – AS PLANTAS SILENCIADAS .................................................................................................................. 253 10 – A SERPENTE FALANTE (OU A “FÉ DEMAIS” E A “FÉ DE MENOS”) .............................................................. 254 REFERÊNCIAS....................................................................................................... 255 APÊNDICE .............................................................................................................. 266 DEPOIMENTOS E QUESTIONÁRIOS ................................................................... 266 DEPOIMENTOS GRAVADOS.......................................................................................................... 267 01 – II. .................................................................................................................................................. 267 02 – AA................................................................................................................................................. 268 03 – MM. ............................................................................................................................................. 271 04 – NN. ............................................................................................................................................... 273 05 E 06 – PP E GG .................................................................................................................................. 274 DEPOIMENTOS POR E‐MAIL ......................................................................................................... 280 01 – A.J................................................................................................................................................. 280 ENTREVISTAS COM ARTISTAS POR E‐MAIL ........................................................................................... 281 01 – ALEXANDRE SEGRÉGIO ...................................................................................................................... 281 02 – LAURENCE CARUANA ........................................................................................................................ 282 03 – MARTIN OSCITY ............................................................................................................................... 283 04 – MARK HENSON ................................................................................................................................ 283 ANOTAÇÕES PESSOAIS ................................................................................................................ 287 15 E 16‐08‐2003 (1ª E 2ª SESSÃO) ........................................................................................................... 287 07‐09‐2003 (3ª SESSÃO) ......................................................................................................................... 289 04‐10‐2003 (6ª SESSÃO) ......................................................................................................................... 290 18‐10‐2003 (7ª SESSÃO) ......................................................................................................................... 290 08‐11‐2003 (10ª SESSÃO) ....................................................................................................................... 291 12‐12‐2003 (13ª SESSÃO) ....................................................................................................................... 292 20‐12‐2003 (14ª SESSÃO) ....................................................................................................................... 292 23‐07‐2004 (30ª SESSÃO – SÃO JOÃO) ..................................................................................................... 293 30‐10‐2004 (43ª SESSÃO) ....................................................................................................................... 293 11‐07‐2005 (59ª SESSÃO) ....................................................................................................................... 293 14‐07‐2008 (121ª SESSÃO) ..................................................................................................................... 294 ANEXO ................................................................................................................... 295 Banisteriopsis – Principais tipos e localização geográfica. .............................. 295 LISTA DAS FIGURAS Fig. 1. Banisteriopsis caapi. Foto do autor............................................................................................................. 15 Fig. 2. Psychotria viridis. Foto do autor. ................................................................................................................ 15 Fig. 3. Comparação de algumas moléculas de substâncias psicoativas. Da esquerda para a direita: molécula de serotonina (hormônio cerebral); Psilocibina (alucinógeno orgânico); N, N‐dimetil‐triptamina (alucinógeno orgânico e hormônio cerebral); LSD (alucinógeno inorgânico). NARBY 1998, 49. ........................................ 16 Fig. 4. Moléculas de alguns neurotransmissores cerebrais a partir do L‐Triptofano. Moléculas como a DMT e a serotonina são bastante similares, assim como a psilocibina. CALLAWAY: In METZNER 2002, 233. ................ 17 Fig. 5. Preparo da ayahuasca na UDV, Núcleo São Cosmo e São Damião. Foto do autor. .................................... 20 Fig. 6. Armazenamento da ayahuasca em potes de vidro na UDV, no Núcleo São Cosmo e São Damião. Foto do autor. ........................................................................................................................................................... 21 Fig. 7. Os estados ordinários e não ordinários de consciência. LEWIS‐WILLIAMS 2004, 125. ................................... 36 Fig. 8. Equivalências das imagens em testes de laboratório e das encontradas no período neolítico. LEWIS‐ WILLIAMS; PEARCE 2005, 262. ......................................................................................................................... 39 Fig. 9. Desenhos codificados dos índios Barasâna no Brasil. Vidal comparou as versões dadas por Reichel‐ Dolmatoff em 1976 e em 1978 encontrando algumas variações nas descrições do autor. REICHEL‐ DOLMATOFF apud VIDAL 2007, 47. .................................................................................................................. 41 Fig. 10. Levantamento de desenhos rupestres encontrados no litoral de Santa Catarina, onde é possível encontrar semelhanças nos padrões de imagens com os dos índios amazônicos e desenhos pré‐históricos. REVISTA OHUN – Revista eletrônica do Programa de Pós‐Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da UFBA ‐ Ano 2, nº 2, outubro 2005. ................................................................................................ 41 Fig. 11. Os três estágios de consciência intensificada e o vórtice. LEWIS‐WILLIAMS; PEARCE 2005, 48. .................... 43 Fig. 12. Teste da influência da linguagem na percepção. (ARHEIM 1980, 42)......................................................... 44 Fig. 13. As três dimensões interconectadas da religião, o contrato social e o contrato de consciência. Essas relações não são fixas, elas podem variar de intensidade entre o racional (contrato social) e o religioso (contrato de consciência) dependendo do indivíduo, da cultura e outras circunstâncias, mas se mantêm sempre presentes. LEWIS‐WILLIAMS; PEARCE 2005, 287. ................................................................................. 47 Fig. 14. Porta vaso Desana em forma de vórtice. Temas derivados das mirações. Lewis‐Williams; Pearce 2005, 266. .............................................................................................................................................................. 65 Fig. 15. O Sol‐Pai e a Mãe‐Terra. Schultes; Hofmann 2000, 133. .......................................................................... 66 Fig. 16. Monólito Tukano em Uapuí, cachoeira do rio Aiari. Vidal 2007, 45. Foto B. G. Ribeiro, 1978. ................ 66 Fig. 17. Desenho Tukano induzido pela ayahuasca. LEWIS‐WILLIAMS; PEARCE 2005, 270. ........................................ 66 Fig. 18. Desenho da visão de um xamã Tukano. LEWIS‐WILLIAMS; PEARCE 2005, 271. ............................................. 66 Fig. 19. Arte Shipibo em tapeçarias. Fotografia de Sabine Rittner. Disponivel em: <http://www.musictherapyworld.de/modules/mmmagazine/issues/20070718101131/20070718103053/ 09_Die_Shipibo_Frauen.jpg>. Acesso: 03 jan. 2008. ................................................................................... 69 Fig. 20. Bumbo com desenho Shipibo. Disponivel em: <http://www.fairgotrading.com.au/images/web_drum_shipibo.jpg>. Acesso: 14 ago. 2008.................... 69 Fig. 21. Pintura em cerâmica dos índios Shipibo. SCHULTES; HOFFMAN, 2000, 130. ................................................. 69 Fig. 22. Herlinda Augustín “cantando” seus desenhos. Disponivel em: <http://www.elcomercio.com.pe/edicionImpresa/pdf/2007/10/05/ECCC051007a14.pdf>. Acesso: 14 ago. 2008. ............................................................................................................................................................ 69 Fig. 23. Mestre Gabriel e discípulos. Reportagem da Revista O Cruzeiro de 14 de Julho de 1971. <http://www.udv.org.br/portugues/area_azul/fotos_jpg/1_revista_cruzeiro.jpg>. Acesso: 03 jan. 2007.79 Fig. 24. Concha Náutilus. Representação esquemática da espiral logarítmica. .................................................... 91 Fig. 25. Bode montanhês. ...................................................................................................................................... 91 Fig. 26. Labirinto membranoso, ouvido interno humano...................................................................................... 91 Fig. 27. Modelos da hélice dupla do DNA. Doczi 2006, 28. ................................................................................... 92 Fig. 28. Microtúbulos do axonema. Doczi 2006, 28. ............................................................................................. 92 Fig. 29. Alga Spirogyra. .......................................................................................................................................... 92 Fig. 30. A figura ilustra um caso que é necessário três giros completos para se passar por oito ramos (razão filotáxica 3/8), seguindo a seqüência de FIBONACCI. LIVIO 2006, 130. ........................................................... 93 Fig. 31. Foto do miolo (receptáculo) de uma margarida mostrando as espirais em sentido contrário. Foto do autor. ........................................................................................................................................................... 93 Fig. 32. Espádice do antúrio e o sentido das duas espirais. <http://www.aroid.org/TAP/Articles/standanthdesc.html>. Acesso: 05 out. 2007.................................... 93 Fig. 33. As espirais do abacaxi. LIVIO 2006, 131. .................................................................................................... 93 Fig. 34. Tai Chi. As forças Yin Yang enroscadas, forças complementares de um princípio vital único, andrógino. Desenho do autor. ....................................................................................................................................... 94 Fig. 35. Figura mandálica de Escher, com anjinhos e demônios. <http://www.hnorthrop.com/escher.jpg>. Acesso: 13 fev. 2006. ................................................................................................................................... 94 Fig. 36. Estrela de Davi, os triângulos opostos. Desenho do autor. ...................................................................... 94 Fig. 37. A Cruz com seu braço horizontal e vertical se cruzando, no encontro, a rosa significando a harmonia. Desenho do autor. ....................................................................................................................................... 94 Fig. 38. Representação esquemática da disposição dos flósculos no receptáculo de uma margarida. LIVIO 2006, 135. .............................................................................................................................................................. 95 Fig. 39. Mesmo tipo de representação, deixando mais claro o entrelaçamento das espirais. DOCZI 1990, 1. ...... 95 Fig. 40. Movimento realizado por partículas dentro de uma câmera aceleradora. Disponivel em: <http://www.particlephysics.ac.uk/news/picture‐of‐the‐week/picture‐archive/tracks‐in‐a‐hydrogen‐ bubble‐chamber.html>. Acesso: 19 jun. 2007. ............................................................................................ 96 Fig. 41. A “Espiral Perfeita”, galáxia M74. Disponivel em: <http://www.gemini.edu/index.php?full=1&set_albumName=Galaxies&id=GMOSNGC628&option=com_ gallery&Itemid=39&include=view_photo.php>. Acesso: 15 mar. 2008. ..................................................... 98 Fig. 42. Furacão Isabel. Disponivel em: <http://www.nasa.gov/images/content/51784main_Isabel_091703m.jpe>. Acesso: 15 mar. 2008. ........ 98 Fig. 43. Campos magnéticos. Desenho do autor. .................................................................................................. 99 Fig. 44. Vórtices causados pelo fluxo aerodinâmico em um jato. Disponivel em: <http://apod.nasa.gov/apod/ap060822.html>. Acesso: 27 mar. 2007. ...................................................... 99 Fig. 45. Anéis Vórticos ‐ Fumaça de um charuto. ................................................................................................ 100 Fig. 46. Anéis Vórticos ‐ Tinta ao cair na água. .................................................................................................... 100 Fig. 47. Estudos de Leonardo da Vinci sobre o movimento turbulento. O desenho mostra que vórtices maiores se decompõem em vórtices menores e assim por diante. Disponível em: <http://www.ecs.umass.edu/mie/faculty/bobba/leonardo_turb.jpg>. Acesso: 21 abr. 2007. ................ 100 Fig. 48. Reconstrução de Rotoreliefs de 1955 de Marcel Duchamp, os originais são de 1935. Essas figuras em rotação dão a sensação de tridimensionalidade. Disponível em: <http://creativetechnology.salford.ac.uk/fuchs/modules/input_output/Cage_Duchamp/images/rotorelief s.jpg>. Acesso 22 set. 2008. ....................................................................................................................... 102 Fig. 49. Quando um segmento de reta AB está dividido por um ponto C em outros dois, tais que AB/AC=AC/CB, diz‐se que AB está dividido em média e extrema razão. Essa divisão chama‐se, também, divisão áurea, sendo AC a seção áurea do segmento AB. Desenho do autor................................................................... 103 Fig. 50. A Espiral de Ouro – “O Olho de Deus”. Desenho do autor. .................................................................... 104 Fig. 51. A mesma figura a partir de triângulos áureos (uma das “pontas” do pentagrama). Desenho do autor.104 Fig. 52. Pentagrama e a Razão Áurea. Desenho do autor. .................................................................................. 105 Fig. 53. Sólidos Platônicos: tetraedro = fogo; cubo = terra; octaedro = ar; icosaedro = água e dodecaedro = quinta essência. Desenho do autor. .......................................................................................................... 107 Fig. 54. Imagens refletidas em espiral logarítmica por feedback criado com uma filmadora em frente a um monitor – Trabalhos de Doughas Hofstadter. ........................................................................................... 107 Fig. 55. Espiral dupla na obra de Escher. ............................................................................................................. 107 Fig. 56. Espiral de FERMAT ou espiral parabólica. Desenho do autor. .................................................................. 108 Fig. 57. Lituus, espiral como uma voluta ou como um báculo. Desenho do autor. ............................................ 108 Fig. 58. Ampliações fractais. A área retangular é a que está ampliada na figura seguinte. Disponível em: <http://www.notis‐artglass.gr/forum/viewtopic.php?p=78&sid=eb5949f4d12f91af72318ad22e2f6c7d>. Acesso em: 20 jan. 2007. ........................................................................................................................... 110 Fig. 59. Exemplos de fosfeno, túneis, espirais e mapeamento retinocortical (BRESLOFF et. al. 2001). ................ 112 Fig. 60 e Fig. 61. Treliças, vórtices/redemoinhos e ziguezagues. Sacks 2001...................................................... 113 Fig. 62 e Fig. 63. Tentativa de reproduções de escotomas cintilantes. Na imagem à direita, também a presença do escotoma negativo. Sacks 2001. ........................................................................................................... 113 Fig. 64. Distúrbios visuais da enxaqueca. Sacks 2001.......................................................................................... 114 Fig. 65. Representações visuais na psicose aguda. Desenhos de Louis Wain. Sacks 2001. ................................. 114 Fig. 66. São Jorge e o Dragão. (cerca de 1460 – óleo sobre tela – 56,5/74cm – Paolo Ucello). Nota‐se a formação das nuvens em espiral, logo atrás do santo, representando a natureza cósmica desse evento (PURCE 2003, 156). ........................................................................................................................................................... 120 Fig. 67. Estudos para Leda – Leonardo da Vinci. ................................................................................................. 121 Fig. 68. Detalhe do intrincado padrão entrelaçado do forro na Sala de Asse – Leonardo da Vinci. Disponível em: <http://www.universalleonardo.org/trail.php?trail=346&work=311>. Acesso: 5 out. 2008.................... 122 Fig. 69. Estudo de Leonardo da Vinci sobre a divisão dos galhos de uma árvore. Disponível em: <http://www.universalleonardo.org/media/100/0/msm78v79r.jpg>. Acesso: 5 out. 2008. .................... 122 Fig. 70. Auto‐retrato de Parmigianino. <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/a/ab/Parmigianino_Selfportrait.jpg/250px‐ Parmigianino_Selfportrait.jpg>. Acesso: 5 out. 2008. ............................................................................... 123 Fig. 71. Retrato do Imperador Leopoldo II – Pintura de Arcimboldo. ................................................................. 123 Fig. 72. Ecce Ancilla Domini (“Anunciação”), de Rossetti. GOMBRICH 1981, 485. ................................................. 126 Fig. 73. O Pescador e a Sereia, de Lord Leighton. MERMAIDS, pag. 50. London. Lorenz Books, 1996. .................. 126 Fig. 74. Noite Estrelada – Pintura a óleo de Vincent van Gogh. Disponível em: <http://www.moma.org/images/collection/FullSizes/472_1941_CCCR.jpg>. Acesso: 7 mar. 2008......... 128 Fig. 75. Visão depois do Sermão. Pintura a óleo de Gauguin. GOMBRICH 1981, 270. ........................................... 130 Fig. 76. Composition 1913. Disponível em: <http://www.tate.org.uk/collection/N/N05/N05886_9.jpg>. Acesso: 29 nov. 2008. ............................................................................................................................................. 133 Fig. 77. Capa da revista Blast. Disponível em: <http://www.uni‐ bielefeld.de/lili/personen/fleischmann/213_lewis_blast.jpg>. Acesso: 29 nov. 2008. ............................. 133 Fig. 78. A Ascensão de Cristo. Pintura a óleo de Salvador Dali. Disponível em: <http://www.astro.cornell.edu/%7Edeneva/art/Album_Dali/slides/Ascension%20of%20Christ.jpg>. Acesso: 15 maio 2007. ............................................................................................................................... 134 Fig. 79. Adão e Eva em frente à Árvore do Conhecimento (1984). Pintura a óleo de Ernst Fuchs. <http://www.artofimagination.org/Images/MemberImages/FuchsE/AdamEve.jpg>. Acesso: 15 maio 2008. .......................................................................................................................................................... 136 Fig. 80. Adão e Pegasa – detalhe (1983). Pintura a óleo de Rudolf Hausner. Disponível em: <http://lh4.ggpht.com/Olancee/SIzbpS9G3YI/AAAAAAAABWc/5UkPOpo1l‐ A/rudolf_hausner_adam_i_pegaza_1983.jpg?imgmax=512>. Acesso: 15 maio 2008. ............................. 136 Fig. 81. Ken Kesey e seu ônibus. A inscrição “FURTHER” é uma gíria que funde as palavras além e futuro. Disponível em: <http://www.born‐today.com/Today/pix/kesey_ken.jpg>. Acesso em: 16 jan 2008. ..... 137 Fig. 82. Neon Rose #6, Blues Project (1967). Autor: Victor Moscoso. Disponível em: < http://www.bbc.co.uk/collective/dnaimages/gallery/2/summeroflove/victormoscoso1.jpg >. Acesso: 14 abril 2006. .................................................................................................................................................. 139 Fig. 83. Poster para a banda Grateful Dead, (1966). Autor: Stanley Mouse. Disponível em: < http://www.tfaoi.com/cm/4cm/4cm612.jpg >. Acesso em: 16 abril 2006. .............................................. 139 Fig. 84. Cartaz psicodélico sobre o 7º Encontro Anual de Fotografia (1977). Disponível em: <http://www.postergeist.com/posters/roll02/PIC00015.jpg>. Acesso: 16 abril 2006. ............................. 140 Fig. 85. Escultura em madeira (renaco) de Augustin Rivas. Disponível em: <http://bp2.blogger.com/_JHf3ok5T‐ Zg/RoXfr6K0OuI/AAAAAAAAAIo/0DR73ctHLEk/s1600‐h/P1010006.JPG>. Acesso: 24 ago 2008. ............ 142 Fig. 86. Pintura de Pablo Amaringo antes da fase visionária. Fotografia de Luis Eduardo Luna. ........................ 142 Fig. 87. Visão 46 – Sepultura Tonduri (1986 – detalhe) – Pintura de Pablo Amaringo. Luna; Amaringo 1999, 139. ................................................................................................................................................................... 144 Fig. 88. Ayahuasca – Chacruna Causai – Pintura de Pablo Amaringo. Disponível em: <http://lh4.ggpht.com//images/16.jpg>. Acesso: 21 jul. 2008. ................................................................ 144 Fig. 89. Fluidificar (1994). Óleo sobre tela, 80/80cm de Alexandre Segrégio. Disponível em: <http://www.alexandresegregio.art.br/>. Acesso: 20 nov. 2007. ............................................................. 145 Fig. 90. Flor em Luz (1995). Óleo sobre tela, 70/60cm de Alexandre Segrégio. Disponível em: <http://www.alexandresegregio.art.br/>. Acesso: 20 nov. 2007. ............................................................. 147 Fig. 91. Tempo (1993). Óleo sobre tela, 80/100cm de Alexandre Segrégio. Disponível em: <http://www.alexandresegregio.art.br/>. Acesso: 20 nov. 2007. ............................................................. 147 Fig. 92. Encantos da Natureza (1996). Óleo sobre tela, 120/120cm, Alexandre Segrégio. Ótimo exemplo de miração. Disponível em: <http://www.alexandresegregio.art.br/>. Acesso: 20 nov. 2007. ..................... 148 Fig. 93. The Vine of the Dead (2006). Óleo sobre tela, 50/80cm de Laurence Caruana. Disponível em: <http://www.L. Caruana.com/webmedia/mort.media/mt.700x400.web.jpg>. Acesso: 5 jul. 2007. ....... 150 Fig. 94. Anima Sublimis (2001). Aerografia acrílica sobre cartão de Andrew Gonzalez. Disponível em: <http://www.sublimatrix.com/>. Acesso: 13 ago. 2007............................................................................ 151 Fig. 95. The Oracle of the Pearl (2001). Aerografia acrílica sobre cartão de Andrew Gonzalez. Disponível em: <http://www.sublimatrix.com/>. Acesso: 13 ago. 2007............................................................................ 151 Fig. 96. Wonders of Nature (1987). Óleo sobre tela, 54/48cm de Mark Henson. Disponível em: <http://www.sacredlight.to/images/wonders.jpg>. Acesso: 15 dez. 2008. .............................................. 152 Fig. 97. Double Helix (1992). Óleo sobre tela, 54/48cm de Mark Henson. Disponível em: <http://www.sacredlight.to/images/double.jpg>. Acesso: 15 dez. 2008.................................................. 152 Fig. 98 e Fig. 99. Obras do artista Christian Rätsch, pintadas depois de ingerir LSD. SCHULTES; HOFFMAN 2000, 189. ................................................................................................................................................................... 153 Fig. 100. The journey to the beginning of time (1994). Óleo sobre tela, 60/60 cm de Martin Oscity. Disponível em: < http://www.visionart‐malerei.de/>. Acesso: 17 out. 2008. ............................................................ 154 Fig. 101. Energetic Circle (2006). Óleo sobre tela, 195/192 cm de Martin Oscity. Disponível em: < http://www.visionart‐malerei.de/>. Acesso: 17 out. 2008. ...................................................................... 155 Fig. 102. Da esquerda para a direita, de cima para baixo: [1] Park of Life; [2] Immortality; [3] Adagio; [4] Gordian Knot – Esculturas de John Robinson. Disponível em: <http://www.popmath.org.uk/sculpture/sculpture.html>. Acesso: 08 mar. 2006. .................................. 156 Fig. 103. Placa de marfim de Baikal. PURCE 2003, 100. ........................................................................................ 160 Fig. 104. Desenho esquemático da placa. ROBINSON 2003, 1200. ........................................................................ 160 Fig. 105. Pintura de Osíris em uma tumba em Tebas no Egito. Aos lados de Osíris, os olhos de Hórus. PURCE 2006, 13. .................................................................................................................................................... 160 Fig. 106. Coroa dupla dos faraós com a espiral que significa a influência do poder divino. PURCE 2003, 50. ..... 160 Fig. 107. Vista frontal de Newgrange. Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/f/f9/Newgrangenarrow.JPG/800px‐ Newgrangenarrow.JPG>. Acesso: 18 jun. 2007. ........................................................................................ 161 Fig. 108. Espirais esculpidas na pedra de entrada (K1) em Newgrange, Irlanda. 3200~2900 a.C. LEWIS‐WILLIAMS; PEARCE 2005, 237. ....................................................................................................................................... 161 Fig. 109. As três espirais entrelaçadas esculpidas na Pedra da Deusa no interior de Newgrange. Disponível em: <http://www.bradshawfoundation.com/jr/pdf_vol3/1169‐1188%20Celts.pdf>. Acesso: 18 jun. 2008... 162 Fig. 110. Detalhe das espirais triplas entrelaçadas. Disponível em: <http://www.bradshawfoundation.com/jr/pdf_vol3/1169‐1188%20Celts.pdf>. Acesso: 18 jun. 2008... 162 Fig. 111. Desenho esquemático da pedra (K1), na entrada de Newgrange. LEWIS‐WILLIAMS; PEARCE 2005, 275. . 164 Fig. 112. Hipogeu de Hal Saflieni, Paola, Malta – aprox. 2500 a.C. Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/co mmons/thumb/d/dd/Malta_04_Hypogeum_Hal_Saflieni.jpg/438px‐ Malta_04_Hypogeum_Hal_Saflieni.jpg>. Acesso: 18 jun. 2008. ............................................................... 164 Fig. 113. Templo de Al Tarxien, Malta – Aprox. 2400‐2300 a.C. PURCE 2003, 87. ................................................ 164 Fig. 114. Pedra pré‐histórica redonda entalhada encontrada em Glas Hill, Towie, Aberdeenshire (3.000 a.C). DOCZI 2006, 27. ........................................................................................................................................... 164 Fig. 115. Detalhe da Pedra dos Macacos. PEREIRA 2003, 208, 120........................................................................ 166 Fig. 116. Petróglifos do Lajedo do Cadena. PEREIRA 2003, 208, 120. .................................................................... 166 Fig. 117. Desenhos da obra de Hartt (1895) sobre a arte rupestre de Alcoçaba (atual Tucuruí), Tocantins. PEREIRA 2003, 105. .................................................................................................................................................. 166 Fig. 118. Cruz celta da igreja de Aberlemno na Escócia. Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/en/f/f0/Aberlemno.jpg>. Acesso: 14 maio 2008. .................... 168 Fig. 119. O tríscele, três espirais entrelaçadas. Disponível em: < http://www.cassiopaea.org/images/triskel_brooch.jpg >. Acesso: 14 maio 2008. .................................. 168 Fig. 120. Cornucópia. Disponível em: < http://www.freeprintablecoloringpages.net/samples/Thanksgiving/Cornucopia_Border.png >. Acesso: 14 maio 2008. ................................................................................................................................................. 168 Fig. 121. Tatuagem em espirais dos maoris. PURCE 2003, 79. .............................................................................. 169 Fig. 122. Página do Livro de Durrow, dos monges irlandeses, usado para meditação e preparação para os trabalhos religiosos. PURCE 2003, 84. ......................................................................................................... 170 Fig. 123. Cristo sobre a cruz Tau, a Árvore do Conhecimento. PURCE 2003, 60. .................................................. 170 Fig. 124. Báculo pastoral em forma de serpente. Disponível em: <http://www.arrakis.es/~casasacer/baculo.htm>. Acesso: 15 dez. 2007. ................................................ 170 Fig. 125. Bastão reconstruído encontrado em Bush Barrow, Wiltshire. O ziguezague é feito a partir de ossos. LEWIS‐WILLIAMS; PEARCE 2005, 238. .............................................................................................................. 170 Fig. 126. Espiral andina em Nazca. Notam‐se as marcas de veículos que destruíram parte do visual da espiral. REINHART 1996, 33. ...................................................................................................................................... 171 Fig. 127. La Cienega. Disponível em: <http://www.bradshawfoundation.com/hands/gallery/la‐cienega.jpg>. Acesso: 6 jun. 2007. ................................................................................................................................... 172 Fig. 128. Mesa Verde. Espirais duplas e em sentidos opostos. Disponível em: <http://www.bradshawfoundation.com/hands/gallery/mesa‐verde.jpg>. Acesso: 6 jun. 2007. ............. 172 Fig. 129. Desenhos rupestres em Great Kiva, aprox. 1150 d.C. Disponível em: <http://www.bradshawfoundation.com/hands/gallery/gt‐kvivanm.jpg>. Acesso: 6 jun. 2007. .............. 172 Fig. 130. Alquimia (1999). Óleo sobre tela, 80/100 cm de Alexandre Segrégio. Disponível em: < http://www.alexandresegregio.art.br/>. Acesso: 20 nov. 2007. ............................................................... 173 Fig. 131. Águas de Taquaruçu Palmas (2004). Óleo sobre tela, 60/60 cm de Alexandre Segrégio. Disponível em: < http://www.alexandresegregio.art.br/>. Acesso: 20 nov. 2007. ............................................................ 174 Fig. 132. Visão 34: Maituchishcami: Restoring Body Energy Energy (1987). Pintura de Pablo Amaringo. LUNA; AMARINGO 1999. .......................................................................................................................................... 175 Fig. 133. Star Dance (2008). Óleo e pigmento sobre tela, 70/50 cm de Nana Nauwald. Disponível em: <http://www.visionary‐art.de/images/thumbs/sternentanzkl.jpg>. Acesso: 25 out. 2008. ..................... 176 Fig. 134. Os chakras orientais e a ocidental Árvore da Vida (Sefirots), segundo desenho de Aleister Crowley. Disponível em: <http://www.nachtkabarett.com/ihvh/img/chakra.jpg>. Acesso: 14 mar 2008. ............. 177 Fig. 135. À esquerda, cerâmica em forma de serpente encontrada em Predionica, Pristina, na Iugoslávia, perto de Vinca. Ao centro e à direita, vasos vinca com as serpentes espiraladas. GIMBUTAS 1982, 95................ 178 Fig. 136. Nehebu‐Kau em forma híbrida ou semi‐antropomórfica, de um homem com cabeça de serpente. Em representações mais antigas, a divindade aparece em forma completa de serpente). WILKINSON 2005, 224. ................................................................................................................................................................... 180 Fig. 137. Meshkhent, a deusa dos partos e do destino, com seu característico símbolo sobre a cabeça, provavelmente representa um útero. Desenho baseado no existente no Templo de Hatshepsut. WILKINSON 2005, 224. .................................................................................................................................................. 180 Fig. 138. Rei Gudea, Ningizzida e o deus Enki. Duas serpentes emergem sobre os ombros de Ningizzida. Disponível em: <http://www.bibleorigins.net/ningishbasreliefmarble.jpg>. Acesso: 22 fev. 2008. ......... 180 Fig. 139. Ilustração sobre o mesmo tema ao lado, facilitando a visualização de Ningizzida. Disponível em: < http://www.bibleorigins.net/NingishzidaGudeaSealBlackGreen.jpg >. Acesso: 22 fev. 2008. ................. 180 Fig. 140. As serpentes iguais ao caduceu de Mercúrio. Disponível em: <http://www.bibleorigins.net/NingishzidaGudeaVaseLangdon.jpg>. Acesso: 22 fev. 2008. .................... 181 Fig. 141. Estatueta de Gudea, governador de Lagash, dedicada a Ningizzida. Aprox. 2120 a.C. Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Gudea_of_Lagash_Girsu.jpg309px‐ Gudea_of_Lagash_Girsu.jpg>. Acesso: 22 fev. 2008. ................................................................................ 181 Fig. 142. Deusa Serpente de Creta. Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/6/66/Berninimedusa.jpg/270px‐ Berninimedusa.jpg>. Acesso: 22 fev. 2008. ............................................................................................... 182 Fig. 143. Górgona ou Medusa – obra de Bernini. JANSON, 1997. ......................................................................... 182 Fig. 144. Vishnu adormecido, em Kathmandu. Disponível em: <http://www.fotothing.com/photos/431/431b2c48a514e560f9b54e26b0d3b997.jpg>. Acesso: 2 set. 2008. .......................................................................................................................................................... 183 Fig. 145. Serpente cósmica de mil cabeças, com Shiva e Lakhmi – 1760 DC. PURCE 2003, 33. ............................ 183 Fig. 146. Cabeça de Mjölnir, o martelo de Thor. COTTERELL 1989, 167. ................................................................ 184 Fig. 147. Montículo da Grande Serpente, Adams County, perto de Locust Grove, Ohio, 300~400 a.C., aprox. 460 metros de comprimento. Disponível em: < http://cache.eb.com/eb/image?id=5529&rendTypeId=4>. Acesso: 2 set. 2008. ................................................................................................................................... 184 Fig. 148. “Biscione”, símbolo da cidade de Milão, fotografado na Estação Central. Disponível em: <http://www.redicecreations.com/winterwonderland/biscione.jpg>. Acesso: 23 maio 2008. ................ 185 Fig. 149. Imagem de Quetzalcoatl como uma serpente devorando um homem. Disponível em: <http://www.redicecreations.com/winterwonderland/quetzalcoatl1.jpg>. Acesso: 23 maio 2008. ....... 185 Fig. 150. Quetzalcoatl, “deus da vida” na cultura asteca, também venerado pelos toltecas e maias, é a serpente emplumada. Disponível em: <http://williamhenry.net/images/c2c_p3.jpg>. Acesso: 23 maio 2008. ..... 186 Fig. 151. Deusa asteca da Lua Serpente. Disponível em: <http://www.crystalinks.com/aztecserpentmoongod.jpg>. Acesso: 23 maio 2008. ................................ 186 Fig. 152. Uróboros de um manuscrito grego da Biblioteka Narodowa, Polônia. Disponível em: <http://gnosis.art.pl/iluminatornia/gnostyckie_roznosci/uroboros_manuskrypt_grecki.htm>. Acesso: 20 mar. 2007. .................................................................................................................................................. 187 Fig. 153. Uróboros em forma mista usada pelos alquimistas. Disponível em: <http://altreligion.about.com/library/graphics/masonic/bl_masonicemblems2.htm>. Acesso: 13 maio 2008. .......................................................................................................................................................... 187 Fig. 154. Na mitologia egípcia, o jovem sol aparece no horizonte, cercado pela uróboros que estabelece os limites do Cosmo, separando o tempo e o espaço tangível do meio líquido primordial. FRANCO 1996, 137. ................................................................................................................................................................... 188 Fig. 155. Hapy derramando a água de seus recipientes. Relevo do Templo de Isis, século 2 a.C. HAGEN 2002. .. 188 Fig. 156. Molécula do benzeno. Disponível em: <http://www.triplov.com/alquimias/ourobor.jpg>. Acesso: 12 ago 2008. ................................................................................................................................................... 188 Fig. 157. Dragão mordendo a própria calda. Desenho de M. C. Escher. ............................................................. 188 Fig. 158. A Anaconda ancestral [...] guiada pela divina pedra de cristal. REICHEL‐DOLMATOFF 1981, 79 apud NARBY 1998, 64. .................................................................................................................................................... 189 Fig. 159. Serpente Cósmica. CLARK 1959, 52 apud NARBY 1998, 102. ................................................................... 190 Fig. 160. Visão 03: Ayahuasca and Chacruna (1986). Pintura de Pablo Amaringo. LUNA; AMARINGO 1999........... 191 Fig. 161. Visão 17 – Vision of the Snakes (1987). Pintura de Pablo Amaringo. LUNA; AMARINGO 1999. ................ 192 Fig. 162. Visão 47: Electromagnetism of the Yana‐Yakumama (1988). Pintura de Pablo Amaringo. LUNA; AMARINGO 1999. .......................................................................................................................................... 193 Fig. 163. As esferas celestes. ALCHEMY & MISTICISM – TASCHEN............................................................................... 195 Fig. 164. Almas escalando o caminho para Deus, através das esferas celestes, nesse contexto similar ao símbolo da escada. PURCE 2003, 68. ........................................................................................................................ 195 Fig. 165. Cosmovisão descrita por um xamã. NARBY 1998, 111. .......................................................................... 196 Fig. 166. Visão 25: Vision of the planets (1986). Pintura de Pablo Amaringo. LUNA; AMARINGO 1999. ................. 197 Fig. 167. Visão 37: Searching for the lost soul (1987). Pintura de Pablo Amaringo. LUNA; AMARINGO 1999. ........ 198 Fig. 168. Encontro (1998). Óleo sobre tela, 80/80 cm de Alexandre Segrégio. Disponível em: <http://www.alexandresegregio.art.br/>. Acesso: 20 nov. 2007. ............................................................. 199 Fig. 169. Zigurate em Ur, Iraque. Disponível em: <http://www.atlastours.net/iraq/ur_ziggurat.jpg>. Acesso: 30 jun. 2008. ................................................................................................................................................... 201 Fig. 170. Minarete do Mosteiro de Samarra, Iraque, século 9. Purce 2003, 81. ................................................. 201 Fig. 171. Alice perseguindo o Coelho Branco na entrada do túnel. Disponível em: <http://farm1.static.flickr.com/136/341084516_4d21d2fc88.jpg?v=0>. Acesso: 3 mar 2009. ................ 202 Fig. 172. Passagem para o Inferno ‐ William Blake. Divina Comédia – WILLIAM BLAKE. ........................................ 202 Fig. 173. Subida ao Firmamento ou ao Mais Alto Céu – detalhe. Hieronymus Bosch. LEWIS‐WILLIAMS; PEARCE 2005, 129. ............................................................................................................................................................ 203 Fig. 174. Visão 18: Muraya Entering the Subaquatic World (1986). Pintura de Pablo Amaringo. LUNA; AMARINGO 1999. .......................................................................................................................................................... 206 Fig. 175. Visão 19: The World of the Yakuruna (1986). Pintura de Pablo Amaringo. LUNA; AMARINGO 1999. ...... 207 Fig. 176. Visão 21: The Sublimity of the Sumiruna (1987). Pintura de Pablo Amaringo. LUNA; AMARINGO 1999. . 208 Fig. 177. Visão 23: Spirits of Stones and Metals (1986). Pintura de Pablo Amaringo. LUNA; AMARINGO 1999. ..... 209 Fig. 178. Transparecer (1994). Óleo sobre tela, 50/60 cm de Alexandre Segrégio. Disponível em: <http://www.alexandresegregio.art.br/>. Acesso: 20 nov. 2007. ............................................................. 210 Fig. 179. Ascensão ao céu impedida pela miséria, doença, volúpia e a morte prematura. LURKER 2002, 212. ... 212 Fig. 180. O Sonho de Jacó. Pintura de William Blake. PURCE 2003, 77. ................................................................ 212 Fig. 181. Escada celeste, axis mundi para os índios Shipibo‐Conibo. Desenho baseado nas descrições do ayahuasqueiro José Chucano Santos. NARBY 1998, 63. .............................................................................. 213 Fig. 182. Visão 27 ‐ Spirits Descending on a Banco (1987). Pintura de Pablo Amaringo. LUNA; AMARINGO 1999.. 214 Fig. 183. Visão 36: Incorporation in a patient (1987). Pintura de Pablo Amaringo. LUNA; AMARINGO 1999.......... 215 Fig. 184. Visão 05: Receiving Shamanic Powers (1987). Pintura de Pablo Amaringo. LUNA; AMARINGO 1999. ..... 216 Fig. 185. Mistério da Natureza (1995). Óleo sobre tela, 90/70 cm de Alexandre Segrégio. Disponível em: <http://www.alexandresegregio.art.br/>. Acesso: 20 nov. 2007. ............................................................. 217 Fig. 186. Representação hipotética da Atlântida. Disponível em: <http://www.librarising.com/cosmology/images/atlantis.jpg>. Acesso: 5 dez. 2006. ............................. 219 Fig. 187. Stonehenge. Disponível em: <http://abyss.uoregon.edu/%7Ejs/images/stonehenge_sunset.gif>. Acesso: 11 set 2008. .................................................................................................................................. 219 Fig. 188. O Círculo Mágico, pintura de John William Waterhouse, mostrando o círculo sendo traçado em um ritual de magia. Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/archive/f/f8/20080612044545!John_William_Waterh ouse_‐_Magic_Circle.JPG>. Acesso: 26 out 2008....................................................................................... 220 Fig. 189. Templos antigos de forma circular são bastante comuns. Acima, foto de Stonehenge. Disponível em: <http://abyss.uoregon.edu/~js/images/stonehenge_sunset.gif>. Acesso: 13 maio 2008. ....................... 220 Fig. 190. Circum‐ambulação em torno da Caaba, em Meca. Disponível em: <http://i98.photobucket.com/albums/l280/kachina2012/Meccaspedup.jpg>. Acesso: 13 ago. 2008..... 221 Fig. 191. Visão 13: In Connection with Healers in Time and Space (1987). Pintura de Pablo Amaringo. LUNA; AMARINGO 1999. .......................................................................................................................................... 222 Fig. 192. Bailado no Céu do Mapiá. Disponível em: <http://www.santodaime.eu/images/site/730x300/730x300_hinario.jpg>. Acesso: 07 mar. 2007. ....... 222 Fig. 193. Abertura do Salão. As mulheres caminham na parte interna e os homens na parte externa do círculo. Disponível em: <http://www.abarquinha.org>. Acesso: 18 ago. 2008...................................................... 223 Fig. 194. Disposição do salão na UDV e os uniformes usados. Disponível em: <http://revistagalileu.globo.com/Revista/Galileu/foto/0,,14749330,00.jpg>. Acesso: 13 ago. 2008....... 223 Fig. 195. Visão 31: Cungatuya (1987). Pintura de Pablo Amaringo. LUNA; AMARINGO 1999. ................................ 224 Fig. 196. Figura mandálica em espiral, na cúpula da igreja de Parma, pintada por Correggio. Disponível em: <http://www.ceticismoaberto.com/img/Cupola.jpg>. Acesso 14 fev. 2007. ............................................ 226 Fig. 197. Mandala em areia dos índios Navajos. PURCE 2003, 41......................................................................... 227 Fig. 198. Mandala dos índios mexicanos Huichol criadas sob inspiração do peiote. Disponível em: <http://www.indigoarts.com/gallery_huicholart1.html>. Acesso: 23 mar. 2007. .................................... 227 Fig. 199 e Fig. 200. Mandalas espiraladas pintadas por Fernando Diniz – Acervo Museu de Imagens do Inconsciente. Disponível em: <http://www.museuimagensdoinconsciente.org.br/colecoes/F‐DINIZ‐0529‐ DV‐IN‐D2.jpg>. Acesso: 25 out. 2008. ........................................................................................................ 228 Fig. 201. Mandala Chakrasamvara. Disponível em: <http://www.dharmanet.com.br/mandala/chakrasamvaramandala.jpg>. Acesso: 21 set 2008.............. 229 Fig. 202. Figura mandálica em Milton de William Blake...................................................................................... 229 Fig. 203. Mandalas desenhadas por pacientes de Jung. JUNG 2007. ................................................................... 229 Fig. 204. Visão 30: Detalhe da pintura Kapukiri (1988). Pintura de Pablo Amaringo. LUNA; AMARINGO 1999....... 230 Fig. 205. Visão 39: Recovering a Young Man Kidnapped by a Yakuruna (1986). Pintura de Pablo Amaringo. LUNA; AMARINGO 1999. .......................................................................................................................................... 231 Fig. 206. Detalhes de pinturas de Pablo Amaringo mostrando círculos mandálicos. LUNA; AMARINGO 1999. ...... 232 Fig. 207. Mosaico Romano em Conímbriga, Portugal. Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/9/9e/Con%C3%ADmbriga_minotauro.jpg/240 px‐Con%C3%ADmbriga_minotauro.jpg>. Acesso: 5 mar. 2007. ................................................................ 234 Fig. 208. Labirinto em forma de cruz no piso da catedral de Amiens. Disponível em: <http://www.mtholyoke.edu/acad/intdept/pnp/images/labyrinth.jpg>. Acesso: 5 mar. 2007. .............. 234 Fig. 209. Labirinto da Catedral de Chartres. Século 13. Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/68/Labyrinth_at_Chartres_Cathedral.JPG>. Acesso: 5 mar. 2007. ............................................................................................................................................... 234 Fig. 210. Vaso Etrusco do século 7 a.C. Disponível em: <http://www.alifeprolifique.com/USERIMAGES/thumb_etruscan%20vase.jpg>. Acesso: 5 mar. 2007. .. 234 Fig. 211. Moeda de Cnossos, Creta. Aprox. 3000AC. PURCE 2003, 111. ............................................................... 235 Fig. 212. Símbolo Hopi da Mãe‐Terra. DOCZI 2006, 25......................................................................................... 235 Fig. 213. Outras moedas cretenses. Disponível em: < http://www.alifeprolifique.com/USERIMAGES/coinslab(1).jpg >. Acesso: 17 jul. 2008............................ 235 Fig. 214. Desenho encontrado em um pilar em Pompéia, na casa de Lucretius. 79 a.C. PURCE 2003. ................ 235 Fig. 215. Labirinto escavado em Rocky Valley, cerca de Tintagel, Cornwall.1800 a.C. Disponível em: <http://www.labyrinthos.net/images/rockyv4.jpg>. Acesso: 17 jul. 2008................................................ 236 Fig. 216. Detallhe do labirinto da foto ao lado. ................................................................................................... 236 Fig. 217. The Rape of Europa (2006). Óleo sobre tela, 80/50 cm de L. Caruana. Disponível em: <http://www.lcaruana.com/webmedia/europa.media/europa.nov08.300dpi.500.jpg>. Acesso: 13 out. 2008. .......................................................................................................................................................... 237 Fig. 218. Labyrinth der Sehnsucht – Labirinto do Desejo (2004). Óleo sobre tela, 80/60 cm de Martin Oscity. Disponível em: < http://www.visionart‐malerei.de/>. Acesso: 17 out. 2008. ........................................... 238 Fig. 219. Labirinto. Óleo sobre tela de Rudolf Hausner. Disponível em: <http://www.gnosis.art.pl/iluminatornia/sztuka_o_inspiracji/rudolf_hausner/rudolf_hausner_labirynt_1 991.jpg>. Acesso: 12 nov. 2007. ................................................................................................................ 239 Fig. 220. Trânsito em Espiral (1962). Óleo sobre masonite, 100/115 cm de Remedios Varos. Disponível em: <http://www.artknowledgenews.com/files2008/LH_1‐Spiral_Transit.jpg>. Acesso: 10 out. 2008. ......... 239 Fig. 221. Insomnio (1947). Gouache sobre cartolina, 28/22 cm de Remedios Varo. Disponível em: <http://www.remediosvaro.biz/insomnio.htm>. Acesso: 10 out. 2008.................................................... 240 Fig. 222. Birthday (1942). Óleo sobre tela, 102/65 cm de Dorothea Tanning. Disponível em: <http://www.bluffton.edu/womenartists/womenartistspw/tanning/birthday.jpg>. Acesso: 10 out. 2008. ................................................................................................................................................................... 240 1 INTRODUÇÃO Many of science’s central ideas seem to come from beyond the limits of rationalism. JEREMY NARBY (1998) Apesar de eu haver feito todas essas advertências, continuo a considerar que a primeira tarefa da lógica do conhecimento é a de elaborar um conceito de ciência empírica, de maneira a tornar tão definida quanto possível uma terminologia até agora incerta, e de modo a traçar uma clara linha de demarcação entre ciência e idéias metafísicas – ainda que essas idéias possam ter favorecido o avanço da ciência através de sua história. KARL POPPER (1994) Este trabalho parte da premissa básica de que, em certos estados de consciência, tais como os facilitados pela ingestão da ayahuasca,2 os indivíduos costumam ter visões. Essas visões, nos primeiros estágios do efeito da bebida, se apresentam como formas geométricas luminosas diversas, porém, nos estágios mais avançados, podem sofrer transformações. É comum, nesse estado, o indivíduo sentir-se em contato com uma realidade distinta, diferente da realidade cotidiana, normalmente associada a alguma forma de contato espiritual. As visões iniciais podem dar lugar ao aparecimento de cenas complexas, que se prestam à atribuição de significados diversos. Por exemplo, na transição do estado ordinário para o não ordinário de consciência, a visão de um vórtice pode dar a sensação de passagem por um túnel que liga o mundo material ao mundo espiritual. Essa visão pode se converter na imagem de uma escada em espiral pela qual se sobe deste para um “outro mundo”. Os xamãs,3 através de suas experiências de transe, fazem o papel de intermediários entre o mundo material e o espiritual nas culturas em que estão inseridos. Provavelmente isso tem sido assim desde a pré-história. Esses xamãs podem vir a expressar suas visões servindo-se do desenho ou da pintura da mesma 2 Explanações gerais sobre o que é a ayahuasca e suas propriedades estão presentes no primeiro capítulo. 3 Maiores detalhes ver seção 2.1. 2 forma que fazem os artistas visionários4 contemporâneos. Há diversos exemplos desse pressuposto ao longo da tese. Em razão disso, dentre todas as formas geométricas freqüentes nas visões, para o presente estudo foram escolhidas as espirais e os vórtices e sua presença desde a pré-história até a arte contemporânea. Abranger recortes de um período histórico “tão vasto”, não é o foco da tese, não é isso que está sendo trabalhado. Buscam-se as espirais e os vórtices nas obras visuais e sua associação com os estados não ordinários de consciência. As diversas imagens de várias épocas servem como testemunho concreto de que o fenômeno em si é atemporal, mas sofre a ação da cultura local, esta, sim, temporal. A tese procura demonstrar a similaridade entre os trabalhos de representação visual e as experiências de transe, tanto de xamãs como de artistas visionários, experiências nas quais aparecem espirais, vórtices e imagens deles derivadas. Foram propostas perguntas que guiassem o desenvolvimento da pesquisa. As respostas e devidas reflexões estão nas Considerações Finais da tese: 1. A presença desses elementos está necessariamente ligada a estados não ordinários de consciência através do uso de substâncias psicoativas? 2. Como se trata de trabalhos inspirados nas visões obtidas em estados não ordinários de consciência, essas visões fazem parte de um universal humano, ou seja, comum para todas as pessoas, independentemente de sua cultura? 3. Os artistas, ao colocarem certos elementos simbólicos nos seus trabalhos, estão conscientes do significado desses símbolos (ou mesmo da possível universalidade de alguns deles)? 4. Se esses elementos visuais estão associados a estados não ordinários de consciência, há alguma forma de confirmar tal pressuposto apenas vendo a obra? 5. É possível reconhecer a Arte Visionária como um estilo específico de um fazer artístico aplicável à História da Arte? 6. Devido a que as representações artísticas dentro da Arte Visionária comumente tocam temas místicos e religiosos, as experiências vividas nos estados não ordinários de consciência são indícios seguros de contato com uma realidade válida, diferente do mundo objetivo, material, considerado de natureza espiritual? 4 Chamados aqui de visionários por causa da característica de pintarem suas visões. 3 Através de dicionários especializados em símbolos como Baines; Málek (1984), Cirlot (1984), Gibson (1995), Biedermann (1996), Cotterel (1996), Chevalier; Gheerbrant (1999), Bruce-Mitford (2001), mais as referências encontradas em autores como Reichel-Dolmatoff (1968), Furst (1976), Guimbutas (1982), Campbell (1991), Narby (1998), Doczi (1990), Shanon (2002), Eliade (2002), Purce (2003), Lewis-Williams (2004), Lewis-Williams; Pearce (2005) e Ward (2006), descobriu-se que as espirais e vórtices permitem um grande número de associações simbólicas dependendo da época e da cultura5 em questão. Dos trabalhos dos pesquisadores supracitados foram selecionados oito tipos de imagens que aparecem freqüentemente associadas entre si, às vezes por seu significado, às vezes por sua forma: [1] As espirais propriamente ditas: simples, duplas e triplas; [2] Serpentes; [3] Esferas; [4] Túneis; [5] Escadas; [6] Círculos; [7] Mandalas e [8] Labirintos. Buscaram-se, então, essas imagens principalmente nas obras de artistas visionários como Pablo Amaringo (1943 – Peru) e Alexandre Segrégio (1959 – Brasil), assim como dos artistas L. Caruana (1962 – Canadá), Andrew Gonzalez (1963 - Estados Unidos), Mark Henson (1952 – Estados Unidos), Christian Rätsch (1957 – Alemanha), Martin Oscity (1949 – Eslováquia) e John Robinson (1935/2007 – Inglaterra), e também na arte indígena de povos amazônicos como alguns da língua Tukano e dos Shipibo-Conibo.6 Além dessas representações simbólicas, procurou-se mostrar as espirais e imagens derivadas em outros contextos na natureza e na ciência, assim como na história da arte, pois, ao nos depararmos com as espirais desde a pré-história, foi possível identificar e seguir pegadas desse tipo de manifestação artística até a atualidade. Procurou-se, nesse quesito, dar um recorte na história, principalmente, pelo viés da arte ocidental. As espirais e imagens associadas nesses contextos 5 Cultura entendida aqui como fruto de costumes, tradição, educação, difusão de hábitos e práticas de caráter comum em uma sociedade. Para Geertz, o conceito de cultura “denota um padrão de significados transmitidos historicamente, incorporado em símbolos, um sistema de concepções herdadas expressas em formas simbólicas por meio das quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relação à vida” (GEERTZ 1989, 66). Ou então, conforme citado por Wilson, em 1952 Alfred Kroeber e Clyde Kluckhohn reuniram 164 definições de cultura nesta única: “Cultura é um produto; é histórica; inclui idéias, padrões e valores; é seletiva; é instruída; baseia-se em símbolos; e é uma abstração do comportamento e dos produtos do comportamento” (WILSON 1999, 124). 6 A escolha desses povos se deu pelo referencial teórico usado, que inclui Reichel-Dolmatoff (1968), Harner (1973), Furst (1976), Schultes; Hofmann (2000), Lewis-Williams; Pearce (2005), Vidal (2007), Langdon (2007), etc. 4 certamente serviram de inspiração para muitas manifestações artísticas, sejam elas autênticas experiências de estados não ordinários de consciência ou apenas pela beleza ornamental e decorativa que possuem. A pesquisa abre um leque de indagações sobre o tema, no qual se mostra apenas como a ponta de um grande iceberg, permitindo, a partir desses dados, várias outras pesquisas no futuro, tal como indicado no final da tese. MÉTODO Muitos dos grandes sistemas espirituais são produtos de milênios de profundas explorações sobre a consciência e a psique humana, o que de muitas formas se assemelha à pesquisa científica. Estes sistemas oferecem instruções detalhadas dos métodos de induzir experiências espirituais sobre as quais baseiam suas convicções filosóficas. [...] Estes são exatamente os estágios necessários para se alcançar um conhecimento sólido e confiável em qualquer área de empreendimento científico. É muito estimulante o fato de essas conclusões, embora frontalmente conflitantes com nossa sociedade tecnológica moderna, serem totalmente concordantes com a realidade encontrada em todas as tradições espirituais universais, as quais o escritor e filósofo anglo-americano Aldous Huxley chamou, em 1945, de "Filosofia Perene". A Psiquiatria Ocidental descartou as tradições místicas como “irracionais e não científicas", porém elas são o produto de milênios de profundas explorações sobre a Consciência. STANISLAV GROF (1999) Esta tese constitui um estudo descritivo sobre a arte realizada através da inspiração derivada de experiências em ENOC produzidos pela ayahuasca. Para isso, primeiramente serão vistos e delimitados os conceitos do que é entendido no contexto da tese como arte e como consciência. “Uma coisa que realmente não existe é aquilo a que se dá o nome de Arte. Existem somente artistas” (GOMBRICH 1981, 04). Sem dúvida, essa continua sendo uma boa conceituação, além de conveniente e pertinente nesta tese. A imensa e variada produção artística humana, que já conta milênios, dificulta fechar uma definição que atenda todos os tipos de manifestações artísticas. Porém, uma conceituação bastante aceitável encontra-se em Calabrese: Uma qualidade intrínseca de certas obras produzidas pela inteligência humana, isto é, constituídas em geral só por materiais visuais, que manifeste um efeito estético, conduza a um juízo de valor sobre as obras em si ou sobre os seus conjuntos ou sobre os seus autores, e que dependa 5 de técnicas específicas ou de modalidades de produção das próprias obras (CALABRESE 1986, 8). Quando se observa o percurso da arte, desde o estilo Gótico no século 12 até os movimentos de arte moderna do século 20, nota-se que as expressões artísticas se desenvolveram em contraposição aos movimentos anteriores, negando alguns dos valores antigos e se aventurando na busca de novos. De modo geral, os movimentos artísticos se intercalavam entre tendências com ênfase racional, antropocêntrica e outros com maior ênfase no emocional, teocêntrica (ver seção 5.2 – Recorte na História da Arte Ocidental). Podemos conceituar aqui a Arte Visionária com quaisquer realizações visuais, bi ou tridimensionais, realizadas em qualquer técnica ou suporte, desde as tradicionais até as novas mídias eletrônicas, cinema ou animação, estáticas ou cinéticas, onde o artista, a pessoa que realiza esse trabalho, procura representar as visões obtidas em estados não ordinários de consciência. Não se discute aqui a subjetividade relacionada ao gosto, ao valor estético, boa ou má arte, arte maior ou arte menor, contexto contemporâneo ou atemporal, nem estilos ou técnicas artísticas marcantes e inovadoras. Todavia, há algumas características mais comuns presentes na Arte Visionária mostradas no Quinto Capítulo: História da Arte Visionária. O valor hierárquico, que pode ser levado em consideração entre o objeto e a obra de Arte Visionária, está principalmente na capacidade e na habilidade do artista em conseguir traduzir e materializar em trabalhos visuais as suas experiências em estados não ordinários de consciência, ou seja, as visões obtidas nesses estados. Para se evitar uma massiça discussão, a conceituação de consciência, primeiramente a de consciência ordinária, isto é, a consciência do dia-a-dia, dita “normal”, pode ser compreendida aqui como: “os estados de conhecimento ou percepção que começam quando acordamos de manhã depois de um sono sem sonhos e continuam durante o dia até que adormeçamos novamente” (SEARLE 2000, 45). Portanto, o que é chamado aqui de consciência ordinária são os estados mentais presentes no indivíduo quando este está totalmente desperto, em vigília, ou seja, aquele em que se pode caminhar, conversar, se relacionar, produzir, trabalhar e realizar tarefas diversas, interagir com seus próprios pensamentos, sentimentos, com as pessoas e o mundo ao seu redor. Entre o estado de vigília e o do sono profundo inconsciente há outros estados intermediários, como o do devaneio, o hipnagógico e o dos sonhos. O presente estudo, porém, investiga os estados não 6 ordinários de consciência,7 assumindo, portanto, que devam possuir características particulares que os diferenciem da consciência ordinária. Falar em ordinário e não ordinário não deve ser visto como tendo algum sentido de valor ou de algo especial ou superior, é definido apenas como de “outro tipo”. As diferenças entre os dois modos de consciência estão descritos no Segundo Capítulo: O Espírito – Estados Não Ordinários de Consciência. Admite-se que a consciência dependa de fatores biológicos para se manifestar, sem que isso signifique algum tipo de determinismo neurobiológico, pois a experiência será mediada pela cultura. De fato, a ayahuasca, em sua composição química, possui substâncias que agem sobre os neurotransmissores no cérebro, de modo que o caráter biológico está presente. Porém, as investigações da tese se concentram na produção artística realizada através de estados não ordinários de consciência, não fazendo especulações profundas, apenas suficientes, dos possíveis mecanismos biológicos aí implícitos sobre o tema. O conceito de “inconsciente coletivo”, que pode ser usado para explicar a semelhança ou “universalidade” 8 dos símbolos encontrados em culturas distantes, também é reconhecido aqui, primeiramente, por seu caráter biológico. Para antropólogos como Clifford Geertz, a questão dos universais não pode ser tratada sem os aspectos que envolvem o ser humano como um todo “em processos particulares biológicos, psicológicos ou sociológicos” (GEERTZ 1989, 30), embora reconheça a tremenda dificuldade da tarefa, pois, “uma vez que a cultura, a psique, a sociedade, o organismo são convertidos em “níveis” científicos separados, completos e autônomos em si mesmo, é muito difícil reuni-los novamente” (GEERTZ 1989, 30), o que torna fundamental estudos inter e transdisciplinares sobre o tema. Os universais podem ser mais bem compreendidos em questões como “Nossa capacidade de falar é inata certamente, nossa capacidade de falar inglês, porém, é sem dúvida cultural” (GEERTZ 1989, 36). Se culturas completamente diferentes 7 Deve-se ressaltar que não ordinário, considerado como diferente do ordinário “normal”, não se refere de forma nenhuma a estados considerados patológicos que, embora certas vezes apresentem semelhanças, não serão o foco do presente estudo. 8 Para Jung, os universais, “aquilo que não é individual, mas universal” (2007, 15), “os mesmos em toda a parte e em todos os indivíduos”, é o conceito de arquétipo. Arquétipos são “os conteúdos do inconsciente coletivo”, ou seja, aquilo que é universal a todos os seres humanos, independentemente do contexto cultural dos indivíduos envolvidos, aquilo que é absolutamente inato, um “substrato psíquico comum de natureza psíquica suprapessoal que existe em cada indivíduo”. Os conteúdos desse inconsciente coletivo são definidos como imagens primordiais, aquelas “que existiam desde tempos mais remotos”. 7 podem compartilhar os mesmos símbolos, é muito mais razoável lembrar que, antes disso, compartilham a mesma natureza humana. Reforçando um pouco mais a ligação de arquétipo com aspectos biológicos, encontramos em Campbell: São idéias elementares, que poderiam ser chamadas idéias “de base”. Jung falou dessas idéias como arquétipos do inconsciente. “Arquétipo” é um termo mais adequado, pois “idéia elementar” sugere trabalho mental. Arquétipo do inconsciente significa que vem de baixo. [...] O inconsciente freudiano é um inconsciente pessoal, biográfico. Os arquétipos do inconsciente de Jung são biológicos. O aspecto biográfico é secundário, no caso (CAMPBELL 1991, 62). Portanto, é possível se apropriar dessa explanação e considerar que as espirais e os vórtices, mais do que “idéias de base”, pois não aparecem de um trabalho mental, estão na “base de algumas idéias”, como “arquétipos” ou, mais ainda, “base de arquétipos”, onde a cultura pode extrair dessa base uma série de associações e tentar dar sentidos a elas, como se perceberá nas obras artísticas e nas experiências relatadas no trabalho. Em relação à escolha da ayahuasca, dentre os muitos psicoativos, que se prestariam à pesquisa, esta se deu por três razões distintas: [1] o grande número de pesquisas disponíveis sobre o assunto; [2] por ser a ayahuasca liberada no Brasil para fins religiosos numa visível expansão pelo país todo e, por fim, [3] pelo meu próprio envolvimento durante quase cinco anos de participação na União do Vegetal, UDV (agosto de 2003 a junho de 2008), o que me tornou, dessa forma, num observador participativo. Desde as sessões iniciais, foram feitas anotações na manhã seguinte sobre as vivências da noite anterior. Assim, ao longo do tempo, foi possível acompanhar minhas próprias experiências, desde a quantidade de ayahuasca bebida até as reações e mirações9 encontradas. Foram anotadas 121 sessões no total, numa média de duas sessões por mês, sendo que 14 foram participações fora do âmbito da UDV e apenas duas realizadas sozinho. Dessa forma, foi possível comparar algumas experiências pessoais, inclusive artísticas, aos depoimentos recebidos e às descrições na literatura que foram usadas como referencial teórico, e trocar informações diretamente com alguns artistas visionários citados. 9 Miração é o termo usado pelos ayahuasqueiros de maneira geral dentro das religiões brasileiras como a União do Vegetal, o Santo Daime e a Barquinha. Para não usar o termo alucinação, optou-se simplesmente por miração. É possível que miração venha do espanhol mirar, que significa ver, olhar. Foi usada a palavra miração principalmente quando as experiências estão associadas à ayahuasca. 8 A leitura dos trabalhos artísticos se baseou no método usado por LewisWilliams (2004), que são os três estágios descritos como [1] Entóptico, [2] Construal e [3] Visões Completas. A partir das imagens das espirais e vórtices, foram selecionadas as oito categorias derivadas que serão descritas no Sexto Capítulo: A Arte Visionária e a Ayahuasca. Primeiramente, serão vistas as obras antigas; em seguida as obras escolhidas dos artistas visionários ayahuasqueiros; depois, alguns exemplos com artistas não ayahuasqueiros e, finalmente, alguns depoimentos de ayahuasqueiros artistas ou não, arrolados no apêndice no final da tese. DESCRIÇÃO DOS CAPÍTULOS O Primeiro Capítulo – A Matéria: O Chá Misterioso – apresenta o que é essa bebida do ponto de vista botânico, ou seja, as plantas envolvidas no seu preparo e as substâncias químicas que atuam junto aos neurotransmissores no cérebro. Nesse capítulo, não se atribui nenhum significado especial que a ayahuasca possa ter como caráter sagrado ou divino em alguma cultura ou religião. O Segundo Capítulo – O Espírito: Estados não Ordinários de Consciência – descreve o que são e as principais características desses estados de consciência associados ao xamanismo; os efeitos da ayahuasca na psique e as visões mais comuns encontradas, além da descrição da metodologia seguida na leitura das imagens. O Terceiro Capítulo – O Histórico: Gerações Ayahuasqueiras – tem como objetivo mostrar o uso da ayahuasca em quatro momentos históricos que importam principalmente no que concerne à difusão da bebida por todo o Brasil: [1] primeiramente, com os povos amazônicos que podem ser considerados os introdutores dessa prática, [2] seguidos pelos mestiços ou vegetalistas ribeirinhos; [3] em terceiro, os seringueiros brasileiros que, a partir do contato com ayahuasqueiros na Amazônia, fundaram algumas das principais religiões que usam a ayahuasca em seus rituais no Brasil e, finalmente, [4] a expansão pelo Brasil todo e outros grupos que se formaram a partir dessa expansão. O referencial deste capítulo se apóia em pesquisadores principalmente dentro da antropologia. Estão 9 presentes, sucintamente, alguns mitos da ayahuasca entre os povos indígenas e religiões brasileiras, assim como trabalhos artísticos Tukano e Shipibo. O Quarto Capítulo – Espirais na Natureza e na Ciência – tem como intenção descrever a presença das espirais no reino mineral, animal e vegetal, assim como em alguns fenômenos naturais. São vistas algumas relações das espirais na Matemática e na Física, além de um resumo de estudos neurológicos que explicam a presença desses elementos nas visões como nas enxaquecas. Dessa forma, permitimo-nos inferir que a grande recorrência dessas imagens nas representações visuais talvez seja como uma via de mão dupla, onde tanto elementos externos, vistos na natureza, como os internos, neurofisiológicos, influenciam na produção artística. Seria possível trazer uma quantidade muito maior de exemplos, mas acreditou-se que os exemplos dados ilustram já um universo bastante grande dessas manifestações. O Quinto Capítulo – História da Arte Visionária – estabelece um recorte na história da arte ocidental, onde é possível encontrar alguns artistas com características visionárias, na intenção de criar um conceito mais claro do que é e quais os objetivos dessa forma de expressão. Esse capítulo traz também uma aproximação inicial entre Arte Visionária e a ayahuasca e apresenta alguns dos artistas escolhidos pelas suas obras e importância dentro do que se entende por Arte Visionária. O Sexto Capítulo – As Espirais no Passado e no Presente – apresenta as espirais e as imagens delas derivadas na produção artística e religiosa desde a antiguidade. O material encontrado é mostrado em seguida nas obras de artistas visionários da atualidade que produzem obras inspirados nas suas visões com a ayahuasca principalmente, mas, como no Quinto Capítulo, serão mostradas obras de artistas com outros tipos de experiências também. A escolha dos artistas, que já aparecem no capítulo anterior, seguiu o seguinte critério de relevância: Pablo Amaringo10 se tornou um ícone mundial como artista visionário; é peruano, ligado aos costumes xamânicos vegetalistas, associado ao que está sendo chamado na tese de 2ª geração do uso da ayahuasca. Alexandre 10 As descrições das imagens das obras de Amaringo, no sexto capítulo, onde há muitos nomes de plantas, animais e seres, são todas baseadas no livro de autoria de Luis Eduardo Luna, co-orientador do presente trabalho, com o próprio Pablo Amaringo: Ayahuasca Visions – The Religious Iconography of a Peruvian Shaman. A leitura das imagens aqui está reduzida às categorias estudadas na tese, o livro traz descrições bem mais completas das visões. 10 Segrégio, um dos mais conhecidos artistas visionários brasileiros, é sócio da União do Vegetal, 3ª geração do uso da ayahuasca. Portanto, dentro do tema Arte Visionária e Ayahuasca, esses dois artistas preenchem os requisitos. O pintor e escritor L. Caruana, canadense residente atualmente em Paris, foi o criador do Manifesto da Arte Visionária, na verdade um organizador das idéias sobre esse tipo de arte. Pode ser considerado a 4ª geração, pois não está ligado a nenhum grupo ayahuasqueiro propriamente dito, tendo experiências isoladas com a bebida. Andrew Gonzalez, pintor americano, serve como exemplo paralelo com outro tipo de substância psicoativa usada, a psilocibina. Mark Henson e Christian Rätsch, como exemplos de substância sintética, o LSD. Martin Oscity aparece como visionário que busca inspiração em diversas fontes, sem o uso de psicoativos. Finalmente, John Robinson, com material de pesquisa em seu trabalho bastante similar ao da tese quanto às formas de espirais e vórtices, mas sem entrar nas investigações de estados não ordinários de consciência. O material presente no Apêndice trata de depoimentos gravados ou mandados por e-mail de pessoas que beberam a ayahuasca e descrevem suas experiências nos estados não ordinários de consciência, assim como onze anotações pessoais entre 2003 e 2008. Nem todos os depoimentos presentes no apêndice aparecem descritos no corpo da tese, porém, após a leitura da mesma, será possível identificar os elementos tratados no texto de forma muito rica nas falas dessas pessoas. Diversos depoimentos mostram a importância da primeira experiência. Ao beber a ayahuasca pela primeira vez em religiões como o Santo Daime ou a União do Vegetal, o indivíduo não é “poupado” por sua inexperiência, não bebe menos que os demais por isso; geralmente bebe-se a ayahuasca em um “copo cheio”, salvo exceções. As tentativas de controlar a experiência bebendo menos, “para ver o que acontece”, dificilmente levarão às experiências aqui relatadas. Parece ser o mesmo caso das experiências descritas no ritual do Iboga africano (Buiti), onde, justamente no primeiro contato, o neófito é levado ao extremo, ao limite, sendo que nas sessões seguintes, depois da iniciação, pode consumir quantidade menor (sobre o Iboga ver SAMORINI 2005; HANCOCK 2007). Para preservar a privacidade, foram omitidos os nomes das pessoas nos depoimentos gravados, assim como partes das conversas de caráter mais particular. Algumas palavras que se tornaram incompreensíveis pela presença de ruídos, som indefinido, pronúncia ambígua ou outras variáveis que dificultaram o 11 reconhecimento, foram representadas por três pontos entre colchetes: [...]. Este mesmo símbolo foi usado também nas partes da conversa omitidas propositalmente. Todas as pessoas puderam ler as transcrições antes de serem as entrevistas colocadas definitivamente na tese; portanto, estão devidamente autorizadas.11 As gravações estão arquivadas em um CD como documento. Os depoimentos e entrevistas por e-mail foram colocados aqui tais quais foram recebidos, sem correções. O Anexo é uma relação de variedades de Banisteriopsis caapi tirado do herbário da Universidade de Michigam. 11 Apesar de não constar o nome dos entrevistados, esse cuidado pareceu importante para todos. 12 1. A MATÉRIA: O CHÁ “MISTERIOSO” A palavra ayahuasca12 é de origem quíchua,13 onde aya significa morto, espírito, ancestral e huasca (waska) significa cipó (LUNA 1996, 45). Portanto, uma possível tradução para ayahuasca é “cipó das almas” ou “cipó dos espíritos”. A ayahuasca tem importante papel na vida religiosa e cultural de numerosas tribos que vivem no noroeste do Amazonas, nas planícies do Orinoco e nas Terras Baixas do Pacífico desde o Panamá, Colômbia até o Equador (LUNA 1996, 45). A ayahuasca é uma bebida com propriedades psicoativas que está colocada no mesmo grupo de outras substâncias similares por seus efeitos (e.g.,a ibogaína, a mescalina, o LSD, etc). Essas substâncias são consideradas alucinógenas, mas também, através do neologismo criado pelos pesquisadores Jonathan Ott, Gordon Wasson e Carl A. P. Ruck, podem ser chamadas de enteógenas (OTT 1993, 15). O termo enteógeno, que também pode ser lido como “o que gera experiência interna do divino”, tem sido usado para desviar os preconceitos que alucinógeno carrega como algo gerador de perturbações mentais ou meramente psicopatológico. Alucinógenos estão associados ao conceito vulgar de droga, termo também carregado de pejorativos. As propriedades psicoativas da ayahuasca não podem ser consideradas apenas alucinógenas ou psicodélicas.14 Muitos dos conteúdos envolvem experiências bastante reais da vida do indivíduo. Ela pode, sim, ser considerada enteógena, mas esse termo também limita a vivências de natureza espiritual, o que nem sempre acontece. O termo psicomimético ou psicodisléptico, que “imita a loucura”, tampouco dá idéia dos efeitos da bebida. Há o termo psicointegrador, mais abrangente, significando: “o papel simultaneamente terapêutico, religioso, espiritual e medicinal destas plantas tem implicações para o entendimento tanto da natureza da consciência humana como para o espiritual” 12 A ayahuasca recebe várias denominações conforme o grupo e região: caapi, dapa, mihi, yajé, kahi, natema, pindé (SCHULTES; HOFMANN 2000, 124) além de nixi pae, shori, kamarampi, Vegetal, Santo Daime (LUNA 1996, 126) e de Hoasca, no contexto da União do Vegetal, entre outros. Uma grande relação de nomes se encontra no sítio http://www.biopark.org/ayahuasca.html 13 Língua indígena, ainda hoje falada nos países da cordilheira dos Andes, do Chile à Colômbia, especialmente no Equador e Peru. Foi a língua falada no antigo império inca (HOUAISS 2001). 14 O “psicodelismo” ficou associado ao uso do LSD nas décadas de 1950/1960. O termo psicodélico é composto pelas palavras gregas psyche (psique - alma) e dêlos (visível, evidente). Pode ser entendido como tornar visível, mostrar, fazer ver, manifestar. 13 (WINKELMAN 1996, 20 apud LUNA 2005, 339). O toxicólogo alemão Louis Lewin utilizou o termo phantastica para essa classe de psicoativos,15 porém, devido à complexidade dos efeitos dessas substâncias, nenhum dos termos consegue descrever por completo seus efeitos psicofisiológicos (SCHULTES; HOFMANN 2000, 12). Dadas essas explanações, optou-se por usar simplesmente o termo genérico psicoativo na tese, mas subentendendo toda a complexidade que um termo, por si só, da mesma maneira que os demais supracitados, não é capaz de dar conta. Este capítulo tem como objetivo descrever o que é a ayahuasca, sua botânica, modo de preparo e suas características químicas principais. 1.1. BOTÂNICA A ayahuasca16 é uma bebida preparada pela decocção de duas plantas naturais da floresta amazônica: o cipó malpighiáceo Banisteriopsis caapi (popularmente chamado de mariri17 ou jagube) e as folhas do arbusto rubiáceo Psychotria viridis (popularmente chacrona ou folha-rainha).18 Estas plantas, assim como outras de propriedade similar, são chamadas de plantas professoras por causa das informações compartilhadas por elas e seus usuários (LUNA 1983, 04). O Banisteriopsis caapi e a Psychotria viridis não são as únicas combinações possíveis. Outros cipós da mesma família podem ser usados na 15 Lewin (1998, 26) divide os psicoativos em cinco grupos: euphorica, phantastica, inebriantia, hypnotica e excitantia. Hofmann, baseado em Lewin, os divide em analgésicos e eufóricos (ópio, cocaína), tranqüilizantes (reserpina), hipnóticos, (kava-kava) e alucinógenos ou psicodélicos (peiote, mescalina, ayahuasca, maconha, LSD). É possível dividir os psicoativos em três grupos básicos: os estimulantes, que aceleram o funcionamento do cérebro (anfetaminas, cocaína, cafeína), os depressores, que diminuem a velocidade do cérebro (álcool, barbitúricos, narcóticos, opiáceos) e os perturbadores: são os que modificam o funcionamento do cérebro (mescalina, peiote, LSD, ayahuasca). 16 Para algumas tribos amazônicas, o nome se refere tanto ao cipó como à bebida já preparada, onde diversas plantas podem ser acrescentadas para conseguir outros efeitos. 17 Para os índios, o nome mariri (yachay) se refere a uma substância mágica essencial que os xamãs do Alto Amazonas e os praticantes ribeirinhos devem possuir, ligado aos conceitos de poder de cura e bruxaria (LUNA 1996, 14). 18 Essas são as plantas mais usadas em religiões brasileiras como o Santo Daime, a Barquinha e a União do Vegetal. 14 preparação da bebida como, por exemplo, o B. muricata, conhecido também como B. argentea (LUNA 2005, 335 - 1996, 46) e o B. inebrians, B. quitensis, Mascagnia glandurifera, M. psylophylla var. antifebri, Tetrapteris methystica e T. mucronata (SCHULTES; HOFMANN 2000, 124). Do mesmo modo, além da Psychotria viridis, podem ser usadas as folhas dos arbustos P. carthaginensis e Diplopterys cabrerana (conhecida também como Banisteriopsis rusbyana), sendo essas as mesclas mais comuns (SCHULTES; HOFMANN 2000, 124). Há uma grande variedade de plantas que podem ser adicionadas à bebida para conseguir certos efeitos específicos, por exemplo, para cantar melhor: Ai Curo (Euphorbia sp.); para dar um sabor mais doce para a ayahuasca: Kana (Sabicea amazonensis); contra febres: Pichana (Ocimum micranthum); para intensificar as visões: Cumala (Virola spp.); contra a debilidade sexual: Pfaffia (Pfaffia iresinoides) (SCHULTES; HOFMANN 2000, 134) entre “cerca de duzentas espécies documentadas como aditivo para a preparação clássica” (LUNA 2005, 335). Muitas espécies não são fáceis de diferenciar do Banisteriopsis caapi, mas possuem nomes locais de acordo com a linha e propósito das práticas xamânicas. Os índios Tukano distinguem seis tipos diferentes de kahi, um dos nomes Tukano para ayahuasca, atribuindo efeitos e mirações diferentes para cada um deles (apesar de sua identificação botânica ainda não ter sido possível, podendo as duas primeiras nem ser Banisteriopsis): [1] Kahiriáma, a planta mais forte, produz percepções auditivas não usuais [2] Méné-kahi-má, produz mirações de serpentes verdes, [3] Suána-kahi-má, kahi do jaguar vermelho, produz mirações em vermelho [4] Kahi-vai bucurarijomá, faz com que os macacos alucinem e gritem [5] Ajúwri-kahimá e [6] Kahi-somomá ou Kahi-uco, folha que faz vomitar e que pode se tratar da Diplopterys cabrerana (SCHULTES; HOFMANN 2000, 126). No Brasil, há duas variedades mais comuns do cipó usadas pelos grupos religiosos conhecidos pelos nomes populares de tucunaca e caupuri. O cipó tucunaca é liso, ao passo que o caupuri possui vários nós de onde saem seus ramos. Quimicamente, a diferença entre eles é a concentração dos harmala alcalóides,19 sendo o caupuri considerado mais forte que o tucunaca. Essa maior concentração costuma dar efeitos purgativos intensos sobre o organismo (CALLAWAY 19 Alcalóide é qualquer das substâncias de um extenso grupo encontrado nos vegetais, em geral nitrogenadas, heterocíclicas, básicas, com pronunciada ação fisiológica sobre os animais. 15 2002, 241). Há ainda as variações do cipó chamadas vulgarmente pelos nomes locais de Rosinha, Arara e Caboclo, todos adequados para o preparo do chá (FRANCO; CONCEIÇÃO 2004, 201).20 Luna (1996, 108) cita alguns tipos de ayahuasca conhecidos no Peru nas cidades de Iquitos, Pucallpa e arredores pelos nomes de ayahuasca céu, ayahuasca luzeiro (lucero), ayahuasca trovão, ayahuasca sapo, ayahuasca negro, etc., que não parecem ser diversas espécies do gênero Banisteriopsis, mas, possivelmente, se referem mais aos efeitos que as diferentes plantas provocam nos indivíduos. Fig. 1. Banisteriopsis caapi. Foto do autor. 1.2. Fig. 2. Psychotria viridis. Foto do autor. QUÍMICA As duas plantas usadas contêm alcalóides; entre os mais comuns encontrados, temos no cipó a harmina, a harmalina e a tetrahidroharmina (THH), chamados beta-carbolinas: Um certo número de alcalóides da Banisteriopsis foram, de início, descritos sob diferentes nomes, tais como telepatina, yageína e banisterina, mas todos esses foram eventualmente identificados como harmina, que está contida, em conjunto com a harmalina e a d-tetra-hidro-harmina (FURST 1976, 78). Já o arbusto contém a DMT (N,N-dimetil-triptamina) em suas folhas, considerado um dos alucinógenos naturais mais potentes até agora encontrados. Porém, essa molécula pode aparecer em quantidades mínimas no chá, às vezes até 20 Outras fontes de informação botânica dessas plantas estão presentes no sítio Biopark e do herbário da Universidade de Michigan presente no Anexo II da tese: http://www.biopark.org/peru/huascaspecies.html (acessado 25 de agosto 2006). 16 inexistente “embora tivessem sido apropriadas todas as plantas usadas na beberagem” (CALLAWAY 2002, 244). Portanto, dessa afirmação se deduz que os alcalóides beta-carbolinas podem ser suficientes para o efeito psicoativo e indutor de visões do chá nessas condições. Porém, sabe-se que os efeitos da bebida se alteram consideravelmente ao serem agregadas as folhas ricas em DMT (SCHULTES; HOFMANN 2000, 129). A DMT é uma substância endógena, isto é, também produzida dentro do corpo humano a partir do aminoácido L-Triptofano. Não se sabe qual a função da DMT endógena no cérebro, mas especula-se que ela produza as visões nos sonhos (CALLAWAY 2002, 238). O L-Triptofano, ao contrário de alguns aminoácidos produzidos no fígado, é considerado essencial, porque o corpo não o sintetiza sozinho, tem que ser assimilado através da alimentação como, por exemplo, requeijão, carne, peixe, banana, tâmara, amendoim e passas. Fig. 3. Comparação de algumas moléculas de substâncias psicoativas. Da esquerda para a direita: molécula de serotonina (hormônio cerebral); Psilocibina (alucinógeno orgânico); N, N-dimetiltriptamina (alucinógeno orgânico e hormônio cerebral); LSD (alucinógeno inorgânico). NARBY 1998, 49. Na figura 04, são exibidos os caminhos pelos quais se formam algumas das principais moléculas a partir do L-Triptofano. 17 Fig. 4. Moléculas de alguns neurotransmissores cerebrais a partir do L-Triptofano. Moléculas como a DMT e a serotonina são bastante similares, assim como a psilocibina. CALLAWAY: In METZNER 2002, 233. Para que os impulsos nervosos passem pelas sinapses de um neurônio a outro, levando informações, impulsos eletroquímicos, são necessárias substâncias que atuem como neurotransmissores. A serotonina (5-hidroxitriptamina ou 5-HT) é um dos neurotransmissores que realizam esse papel. A serotonina está relacionada à “regularização do estado emocional, do humor, da atividade sexual, do controle motor, da memória, do sonho e de diversas funções cognitivas [...] busca de padrões, a lucidez mental e ao estado de alerta” (LUNA 2005, 336). A maioria dos medicamentos chamados antidepressivos produz um aumento da disponibilidade dessa substância no cérebro. Porém, o excesso de serotonina pode causar, entre outros sintomas, a diminuição da resposta sexual normal, náuseas causadas pelo alto grau de estimulação do nervo vago, e diarréia, pois a serotonina periférica, no trato digestivo, estimula os movimentos intestinais. Quando há muita serotonina, entra em ação uma enzima reguladora, a MAO (monoaminoxidase), que as metaboliza. A DMT influencia o Sistema Nervoso 18 Central (SNC) de modo similar à serotonina, encaixando-se no mesmo neuroreceptor destinado a esta como chaves similares que abrem a mesma fechadura. A DMT só atua no organismo se for injetada ou fumada; ingerida, ela será inibida, devido à presença da MAO intestinal e hepática,21 mas, na ayahuasca, os alcalóides presentes no cipó, como a harmina, impedem a ação da MAO, permitindo, assim, que a DMT atue: Entretanto, depois que a MAO é inibida pelos alcalóides harmala, por exemplo, a DMT torna-se oralmente ativa, fazendo com que uma intrincada gama de padrões coloridos seja freqüentemente obtida através desta combinação. É importante notar que os efeitos da DMT ativada oralmente são qualitativamente diferentes da DMT injetada ou fumada sem a presença da inibição da MAO. (STRASSMAN e outros, 1994; CALLAWAY e outros, 1998). (CALLAWAY 2002, 238). Dada a similaridade das descrições das experiências de êxtase espiritual e as provocadas por certas substâncias psicoativas, cientistas questionam se práticas místico-religiosas estimulariam uma produção extra da molécula DMT pelo organismo. Strassman (2001, 56) especula a possibilidade de essa molécula ser secretada pela glândula pineal nessas situações. A glândula pineal se desenvolve embriologicamente, transformando-se em uma glândula secretora. Ela produz a melatonina (N-acetil-5-metoxitriptamina), molécula muito próxima em estrutura da DMT e que é responsável pelo controle circadiano, por interferir na regulação do sono, no humor, na puberdade e nos ciclos ovarianos. A incidência de luz na retina, seja natural ou artificial, através de um complexo sistema envolvendo o cérebro e a medula, diminui a produção de melatonina na pineal. Portanto, a produção de melatonina se dá durante o sono ou, pelo menos, com os olhos fechados. Mesmo considerando que a DMT é produzida naturalmente no cérebro, não significa que um aumento dela produzido pela ingestão da ayahuasca a torne algo natural ou normal ao organismo, qualquer aumento ou diminuição de uma substância química, um hormônio, por exemplo, pode desequilibrar o organismo. E, por outro viés, mesmo em relação a substâncias não endógenas como a nicotina, THC, entre várias outras, o organismo cria neuro-receptores para que elas possam 21 Há dois tipos de MAO: MAO-A e a MAO-B. MAO-A é encontrada primeiramente no fígado e no trato gastrintestinal; no fígado, está envolvida na eliminação de monoaminas ingeridas tais como as tiraminas. As monoaminas, como a epinefrina, a norepinefrina e a dopamina, são desativadas quando passam pela circulação em um fígado rico em MAO-A. A MAO-B, por outro lado, é encontrada primeiramente no cérebro e nas plaquetas. Maiores informações no sítio: <http://www.emedicine.com/emerg/topic318.htm> Acesso: 19 jul. 2006. 19 atuar no cérebro, não sendo, provavelmente então, mecanismos que possam ser considerados anormais. A mesma questão relativa à produção endógena da DMT pode ser proposta em relação aos alcalóides presentes no Banisteriopsis caapi. Naranjo (1973 apud Furst 1976, 87) descreve que há grande semelhança entre a harmalina do cipó e outras substâncias químicas derivadas in vitro a partir da inoculação da serotonina na glândula pineal, em particular a 10-metoxi-harmalina, diferindo apenas por uma posição do grupo metoxi entre elas. Elas se assemelham quanto no tocante aos efeitos subjetivos envolvidos no controle dos estados de consciência, sendo, porém, a 10-metoxi-harmalina mais ativa. 1.3. PREPARO A descrição do preparo aqui se atém, basicamente, ao método utilizado no âmbito da UDV. Há diversas formas de preparar a ayahuasca. Em muitos casos, nem é necessário ferver as plantas, os vegetais podem ser deixados imersos em água fria: Nas zonas ocidentais o cipó se ferve várias horas e o líquido amargo e denso se bebe em pequenas doses. Em outras localidades o cipó é pulverizado e se amassa com água fria; deve-se beber uma dose maior, já que a preparação fica menos concentrada (SCHULTES; HOFMANN 2000, 126). O cipó é colhido, cortado em pedaços de aproximadamente 50cm, lavado e macerado. As folhas do arbusto são lavadas e colocadas com o cipó para ferver em panelas com água. Algumas formas de preparo usam cinco camadas de vegetais, três do cipó e, entre elas, intercaladas, duas camadas de folhas. Normalmente usa-se o dobro do volume do cipó em relação à folha (isso significa aproximadamente 10% em peso de folhas em relação ao cipó). Esse cozimento passa por um longo processo, que, às vezes, dura dias, dependendo da quantidade, do recozimento e da apuração, até que se atinja o grau ideal de concentração para o consumo, i.e., um chá de coloração castanha – entre ocre e marrom – e de sabor amargo. 20 Fig. 5. Preparo da ayahuasca na UDV, Núcleo São Cosmo e São Damião. Foto do autor. Nos grupos brasileiros, a forma de preparo pode seguir métodos um pouco diferentes, mas, de maneira geral, seguem os mesmos princípios quanto às quantidades e cozimento das plantas. Nesses grupos, além do aspecto puramente material do preparo, ainda busca-se ter atitudes de respeito com as plantas consideradas sagradas, cuidado no uso de palavras ou atitudes negativas no local, há a presença de músicas, hinos ou “chamadas”, que criam um clima adequado à tarefa. Os xamãs na floresta amazônica geralmente preparam sozinhos. No caso das religiões brasileiras, onde são colhidas centenas de quilos de cipó para um único preparo, equipes dividem as tarefas como o plantio, a colheita, o preparo do chá, lavagem dos vegetais, cuidado com o fogo, atenção nas panelas para não vazarem na fervura, além de pessoal responsável pela logística como servir alimentos, a limpeza do local, etc. Nessas religiões, pode acontecer a divisão de papéis entre homens e mulheres, normalmente elas lavam as folhas, os homens maceram o cipó e cuidam da fervura das panelas, não sendo rígida essa divisão, depende do grupo em questão. Para esses grupos, as folhas estão associadas à energia feminina e à luz. Já o cipó está associado ao princípio masculino e à força. Após o preparo, o chá é armazenado em garrafas de vidro ou de plástico, como as de refrigerante de dois litros (embalagens “PET”), e guardado em um freezer. Aqui, também, o procedimento pode variar entre os grupos. A UDV, por exemplo, possui um departamento de estudos médicos, o DEMEC, que faz recomendações de higiene e conservação do chá, sendo um deles o de armazená-lo em embalagens de vidro, no estilo que são feitas as conservas de alimentos, “fechadas a vácuo” por contraste de temperatura. O uso do vidro, e não de embalagens plásticas, evita a 21 toxid dade que os o plástico os são susp peitos de desprende d er ao serem m aquecido os. Algunss grup pos costum mam cong gelar o ch há, garantindo assim m sua con nservação por maiss temp po. O chá, por não conter c nenhum tipo de d conservvante ou p produto artificial para a esse e fim, pod de azedar muito rápido se não n for cu uidadosam mente man nipulado e arma azenado, porém, mesmo m aze edando, ele será co onsumido normalme ente peloss discípulos. A fe eitura do chá c é cham mada de fe eitio pelo Santo S Daim me e pela Barquinha, B já a UDV usa o termo pre eparo. Fiig. 6. Armaze enamento da a ayahuasca a em potes de e vidro na UD DV, no Núcle eo São Cosm mo e São Da amião. Foto do autor. 22 2. O ESPÍRITO: OS ESTADOS NÃO ORDINÁRIOS DE CONSCIÊNCIA It is that our normal waking consciousness, rational consciousness as we call it, is but one special type of consciousness, whilst all about it, parted from it by the filmiest of screens […] No account of the universe in its totality can be final which leaves these other forms of consciousness quite disregarded. WILLIAM JAMES (2008, 325). Autores como Lewis-Williams admitem que os até então chamados estados alterados de consciência são, na realidade, estados alternativos ou não ordinários dela, ou seja, são estados genuínos de consciência e nem sempre a mera alteração, distorção, perversão ou patologia da consciência “normal”, ou de “contato normal” com a realidade. Lewis-Williams comenta: [...] it implies that there is ‘ordinary consciousness’ that is considered genuine and good, and then perverted, or ‘altered’, states. But we have seen, all parts of the spectrum are equally ‘genuine’. The phrase ‘altered states of consciousness’ is useful enough, but we need to remember that it carries a lot of cultural baggage (LEWIS-WILLIAMS 2004, 125). Tanto os estados ordinários como os não ordinários de consciência têm seus prós e contras. A consciência ordinária é pródiga em grandiosas realizações em todas as áreas técnicas, filosóficas, científicas e artísticas, porém, nem por isso livre de erros ou de mau uso. A consciência não ordinária, por sua vez, pode trazer clareza e discernimento, aumento da criatividade ou apenas ilusões e enganos. Ela pode inspirar cientistas e artistas, ou criar situações em que “[…] ASC22 revelations have led people to begin holy wars and kill those who disagreed with their vision” (TART, 1999). Para evitar a associação que ainda pode ocorrer entre os “estados alterados de consciência” como algo apenas alucinatório ou pervertido, optou-se usar na tese a expressão estados não ordinários de consciência ou, simplesmente, ENOC. 22 Altered States of Consciousness, termo criado por Tart. 23 2.1. O XAMANISMO E OS ESTADOS DE CONSCIÊNCIA Sociedades consideradas primitivas, como as indígenas, convivem com uma figura fundamental: o xamã ou pajé. As práticas xamânicas estão associadas aos estados não ordinários de consciência e são bastante antigas e similares por todo o planeta, o que levou Harner a criar o termo Estado Xamânico de Consciência (HARNER 1982, 59). Os estudos antropológicos sobre xamanismo, de maneira geral, consideravam os xamãs apenas como neuróticos, epiléticos, psicóticos, histéricos ou esquizofrênicos (NARBY 1998, 15). Porém, as pesquisas levantadas por Eliade, sobre o xamanismo arcaico, levaram a crer que muitas das associações feitas pelos primeiros etnólogos resultaram de observações imperfeitas, onde um indivíduo “possuído por espíritos” pode ser confundido como um caso patológico (ELIADE 2002, 41). Uma das diferenças entre um indivíduo com alguma psicopatia e um xamã, está no fato da “capacidade deste último de provocar por vontade própria seu ‘transe epileptóide’” (ELIADE 2002, 43), ele pode entrar em um estado de “loucura controlada”, capacidade essa que um doente mental não possui: O xamã é uma pessoa, homem ou mulher, que, no final da infância ou no início da juventude, passa por uma experiência psicológica transfiguradora, que a leva a se voltar inteiramente para dentro de si mesma. É uma espécie de ruptura esquizofrênica. O inconsciente inteiro se abre, e o xamã mergulha nele. Encontram-se descrições dessa experiência xamânica ao longo de todo o caminho que vai da Sibéria às Américas, até a Terra do Fogo (CAMPBELL 1991, 99). Os xamãs, do ponto de vista físico e mental, longe de sofrerem de psicopatias, são os mais bem preparados da tribo, passam por difíceis provas de iniciação e costumam ser guardiões de histórias e tradições de seus povos, assumindo tarefas diversas como de médicos, músicos, artistas, conselheiros, sacerdotes, etc. (ELIADE 2002, 44). Naturalmente, há casos patológicos, mas não podem ser confundidos com autênticas práticas xamânicas: Considerado no horizonte do homo religiosus – o único que nos preocupa no presente trabalho –, o doente mental revela-se um místico fracassado ou, mais precisamente, um arremedo de místico (ELIADE 2002, 41). A palavra xamã se popularizou através das práticas religiosas siberianas e centro-asiáticas, mas sua origem ainda é incerta: “A palavra chegou até nós através do russo, do tungue saman” (ELIADE 2002, 538), porém “[...] a descoberta de palavras semelhantes em tocário (samâne = “monge budista”) e no sogdiano (smn = 24 xamã) traz novamente à tona a hipótese da origem indiana do termo” (ELIADE 2002, 539). Encontramos em Hultkrantz mais uma descrição do que é xamanismo: A idéia central do xamanismo é estabelecer meios de contato com o mundo sobrenatural através da intermediação da experiência extática de um profissional inspirado, o xamã. Há, portanto, quatro importantes componentes no xamanismo: a premissa ideológica de um mundo sobrenatural e os contatos com este, a atuação do xamã em nome de um grupo, a inspiração que recebe dos espíritos auxiliares e as extraordinárias experiências extáticas do xamã (HULTKRANTZ 1978, 11).23 Lewis-Williams (2004, 133), indo um pouco além, descreve dez características do xamanismo: [1] práticas que envolvem os estados não ordinários de consciência; [2] a crença em reinos espirituais acima e abaixo do mundo da vida ordinária, o cosmo em camadas; [3] os xamãs possuem acesso a essa realidade alternativa; [4] os efeitos dos estados não ordinários de consciência no sistema nervoso podem criar a ilusão de dissociação do corpo, entendido como estar “possuído pelos espíritos”. Os xamãs usam essas experiências para alcançar pelo menos quatro finalidades: [5] entrar em contato com espíritos ou entidades sobrenaturais; [6] curar doenças; [7] controlar a vida e o movimento dos animais e [8] mudar o clima. Essas quatro finalidades, como também a entrada nos estados não ordinários de consciência, são facilitadas por [9] vários tipos de poderes sobrenaturais e [10] animais de poder,24 assim como outros tipos de espíritos que auxiliam o xamã. Lewis-Williams faz questão de não ligar o fenômeno xamânico a nenhum tipo de enfermidade mental: “I do not, for instance, link shamanism to mental illness of any sort...” (LEWISS-WILLIAMS 2004, 133). Longe de ser um assunto do passado, “Shamanism, humanities’ most ancient spiritual, religious, and healing practice, has achieved a dramatic modern resurgence” (WINKELMAN 2002, 1873). As antigas práticas xamânicas ainda persistem pelo mundo todo e ressurgem nas sociedades contemporâneas “[...] because they are based in innate brain structures and reflect an evolved psychology of humans (WINKELMAN 2002, 1884)”. 23 24 Tradução livre da língua espanhola. Há muito tempo os xamãs acreditam que seus poderes provêm dos poderes dos animais, das plantas, do sol e das energias básicas do universo (HARNER 1982, 73). 25 2.2. A CONSCIÊNCIA E A SUA COMPLEXIDADE Apesar da dificuldade de conceituar consciência, ou diferentes tipos de consciência, Shanon25 (2002, 269) descreve três tipos básicos dela: [1] o primeiro tipo consiste na qualidade de consciência, indiferenciada, comum tanto para os seres humanos como para os animais, que tem a ver com a relação dos sentidos com o mundo exterior, o mundo “real”; [2] o segundo tipo, mais bem diferenciado, se refere aos eventos internos que podem ser percebidos tais como os pensamentos, imagens mentais, sonhos e devaneios, que marcam a diferença entre o indivíduo e o mundo; [3] o terceiro tipo é o que usualmente se conhece como autoconsciência, a capacidade da mente de perceber suas produções como um objeto e refletir sobre ele, ou seja, estar ciente de sua individualidade e ser capaz de refletir sobre isso. Não há fronteiras definidas entre os tipos descritos, funcionam como um sistema coerente e unificado. Nos estados não ordinários de consciência, pode aparecer uma consciência de [4] quarto tipo, onde as experiências do indivíduo não são sentidas como suas, parecendo possuir independência e existência externa, similar ao que acontece às vezes com as experimentadas com a ayahuasca. Shanon fala ainda de um [5] quinto tipo de consciência, onde o indivíduo experimenta não possuir mais um eu individual. Esse estado está associado a uma superconsciência, que também pode ocorrer nas experiências com a ayahuasca. Shanon (2002, 270) encontra similaridade entre o quinto tipo de consciência descrito por ele e a conceituação de consciência cósmica de Richard Maurice Bucke. Bucke divide a consciência em três graus: [1] consciência simples, similar ao primeiro tipo descrito por SHANON, onde “um cão ou um cavalo é tão consciente das coisas ao seu redor quanto um ser humano” (BUCKE 1996, 36); [2] a autoconsciência, que engloba o segundo e terceiro tipo descritos por Shanon, o ser humano “torna-se consciente dele próprio como entidade distinta, separada do resto do universo” (BUCKE 1996, 36). A autoconsciência está ligada à linguagem “[...] são 25 Shanon, psicólogo cognitivo, é autor do livro The Antipodes of the Mind – Charting the Phenomenology of the Ayahuasca Experience e profundo conhecedor das experiências com ayahuasca. 26 duas metades da mesma coisa – são o sine qua non da vida social humana”26 (BUCKE 1996, 36) e, por último [3], a consciência cósmica, que Bucke basicamente descreve como: [...] uma consciência do Cosmo, isto é, da vida e da ordem do universo [...] ocorre uma aclaração ou iluminação intelectual [...] estado de exaltação moral, um indescritível sentimento de elevação, elação e júbilo, um despertar do senso moral, que é plenamente tão maravilhoso e mais importante, tanto para a pessoa como para a espécie, do que o intensificado poder intelectual. Com isto vem o que pode ser chamado de senso de imortalidade (BUCKE 1996, 36). Bucke, porém, se refere a este estado como resultado de um complexo processo de evolução natural da consciência. Para ele, o estágio mais básico da consciência está na “aquisição e o registro, mais ou menos perfeito, de impressões sensoriais – isto é, dos [1] perceptos” (BUCKE 1996, 45), ou seja, o conteúdo de uma percepção ou impressão: “um som é ouvido ou um objeto é visto e a impressão produzida é um percepto” (BUCKE 1996, 45). A combinação de grupos desses perceptos se chama [2] recepto, ou seja, é uma idéia que se forma através da repetição de perceptos similares: “Idéia ou imagem mental formada por percepções sucessivas dos mesmos objetos ou de objetos semelhantes, acentuando suas características comuns” (BUCKE 1996, 45– em nota do tradutor). A idéia de árvore, por exemplo, é uma generalização de diversos perceptos de árvores compostos em um recepto, ou seja, todas as percepções de coisas que tenham raízes, troncos, galhos e folhas (ou ainda flores, frutos, determinado tamanho, cor, etc.), é um recepto geral de árvore. Estudos científicos procuram ainda compreender como o cérebro integra essas informações através do que se conhece como o binding problem das ciências cognitivas: O binding problem consiste em saber como o cérebro pode integrar diferentes modalidades de informação acerca de um objeto de forma a poder percebê-lo de forma unificada. Por exemplo, posso perceber um cão de diversas maneiras − diferentes perspectivas visuais. Existem várias raças de cães; uso a palavra “cão” para referir-me a esses objetos e uso também a palavra escrita “cão”. Contudo, meu cérebro é capaz de integrar todas estas modalidades de informação de maneira que invoco um único objeto quando ouço a palavra “cão”. Esta unificação operada pelo meu cérebro é particularmente importante na medida em que a partir dela 26 Dizer que a linguagem está associada à autoconsciência poderia significar que esta pode ser fruto do hemisfério esquerdo do cérebro apenas. Apesar de que a compreensão sobre mapeamentos cerebrais é continuamente atualizada e muitas descobertas deverão solucionar melhor a questão, se aceita basicamente que “logical concepts like time, sequence, speech and language are largely handled by the left side, and creativity, spatial awareness and pattern recognition by the right” (GYNN; WRIGHT 2008, 3). 27 componho objetos fora de mim, o que é um primeiro passo para definir-me como um ser consciente (TEIXEIRA 1998, 150). A contínua acumulação de perceptos e receptos necessita uma elaboração mais complexa, “uma nova mudança e os receptos superiores foram substituídos por [3] conceptos (BUCKE 1996, 46): “A resultante de uma operação mental generalizadora; uma imagem mental genérica abstraída de receptos” (BUCKE 1996, 46 – em nota do tradutor). Para Bucke, essa relação entre um concepto e um recepto é semelhante à relação entre a aritmética e a álgebra (BUCKE 1996, 46). Sendo um recepto uma imagem composta de milhares de perceptos, “uma imagem abstraída de muitas imagens” (BUCKE 1996, 46), um concepto se trata de um “recepto nomeado (que recebeu um nome) – o nome, isto é, o signo (como na álgebra), representando daí em diante a própria coisa, isto é, o recepto” (BUCKE 1996, 46). Apenas como reforço de exemplo, no caso da aritmética e da álgebra, processo parecido acontece na informática nas linguagens de programação, onde há linguagens de nível baixo e nível alto. Uma linguagem de nível baixo é aquela onde o programador trabalha diretamente com o sistema binário de 0’s e 1’s. Uma linguagem de nível alto, como a Linguagem C++, por exemplo, trabalha com abstrações, isto é, são linguagens de programação orientada a objeto (POO), onde a linguagem de nível baixo está embutida, mas são transparentes ao programador. Um automóvel, por exemplo, pode ser visto como um objeto chamado Porsche. Porsche é uma instância de uma classe chamada automóvel. A classe automóvel pode ser composta por rodas, portas, assentos, janelas, volante, ou então acelera, anda, freia, pára, dependendo da abstração escolhida. Essas características estão encapsuladas na classe automóvel. Não é preciso perder tempo e lembrar-se de todas essas coisas cada vez que se pensa em um Porsche, já se sabe imediatamente o que é e para que serve quando visto ou lembrado, assim como não é preciso saber como o motor funciona para dirigir um automóvel. O concepto pode ser considerado como um recepto bastante grande e complexo, ou mesmo composto por mais de um recepto que, quando nomeados, “etiquetados”, marcados assim como um signo, se tornam um concepto. Portanto, por meio de seus signos: [...] podemos desenvolver conceptos a cálculos complicados, poesias e sistemas de filosofia, sem saber na metade do tempo coisa alguma a respeito daquilo que é representado pelos conceptos individuais que estamos usando (BUCKE 1996, 47). 28 A mente conceptual, composta de perceptos e receptos, é a mente autoconsciente. Além dela, e somando-se a ela, está a mente intuitiva: “O intelecto supraconceptual – cujos elementos, ao invés de serem conceptos, são intuições” (BUCKE 1996, 48), que é a mente superconsciente, ou a consciência cósmica, já esboçada uma conceituação acima. A questão que parece relevante aqui, quanto à consciência cósmica, é: até que ponto ela se assemelha às experiências com psicoativos, principalmente com a ayahuasca. Pela descrição relatada por Bucke, o processo parece ser cumulativo de grande complexidade, não haveria, pelo menos aparentemente, um atalho para que esse tipo de consciência se manifeste, salvo se potencialmente as condições já estivessem ali, pois, em assuntos espirituais, assim como na Física e na Geologia, natura non facit saltum (BUCKE 1996, 75). Várias experiências com a ayahuasca são descritas como espirituais. De fato, há muitas semelhanças, como será visto, mas, de modo geral, nada tão amplo como “a consciência do Cosmo, da vida e da ordem do universo”. Não há espaço, nem se pretende discutir, aqui, a validade ou não desses conceitos. Eles servem como pesquisa e reflexão quanto às experiências relatadas sobre os ENOC, tais como encontrados no referencial teórico e nos depoimentos, mostrando a complexidade e a atenção que esses estudos merecem: As experiências com mescalina e LSD, desde Huxley até Leary, levantam problemas que merecem análises acuradas, pois estão aí as questões das relações entre droga e experiência mística e também entre o que é alucinação e realidade (WEIL 1976, 12). 2.3. A LEGITIMIDADE DAS EXPERIÊNCIAS DOS ENOC Alguns autores consideram as experiências vividas com substâncias psicoativas do gênero da ayahuasca como legítimas constatações de que os ENOC aportam “outros mundos”, como os de natureza espiritual; outros, porém, consideram que essas experiências, os “outros mundos”, não passam de “mera ilusão tola”.27 A única certeza é que as experiências, de qualquer modo que sejam 27 “is just a silly illusion”, afirmação de David Lewis Williams em conversa com Graham Hancock (2007, 38). 29 encaradas, mesmo que não seja possível delimitar com absoluta precisão o que é “real” ou “ilusão”, são válidas para o indivíduo ou grupo que delas participa, orquestrando condutas, transformações na vida pessoal, estabelecendo crenças e mitos. Huxley, em As Portas da Percepção, de 1957, comenta que o cérebro parece ter uma função de válvula redutora da percepção, funcionando como um filtro para a realidade, “para tornar possível a sobrevivência biológica” (HUXLEY 2004, 32). A torrente de impressões que nos chegam tem que ser filtrada. De fato, não estamos conscientes ao mesmo tempo de todos os estímulos sofridos pelo tato, olfato, audição, visão, etc. O que nos chega à consciência segue uma hierarquia de prioridades. Da mesma maneira que as impressões do mundo exterior são filtradas, as internas, as memórias e conteúdos inconscientes devem passar por alguma forma de seleção. Salvo em condições especiais, as pessoas se relacionam com o mundo através das filtragens que o cérebro faz. Entretanto, alguns desvios podem ocorrer e driblar essas filtragens redutoras, como no uso de psicoativos específicos. Alguns tipos de substâncias psicoativas podem diminuir o poder dessa “válvula redutora” e, em alguns casos, até intensificar a recepção do cérebro de certas impressões vindas do mundo exterior ou do interior. Hancock, em relação a algumas prováveis características do cérebro, comenta: Theoretically the brain could be as much a receiver as a generator of consciousness, and thus might be fine-tuned in altered states to pick up wavelengths that are not accessible to us (HANCOCK 2007, 39). Contudo, o cérebro sempre tentará ocupar sua função redutora normal, como é possível verificar, no caso da ayahuasca, pela diminuição das mirações nos indivíduos que a bebem por muito tempo: “Ayahuasca users say that after about two years of regular exposure to the brew, they see fewer and fewer visions” (SHANON 2002, 137). Correspondendo a muitos depoimentos ouvidos e a experiência pessoal do autor da tese. Os chamados estados não ordinários de consciência não dependem única e exclusivamente do uso de psicoativos para se manifestarem, eles podem aparecer em várias situações distintas (ver adiante seção 2.4) e com intensidades diferentes. As pinturas nas cavernas, por exemplo, eram realizadas em situações pouco comuns. Lewis-Williams descreve: Anyone who has crouched and crawled underground along a narrow, absolutely dark passage for more than a kilometer, slid along mud banks 30 and waded through dark lakes and hidden rivers to be confronted, at the end of such a hazardous journey, by a painting of an extinct woolly mammoth or a powerfull, hunched bison will never be quite the same again (LEWISWILLIAMS 2004, 11). Do que se pode inferir que, talvez, essa jornada, nessas condições especiais, fosse intencionalmente buscada, já no período pré-histórico, como meio de gerar um ambiente favorável para uma quebra na consciência usual. Esse sentimento é compartilhado por Campbell (1991, 82): “Qualquer que tenha sido a escuridão interior em que os xamãs daquelas cavernas mergulharam, em seus transes, algo semelhante deve estar adormecido em nós, e nos visita à noite, no sono”. Campbell relata sua experiência na primeira vez que viu essas pinturas nas cavernas: Não queria ir embora. Você chega a uma câmara gigantesca, como uma imensa catedral, com todos esses animais pintados. [...] Estamos ali com luz elétrica, mas logo em seguida o homem que nos guiava apaga as luzes e você se dá conta de que nunca tinha estado em escuridão maior, em toda a sua vida. [...] Toda orientação se perde, e você está em meio a uma escuridão que nunca viu o sol. Então eles voltam a acender as luzes e você vê aquelas gloriosas pinturas de animais. E eles estão pintados com a vitalidade da tinta sobre seda, na pintura japonesa, sabe, qualquer coisa assim (CAMPBELL 1991, 94). Essas descrições reforçam a idéia do papel da arquitetura em recriar esse tipo de experiência especial. As construções de Newgrange, as pirâmides do Egito ou da América Central, ou as igrejas e templos, todas parecem possuir esse mesmo propósito. Por exemplo, as construções de enormes catedrais durante a Idade Média contrastavam com a pobreza circundante, criando já com isso um clima de respeito e mistério. O ambiente interno de uma catedral também foi criado para proporcionar condições de mudar o ritmo do mundo externo, trazendo o indivíduo para uma maior aquietação e contemplação. As catedrais góticas, como a catedral de Chartres (século 12) ou como Saint Chapelle (século 13) em Paris, ambas com enorme pé direito, vitrais que filtram a luz externa em um colorido mágico, pinturas religiosas, as estátuas e objetos sacros, o silêncio ─ tudo isso somado aos cânticos, ao ritual da missa, colabora para proporcionar ao indivíduo um estado de consciência mais adequado à concentração em si mesmo, livre da agitação externa. Campbell dá uma descrição de sua experiência em relação às catedrais: “A catedral me fala a respeito da estrutura espiritual do mundo. É um lugar de meditação, é só caminhar ao redor, é só ficar sentado, é só olhar para todas aquelas belezas” (CAMPBELL 1991, 109). Em outro relato Campbell descreve: 31 Apenas como exemplo: eu caminho pela Rua 51 e pela Quinta Avenida, e entro na catedral de St. Patrick. Deixei para trás uma cidade muito agitada, [...] Uma vez no interior da catedral, tudo ao meu redor fala de mistérios espirituais. [...] Vejo os vitrais, responsáveis por uma forte atmosfera interior. Minha consciência foi levada a outro nível, a um só tempo, e eu me encontro num patamar diferente (CAMPBELL 1991, 29). 2.4. MÉTODOS DE INDUÇÃO AOS ENOC Além dos ambientes e da arquitetura citados na seção anterior, diversas outras formas podem ocasionar o surgimento de estados diferenciados da consciência ordinária, desde os mais sutis aos mais intensos como listado abaixo,28 em alguns exemplos divididos em seis categorias básicas: 2.4.1. Enfermidades 1. Doenças como, por exemplo, os delírios provocados por uma febre alta. 2. Auras de enxaquecas, como nas que aparecem “escotomas cintilantes”. 3. Pessoas que possuem estados particulares mentais adquiridos ou herdados como psicoses e esquizofrenias. 2.4.2. Misticismo e Religião 1. Em certas práticas como longas meditações. 2. Ioga. 3. Retiro. 4. Concentração. 5. Silêncio. 6. Exercícios esotéricos, como os dos rosacruzes. 7. Longas orações, etc. 28 Várias fontes sobre o tema foram consultadas: Harner (1973), Narby (1998), Breslof et al. (2001), Sacks (2001), Metzner (2002), Shanon (2002), Lewis-Williams; Pearce (2005), etc. 32 2.4.3. Relacionados aos Sentidos e à Mente 1. Ficar em um quarto escuro e isolado acusticamente, provocando em questão de horas algumas “visões”. 2. Exposição a luzes com efeitos hipnóticos, como a estroboscópica. 3. A presença em locais incomuns como cavernas ou construções arquitetônicas específicas que simulem condições diferenciadas do ambiente exterior, como mausoléus ou catedrais. 4. Entoação de mantras, ouvir músicas específicas, batidas rítmicas de tambores, maracás, etc. “According to the shamans of entire world, one establishes communication with spirits via music. For the ayahuasqueros, it is almost inconceivable to enter the world of spirits and remain silent (NARBY 1998, 68).” 5. Pessoas sob sugestão hipnótica. 2.4.4. Relacionados ao Corpo 1. Exaustão física (algumas técnicas Gurdjieff e Osho trabalham nessa direção). 2. Alguns tipos de esportes radicais. 3. Submeter o corpo a baixas ou altas temperaturas (tenda do calor: temascal). 4. Técnicas respiratórias como a hiper-ventilação (chamada por Grof respiração holotrópica, conhecida também por rebirthing). 5. Autoflagelo e castigos, como nas técnicas dos faquires, Xiitas na festividade anual da Ashura, certas linhas do cristianismo, entre outros. 6. Danças e rodopios como dos Sufis e Dervixes, movimentos corporais como os Movimentos Gurdjieff e Feldenkrais. A dança do transe, por exemplo, entre os bosquímanos29 na descrição de Campbell: Os bosquímanos vivem num mundo deserto. É uma vida duríssima, uma vida de grandes tensões. Os sexos masculino e feminino são separados de maneira muito disciplinada. Só se aproximam na dança – como vou descrever. As mulheres se sentam, formando um círculo ou um pequeno grupo, e golpeiam as próprias coxas, marcando o compasso para a dança 29 Habitantes da África meridional. 33 dos homens, ao redor delas. Elas controlam a dança e os movimentos dos homens através do canto e das batidas nas coxas. [...] No curso do movimento circular, que dura a noite toda, um dos homens subitamente se descontrolará. Ele experimenta o que chamaríamos de possessão, mas que é descrita como um clarão, uma espécie de relâmpago ou flecha luminosa, que sai da área pélvica e atravessa toda a espinha até a cabeça (CAMPBELL 1991, 99). [...] Meu Deus! Esse sujeito experimentou uma forma totalmente distinta de consciência! Nessas experiências, eles voam pelo ar, como esse voou (CAMPBELL 1991, 100). 6. Jejum. 7. Abstinência sexual. 2.4.5. Uso de Psicoativos 1. O uso de psicoativos como psilocibina, DMT (N,N-dimetiltriptamina), LSD, MDMA (Ecstasy), THC (Cannabis sp.), ácido ibotêmico presente no cogumelo Amanita muscaria, o Iboga africano, a ayahuasca, mescalina, etc. Inalação de substâncias como cloreto de etila, óxido nitroso ou éter. Administração de certos tipos de anestésicos. 2.4.6. Aspectos Emocionais 1. Em experiências extremas como acidentes, sustos, medo, proximidade com a morte, situações de emergência em geral, ou mesmo situações positivas de intensa alegria, amor, recompensa e reconhecimento, atos de abnegação e heroísmo, etc. 2. Vivências ritualísticas religiosas onde aspectos dramáticos do rito contagiam o discípulo através de estados emocionais profundos. Percebe-se, pelas características listadas, que é preciso criar condições incomuns de funcionamento do organismo e da percepção para que outras possibilidades se manifestem. Não é de estranhar que isso possa gerar desconfiança em relação à validade dos resultados advindos de tais experiências, uma vez que desafiam a “normalidade” e nem sempre podem ser compartilhadas com os demais, como ocorreria nas experiências de consciência ordinária no dia-adia. De modo geral, nossa cultura ocidental valoriza apenas os estados da 34 consciência de vigília, orientados aos problemas. Mesmo os sonhos30 não são levados em conta, apenas por certas escolas de psicologia que acreditam que eles possuam significados simbólicos (LEWIS-WILLIAMS; PEARCE 2005, 57). As buscas místicas e religiosas, o contato com o mundo espiritual, despertaram especial interesse nas décadas de 1950/60, com a juventude americana e européia voltando seu olhar para as religiões orientais como o budismo e o hinduísmo. Nesse período, aumentou também o interesse pelas drogas psicoativas, como ocorreu com os beatniks (Beat Generation), onde escritores como Allen Ginsberg, William S. Burroughs e Jack Kerouac foram importantes mentores, o mesmo ocorrendo com o movimento hippie. O estilo psicodélico na música e nas artes visuais foi o reflexo de tais buscas na época. A procura por experiências de “expansão” de consciência geralmente está associada também às experiências de natureza religiosa, mística ou espiritual, principalmente no que se refere ao uso da ayahuasca estudado aqui. De qualquer forma, seja para qual finalidade for, “o desejo de alterar periodicamente o estado consciente é um impulso normal e inato, análogo à fome ou ao instinto sexual” (WEIL 1972, 17 apud FURST 1976, 23). As pesquisas sobre ENOC tiveram um desenvolvimento especial com a descoberta, em 1938, do LSD por Albert Hoffman. Vários cientistas e autores se debruçaram sobre o assunto do uso de substâncias psicoativas, como Aldous Huxley, Timothy Leary, Stanislav Grof, Gordon Wasson, entre outros. Em 1966, o porte e consumo do LSD, até então fabricado livremente pelo laboratório Sandoz, estava proibido, se tornou crime, e as verbas para pesquisas, muitas delas subsidiadas pela CIA (ver FURST 1976, 99), foram extintas. Isso se deveu, no entender das autoridades americanas, pelo descontrole e abuso no consumo de drogas, havia a preocupação com as conseqüências na saúde pública, principalmente da juventude. De fato, usar alguns tipos de psicoativos tem perigo real, muitos podem potencializar psicopatias se a pessoa tiver uma propensão para tal. Porém, como demonstraram diversas terapias com uso de LSD, como as conduzidas por Stanislav Grof31 nas décadas de 1950/60, a facilidade de entrar em 30 Existem estudos sobre Sonhos Lúcidos, ou seja, onde o indivíduo está consciente durante o sonho, que apontam em uma direção bastante similar aos ENOC. Pesquisa sobre o tema pode ser encontrada no livro Exploring the World of Lucid Dreaming, de Stephen LaBerge. 31 Em seu livro LSD Psychotherapy, Grof descreve seu trabalho nessa direção. 35 contato com conteúdos inconscientes pode trazer resultados válidos e mais rápidos que métodos convencionais de terapia. 2.5. LEWIS-WILLIAMS E OS 3 ESTÁGIOS DOS ENOC O gráfico abaixo mostra a trajetória dos dois aspectos da consciência: [1] ‘consciência normal’ do estado de vigília ao estado de sono profundo e [2] a ‘trajetória intensificada’, os estados não ordinários de consciência, chamados aqui de ENOC, onde se nota o espectro intensificado de consciência dividido em três estágios principais: Estágio-1, os fenômenos entópticos;32 Estágio-2, construal33 e Estágio-3, “alucinações” que, a partir de agora, será substituído pela expressão visões e/ou mirações. Essa divisão em estágios não significa obrigatoriamente que as pessoas passem sempre por eles, nem que a passagem de um estágio para o outro tenha fronteiras rígidas; acontecem de forma gradual. Informações culturais podem influenciar as expectativas e interesses do indivíduo e destacar um ou outro estágio. Se, por exemplo, uma cultura coloca muito valor nas visões do Estágio-3 (que pode incluir seres mitológicos, por exemplo), as pessoas que procuram essas visões podem passar pelo Estágio-1 sem dar maior importância (LEWIS-WILLIAMS; PEARCE 2005, 47). De fato, muitas pessoas descrevem visões mais “cenográficas” e não costumam se referir às formas geométricas como as que serão descritas. Porém, estudos neurológicos encontram explicações para essas formas geométricas nas estruturas do sistema nervoso, como será mostrado adiante. Muitos desenhos e pinturas feitas por povos primitivos e artistas contemporâneos apresentam semelhanças a essas formas geométricas dos ENOC, levando a acreditar que estejam intimamente relacionados. 32 Significa fenômenos visuais que ocorrem entre o olho e o córtex, independentemente do mundo exterior, porém passíveis de projeção nele (maiores informações em LEWIS-WILLIAMS 2004 e RUDGLEY 1993). Já os fenômenos entoftálmicos se referem ao que ocorre dentro do olho. 33 Podemos entender construal como uma forma de processo de construção interpretativa do significado de algo. Ver em dois pontos e uma linha curva a imagem de um rosto pode ser entendido como esse processo de construção. Por exemplo, os emoticons usados na comunicação pela internet só são possíveis graças a essa característica da psique. :-) 36 Fig. 7. Os estados ordinários e não ordinários de consciência. LEWIS-WILLIAMS 2004, 125. A trajetória “normal” passa por cinco partes principais, vai do estado de vigília ao inconsciente (sono profundo), passando antes pelo estado de devaneio (“sonhar acordado”), de semiconsciência (hipnagógico) e dos sonhos propriamente ditos. No estado de vigília, o indivíduo responde facilmente aos estímulos do meio ambiente e pode realizar tarefas diversas, andar, conversar, criar estratégias e também fazer planos que envolvam eventos do dia-a-dia, isto é, a imaginação sobre assuntos do cotidiano, chamada de “fantasia realística”.34 À medida que essa ligação diminui, as “fantasias realísticas” podem perder o grau de relação com a realidade e entrar mais no reino da imaginação, tornando-se “fantasias autísticas”.35 Perdendo ainda um pouco mais o contato com a realidade, o indivíduo pode imergir em 34 - realistic fantasy (LEWIS-WILLIAMS 2004, 123). 35 - autistic fantasy (LEWIS-WILLIAMS 2004, 123). 37 devaneios. O estado de devaneio precede o hipnagógico, onde os estímulos do ambiente quase não são percebidos ou podem acabar se mesclando com os internos. No estado hipnagógico, algumas sensações podem ocorrer, como pressão no peito, dificuldade de respirar, impressões auditivas como vozes ou campainhas, medo, sensações visuais vívidas de luzes e de pessoas ou sombras caminhando pelo ambiente, razão pela qual esse estado também é conhecido como “alucinação hipnagógica”.36 Seguem-se, então, os sonhos durante o REM (Rapid Eye Movement – Movimento Rápido dos Olhos). Nesse momento, a atividade neural randômica produz imagens mentais, os sonhos, algumas vezes bizarras: “images transmute into different ones, and we experience sensations of flying, fleeing, an falling, together with attendant emotions” (LEWIS-WILLIAMS 2004, 123). Finalmente, o sono mais profundo e inconsciente. 2.5.1. Estágio-1 dos ENOC A trajetória intensificada, ou não ordinária, se inicia por um desvio do estado hipnagógico para os fenômenos entópticos, sendo este considerado o Estágio-1 do ENOC. É comum ocorrer visões de figuras e padrões geométricos coloridos, como pontos, grades, ziguezagues e linhas sinuosas. Klüver divide esse fenômeno entóptico em quatro categorias, também chamadas de “constantes formais”37 ou fosfenos:38 “(i) gratings, lattices, fretworks, filigrees, honeycombs and chequer-boards, (ii) cobwebs, (iii) tunnels, funnels, alleys, cones and vessels, and (iv) spirals” (KLÜVER 1966, 66 apud BRESSLOF et. al. 2001, 300). Essas visualizações ocorrem desvinculadas do contexto cultural do indivíduo, possivelmente por estarem mais associadas à constituição do sistema nervoso humano do que à cultura, sendo essa sempre um apoio, nunca a experiência em si. Baseando-se nas constantes de 36 - hypnagogic Hallucinations (LEWIS-WILLIAMS 2004, 123). 37 “form constants” no original. 38 Sensação luminosa provocada por um estímulo nas células da retina ou do próprio córtex occipital como, por exemplo, esfregar os olhos fechados, bater a cabeça, quedas da pressão arterial, uso de psicoativos específicos, etc. 38 Klüver, Lewis-Williams; Pearce (2005, 48) descrevem sete tipos de formas mais recorrentes: 1. As grades e seu desenvolvimento em treliças ou se expandindo em padrões hexagonais; 2. Conjuntos de linhas paralelas; 3. Pontos brilhantes ou pequenas manchas; 4. Ziguezagues descritos por alguns indivíduos como angulosos, por outros como ondulações; 5. Jogo de curvas catenárias geralmente com ziguezagues luminosos intermitentes, similares aos que ocorrem na aura de enxaqueca; 6. Filigranas ou finas linhas sinuosas; 7. Espirais, também relacionadas aos vórtices. Essas formas pulsam com luz brilhante, diferentes dos objetos do ambiente. Essas categorias não são rígidas; podem aparecer combinadas, girar, se contrair e se transformar umas nas outras ─ uma espiral, por exemplo, pode ser vista e adquirir profundidade como um vórtice ou um túnel, além de se multiplicar (poliopsia) e/ou se integrar em outros objetos na cena, como nos desenhos geométricos Tukano feitos sobre canoas, animais e pessoas (LEWIS-WILLIAMS; PEARCE 2005, 275). 39 Fig. 8. Equivalências das imagens em testes de laboratório e das encontradas no período neolítico. LEWIS-WILLIAMS; PEARCE 2005, 262. Lewis-Williams trata das representações visuais desde a antiguidade, como a arte pré-histórica, onde se encontram muitos dos elementos visuais acima descritos, propondo que possam ter sido produzidas por conta dos ENOC. As imagens dessa natureza são muito similares e se repetem nas experiências dos indivíduos pelo mundo todo. Apesar disso, dependendo de influências como cultura, linguagem, expectativas e preferências pessoais, estado emocional do indivíduo, condições do ambiente, enfim, elementos contingentes conhecidos pela expressão cunhada por Timothy Leary “set and setting”, a experiência pode sofrer direcionamentos quanto ao que será vivido ou visto, respeitando certos limites possíveis: For example, an ambiguous round shape may be ‘illusioned’ into an orange if the subject is hungry, a breast if he is in a state of heightened sexual drive, a cup of water if the subject is thirsty, or an anarchist’s bomb if the subject is fearful (HOROWITZ 1975, 177 apud LEWIS-WILLIAMS 2004, 128). Essas visualizações não são incoerentes, a “forma ambígua arredondada” ainda se mantém como motivo principal. As espirais e suas diversas associações resultantes em cada cultura seguem princípios parecidos, como será visto no Sexto 40 Capítulo. Uma observação importante deve ser colocada aqui: o presente trabalho se ocupa principalmente dos fenômenos visuais, porém, deve-se levar em consideração que muitas sensações diferentes, não apenas as visuais, estão presentes em ENOC. Por exemplo, uma dificuldade em respirar, somada a visões distorcidas, sensação de flutuar, sons, pode parecer para o indivíduo uma experiência de submersão na água (LEWIS-WILLIAMS 2004, 145), e nem sempre serão representadas em desenhos e pinturas essas vivências. Portanto, diversas descrições de experiências vão além do aspecto visual apenas, podem se somar a ele e muitas vezes influenciá-lo. Os índios Tukano, povo que usa a ayahuasca, se referem à imagem de linhas paralelas onduladas verticais (a 17ª figura do quadro adiante e que fazem parte do tipo 4 supracitado) ─ ziguezagues ondulosos ─, como simbolizando “[...] o pensamento criativo e, às vezes, a energia do próprio criador solar” (REICHELDOLMATOFF 1976, 86 apud VIDAL 2007, 47). Um arco (14ª figura) com diversas linhas coloridas paralelas do tipo 5 pode simbolizar o Arco-Íris e, em uma das interpretações dadas, o Pênis do Pai-Sol (REICHEL-DOLMATOFF 1976, 86 apud VIDAL 2007, 47; LEWIS-WILLIAMS; PEARCE 2005, 49). Os índios San da África do Sul entram em transe através de danças. Esses índios se concentram nas linhas brilhantes do tipo 2 e 6, que acreditam ser “filamentos de luz” que os curandeiros sobem, ou ao longo dos quais eles flutuam, em direção ao Grande Deus no céu (LEWIS-WILLIAMS; PEARCE 2005, 49). Já a 10ª imagem, a espiral do tipo 7, representa o incesto e as mulheres proibidas. Reichel-Dolmatoff (1968, 20) comenta que, entre os Desana, há um mito onde a filha do sol nem havia entrado na puberdade, quando ele se apaixonou por ela, cometendo incesto. O sangue derramado nesse ato é o motivo de as mulheres menstruarem até hoje, para que não se esqueçam dessa maldade. O mito diz que a filha do sol gostava dessa situação e vivia como se fosse a mulher dele, mas, de tanto pensar nisso, se tornou feia, fraca e sem vida. Quando ela teve a segunda menstruação, já não quis mais comer, deitou-se em uma pedra, morrendo. Ainda se vêem os sinais em uma grande pedra em Wainabi. Quando o Sol viu isso, fumou tabaco e a ressuscitou em um ritual conhecido como gamu bayári, estabelecendo o costume e invocação que se faz agora quando as jovens passam pela primeira menstruação. 41 Fig. 9. Desenhos codificados dos índios Barasâna no Brasil. Vidal comparou as versões dadas por Reichel-Dolmatoff em 1976 e em 1978 encontrando algumas variações nas descrições do autor. REICHEL-DOLMATOFF apud VIDAL 2007, 47. Fig. 10. Levantamento de desenhos rupestres encontrados no litoral de Santa Catarina, onde é possível encontrar semelhanças nos padrões de imagens com os dos índios amazônicos e desenhos pré-históricos. REVISTA OHUN – Revista eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da UFBA - Ano 2, nº 2, outubro 2005. 2.5.2. Estágio-2 dos ENOC e os Vórtices No Estágio-2, construal, o indivíduo, nesse estágio intermediário, procura dar sentido às formas entópticas. Nos exemplos dos desenhos dos Tukano do 42 Estágio-1, as imagens vistas podem ser combinadas com as imagens armazenadas no repertório experiencial do indivíduo (LEWIS-WILLIAMS; PEARCE 2005, 50). Isso pode ocorrer da mesma maneira como quando se observam imagens indefinidas como manchas, formações de nuvens, dobraduras de tecidos, folhagens de arbustos e árvores, que podem se transformar em figuras conhecidas como animais, pessoas, faces, etc., de acordo com a pré-disposição, aspectos culturais e influência no momento. Se quaisquer dessas experiências acontecerem dentro de um contexto religioso, os fenômenos entópticos podem construir imagens de entidades sobrenaturais, seres ou símbolos (LEWIS-WILLIAMS; PEARCE 2005, 50). Ao se aproximar do Estagio-3, é comum a experiência com os vórtices ou túneis, com luz brilhante ao fundo, muitas vezes associada à experiência de quasemorte (LEWIS-WILLIAMS; PEARCE 2005, 50). É nesse ponto que “[...] many people experience a swirling vortex or rotating tunnel that seems to surround them and to draw them into its depths” (HOROWITZ 1975, 178. WILLIS 1994; WILBERT 1997 apud LEWIS-WILLIAMS 2004, 129). O indivíduo fica cada vez mais desligado do mundo exterior e imerge mais na experiência. Lewis-Williams cita que “Siegel found that among 58 reports of eight kinds of hallucinations, this sort of tunnel was the most common” (SIEGEL 1977, 134; 1975, 139 apud LEWIS-WILLIAMS 2004, 129). Cientistas se referem aos vórtices como resultados da estrutura do caminho retinocortical que vai das células da retina do olho ao córtex visual estriado do cérebro (ver seção 4.9). 2.5.3. Estágio-3 dos ENOC Ao chegar ao Estágio-3, mudanças marcantes ocorrem. O indivíduo nem sempre consegue diferenciar entre sua experiência e o mundo material. Nesse estágio, visões completas de todos os tipos podem se formar, sensações somáticas bizarras podem aparecer, como a de possuir mais dedos, braços ou pernas, deformações físicas como emagrecimento dos membros ou do corpo, transformações em animais, vegetais ou outras. As formas entópticas do Estágio-1 podem persistir nesse estágio, tanto perifericamente como integradas às visões de 43 pessoas, animais ou objetos. Lewis-Williams; Pearce (2005, 55) citam algumas características relativas à integração dos fenômenos entópticos com o ambiente: • • • As formas entópticas podem ser projetadas nas superfícies e objetos do ambiente; Objetos em si podem se tornar fenômenos entópticos; Pós-imagens podem ocorrer algum tempo depois de passadas as experiências. Fig. 11. Os três estágios de consciência intensificada e o vórtice. LEWIS-WILLIAMS; PEARCE 2005, 48. Os aspectos culturais que influenciam as visões em ENOC são fundamentais, mas, como reflete Pinker: “a cultura não poderia existir sem faculdades mentais que permitam aos seres humanos criar e aprender a cultura” (PINKER 2004, 11). Essa capacidade é inata no indivíduo, que, a partir de algumas visões iniciais sob o efeito de psicoativos como a ayahuasca, pode criar associações diversas: Pode-se pensar que, em um estado de alucinação, a pessoa projete sua memória cultural-visual sobre a confusa tela de cores e formas e veja então certos motivos e personagens (REICHEL-DOLMATOFF apud VIDAL 2007, 47). Naturalmente, apesar de não ser possível traçar fronteiras claras quanto a isso, deve haver um limite quanto ao que pode ser construído sobre uma imagem inicial. Uma espiral pode ser parecida com um túnel em perspectiva, como uma serpente enrolada, mas dentro de uma configuração visual que permita esse tipo de associação por similaridade. Arnheim (1980, 42) mostra, em um experimento, “que a percepção e reprodução de formas ambíguas estão sujeitas à influência da instrução verbal”. Uma série de figuras simples era projetada. Quando disseram para a pessoa 44 que um relógio de areia apareceria, a figura [a] foi reproduzida como a figura [b], enquanto [c] resultou quando ela aguardava uma mesa: Fig. 12. Teste da influência da linguagem na percepção. (ARHEIM 1980, 42). As formas dos objetos guardados na memória influenciam a forma dos objetos que são percebidos, elas podem parecer tão diferentes quanto sua estrutura permitir: “Mas nenhuma força do passado far-nos-á ver uma girafa na figura [a]” (ARHEIM 1980, 42). Soma-se a isso o fato de que nossa mente sempre tentará ver algo já conhecido em uma imagem ambígua, isto é, contrapor a informação visual nova e desconhecida sob o repertório da memória. 2.6. OS MITOS É provável que alguns mitos tenham surgido de visões nos ENOC, como no caso de algumas lendas indígenas relatadas adiante. Porém, com o tempo, elas podem sofrer alterações e novas adaptações de acordo com transformações da época, afastando-se, aparentemente, das associações iniciais, ou buscar outros tipos de sinônimos simbólicos, ou seja, imagens diferentes com o mesmo sentido: Bem, os automóveis adentraram a mitologia. Adentraram os sonhos. E as aeronaves estão muito a serviço da imaginação. O vôo da aeronave, por exemplo, atua na imaginação como libertação da terra. É a mesma coisa que os pássaros simbolizam, de certo modo. O pássaro é um símbolo da libertação do espírito em relação a seu aprisionamento à terra, assim como a serpente simboliza o aprisionamento à terra. A aeronave desempenha esse papel, hoje (CAMPBELL 1991, 32). Um mito, como o relato sagrado sobre a criação contado por um povo, pode parecer engraçado a outro, o que para um é sagrado, para o outro é superstição, mas isso não reduz o poder e a eficiência desse mito no seu lugar de origem (LEWIS-WILLIAMS; PEARCE 2005, 150). Mitos estão inseridos na sociedade, as pessoas nascem e os assimilam da cultura do local. Mitos são como “contratos” 45 compartilhados socialmente. As pessoas sentir-se-iam mal e ridículas se fossem obrigadas a se vestir, ou se despir, em outras culturas que possuíssem práticas e hábitos diferentes das suas. As pessoas absorvem as religiões disponíveis à sua volta, se tornando cristãs, judias, islâmicas, hinduístas, navajo ou houchoi. Mesmo que procurem negar as influências da religião, muitas vezes acabam aceitando seus rituais mais básicos como, por exemplo, o modelo do casamento. Mas como é que um símbolo se torna de valor comum para um grupo de pessoas, para um povo? Podemos citar aqui o exemplo da experiência religiosa que, enfim, está muito presente nesta pesquisa. Lewis-Williams; Pearce (2005, 25) notam que diversas definições de religião, na verdade, não dão conta de explicar por que as pessoas, em todos os lugares, acreditam em deuses, espíritos, em outros reinos de existência diferentes do da vida diária, mas que interagem com ele. Por exemplo, para Geertz (1989, 67), religião é: (1) um sistema de símbolos que atua para (2) estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras motivações nos homens através da (3) formulação de conceitos de uma ordem de existência geral e (4) vestindo essas concepções com tal aura de fatualidade que (5) as disposições e motivações parecem singularmente realistas. Lewis-Williams; Pearce, entretanto, nota que essa definição omite um elemento crucial: Geertz não explica como esse “sistema de símbolos” e o que ele chama de “conceitos de uma ordem de existência geral” pode conseguir “aura de fatualidade”. O ponto omitido é o primeiro de três dimensões interconectadas da religião: experiência, crença e prática, pois, “Euphoric and transcendent religious experience derives from the human nervous system” (LEWIS-WILLIAMS; PEARCE 2005, 25). As técnicas para provocar ENOC descritas anteriormente como as meditações, práticas religiosas diversas, uso de psicoativos, etc., podem conduzir às experiências religiosas. Segundo LEWIS-WILLIAMS; PEARCE (2005, 26), nesses estados mentais, a pessoa pode, por exemplo, interpretar essas experiências como prova da existência sobrenatural de um reino cosmológico, justificando os “conceitos de uma ordem de existência geral” descrito por Geertz. Todas as religiões, para serem religião, devem acreditar ou, melhor ainda, ter experiências religiosas com entidades sobrenaturais, deuses, espíritos, entre outros. As crenças religiosas derivam da tentativa de sistematizar as experiências religiosas dentro das circunstâncias sociais dadas. O ambiente cultural provê uma base comum de 46 experiências para todas as pessoas, elas podem compreender do que se está falando como uma rede de construção e compartilhamento de significados. Mesmo assim, ocorrem rupturas e divisões de tempos em tempos. Tanto Freud quanto Jung perceberam que o mito se enraíza no inconsciente (CAMPBELL 1991, 70). Qualquer um que se entregue a um trabalho de criação literária sabe que a gente se abre, se entrega, e o livro nos fala e se constrói a si mesmo. Até certo ponto, você se torna o portador de algo que lhe foi transmitido por aquilo que se chama as Musas, ou, em linguagem bíblica, “Deus”. Isso não é força de expressão, isso é um fato. Uma vez que a inspiração provém do inconsciente, e uma vez que a mente das pessoas de qualquer pequena sociedade tem muito em comum, no que diz respeito ao inconsciente, aquilo que o xamã ou o vidente traz à tona é algo que existe latente em qualquer um, aguardando ser trazido à tona. [...] O vidente que diz coisas que os membros da comunidade não querem ouvir é simplesmente ineficiente. Certamente será marginalizado (CAMPBELL 1991, 71). 2.7. A RELIGIÃO As práticas religiosas incluem rituais que têm por função levar o praticante a ter as experiências que o levarão a manifestar suas crenças religiosas. Essas práticas podem consistir em rituais, desde ascender uma vela, participar de complexas iniciações, seguir procissões ou outros tipos de peregrinação, pagar o dízimo, construir templos e catedrais, até a realização de atos fundamentalistas e terroristas, guerras santas como as Cruzadas e outras que pregam o horror contra os que não compartilham das mesmas crenças. As práticas religiosas são fundamentalmente sociais, mesmo os anacoretas dependem de um sistema de crenças socialmente compartilhado e de circunstâncias econômicas mínimas que os mantenham. As três dimensões interconectadas da religião inevitavelmente implicam numa vida social, econômica e política. 47 Fig. 13. As três dimensões interconectadas da religião, o contrato social e o contrato de consciência. Essas relações não são fixas, elas podem variar de intensidade entre o racional (contrato social) e o religioso (contrato de consciência) dependendo do indivíduo, da cultura e outras circunstâncias, mas se mantêm sempre presentes. LEWIS-WILLIAMS; PEARCE 2005, 287. Experiência, crença e prática, as três dimensões da religião, são as contrapartes da vida racional e social do dia-a-dia que Lewis-Williams; Pearce chamam de contrato de consciência, fazendo um paralelo ao contrato social da filosofia rousseauniana. Elas entram para atender essa outra dimensão, com as seguintes buscas: - the experimental foundations of beliefs in supernatural realms and beings; - the origins of cosmologies that represent both material and spiritual components of the universe; - the origin of social distinctions that are based on esoteric knowledge and experience, and which therefore cut across brute force, age and sex; - and also the ways in which these experiences, cosmologies and social distinctions can be marshalled in activities that we call religions practices (LEWIS-WILLIAMS; PEARCE 2005, 39). No caso da experiência cosmológica, “a técnica xamânica por excelência consiste na passagem de uma região cósmica para outra, da Terra para o Céu ou da Terra para o inferno” (ELIADE 2002, 287). Os xamãs realizam isso através de uma estrutura própria do Universo que interliga esse “cosmo em camadas”, o axis mundi, o eixo do mundo ou ainda, o pilar cósmico, que passa por uma “abertura”, um “buraco”, por onde os deuses, os mortos, os xamãs podem subir e descer em suas viagens celestes ou infernais (ELIADE 2002, 287). 2.8. EFEITOS DA AYAHUASCA NA PSIQUE Uma das técnicas que auxiliam os xamãs a transitar entre as regiões cósmicas em seus transes, está no uso de psicoativos como a ayahuasca. Portanto, 48 será visto nessa seção os efeitos mais comuns que essa bebida exerce sobre os indivíduos. Os efeitos da ayahuasca começam a aparecer entre vinte minutos e uma hora após sua ingestão. Geralmente, a primeira coisa que se observa é uma alteração na maneira de se perceber as luzes e objetos no ambiente. Quando o efeito se torna mais forte, é comum aparecerem alguns sintomas físicos, o corpo pode sentir algumas mudanças como pressões, pulsações que vem e vão, zumbidos, amortecimento, algumas vezes enjôo, calor e/ou frio repentino. Essas sensações estão associadas à “chegada da Força”, expressão comumente usada em religiões ayahuasqueiras como no Santo Daime e na UDV. Nesse ponto, podem surgir visões de luzes, padrões coloridos diversos, treliças, ziguezagues, espirais e vórtices, que aos poucos podem dar lugar a visões de cenas e imagens mais complexas, conforme já descrito nos três estágios de ENOC. As mirações que são geradas pela ayahuasca, ou permitidas que por ela sejam percebidas,39 são de modo geral consideradas reais pela pessoa que as observa, às vezes até mais reais que as “reais”, consistindo isso em parte da eficiência nos casos de mudanças de crenças e hábitos do indivíduo, reflexões pessoais e de cura. Devido à capacidade de gerar mirações, os seringueiros amazonenses chamam, jocosamente, o chá de cinema de índio na época da extração da borracha. Sob o efeito da bebida, a pessoa pode ficar como se estivesse ao mesmo tempo acordada e em um estado parecido ao do sonho, onde diversos conteúdos pessoais, estados emocionais, preocupações, desejos, questões, buscas espirituais, o contexto do meio, orientação externa (hinos, histórias, doutrinas, músicas, icaros40), crenças, medos e expectativas pessoais, podem influenciar na experiência do indivíduo. É comum aparecerem situações do dia-a-dia como assuntos familiares, relacionamentos ou de trabalho, com algum componente de reflexão sobre esses temas, às vezes até com importantes insights sobre essas questões, sejam elas atuais ou antigas. Algumas características mais comuns dos ENOC encontrados na ayahuasca e também em outros psicoativos similares estão resumidas abaixo. Elas são baseadas nos estudos sobre a psicologia da ayahuasca de Grob (2002, 228), complementados com citações de Shanon, algumas anotações pessoais, bem como 39 Ver no final da tese “Especulações para trabalhos futuros”. 40 Cantorias mágicas xamânicas. 49 um paralelo em Pierre Weil e as descrições desse autor sobre a experiência cósmica, reforçando assim os argumentos levantados no início do Segundo Capítulo. Aqui estão misturadas características positivas e negativas das experiências: 1. Alterações no pensamento como mudanças subjetivas na capacidade de concentração, atenção, memória e julgamento, com possível diminuição ou expansão da capacidade de reflexão. 2. O senso alterado da duração do tempo, uma pequena fração dele pode dar a sensação de um tempo muito longo e vice-versa. Segundo SHANON (2002, 203), a linearidade do tempo também pode sofrer rupturas. Essas discrepâncias podem dar a sensação de que a existência pessoal não está condicionada a questões temporais no sentido tradicional do termo: “as pessoas entram numa outra dimensão; o tempo não existe mais e o espaço tridimensional desaparece” (WEIL 1976, 10). Outros exemplos podem ser vistos como em De Quincey: The sense of space, and in the end, the sense of time, were both powerfully affected. Buildings, landscapes, &c. were exhibited in proportions so vast as the bodily eye is not fitted to receive. Space swelled, and was amplified to an extent of unutterable infinity. This, however, did not disturb me so much as the vast expansion of time; I sometimes seemed to have lived for 70 or 100 years in one night; nay; sometimes had feelings representative of a millennium passed in that time, or, however, of a duration far beyond the limits of any human experience (DE QUINCEY 2003, 76). Ou em Saniga: One of the most striking and persistent symptoms of the so-called “altered” states of consciousness are undoubtedly distortions in the perceptions of time and space. Time is frequently reported as flowing faster or slower, expanded or contracted, and may even be experienced as being severely discontinuous (“fragmented”). In extreme cases, it can stop completely or expand unlimitedly. The sense of space is likewise powerfully affected. Space can appear amplified or compressed, condensed or rarefied, or even changing its dimensionality; it can, for example, become just twodimensional (“flat”), acquire another dimensions, or be reduced to a dimensionless point in consciousness (SANIGA 1998, 1). 3. Medo de perder o autocontrole e a noção de realidade, medo de morrer, o que pode causar uma reação do indivíduo contra a experiência, gerando ansiedade: Passado pouco menos de uma hora, senti que meu estado de consciência estava alterado. Comecei a ter medo de entrar em pânico e começar a pedir ajuda (anotações pessoais – 15/08/2003 – 1ª sessão). 50 4. Se existir condicionamento cultural positivo e compreensão da experiência, estados mentais negativos como os acima descritos podem dar lugar a outros positivos, como experiências místicas e transcendentes: “o senso de que algo grande, respeitável e sagrado está ocorrendo” e também “desaparecimento do medo da morte: a vida é percebida como eterna, mesmo se a experiência física é transitória” (WEIL 1976, 10). 5. Mudanças na expressão emocional associadas à diminuição da vontade ou controle consciente, podendo gerar emoções que vão do êxtase ao desespero. 6. Mudanças na percepção da auto-imagem, geralmente associadas com a dissolução de fronteiras entre o eu e os demais, onde o senso de realidade própria pode temporariamente ser perdido ou alterado. A experiência pode ser estranha e assustadora ou, então, mística, um estado oceânico de integração cósmica, principalmente se apoiada dentro de um contexto de sistema de crenças condicionado para a emergência de encontros espirituais. Shanon relata casos mais raros, onde a sensação era como “It was no longer clear to me who I was” (SHANON 2002, 199), acontecendo algumas vezes de a pessoa assumir a identidade de outra que estava no ambiente, o mesmo podendo acontecer ao observar certos objetos. Outro exemplo aqui são os relatos encontrados sobre as transformações de xamãs em animais e as experiências de “Being connected to or integrated within some sort of super-consciousness” (SHANON 2002, 201). Weil (1976, 10) descreve a experiência de dissolução como de unidade, “o desaparecimento da percepção dual Eu-Mundo”. 7. Alterações e hiper-agudeza nas percepções, aumento da imaginação, cujo conteúdo é influenciado por expectativas culturais, influência do grupo e das psicodinâmica fantasias de medos individuais. Podem subjacentes e refletir conflitos. a expressão Mecanismos neurofisiológicos podem induzir à visão de padrões geométricos e 51 alterações nas luzes, cores e formas.41 Também pode ocorrer sinestesia,42 ou seja, a troca de uma experiência sensorial por outra. 8. Mudança no sentido e significado das coisas. Pode ocorrer uma experiência de insight com profunda significação para o indivíduo, de grande sabedoria ou de apenas uma ilusão auto-imposta. Pode ocorrer uma mudança do sistema de valores e de comportamento, muitas vezes ligados à beleza, verdade, bondade (WEIL 1976, 10). 9. Sentido do inefável. A dificuldade em explicar a experiência para pessoas que não a viveram: “Fiquei bem, pois a letra ‘C’ estava dentro de um quadrado sobre um fundo cinza azulado” (anotações pessoais – 15/08/2003 – 1ª sessão). Ou seja, “a experiência não pode ser descrita com a semântica usual” (WEIL 1976, 10). 10. Desenvolvimento de um novo senso de esperança, rejuvenescimento e renascimento, que pode ser temporário ou levar a ajustes mais positivos no humor e no visual do indivíduo. 11. Hiper-sugestionabilidade. Aumento da suscetibilidade em aceitar sem críticas afirmações específicas. A posição de um xamã, ou de quem eventualmente dirige uma sessão envolvendo psicoativos, conseqüentemente se investe de grande responsabilidade, pois as induções verbais e não-verbais podem influenciar fortemente os participantes. Os conteúdos e os resultados das experiências de ENOC estão freqüentemente ligados à integridade e à capacidade de quem dirige o grupo. 12. Sentido noético. Muitas experiências são descritas como absolutamente mais reais do que a realidade cotidiana (WEIL 1976, 10). Além das características descritas acima, sob o efeito da ayahuasca o indivíduo pode experimentar a sensação de que os pensamentos que lhe ocorrem não são seus, próprios: “Content is passing through my mind, but I am not experiencing myself as being the source that generates it” (SHANON 2002, 198). Na 41 42 Além da visão, o olfato, o tato, o paladar e a audição podem igualmente ser afetados. Estudos sobre sinestesia podem ser encontrados nas pesquisas de V. S. Ramachandran e E. H. Hubbard como no artigo Psychological Investigations into the Neural Basis of Synaesthesia (The Royal Society nº 268, 979-983). 52 consciência ordinária, as pessoas dialogam constantemente consigo mesmas; com a ayahuasca, esse diálogo pode acontecer em diversos níveis, um deles como o descrito por SHANON e outro onde o diálogo parece ser com outra pessoa, porém com consciência de que se trata de um diálogo interno, apenas com maior independência entre as falas: “tive umas auto-observações fortes de me ouvir falando, achar estranho e intrigante a minha escolha do assunto e as palavras que apareciam do nada” (anotações pessoais – 15/08/2003 – 1ª sessão). Ou seja, a própria pessoa se observava falando, intrigada de onde saíam as palavras e de onde vinha o critério de seleção delas, de que maneira elas surgiam coerentemente e sem preparo anterior, isto é, sem tempo de “pensar no que iria pensar” e de como era esse mecanismo misterioso que era vivido ali, sem ter a menor idéia de seu funcionamento. Na quarta experiência pessoal (de 20/09/2003), ainda dentro da experiência de diálogos internos, bastante atormentado com o pensamento sobre a possibilidade de perder pessoas próximas, a mesma sensação de duplicidade apareceu em um diálogo onde o “outro”, muito calmo e lúcido, mostrava que se tratava de temores imaginários, não de intuições, conseguindo reverter o mal-estar em um sentimento de calma e confiança. Em nenhum momento foi imaginado que se tratasse de um guia, anjo, mestre, entidade ou algo parecido, mas é possível que, para algumas pessoas com expectativas místicas dessa natureza, uma experiência similar possa dar a impressão de ter algum ente espiritual auxiliando. Pode ocorrer a sensação que outras pessoas estão captando os pensamentos, como se fossem casos de telepatia: “Thoughts are experienced as being not private” (SHANON 2002, 199). Em relação à auto-imagem, podem ocorrer sensações de alteração no tamanho, peso e forma do próprio corpo ou em partes dele: A sensação mais forte inicial me perturbou quando comecei a sentir partes do rosto, mas de forma assimétrica, lado direito do queixo e parte superior esquerda da testa, parecia ‘errado’, eu queria que fossem as mesmas partes de um lado e outro (anotações pessoais – 18/10/2003 – 7ª sessão). Como outro exemplo, Shanon cita Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, nas cenas onde Alice crescia ou diminuía anormalmente de tamanho. Além da relatividade na sensação da passagem do tempo, a ayahuasca pode fazer o indivíduo vivenciar memórias do passado e realizar planos e especulações referentes ao futuro: “Ayahuasca may act as a kind of time machine (SHANON 2002, 203). 53 Em relação à capacidade de identificação com pessoas e objetos, a transformação em animais, a sensação de perder a identidade, as experiências de dissociação, de divisão do self, não significa, por paradoxal que isso pareça, algum tipo de perda da autoconsciência: I have learned with Ayahuasca (some will say, from Ayahuasca) is that radical as the effects of the brew are, I can always maintain a residue that is my own, normal self (SHANON 2002, 203). O enfraquecimento da fronteira entre o mundo interior e o exterior pode fazer com que o indivíduo sinta-se bastante conectado com o mundo e seus objetos, sejam eles animados ou inanimados. Outra sensação bastante descrita é em relação à percepção do mundo real. Muitos ayahuasqueiros descrevem que, sob o efeito da bebida, a realidade parece ser “More real than real” (SHANON 2002, 205). Isso parece estar associado ao aumento da sensibilidade e percepção que a bebida favorece. Além disso, o indivíduo pode sentir-se em contato com o conhecimento verdadeiro, não através de análise e reflexão, mas de contato direto ou identificação como nas respostas: “I Just felt it ou I experienced this as evident. That’s it” (SHANON 2002, 206). Não devem ser esquecidas as diversas formas não convencionais de percepções sonoras. Com a ayahuasca particularmente, sons ambíguos do ambiente podem se transformar em sons conhecidos pelo indivíduo: Num determinado momento, comecei a ouvir algo como um coaxar de sapo. O som era seguido e quase que eu ouvia MES-tre, MES-tre (risos). Reparei que era muito continuo, dai percebi que era o relógio do salão. A impressão de ser um coaxar foi, provavelmente, porque tirei um sapo do local antes de iniciar a sessão (anotações pessoais, 12 dez. 2003 – 13ª sessão). Sons diversos podem sofrer algumas distorções, parecer roncos, por exemplo. A percepção musical pode sofrer alterações, certas qualidades sonoras chamar mais a atenção, além de que podem influenciar nas visões: “No ambiente estavam tocando algumas músicas, dentro de minha cabeça se formavam verdadeiros movieclips delas” (anotações pessoais, 15 ago. 2003 – 1ª sessão); “As músicas ficaram lindíssimas, ouvi detalhes que o cérebro normalmente corta. Cheguei a ouvi a flauta de uma das músicas numa dimensão enorme, percebi até a respiração do flautista” (anotações pessoais, 11 jul. 2005 – 59ª Sessão); “[...] D. P. deu vários gritos fortes, parecia imitando um jaguar, sendo que o primeiro me pegou de surpresa e literalmente vi o grito dele num splash de cor branca que formava círculos em volta” (anotações pessoais, 14 jul. 2008 – 121ª sessão). 54 Os efeitos descritos nessa sessão não esgotam o assunto. É comum as pessoas que possuem vasta vivência com a ayahuasca descreverem que cada experiência tem sua própria dinâmica, portanto as possibilidades são infinitas. Os tópicos apresentados se referem às experiências mais comumente vividas pelos indivíduos e que despertam o interesse de vários ramos da ciência atual voltados ao estudo da consciência humana. 2.9. AYAHUASCA E CRIATIVIDADE A questão que pode ser colocada aqui é se um psicoativo pode tornar alguém mais criativo ou se pessoas criativas podem tirar partido de suas experiências com ENOC, do mesmo modo que fariam com qualquer elemento inspirador na vida cotidiana. Os efeitos da ayahuasca não são apenas visuais ou dos sentidos, eles podem trazer “conversas internas”, reflexões, descobertas, insights, fazendo jus ao fato de que certas plantas psicoativas, como foi visto, são conhecidas como plantas professoras. Luna (1983) relata que xamãs atribuem a origem de seus conhecimentos sobre medicina, ajuda espiritual, cantos mágicos, entre outros, aos ensinamentos recebidos dessas plantas professoras (ver também SHANON 2000, NARBY 1998, METZNER 2002). Considerando, então, todas essas possibilidades, Shanon comenta que, “apparently, ayahuasca can push the human mind to heights of creativity that by far exceed those encountered ordinarily” (SHANON 2000, 18), portanto, é natural que se pense em aumento da criatividade. Considerando que as visualizações muitas vezes contêm elementos inéditos para o indivíduo, o produto artístico dessas observações pode resultar em material de grande originalidade e criatividade. Não só em artes visuais, mas se estendendo às outras formas artísticas como a música ou mesmo a reflexões filosóficas, como aponta Shanon: “Especially let me mention philosophical insights attained by drinkers without prior formal education. Some of these resemble ideas encountered in classical works as those of Plato, Plotinus, Spinoza and Hegel” (SHANON 2000, 18). Shanon ainda relata sua própria experiência, de ser capaz de improvisar ao piano por mais de uma hora, algo que ele jamais havia conseguido 55 anteriormente, e comenta: “[...] it occurred to me that I had had the most wonderful piano lesson of my life. Since then I have been free-playing without ayahuasca” (SHANON 2000, 18). Labate cita: “a utilização da ayahuasca para o desenvolvimento dos talentos musicais de cada um” (LABATE 2004, 420) em atividades realizadas pelo músico de pseudônimo Mano, que “promove workshops musicais em diversos países do mundo” (LABATE 2004, 422). Não é o caso de alguém acreditar que se tornará um artista criativo usando psicoativos, muitas vezes a produção de um trabalho escrito, musical ou visual, não mostra a qualidade imaginada pelo autor quando este retorna ao seu estado comum de consciência: “– ele escrevia como um louco sob o efeito de drogas. Depois que terminava o efeito, via que boa parte daquilo era lixo” (WOLFE 1993, 57 – se referindo ao escritor Ken Kesey). Porém, as pessoas que desenvolveram seus talentos nas áreas artísticas podem “materializar” o conteúdo de suas visões em obras, seja através de pinturas, esculturas, nas diversas artes visuais ou através da poesia, literatura, da música e do teatro. Labate comenta: “Parece inevitável que artistas (por exemplo, escritores, músicos e atores) descobrissem a ayahuasca. Afinal, há muito tempo poetas usam drogas – do haxixe à mescalina, passando por coca e outras” (2004, 433). Os estudos sobre a possibilidade de essas substâncias psicoativas aumentarem ou não a criatividade são relativamente antigas. Já em 1897, Arthur Heffter isolava o componente ativo do peiote, a mescalina. Carneiro nos conta: “Nessa época, Havelock Ellis empregou mescalina para estudos sobre a criatividade, tendo ministrado essa droga para poetas como Yeats e para pintores” (CARNEIRO 2005, 65). É importante frisar, novamente, que nenhum psicoativo tornará alguém um artista criativo e original. Fechamos aqui com o pensamento de Shanon: Obviously, without the vehicle, the driver would not be able to attain the fast speeds he/she does; at the same time, in order to drive the car and obtain good performances from it, one should be an experienced driver (SHANON 2000, 18). 2.10. AS VISÕES DA AYAHUASCA As representações inspiradas pela ayahuasca geralmente são realizadas pelos artistas após o efeito da bebida, com base na memória da experiência vivida 56 pelo indivíduo. É pouco comum que o artista tente realizar algo durante o efeito da ayahuasca. Disso decorre que, não obrigatoriamente, parte da experiência possa se perder, uma vez que se torna difícil traduzir integralmente o que foi vivido entre esses dois estados de consciência. É comum a pessoa vivenciar conteúdos de modo compreensível e inspirador, que se tornam difíceis de trazer o mesmo sentido para vida consciente do dia-a-dia. As visões mais comuns relatadas aqui são baseadas no trabalho de SHANON (2002) no seu livro The Antipodes of the Mind. Essas visualizações, ordenadas quantitativamente na pesquisa, parecem fazer parte do que foi chamado de Estágio 3 da trajetória intensificada de consciência (ENOC), portanto nem sempre aparecendo formas geométricas mais puras como as grades, ziguezagues, catenárias, pontos e outras imagens típicas dos estágios iniciais, apesar de muitas vezes terem sido “construídas” a partir delas e que se referem ao Estágio 2. Em algumas descrições encontramos as derivações das espirais e vórtices na forma de túneis e escadas, por exemplo, que serão vistas nas imagens escolhidas nos capítulos adiante. Na pesquisa realizada por Shanon, são comuns, em primeiro lugar, as visualizações de conteúdo pessoal como cenas ocorridas no passado e que podem revelar situações diversas que se refletem no presente. Em segundo, seguem-se as visões com pessoas. As mais comuns são com pessoas próximas do convívio, parentes falecidos ou, então, pessoas famosas e personalidades como, por exemplo, o “Rei Salomão”, santos diversos, cientistas, artistas, entre outros, de acordo com as preferências, crenças ou atenção que o indivíduo dá, consciente ou não, a essas figuras na época da experiência com a bebida: Comecei a visualizar pessoas, entre elas meu pai. Veio uma forte sensação de ajudá-lo espiritualmente, pedir uma bênção espiritual para ele. (anotações pessoais, 07 set. 2003 – 3ª sessão). Então me apareceu a miração de minha mãe. Tive o impulso de conversar com ela. Parecia ser plenamente possível. Ela estava bem, animada e feliz. Pena que não consegui ir além. Em seguida, me apareceram outras pessoas da família, veio [uma amiga] toda psicodélica, em padrões ziguezague violeta, azuis e rosa pelas pernas e em volta, como uma espécie de aura (anotações pessoais, 20 set. 2003 – 4ª sessão). Tive uma miração com imagens daqueles mestres ascensionados, me deu a impressão que o primeiro foi o Kut-Humi numa representação que havia no Manual Rosacruz. Em seguida me apareceu o S. João Batista (!). Era um homem de aparência um pouco rude (do povo) e de cabelos bem negros e cacheados. Eu “mandei” ele embora, não queria interagir com essa miração, 57 me deu receio de “acreditar” nisso e lutei contra (anotações pessoais, 23 jun. 2004 – 30ª sessão). Uma categoria especial se refere aos guias e professores que podem ser vistos como fadas e anjos ou mesmo como o espírito da planta professora (ver LUNA 1983; 1996). No contexto do Santo Daime, um exemplo é a Rainha da Floresta, que trouxe as revelações do Santo Daime ao Mestre Irineu. Na minha própria experiência: Tive algumas associações curiosas, mas não me lembro de todas. A miração maior que tive foi uma luz que se estendia desde o chão até o céu numa floresta. Na porção do céu estava o Mestre Gabriel. Meus pensamentos diziam que o Mestre Gabriel ia me mostrar qual a ligação da União do Vegetal com a minha família. No mesmo instante que essas imagens e pensamentos se formavam, meu racional interferiu achando que isso tudo não fazia sentido, que misturei as coisas que fiz essa semana, como a genealogia da família, mais as coisas da União por causa da burracheira 43 (anotações pessoais, 30 out. 2004 – 43ª sessão). Ainda na categoria pessoas, são descritas visualizações onde o indivíduo se identifica de modo especial com outro, geralmente de alguma época histórica diferente, levando alguns a especular se se trata de vivências de encarnações passadas. Também podem ocorrer cenas de convívio social como danças, procissões, rituais, reuniões e cenas de rua. Em terceiro, o mundo natural. Aqui, os animais aparecem em maior freqüência. Serpentes e outros répteis são os mais comuns, seguidos de felinos, pássaros, outros animais, animais mitológicos e, finalmente, a flora: “Quando deitei tive um pouco de visões, alguns padrões de flores e ornatos” (anotações pessoais, 20 dez. 2003 – 14ª sessão). As imagens podem incluir florestas, jardins com fontes, piscinas e cachoeiras, campinas e savanas. Shanon comenta que, em suas visões, associa as serpentes com “wisdom, enchantment, seduction, and healing” (SHANON 2002, 118). Relatos sobre transfigurações do ser humano em outros animais ou vegetais são muito recorrentes nos mitos ameríndios sobre a origem da ayahuasca. Nas experiências com ayahuasca, são comuns as mirações de serpentes: Tradicionally, ayahuasca is closely linked to serpents (see Dokkin de Rios, 1973; Harner, 1973c; Luna and Amaringo, 1993; and Lagrou, 1998). 43 Termo usado no âmbito da UDV se referindo ao efeito produzido pela ayahuasca. O termo provavelmente deriva de borracho que em língua espanhola é o mesmo que embriagado em português. Embriagado também é usado pelos ayahuasqueiros de língua espanhola se referindo ao efeito da ayahuasca. 58 Serpents are also extremely common both in my own visions and in those of my informants (SHANON 2002, 118). Criaturas e seres mitológicos e fantasmagóricos aparecem em quarto lugar. São visualizações de gnomos, elfos, fadas e monstros de todos os tipos, extraterrestres, anjos, seres celestiais ou semideuses, muitas vezes figuras benevolentes que podem ser identificadas com a figura de Jesus Cristo ou a Virgem Maria, a Grande Mãe, Buda, divindades egípcias, hindus ou pré-colombianas, entre outras. Criaturas híbridas, meio homem, meio animal, como as sereias, por exemplo, ainda demônios, monstros e seres da morte, ou seja, teriomorfismo que, além de ser uma característica das visões em ENOC, aparecem em diversos mitos e cultos religiosos desde a antiguidade. Aqui também são comuns os relatos sobre transfigurações: Vi torços femininos nus que levitavam, indo e voltando. Onde seriam as mãos, as pernas e a cabeça, eram tentáculos vestidos com estas malhas de lycra agarradas à pele. Os tentáculos afinavam, quase como um rabo de cobra, dava a impressão de algo futurista. Era bem visível o sexo, mas não parecia humano, pareciam estas modelagens em 3D em softwares gráficos (anotações pessoais, 04 out. 2003 – 6ª sessão). O universo cultural, em quinto lugar, compreende cidades, complexos arquitetônicos, palácios e templos, túneis, galerias, corredores, escadarias, trabalhos de arte variados como pinturas, esculturas e objetos preciosos. Todos aparecendo em épocas atuais ou remotas das diversas culturas do planeta, de forma comum ou encantada. Aparecem aqui veículos de transporte por ar, terra, mar ou espaço, carruagens, navios, naves espaciais. Instrumentos musicais, livros, scripts e símbolos como mandalas e bandeiras. Em sexto, lugares e paisagens como cidades, mas não como complexo arquitetônico, mas como civilizações antigas ou “futuristas”. Prados, campinas, pastos, vistas panorâmicas de montanhas, marinhas, lagos, barrancos, cachoeiras, ilhas, savanas e lugares exóticos. Comunidades indígenas, como a dos Shipibo e Campa, relatam que, com ayahuasca, são capazes de viajar e ver outros lugares: Tive várias visões, algumas com seres alados, outras com imagens de softwares 3D que andei usando esta semana. A mais forte delas foi que eu estava num vale com espinhos enormes e vivos que saíam do chão. Eles se movimentavam. Do lado deste vale existiam uns prédios, na verdade uns maquinários de concreto que viravam e batiam com força. A sensação ali naquele lugar é que a vida é muito frágil (anotações pessoais, 12 dez. 2003 – 13ª sessão). História e evolução, religião e mito aparecem em sétimo lugar. Visualização de cenas históricas de diversos períodos, guerra, coroações e pompa, 59 episódios históricos famosos que chamam a atenção do indivíduo. Ritos religiosos de diversas culturas, sacrifícios, cerimônias pagãs, romarias, danças, rituais geralmente associados a um extraordinário sentimento de grupo ou de forte presença das forças da natureza. Índios usuários da ayahuasca relatam que a bebida os capacita a participar na história da criação como testemunhas e compreender o conceito moral contido nela. SHANON (2002, 130) comenta que três dos seus informantes relataram a criação do universo a partir de formas geométricas. Grupos indígenas, como os Tukano, usam figuras geométricas como símbolos diversos associados com a criação. As visões da ayahuasca estão intimamente relacionadas aos mitos e à revelação dos mesmos. O Divino, em oitavo, refere-se a cenas celestiais e divinas, como as descritas na Bíblia por Ezequiel ou no Apocalipse de São João. Reinos plenos de Luz e Bênçãos são descritos. SHANON descreve uma de suas próprias visões: Celestial and heavenly scenes I have witnessed included chariots with magnificent white horses, a ring of animals around an expanding sky, and an opening of the heavens which might be called the entrance to the Kingdom of God (SHANON 2002, 130). Entrada essa que muitos relatam como os buracos ou túneis por onde a comunicação com os espíritos ocorre. Uma escada que toca os céus, anjos que sobem e descem por ela, como nas visões da escada de Jacó, é outra forma comum onde essa comunicação pode ser visualizada. Cenas do paraíso estão presentes, tipicamente descritas como serenas, de beatitude e reino do supremo Bem. Índios relatam que, sob o efeito da bebida, podem ver ou estar na presença de Deus. Finalmente, outras categorias importantes incluem: [a] visões do sol, lua e estrelas. No Santo Daime, há um hino chamado “Sol, Lua e Estrela”. O hino oficial da UDV fala em Sol, Lua e Estrela, e é comum seus templos serem decorados com a imagem desses corpos celestes. Ayahuasqueiros freqüentemente descrevem viagens interplanetárias, sobrevoarem a Terra ou viajarem mais longe pelo espaço sideral; [b] curandeiros tradicionais dizem que, sob o efeito da bebida, conseguem visualizar a parte interna dos corpos de seus pacientes, outros descrevem que puderam penetrar em partes de seus próprios corpos e até mesmo nas células; [c] o mundo das idéias platônicas, os arquétipos e objetos matemáticos, muitas vezes são vivenciados e compreendidos sob o efeito da bebida; [d] nascimento e morte são ambos encontrados na experiência com a ayahuasca. 60 Na pesquisa de Kensinger (1973, 12), à guisa de exemplo, entre os índios Caxinauá, a visão de grandes serpentes coloridas e brilhantes aparece em primeiro lugar, seguida da visão de jaguares e jaguatiricas. Em terceiro, os espíritos, tanto da ayahuasca como outros. Em quarto, aparecem árvores, muitas vezes árvores caídas. Em quinto, lagos, geralmente cheios de serpentes e jacarés. Em sexto, a visão do povoado Caxinauá e de outras tribos. Em sétimo, produtos e mercadorias. Finalmente, em oitavo, a visão de jardins. Os depoimentos falam em mudanças e transformações. É comum a sensação de escuridão, que é interrompida por flashes de luzes brilhantes e coloridas. A noção de tempo e espaço é distorcida. As visões geralmente envolvem cenas do dia-a-dia dos Caxinauá. Entretanto, alguns depoimentos conseguidos por Kensinger descrevem, com precisão, lugares distantes geograficamente, onde o informante jamais esteve, nem viu fotos, como por exemplo, a cidade de Pucallpa. Kensinger relata que as descrições feitas pelos índios eram suficientes para reconhecer certas lojas e sinais existentes na cidade (KENSINGER 1973, 12). 3. O HISTÓRICO – GERAÇÕES AYAHUASQUEIRAS A possibilidade de desenvolver pesquisas como esta tese derivou de um longo caminho, desde o uso da ayahuasca pelos índios na floresta até chegarem aos grandes centros urbanos. Este capítulo mostra, em linhas gerais, um pouco desse caminho. O uso da ayahuasca pode ser dividido em quatro momentos históricos diferentes: aparentemente, o grupo mais antigo é formado pelos [1] indígenas da floresta amazônica que cultuam a ayahuasca. Seguem-se o fruto dos casamentos entre indígenas e os imigrantes colonizadores, dando origem aos [2] mestiços, que conheceram os usos da ayahuasca e desenvolveram rituais sincréticos, se tornando curadores e “bruxos”, conhecidos como xamãs, curandeiros e/ou vegetalistas. No início do século 20, surgem os [3] fundadores das religiões brasileiras, seringueiros que tiveram contato com a ayahuasca através desses usos disseminados para além dos grupos indígenas e, por fim, [4] as conseqüentes dissidências, novos usos, 61 adaptações religiosas, neo-xamanismo e demais grupos independentes que surgem constantemente. 3.1. 1ª GERAÇÃO – OS PIONEIROS Há inúmeros grupos indígenas que utilizam a ayahuasca. Os grupos descritos abaixo fazem parte de um número muito maior existente na Amazônia. Todos possuem suas lendas e histórias a respeito da ayahuasca e dos seus mitos, sendo exemplos da importância da ayahuasca para a cultura desses povos. Seja pelo lado religioso, cosmológico, prática de feitiçaria, transformação em animais, uso médico, pelas visões do mundo espiritual ou as que podem revelar a presença de inimigos ou de animais para a caça na floresta, a ayahuasca é usada como bebida sagrada por esses grupos. Alguns mitos relatados aqui servem de exemplo, visto no capítulo anterior, do “contrato de consciência”. Um deles é o conceito do cosmo em camadas, isto é, a divisão cosmológica entre o mundo material e outros de natureza espiritual que podem estar numa esfera celeste ou, então, debaixo da terra ou mesmo submersos. Alguns grupos indígenas acreditam que esses outros mundos podem ser percebidos apenas em condições especiais de consciência, como os facilitados pelo uso da ayahuasca. Os povos indígenas descritos aqui consideram esse mundo visionário tão real quanto o mundo material. Em relação à arte desses povos, nos desenhos e pinturas há um misto de inspiração nas mirações, mas também uma estereotipia própria do patrimônio cultural de cada um. De modo geral, os motivos são padrões geométricos, ziguezagues, pontilhados, círculos isolados ou concêntricos, meia-voltas, espirais, quadriculados, sintetizações de figuras de animais, bastante similares aos motivos encontrados nas pinturas pré-históricas. Alguns exemplos da arte desses povos, principalmente dos índios Shipibo e Tukano, estão presentes neste trabalho. 62 3.1.1. Povos Tukano44 Para os Airo-pai, o mundo das atividades cotidianas, as coisas que são vistas de olhos abertos no mundo objetivo, são apenas uma face da realidade chamada iyetente. Porém há o mundo dos espíritos e monstros invisível aos olhos, mas sempre presente e que é possível ver com “[...] um tipo de visão especializada – toyá, que se adquire através do yajé45” (LUZ 2004, 50). A famosa cerimônia yurupari dos Tukano, um ritual de comunicação com os antepassados, constitui a base da vida social e serve de rito de iniciação para os homens adolescentes. A sagrada trombeta de cortiça que invoca o espírito yurupari é um tabu para as mulheres, influi favoravelmente sobre os espíritos da fertilidade, efetua curas e fortalece o poder e o prestígio do homem sobre a mulher. Os Tukano acreditam que, quando os primeiros homens chegaram para povoar o Vaupés, “depois de o Sol macho ter fertilizado a Terra fêmea com seu raio fálico e as primeiras gotas de sêmen se terem tornado as primeiras pessoas” (FURST 1976, 79), tiveram lugar muitos acontecimentos extraordinários: nos rios, viviam serpentes escondidas, peixes perigosos, e o ar era povoado por espíritos canibais. Um mito relata que, entre os primeiros Tukano, vivia uma mulher, a primeira mulher da criação que “afogou” os homens em visões. Os Tukano dizem que, durante o sexo, o homem se “afoga”, o que equivale em sua língua a ter visões (SHULTES; HOFMANN 2000, 131). A primeira mulher engravidou do Sol-pai através do olho, mais tarde dando à luz um filho que foi o caapi, a criança yajé, o cipó psicoativo. A mulher Yajé cortou o cordão umbilical e esfregou a criança com plantas mágicas, a fim de dar a ela forma humana. A criança cuidou zelosamente de seus poderes alucinógenos até a velhice (SHULTES; HOFMANN 2000, 131). Foi dele que os Tukano receberam o sêmen: Gerardo Reichel-Dolmatoff escreveu que para o índio “a experiência alucinógena é essencialmente sexual [...] ao sublimá-la, ao passar do erótico, do sensual, a união mística com a era mitológica; o estado intra- 44 Os grupos Tukano compreendem vários povos como os Desaná, Tukano, Pira-Tapuya, Uanano, Karapana, Tuyúka, Mirití-Tapuya, Yurití-Tapuya, Cubeo, Barasana entre outros (REICHEL-DOLMATOFF 1968, 4). De outra fonte ainda: Arapaço, Bará, Makuná, Siriáno e Siona. Maiores informações: <http://socioambiental.org/pib/portugues/linguas/outrfam.shtm>. Acesso: 28 jul. 2008. 45 Nome Tukano para a ayahuasca. 63 uterino é a última meta que só alcançam alguns poucos, mas que todos desejam (SHULTES; HOFMANN 2000, 131). Os desenhos e pinturas criados pelos Tukano em cestas, lanças, decoração de vasilhas e utensílios domésticos em geral, são abstrações geométricas e motivos figurativos. Os Tukano dizem reconhecer os desenhos realizados por alguém sob influência da ayahuasca: “Isto é o que alguém vê quando bebe três copos de yajé”, às vezes pode-se até especificar a planta usada pelos efeitos narcóticos das diferentes preparações (REICHEL-DOLMATOFF apud SHULTES; HOFMANN 2000, 132).46 Os Tukano dividem a ayahuasca em seis espécies diferentes em relação aos efeitos provocados, a intensidade da força e dos tipos de visualização resultantes (SHULTES; HOFMANN 2000, 124). Os índios Siona (família lingüística Tukano ocidental) vivem no sul da Colômbia e norte do Equador. Esses índios criam desenhos, copiando “daqueles vistos adornando os espíritos e seus objetos durante os rituais alucinógenos” (LANGDON 2007, 67). Da mesma maneira que outros grupos amazônicos que usam ayahuasca em seus rituais, os xamãs usam a bebida47 para entrar em contato com os espíritos. Os Siona acreditam que esses espíritos habitam os cinco planos do universo – o mundo terrestre e os quatro níveis do céu que, em ordem ascendente, são: “’beneath the earth’, ‘first heaven’, ‘second heaven’, ‘third heaven’ and ‘little metal heaven’” (LANGDON 2007, 42). Esses cinco níveis são concebidos como discos achatados comparados com a superfície circular usada na tribo para fazer a farinha de mandioca (LANGDON; BAER 1992, 42). Essa imagem Siona corresponde a mais um modelo do “cosmo em camadas” bastante comum nas experiências de ENOC. Do mesmo modo que em outras tribos pelo mundo afora, o xamã é a figura que circula entre dois mundos, o “deste lado”, o mundo material, e o do “outro lado”, o mundo sobrenatural/espiritual. O mundo espiritual influencia através de diversos modos os acontecimentos do mundo terrestre. Através da ingestão do yajé, o xamã pode contatar os “supernatural agents which give life and power to this reality” (LANGDON; BAER 1992, 46). O uso principal do yajé é como auxiliar divinatório, servindo para compreender as atividades dos espíritos a fim de manter ou restaurar 46 As referências bibliográficas trazem vários livros de Reichel-Dolmatoff, mas o texto não especifica de qual se trata. 47 “Os Siona reconhecem pelo menos doze classes diferentes de yajé” (LANGDON 2004, 71). 64 o bem-estar da comunidade como um todo ou dos membros individualmente (LANGDON; BAER 1992, 46). A experiência da ayahuasca entre os Siona não é realizada de forma isolada: “para eles, a experiência faz parte da comunidade como um todo, e não só do xamã” (LANGDON 2004, 71). Portanto, as visões dos Siona com a ayahuasca, além de aspectos universais da experiência, são influenciadas pelo xamã pelas descrições das visões que ele faz, pelos cânticos e pelos instrumentos musicais usados durante o ritual, ou seja, a experiência é mediada sempre pela cultura. Langdon descreve os estágios que os Siona aprendizes de xamãs precisam passar: Deve-se atravessar três estágios para que o espírito possa sair do corpo e viajar com o xamã. No primeiro estágio, o aprendiz apenas experimenta náuseas e desconforto, que podem ser acompanhados por vômitos e diarréia. [...] Em tempos míticos, o povo Plêiades, os primeiros a tomarem yajé, passaram por isso em sua experiência inicial com a substância... O estágio seguinte se caracteriza por visões aterrorizantes. Começam a surgir serpentes grandes e pequenas, que se enroscam em torno do noviço. [...] Durante as visões de destruição e morte, aparece uma mulher alta, com seios compridos e pendurados, que se lamenta pelo jovem aprendiz, falando que ele vai morrer e perguntando por que tomou o yajé. Ela usa um pano comprido decorado com motivos geométricos. O aprendiz vira criança e é embrulhado no pano. Então essa mulher – a Mãe yajé – lhe dá de mamar. É nesse ponto, no momento de renascimento como filho da Mãe yajé, que o aprendiz começa a ter as verdadeiras visões. O povo Whinha, seus espíritos aliados especiais, baixam até ele; há cores maravilhosas e desenhos por toda a parte. [...] A anaconda se aproxima de maneira rítmica. O Siona monta em suas costas e começa a jornada às diferentes esferas, caracterizada por uma linda paisagem, seres espirituais e os sempre desenhos geométricos (2007, 72). Os desenhos dos Siona costumam ser padrões geométricos formados principalmente por linhas retas, ziguezagues, triângulos, semicírculos e pontos coloridos, mas não na forma de labirintos, como os desenhos Shipibo, e com menos associações simbólicas evidentes, como nos desenhos dos Tukano orientais (fig.09). Tampouco há a presença de desenhos na forma de espirais, apenas algumas curvas e semicírculos, apesar de que há visões de serpentes e da experiência do universo dividido em camadas ou níveis espirituais. Langdon comenta: Todos os desenhos são classificados como toya, que quer dizer visão, desenho, aparência e pintura. A forma verbal toya significa “desenhar” e ultimamente também “escrever”. As pinturas são classificadas em dois grupos: do toya (“só desenho”) e ?iko toya (desenhos yajé), inspirados em visões alucinógenas. O “só desenho” é normalmente utilizado para se referir a elementos básicos que são combinados para formar desenhos yajé, vistos em rostos e objetos (2007, 80). Os desenhos yajé são combinações e recombinações do toya e possuem significados ou mensagens. Embora não existam dois desenhos yajé semelhantes, 65 os desenhos são criados em cima de elementos básicos padronizados (LANGDON 2007, 80). Além das visões, os xamãs Siona acreditam que a ayahuasca lhes dá o poder (dau) de se transformar em jaguar (LANGDON; BAER 1992, 42). Reichel-Dolmatoff (1968, 33) descreve que, para os Desana, o universo é composto por três zonas cósmicas sobrepostas: uma Zona Superior ou celeste, uma Zona Intermediaria, que corresponde à terra, e uma Zona Inferior ou paradisíaca. Na Zona superior, está a Via Láctea, vista por esse povo como uma mecha de fibras de cumaré (Astrocaryum) que flutua numa corrente tormentosa que se curva sobre a terra. Essas fibras de coloração amarelada ou esbranquiçada representam um fluxo de sêmen viril que fecunda a Zona Intermediária, a terra. A Via Láctea é considerada uma zona de comunicação entre os seres terrestres e seres sobrenaturais. Esses contatos são intermediados por profundas concentrações e por uso de psicoativos, entre eles a ayahuasca. Fig. 14. Porta vaso Desana em forma de vórtice. Temas derivados das mirações. Lewis-Williams; Pearce 2005, 266. A figura 15 abaixo mostra o detalhe de uma fotografia de um índio Tukano ao lado de um desenho gravado em rocha de granito em Nyí, baixo Piraparaná, Colômbia. O Sol-Pai desposou a Mãe-Terra nessa zona turbulenta do rio. A vagina é representada acima pelos triângulos concêntricos e o falo a figura alada. A figura 16, ao lado, refere-se a um monólito com gravações de peneira e cobra, bem como espirais e pontilhados, também ligado aos Tukano. Os desenhos Tukano da figura 17 são induzidos pela ayahuasca. As figuras humanas estilizadas à esquerda e à direita são representações do “Pamuti-maxsë”, que “era um homem, um criador de gente, a quem o Sol enviou para povoar a Terra” (REICHEL-DOLMATOFF 1968, 18). A figura 18, ao lado, é um desenho da visão de um xamã Tukano. A explicação dada 66 6 pelo xamã é que a parte sup perior do painel mostra uma a “porta”; ela está á orna amentada por p espirais (LEWIS-W WILLIAMS; PEARCE 200 05, 271), b bastante similares àss enco ontradas em e Newgra ange, que também possui p esp pirais diante de uma a porta ou u entra ada (ver ad diante). Fig. 15. O So F ol-Pai e a Mã ãe-Terra. Schultes; Hofmann H 200 00, 133. Fig. 16 6. Monólito Tukano T em U Uapuí, cachoe eira do rio Aiari. Vidal 2007, 45. Foto B B. G. Ribeiro,, 1978. a visão de um m xamã Tuka ano. LEWISFig. 18. Desenho da WILLIAM MS; PEARCE 2 2005, 271. Fig. 17. Desenh ho Tukano induzido pela ayyahuasca. LEWIS E -WILLIAM MS; PEARCE 2005, 270. 67 3.1.2. Shipibo-Conibo Ayahuasca, medicina, embriágame bien! Ayúdame abriendo tus hermosos mundos para mí! También tu hás sido creada por Dios, el creador de los seres humanos. Ábreme todos tus mundos medicinales. Quiero curar los cuerpos enfermos: quiero curar a este niño enfermo y a esta mujer enferma, haciéndolo todo bien. Canção da ayahuasca dos Shipibos (SHULTES; HOFMANN 2000, 126). Os Shipibo-Conibo são tribos situadas na parte leste do Peru, ao longo da região do rio Ucayali, conhecida por suas tapeçarias e cerâmicas desenhadas com complexos padrões geométricos inspirados nas experiências com ayahuasca. Uma experiência típica descrita por xamãs Shipibo-Conibo está em viajar em uma canoa sobrenatural tripulada por demônios, a fim de recapturar a alma roubada de um paciente doente preso em outra canoa de demônios de um xamã inimigo. Um não xamã, sob a influência da ayahuasca, pode, do mesmo modo, ter sua alma levada embora por uma canoa tripulada por esses demônios (SHULTES; HOFMANN 2000, 128; HARNER 1973, 158), cuja tripulação é conduzida por um jaguar amarelo e por um puma preto (HARNER 1973, 164). Sob a influência da bebida, os Shipibo-Conibo vêem geralmente anacondas gigantes, serpentes venenosas e jaguares, com menor freqüência outros animais. O xamã principiante, sob influência da ayahuasca, acredita que adquire serpentes gigantes que se tornam seus demônios pessoais para serem usados em sua defesa em batalhas sobrenaturais contra outros xamãs (HARNER 1973, 164). Os Shipibo possuem uma arte de estilo quase inconfundível. A inspiração vem das mirações com a ayahuasca, mas é um bom exemplo de como a cultura acaba influenciando toda a produção de um grupo, passando por gerações o mesmo estilo. Os desenhos são aplicados em cerâmicas, bordados, nas pinturas corporais, tapetes, pinturas e também estão associados aos icaros ou cânticos sagrados e de cura. Tanto os desenhos, como os icaros, são recebidos pelo xamã em transe com a ayahuasca, e podem estar intimamente ligados de forma sinestésica, isto é, os desenhos podem ser cantados não apenas como se fossem partituras, mas os próprios sons. Os desenhos, às vezes, lembram mandalas orientais, círculos 68 sagrados com labirintos, pontos e padrões que remetem às visões entópticas do Estágio-1. CÁRDENAS (2007, a14) observa que os bordados de Herlinda Augustín, artista xamã Shipibo, “à primeira vista parecem mandalas orientais [...] círculos sagrados e labirintos [...] parecem um vitral gótico e, especialmente, os triângulos, cruzes e escadas que parecem neurônios em sinapses: contêm a descrição Shipibo de melodias”. Muitos padrões geométricos, apesar de que em geral combinam retas e curvas, formam figuras em espiral (figuras 19 e 20). 69 Fig. 19. Arte Shipibo em tapeçarias. Fotografia de Sabine Rittner. Disponivel em: <http://www.musictherapyworld.de/modules/ mmmagazine/issues/20070718101131/20070 718103053/09_Die_Shipibo_Frauen.jpg>. Acesso: 03 jan. 2008. Fig. 21. Pintura em cerâmica dos índios Shipibo. SCHULTES; HOFFMAN, 2000, 130. Fig. 20. Bumbo com desenho Shipibo. Disponivel em: <http://www.fairgotrading.com.au/images/web_dru m_shipibo.jpg>. Acesso: 14 ago. 2008. Fig. 22. Herlinda Augustín “cantando” seus desenhos. Disponivel em: <http://www.elcomercio.com.pe/edicionImpresa/pdf /2007/10/05/ECCC051007a14.pdf>. Acesso: 14 ago. 2008. 70 3.1.3. Caxinauá Na mitologia dos índios Caxinauá – pertencentes ao ramo lingüístico Pano, localizados no Alto do Bode, subindo o Rio Jordão e o Purus, no Acre – Yo Buié Nawa Tarani, um antepassado Caxinauá foi à mata procurar jenipapo para pintar o corpo de seu filho recém-nascido. Lá, em uma situação curiosa, conhece uma linda jovem que mora no fundo de um lago, e ele se apaixona por ela. No outro dia, voltando ao lago, Yo Buié tenta pegar a jovem à força, eles lutam, ela se transforma em cobra, cipó espinhoso, aranha, fogo, mas ele não a larga. Voltando à forma humana, ela pergunta o que ele quer dela. Ele confessa que quer que ela seja sua mulher, omitindo, porém, que ele já possuía uma família. A jovem acaba aceitando se casar com Yo Buié e o leva para sua casa no fundo do lago. Antes, ela colheu todos os tipos de ervas para fazer um suco e derramou nos olhos, orelhas e em todas as juntas do corpo de Yo Buié. Assim, ele pôde seguir com ela sob as águas do lago até a casa da jovem. Os parentes dela eram cobras e serpentes que habitavam o lago. Yo Buié passa então a viver como marido dessa mulher-cobra. Um dos hábitos da família de cobras e serpentes era tomar cipó, e Yo Buié perguntou se poderia tomar também. A princípio, seu pedido foi negado, pois ele teria muito medo, pois pensaria que as cobras e serpentes iriam comê-lo, mas, com a insistência dele, eles permitiram. Logo nas primeiras visões, Yo Buié grita que as cobras o querem engolir. Sua mulher, então, se transforma em cobra e, com seu pai e sua mãe, canta para acalmar Yo Buié. A vida seguiu feliz, os esposos tiveram quatro filhos, dois meninos e duas meninas, até que um dia Iskin, um pequeno peixe encouraçado, descobre a verdade sobre a outra família de Yo Buié e vai atrás dele jogar sua raiva. Yo Buié resolve falar a verdade e pede ajuda para sair dali. Iskin colheu muitas ervas e jogou o suco nas orelhas, olhos e em todas as juntas do corpo de Yo Buié, e ele volta para sua aldeia, para o espanto de todos. Yo Buié ficou escondido por um tempo, e sua família do lago estava triste e com dificuldades. Certa vez, voltou para a floresta caçar, e uma de suas flechas cai a dois metros da margem do rio. Ao pôr Yo Buié os pés na água, Yo Buié dá de cara com uma de suas filhas, que reclama de sua ausência, mas ele não responde o motivo, e ela tenta devorá-lo. Como é pequena e 71 não consegue, pede ajuda para o resto da família. Quando ele estava sendo devorado dos pés até a cintura, chegam seus parentes da terra, preocupados com sua demora e livram Yo Buié esmagando o rabo da cobra que foge ferida. Yo Buié fica paralítico dos ombros para baixo. Sentindo-se enfraquecido e perto da morte, Yo Buié se lembra da bebida de cipó que aprendeu a fazer no lago, e pede para seus parentes e amigos que procurem na floresta todos os tipos de cipó e de folhas de árvores pequenas que encontrarem. Assim, Yo Buié separa as plantas certas e amassa então os talos do cipó e coloca para ferver numa panela junto com as folhas. Após o cozimento, a bebida é coada e deixada esfriar. À noite, todos se reuniram, beberam a bebida e tiveram muitas mirações. Yo Buié teve uma visão que morreria em breve, o que veio acontecer três dias depois. Foi assim que o mito relata como iniciou o costume dos Caxinauá de beber ayahuasca, para eles o nixi pae, que significa “sob o efeito do cipó” (KEIFENHEIM 2004, 97), para poder ver todas as coisas do presente, do passado e futuro e do além, que não podem ser vistos com os olhos da carne.48 Usa-se o nixe pae para poder ver os espíritos, os yuxin, “que habitam plantas e animais e reconhecendo estes como huni kuin, gente nossa” (LUZ 2004, 38). A bebida também é usada como importante meio de preparação para a morte: “É através da ingestão do nixe pae que o indivíduo se dá conta da separação que há entre seu bedu yuxin, o espírito que vê, que tem consciência, e o seu corpo” (LUZ 2004, 38). No artigo de Kesinger (1973, 9), há outro depoimento Caxinauá de experiência com o nixi pae, que mostra um quadro geral dos costumes da tribo: Nós bebemos nixi pae. Antes de começar a cantar, nós conversamos um pouco. Comecei a sentir a bebida; eu então bebi mais um pouco. Logo iniciei a tremer todo. A terra tremeu. O vento soprou e as árvores balançaram. […] O povo nixi pae começou a chegar. Eles tinham arcos e flechas e queriam atirar em mim. Eu fiquei com medo, mas eles me disseram que suas flechas não me matariam, apenas me deixariam mais embriagado. [...] Grandes serpentes coloridas e brilhantes rastejavam pelo chão. Elas começaram a rastejar sobre mim. Uma grande serpente fêmea tentou me engolir, mas eu estava cantando e ela então não conseguiu. [...] Eu ouvi cornetas feitas de rabo de tatu e muitas rãs e sapos cantando. O mundo estava transformado. Tudo começou a brilhar. Eu me movia muito rápido. Não o meu corpo, mas os olhos do meu espírito. [...] Eu vi muitos jardins cheios de mandioca e plantações. As choupanas estavam cheias de milho. As prateleiras estavam cheias de amendoim. [...] Eu desci pela trilha até a vila. Havia muito barulho, era o som das pessoas rindo. Eles estavam 48 Texto completo do mito pode ser encontrado na internet no endereço: <http://raizculturablog.wordpress.com/2008/01/31/ayahuasca-e-sua-ancestralidade/>. Acesso: 07 mar. 2008. 72 dançando kacha, a dança da fertilidade. Todos estavam rindo. Muitas mulheres estavam grávidas. Eu estava feliz. Eu sabia que nós ficaríamos bem e teríamos alimentos com abundância. O texto a seguir faz parte das histórias e lendas dos índios Huni Kui, “Povo Escolhido ou Povo Verdadeiro, Genuíno”, termo que os Caxinauá atribuem a si mesmos (LAMB 1985, 35): Há muitos anos, no tempo dos nossos ancestrais, quando eles estavam apenas começando a entender os usos do honi, havia um homem chamado Macari. Ele disse a seu povo: — Amigos, vou beber o extrato do cipó honi para ver as almas de nossos ancestrais mortos. — Assim falou Macari a seu povo. Esse homem tinha uma mulher; seu nome era Maxina. Macari foi, então, para a floresta, cortou pedaços do cipó honi e trouxe-os para sua casa. Maxina esmagou os pedaços de cipó, colocou-os numa grande vasilha com água e levou-a ao fogo. Deixou ferver e, então, retirou-a do fogo para esfriar. [...] Agora, o efeito da bebida aparece em Macari e as visões começam. [...] Ele vê a grande jibóia. Um jacaré monstruoso tenta comê-lo. Depois, muitas e muitas jibóias saem e ele vê todas elas. Então, vê os espíritos de seus ancestrais. [...] Macari vê um macaco coata gigante gritando e gritando [...] Então, um grande escorpião aparece e quer comer o coata [...] Depois, Macari tem visões coloridas. [...] Está pendurado num grande galho em cima de uma lupuna gigante. Quer descer, mas não consegue; está muito cansado. [...] O abutre-rei vê esse homem e sente pena dele e diz: — Homem, eu vou ajudá-lo a descer. Suba nas minhas costas e segure-se. [...] Abrindo suas asas, o grande pássaro voa para fora dos galhos fantasmas da lupuna e leva Macari para casa. [...] Seu povo sai e pergunta: — O que você viu em suas aventuras? Ele relembrou e lhes contou tudo, e ficaram maravilhados. Mas levou muito tempo até que eles descobrissem realmente como controlar as visões produzidas pelo honi xuma. E então Xumu explicou: — Havia duas coisas erradas no modo como Macari tomou honi xuma. Foi feito por uma mulher, o que é errado, e ele tomou sozinho, sem ninguém para ajudá-lo. E isso é muito perigoso. Pode arruinar a mente de um homem se ele não souber como controlar as visões (LAMB 1985, 115). 3.1.4. Manchineri O povo Manchineri, pertencente ao povo Arúak, “se encontra espalhado por diversos ‘ambientes’: Terra Indígena Mamoadate, Seringais Guanabara, São Francisco e Macauã, cidade de Assis Brasil, Peru e Bolívia” (MERCANTE 2000, 16). Para esse povo, do mesmo modo que para diversos grupos indígenas, vários mundos estão entremeados dentro deste (o cosmo em camadas) e podem se manifestar de acordo com o estado de consciência do indivíduo, que pode ou não estar associado ao uso da ayahuasca, apesar de esta bebida ser de uso bastante comum entre eles (MERCANTE 2000, 82). 73 Para os Manchineri, um dos sinais de que o sujeito pode ser iniciado na aquisição das técnicas xamânicas é o encontro com seres sobrenaturais, como o Caboclinho do Mato, que é [...] um homem pequeno que vive na mata. Ele é o responsável por administrar o quanto se pode ou não caçar. Além disso, é um dos espíritos que ensinam aos aprendizes de pajé. Tais ensinamentos se dão em geral durante sessões de ayahuasca, e o encontro com um ser desses em um estado ordinário de consciência é sempre um evento bastante perigoso [...] O Caboclinho do Mato era um índio que se transformou em Encantado de tanto tomar cipó. Ele foi transportado para o mundo espiritual com corpo e tudo, sem passar pela morte (MERCANTE 2000, 37). A ayahuasca, além dos aspectos mitológico/culturais, é usada por esse povo direcionada aos trabalhos de cura. Os xamãs principais são chamados de Karrunhotí, porém, segundo Mercante (2000, 61), parece que esses grandes xamãs já não existem mais entre os Manchinei, é encontrado apenas “um grande número de rezadores, que se preocupam de males menores e atendimentos diversificados” (MERCANTE 2000, 61). A aquisição do poder por um Karrunhotí, antes que conquistado, é dado à pessoa por um ser físico ou espiritual: Todo o processo de formação do Karrunhoti é um meio pelo qual se prepara o corpo e a mente para que o conhecimento possa ser percebido e recebido. Para se perceber deve-se estar pronto para receber, no local certo, na hora certa, e com um estado de espírito correto, além é claro de um preparo físico básico [...] Forma-se então a ponte entre mundos, uma ponte viva na pessoa do xamã, do pajé, do Karrunhoti (MERCANTE 2000, 43). 3.2. 2ª GERAÇÃO – VEGETALISTAS RIBEIRINHOS Ribeirinho se refere aos residentes em áreas rurais não tribais da Amazônia, incluindo os descendentes de índios, de uniões entre amazônicos e europeus, amazônicos e africanos e os descendentes de imigrantes iniciais de diferentes áreas do Brasil, Peru e outros países andinos (LUNA 1996, 9). Também são conhecidos por mestiços. Luna se ocupou em sua pesquisa dos xamãs praticantes entre a população ribeirinha da Amazônia peruana, que serve neste estudo como exemplo da segunda geração ayahuasqueira. O uso da ayahuasca começa a sofrer algumas transformações, pois as tradições indígenas primordiais sofrem influência da cultura dos colonizadores: “[...] e incorporam técnicas e conceitos que procedem de outras latitudes (espiritismo, magia negra e magia branca, esoterismo, técnicas da new age ou das recentes 74 medicinas alternativas)” (ZULUAGA 2004, 135). No caso da Amazônia, a presença dos seringueiros que se mudavam para trabalhar na extração da borracha e também dos missionários religiosos em fins do século 19 e princípios do século 20, deu origem à tradição conhecida como dos vegetalistas: “[...] é uma pessoa que adquiriu conhecimento de uma planta e que normalmente usa essa planta para fazer um diagnóstico e às vezes também para curar seus pacientes” (LUNA 1996, 25); e também: “São eles representantes de uma cultura xamânica de idade imprecisa, que, além dos amazônicos, têm também claros componentes andinos e cristãos” (LUNA 2004, 183). Deve-se ressaltar aqui que os vegetalistas usam várias plantas professoras, também conhecidas como plantas de poder, como aliadas. Alguns vegetalistas podem ser exclusivamente ayahuasqueiros, porém outros escolhem plantas como o tabaco ou o toé (Datura insignis), além de ser possível realizar várias combinações da ayahuasca com outros vegetais como os índios Shipibo, Tukano ou Siona já costumavam fazer: Quando o mestre xamã escolhe o tipo de yajé que vai preparar para o rito, já há indicação de qual domínio do universo ele quer “mostrar” para os outros e também dos aspectos físicos da viagem, tais como seres e ritmo (LANGDON 2004, 72). Dessa forma, os ribeirinhos vegetalistas herdaram dos índios várias práticas e conhecimentos indígenas relativos aos rituais da ayahuasca, criando sincretismos diversos. Don Emílio, um dos vegetalistas entrevistados por Luna, em conversa sobre a origem do uso da ayahuasca, disse que foram os seringueiros que a haviam descoberto (LUNA 1996, 25). Os vegetalistas mantiveram muito das práticas usuais dos índios, como os cantos mágicos, icaros, os rituais de cura, dietas,49 contatos com o mundo espiritual, feitiçaria, o conhecimento sobre as plantas e o aprendizado com elas, entre outros. Xamãs isolados ajudaram a difundir a ayahuasca, sendo aqui que alguns brasileiros, imigrantes do Nordeste, durante o período da extração da borracha, acabaram descobrindo esse chá, criando então algumas religiões brasileiras com populações não indígenas, como o Alto Santo, a Barquinha e a União do Vegetal e a conseqüente expansão para centros urbanos em todo o Brasil. Luna comenta que 49 ...evitar ingerir sal, açúcar, temperos e gorduras, não deve estar exposta de modo direto ao calor do sol ou ao fogo, e tem de se manter isolada, guardando suas energias sexuais (LUNA 2004, 186). Esse procedimento é parecido com os rituais peiote dos índios Huichoi no México (FURST 1976, 81). Parecem ser uma associação de várias práticas para o mesmo fim como descritas no segundo capítulo. 75 seus informantes parecem fazer parte de uma geração de transição entre os costumes indígenas e as novas adaptações xamânicas influenciadas pelo esoterismo europeu (LUNA 1996, 28). De certa maneira, isso se corrobora, quando sabemos que Mestre Irineu e Mestre Gabriel, fundadores do Alto Santo e da União do Vegetal, respectivamente, além de ligação anterior com práticas religiosas afrobrasileiras, ambos tinham contato com o Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento. Apesar de todas as polêmicas que podem rondar o uso da ayahuasca pelos índios e vegetalistas, o Governo peruano reconheceu o uso da ayahuasca como Patrimônio Cultural de seu país. A notícia foi dada em 12 de julho de 2008, pelo diário oficial do país, El Peruano.50 3.3. 3ª GERAÇÃO – DA FLORESTA PARA AS CIDADES No Brasil, nas décadas iniciais do século vinte, apareceram os primeiros sincretismos religiosos envolvendo o cristianismo, o espiritismo e tradições indígenas e africanas com a bebida sacramental ayahuasca. Podemos relacionar o início da urbanização da bebida com o período da extração da borracha na floresta amazônica, onde diversos brasileiros de outros Estados imigraram para os seringais amazonenses. Alguns desses seringueiros tiveram contato inicial com os nativos que utilizavam o chá, criando então mais tarde as religiões que foram fundadas após os ciclos da borracha. GOULART (2004, 11) comenta que “os fundadores de todas elas eram nordestinos que migraram para a região amazônica”. De fato, Raimundo Irineu Serra (fundador do Alto Santo) e Daniel Pereira de Mattos (fundador da Barquinha) eram naturais do Maranhão e chegaram ao Acre no começo do século 20 para trabalhar na exploração da borracha. José Gabriel da Costa (fundador da UDV) era baiano e participou do segundo ciclo da extração nos seringais, se alistando no “Exército da Borracha”, em 1943. Atualmente, diversas religiões ayahuasqueiras se formaram no Brasil, muitas das quais dissidentes das primeiras, além de grupos 50 Resolução de número 863 do Instituto Nacional de Cultura (INC), publicada no jornal El Peruano, sábado, dia 12 de julho de 2008. 76 independentes que usam a ayahuasca como parte do ritual ou para fins terapêuticos e pesquisas. 3.3.1. CICLU51 e o Alto Santo Na década de 1930, surge na cidade de Rio Branco, no Acre, o Alto Santo, fundado pelo seringueiro conhecido por Mestre Raimundo Irineu Serra. A bebida, assim como a nova religião, fica sendo conhecida como Santo Daime. Mestre Irineu nasceu em São Vicente Ferret, Maranhão, em 15 de dezembro de 1892, e faleceu em 1971, aos 79 anos. Em texto do site oficial do Santo Daime – CEFLURIS,52 encontramos: No final da primeira década do século, embarcou para o então Território do Acre, onde se estabeleceu próximo à cidade de Basiléia, na fronteira do Peru. Foi ali, no coração das florestas da América do Sul, que o Mestre Raimundo Irineu Serra cristianizou as tradições caboclas e xamânicas da bebida sacramental ayahuasca, conhecida desde antes dos incas e rebatizou-a com o nome de Daime, significando, com isso, a invocação espiritual que deveria ser feito pelo fiel, ao comungar com a bebida: Dai-me amor, Dai-me Luz, etc.53 Mestre Irineu teve contato pela primeira vez com a bebida através dos irmãos André e Antônio Costa, que conheciam um grupo que bebia o chá na floresta peruana. Antônio Costa comentou, numa das vezes que beberam o chá, que uma senhora de nome Clara disse que acompanhava o Mestre Irineu desde sua saída do Maranhão e que, em breve, ela entraria em contato com ele diretamente. Na sessão seguinte, depois de beber ayahuasca e deitar-se na rede, Mestre Irineu teve a visão dessa “Senhora” sentada dentro da Lua, a quem ele chamou de “Deusa Universal”, que mais tarde se tornará identificada como a “Nossa Senhora”, a “Virgem Maria”, a “Rainha da Floresta”, “Lua Branca” ou a “Virgem da Conceição” (GOULART 2004; LABATE 2004; COUTO 2004). Mestre Irineu recebe dela instruções para se submeter a 51 Centro de Iluminação Cristã Luz Universal. 52 Centro Eclético da Fluente Luz Universal Raimundo Irineu Serra, ramo que derivou do Alto Santo. 53 Texto extraído do site do Santo Daime: <http://www.santodaime.org/origens/irineu.htm>. Acesso: 22 dez. 2007. 77 uma dieta especial54 para ser capaz de receber o que ela estava preparando para ele. Quando terminou o período da dieta, ela apareceu, dizendo-lhe que pedisse o que quisesse. O Mestre pediu para ser o maior curador do mundo e para que ela colocasse no chá tudo que pudesse curar. É também nesse momento que o Mestre Irineu é instruído a chamar a bebida de Daime (GOULART 2004, 31-35): Percebemos que, na ótica do adepto, a mudança de nome do chá e, em última instância, a criação do culto do Santo Daime, apontam para uma evolução, sendo, portanto, os antigos usos da bebida entendidos como de um grau ou estágio inferior (GOULART 2004, 33). Mestre Irineu funda, então, com os irmãos Costa, o Centro de Regeneração e Fé (CRF), também conhecido como Centro da Rainha da Floresta (LABATE 2004, 69). O ritual do Santo Daime consiste na ingestão da ayahuasca, da concentração, do cântico dos hinos e do bailado, estes dois últimos introduzidos mais tarde. As reuniões costumam acontecer duas vezes ao mês, além das festas religiosas que coincidem com as festas cristãs tais como São João, Natal, Dia dos Mortos, dia de Nossa Senhora da Conceição, entre outros. Os hinos são “recebidos” pelos daimistas; são o contato do devoto com a realidade sagrada, sendo os mais valorizados os dos líderes da religião, como o hinário do Mestre Irineu. O bailado é parte importante da doutrina. Considerado sagrado, algo característico que vem da religiosidade popular, é outro meio de estabelecer contato com os seres espirituais. Sem a dança, a música e a festa, a comunicação com a realidade sagrada seria difícil de estabelecer. 3.3.2. Barquinha. Em 1945, Daniel Pereira de Mattos, após freqüentar por aproximadamente 10 anos o culto do Mestre Irineu, funda a Barquinha (Centro Espírita e Culto de Oração Casa de Jesus Fonte de Luz), na zona rural de Rio Branco. A saída de Daniel ocorreu de maneira pacífica, consentida e apoiada na época pelo próprio Mestre Irineu (GOULART 2004,10). 54 “[…] que fizesse um retiro na mata, onde deveria passar oito dias só comendo macaxeira insossa, sem ver nenhum rabo de saia e bebendo o líquido poderoso” (LABATE 2004, 68). 78 Daniel Pereira, nascido em 1888 em São Sebastião da Vargem Grande, no Maranhão, foi considerado um grande boêmio das noites de Rio Branco. Adormecido certa vez sob forte chuva, recebe, ainda bêbado, uma mensagem, onde dois anjos desciam do céu com um livro para ele.55 “Anos depois, recebeu a mesma mensagem ao cair enfermo e ser tratado pelo conterrâneo Raimundo Irineu Serra” (ARAÚJO 2004, 542). A partir daí segue o culto do Mestre Irineu e começa a receber salmos que comporão parte do ritual da Barquinha criada por ele. O ritual da Barquinha (no caso, do Centro Espírita e Culto de Oração Casa de Jesus Fonte de Luz)56 consiste, além do uso da ayahuasca, na incorporação de entidades espirituais próximas do panteão umbandista: “The Pretosvelhos and Pretas-velhas are spiritual entities that come from the pantheon of Umbanda, an essentially Brazilian religion, which has possession as one of its main characteristics” (MERCANTE 2006, 191). Das três principais religiões ayahuasqueiras do Brasil, o ritual da Barquinha é o mais complexo e muito rico em simbologias. Além do Centro Espírita Príncipe Espadarte, há ainda outros centros, como o Centro Espírita Daniel Pereira de Mattos, fundado por Antonio Geraldo, o Centro Espírita Fé, Luz, Amor e Caridade (Centro de Maria Baiana), do casal Juarez Xavier e Maria Rosa, o Centro Espírita Inácio de Loyola, de Antônio Inácio da Conceição, e o Centro Espírita Nossa Senhora Aparecida, do casal Sheila e José do Carmo. 3.3.3. Centro Espírita Beneficente União do Vegetal José Gabriel da Costa, o Mestre Gabriel, como ficou conhecido, nasceu a 10 de fevereiro de 1922, em Feira de Santana, Bahia. Ele bebeu ayahuasca pela primeira vez em 1959, na selva amazônica, através de um antigo seringueiro chamado Chico Lourenço (LABATE 2004, 81). Em 22 de julho de 1961, ele funda a União do Vegetal na Amazônia, em região próxima da fronteira com a Bolívia. Em 55 Segundo outro relato, trata-se de um livro azul com a missão do Mestre Daniel, ver LABATE 2004, 77. 56 Da Barquinha original, surgiram outras, e pode haver diferenças nos rituais, nos objetos usados e na arquitetura de cada uma. 79 1965, muda-se para Porto Velho, Rondônia. Em 1967, o grupo sofre perseguição por parte da polícia, que chegou a prender Mestre Gabriel. Nessa época, a UDV não tinha ainda registro oficial; era o momento de fazê-lo. Foi constituída uma sociedade civil, primeiramente chamada de Associação Beneficente União do Vegetal, e foi feita uma publicação no jornal Alto Madeira, da “Convicção do Mestre”, uma defesa pública dos princípios e objetivos da UDV. Esse documento, junto com outros mais, continuam sendo lidos durante as sessões ordinárias (sessões de escala, na terminologia da UDV) da União do Vegetal. No início da década de 1970, a União teve novamente suas atividades temporariamente suspensas pela Divisão de Segurança e Guarda do Território do Guaporé (atual estado de Rondônia). A UDV impetrou um mandado de segurança e alterou a denominação da sociedade para o registro definitivo de Centro Espírita Beneficente União do Vegetal (CEBUDV).57 Fig. 23. Mestre Gabriel e discípulos. Reportagem da Revista O Cruzeiro de 14 de Julho de 1971. <http://www.udv.org.br/portugues/area_azul/fotos_jpg/1_revista_cruzeiro.jpg>. Acesso: 03 jan. 2007. As Sessões de Escala da UDV acontecem no primeiro e no terceiro sábado de cada mês, iniciando às 20h00 e finalizando às 00h15, sendo dever de todos os sócios estarem presentes. Além dessas Sessões de Escala, há ainda as Sessões de Escala Anual e Sessões Extras, que podem ser marcadas por diversos motivos especiais. Normalmente, as sessões são dirigidas por um mestre, segundo 57 Informações tiradas do site oficial da União do Vegetal: <http://www.udv.org.br/portugues/area_amarela/sol_pagina_interna_3/sol_pagina_a_missao_do_mes tre_6.html>. Acesso: 03 jan. 2007. 80 a hierarquia interna, mas há ocasiões em que outros menos graduados podem ser convidados a dirigir uma sessão. A hierarquia da UDV é formada pelos sócios, depois os discípulos do Corpo Instrutivo, Corpo do Conselho e o Quadro de Mestres, possuindo este último alguns graus – Mestre Representante, Central e Geral – de acordo com a responsabilidade assumida. As mulheres não chegam a mestres, podem chegar até o Corpo do Conselho e dirigem sessões em ocasiões especiais. Na UDV, há a História da Hoasca (grafia interna). Na versão transmitida no âmbito da UDV, a história é intercalada com chamadas (invocações) feitas pelo mestre dirigente da sessão. Segundo AFRÂNIO (1995, 123), diversos “mestres de curiosidade”58 conheciam fragmentos da História da Hoasca. A história que eles contavam fala de certo rei Ayu Am-Brazil, que, após a morte da sua rainha, agarrouse a uma árvore desesperadamente. A árvore, então, jorrou seu sangue, e o rei morre agarrado a ela. Do corpo do rei, nasce um cipó; da sepultura da rainha, nasce um arbusto.59 Mestre Gabriel completa a história, mas com elementos um pouco diferentes. Primeiro, localiza o evento no tempo: “antes do dilúvio universal”. O rei não se chamava Brazil e, sim, Inca. O rei tinha uma conselheira, e não uma rainha, que se chamava Hoasca. Ela morre e o rei fica desorientado. Na sepultura dela, nasce um pé de árvore diferente de todas que existiam. O rei então chamou essa árvore de Hoasca. Anos mais tarde, nasce naquele reinado um menino de nome Tiuaco, que cresce e se torna o marechal de confiança do rei. Uma vez, durante uma visita à sepultura de Hoasca, o rei sugere que façam um chá com as folhas do arbusto, quem sabe bebendo esse chá fosse possível conhecer os mistérios da conselheira ou até mesmo falar com o espírito dela. Tiuaco bebe o chá, mas acaba morrendo por não suportar a força da bebida. Mais tarde, o rei Inca repara que, na sepultura de Tiuaco, nasceu um cipó, que ele batiza com esse mesmo nome. O rei Inca falece e reencarna novamente como Caiano, sendo vassalo no reinado do rei Salomão, que já conhecia a história da sábia conselheira do rei Inca. O rei Salomão, 58 Andrade se referindo ao termo “curioso” comenta: “Durante minha pesquisa e 16 anos de vivência no grupo, por exemplo, ouvi 11 vezes em sessões de escala [...] que todas as pessoas que estão fora da UDV (inclusive os mestres fundadores das outras religiões ayahuasqueiras brasileiras) são ‘curiosas’” (ANDRADE 2004, 609). De certa forma, a postura do Santo Daime foi parecida, quando mudou os antigos usos da bebida, considerados de grau inferior, e estabeleceu uma nova doutrina para ela. 59 Essas transformações de seres que morrem e se transformam em vegetais são bastante comuns em várias culturas, como no mito norte-americano sobre a origem do milho e na Polinésia sobre a origem do coco (ver CAMPBELL 1991, 116-117). 81 rei da ciência, junto com Caiano, visitou as sepulturas e denominou as plantas de chacrona e de mariri. Salomão une as plantas, fazendo um chá, que dá para Caiano beber. Este, então, recebe os segredos e mistérios da Hoasca. Quando Caiano morreu, o vegetal ficou esquecido. Caiano reencarna em uma tribo no Peru, os "Tucuna-cá", com o nome de Iagora. Ele distribuía o vegetal na sua tribo e contava a história do rei Inca. Teria sido a partir dele que se desenvolveu o conhecido Império Inca. Porém o mestre Iagora foi degolado pelos seus discípulos, devido à ambição deles por ouro. Desorientados, cada qual seguiu seu caminho, originando os mestres da curiosidade. Teria sido com eles que a utilização do chá se espalhou entre os seringueiros. Dessa forma, mestre Gabriel explica, miticamente, como tudo começou, sendo ele mesmo a reencarnação do mestre Iagora.60 A União do Vegetal se espalhou por todo o Brasil e é, atualmente, a maior religião ayahuasqueira em número de membros do país, estando ainda presente em países da Europa e nos Estados Unidos. 3.3.4. Santo Daime (CEFLURIS) O Centro Eclético da Fluente Luz Universal Raimundo Irineu Serra, do mesmo modo que o Alto Santo, também é conhecido como Santo Daime. O CEFLURIS, ao contrário do Alto Santo, se expandiu pelas principais capitais brasileiras e no exterior. Foi fundado em 1974, por Sebastião Mota de Melo, o Padrinho Sebastião, nascido no seringal Monte Lígia, em 1920, falecido em 1990, no Rio de Janeiro. Em 1965, quando vivia na Colônia Cinco Mil nos arredores de Rio Branco, Padrinho Sebastião foi levado desenganado ao Alto Santo em busca de cura. Desse contato, passou a freqüentar ali e, com o tempo, ocupar papel importante dentro da comunidade, recebendo do Mestre Irineu, mais tarde, autorização para produzir seu próprio Daime. Com a morte do Mestre Irineu, Padrinho Sebastião não aceita a liderança de Leôncio Gomes da Silva e funda o CEFLURIS, na Colônia Cinco Mil (LABATE 2004, 70). Anos depois, por motivos econômicos, a comunidade muda para 60 Texto baseado no artigo União do Vegetal – História da Oaska, da revista HUMANUS número 3, ano 2002, p.229-230. 82 o seringal Rio do Ouro, experiência que durou cerca de dois anos apenas. Em 1983, o CEFLURIS funda o Céu do Mapiá, estabelecendo-se em terras doadas pelo INCRA, no município de Pauini. É do Céu do Mapiá que provém todo o Daime consumido pelas igrejas dentro do país e no exterior. Com o falecimento do Padrinho Sebastião, seu filho Alfredo Mota de Melo é indicado para substituí-lo (LABATE 2004, 71). Da mesma forma que o Alto Santo, o CEFLURIS é herdeiro do xamanismo amazônico, é influenciado pelo Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento e do catolicismo popular, com suas danças e festas religiosas. Ambos têm na figura do Mestre Irineu seu líder espiritual, identificado com Jesus e, no caso do CEFLURIS, o Padrinho Sebastião, identificado com São João Batista. As principais divergências entre os dois grupos é que o Alto Santo não aceita as incorporações, não apóia a expansão da religião pelo mundo e não admite o uso de Santa Maria, como é chamada a Cannabis sativa, que já foi usada junto com a ayahuasca no âmbito do CEFLURIS. Provavelmente o uso da Cannabis foi introduzido por outros buscadores vindos na década de 1970, ligados ao movimento hippie. Como seu uso é ilegal no Brasil, naturalmente essa prática foi questionada. Para o Alto Santo, o CEFLURIS é uma dissidência e não aceita a legitimidade da linha espiritual que segue o Padrinho Sebastião. A primeira Igreja do CEFLURIS fora da região amazônica foi o Céu do Mar no Rio de Janeiro, fundada por Paulo Roberto Souza e Silva em 1982. A segunda foi em Mauá, fundada por Alex Polari. 3.4. 4ª GERAÇÃO – DISSIDÊNCIAS E REINVENÇÕES É interessante notar que o uso da ayahuasca passa constantemente por rupturas e “reinvenções” no Brasil (tomando emprestado o termo de Labate), criando novos grupos religiosos e outros voltados de forma não dogmática ao crescimento do indivíduo, usos terapêuticos e centros de pesquisa. O sincretismo inicial que deu origem aos três primeiros grupos religiosos no Brasil, aparece, agora, ainda mais evidente no grande ecletismo sobre o qual esses grupos mais novos são criados. Os exemplos apresentados aqui apenas dão uma pequena idéia desse universo, o 83 suficiente para observar a expansão e os diversos usos atuais da ayahuasca. Não se pretende esgotar de modo algum o tema, pois a cada dia surgem mais grupos entre tantos já existentes e não citados aqui. No caso da UDV, as dissidências costumam ser mais conflituosas. Um dos casos mais conhecidos é o de Joaquim José de Andrade Neto que, após desentendimentos com alguns dirigentes, diz haver recebido, de modo misterioso, em uma sessão com o Vegetal, instruções para seguir adiante com uma nova proposta, mais de acordo com as intenções iniciais do Mestre Gabriel, das quais a atual UDV estaria se desviando. Em tempos recentes, a União do Vegetal foi recriada por José Gabriel da Costa, o MESTRE Gabriel, fato que ocorreu em 1961, e teve de ser novamente constituída vinte anos depois, por determinação superior, pelo Mestre Joaquim José de Andrade Neto (UNIÃO DO VEGETAL 2002, 231). O nome foi alterado, de Centro Espírita Beneficente União do Vegetal para Centro Espiritual Beneficente União do Vegetal, e está situada atualmente na cidade de Campinas, São Paulo. Além da sede Geral, conta ainda com três áreas rurais, uma delas a Fazenda Rei Salomão, em Mato Grosso, onde há plantações de Banisteriopsis caapi e Psychotria viridis (UNIÃO DO VEGETAL 2002, 231). Algumas dissidências da UDV costumam alterar o termo Espírita original por outros como Espiritual, já descrito acima, e Espiritualista, no caso da dissidência ocorrida em 1996, em Manaus, pelo Mestre Asplinger Alves Feitoza que, depois de 28 anos na UDV, criou o Centro Espiritualista União do Vegetal, retirando também a palavra Beneficente. Essa mudança no termo pelos dissidentes normalmente se explica pelo fato de a UDV não realizar nenhum tipo de ritual ligado ao espiritismo, sendo que a denominação “Centro Espírita” está associada a essas práticas. “Centro Espírita” foi usado apenas como formalização no registro da religião na época. O autor desta tese já ouviu em sessão de escala na UDV a explicação, do Mestre Dirigente, de que a palavra centro se refere ao local, um centro onde os discípulos se encontram; que é espírita, porque somos todos espíritos encarnados, e que é beneficente, pois foi criada para beneficiar a todos, de modo a evidenciar que não há sessões de mesa branca ou de incorporação na União do Vegetal. O Centro Espiritualista União do Vegetal segue os mesmos rituais criados por mestre Gabriel e está situado na cidade de Manaus. O motivo da dissidência também foi, como no caso anterior, devido a um desacordo com a UDV original, como se esta estivesse se desviando das intenções originais do Mestre Gabriel. 84 Em São Paulo, há diversos grupos de ex-participantes da UDV que formaram seus próprios centros. Um deles é o Centro de Desenvolvimento Integrado Luz do Vegetal, localizado em Araçariguama (SP), onde Elza Carolina Piacentini é a Mestre Dirigente. Ela começou a beber a ayahuasca em 1973, no primeiro núcleo da UDV em São Paulo (e o terceiro da União), o núcleo Samaúma, fundado por seu irmão Marinho Piacentini, no dia 02 de setembro de 1972. Em 1976, Marinho introduziu, nas sessões do núcleo, algumas gravações que ele havia traduzido do Mestre Bhagwan Shree Rajneesh (Osho). Esse fato não foi aceito pelos mestres da UDV, que puniram o núcleo por considerarem que Marinho e os demais sócios estavam desprezando os ensinamentos do Mestre Gabriel. Marinho foi até a Índia e voltou de lá com a autorização para abrir em São Paulo um Centro de Meditação com as técnicas Osho. O centro foi iniciado com a maior parte dos antigos sócios do Núcleo Samaúma e outros que começaram a chegar. Elza também conheceu pessoalmente Osho e relata ter sido um dos momentos mais ricos de sua vida em termos de autopercepção, um grande mergulho no desconhecido interior. No entanto, sua ligação com o chá e o Mestre Gabriel continuava, até que, em 1983, por conflitos entre as pessoas que bebiam o chá e as que participavam do centro de meditação, ela optou por se afastar da comunhão do chá. O Centro de Meditação de Osho cresceu bastante, chegando a ter uma comunidade com mais de cem participantes. Mas tanto o centro como a comunidade deixaram de existir. Em 1991, Elza bebe novamente o chá em Macchu Pichu. Foi uma experiência tão forte, que ela decide iniciar um novo trabalho com o chá, procurando transmitir todo o seu aprendizado. Surgiu assim o Centro de Desenvolvimento Integrado Luz do Vegetal. O ritual é igual ao da UDV, mas, durante as sessões, são ministrados ensinamentos de outros Mestres, além do Mestre Gabriel. Segundo Elza, isso não traz controvérsias, uma vez que, a seu ver, todos os Mestres apontam numa só direção. Elza Piacentini dirige também o Espaço Sollua, um centro de terapias transpessoais e meditações do Osho, onde trabalha como terapeuta.61 61 Informações tiradas do blog Alto-das-Estrelas: 85 Wilson Gonzaga, ex-Mestre da UDV, criou a Associação Beneficente Luz de Salomão (ABLUSA), em 1999. Esta associação beneficente tem um projeto que trabalha com moradores de rua no sentido de assistência e reabilitação. O projeto chama-se Alimentarte, que consiste na distribuição de um sopão para moradores de rua, tendo por objetivo, tal como indica o nome, “unir à alimentação, a arte: recuperar a dimensão lúdica, afetiva e artística do morador de rua. A arte é tida por Wilson como um poderoso instrumento de resgate da auto-estima e da dignidade” (LABATE 2004, 412). Wilson declara: Temos esse sonho de fazer 360 graus nessa abordagem com o morador de rua: acolhê-lo, recebê-lo, curá-lo, treiná-lo, inseri-lo, e despedi-lo. Nós não pretendemos ser mais uma organização assistencialista, mas sim uma escola de transformação humana.62 Através de trabalhos assistenciais como o sopão, é possível aproximar os moradores de rua para um trabalho de recuperação mais profundo. O ritual da ABLUSA é bastante similar ao da UDV. Uma das diferenças, por exemplo, consiste em não haver o Arco onde fica o Mestre, todos bebem juntos o Vegetal, e não há a leituras de documentos. Das histórias contadas na União, Wilson usa apenas a História da Hoasca, procurando manter o sigilo, respeitando, assim, de certa forma, o sistema do qual é dissidente. Além das chamadas, há entoação de hinos e icaros peruanos. O ritual possui menor formalidade, não há necessidade de pedir licença para ir ao banheiro, nem o uso obrigatório do tratamento Senhor ou Senhora, como na UDV. Wilson manteria contato com entidades (no sentido kardecista) como Ranun, um índio guerreiro; um espanhol de personalidade doutrinadora e uma curandeira negra do tempo da escravidão, Mamãe Niná, contatos que ele não considera, propriamente, como incorporações. Há passes (fora do salão), realinhamento energético dos chacras e outros para cura e alívio, assim como o uso do maracá, elementos que não estão presentes na UDV (LABATE 2004, 519-527). Wilson também costuma representar as organizações dissidentes em reuniões e congressos que tratam de assuntos relativos ao uso da ayahuasca. <http://alto-das-estrelas.blogspot.com/2005/09/hoasca-e-o-auto-conhecimento-uma.html>. Acesso: 30 dez. 2007. 62 Informações tiradas do blog Alto-das-Estrelas em entrevista dada em 30 de junho de 2005: <http://alto-das-estrelas.blogspot.com/2005/07/hoasca-na-recuperao-da-dignidade.html>. Acesso: 25 dez. 2007. 86 O Instituto Espiritual Xamânico Céu Nossa Senhora da Conceição,63 situado em Pariquera Açu (SP), foi fundado por Gideon dos Lakotas (nome adotado por Emiliano Dias Linhares). O instituto trabalha com diversas técnicas xamânicas, além de fazer uso ritualístico da ayahuasca. Gideon possui um amplo sítio, onde recebe milhares de buscadores todos os anos, para diversos encontros e trabalhos como Cursos para Formação de Padrinhos e Madrinhas para suas igrejas irmãs, Cultivo de Plantas e Preparação da Ayahuasca, Plantas de Poder, Animais de Força, Tambores Xamânicos, Reiki, Alta Magia e Xamanismo, Abertura dos Chacras, Tenda do Suor, entre outros. Entretanto, mantém em seus rituais uma linha próxima à do Alto Santo, ligada ao Mestre Irineu, uma vez que acusa o CEFLURIS de mal uso monetário exploratório da ayahuasca e da permissão do uso da “Santa Maria” (Cannabis sativa). Esta é considerada uma droga nociva por Gideon, sentimento esse compartilhado por diversos outros grupos ayahuasqueiros como a UDV, por exemplo. Gideon afirma ter livrado centenas de pessoas da dependência do uso de diversas drogas como o álcool, cigarro, maconha e cocaína. O instituto, além de adquirir a ayahuasca de Rondônia, tem sua própria plantação para produzir o chá. Em 2005, eram aproximadamente 20.000 pés de cipó e 1.000 pés de folhas plantados, sendo que, na época, ainda havia 30.000 mudas de folhas e mais 75.000 mudas de cipó disponíveis para o plantio. Há diversas igrejas irmãs, isto é, que surgiram através do trabalho de Gideon distribuídas por vários estados brasileiros: São Paulo (38), Amazonas (1), Paraná (3), Maranhão (1), Distrito Federal (1), Rio Grande do Sul (3), Santa Catarina (3), Goiás (4), Rio de Janeiro (1) e dezenas de outros em formação, o que mostra a rápida expansão desse instituto. O Centro de Cultura Cósmica Suprema Luz Paz e Amor 64 foi fundado em 20 de maio de 1990, pelo Mestre Francisco Souza de Almeida (1944-1999), em Cuiabá (MT) e transferiu-se, em 1996, para Gama (DF), onde hoje se localiza a Sede Geral. Mestre Francisco era natural do Acre. Segundo relatos, conviveu cerca 63 Informações obtidas no site oficial do Instituto Espiritual Xamânico Céu Nossa Senhora da Conceição: <http://www.ceunossasenhoradaconceicao.com.br>. Acesso: 16 jan. 2008. 64 Informações obtidas no site Alto das Estrelas: <http://alto-das-estrelas.blogspot.com/2007/07/o-centro-de-cultura-csmica.html>. Acesso: 28 dez. 2007. 87 de onze anos no ambiente daimista, tendo bebido o Daime com Mestre Irineu, Padrinho Sebastião e Mestre Antonio Geraldo (Barquinha). Durante cerca de três anos, foi filiado ao centro do Mestre Augusto Queixada (outro ex-UDV), sendo Mestre Representante em um grupo em Rio Branco (AC). Sua escola espiritual é denominada por seus discípulos de “trabalho de unificação”, pois integra partes ritualísticas do Santo Daime e da UDV. Na primeira parte do ritual, o estilo preponderante é de inspiração na UDV: chamadas do Mestre Gabriel, algumas do Mestre Queixada, outras do próprio Mestre Francisco e de alguns discípulos do grupo. São ouvidas músicas, algumas poucas histórias da UDV e uma série de outros ensinamentos espirituais, alguns em gravações do Mestre Francisco. Excluise a prática, comum na UDV, de perguntas dos discípulos aos mestres durante a sessão. Esta parte dura cerca de quatro horas e se realiza, então, um intervalo de uma hora. Na segunda parte, o ritual é de influência daimista, na linha do CEFLURIS. Esta parte do trabalho dura de acordo com a extensão do hinário, podendo variar de quatro a oito horas. Além dessas influências, o Centro ainda é aberto aos ensinamentos como os da Maçonaria, da Rosacruz e de outras referências que auxiliem o ser humano em seu desenvolvimento espiritual. O Centro de Cultura Cósmica possui uma colônia rural no Acre, onde tem plantado mais de mil pés de Banisteriopsis caapi. Além de grupos formados com intenção religiosa e orientados ao crescimento pessoal, a ayahuasca, por suas diversas propriedades e também pelas atribuições curativas, inspirou o surgimento de centros de pesquisa diversos. Destaca-se, na área de medicina alternativa, uma clínica peruana de nome Takiwasi,65 um Centro de Reabilitação para Toxicômanos e de Investigação de Medicinas Tradicionais que funciona desde 1992. Apesar de não ter derivado de nenhum grupo religioso nem se situar no Brasil, seu enquadramento na 4ª geração do uso da ayahuasca se justifica pela época da fundação e pela natureza dos trabalhos em si. A clínica foi fundada pelo médico franco-peruano Dr. Jacques Mabit. Funcionando como uma associação sem fins lucrativos, reconhecida como de utilidade pública, recebeu a Medalha Cívica da cidade de Tarapoto, resultado de um trabalho sério de investigação que vem se desenvolvendo desde 1986 na Alta Amazônia peruana. O centro está localizado na periferia da cidade de Tarapoto 65 Maiores informações no site oficial: <http://www.takiwasi.com>. Acesso: 14 jan. 2008. 88 (município de San Martín), a aproximadamente 800km da capital, Lima. Seu objetivo geral é revalorizar os recursos humanos e naturais das medicinas tradicionais e elaborar uma verdadeira alternativa terapêutica frente às toxicomanias. Esse centro, naturalmente, não recebe influência de nenhum dos grupos religiosos brasileiros. Formou-se dentro da cultura amazônica, na tradição xamânica da bebida, mas inspira o trabalho realizado por associações como a ABLUSA, entre outras. O Dr. Jacques Mabit trabalha desde os quinze anos com xamãs peruanos. Foi nesse contexto que descobriu as virtudes terapêuticas do uso da ayahuasca, restabelecendo uma ordem interna nos doentes. O tratamento costuma levar um período de nove meses e o tratamento se dá em três etapas: desintoxicação psicofísica, conquista do livre-árbitro e, por último, reconstrução da personalidade: Nos últimos 6 anos, foram recebidos uns 300 pacientes tóxico-dependentes voluntários, do Peru e do estrangeiro, para uma estada de 9 meses no Centro Takiwasi (MABIT 2004, 151). Takiwasi significa “a casa que canta” na língua quíchua. Seu método de trabalho consiste em associar a medicina moderna com o saber empírico dos curandeiros e realizar investigações interdisciplinares que envolvam práticas terapêuticas, investigações científicas, ecológicas, culturais e humanas. A utilização de recursos da medicina tradicional, somada aos conhecimentos atuais e aos estudos modernos da psicologia transpessoal, gestalt-terapia, psicologia junguiana e psicanálise, dentro de um marco de investigação científica ocidental, torna o centro um dos pioneiros no mundo nesse tipo de tratamento de dependência de drogas, buscando validar esta medicina, que é um corpo de conhecimentos vivo, eficaz e plenamente acatado pela população local. Foi realizado em 2004 um documentário sobre o centro, por Armand Bernardi, e produzido pela Artline Films, com a participação da France 5, “L’Ayahuasca Le Serpent et Moi”. Após anos de censura, foi liberado para a televisão francesa em 2007, o que demonstra ainda a dificuldade de aceitação, por alguns países dotados de sólido back-ground cultural, de pesquisas sérias e benéficas referentes a psicoativos. 89 4. ESPIRAIS NA NATUREZA E NA CIÊNCIA The nature of infinity is this: That everything has its own Vortex, and when once a traveler thro’ Eternity has pass’d that Vortex, he perceives it roll backward behind his path, into a globe itself unfolding like a sun, or like a moon, or like a universe of a starry majesty […] As a eye of man views both the east & west encompassing its Vortex […] thus is the earth one infinite plane, and not as apparent to the weak traveler confin’d beneath the moony shade WILLIAM BLAKE - Milton, 1804.66 Este capítulo colige alguns exemplos de como a natureza se organiza estruturalmente, respeitando padrões que se encaixam nas espirais e vórtices, inclusive no corpo humano, de onde é possível encontrar algumas pistas das visões desses elementos nas experiências de ENOC, tanto por sua influência visual externa como estrutural interna. Etymologically, the word ‘spiral’ springs from ancient roots inextricably bound up with ideas of creation, life-giving and aspiration - from the Latin spiralis or spira, and the Greek speira, meaning a spire or coil, or a conical or pyramidal structure, as well as from the Latin spirare, meaning 'to breathe', as in expire and inspire (WARD 2006, 17). Ward faz outras relações em inglês entre spiral e spiritual, mas que são possíveis também na língua portuguesa: espiráculo é um orifício por onde o ar circula; em sentido figurado, significa sopro, ânimo, alento. A palavra espiritual, concernente ao espírito, a parte imaterial do ser, também carrega a palavra espiral: “E-S-P-I-R(itu)A-L” (WARD 2006, 17). Matematicamente falando, uma espiral é uma linha curva que se desenrola num plano de modo regular a partir de um ponto. Porém uma helix, palavra grega para espiral, ou hélice, se desenrola numa superfície cilíndrica como, por exemplo, a de um parafuso ou a espiral de um caderno, mais propriamente chamadas figuras helicoidais como em uma molécula de DNA ou no desenho que as serpentes fazem ao se enrolarem no Caduceu de Mercúrio. As espirais estão presentes por toda a natureza, seja nos vegetais, como nas vinhas e samambaias, nos animais, como nos caracóis e nas conchas, nos fenômenos físicos e atmosféricos, como nos furacões, ciclones, redemoinhos, e na 66 DAMON 1988, 440. 90 formação das galáxias (CIRLOT 1984, 241). De modo geral, todas essas espirais seguem padrões de proporção como a razão áurea (ver seção 4.4). Essa proporção segue a seqüência numérica de Fibonacci, que se encontra também nas divisões dos galhos das árvores, na disposição das folhas ou espinhos, nas veias e artérias dos animais, etc. Esses padrões são bases estruturais muito presentes no desenvolvimento e crescimento no mundo natural. É possível compreender, então, a associação das espirais como símbolo de energia, de criação, sugerindo, também, a idéia de desenvolvimento. Portanto, fica compreensível por que as formas espiraladas de animais, vegetais, fenômenos naturais, são freqüentemente usadas para expressar simbolicamente essas idéias e princípios. 4.1. ANIMAL E VEGETAL Durante longo tempo Ta'aroa67 viveu em seu caracol. Era redondo como um ovo e girava no espaço em contínuas trevas [...] Mas por fim Ta'aroa golpeou seu caracol, sentado em seu estreito confinamento, e ele se rachou e se abriu. Ele saiu, se ergueu sobre o caracol e exclamou: "Quem está aí em cima? Quem está aí debaixo?" [...] Assim que virou o caracol e o levantou de tal modo que formou uma cúpula para o céu e o chamou Rumia. E se fatigou e depois saiu de outro caracol que o cobria, que tomou por rocha e por areia [...] Não podemos enumerar os caracóis de todas as coisas que produz este mundo. MITO POLINESIO DA CRIAÇÃO68 Os caracóis (gastrópodes) talvez sejam os animais mais conhecidos e estudados quanto a sua associação com as espirais. Esses moluscos podem ser encontrados facilmente nos jardins das casas sobre as folhas, nas praias se escondendo nas areias ou pousados no fundo do mar. Os egípcios associavam os caracóis a espiral microcósmica em sua ação sobre a matéria (CIRLOT 1984, 138). Outros tipos de conchas, como as dos bivalves e escafópodes (conchas em forma de cones), também são espirais de diferentes tipos e tamanhos. 67 Foi mantido o nome sem tradução. Outro autor que cita o mito polinésio, CASSIRER (1953), onde aparece o nome Tananoa, possivelmente se trara da mesma figura. 68 Extraído e traduzido livremente do espanhol de BRIGGS; PEAT 1990, 202. 91 Anim mais com cornos, oss bovídeos s como o adax a e cap prídeos com mo o bode e mon ntanhês, po ossuem ch hifres em fo ormas derivadas da espiral. e Em m muitas culturas, oss chifrres são síímbolos de elevaçã ão e pode er. Muitos deuses, ccomo Dionísio, são o corn nudos. Os chifres c são o símboloss ambivalentes, pode em ser asssociados ao o princípio o masculino, solar, como nos chifre es dos carrneiros; ou u ao princípio feminino, lunar, como nos chiifres do to ouro: “A associação a o da Lua e do tou uro era familiar aoss sum mérios e tam mbém aos hindus” (C CHEVALIER; GHEERBRA ANT 1999, 2 234). Na anatomia humana, o formatto das ore elhas, o d desenvolvimento do o emb brião huma ano dentro o do útero o, a cócle ea (no ou uvido interrno) encon ntrada em m mam míferos e pássaros, p e entre outras relações s pelo corpo todo, seg guem os padrões p de e curvvatura das espirais. A cóclea, em particula ar, tem a mesma m form ma das conchas doss cara acóis. Também obse ervamos no o couro ca abeludo, algumas ve ezes no crrescimento o da barba b e em m outras partes p da pele, a diisposição do nascim mento dos pêlos em m rede emoinho. Esses E redemoinhos aparecem a também t na as impresssões digitais. Fig. 24. Con ncha Náutilu us. Re epresentação o esquemáticca da espiral lo ogarítmica. F 25. Bode Fig. e montanhêss. embranoso, Fig. 26.. Labirinto me ouvvido interno humano. h As serpentes se enrola am para dar bote ou u se abrig gar, se mo ovimentam m com sinuosida ade e são muito usa adas em representa ações na fforma de círculos e espirais. É um m dos anim mais maiss presente es associados a diversos símbolos noss mitos de diverrsas civilizzações, e muito m reco orrente nass visões n nos ENOC, como oss favorecidos pe ela ayahuasca. Em um mundo microscó ópico, podemos enco ontrar inúm meras estrruturas em m 69 form ma de espiral, como na figura abaixo: [a] uma imp portante de elas é o DNA, D que e tem a forma parecida p co om a de uma u escad da em esp piral; [b] o axonema, estrutura a 69 À guisa g de curiiosidade, Fra ancis Crick, co-descobrid c dor da estruttura do DNA, estava sob b a influência a de LS SD em 1953 no momento o em que vissualizou o de esenho da du upla hélice (W WARD 2006, 159). 92 2 conttrátil dos fla agelos e cílios de alg gumas célu ulas, é um agrupame ento de microtúbuloss dispo ostos em padrões espiralados e s duplos; [c] pequenos anima ais, os pro otozoários, como a Vorrticella, po ossuem cílios c esp piralados, a bactérria Spirillu um e oss ermatozóid des de esspécies su uperiores possuem p estruturas helicoidais, a alga a espe Spiro ogyra posssui bandass clorofilad das em es spiral, Volu utella hem mispiralis, um u gênero o de fu ungo impe erfeito que apodrece as plantas s tem um giro g em seu corpo re esponsávell pelo seu nome e. Fig. 27. Modeloss da hélice du upla d DNA. Docczi 2006, 28.. do 2 Microtúbu ulos do axone ema. Fig. 28. Doczi 20 006, 28. Fig g. 29. Alga Spirogyra. S A disposição d o das folh has no caule c das plantas segue um ma forma a padrronizada de d distribuição otimizada (cha amada esp piral generativa) parra não se e amo ontoarem, recebendo, assim, chuva, luz l e ar, de forma adequa ada. Essa a distrribuição se egue a seq qüência do os números s de Fibon nacci, do m mesmo mo odo que ass espirais (ver seção 4.4 4). Essa disposição d o espiralad da também m é encontrada na a distrribuição da as pétalas como c nas rosas. No receptácu ulo de florres como a margarrida e o g girassol, é possívell identificar grup pos de esp pirais em sentidos opostos. o Essa dispossição asse egura uma a divissão de esp paço mais eficiente. De maneira geral, a figura da espiral na a natureza a está associada a a esse tip po de eficiê ência. Colo ocando em m termos simples, a natureza n é “eco onômica”, não despe erdiçando energia e ocupand do o meno or espaço o possível: “Sisttemas físiccos geralm mente se acomodam m em esta ados que minimizam m energia”” (LIVIO 2006, 13 35). Na espádice doss antúrios e plantas similares, as espirais s seguem, na fo orma de hé élice també ém em doiis grupos, o principall e o secun ndário. 93 3 Fig. 30. A figu F ura ilustra um m ca aso que é ne ecessário trêss g giros comple etos para se passsar por oito o ramos (razã ão fiilotáxica 3/8), seguindo a seq qüência de FIBONACCI. LIV VIO 2006, 130. Fig. 31. Foto do miolo m (receptá áculo) u margarid da mostrando o as de uma espira ais em sentid do contrário. Foto do autor. F Fig. 32. Espá ádice do antúrio e o se entido das duas esp pirais. <h http://www.arroid.org/TA P/A Articles/stand danthdesc. h html>. Acesso o: 05 out. 2007 7. Um abacaxi, assim com mo uma pinha, p pare ece não te er ligação nenhuma a com as espira ais, porém: “Cada ca amada hex xagonal na superfíccie de um abacaxi é parte e de três espirais e dife ferentes. [....] A maiorria dos aba acaxis tem cinco, oito o, treze ou u vinte e e uma esspirais de inclinação in crescente na sua sup perfície” (L LIVIO 2006,, 131). Fig g. 33. As esp pirais do aba acaxi. LIVIO 2006, 2 131. 4 4.2. O PODER DO OS OPOS STOS COMPLEMENTARES Um fato que chama a atenção na n presençça das esp pirais na natureza n é que, muitas vezes, as encontram e mos, como nas floress, em pare es entrelaçados em m ma harmôn nica de cre escimento. Esses op postos não o senttidos oposttos, criando uma form apen nas se atra aem na natureza, ma as, de mod do básico, são a principal força a motriz de e 94 desenvolvimento como luz e sombra, os pólos elétricos, pólo positivo e negativo no magnetismo, etc. Györy Doczi, em seu livro O Poder dos Limites, usa o termo dinergia70 para explicar a força criativa desses opostos complementares, na formação de certos padrões na natureza, como também na criação, muitas vezes de maneira instintiva, com que os artistas compõem suas obras: Padrões gerados por espirais que se movem em direções opostas são freqüentes na Natureza, como veremos. Eles nos interessam como casos particulares de um processo mais amplo de formação de padrões, ou seja, a união de opostos complementares. Sol e Lua, macho e fêmea, eletricidade positiva e negativa, Yin e Yang. Desde a antiguidade a união dos opostos é um conceito importante nas mitologias e nas religiões herméticas (DOCZI 1990, 3). Fig. 34. Tai Chi. As forças Yin Yang enroscadas, forças complementares de um princípio vital único, andrógino. Desenho do autor. Fig. 35. Figura mandálica de Escher, com anjinhos e demônios. <http://www.hnorthrop.c om/escher.jpg>. Acesso: 13 fev. 2006. Fig. 36. Estrela de Davi, os triângulos opostos. Desenho do autor. Fig. 37. A Cruz com seu braço horizontal e vertical se cruzando, no encontro, a rosa significando a harmonia. Desenho do autor. A força resultante da união cooperativa dos opostos complementares é a força do simétrico, do equilíbrio entre coisas antagônicas: cheio e vazio, reta e curva, cor quente e cor fria, entre outros. O padrão do receptáculo de flores, como a margarida e o girassol, possui grupos de flósculos, que podem ser facilmente observáveis, seguindo o caminho de duas espirais orientadas em sentidos opostos. Se forem traçadas linhas retas do centro para a periferia do receptáculo, pode-se verificar que a curva da espiral formará sempre o mesmo ângulo com as retas que cruzar, ou seja, as espirais logarítmicas são eqüiangulares. A vida tem seu mistério na bipolaridade. Sem pólos opostos, não pode haver nenhuma atração e nenhum repulsão. Sem atração e repulsão, não pode haver nenhum movimento, e sem este, 70 Do grego dia, que significa “através, por entre, oposto” e “energia”, “força, vigor, propriedade de um sistema que permite realizar trabalho”, representando assim o processo universal de criação de padrões (DOCZI 1990, 3). 95 nenhuma vida. As alternâncias calor e frio, dia e noite, também são da maior importância para nosso planeta. Quando um lado da terra esfria, o lado oposto começa a esquentar. Estas diferenças de temperatura produzem um fluxo constante na atmosfera, que resulta em rotações em espiral da, mesma forma como acontece quando frentes frias e quentes se encontram e dessa reunião resultam ciclones e furacões. As espirais opostas, entrelaçadas no receptáculo das flores como o girassol, estão dispostas em quantidades diferentes para cada lado, quase sempre em números que correspondem à série de Fibonacci: “Girassóis com 89 e 144 e com 144 e 233 espirais opostas também são conhecidos; 89:144=0,618055571...; 144:233=0,6180257 ....” (DOCZI 1990, 5). Dados esses confirmados por Pickover: The arrangement of seeds in a sunflower can be understood using Fibonacci numbers. Sunflower heads, like other flowers, contain two families of interlaced spirals—one winding clockwise, the other counter clockwise. The numbers of seeds and petals are almost always Fibonacci numbers (Clifford Pickover, The Loom of God, 1997) (PICKOVER 2005, 50) O diagrama abaixo, baseado nos padrões das flores, mostra o traçado dessas espirais: Fig. 38. Representação esquemática da disposição dos flósculos no receptáculo de uma margarida. LIVIO 2006, 135. 71 0,618 é o valor da Seção Áurea. Fig. 39. Mesmo tipo de representação, deixando mais claro o entrelaçamento das espirais. DOCZI 1990, 1. 96 6 4 4.3. DO ÍNFIMO AO A INCOM MENSURÁVEL Está ávamos agorra no cinturã ão de correntte que circulla sempre o vórtice; e eu u natu uralmente pe ensava que a qualquer momento m ele e iria nos atirrar ao fundo o abissmo – o qu ual podíamos s apenas viislumbrar em m virtude da a espantosa a velo ocidade com que éramos s projetados. EDGAR ALA AN POE - UMA A DESCIDA NO O MAELSTRÖM M guns exemplos da pre esença de espirais e Nessta seção, serão mosstrados alg vórtices nos fe enômenos físicos e algumas ap plicações na n ciência. Ace eleradores de partícu ulas (equip pamentos que q forneccem energiia a feixess de partículas p subatômiccas eletrica amente ca arregadas) são capa azes de ac celerá-las, fazendo com que elas colidam, resultando no nascimento d de outras partículass carre egadas. Poderosos P campos magnético os podem fazer gira ar as parttículas em m espirais para a direita ou u esquerda a, de acord do com a carga c elétriica. Desse e modo, oss cienttistas pode em saber as proprie edades da a partícula como a ccarga, a massa m e a velocidade. To odas as partículas po odem ser trransmudad das em outras: Cha ange appearrs as the on nly constant amid the m myriad combiinations and d tran nsformations of minds and a matter which, w to the eye of lim mited vision,, regiister only a meaningless m chaos (WARD 2006, 119)). Pod de o universo, com tendências t s a criar esspirais em todos os níveis, de e algum modo, ser s compa arado a um m imenso campo como um gig gantesco acelerador a r de partículas? p Fi 40. Movim Fig. mento realiza ado por partíículas dentro o de uma câm mera acelera adora. Dispon nivel em: <h http://www.pa articlephysicss.ac.uk/newss/picture-of-th he-week/pictture-archive//tracks-in-a-h hydrogenb bubble-cham mber.html>. Acesso: A 19 ju un. 2007. 97 Nosso sistema solar não está parado no mesmo ponto do espaço. O Sol se movimenta em direção à constelação de Lira, aproximadamente no ponto onde está Vega, uma estrela de primeira magnitude. Nossa galáxia tampouco é estática, leva consigo o sistema solar nesse movimento. Desse modo, o movimento de rotação da Terra em volta do Sol e em direção a Vega não é elíptico, mas uma helicoidal no espaço. Nossa galáxia, como muitas das cem bilhões distribuídas pelo universo e observadas pelos telescópios como o Hubble, é uma gigantesca espiral que gira em torno de um núcleo. A teoria do Big Bang, o princípio de tudo através de uma gigantesca explosão, ainda é o modelo mais aceito pelos cientistas. O universo se expande, porém não se sabe onde está o ponto inicial Ao contrário, pelo estudo de radiações cósmicas, os astrônomos notaram que elas se propagam em todas as direções, sugerindo que não há um centro discernível no universo, pelo menos não de forma clara “depois do Big Bang”. De qualquer maneira, a expansão é estudada, e imagina-se que um dia o universo “pare”, se contraia, num ciclo de nascimento – morte – renascimento, como descrito em várias religiões e filosofias, desde a antiguidade, como no hinduísmo e no Tao chinês. Redemoinhos, furações e tornados, são fenômenos conhecidos justamente pela sua forma de vórtice, o giro, o movimento, inspirando fascínio e terror pela sua força e magnitude. Redemoinhos acontecem diariamente nas pias, nos ralos e vasos sanitários. Alguns se formam nos rios, devido a movimentos contrários das correntes de água, mas também podem ser observados no mar, o que inspirou contos como Uma Descida no Maelström, de Edgar Alan Poe. Os furacões se formam depois que nuvens de tempestades deixam o continente em direção aos oceanos, em regiões onde a temperatura superficial da água ultrapassa 26°C. Por isso, ocorrem mais freqüentemente onde as águas são mais quentes, como nas regiões tropicais. Como supostamente a temperatura da Terra está aumentando, áreas maiores do oceano poderão formar furacões, como aconteceu no Brasil em março de 2004, com o Catarina. Quanto maior a temperatura superficial da água, maior é o aumento do vapor presente na região mais baixa da atmosfera, favorecendo a formação de temporais. O furacão ocorre quando vários temporais se organizam num vórtice, que envia o calor da superfície do oceano para as camadas mais altas da atmosfera. Um furacão pode levar dias até se formar e desaparecer. Já os tornados se formam nos continentes, são menores que os furacões – têm 98 entre 100 e 600 metros de diâmetro - duram bem menos, às vezes alguns minutos apenas, e são muito destruidores. Seus ventos podem ultrapassar 500km/h. Fig. 41. A “Espiral Perfeita”, galáxia M74. Disponivel em: <http://www.gemini.edu/index.php?full=1&set_ albumName=Galaxies&id=GMOSNGC628&op tion=com_gallery&Itemid=39&include=view_ph oto.php>. Acesso: 15 mar. 2008. Fig. 42. Furacão Isabel. Disponivel em: <http://www.nasa.gov/images/content/51784main _Isabel_091703m.jpe>. Acesso: 15 mar. 2008. Viktor Schauberger (1885-1958), cientista pesquisador da “energia livre”, estudou certas propriedades da água, comparando-as com a teoria dos orgônios de Wilhelm Reich (1897-1957). Schauberger constatou que as propriedades energéticas da água, as formas espiraladas que surgem nos turbilhonamentos, parecem estar vinculadas a níveis sutis de ligação muito similares àquelas que Reich notou como sendo próprias do orgônio.72 Sendo a água uma das bases da vida, é possível que as propriedades energéticas mais sutis dela encontrem, nas formas de ligação da água, o seu substrato estrutural.73 As espirais, desde o Egito ou mesmo antes, estiveram associadas às águas e às serpentes, às deusas, à sexualidade e fertilidade, em um simbolismo relacionado à idéia das águas primordiais da criação e da vida. Os campos magnéticos podem ser naturais, como o gerado entre os pólos da Terra e registrados pelas bússolas, ou artificiais, como os imãs metálicos e os solenóides. O solenóide é criado enrolando-se um fio condutor em espirais muito 72 73 Segundo as teorias de Wilhelm Reich, o mesmo que energia vital. O livro Living Energies, de Callum Coats, discorre sobre a associação dos vórtices e espirais com a geração de energia. 99 9 próxximas, em torno t de um cilindro.. Ao se liga ar as extremidades d dos fios do solenóide e em uma u corren nte elétrica a, cria-se um u campo magnético o, exemplo o simples de d como a form ma pode inffluenciar o comportam mento da energia. e Fig. 43. Camposs magnéticoss. Desenho do d autor. Fig. 44. 4 Vórtices causados c pe elo fluxo aero odinâmico em m um jato. Disp ponivel em: <http://apod. < nasa.gov/ap pod/ap06082 22.html>. 2 mar. 2007 7. Acesso: 27 Os campos magnéticos m s atravessam facilme ente uma peça de metal, porr isso é possíve el, por indu ução, mag gnetizar um m prego, que q logo p pode ser usado para a atraiir outro. No o caso de um metal supercond dutor, aquele onde a resistênc cia elétrica a desa apareceu por p ser collocado em temperatu uras crítica as de resfrriamento, um u campo o mag gnético não o consegue e penetrarr. Porém, se s este cam mpo magn nético se to orna maiorr e ma ais forte, em e um ponto de cam mpo se crriam vórtice es magnétticos seme elhantes a sólito ons,74 que penetram pelo supe ercondutor como se cavassem c um túnel. A nuvem em forma de uma gigantesca corruja, na fig gura 44, re esultou de e uma a série de dispositivvos antimísssil liberad dos por um jato da a força aérea norte-ame ericana. Os disposittivos libera am fumaç ça, e a fo orma padrrão resulta ante ficou u conh hecida com mo “anjo de e fumaça”.. Os olhos circulares do anjo sã ão causad dos pelo arr que espirala devido d à fo orça aerod dinâmica das d asas do d avião, criando os s vórtices.. Essa as formas são estudadas pela mecânica a dos fluido os, parte d da Física que q estuda a o effeito de fo orças em fluidos. Da D mesma a maneira a, observa a-se comp portamento o pare ecido em várias v manifestações, que po odem dar origem a formas es spiraladas, 74 On nda solitária que q caminha a de forma co onstante. 100 0 como o movim mento de anéis a vórtiicos da fumaça de um cigarro o, das labaredas do o fogo o em uma lareira, uma gota de tinta t que cai c na água a, entre tan ntas outras s. Fig. 45. An néis Vórticos - Fumaça de e um o. charuto Fig. 46. Ané éis Vórticos - Tinta ao cair na água. Leo onardo da Vinci estudou o flux xo da água a corrente e, fazendo desenhoss de observação o o das turbu ulências qu ue ocorriam m em sua superfície. Leonardo o nota que e os vórtices v têm uma te endência a se fragm mentar em m vórtices cada vez menores, cham mados bifu urcações, que logo se fragm mentam no ovamente. Do mesm mo modo, Brigg gs; Peat questionam q m: “¿Dónde e terminan estas bifu urcacioness? ¿Su núm mero tiene e un líímite? Un fluido está á compuessto, en últim ma instanccia, de mo oléculas. ¿E Es posible e que la verdade era turbule encia persissta aun ha asta el nive el molecula ar, o más allá a de él?”” GGS; PEAT 1990, 45). (BRIG nho mostra que Fig. 47. 4 Estudos de Leonardo o da Vinci so obre o movim mento turbule ento. O desen q vórtices maiore es se decomp põem em vó órtices menorres e assim por p diante. D Disponível em m: <http://www.ecs.umasss.edu/mie/facculty/bobba/l /leonardo_turrb.jpg>. Acessso: 21 abr. 2007. 101 Em 1917, através de sua obra A Fonte, “talvez a quintessência da obra de arte ‘protoconceitual’” (SMITH 2000, 222), apresentada no Salão da Sociedade Nova-iorquina de Artistas Independentes, Marcel Duchamp, que ajudava a organizar a exposição, brinda a história da arte com os ready-mades. Abriu-se, então, a possibilidade de qualquer objeto ser arte, dependendo do contexto ou conceito sustentado. Um das experimentações de Marcel Duchamp75 era de como introduzir movimento em uma pintura. A solução encontrada por ele foi a invenção dos rotoreliefs ─ objetos e máquinas visuais ao mesmo tempo. Os estudos de Duchamp, na matemática e na engenharia, certamente o auxiliaram nessa tarefa. Os rotoreliefs foram exibidos pela primeira vez no 33º Concurso Lépine, Salão das Invenções na França. Junto com Henri Pierre Roche, foram criados 500 jogos de seis discos coloridos projetados para serem colocados em um gramofone. Girando em determinada velocidade, os discos dão uma impressão de profundidade. Duchamp sugeriu que os objetos fossem observados com um dos olhos somente, para que a sensação de profundidade fosse maior, o que a princípio seria uma contradição, mas é o que realmente acontece.76 75 A genialidade de Duchamp não está aqui pela capacidade visionária em arte discutida na tese, mas pelo registro de seu curioso trabalho envolvendo as espirais. 76 Informações retiradas do sítio: <http://creativetechnology.salford.ac.uk/fuchs/modules/input_output/Cage_Duchamp/duchamp_rotorel iefs.htm>. Acesso: 22 set. 2008. 102 2 Fig. 48. Reconsstrução de Ro otoreliefs de 1955 de Ma arcel Ducham mp, os origina ais são de 19 935. Essas figu uras em rotaçção dão a se ensação de tridimensiona t alidade. Disp ponível em: <http p://creativetechnology.sallford.ac.uk/fu uchs/modules/input_outp put/Cage_Du uchamp/imag ges/rotorelieff s.jpg g>. Acesso 22 2 set. 2008. Esssas questõ ões e exe emplos dados aqui, portanto, propõem reflexõess sobrre a influên ncia natura al que as espirais e e vórtices podem p posssuir em re elação aoss ENO OC. Na seçção seguin nte, serão examinad das alguma as questõe es do pontto de vista a da matemática m a e da geometria, refforçando uma espéciie de “esté ética natura al” em que e as espirais e vórtices v parrticipam. 4 4.4. A RA AZÃO ÁU UREA E OUTRAS O MATEMÁT M TICAS A Matemática M possui não só ó verdade, mas m também beleza suprrema — uma a bele eza fria e au ustera, como o a da escu ultura, sem a apelar a qualquer parte e mais is fraca da nossa n nature eza... sublim memente pura a, e capaz da d perfeição o sem m compromisssos que só a grande arte e pode atingiir. BERTRA AND RUSSELL L Tan nto na arte como na natureza, encontram mos certoss princípios s estéticoss que podem se er medidos em números. O mais famoso é o númerro de ouro ou Razão o 103 Áurea,77 que também é a base para a construção da Espiral de Ouro ou logarítmica, forma presente, como foi visto, tanto em conchas como em galáxias. A Razão Áurea, também chamada de divina proporção, representada pela letra grega Fi ϕ,78 pode ser explicada mais facilmente, dividindo uma linha em dois segmentos de modo que a relação da linha toda com o segmento maior seja a mesma que a relação do segmento maior com o segmento menor: AB/AC=AC/CB que, matematicamente, corresponde ao número 1.61803..., o número de ouro, que nunca termina e nunca se repete, um número irracional como é o número Pi (π=3,16159...) (ver DOCZI 1990; LIVIO 2006; PICKOVER 2005; WARD 2006). Fig. 49. Quando um segmento de reta AB está dividido por um ponto C em outros dois, tais que AB/AC=AC/CB, diz-se que AB está dividido em média e extrema razão. Essa divisão chama-se, também, divisão áurea, sendo AC a seção áurea do segmento AB. Desenho do autor. Fibonacci (Leonardo de Pisa) descobriu, em 1202, uma seqüência de números que ficou conhecida como série somatória de Fibonacci. Ela consiste em se somar os dois números anteriores da série, começando pelo 0: 0+1=1 ; 1+1=2 ; 1+2=3 ; 2+3=5 ; 3+5=8 ; e assim por diante. Qualquer número da série dividido pelo número seguinte dá aproximadamente 0,618: 1/2=0.5 ; 2/3=0.666 ; 3/5=0.6 ; 5/8=0,625 ... 233/377=0,618. Qualquer número da série, dividido pelo anterior, dá aproximadamente 1,618, que corresponde ao número de ouro, como na divisão 377/233=1,618. Pegando o segmento AB, desenhando um quadrado sobre AC (lado maior da divisão áurea), podemos traçar um retângulo ao lado dele no segmento BC com a mesma altura. Tanto o retângulo ao lado do quadrado, construído sobre BC, quanto o retângulo resultante em AB, que é a soma do quadrado AC com o retângulo BC, são retângulos áureos (ver figura adiante). Ou seja, é possível dividir 77 Entre os pitagóricos: “A descoberta de que existiam números irracionais como a Razão Áurea que continuam para sempre sem exibir qualquer repetição ou padrão, causou uma verdadeira crise filosófica” LIVIO (2006, 15). A letra grega Fi é, em si mesma, de forma espiralada (ϕ), mas encontraremos mais comumente a razão áurea representada pela letra Fi maiúscula Φ. A razão áurea foi assim batizada no início do século 20 pelo matemático americano Mark Barr, em homenagem ao escultor grego Fídias. 78 104 4 um retângulo r á áureo em um quadrado e em outro retâ ângulo áure eo menor. Podemoss conttinuar traça ando ao infinito essses retâng gulos. Se for traçad da uma dia agonal no o retân ngulo maio or e outra no n retângu ulo menor, a interseçção dessass diagonais s mostrará á um ponto de convergên c ncia no inffinito desse es retângu ulos apelid dado de “O O Olho de e Deuss”, para onde se direciona a Espira al de Ourro traçada a internam mente noss quad drados: In honor h of the various “diviine” propertie es attributed d to the golde en ratio overr the centuries, I call the poiint to which all the gold den rectangle es converge e “The e Eye of Go od.” We can keep magniffying the figu ure but can never get to o the Eye using fin nite magnific cations (PICKO OVER 2005, 8 80). Fig. 50. A Espiral E de Ou uro – “O Olho o de Deus”. Desenho do autor. Fig g. 51. A mesm ma figura a partir p de triâng gulos áureoss (uma das “p pontas” do pe entagrama). Desenho do o autor. Muitos século os antes de d Fibonac cci, o conh hecimento das espirrais e sua a asso ociação com o divino o já existia.. Segundo Ward, Parra os antigos egípcio os, o termo o para a a Razão Áurea era a Neb, terrmo que ta ambém sig gnifica “se enhor” e aparece no o nom me de vário os faraós. Neb é ain nda um do os nomes sagrados da Esfing ge e pode e 79 significar: “a força esp piralizante do univerrso” (WAR RD 2006, 56). Portanto, oss egíp pcios já usa avam a esp piral como o um dos síímbolos da a criação: No sistema hierroglífico egíp pcio todo o processo p de criação se expressa e porr meio o de quatro o signos: a espiral, símb bolo da ene ergia cósmic ca; a espirall quadrada, símbo olo da ação da referida energia e no sseio da matéria; a massa a informe, de senttido literal; e o quadrado,, que simboliiza a matéria a organizada a (CIR RLOT 1984, 191). 79 Wa ard comenta em seu livro o Spirals que e tirou esse significado s “th he spiralling force of univ vers” do livro o The keys k of the Temple T de David D Furlong g de 1975. Hancock; H Bau uval, por sua a vez, citam, em nota de e rodap pé, esse me esmo significado de Ne eb, porém re etirado do livro da rom mancista Norrmandi Ellis,, Awakkening Osiriss, de 1988: “...; neb (sp piralling forc ce of the un niverse)/nebu ulous”. Não foi possívell localizar este sig gnificado em m nenhuma outra fonte, apesar de e que a asssociação da criação do o unive erso com as espirais e no Egito E é comu um e devidam mente referenciada na tese. 105 Os pitagóricos tinham especial interesse pelo número cinco e admiração pela estrela de cinco pontas, o pentagrama, podendo vir daí o ímpeto inicial do interesse pela Razão Áurea (LIVIO 2006, 37). O cinco representava a união do número 2, feminino, com o número 3, masculino, sendo, portanto, número do amor e do casamento. Aparentemente, o pentagrama representa um homem de braços abertos. No desenho do pentagrama, cada linha é cortada em dois pontos, sendo que: AC é o Segmento Áureo de AD, assim como AD é o Segmento Áureo de AB. Fig. 52. Pentagrama e a Razão Áurea. Desenho do autor. A razão áurea é encontrada nas idealizações das relações existentes no corpo humano, por exemplo: na divisão da altura da cabeça pela linha das sobrancelhas; na divisão, pela boca, da distância entre a base do nariz e da base do queixo; o umbigo divide o corpo do adulto em média e extrema razão; no dedo médio da mão; o comprimento das falanges proximais, médias e distais segue as relações de ouro; a linha dos ombros divide em média e extrema razão a distância que vai do umbigo até o alto da cabeça; a linha dos olhos divide o comprimento do rosto em média e extrema razão, entre outras possíveis de verificar no corpo humano. A anatomia pode variar de pessoa para pessoa, mas a proximidade da realização dessas proporções está associada aos padrões naturais de harmonia e beleza, mesmo sendo esses padrões em parte condicionados culturalmente. A razão áurea pode ser encontrada na arte, usada como método de compor um quadro figurativo ou abstrato. Apesar de muitos acreditarem que Leonardo da Vinci e outros pintores renascentistas ou pré-renascentistas já usavam a razão áurea em suas pinturas, não é possível afirmar com certeza, desde que as medidas são sempre aproximadas, colocadas de forma um tanto arbitrárias para parecerem intencionais, porém isso não invalida, segundo LIVIO (2006, 186) “que tenham sido levados a essa razão por alguma preferência estética inconsciente”. Acontece que muitos dos quadros antigos e contemporâneos, esculturas e 106 arquiteturas, estão nas relações próximas da razão áurea, mas não exatamente nessa medida. Há de se convir que, visualmente, uma diferença entre uma medida de 1,618... e outra de 1,6 entre os elementos que compõem um quadro ou a forma retangular do mesmo, não são perceptíveis com esse preciosismo pelo observador, nem podem ser a preocupação absoluta do artista que realizou a obra. Visualmente, haverá um grau de tolerância dentro do padrão considerado, naturalmente, “mais agradável”. Mesmo nos diversos exemplos dentro da natureza, se forem passados por crivos de medições rígidas, nem sempre, ou quase nunca, encontraremos a razão exata de 1,618, o que não invalida que esses padrões existam realmente e que sejam a forma como a natureza se desenvolve. As diversas variáveis também naturais, condições favoráveis ou não, o clima, temperatura, pressão, disponibilidade de alimentos, claridade, são algumas interferências que podem alterar o desenvolvimento de uma planta, por exemplo, mas não impedem a observação dessas proporções. Leonardo da Vinci pode não ter usado deliberadamente a razão áurea nos seus quadros, mas em um determinado momento de sua carreira ilustrou o livro de Luca Pacioli, A Proporção divina, que trata da Razão Áurea e foi publicado em 1509. Resumidamente, o livro trata de alguns aspectos místicos relacionados a essa proporção, tais como: “Que ela é uma só e não mais”; [...] a unidade “é o supremo epíteto do próprio Deus”; “[...] Razão Áurea envolve três comprimentos AC, CB, AB, como a Santíssima Trindade”; “[...] a impossibilidade da compreensão de Deus e o fato de a Razão Áurea ser um número irracional são equivalentes”; “[...] a invariabilidade de Deus e o fato de a Razão Áurea não depender do comprimento da linha” (LIVIO 2006, 155) e, finalmente, um pouco mais complexo: A quinta razão revela uma visão ainda mais platônica da existência do que a expressa pelo próprio Platão. Pacioli sustenta que, assim como Deus conferiu existência a todo o cosmo através da quinta essência, representado pelo dodecaedro, a Razão Áurea conferiu existência ao dodecaedro, já que não se pode construir o dodecaedro sem a Razão Áurea. Ele acrescenta que é impossível comparar os outros quatro sólidos platônicos (representando terra, água, ar e fogo) entre si sem a Razão Áurea (LIVIO 2006, 155). 107 Fig. 53. Sólidos Platônicos: tetraedro = fogo; cubo = terra; octaedro = ar; icosaedro = água e dodecaedro = quinta essência. Desenho do autor. O Parthenon de Atenas, realizado pelo grande escultor Fídias, é outro exemplo do suposto uso de construções baseadas na Razão Áurea, também sem evidência desse fato. Os simbolistas, em particular o pintor nabi Paul Sérusier (18641927), foi provavelmente o primeiro artista a usar declaradamente a Razão Áurea em seus trabalhos. Fig. 54. Imagens refletidas em espiral logarítmica por feedback criado com uma filmadora em frente a um monitor – Trabalhos de Doughas Hofstadter. Fig. 55. Espiral dupla na obra de Escher. 108 8 A Razão R Áure ea, e a esp piral traçad da de acorrdo com essta proporç ção, não é apen nas um jog go matemá ático, como o foi visto: ela pode ser realme ente encon ntrada noss reino os vegetal e animal e nos maiss diversos fenômenos f s físicos e químicos por toda a natu ureza. Poré ém, além da d Razão Áurea, ou utras relações matem máticas da as espiraiss são possíveis e enconttradas na natureza. Uma delas é a esspiral para abólica de e Ferm mat: Pierrre de Ferma at studied th his form in 16 636, and it ccan be create ed using the e pola ar equation r2=a2θ. Ferm mat was onlly twenty-fivve when he studied thiss curvve. Today, researchers rs sometime es use thiss form to model the e arra angement of seed heads in flowers (P PICKOVER 200 05, 169). Fig g. 56. Espirall de FERMAT ou espiral parabólica. Desenho do autor. Fig. 57. Lituus, L espirral como uma a voluta ou como c um báculo. Desenho do o autor. Há diversas outras o espiirais com diversas d aplicações mais espe ecíficas na a mate emática, co omo a esp piral de Arq quimedes, a espiral de d Cornu o ou Clotóid de, espiraiss hiperbólicas e outros tip pos de esspirais logarítmicas, como a ttraçada pe ela Razão o Áure ea. Além destas d bidim mensionaiss, há as es spirais tridimensiona ais, como as a espiraiss esfé éricas, a hélice h e o vórtice, este últim mo muitas vezes re espeitando a Divina a Prop porção em m fenômen nos natura ais, como já citado no caso dos furac cões e da a form mação das galáxias. Como exxemplo fin nal, outra espiral co onhecida e bastante e usad da na arte e na arqu uitetura é a lituus. Se egundo Pickover (20 005, 187), essa bela a espiral, cuja equação e é r2=a/θ, foii primeiram mente publicada pelo o matemático inglêss e 1722. As A suas cu urvas se ap proximam cada vez m mais da origem, mass Rogert Cotes em m. O nome e lituus de erivou de uma u antiga a trombeta a romana com esse e nuncca a tocam nom me. Sua fo orma reme ete às volu utas e ao bastão dos d sacerd dotes, o báculo. b Oss sace erdotes ro omanos eram e cham mados áu ugures, po ois se diizia que tinham a capa acidade de e prever o futuro, f ou seja, mais s um tipo de associaçção da esp piral com a espiritualidade e. Ape esar de a Razão R Áure ea ser a mais m comum mente enco ontrada, outros tiposs r en ntre matem mática e natureza sã ão comuns. Pickove er cita que e algumass de relação form mas como a de uma a teia de aranha, a o corte tran nsversal da a vela de um barco o 109 soprada ao vento, são catenárias – curvas simples definidas por uma fórmula simples. As montanhas e os padrões das ramificações das plantas e das artérias sanguíneas são como os fractais, um tipo de forma que exibe estrutura similar mesmo em ampliações de suas partes. A equação de Einstein E=mc2 define o relacionamento fundamental entre a energia e a matéria. E uma simples constante – a constante gravitacional, a constante de Planck, e a velocidade da luz – controlam o destino do universo. De tudo isso, Pickover comenta: “I do not know if God is a mathematician, but mathematics is the loom upon which God weaves the fabric of the universe” (PICKOVER 2005, 52). A razão áurea, longe de ser um tema esgotado, continua instigando o ser humano, desde tempos remotos, seja na sua relação com as espirais, seja nas outras relações de proporção pela natureza. Tanto na ciência como na arte, ou na interação das duas, o racional e o irracional, antropocêntrico e teocêntrico, o objetivo e o subjetivo, podem conviver num todo criativo e dinâmico. 4.5. OS FRACTAIS Ver o Universo em um Grão de Areia... WILLIAM BLAKE Os fractais são produzidos através de formulas matemáticas. Foram criados pelo matemático Benoit Mandelbrot em 1975, e são “um conceito fundamental na geometria da natureza e na teoria dos sistemas extremamente irregulares conhecidos como caos” (LIVIO 2006, 241). As formas na natureza não seguem desenhos geométricos regulares, basta observar, por exemplo, a disposição dos galhos de uma árvore, dos vasos sanguíneos no sistema circulatório humano ou mesmo a forma das nuvens. Os fractais são uma tentativa de descrever as formas e os objetos do mundo real, pelo princípio da auto-similaridade, como no caso das câmeras das conchas náutilos (LIVIO 2006, 241). A auto-similaridade significa que as formas fractais são repetidamente encontradas em escala decrescente: “A forma do todo é semelhante a si mesma em todos os níveis de escala” (CAPRA 1996, 118). Pode-se usar como exemplo a couve-flor, arrancando pedaços cada vez menores 110 dela, ainda assim lembram a forma do vegetal inteiro. Atento a esse exemplo, é possível ver que o mundo é cheio dessas formas e que elas estão relacionadas à proporção da Razão Áurea e à Seqüência de Fibonacci. Fig. 58. Ampliações fractais. A área retangular é a que está ampliada na figura seguinte. Disponível em: <http://www.notisartglass.gr/forum/viewtopic.php?p =78&sid=eb5949f4d12f91af7231 8ad22e2f6c7d>. Acesso em: 20 jan. 2007. Além de sua aplicação matemática, artistas se inspiraram nessas formas de vórtices e espirais para criar obras de arte digitais. Fritjof Capra (1996, 128), por “coincidência”, faz um comentário pertinente: Cores vívidas foram acrescentadas aos padrões descobertos nessas jornadas, e as figuras resultantes foram publicadas em numerosos livros e mostradas em exibições de arte por computador no mundo todo. Olhando para essas figuras assombrosamente belas de espirais turbilhonantes, de redemoinhos que geram cavalos-marinhos, de formas orgânicas irrompendo em brotos e explodindo em poeira, é impossível deixar de notar a impressionante semelhança com a arte psicodélica da década de 60. Era uma arte inspirada por viagens semelhantes, facilitada não pelos computadores e pela matemática, mas pelo LSD e por outras drogas psicodélicas. 111 4 4.6. ESP PIRAIS NO O CÉREB BRO A mysterious m form of matterr secreted byy the brain. Its chief activity consistss in th he endeavorr to ascertain n its own nature, the futiility of the atttempt being g due to the fact th hat it has notthing but itse elf to know itsself with. AMBROSE BIERCE (1996)) mo comen ntado no Segundo S Capítulo, C o padrõess visuais simétricoss os Com diversos, inclu usive as espirais, e túneis e vórtices, v descritas p por Klüver e Lewis-Williams, estã ão relacion nados às estruturas s cerebraiss. O artigo Geomettric Visuall Hallu ucinations – Euclidea an symme etry and the e functiona al architectture os striiate cortexx (BRE ESLOFF et. al. 2001)) descreve e uma inv vestigação matemática sobre a origem m desssas imagens, assum mindo que os padrõe es de cone exão entre e a retina e o córtexx visua al estriado o (V1) – o caminho c re etinocortical – e dos circuitos n neurais em m V1, locall e latteral, são o que de eterminam essas ge eometrias. O estudo o vai muito o além do o esco opo de investigação desta tese e, voltada à experiên ncia em sii e sua inflluência na a arte.. Porém é uma im mportante contribuiçã c ão no sen ntido de d dar uma explicação e o neurrológica válida v para a as visõ ões dos padrões p g geométrico os em EN NOC e a universalidade e dessas visões, sendo que, co omo foi vissto, a partiir delas, so obrepondo o os repertórios r s culturais dos indivvíduos, ellas podem m ser con nstruídas e assumirr significados divversos. A1. “Fosfen no” pro oduzido por pressão p no os globos oculares. B Túnel ge B1. erado por LSD. C1. Caminh hos visuais retinoco orticais. 112 2 A2. “Favo de A e mel” produzido por p Cannabiss. B2. Túnel enttrelaçado B g gerado por Cannabis. C C2. Caminh hos visuais retinoco orticais. Fig.. 59. Exempllos de fosfen no, túneis, esspirais e map peamento rettinocortical (B BRESLOFF ett. al. 2001). ante fenôm meno que merece atenção a é a enxaqueca, maiss Outro importa prop priamente a aura de e enxaque eca, pois também está asso ociada aos s mesmoss fenô ômenos vissuais tratad dos na tesse. O term mo aura tem m sido usa ado há ma ais de doiss sécu ulos para se referir às “alucin nações” se ensoriais que q imedia atamente precedem m ataq ques epilétiicos. Há po ouco mais de um séc culo, se referem também a sinttomas que e preccedem a en nxaqueca “clássica” “ o que, muitas vezes, é a únicca manifesttação dela ou a (SAC CKS 2001, 89). A aurra aparece como fenômenos viisuais aind da inexplicáveis e foii trata ada na literatura médica m e religiosa mais antig ga como “visões”, “transes”,, “tran nsportes”, etc. e O caso o mais com mum é a presença de e um esco otoma cintillante, uma a pequ uena luz parecida p co om a pós-imagem qu ue fica qua ando, por e exemplo, uma u réstia a da lu uz do sol é refletida por p um esp pelho direto no olho. Esse pequ ueno brilho o aumenta a aos poucos de e tamanho o, crescend do em curv va ou ferra adura e, de entro do semicírculo o que se forma, aparece uma área escura, e ceg ga, chamad da de esco otoma negativo. Não o é po ossível en nxergar oss objetos dentro nessa área. Pode aco ontecer o processo o inverso, de qu ue essa área á cega apareça aos a pouco os e o esccotoma cin ntilante vá á surg gindo simulltaneamen nte em volta.80 O esc cotoma cinttilante, com mo o nome e já indica, são fosfenos de d forte brrilho, muita as vezes em e vibraçõ ões multico oloridas, ce entelhas e de geometria g s simples (S SACKS 2001 1, 89). Algu umas pesssoas experimentam parestesia a em algumas regiões do o corpo e afasia. Alguns A sin ntomas sã ão semelha antes aoss expe erimentado os em ENOC, E como os produzidos p s pela ayyahuasca e outrass subsstâncias similares como: c [a] alucinaçõe es visuais, táteis e outras alucinaçõess senssoriais esp pecíficas; [b] [ alteraçõ ões gerais s de limiar sensorial e excitabilidade; [c]] alterrações do nível de consciênci c a e tono muscular; m umor e de e [d] alteraçções de hu 80 Baseado em exxperiências pessoais. p 113 afeto; [e] distúrbios das funções integrativas superiores ─ percepção, ideação, memória e fala. A palavra alucinação também é revisada por Sacks, pois significa também confundir o que está sendo visto com a realidade, mas os pacientes, de maneira geral, não se enganam dessa forma. As ilustrações abaixo são tentativas de ilustrar as sensações físicas e visuais decorrentes da enxaqueca: Fig. 60 e Fig. 61. Treliças, vórtices/redemoinhos e ziguezagues. Sacks 2001. Fig. 62 e Fig. 63. Tentativa de reproduções de escotomas cintilantes. Na imagem à direita, também a presença do escotoma negativo. Sacks 2001. Além dos sintomas descritos, uma série de outros distúrbios visuais, físicos e psicológicos podem ser observados. Visão de mosaico e cubista, liliputiana (micropsia, os objetos são vistos menores que o normal), brobdignagiana (macropsia, objetos vistos maiores), dificuldades de percepção e uso do corpo, distúrbios da fala e da linguagem, estados de dupla ou múltipla consciência, déjà vu, deslocamentos da percepção temporal, complexos estados de sonho, pesadelo, transe ou delírio. A enxaqueca, portanto, apresenta muitas características comuns dos estados não ordinários de consciência, não se sabendo ao certo ainda suas causas. 114 Fig. 64. Distúrbios visuais da enxaqueca. Sacks 2001. Na figura abaixo, algumas representações visuais na psicose aguda feitas pelo artista esquizofrênico Louis Wain são comparadas com as encontradas nas auras de enxaqueca. Na imagem da esquerda, a figura do gato está envolta em figuras semelhantes a estrelas brilhantes; na imagem central, ondas concêntricas se expandem; na figura à direita, a imagem foi transformada em um padrão de mosaico. Fig. 65. Representações visuais na psicose aguda. Desenhos de Louis Wain. Sacks 2001. 115 5. HISTÓRIA DA ARTE VISIONÁRIA Este capítulo conceituará a Arte Visionária, aproximando-a dos estados não ordinários de consciência. Apresentará trabalhos de artistas da atualidade que se dedicam a retratar suas visões, bem como um resumo histórico da arte onde a preocupação não era apenas a representação do mundo externo e natural, e sim o vasto mundo interior do indivíduo. 5.1. CONCEITUAÇÃO A Arte Visionária pode ser entendida como um fazer artístico onde a produção está condicionada às experiências advindas de estados não ordinários de consciência. L. Caruana, em seu Manifesto da Arte Visionária, escreve: Where Surrealists tried to elevate the dream-state into a higher reality (and opposed the use of narcotics) the Visionary artist uses all means at his disposal – even at great risk to himself – to access different states of consciousness and expose the resulting vision (CARUANA 2001, 1). A Arte Visionária tem como propósito transcender o mundo físico, retratar visões que muitas vezes incluem temas espirituais e místicos ou, pelo menos, alicerçados em tais experiências. Essa busca na arte não é um fenômeno novo, diversos movimentos artísticos do passado tiveram essa mesma preocupação. A Arte Visionária na atualidade não defende um novo estilo específico, é possível encontrar artistas visionários sem treinamento acadêmico, como os naïfs, ou muito técnicos e de grande destreza e virtuosismo similar aos hiper-realistas. Ela pode usar materiais convencionais de pintura e desenho, ou então todos os tipos de inovações tecnológicas da fotografia, cinema e computação. Embora predominantemente figurativa, há artistas que trabalham com formas abstratas ou uma mescla de ambas. 116 Uma visão geral, mas não engessadora das características da pintura visionária, é proposta por L. Caruana,81 que procura mostrar algumas diferenças entre ela e a pintura moderna: a pintura visionária busca perfeição e delicadeza no acabamento. A razão disso é não dar ênfase à expressão gestual, como marcas de pinceladas, pontilhismos, materiais utilizados, tão valorizadas no impressionismo, expressionismo, entre outros, pois se procura justamente o contrário. Se no passado um quadro podia ser visto como uma janela para o mundo, mais tarde, nos movimentos modernos, deixou de ser essa janela para se tornar um objeto de arte auto-suficiente;82 para os visionários, sua obra é como uma janela para o mundo interior ou para “outros mundos”. Valorizar as pinceladas, os materiais utilizados, por exemplo, seria como admirar os riscos nos vidros ou a própria janela: “The aim is to make the painterly medium as invisible as possible, so thar the image itself is presented im-mediately to the viewer” (CARUANA 2001, 55). Técnicas de pintura, como a dos grandes mestres do Renascimento, são normalmente apreciadas. A fotografia pode servir como fonte de referência para a pintura visionária, que procura, porém, reproduzir o que nenhuma fotografia pode: sonhos, visões enteógenas, estados psicodélicos, etc., apresentados tão autenticamente quanto possível à visão original. Através dos ENOC, o artista visionário encontra modos diferenciados de perceber os trabalhos de arte tradicional. Muitas mensagens inesperadas escondidas previamente ou “despercebidas” emergem, agora, expandindo nossa percepção da história da arte. A Arte Visionária conduz a uma existência marginal. Ela não faz parte dos movimentos e buscas dentro da contemporaneidade, porém encontra seu espaço através da internet, exposições em galerias especializadas, museus independentes83 e na publicação de livros. Como supracitado, a Arte Visionária não é propriamente um movimento novo, Alexandrian (1973) classificou alguns artistas do passado que criavam suas 81 O texto desse parágrafo foi parafraseado das informações presentes no sítio: <http://visionaryrevue.com/webtext3/k.edit2.html>. Acesso: 12 jul. 2007. 82 Essa auto-suficiência está normalmente associada ao fato de a obra não representar ou simbolizar algo, porém: “Uma obra de arte, por mais livre de expressão ou representação que esteja, continua sendo um símbolo, ainda que o que simbolize não sejam coisas, pessoas ou sentimentos senão certas formas, cores ou texturas” (GOODMAN 1977, 4). Tradução livre do Espanhol. 83 O pintor Alex Grey possui em Nova Iorque um espaço para visitação pública: Cosm – Chapel of Sacred Mirrors, e H. R. Giger possui um famoso museu com seu nome em Gruyères na Suíça. 117 obras baseadas não apenas nos objetos do mundo material. Schurian (2005, 17) usa o termo Arte Fantástica para esse mesmo tipo de produção artística baseada na fantasia e na imaginação do artista: Como conclusão intermédia, podemos, no entanto, afirmar que não houve “Arte Fantástica” no sentido de um gênero específico de arte histórica ou de um movimento como tal. Contudo, a presença do Fantástico pode ser demonstrada em quase todas as tendências artísticas (SCHURIAN 2005, 17). A diferença entre a Arte Fantástica e a Arte Visionária é que esta é mais explícita em relação aos estados não ordinários de consciência, como forma de obter as visões que inspiram os trabalhos. Portanto, não são apenas produtos da imaginação, da fantasia, mas de visões consideradas legítimas na experiência do indivíduo. Nem sempre é possível demarcar essa fronteira. Por exemplo, retratar experiências vividas nos sonhos não significa propriamente fazer arte visionária; os sonhos não são considerados estados não ordinários de consciência, salvo, como visto, os sonhos lúcidos, mas, da mesma forma que para os surrealistas, pode ser fonte de inspiração e de visões. A Arte Visionária abarca também a Arte Enteógena, ou seja, a arte que deliberadamente usa substâncias psicoativas para entrar em estados não ordinários de consciência como, de fato, é exemplificado na tese com a ayahuasca. Adotou-se o termo Arte Visionária por estar mais presente essa definição entre os artistas e também por sua maior flexibilidade, envolvendo o uso de visões obtidas em toda a forma de expansão de consciência, com ou sem o uso de substâncias psicoativas. Outra característica da Arte Visionária é a tentativa do artista em buscar representar suas visões de modo original, pois, grosso modo, pintar duendes e fadas de modo estereotipado não significará ser um artista visionário. 5.2. RECORTE NA HISTÓRIA DA ARTE OCIDENTAL [...] os egípcios tinham desenhado preponderantemente o que sabiam existir, os gregos o que viam; na Idade Média, o artista aprendeu a expressar também na sua obra o que sentia. GOMBRICH 1981, 120 118 A história da arte oficial, como encontrada na bibliografia de autores como Gombrich, Janson ou Argan, não faz uma leitura da Arte Visionária como a apresentada aqui. Isso se deve ao fato de nunca ter existido uma escola específica, ou movimento, que tornasse mais evidente esse tipo de busca na arte como um movimento consciente de si mesmo. O que se pode observar é que essa busca visionária interessou alguns artistas, e é possível traçar um caminho, mesmo que resumido, de alguns deles como ora apresentado. Se forem observadas as tendências dos movimentos artísticos europeus desde o Gótico, é possível dividi-los entre períodos circulares (ou espiralados), ora de predominância racionalista, antropocêntrica, ora mais voltados ao emocional, ao subjetivo, à imaginação, ao irracional ou teocêntrico. Após o período Gótico, aparece o Renascimento, com ênfase racionalista. Após o Renascimento, surgem as inovações e as buscas pelo maravilhoso e o monstruoso, o erótico e o misterioso do Maneirismo84 e dos contrastes e da dramaticidade do Barroco que, mais para o final do período, entrará numa fase voltada ao decorativo, o Rococó.85 Contra essas tendências barrocas, segue-se o Neoclássico, racional, voltando novamente o olhar para a arte clássica greco-romana que, então, dá lugar ao Romantismo, como o próprio nome sugere, uma volta aos sentimentos, às paixões e ao “afã de buscar experiências aterradoras [...]” (JANSON 1997, 567). Não se deve pensar nessas oposições de forma radical ou estanque: naturalmente, os elementos clássicos (racionais) e anti-clássicos (românticos, emocionais) estão presentes em todos os movimentos artísticos, com diferentes ênfases apenas. Do Romântico, entra-se no Realismo, novamente racional, onde não se pinta anjos por nunca terem sido encontrados no dia-a-dia. A determinação de Gustav Courbet, um dos mentores do estilo, era de “representar o mundo tal como o via” (GOMBRICH 1981, 403), sendo que esse ver se referia ao mundo exterior. 84 Vemos em HAUSER que foi necessário se adotar uma visão mais imparcial do Barroco para se compreender o Maneirismo. O primeiro passo nessa direção foi dado pelo Impressionismo, “cuja afinidade formal com o Barroco restituiu a este o favor público, solapando deste modo a autoridade todo o sistema de estética clássica que até então lhe barrava o caminho” (HAUSER 1993, 15), e então, mais propriamente, “o caminho que conduziu à reavaliação do Maneirismo foi preparado pelo expressionismo moderno, pelo surrealismo e pela arte abstrata, sem os quais seu espírito teria permanecido ininteligível” (HAUSER 1993, 16). 85 Nome que vem de rocaille, eco do Barroco italiano que designava a alegre decoração de grutas com conchas e pedras irregulares (JANSON 1977, 540). 119 A Arte Visionária, portanto, trafega dentro do que se pode chamar de tradições do Romantismo. 5.2.1. O Renascimento Durante o Renascimento (séculos 14/16), os artistas desenvolviam seus trabalhos em um período de grande atividade intelectual, racionalidade, criatividade, onde o antropocentrismo contrastava com a religiosidade do período anterior, teocêntrico, o Gótico. Não significa que o Renascimento fosse desprovido de religiosidade; pelo contrário, mas nele havia uma preocupação maior com o ideal humanista, o olhar se volta ao “criado”, não apenas ao “criador”. Essa época foi marcada pelo desenvolvimento do rigor científico, o estudo do mundo natural, da anatomia humana, a perspectiva, a reutilização das artes greco-romanas, um renascimento propriamente dito que veio após a queda do Império Romano por tribos germânicas, como os godos e os vândalos. Porém o Renascimento não tinha a intenção de imitar as artes greco-romanas; antes, buscava dar uma crescente autonomia à personalidade do artista. Apesar das buscas científicas, intelectuais e racionais, diversos artistas conseguiram transmitir em suas obras um imaginário interior bastante rico, influenciando movimentos futuros como o Surrealismo. Abaixo estão relacionados alguns artistas do Quattrocento até o Cinquecento que possuem trabalhos com características visionárias: Artista Exemplo de Obra PAOLO UCELLO (1397-1475) A Tebaida e São Jorge e o Dragão (Fig. 66) LEONARDO DA VINCI (1452-1519) Leda e o Cisne. PIERO DI COSIMO (1462-1521) O Combate dos Centauros e dos Lápitas, Descoberta do Mel ou Os infortúnios de Sileno HIERONYMUS BOSCH (1450-1516) O Jardim das Delícias, O Carro de Feno e Tentação de Santo Antão ALBERTO DÜRER (1471-1528) Gravuras sobre os episódios do Apocalipse PETER BRUEGEL (1525/30-1569) Torre de Babel, Paisagem com Cristo aparecendo aos Apóstolos, A Procissão do Calvário, O Dulle Griet MATIAS GRÜNEWALD (1475-1528) Retábulo de Isenheim HANS BALDUNG GRIEN (1480-1545) Suas pinturas possuem temas que circulam entre voluptuosidade, morte e bruxaria ANTOINE CARON (1520-1600) Massacre dos Triúnviros, Apoteose de Sémele, o Carrossel do Elefant, gravuras do Livre de Philostrate A 120 0 GIUS SEPPE ARCIM MBOLDO (1527 7-1593) Pinturas s das Estaçõ ões, O Bibliottecário e O Cozinheiro C Fig. 66. 6 São Jorg ge e o Dragão o. (cerca de 1460 – óleo sobre tela – 56,5/74cm – Paolo Ucello). Nota-se e a fo ormação dass nuvens em espiral, logo o atrás do sa anto, represe entando a na atureza cósm mica desse evento (PURCE 2003, 2 156). Nem m todos os o artistass citados possuem obras que e lembrem m sonhos, fanta asias ou pesadelos, p mas posssuem elem mentos ligados ao vissionário. Na N obra de e Leon nardo da Vinci, V por exemplo, e h duas te há endências: “a aprese entação da a realidade e sob uma forma a velada (h hieroglífica) a) e a expre essão absttrata das fo forças univ versais que e provvém de Deu us” (HOCKE E 2005, 16 61). Leonarrdo da Vincci... [...] studied the principles of o spiral form mations and make sketc ches of theirr app pearances in smoke, dust and water (including th he curves of waves), and d in fllowers, grass and reeds s […] In one manuscript,, Leonard co ompares the e spirrals of a wom man´s curls to t the motion n of whirlpoo ol, and is his study ‘Leda a and d the Swan’, a subject ta aken from mythology, m pla aits of the girl’s g hair are e arra anged in spira rals (WARD 20 006, 43). Leo onardo da Vinci reco orria à es scrita miste eriosa, até é seus tex xtos eram m escrritos de forrma espelh hada, e ao os pictogra amas. Fascinado pelos labirinttos, ele se e lança no jogo abstrato a do os entrelaççamentos, se afastan ndo dessa forma do realismo e da natureza n ( OCKE 20 (H 005, 161). Leonardo o vai em direção ao “ritmo das d forçass univversais que e constitue em a essê ência de toda t a nattureza: o pneuma misterioso” m ” (HOC CKE 2005, 163). No forro f da Sa ala de Ass se, no Casstelo Sforza em Milão, há uma a obra a de Leonardo nesssa direção o. O entrelaçamento o é realiza ado com uma u única a cord da contínua a por todo o padrão. Apesar da a semelha ança com o os padrões s Celtas, é 121 maiss provávell que Leo onardo ten nha se ins spirado no os ornatoss de orige em árabe.. Leon nardo acre editava que e leis naturrais govern navam as formas f de todas as coisas. c Ele e criou u regras baseadas b em sua observação o o, de com mo os galh hos das árvores á se e divid diam, apessar de as árvores á nã ão serem simétricas s e serem d diferentes entre e si. A preo ocupação de d Leonard do, século os antes, parece p ter sido a me esma que teria. t maiss tarde e, o matem mático Mandelbrot co om os frac ctais, ou seja, reprod duzir a org ganicidade e aparrentemente e ilógica da as formas naturais. Fig g. 67. Estudo os para Leda a – Leonardo o da Vinci. 122 Fig. 68. Detalhe do intrincado padrão entrelaçado do forro na Sala de Asse – Leonardo da Vinci. Disponível em: <http://www.universalleonardo.org/trail.php?trail=346&work =311>. Acesso: 5 out. 2008. Fig. 69. Estudo de Leonardo da Vinci sobre a divisão dos galhos de uma árvore. Disponível em: <http://www.universalleonardo.org/m edia/100/0/msm78v79r.jpg>. Acesso: 5 out. 2008. 5.2.2. O Maneirismo O Maneirismo foi uma revolução, pois os artistas não precisavam romper com os estereótipos artísticos dominantes no Renascimento. Porém os artistas sentiam a queda do prestígio da perfeição clássica. Romperam com a perspectiva e com a proporcionalidade do Renascimento. Interessaram-se pelo ilusionismo, pelos artifícios pictóricos e pelos anaformismos, os exageros das formas.86 A beleza e a disciplina da forma já não bastavam. O repouso, o equilíbrio e a ordem da Renascença pareciam desprezíveis. A harmonia se afigurava irreal e morta, a falta de ambigüidade parecia supersimplificação, a aceitação incondicional das regras parecia autotraição (HAUSER 1993, 17). O Maneirismo voltou a certas tradições religiosas medievais. Ruiu a fé no homem, aparece o anti-humanismo, através da Reforma e do maquiavelismo. Veio a desilusão com o Renascimento e seus ideais da beleza clássica grega e o estoicismo romano. O maneirista expressa o espiritual 86 Em 1523, o auto-retrato de Il Parmigianino (Francesco Mazzola), posado diante de um espelho convexo, é considerado o marco inicial do Maneirismo (HOCKE 2005, 15). 123 apenas sugerindo, distorcendo as formas e rompendo fronteiras. O Maneirismo absorveu tensões e uniões dos opostos, mesmo os mais díspares, como o racionalirracional, tradição-inovação, sensual-espiritual, natural-formal, classicismo- anticlassicismo, etc.: “A tendência era de unir os extremos para poder exprimir visões paralógicas” (HOCKE 2005, 115). Havia o gosto pelo rebuscado, pelo estranho, pelo confuso, picante, estimulante, pungente, grotesco, audacioso, provocante. Idéia e experiência, o imitativo e o expressivo, amiúde se colocam inteiramente em segundo plano diante do arranjo composicional e ornamental. Artifícios formais assumem independência própria. Porém, essas características não são exclusivas apenas do período que vai de 1520 a 1650, pois as características maneiristas estão presentes em todo lugar onde houver tendências que se opõem ao Classicismo, mesmo na atualidade.87 Nesse sentido, a Arte Visionária possui muito das características do Maneirismo, inclusive, talvez, o comentário: “Temos que ter sempre presente que certas “manifestações” maneiristas vêm até nós mais como legados do espírito do que como obras de arte” (HOCKE 2005, 181) seja válido também para a Arte Visionária. Fig. 70. Auto-retrato de Parmigianino. <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commo ns/thumb/a/ab/Parmigianino_Selfportrait.jpg/25 0px-Parmigianino_Selfportrait.jpg>. Acesso: 5 out. 2008. 87 Fig. 71. Retrato do Imperador Leopoldo II – Pintura de Arcimboldo. Hocke distingue cinco épocas maneiristas: “Alexandria (c. 350-150 a.C); o período da ‘latinidade argêntea’, em Roma (c. 14-139 d.C); o início e mais ainda o fim da Idade Média, o Maneirismo ‘consciente’, entre os anos 1520 e 1650; o Romantismo, que vigorou entre os anos de 1800 e 1830; e, enfim, a época que precedeu a nossa e cujas influências até hoje se fazem sentir (1880-1950)” (HOCKE 2005, 19). 124 Um estilo muito usado no Maneirismo é o da figura Serpentinata, preconizada por Michelangelo, que busca dar uma forma de giro espiralado na composição dos corpos representados, como modo de reforçar a expressão. Entre os principais representantes do estilo estão Pontormo (Jacopo Carucci 1494-1557), Parmigianino (Girolamo Francesco Maria Mazzola 1503-1540), Rosso (Fiorentino Rosso 1494-1540), Beccafumi (Domenico di Pace Beccafumi 1486–1551), Giulio Romano (Giulio Pippi 1492-1546), El Greco (Doménikos Theotokópoulos 1541—1614), Tintoretto (Jacopo Comin 1518-1594), Cambiaso (Luca Cambiaso 1527-1585) e Arcimboldi (Giuseppe Arcimboldi/Arcimboldo 15271593). 5.2.3. O Romantismo Nas últimas décadas do século 18, durante o Romantismo, surgem artistas com fortes características visionárias, importantes referências para movimentos posteriores dentro dessa linha, como Johann-Heinrich Füslli (Henry Fuseli), Francisco Goya e William Blake. O pintor Füslli (1741-1825), de origem suíça, mergulha nas sombrias profundezas do espírito humano (JANSON 1977, 567), como na obra O Pesadelo. Goya (1746-1828), espanhol, produziu muitas gravuras, mas não buscava ilustrar temas conhecidos como os bíblicos ou históricos: “a maioria delas são de visões fantásticas de bruxas e aparições sobrenaturais” (GOMBRICH 1981, 385), como na série Provérbios. Dentro do Romantismo, da mesma forma que os poetas, “os artistas sentiam-se agora livres para colocar no papel suas visões pessoais” (GOMBRICH 1981, 386). William Blake (1757-1827), inglês, pode ser considerado o mais notável exemplo dessa nova abordagem da arte. Blake era profundamente místico, “vivia num mundo de sua própria criação” (GOMBRICH 1981, 386), desprezava a arte acadêmica e vivia de fazer gravuras, muitas das quais descritas por ele como verdadeiras visões que eram então reproduzidas em seus trabalhos como Cantos da Inocência, Cantos da Experiência, Urizen, Jerusalém, Dante, entre outros. Seus contemporâneos o consideravam um louco ou um excêntrico inofensivo, poucos na época acreditaram na sua arte. As características de seus trabalhos, bem como de seu estilo de vida pessoal, levaram 125 autores como Bucke (1996, 227) a acreditar que se tratava de um verdadeiro caso de pessoa que passou pela experiência de iluminação, ou seja, aquele que atingiu a consciência cósmica. Por outro lado, Lewis-Williams; Pearce (2005, 169) criticam Blake por este acreditar na ligação entre as terras descritas na Bíblia com as terras inglesas e por seu encantamento pelos escritos fantasiosos de uma figura autointitulada Arqui-Druida Chyndonax, William Stukeley (1687-1765). Entre outras coisas sem muito sentido, Stukeley acreditava que a religião de Abraão e Moisés tinha sido trazida para a Inglaterra pelos fenícios, acompanhados de sacerdotes Druidas. Blake, impressionado com essas histórias, prometia não dormir até que Jerusalém fosse reconstruída na Inglaterra (LEWIS-WILLIAMS; PEARCE 2005, 170). De qualquer forma, os temas místicos ilustrados nas gravuras de Blake possuem vários elementos tradicionais da Arte Visionária, como as serpentes, os vórtices, túneis, escadas e seres míticos diversos, ele “estava de tal modo envolto em suas visões que se recusava a desenhar do natural e confiava inteiramente em seu olho interior” (GOMBRICH 1981, 388). 5.2.4. Os Pré-Rafaelitas A mesma impaciência com a arte oficial que levou o grupo de pintores de Barbizon e Courbet na direção do Realismo fez “com que um grupo de pintores ingleses enveredasse por um caminho muito diferente” (GOMBRICH 1981, 404). Assim surgiu a Confraria ou Irmandade Pré-Rafaelita, em 1848, na casa de John Everett Millais, em Londres, configurando um movimento poético, pictórico e de crítica de arte. Estavam envolvidos com a irmandade os artistas Dante Gabriel Rossetti (1828-1882), Ford Madox Brown (1821-1893, professor de Rossetti), William Morris (1834-1896), John Everett Millais (1829-1896), William Holman Hunt (1827-1910), Edward Burne Jones (1933-1898), Lawrence Alma Tadema (18361912), Lord Frederic Leighton (1830-1896) e John William Waterhouse (1849-1917). O nome do grupo foi escolhido pela seguinte razão: Sabiam que as academias se proclamam representantes da tradição de Rafael e do que é conhecido como o “Estilo Grandiloqüente”. Se isso era verdade, então a arte tomara um rumo errado com Rafael e através dele (GOMBRICH 1981, 404). 126 6 O grupo popularizou um m estilo rom mântico, ma arcado pella busca da a beleza e por um apreço o aos grandes mitos gregos e por lend das como a do Rei Arthur. O grup po buscou inspiração o no períod do anteriorr ao de Ra afael, quan ndo os artis stas ainda a eram m artífices “sinceros e fiéis à obra o de Deus” e devviam retorrnar à “Ida ade da Fé”” (GOM MBRICH 1981, 404). Retornar ao a espírito o dos mesttres medie evais não significava s a copiar sua pinttura, como o se pode ver v na obrra Ecce An ncilla Domiini “Anunciiação” (fig.. e buscar va alores med dievais com mo as core es pálidas, 72), de Rossettti. A obra, apesar de persspectiva forçada, insistência na as linhas verticais v (JJANSON 1977, 612), possui p um m minu ucioso realismo, de apuração técnica na ada simila ar aos trab balhos antigos. Essa a amb bigüidade também está e prese ente nos motivos das d pinturras, que tratam t de e assu untos con ntemporâne eos, mito ológicos, históricos, h literárioss e religiiosos. Ass repre esentaçõe es feminina as Pré-Raffaelitas tam mbém já não possue em a graça a inocente e das madonas medievaiss. As mulh heres possuem uma aura de a androginia e de uma a senssualidade distante d e carnal. c Fig g. 72. Ecce Ancilla A Domin ni (“Anunciaçção”), de Rosse etti. GOMBRICH H 1981, 485.. g. 73. O Pesccador e a Se ereia, de Lord d Leighton. Fig MERMAIDS E , pag g. 50. London n. Lorenz Bo ooks, 1996. 127 A aventura Pré-Rafaelita durou de 1848 a 1860. Nas últimas décadas do século 19, segue-se a ela o Decadentismo, Simbolismo e a Art Nouveau e, mais tarde, vai influenciar as vanguardas artísticas como o Surrealismo. 5.2.5. O Simbolismo e a Art Nouveau A obra As Flores do Mal, de 1857, do poeta francês Charles PierreBaudelaire (1821-1867), é considerada o marco inicial de um estilo que ficou conhecido na literatura como Simbolismo. Em 1881, surge um movimento que se torna conhecido como Decadentismo, estilo que mostra uma tendência estética subjetiva, voltada ao mundo do inconsciente e do prazer pelo mistério da existência. O Decadentismo é formalmente próximo do Simbolismo, de índole pessimista, descrente no ser humano, busca saída pela espiritualidade, pela sensualidade e sensações não usuais, muitas vezes pelas drogas, típicas também do Romantismo. Mais tarde, em manifesto publicado pelo poeta grego Jean Moreas, em 1886, o termo é substituído por Simbolismo, que, menos que um movimento artístico, é um estado mental (GIBSON 1995, 7). Os artistas desse movimento procuravam mostrar que as coisas, naturais ou artificiais, podem assumir um significado simbólico. O Simbolismo é uma forma de expressar o inexpressável, liberando o artista do dever de representar o que era visto para dar vazão à imaginação, às emoções e aos símbolos. Reagindo à forma cientificista do Impressionismo, os artistas dirigiram o olhar para seu próprio interior. Na pintura, as cores eram muito importantes, representavam os estados de espírito do artista. Gustave Moreau (1826-1898), pintor francês, tornou-se célebre por ser um dos principais impulsionadores da arte simbolista: [...] no seu auto-isolamento criou um universo próprio, preenchido com retratos encantadoramente estranhos nos quais interpretou temas mitológicos (SCHURIAN 2005, 18). Moreau, inicialmente Realista, sofre influência dos Impressionistas e PréRafaelitas, evoluindo para uma pintura mais romântica e espiritual. Os temas favoritos de Moreau eram as cenas bíblicas e de obras literárias clássicas. A luz foi 128 8 utilizzada por Moreau M parra obter esssa atmosffera ao me esmo temp po mística e mágica, que caracterizo ou a pinturra simbolissta. Arno old Böcklin (1827-1901), pintor suíço, além da vvisível pre eocupação o com a morte, retrata em m seus qu uadros figu uras mitológicas em m meio a elementos e s arqu uitetônicos clássicos, criando, assim, um estranh ho mundo fantástico o, como a pintu ura A Ilha dos d Mortoss. Van n Gogh (18 853-1890), pintor pós s-impressio onista, foi um dos ins spiradoress do movimento m o expressio onista. De e saúde mental m deliccada, som mada a um ma grande e senssibilidade, teve algum mas vezes que ser in nternado. Em E um dessses perío odos, perto o do fim f de sua a vida, ao os 37 anoss, pintou de d memórria o quad dro Noite Estrelada, enqu uanto esta ava interna ado no assilo de Sa aint-Rémy-de-Proven nce. As turbulênciass pinta adas corre espondem ao movim mento natural das en ncontradass na nature eza e noss ENO OC. Fig. 74. 7 Noite Esttrelada – Pin ntura a óleo de d Vincent va an Gogh. Dissponível em:: <h http://www.m moma.org/ima ages/collectio on/FullSizes//472_1941_C CCCR.jpg>. Acesso: 7 mar. m 2008. Gusstav Klimt (1862-19 918) foi um u dos fu undadores do movimento de e Sece essão de Viena, qu ue recusava a tradição acad dêmica nas artes. A primeira a expo osição do grupo foi em março o de 1898. O trabalh ho de Klim mt, com tem mas ainda a tabu us para a época, é exp pressava te ensões en ntre êxtase e e terror, tornando a sedução o da vida v ainda a mais forrte, com a presença a da mortte em alguns quadrros, como o Espe erança I (G ( IBSON 19 995, 138).. Seu trab balho foi criticado c e marginalizado, porr longo tempo, antes a de ser s aceito. O mesmo o se deu com c Alfred Kubin (18 877-1959), 129 artista solitário, com desenhos misteriosos, muitas vezes cheios de morbidez e erotismo. Em 1908, Kubin escreve um romance intitulado O Outro Lado: “Num estilo fantástico-demoníaco, Kubin reúne experiências pessoais, visões e pesadelos angustiantes” (SCHURIAN 2005, 34). Do mesmo modo que o Barroco e o Maneirismo, a Art Nouveau e o Simbolismo precisaram ser resgatados por movimentos artísticos posteriores. A Art Nouveau chegou a ser rotulada de “o último suspiro esteticista da vulgaridade vitoriana, sendo que o Simbolismo não era conhecido o suficiente nem para ser desprezado” (MACKINTOSH 1974, 3). Mackintosh ainda comenta que o Art Nouveau e o Simbolismo, no início da década de 1960, não despertariam interesse suficiente do público, “foi preciso ocorrer uma grande mudança do gosto para se chegar à publicação deste livro” (referindo-se ao livro de sua autoria O Simbolismo e o Art Nouveau, de 1974). O autor continua relatando que muitos movimentos de arte são mais bem compreendidos após o surgimento de outros que os revitalizem: Todo renascimento da arte do passado geralmente reflete tendências contemporâneas [...] É duvidoso que a revitalização da Art Nouveau em meados da década de 1960, tivesse ocorrido sem a Pop Art, que reabilitou o colorido exuberante e a decoração linear (MACKINTOSH 1974, 3). Mackintosh conclui que, além de os movimentos artísticos da década de 1960 terem revitalizado o Art Nouveau e o Simbolismo, “um último fator deve ser considerado nos renascimentos em questão: a influência das drogas” (MACKINTOSH 1974, 3). Como já visto, na década de 1950/60, houve um significativo aumento do consumo de substâncias alucinógenas, influenciando os artistas que, “em busca de um estilo que oferecesse um equivalente visual de suas experiências com drogas, os desenhistas encontraram-no no Art Nouveau e posteriormente em certos aspectos do Simbolismo” (MACKINTOSH 1974, 5). Como foi para os simbolistas representar esse mundo de visões interiores? O estilo do Impressionismo não serviria, estava interessado em fenômenos reais, da luz nos objetos e até nas questões científicas a respeito. O estilo Realista seria preciso demais, também voltado ao que se vê lá fora. Gauguin busca uma solução, que “se mostra surpreendentemente precisa e completa. Em vez de pintar uma paisagem ‘real’, ele pinta uma paisagem emocional” (MACKINTOSH 1974, 11). A pintura de Gauguin, Visão depois do Sermão, representa o trecho bíblico sobre a luta de Jacó com o anjo. A cor vermelha, plana de fundo, remete a associações emocionais dessa luta e, colocado dessa forma, dá a impressão de que 130 as mulheres observam não uma cena real, mas uma visão interna, como bem diz o título da obra. Fig. 75. Visão depois do Sermão. Pintura a óleo de Gauguin. GOMBRICH 1981, 270. A primeira exibição da arte simbolista foi no Salão da Rosacruz, liderado pelo extravagante Sâr Peladan, em 1892: “A idéia consistia em que a função da arte não é explicar o óbvio, mas evocar o indefinível” (MACKINTOSH 1974, 13), uma das características dos ENOC. Os salões continuaram até 1897. As características presentes no Simbolismo, que são compartilhadas pela Arte Visionária, são o interesse pelo misticismo, pelo mágico, pelo espiritual, pelos temas ocultistas e pelo consumo de psicoativos, baseado nas experiências de Baudelaire e de Theóphile Gautier (1811-1872) alguns anos antes. 5.2.6. O Abstracionismo Vale lembrar que artistas do início do século 20 que desenvolveram trabalhos na linha do abstracionismo, se referiam constantemente a essa forma de arte como algo muito próximo do espiritual, muito além das representações miméticas do mundo real. É possível encontrar muitos elementos entópticos na arte abstrata e que estavam já presentes desde as pinturas rupestres: “O emprego de figuras 131 geométricas constitui uma experiência estética antiqüíssima” (HOCKE 2005, 180). Hocke cita Marcel Brion,88 a respeito de um comentário feito por este sobre as obras de Worringer: “Assim, por exemplo, ele se refere a temas “arquétipos”, tais como: os labirintos, os entrelaçamentos, as espirais, a granulação, os filigranas, as escadarias, etc.” (HOCKE 2005, 178). Não é apenas por coincidência que muitos desses elementos visuais são pesquisados na tese, e parece que “tudo isto pode ter inspirado a arte ‘não-figurativa’” (HOCKE 2005, 178). As obras de índios e aborígenes até hoje seguem tendências abstratas, um exemplo é a arte Shipibo, com seus desenhos labirínticos em linhas retas, como da figura 19. Kandinsky (1866-1944) e Malevich (1878-1935), só para citar dois grandes artistas com preocupações espirituais na arte, foram inovadores muito importantes no contexto das buscas artísticas no período. Kandinsky, após passar por várias fases estilísticas, se dedica a estudos de formas não objetivas laboriosamente repetidas e aperfeiçoadas, “era uma informalidade calculada” (READ 1980, 165). Ele procurava ligar a arte à vida interior do homem. Em seu livro Do Espiritual na Arte (editado em 1912), Kandinsky cita três fontes de inspiração, uma direta da natureza exterior, que ele chama Impressão; outra de predominância inconsciente e espontânea (espiritual), chamada de Improvisação e, finalmente, uma expressão de “um sentimento interior lentamente formado, repetida e quase formalisticamente elaborado” (READ 1980, 169), que ele chama de Composição. Podemos ver na busca de Kandinsky uma arte transcendente, calculada e objetiva. Seus seguidores são aqueles que “acreditam na existência de uma realidade psíquica ou espiritual que só pode ser apreendida e comunicada através de uma linguagem visual, cujos elementos são símbolos plásticos não figurativos” (READ 1980, 171). Sobre a genialidade de Kandinsky, Read comenta: Como pintor, como gênio criador, pode parecer muito mais limitado do que Picasso; mas Kandinsky era mais do que um pintor: era um filósofo e até um visionário (READ 1980, 161). Já Malevich procurava criar uma obra onde os elementos visuais mostrassem a ascendência do homem sobre o caos da natureza, isto é, “a supremacia do espírito sobre a matéria” (SHARF 2006, 121). Ele encontra na linha reta a forma elementar suprema e, no quadrado, que nunca se encontra na natureza, o elemento suprematista básico, fecundador de todas as outras obras 88 Hocke se refere à obra Léonard de Vinci, escrita por Brion em 1952. 132 suprematistas (SHARF 2006, 121). “Esse transcendentalismo cósmico faz eco ao jargão metafísico de Wassily Kandinsky e às especulações teosóficas da lendária Madame Blavatzky, cujos espíritos germinais influenciaram Malevich” (SHARF 2006, 122). As idéias de Petyr Demianovich Ouspensky (famoso discípulo do pensador russo Ivanovich Gurdjieff), presentes no livro Tertium Organun, também exercem grande influência sobre Malevich. Apesar das buscas espirituais de alguns artistas abstratos, Hocke nos lembra que: É verdade que certas composições abstratas pretendem simbolizar o suprareal inacessível, mas os elementos da composição já não correspondem (de maneira diretamente simbólica) a uma gnose tradicional. Muitas vezes eles se convertem em “decorações” que não têm fundamento histórico (HOCKE 2005, 165). Finalmente, como outro exemplo de abstracionismo do período, e por se relacionar com o vórtice, uma das formas pesquisadas na tese, citamos o Vorticismo (1914-1917), grupo de artistas ingleses que deram importante contribuição para o movimento moderno de antes da Primeira Guerra Mundial (OVERY 2006, 93), foi a primeira manifestação abstrata inglesa. A figura mais polêmica do Vorticismo foi Wyndham Lewis (1882-1957), editor da revista Blast: Review of the Great English Vortex, importante evento para a arte inglesa e que, segundo o artista plástico e designer russo El Lissitzky, foi importante precursora da Nova Tipologia, que revolucionou o design gráfico das décadas de 1920 e 1930. A revista teve apenas duas edições, onde figuravam as obras dos artistas do movimento, como o próprio Lewis, William Roberts (1895-1980), Edward Wadsworth (1889-1949) e Frederick Etchells (1886-1973), entre outros (OVERY 2006, 93). O movimento foi batizado por Ezra Pound (1885-1972) da idéia de que “toda expressão artística emana de um vórtice emocional”.89 Este dizia que a imagem não é uma idéia: É um nodo ou feixe radiante; é o que eu posso e devo forçosamente chamar um VÓRTICE, do qual e para o qual as idéias estão constantemente fluindo em turbilhão. Na verdade, só se lhe pode chamar um VÓRTICE. E dessa necessidade proveio o nome de ‘vorticismo’ (OVERY 2006, 94). Pound, ao criar o nome Vorticismo, captou com exatidão o sentimento implícito na obra de Lewis. O Vorticismo possuía a consciência da brutalização irresponsável do controle do meio ambiente pelo homem, controle que faltava na arte idealizada do Cubismo assim como na arte romantizada do futurismo: “Isso e a 89 Maiores informações no sítio do Itaú Cultural: <http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_IC/index.cfm?fuseaction=term os_texto&cd_verbete=4696>. Acesso: 01 set. 2008. 133 3 acelleração de e formas em profun ndidade fo oram as contribuiçõ c ões signific cativas do o vortiicismo para a a arte do o século XX X” (OVERY 2006, 96).. F 76. Comp Fig. position 1913 3. Disponívell em: <http p://www.tate..org.uk/collecction/N/N05//N05886 _9.jpg>.. Acesso: 29 9 nov. 2008. Fig. 77. Cap pa da revista a Blast. Disponível em: <http://w www.unibielefeld.de/li b lili/personen//fleischmann//213_lewis_ blast..jpg>. Acessso: 29 nov. 20 008. 5 5.2.7. O Surrealismo Cronologicam mente, o movimento m com cara acterísticass visionária as que se e segu ue ao Simbolismo fo oi o Surrea alismo. O termo t é ussado por A André Bretton (1896-1966 6) já em 1922, orig ginalmente cunhado por Guilla aume Apo ollinaire (1880-1918)) para a designar algo além m do realissmo. O Su urrealismo dá ênfase e ao irraciional e ao o inconsciente, “exclui o maravilho oso elaborrado sem necessida ade interio or; é maiss evoccação de um u possíve el complettado pelo desejo d e pelo p sonho o do que a descrição o do impossíve el” (ALEXAN NDRIAN 19 973, 11). Foi uma a reação ao racion nalismo e consstrutivismo o de movim mentos ante eriores. Brreton encon ntrou nas rrevelações s de Freud d uma a possível diretriz pa ara a liberrtação da imaginaçã ão: “Quis fazer da linguagem l m poéttica uma exxploração do inconsciente” (ALEXANDRIAN L N 1973, 55). O Surrealismo é o prim mado do intterior sobre e o exterio or, o aprofu undamento o em regiõe es abissais s, onde ass conttradições desaparece d em. O surrrealismo su ugere o exxame da re elação entrre a arte e 134 o mundo fisiognomônico e eidético dos loucos, dos primitivos e da arte infantil. Ligado ao interesse de libertar conteúdos do inconsciente, alguns membros do grupo de surrealistas faziam experimentos de hipnose individual e coletiva, “o sono hipnótico parecia oferecer uma fonte direta de imagística poética do inconsciente” (ADES 1974, 33). Realizavam também algumas formas de automatismo na escrita, nos desenhos chamados Cadavre Exquis (cadáver requintado) e na frottage (fricção) desenvolvida por Max Ernst. No Surrealismo, a idéia de acaso e de escolha aleatória é tomada como fonte de inspiração, como expressa a célebre frase: “Belo como [...] o encontro fortuito sobre uma mesa de dissecação, de uma máquina de costura e um guarda-chuva!” (LAUTRÉAMONT 1997, 228). Fig. 78. A Ascensão de Cristo. Pintura a óleo de Salvador Dali. Disponível em: <http://www.astro.cornell.edu/%7Edeneva/art/Album_Dali/slides/Ascension%20of%20Christ.jpg>. Acesso: 15 maio 2007. O objetivo do Surrealismo consiste na descoberta de novas relações entre os objetos, que excluam qualquer controle mental consciente, que só podem aparecer por processos irracionais do inconsciente, do espontâneo, do fortuito ou do automatismo: Todos conhecem o objeto onírico dos surrealistas. Trata-se de imagens insólitas, nascidas do acaso e da fantasia, e não de uma intenção estética deliberada. Destas circunstâncias fortuitas, surgiram criações sensacionais, ainda que irreais (HOCKE 2005, 113). 135 Como o Dadaísmo, o Surrealismo apresenta-se como crítica cultural mais ampla, que interpela não somente as artes, mas modelos culturais, passados e presentes. A crítica à racionalidade burguesa em favor do “maravilhoso”, do fantástico e dos sonhos, reúne artistas de feições muito variadas sob o mesmo rótulo. Os temas mais comuns são o sexo e o erotismo; o corpo, suas mutilações e metamorfoses; o manequim e a boneca; a violência, a dor e a loucura; as civilizações primitivas e o mundo da máquina. O surrealismo buscou também, na arte primitiva, um modo de escapar das mitologias greco-romanas e judaico-cristãs presentes nos artistas do passado, buscando, assim, inovar, criando sua própria mitologia de fontes inexploradas: “Os cubistas quiseram apoderar-se da solução plástica proposta pelas máscaras africanas; os surrealistas tentaram se comunicar com o espírito que ditara essas formas” (ALEXANDRIAN 1973, 26). A Arte Visionária atual nas mãos de muitos artistas não só carrega essa influência, mas valoriza, do mesmo modo que as culturas primitivas, os estados não ordinários de consciência. Uma das principais diferenças entre o Surrealismo e a Arte Visionária está na abordagem espiritual, negada pelo radicalismo ateísta dos surrealistas, mas bem vinda nas experiências dos visionários. 5.2.8. O Realismo Fantástico Após a Segunda Guerra Mundial, um grupo de artistas funda em 1946 a Escola de Viena do Realismo Fantástico, termo inventado pelo crítico vienense Johann Muschik (SCHURIAN 2005, 6). Esse grupo de artistas era formado por estudantes do professor Albert Paris Gütersloh, na Academia de Artes Plásticas de Viena. Foi a ênfase que Gütersloh dava às técnicas dos velhos mestres que deu aos pintores do Realismo Fantástico a base realista nos trabalhos (expressado com uma clareza e detalhe que alguns compararam à pintura flamenca inicial), combinado com o simbolismo religioso e esotérico. Além da influência dos velhos mestres, o Realismo Fantástico mostra afinidade com os trabalhos de artistas do Simbolismo e uma continuação das idéias e da estética do Surrealismo. Inclui os seguintes nomes: Ernst Fuchs (1930), um dos mentores do grupo; Rudolf Hausner (1914-1995); 136 Wolfgang Hutter (1928); Fritz Janschka (1919); Arik Brauer (1929); Anton Lehmden (1929). Fig. 79. Adão e Eva em frente à Árvore do Conhecimento (1984). Pintura a óleo de Ernst Fuchs. <http://www.artofimagination.org/Images/MemberImag es/FuchsE/AdamEve.jpg>. Acesso: 15 maio 2008. Fig. 80. Adão e Pegasa – detalhe (1983). Pintura a óleo de Rudolf Hausner. Disponível em: <http://lh4.ggpht.com/Olancee/SIzbpS9G3 YI/AAAAAAAABWc/5UkPOpo1lA/rudolf_hausner_adam_i_pegaza_1983.j pg?imgmax=512>. Acesso: 15 maio 2008. 5.2.9. O Psicodelismo Na década de 1950/60, houve um boom em relação ao uso de substâncias chamadas psicodélicas ou alucinógenas, notadamente o LSD e o haxixe, onde muitas formas de expressão artística se inspiraram, nas famosas viagens com esses psicoativos, criando um estilo particular de estética, na época associado aos movimentos beatnik e hippie: a Arte Psicodélica. As experiências psicodélicas ficaram com a pecha de alucinações propriamente ditas, nenhum conteúdo delas era levado muito a sério. Casos como o do escritor norte americano Ken Kesey, autor de Um Estranho no Ninho, de 1962, considerado um dos heróis do psicodelismo, foi 137 relatado por Tom Wolfe no livro O Teste do Ácido do Refresco Elétrico, de 1968. Kesey liderava um grupo de pessoas não muito comuns, por seus hábitos extravagantes e que decidiram difundir o uso do LSD, pouco conhecido na época, para propagar suas supostas vantagens para a vida mental: “Elas [as pessoas] abriram portas na mente, portas que elas nem desconfiavam que existiam, uma coisa muito maravilhosa...” (WOLFE 1993, 36). Kesey, sua banda Pranksters e amigos, saíram num velho ônibus escolar reformado, pintado no melhor estilo psicodélico, com equipamentos de som de última geração e uma filmadora de 16mm, para realizar essa missão “evangelizadora”, em uma viagem em direção à Feira Mundial de Nova Iorque. Em um dos diálogos do livro de Wolfe, encontramos: A gente pode se isolar num monastério ou pode organizar uma religião, seguindo os passos da Liga da Descoberta Espiritual – Des-co-ber-ta Es-piri-tu-al – e transformar a maconha e o ácido em sacramentos legalizados, de forma que as pessoas não precisem ficar todo o dia morrendo de medo de ir para a prisão (WOLFE 1993, 35). Fig. 81. Ken Kesey e seu ônibus. A inscrição “FURTHER” é uma gíria que funde as palavras além e futuro. Disponível em: <http://www.born-today.com/Today/pix/kesey_ken.jpg>. Acesso em: 16 jan 2008. Além de Kesey, outros escritores já haviam se interessado pelas experiências psicodélicas, entre eles Williams Burroughs que, em seu livro Naked Lunch (1959), traz um apêndice com descrição de várias substâncias psicoativas, incluindo a ayahuasca. Amigo de Burroughs, o poeta Allen Ginsberg também relata suas experiências com ayahuasca em viagens por países da floresta amazônica, no livro The Yage Letters (1963), de autoria de ambos, onde há uma série de correspondências entre esses dois escritores durante o período. Antes da proibição, o governo americano, movido por interesses da CIA em novas armas e lavagem 138 cerebral, apoiava as pesquisas sobre o LSD, sendo que muitos dos pesquisadores e voluntários estudados na Universidade de Harvard se tornaram figuras famosas, como o próprio Ken Kesey, Timothy Leary90 (1920-1996), considerado por muitos como o pai do psicodelismo, Ralph Metzner (1936) e Richard Alpert (1931), autores do livro The Tibetan Book Of The Dead - The Psychedelic Experience. Mesmo à custa de algumas perseguições, eles não deixaram de trabalhar em suas pesquisas. O psicodelismo foi um caminho que interessou grande parte da juventude na década de 1960, tendo forte influência na moda, nas artes visuais, na literatura e na música. Havia rejeição quanto aos padrões da grande arte estabelecida, o psicodelismo foi um movimento de contracultura. As principais características da Arte Psicodélica podem ser descritas como: • • Temas relacionados ao fantástico, metafísico e surreal; • Cores fortemente contrastantes e intensas; • • • • Uso de padrões caleidoscópicos, fractais ou estampados coloridos; Trabalhos estilizados e detalhados com profundidade; Metamorfoses dos objetos e dos temas; Inclusão de motivos entópticos ou de fosfênios; Repetição de motivos. Essas características são, de modo geral, fruto das experiências com psicoativos. Seus artistas buscavam referências na arte do início do século, incorporando aspectos do Art Nouveau (ver ilustrações abaixo), do Simbolismo, do Surrealismo e do interesse na arte mística do oriente e de outras civilizações antigas, além de seu próprio mundo interior, inspirado nas visões provocadas por estados não ordinários de consciência. Não que fosse imprescindível o consumo de drogas para as criações, mas o estilo ditado pelas experiências psicodélicas criou uma estética que era seguida pelos artistas de então. Os estados provocados pelos psicoativos eram imitados nas músicas progressivas e no rock, no ritmo das danças, no colorido das artes e das roupas, no uso, em festas e shows, de luzes com efeitos especiais como a luz estroboscópica (flashes intermitentes produzindo efeitos hipnóticos), luz submarina (projetava nas paredes formas orgânicas e “líquidas” através de uma película de plástico transparente com substâncias oleosas e 90 Autor da frase: “Turn on – Tune in – Drop out” (Ligar-se – Sintonizar-se – Libertar-se). 139 coloridas dentro) e na luz negra (lâmpada de ultravioleta que ressalta certas tonalidades de branco e ativa o brilho de tintas fosforescentes). Fig. 82. Neon Rose #6, Blues Project (1967). Autor: Victor Moscoso. Disponível em: < http://www.bbc.co.uk/collective/dnaimages/galler y/2/summeroflove/victormoscoso1.jpg >. Acesso: 14 abril 2006. Fig. 83. Poster para a banda Grateful Dead, (1966). Autor: Stanley Mouse. Disponível em: < http://www.tfaoi.com/cm/4cm/4cm612.jpg >. Acesso em: 16 abril 2006. O período passou relativamente rápido, mas marcou profundamente toda uma geração, que não apenas rompeu com muitos paradigmas estéticos, mas abriu discussões sobre comportamento, sexualidade no “amor livre”, consumo de drogas, expansão da consciência e religiosidade, liberdade de expressão, novas tendências musicais e literárias, discussões sobre a guerra e autoritarismos, a sociedade de consumo, como nunca havia sido feito até então. Foi uma época em que a globalização, devido aos meios tecnológicos de comunicação cada vez mais eficientes, aumentou rapidamente as trocas de informação e cultura por todo o planeta livre. 140 Fig. 84. Cartaz psicodélico sobre o 7º Encontro Anual de Fotografia (1977). Disponível em: <http://www.postergeist.com/posters/roll02/PIC00015.jpg>. Acesso: 16 abril 2006. 5.2.10. Visionários ao Longo da História da Arte Segundo Caruana (2001, 9), os artistas conhecidos que trabalharam com representações de visões podem ser classificados em três níveis diferentes: visionários, quase visionários e falsos visionários. O critério adotado foi a “qualidade visionária original” da abordagem do artista ao tema, sendo bastante subjetiva a questão: Visionários Verdadeiros Quase Visionários Falsos Visionários* Hieronymus Bosh Jan van Eick Martin Schongauer Rogier van der Weyden Matthiaa Grünewald Hugo van der Goes Albrecht Altdörfer Hans Meling Lucas van Leyden Hans Baldung Grien Albrecht Dürer Lucas Cranach Pieter Bruegel the Elder Jan Gossart François Clouet Luca Signorelli Piero della Francesca Fra Filippo Lippi Leonardo da Vinci Sandro Botticelli Raphael Michelangelo Benvenuto Cellini Tintoretto 141 Arcimbaldo Bronzino Caravaggio Goya El Greco Rubens John Martin Rembrandt Henri Fantin-Latour Master of the Tarot de Marseille Master of the Rosarium Philosophorum Master of The 12 Keys of Basil Valentine William Blake Vermeer Jan Steen C. D. Friedrich C. G. Carus William Turner Dante Gabriel Rossetti Jacques David Jean Ingres Edward Burne-Jones William Bourguereau Nicholas Poussin Gustave Moreau Theodore Gericault Eugene Delacroix Gustave Doré Auguste Rodin Gustave Courbet Odilon Redon Van Gogh Pierre Bonnard Jean Deville Paul Gaugain Edourd Vuillard Fernand Khnoff Claude Monet Georges Rouault Max Klinger James Ensor Georges Seurat Gustav Klimt Edvard Munch Auguste Renoir Salvador Dali Pablo Picasso Marc Chagall *Artistas que, apesar de sua excelência técnica, falharam em manifestar qualidades visionárias originais quando confrontados com um assunto que as requeria (CARUANA 2001, 9). 5.3. A ARTE VISIONÁRIA E A AYAHUASCA Sem dúvida, há necessidade de um estudo mais profundo que mostre se há características únicas nas visões que diferentes tipos de psicoativos podem provocar. O Segundo Capítulo da tese menciona que tipos diferentes de ayahuasca podem trazer diferentes tipos de mirações. Porém, de maneira geral, o que se encontra com freqüência são as visões básicas de padrões geométricos diversos e multicoloridos, assim como a sensação de contato com mundos de natureza espiritual, também relatado em capítulos anteriores. Significa que as mirações descritas aqui, inspiradas pelas experiências com a ayahuasca, podem ocorrer com o uso de psicoativos diferentes ou, às vezes, mesmo sem eles, como nas visões de William Blake. Alguns exemplos nessa direção serão dados no Sexto Capítulo. De qualquer forma, as diversas plantas conhecidas por seus poderes visionários – as enteógenas ou do grupo Phantastica – são fontes de inspiração onde os artistas, através de suas experiências em ENOC, podem produzir suas obras: 142 As artes constituem, sem dúvida, um dos instrumentos mais poderosos para o desvelamento de fenômenos tais como estados não ordinários de consciência. A conexão entre a criatividade e experiências com enteógenos – especialmente com a ayahuasca – intrigou-me. São vários artistas que conheci na Amazônia que me disseram ter recebido sua inspiração nas visões (LUNA 2004, 194). As imagens presentes na Arte Visionária não procuram propriamente inovações, criar novas e intrincadas combinações de formas e jogos visuais da mesma forma que nas buscas surrealistas, mas, isto sim, retratar as visões, muitas vezes recebidas na forma de mensagens ou instruções, como no caso abaixo relatado por Luna (LUNA 2004, 194): [...] o escultor e vegetalista praticante Augustin Rivas que teve sua obra exposta em vários países. Em seu caso diz que, em uma de suas visões, sua avó morta apareceu mostrando-lhe um renacal (bosque de renacos, árvores do gênero Ficus, com grandes raízes aéreas), indicando-lhe que recolhesse algumas das raízes, que ele via como povoadas de todo tipo de seres antropomórficos. Ao fazê-lo e pô-las em seu ombro, cada uma delas emitia um som musical. A partir dessa visão, Don Augustín começou a esculpir essas personagens que via nas raízes... Rivas criou um estilo que ainda influencia a obra de diversos escultores amazônicos peruanos, assim como ocorreu com o pintor Pablo Amaringo, que se tornou praticamente um ícone da Arte Visionária, influenciando muitos artistas pelo mundo todo. Fig. 85. Escultura em madeira (renaco) de Augustin Rivas. Disponível em: <http://bp2.blogger.com/_JHf3ok5TZg/RoXfr6K0OuI/AAAAAAAAAIo/0DR73ctHLEk/s1600 -h/P1010006.JPG>. Acesso: 24 ago 2008. Fig. 86. Pintura de Pablo Amaringo antes da fase visionária. Fotografia de Luis Eduardo Luna. 143 5.3.1. Os Ayahuasqueiros Pablo Amaringo e Alexandre Segrégio Amaringo (1943) é natural de Puerto Libertad, um pequeno assentamento perto da cidade de Tamanco, Peru. Antes de pintar suas mirações, Amaringo pintava cenas naïf do cotidiano, paisagens, figuras femininas, e era um xamã, um vegetalista. Só mais tarde, por influência do antropólogo Luis Eduardo Luna, que lhe sugeriu expressasse pictoricamente suas experiências com a ayahuasca, ele iniciou uma grande série de trabalhos visionários, que resultaram na publicação do livro Ayahuasca Visions: The Religious Iconography of a Peruvian Shaman, que se tornou mundialmente conhecido e as imagens largamente usadas em livros e materiais gráficos que tratam sobre o tema, sendo essa a principal razão da escolha desse pintor para o presente estudo. Amaringo chegou a criar uma escola de arte visionária em Pucallpa, chamada Usko Ayar. Amaringo relata que começou a pintar sob a influência da ayahuasca. Nas mirações, ele aprendeu como misturar as cores corretamente para criar as mais belas nuanças (LUNA; AMARINGO 1999, 17). As pinturas, de maneira geral, contêm pontilhados multicoloridos e luminosos, que se destacam ainda mais por causa do fundo escuro. Esse efeito visual é típico das mirações com a ayahuasca (fig. 87). Amaringo comenta que os temas pintados por ele, são produtos de suas próprias visões, de suas experiências apenas, não copiando idéias de nenhum livro (LUNA; AMARINGO 1999, 31). Como exemplo de espirais em forma pura, é possível observar, no quadro abaixo (fig. 88), que, em diversos locais, aparecem espirais como as duas representadas em sentidos opostos no canto inferior direito da tela, e outra, quase oculta por trás das folhas (Psychotria viridis), aproximadamente no meio do quadro acima das anteriores. A presença de espirais e vórtices nas mirações não significa que os artistas obrigatoriamente as representem sempre de forma pura, como freqüentemente acontece nas obras indígenas e pré-históricas. A maioria representa cenas figurativas mais complexas, mistas entre elementos geométricos e abstratos que podem ou não conter as espirais. Os artistas, mesmo que vejam esses elementos geométricos, nem sempre os usarão, até mesmo para evitar repetições e estereotipias: “Although I haven’t represented it in my painting, I have had visions of 144 spirals with ayahuasca, particularly at the beginning of the experience. Aztec spirals!” (Caruana, comunicação pessoal, em posse do autor, por e-mail de 05/03/2008). Fig. 87. Visão 46 – Sepultura Tonduri (1986 – detalhe) – Pintura de Pablo Amaringo. Luna; Amaringo 1999, 139. Fig. 88. Ayahuasca – Chacruna Causai – Pintura de Pablo Amaringo. Disponível em: <http://lh4.ggpht.com//images/16.jpg>. Acesso: 21 jul. 2008. A imagem a seguir, Fluidificar, do pintor Alexandre Segrégio, com as distorções espiraladas presentes nas bordas do quadro, em quase toda a volta da pintura, remete aos estados iniciais dos efeitos da ayahuasca, onde padrões coloridos de diversas formas costumam ser vistos. Baseando-se nas descrições dos três estágios de ENOC, servem como exemplo do Estágio-1, as visões entópticas. Nesses casos em particular, uma pessoa que conheça a experiência poderá reconhecer isso na pintura. A cena pintada apresenta as espirais se mesclando com a imagem da floresta no quadro. 145 Fig. 89. Fluidificar (1994). Óleo sobre tela, 80/80cm de Alexandre Segrégio. Disponível em: <http://www.alexandresegregio.art.br/>. Acesso: 20 nov. 2007. Alexandre Segrégio é um pintor brasileiro, 49 anos, que ingressou na União do Vegetal em 1981. Ele já pintava temas espirituais anteriormente. Em relação ao seu trabalho artístico, comenta: Anteriormente já pintava temas espirituais. Hoje continuo pintando estes temas e procuro desenvolvê-los com mais responsabilidade, pois venho me colocando no lugar de ser um instrumento da manifestação da realidade espiritual (Alexandre Segrégio, comunicação pessoal por e-mail de 24 jul. 2008). As pinturas retratam, em sua maioria, paisagens com florestas iluminadas pelo sol ou pela lua, quase sempre com presença de flores. Em muitos quadros, se vê água, principalmente de rios e cachoeiras, mas também o mar. Há seres divinos, aparições de anjos de luz diáfana (que às vezes se comunicam com pessoas comuns), xamãs e crianças. Há ainda a presença de cenas e personagens bíblicos, tais como Jesus caminhando sobre as águas e representações do Rei Salomão, importante personalidade dentro dos ensinamentos da UDV. Alexandre Segrégio divide suas obras em grupos que ele nomeia como Segredos, Mistérios, Encantos, Colheita, Magia, Nativos, Flores e Florestas. Ao ser indagado sobre o significado de espirais e vórtices na sua obra, ele comenta: 146 Em relação aos efeitos que manifesto na pintura, espirais e vórtices, são efeitos de energia e movimentos presentes em várias culturas e religiões. Exprimem a conexão com o universo espiritual (Alexandre Segrégio, comunicação pessoal por e-mail de 24 jul. 2008). Nem todos os que experimentaram a ayahuasca se sentem inclinados a falar sobre as próprias mirações. Porém a expressão plástica visual permite uma participação não invasiva do observador na experiência do artista: Não me sinto à vontade para descrever minha miração, pois ela é uma experiência única. O meu trabalho é o sincretismo da minha percepção do mundo físico mais mundo espiritual, a forma como eu decodifico (Alexandre Segrégio, comunicação pessoal por e-mail de 24 jul. 2008). A UDV, tendo sofrido perseguições no passado por usar um “chá misterioso” nos seus rituais, assume postura algo rígida de conduta e ordem. Dessa forma, tenta evitar que associações e interpretações negativas venham a interferir nos seus propósitos e objetivos, tais como expressos na “Convicção do Mestre”. A UDV usa uniforme em suas sessões, exige boa conduta moral de seus discípulos, dando muita importância à família e ao trabalho, à obrigação em aceitar a doutrina, principalmente conforme se sobe na hierarquia. Nesse sentido, se parece com outras religiões, ayahuasqueiras ou não. Entende-se que essa postura dificulte a presença de pessoas estereotipadas como “neo-hippies” ou figuras artísticas que busquem inspiração “no lugar errado”. Dessa forma, evita-se dar à sociedade uma má imagem, que associe o uso da ayahuasca com pessoas que, aparentemente permissivas, já possuem afinidade com as “drogas” e outros costumes “liberais”. O chá é usado para “fins de concentração mental”, como veículo sagrado de comunicação espiritual e não para uso “psicodélico”, como confirma a proibição de usá-lo em qualquer outra ocasião fora das sessões oficiais e autorizadas pelos mestres da instituição. Contudo, é natural que as “inspirações” aconteçam e sejam levadas a bom termo por artistas plásticos, escritores, cientistas e músicos dentro da UDV, sem contar, naturalmente, com a inspiração para a vida em si, ou seja, a criatividade de modo geral que a ayahuasca pode facilitar. A esse respeito, Alexandre Segrégio comenta: Comungo o vegetal somente no ritual religioso da UDV, para efeito de concentração mental. O que procuro colocar nas telas são inspirações que recebo, nem sempre nos momentos em que bebo o vegetal, pois estes momentos são reservados pra meu desenvolvimento espiritual, mas, nos dias seguintes ao ritual, o vegetal ainda trabalha em meu organismo, me proporcionando mais clareza, sensibilidade, percepção e mais saúde pra pôr mãos à obra, tornar visível a essência (Alexandre Segrégio, comunicação pessoal por e-mail de 24 jul. 2008). 147 O comentário de Alexandre Segrégio, “tornar visível a essência”, compartilha os anseios e as buscas de artistas visionários em geral que buscam ver o invisível, o além ou o mundo dos espíritos, transcendendo os modos comuns de percepção. Uma das dificuldades em pintar visões dessa natureza é justamente encontrar em um modo material, de tintas e cores pigmentadas que costumam ser menos vivas e brilhantes que nas visões, algo que dê idéia da experiência original. A pintura Flor em Luz (fig. 90) consegue passar a idéia de como as sensações de luzes podem se fundir com as cenas mais completas. A pintura ao lado, Tempo (fig. 91), representa as visões de um nativo na floresta, rodeado por vegetais que entram na composição da ayahuasca, possivelmente acessando uma memória ancestral, numa representação de cenas visualizadas similares ao que pode ocorrer nos sonhos. Fig. 90. Flor em Luz (1995). Óleo sobre tela, 70/60cm de Alexandre Segrégio. Disponível em: <http://www.alexandresegregio.art.br/>. Acesso: 20 nov. 2007. Fig. 91. Tempo (1993). Óleo sobre tela, 80/100cm de Alexandre Segrégio. Disponível em: <http://www.alexandresegregio.art.br/>. Acesso: 20 nov. 2007. Na pintura Encantos da Natureza, Alexandre Segrégio retrata um nativo meditando no meio de uma floresta, tendo atrás de si, à direita, um cipó Banisteriopsis caapi enrolado em uma árvore. À sua frente, arbustos como o Psychotria viridis, entre outras plantas. O índio está meditando e vê uma flor, uma rosa, em meio a vibrações luminosas. O clima criado com as espirais e vórtices, anéis concêntricos, luzes em volta, em fusões e distorções com a paisagem, é característico da burracheira. 148 Fig. 92. Encantos da Natureza (1996). Óleo sobre tela, 120/120cm, Alexandre Segrégio. Ótimo exemplo de miração. Disponível em: <http://www.alexandresegregio.art.br/>. Acesso: 20 nov. 2007. 5.3.2. Ayahuasca e outras Plantas Sagradas - L. Caruana L. Caruana91 lançou, em 2001, o manifesto da Arte Visionária, devido à necessidade de formalizar uma explicação mais abrangente sobre essa arte. L. Caruana conta que suas inspirações, as imagens originais, podem vir através de sonhos ou de visões enteógenas. No estágio inicial do desenho, isto é então expandido com as mitologias reconhecíveis, simbólica e estilisticamente: I’m interested in how different cultural symbols resonate with one another. As I paint, new elements may appear, but I’m mostly concerned with expanding the image’s colour harmonies, volume and overall compositional unity (L. Caruana, comunicação pessoal por e-mail em 25 set. 2008). 91 Bacharel em Arte e especialista em filosofia pela Universidade de Toronto, reside atualmente em Paris. Todas as informações aqui foram trocadas através de e-mails em posse do autor e encontradas no site pessoal do artista. 149 Antes de ter experiências com psicoativos, nos primeiros quinze anos de carreira como pintor, L. Caruana tinha como fonte principal de inspiração os sonhos. Somente aos 33 anos ele descobriu as plantas sagradas, e diz continuar em um processo de aprendizado e iniciação dentro dos seus mistérios: I consider Cannabis to be my primary plant ally, since it allows me to participate in two worlds simultaneously: the visionary world, and the world of our shared perceptions. Under its influence, I can move back and forth between altered perception and ‘normal’ perception, which is essential for an artist while painting or viewing a work (L. Caruana, comunicação pessoal por e-mail em 25 set. 2008). Além das experiências com Cannabis, L. Caruana experimentou outras plantas sagradas, tais como cogumelos e o peiote, mas frisa que as experiências mais intensas foram com a ayahuasca: These were full-blown, eyes-open visionary journeys lasting 6 – 9 hours, voyaging through numerous dimensions and encountering mythic beings (which I am just beginning to document in my art). Ayahuasca expanded my perception in new ways, allowing me to experience the sacred through tribal patterns, fractal complexity and dimensions that remain beyond my powers to understand or represent (L. Caruana, comunicação pessoal por e-mail em 25 set. 2008). Apesar de se dedicar á pintura visionária, L. Caruana tem passado mais tempo viajando do que dentro do atelier. O pintor participa de congressos como palestrante e também conduz seminários dentro de arte visionária e temas relacionados, sentindo que isso é uma evolução natural de seu trabalho, pois, desse modo, consegue compartilhar suas introspecções com as de outros. Na pintura The Vine of the Dead (fig. 93), L. Caruana se inspirou numa escultura asteca para criar a figura central e, sob o efeito da ayahuasca, visualizou os padrões geométricos que pintou no fundo do quadro. Em seu site, ele comenta não ter copiado esse padrão dos Shipibo, sendo surpreendido semanas mais tarde ao ver que a roupa cerimonial desses índios coincidia com suas visões.92 92 “Weeks later, I was amazed to discover that the Shipibo-Conibo tribes of the Amazon, who treat ayahuasca as a sacrament, sew these same patterns onto all their ceremonial vestments, recognizing them as 'patterns of the soul'”. Disponível em: http://www.L. Caruana.com/webtext/mort.html (acessado em 12 de março de 2008). 150 0 9 The Vine e of the Dead d (2006). Óle eo sobre tela,, 50/80cm de e Laurence C Caruana. Dis sponível em: Fig. 93. < <http://www.L L. Caruana.ccom/webmed dia/mort.med dia/mt.700x40 00.web.jpg>.. Acesso: 5 ju ul. 2007. 5 5.3.3. Cog gumelos Sagrados S - Andrew Gonzalezz A experiência e a com a ayahuasca a apresen nta semelh hanças co om outross psico oativos. Outras planttas e subsstâncias sin ntéticas po odem levarr a estados s bastante e simillares em relação r àss visões. Para P pesqu uisar este fato, foram m escolhid dos algunss artistas sem exxperiência com a aya ahuasca. O pintor p Andrrew Gonza alez nunca a bebeu ayahuasca. a . Seu conhecimento o sobrre essa be ebida vem através de e leituras sobre s o asssunto.93 S Sua experiê ência com m plantas sagrad das, os en nteógenos, se baseia a principalmente nass poucas vezes v que e utilizzou cogum melos. Poré ém, algum mas caractterísticas da d experiê ência de ENOC E são o simillares, confforme sugerido no Segundo S Capítulo. C D Devido a issso, os tra abalhos de e Gonzalez são usados aqui a para exemplific car essa hipótese. h C Como muitas obrass visio onárias, ali estão pre esentes ass espirais e vórtices, geralmentte transforrmados ou u fund didos com figuras f fem mininas. 93 Info ormações tro ocadas por e-mail. e 151 Fig. 94. Anima Sublimis (2001). Aerografia acrílica sobre cartão de Andrew Gonzalez. Disponível em: <http://www.sublimatrix.com/>. Acesso: 13 ago. 2007. Fig. 95. The Oracle of the Pearl (2001). Aerografia acrílica sobre cartão de Andrew Gonzalez. Disponível em: <http://www.sublimatrix.com/>. Acesso: 13 ago. 2007. 5.3.4. Os Sintéticos – Mark Henson e Christian Rätsch Dados exemplos de artistas que conhecem experiências visionárias com o uso de plantas psicoativas, é mostrado aqui o trabalho de dois artistas, Mark Henson e Christian Rätsch, ambos com experiências com LSD, talvez o mais famoso psicoativo sintético conhecido. Henson cresceu no fervilhante período dos anos 1960 e teve a sorte de ver Ashbury Haight, distrito da cidade de São Francisco e centro difusor do movimento hippie, em pleno florescimento. Suas experiências iniciais foram com Cannabis, mas descobriu o LSD com um amigo e, após algumas experiências mais voltadas à curiosidade e recreação, onde cogumelos às vezes também estavam presentes, Henson diz que foi ensinado pelo próprio LSD a usá-lo como forma de aprendizado. A partir daí, as experiências serviram como inspiração mais profunda para suas pinturas: “So you could say that my art and my person evolved 152 2 simu ultaneouslyy. It would d be imposssible to se eparate th he experien nce from the t art, ass theyy grew up to ogether”.944 Os trabalhos de Henson tocam nos n mistériios presen ntes na natureza, no o milag gre da criiação, no amor sexxual, nas religiões, r n místico no o e na evolução da a conssciência. Na N fig. 96, Wonders of Nature, uma pesssoa, em um m momentto de pura a conttemplação,, admira um ma flor, pa arecida com m uma flor de lótus. O quadro representa r a um momento especial nessa n conttemplação o, como se e o universso todo pa articipasse e dessse comprazzimento, em e uma cumplicidade e total perttinente a um milagre cotidiano. Na fig. f 97, Dou uble Helix,, um casal se abraça a, em um momento m d de amor, entre e raioss de energia e que e os envollve em esp pirais, com mo no Caduceu de M Mercúrio ou u como na a molé écula de DNA, D dand do idéia da a união ne ecessária dos contrá ários nos processoss criattivos. Esse es raios partem do centro de uma galá áxia no un niverso e sobem no o espa aço entre seres s vivoss diversos,, animais e vegetais, até alcançar o casa al, e segue e adiante entre nuvens n e, ao a fundo delas, d uma abertura iluminada. Fig g. 96. Wonde ers of Nature e (1987). Óle eo sobre tela a, 54/48cm de d Mark Hen nson. Disponível em: <htttp://www.saccredlight.to/im mages/wond ders.jpg>. Accesso: 15 dezz. 2008. 94 Fig. 97. Dou uble Helix (1992). Óleo sobre s tela, 54/48cm de d Mark Hen nson. Dispon nível em: <http://www..sacredlight.tto/images/do ouble.jpg>. Acesso: 15 d dez. 2008. Depoimento po or e-mail em 15 de dezem mbro de 2008 8. Nos anexo os se enconttra o texto na a íntegra. 153 As aquarelas abaixo, do artista Christian Rätsch,95 foram pintadas depois da ingestão de LSD. Os padrões espiralados podem ocorrer da mesma forma, porém as pinturas inspiradas por LSD parecem possuir características bastante elétricas e agitadas em comparação com as inspiradas pela ayahuasca, lembrando, nesse caso em particular, algumas pinturas realizadas por pacientes esquizofrênicos. Será necessário um estudo mais aprofundado para levantar as reais diferenças que possam ou não existir entre as substâncias psicoativas. Fig. 98 e Fig. 99. Obras do artista Christian Rätsch, pintadas depois de ingerir LSD. SCHULTES; HOFFMAN 2000, 189. 5.3.5. Sem Psicoativos - Martin Oscity e John Robinson O pintor, designer gráfico e ilustrador Martin Oscity é natural de Bratislava – Slovakia, vivendo atualmente em Munique. Suas obras são tipicamente visionárias, porém ele nunca teve experiências com qualquer tipo de psicoativo. A força motriz de sua criatividade é oriunda de sonhos, meditações, observação da natureza, orações, experiências transcendentais, criatividade, cristais, pêndulos, I Ching, 95 Mais do que artista, Rätsch é escritor, antropologista e expert em etnofarmacologia, autor de um extenso livro sobre o assunto, The Encyclopedia of Psychoactive Plants: Ethnopharmacology and Its Applications, entre outros. 154 pessoas sensitivas, bons livros e também de uma experiência de coma após um acidente.96 Ao ser perguntado o que significam as espirais, vórtices e labirintos em suas pinturas, Oscity respondeu: “Live is mysticism! We are divine beings and have unfortunately forgetten it. The mazes are searching our soul after I own and God. The highest goal is to find oneself and the labyrinths to untangle”. Oscity sente que é importante fazer uma boa arte que irradie energia positiva para a sociedade, aproximando novamente a arte da religião. A vida é puro misticismo, sendo que, para ele, a arte, que sempre foi algo de grande importância e prioridade para a humanidade, atualmente perdeu seu caráter divino. A obra The journey to the beginning of time mostra o movimento agitado das águas primordiais da criação, o “início dos tempos”. Uma caravela, aparentemente construída a partir de uma concha nautilus (espiral logarítmica) está como que flutuando sobre esse mar. Acima, um túnel em vórtice de onde sai uma luz e parece ser o responsável pela movimentação geral das águas na cena. Fig. 100. The journey to the beginning of time (1994). Óleo sobre tela, 60/60 cm de Martin Oscity. Disponível em: < http://www.visionart-malerei.de/>. Acesso: 17 out. 2008. 96 Informações trocadas por e-mail. 155 Em outra pintura, Energetic Circle, uma mulher, como um anjo ou deusa das águas, está sobre o mar. Suas asas, em um movimento circular, se confundem com as águas, onde alguns peixes e golfinhos nadam e saltam. Em todos os lados e cantos do quadro, existem trigramas do I Ching em meio a elementos como fogo, terra, água e ar. No canto superior direito, estão algumas galáxias, numa das quais há um olho como o “olho de Deus” ou o “olho-que-tudo-vê”, representando a divindade em sua onisciência, onipotência e onipresença. Embaixo, está um ovo, símbolo universal daquele que contém o germe e a partir do qual se desenvolverá toda a manifestação (CHEVALIER; GHEERBRANDT 1999, 672). Fig. 101. Energetic Circle (2006). Óleo sobre tela, 195/192 cm de Martin Oscity. Disponível em: <http://www.visionart-malerei.de/>. Acesso: 17 out. 2008. John Robinson, escultor australiano, criou uma série de peças inspiradas em motivos matemáticos, físicos e simbólicos. É um interessante exemplo de uma busca bastante similar do simbolismo dos visionários. Muitos dos locais mostrados no Sexto Capítulo como Irlanda, Itália, Grécia, Egito, foram visitados por Robinson, que esteve inclusive no Brasil, em Florianópolis, onde visitou os sítios arqueológicos do Campeche. Na cultura oriental, Robinson indica que a presença do divino está centrada na harmonia de toda a natureza, como expressada pelo Tai Chi. Na cultura 156 ocidental, porque nossas religiões nos ensinam que Deus criou o homem a sua própria imagem, o mistério do divino, pela tradição, é representado como uma figura humana. Os trabalhos de Robinson buscam, na Série Universo, representar obras dentro de um simbolismo no qual as formas são encontradas na natureza e relacionadas aos valores da vida que ocorrem nas mentes ocidentais e orientais. Ao criar a Série Universo, Robinson seguiu um trajeto do início dos tempos aos dias atuais. A coleção inteira retrata, simbolicamente, a terra, os animais, o homem e a mulher, o nascimento, a religião, a civilização e a morte.97 Fig. 102. Da esquerda para a direita, de cima para baixo: [1] Park of Life; [2] Immortality; [3] Adagio; [4] Gordian Knot – Esculturas de John Robinson. Disponível em: <http://www.popmath.org.uk/sculpture/sculpture.html>. Acesso: 08 mar. 2006. 97 O sítio da Bradshaw Foundation traz acervo e a autobiografia completa desse escultor: <http://www.bradshawfoundation.com/jr/volume1.php>. Acesso: 30 ago. 2007. 157 6. AS ESPIRAIS NO PASSADO E PRESENTE A função do artista é a mitologização do meio ambiente e do mundo. JOSEPH CAMPBELL (1991, 98) Este capítulo mostra diversas aplicações das espirais e imagens relacionadas, realizadas tanto para fins artísticos e decorativos, como para uso místico e religioso, tais como nas associações com os ENOC. Serão apresentados alguns exemplos de trabalhos desde a pré-história e em diversas localizações geográficas. Os significados dos símbolos aparecem aqui tais como as civilizações os descreviam ou como os pesquisadores conseguiram deduzir dos seus usos. Não há nenhuma intenção de desvendar algum tipo especial de “verdade velada”, nem de qualquer tipo de análise psicológica. Os símbolos descritos neste capítulo estão divididos nas oito categorias já mencionadas na introdução da tese: [1] espirais, [2] serpentes, [3] esferas, [4] túneis, [5] escadas, [6] círculos, [7] mandalas e [8] labirintos. Esses símbolos, aparentemente muito diferentes, guardam, entre si, relações de similaridade de significados, sendo difícil tornar claro o que é típico de um ou de outro, porém, antes de isso parecer um problema, apenas reforça a similaridade que esses símbolos apresentam. Um exemplo disso está na pesquisa de Jeremy Narby, onde ele busca a relação entre o mito da Serpente Cósmica com o DNA. Narby levanta a hipótese de que, nos estados não ordinários de consciência, as visões dos xamãs podem baixar ao nível molecular, associando a forma espiralada do DNA com a das serpentes: As the aperiodic crystal of DNA is shaped like two entwined serpents, two ribbons, a twisted ladder, a cord, or a vine, we see in our trances serpents, ladders, cords, vines, trees, spirals, crystals, and so on (NARBY 1998, 116). Um dos elementos comuns encontrados é a idéia de passagem, ou seja, a crença de que existe um espaço além, diferenciado do mundo material, que pode ser atingido em situações especiais. Essas passagens, geralmente, são representadas por símbolos como labirintos, mandalas, túneis e escadas que, de fato, não são apenas imagens nas visões, podem ser experimentados sensorialmente de diversas maneiras pelo indivíduo, como demonstrado nos capítulos anteriores e reforçado aqui. Outro elemento bastante comum associado às 158 espirais é a água. Esta, por sua vez, também está associada a outra imagem entóptica comum nas visões, os ziguezagues: “Elas são vistas por estudiosos como as primeiras representações de água, e acredita-se que significam a forma mais primitiva da letra M” (BOAS 1955, 92) e também é possível: [...] dizer que o simbolismo da mãe (fr. mère) está ligado ao do mar (fr. mer), na medida em que eles são, ambos, receptáculos e matrizes da vida. O mar e a terra são símbolos do corpo materno (CHEVALIER; GHEERBRANT 1999, 580). De fato, a associação das águas como elemento primordial da criação está presente desde o Egito antigo. É comum encontrar as espirais como símbolo da criação, da fecundidade aquática e lunar (CHEVALIER; GHEERBRANT 1999, 398), a vulva, a mãe, o mar (as águas em geral), a concha, etc. Um dos principais animais a que a forma da espiral está associada é a serpente: “From this region of unfathomable Depth, issues forth a circle formed of spirals […] Coiled within, so as to follow the spirals, lies the serpent -- emblem of wisdom and eternity […] (BLAVATSKY 2008, 293). A espiral é o movimento circular que sai do centro e se prolonga ao infinito. Ela se parece com um círculo ou um sistema de círculos concêntricos: Théoriquement, ces deux figures sont très différentes, mais il est possible que des “cercles concentriques’, tracés en allant du centre vers la périphérie, dans un mouvement très rapide, se transforment en spirales et puissent être alors interprétés de la même manière (CAZENAVE 1999, 654).98 O sentido do giro da espiral, como opostos complementares, tem significados diferentes: no sentido horário, ela é positiva, masculina, construtiva, técnica ou racional, correspondendo ao leste e à primavera; no anti-horário, é negativa, feminina, destrutiva, artística ou irracional, correspondendo ao oeste e ao outono: “São as duas correntes contrárias de energia cósmica” (CHEVALIER; GHEERBRANT 1999, 255). As espirais podem representar os labirintos e as teias de aranha, com a idéia de centro e periferia. Elas estão presentes nas pinturas préhistóricas e são usadas desde a antiguidade como símbolos ornamentais. A antiga coroa vermelha usada no Baixo Egito é um símbolo do trono de Deus, a influência do espírito de Deus é mostrada na espiral que se estende para fora da coroa (fig. 106). A espiral é atributo de poder, ela se encontra no cetro do faraó egípcio assim 98 [...] Teoricamente, estas duas figuras são muito diferentes, mas é possível que “círculos concêntricos”, traçados do centro para a periferia, num movimento muito rápido, se transformem em espirais e possam então ser interpretados da mesma maneira (Tradução livre do francês). 159 como no báculo atual (CIRLOT 1984, 241). Na sua associação com movimento, as espirais estão ligadas à idéia de danças circulares, em labirinto e nas danças que evoluem na forma da espiral. Elas “são consideradas figuras destinadas a provocar o êxtase e a facilitar uma evasão do mundo terrestre para penetrar além” (CIRLOT 1984, 242). Cazenave, desconhecendo que esses desenhos possam ter alguma relação com os ENOC, diz: Le motif de la spirale peut avoir été inspiré à l'origine par l'observation des turbulences (des flux tourbillonnants) de l'eau courante mais aussi par celle des remous qui se produisent lorsque l'eau, ou un tout autre liquide, s'écoule par une ouverture vers le bas. Dans chaque cas, elles peuvent indiquer une immersion dans les “eaux de la mort” (voir Au-delà), ce qui expliquerait pourquoi ces signes furent souvent gravés sur les pierres tombales mégalithiques de la préhistoire (CAZENAVE 1999, 654).99 Nota-se, assim, que, mesmo sem a experiência de ENOC, os significados simbólicos das espirais, vórtices, buracos, “outros mundos”, se aproximam. Em cada uma das oito categorias escolhidas, será mostrada uma série de exemplos, começando pelos mais antigos, cronologicamente. Após estes, seguindo o modelo do capítulo anterior, serão dados alguns exemplos nas obras de artistas visionários com experiência com a ayahuasca e de outros que usam tipos diferentes de psicoativos e, outros ainda, nenhum. Esses exemplos pretendem reforçar a tese de que tais símbolos não foram apenas fruto de mera imaginação, mas de experiências reais do indivíduo, como os criados sob inspiração dos ENOC e que se tornaram mitos e parte da cultura das civilizações onde surgiram. 6.1. ESPIRAIS SIMPLES, DUPLAS E TRIPLAS Provavelmente, o exemplo mais antigo que se conhece do uso das espirais seja a que se encontra em Malta, no lago Baikal, Sibéria, onde foi descoberta uma placa paleolítica feita com marfim de mamute, datada de 16.000 a.C. Nela, está entalhada uma série de espirais duplas, possivelmente serpentes, 99 O motivo “espiral” pode ter sido inspirado originalmente pela observação das turbulências (dos fluxos turbilhonantes) da água corrente, mas também pelos movimentos que se produzem quando a água, ou outro líquido qualquer, escoa por um buraco. Em todo caso, elas podem indicar uma imersão nas “águas da morte”, o que explicaria por que estes sinais frequentemente foram gravados sobre as pedras tumulares megalíticas da pré-história (Tradução livre do francês). 160 0 em torno t de uma u espira al simples, com sete e voltas, qu ue desapa arece atrav vés de um m furo no centro o da placa a (ROBINSO ON 2007, 1200). 1 Seg gundo WAR RD (2006, 12), essa a placa dataria de 23.00 00 a.C e pode esta ar associa ada à civilização perdida p de e Sham mbhala, o legendário o país doss hiperbóre eos. A espiral com se ete voltas também é enco ontrada en ntre os índiios hopi, simbolizand s do a Mãe Terra T (verr sessão 6..8 adiante, fig. 211). 2 F 103. Pla Fig. aca de marfim m de Baikal. PURCE 2003 3, 10 00. Fig. 104. Desenh ho esquemático da p placa. ROBINS SON 2003, 12 200. No Antigo Egito, por vo olta de 320 00 a.C, alé ém das imagens de serpentess em espiral, e en ncontramoss essa form ma freqüentemente na coroa d dos faraós s e sob oss olhos do deuss Hórus, sendo s o olho o direito o do sol e o esque erdo da lua a (BRUCEMITFFORD 2001, 72), asso ociando asssim essas espirais ao os corpos celestes. Fiig. 105. Pintu ura de Osíriss em uma tum mba em Te ebas no Egitto. Aos ladoss de Osíris, os o olhos de Hórus. H PURCE E 2006, 13. Fig. F 106. Coro oa dupla doss faraós com m a espiral que significca a influênccia do poder divino. d PURCE 200 03, 50. m Brú na Bóinne (ou u Boyne Valley), V no condado de Meath, Na Irlanda, em há uma u antiga a construçã ão, consid derada uma das marravilhas do o mundo, conhecida a 161 como Newgran nge. Este grande g mo onumento funerário f é composto o por várias s câmarass interrnamente. As parede es externa as dessa construção c o neolítica eram cobertas com m cristais de qua artzo que brilhavam b à luz do so ol. O monu umento foi restaurad do e mede e oximadame ente 91 metros m de largura po or 12 de altura, a foi estimado o uso de e apro 200.000 tonela adas de material m parra sua con nstrução (R ROBINSON 2 2007, 1170 0). Apesarr de muitos m do os mitos associados a s a Newg grange se erem de o origem Ce elta, esse e mon numento oss antecede eu por apro oximadame ente 2.000 0 anos, asssim como antecedeu a u em 500 anos a Grande e Pirâmide e de Giza e em qua ase 1.000 anos a construção c o ular de ped dras em Sttonehenge. circu Fig. 107. Vista fro ontal de New wgrange. Dissponível em: <http://uploa ad.wikimedia a.org/wikiped dia/commons s/thumb/f/f9/N /Newgrangen narrow.JPG/8 800pxNe ewgrangenarrrow.JPG>. Acesso: A 18 jun. j 2007. Fiig. 108. Espirrais esculpid das na pedra de entrada (K1) em New wgrange, Irla anda. 3200~2 2900 a.C. LEWIS-W WILLIAMS; PEA ARCE 2005, 237. 2 Nass câmaras funeráriass de New wgrange, encontram-se rochas s diversas, com espirais entalhadas e s, além de círculos, formas f serrpenteadass e ziguezagues. Ao o ama anhecer do o solstício de inverno o (21 de dezembro), a luz do ssol penetra a em uma a das câmaras situada no o caminho o de entrada, iluminando três espirais esculpidas e s elaçadas, a Pedra da a Deusa, importante i e não só em m Newgrange, mas em toda a entre cultu ura Celta que veio depois (R ROBINSON 2007, 117 72). O fato o de o so olstício de e 162 inverno marcar o nascimento de um novo ano indica, possivelmente, que o monumento foi erigido com a idéia de fertilidade, morte e renascimento. A disposição da arquitetura e da escolha das espirais, entre outras imagens geométricas entópticas entalhadas nas pedras, parece ter sido usada para replicar as condições mentais experimentadas nos ENOC, idéias específicas ligadas à concepção de um mundo espiritual. Fig. 109. As três espirais entrelaçadas esculpidas na Pedra da Deusa no interior de Newgrange. Disponível em: <http://www.bradshawfoundation.com/jr/pdf_vol3/ 1169-1188%20Celts.pdf>. Acesso: 18 jun. 2008. Fig. 110. Detalhe das espirais triplas entrelaçadas. Disponível em: <http://www.bradshawfoundation.com/jr/pdf_vol3/ 1169-1188%20Celts.pdf>. Acesso: 18 jun. 2008. A pedra da entrada, descrita como um dos exemplos mais notáveis da arte megalítica da Europa Ocidental, também é entalhada com complexos padrões de espirais, arcos concêntricos e formas de diamante (WARD 2006, 35). É preciso passar por essa barreira espiral para chegar ao santuário interno, uma espécie de passaporte necessário para se entrar em um reino sagrado. Esse reino da imortalidade é alcançado por uma morte real ou simbólica, através de rituais e iniciações. Esse tema é encontrado durante o período megalítico e neolítico, tanto na Europa, México, China como no Egito. Para Purce, tais espirais demonstram a natureza evolucionária da viagem que está sendo feita (PURCE 2003, 87). Outro monumento funerário bastante similar ao de Newgrange é o templo de Maltese,100 em Al Tarxien, Malta (próxima ao sul da Sicília, Itália). Esse templo data de 2.400-2.300 a.C e também possui o mesmo tipo de obstáculo em frente à 100 Os templos megalíticos em Maltese são construídos na forma do corpo da Grande Deusa (PURCE 2003, 104). 163 porta de entrada. Neste caso, porém, há duas espirais dominantes que sugerem balancear as energias opostas dos vórtices, pelo qual o estado de totalidade e iluminação é alcançado (PURCE 2003, 87). Segundo Doczi (2006, 27), as espirais duplas podem ser interpretadas como morte e renascimento, pois, quando se segue a linha curva na direção do centro, encontra-se outra que sai desse centro e vai para a direção oposta: “A espiral dupla simboliza simultaneamente os dois sentidos desse movimento, o nascimento e a morte, kalpa e pralaya, ou a morte iniciática e o renascimento transformados em um só ser” (CHEVALIER; GHEERBRANT 1999, 398). Acredita-se que o hipogeu de Hal Saflieni, também situado em Malta, simbolizasse o útero da Deusa Mãe, por uma passagem vertical que se levanta da cavidade ao ambiente externo. No solstício de inverno, o sol encontra-se em posição tal, que um feixe de luz solar penetra a Grande Deusa. Por essa passagem, tanto em Newgrange como em Maltese, a mesma importância do solstício e dos obstáculos em espiral na entrada do monumento se repete e, em relação ao sol, lembra o mesmo tipo de mitologia dos índios Tukano, onde o sol macho fertiliza a terra fêmea. Esses cultos solares são bastante comuns por todo o mundo antigo, inclusive para os maias: “le solstice d'hiver représente le point d'origine chez les Mayas dont la cosmologie se développe selon le motif de la spirale” (CAZENAVE 1999, 654).101 101 “o solstício de inverno representa o ponto de origem para os Maias, cuja cosmologia se desenvolve segundo o motivo da espiral” (tradução livre do francês). 164 4 Fig. 111. Dessenho esque F emático da pedra (K1), na a enttrada de New wgrange. LEW WIS-WILLIAMS S; PEARCE 20 005, 27 75. Fig. 112. 1 Hipogeu u de Hal Saflilieni, Paola, Malta a – aprox. 25 500 a.C. Disp ponível em: <http p://upload.wikkimedia.org/w wikipedia/c o mmo ons/thumb/d//dd/Malta_04 4_Hypogeu m_Hal_Sa aflieni.jpg/438 8pxMalta a_04_Hypoge eum_Hal_Sa aflieni.jpg>. Acesso:: 18 jun. 2008 8. Fig g. 113. Temp plo de Al Tarrxien, Malta – Aprox. 240 002 2300 a.C. PURCE U 2003, 87 7. Fig. 114. Pedra pré-histórica a redonda ontrada em Glas G Hill, entalhada enco To owie, Aberde eenshire (3.0 000 a.C). DOCZZI 2006, 27. As espirais e du uplas esculpidas também podem ser vista as nas várias pedrass enta alhadas en ncontradas, freqüente emente, ju unto às ruíínas das cconstruçõe es antigas, 165 perto das tumbas-galerias pré-históricas no norte da Escócia, em Glass Hill, Towie (DOCZI 2006, 27). São esferas de pedra, em média com sete centímetros de diâmetro ou mais, esculpidas de diversas formas e quase sempre com entalhes espirais e círculos concêntricos. No exemplo acima, da fig. 114, a pedra possui três faces entalhadas. Muitas são rochas naturais de quartzo, mas existem de outros tipos. Vários exemplares destas pedras esféricas estão em museus como o Hunterian Museum, em Glasgow, Escócia (MARSHALL 1976, 55). Não se sabe ao certo a utilidade dessas pedras. DOCZI (2006, 27) comenta que, provavelmente, eram usadas para rituais de adivinhação. No Brasil, na região amazônica, há diversos sítios arqueológicos com inúmeros exemplos de arte rupestre, havendo relatos desses sítios desde o tempo da colonização: As primeiras informações sobre a existência de arte rupestre na Amazônia são encontradas nas crônicas de viajantes e religiosos europeus que percorreram a região durante os primeiros séculos de conquista e colonização das terras brasileiras (PEREIRA 2003, 17). Particularmente no Estado do Pará, “são conhecidos atualmente 111 sítios com arte rupestre” (PEREIRA 2003, 39). Existem nesses locais muitas pinturas, petróglifos e entalhes nas rochas, onde estão representadas figuras sintéticas de seres humanos e animais, faces e desenhos geométricos que seguem os mesmos padrões encontrados em outros sítios arqueológicos pelo mundo, como os ziguezagues, as grades e as espirais, entre outros. 166 Fig. 115. Detalhe da Pedra dos Macacos. PEREIRA 2003, 208, 120. Fig. 116. Petróglifos do Lajedo do Cadena. PEREIRA 2003, 208, 120. Fig. 117. Desenhos da obra de Hartt (1895) sobre a arte rupestre de Alcoçaba (atual Tucuruí), Tocantins. PEREIRA 2003, 105. A Pedra dos Macacos (fig. 115) está localizada próxima ao Km 96 da Transamazônica (sentido Altamira-Marabá) (PEREIRA 2003, 208). A pedra, apesar de menos “sofisticada” que a de Newgrange, guarda alguma semelhança com ela. No detalhe reproduzido aqui, aparecem espirais curvas e quadradas, existindo ainda, na mesma cena gravada na pedra, imagens de macacos correndo e de uma tartaruga (PEREIRA 2003, 208). A figura 116 mostra petróglifos no Lajedo do Cadena (conhecido também como Lageiro de Conceição), localizado em plena floresta, no município de Conceição do Araguaia: As figuras estão reunidas por grupos nos quais um ou vários motivos se repetem um certo número de vezes. Nas margens da lagoa predominam as espirais tendo um número variável de voltas, 3 a 7 em média, cercadas por uma série de pequenos traços paralelos e de outras figuras difíceis de interpretar (VELLARD 1931 apud PEREIRA 2003, 119). 167 As ilustrações da figura 117 são reproduções dos desenhos encontrados nas pedreiras existentes no contorno da cidade de Tucuruí. O comentário abaixo é do geólogo Charles Frederich Hartt, que percorreu e registrou pinturas e gravuras rupestres em diversas regiões do Pará entre 1870 e 1871: As outras são na mor parte espiráes, mais ou menos complicadas, est. 2, fig. 2, 4, 5, 7, e 11. Uma destas, est.2, fig. 4, póde representar a face humana: sendo as linhas divergentes superiores as sobrancelhas, a que desce no meio dellas o nariz e as espiráes os olhos [sic] (HARTT 1895 apud PEREIRA 2003, 105). Além do Norte brasileiro, encontram-se inúmeros exemplos de arte rupestre em regiões como no Sul (figura 10). No Nordeste, só no sertão baiano, foram registrados 205 sítios pelo arqueólogo Carlos Alberto Etchevarne, em diversos locais como Oliveira dos Brejinhos, Morro do Chapéu, Cafarnaum, Ibitipá, Sincorá e Chapada Diamantina (BAIANOS PRÉ-COLOMBIANOS 2007). De volta às terras européias, outro povo em cuja cultura as espirais estão muito presentes são os celtas. Celta é a designação dada a um conjunto de várias tribos que se espalharam pela maior parte do noroeste da Europa por volta do ano 2000 a.C. Sua produção artesanal, como armas, utensílios domésticos, jóias, era trabalhada principalmente em metais como o bronze, com habilidade sofisticada nas técnicas de entalhe. Os motivos eram desenhos geométricos, espirais e formas estilizadas de animais. No druidismo – forma de religião natural dos celtas –, o ciclo da vida humana, nascer, envelhecer e morrer, era representado como um círculo ou uma espiral. O druidismo procurava buscar o equilíbrio, ligando a vida pessoal à fonte espiritual presente na natureza e, dessa forma, reconhecia oito períodos ao longo do ano, sendo quatro solares (masculinos) e quatro lunares (femininos), marcados por cerimônias religiosas especiais. Os celtas não buscavam o conhecimento de modo objetivo ou racional como a civilização atual, “a suprema tarefa não era, para eles, domar as forças naturais da Criação, botar um cabresto na Terra; era penetrar plenamente o mistério do destino humano e deixar-se embriagar por ele” (LAUNAY 1980,10). Os três círculos,102 ou planos, da filosofia dos druidas, implicam em uma progressão em espiral: no primeiro plano, a matéria é criada; no segundo, adquire 102 Esse símbolo também está associado ao tríscele, a suástica de três pernas e ao trípode: [...] “símbolo solar, não só pelo disco superior, mas também pelos três suportes, cada um dos quais 168 8 form ma física e, no terce eiro, alcançça a perfe eição. O grande cald deirão do mito celta a pode e ter dado o origem à lenda do Santo Gra aal, que ta ambém possui ligaçõ ões com o mito Grego do o “chifre da a abundân ncia”, ou co ornucópia,, que freqü üentementte aparece e f espiral (WARD 2006, 11).. em forma F 118. Cruzz celta da igrreja de Fig. Aberlemn no na Escóciia. Dispo onível em: <h http://upload..wikimedia.org/wikip edia/en/f/f0//Aberlemno.jjpg>. Acesso: 14 maio 200 08. Fig. 119. O tríscele, trê ês espirais entrelaçadas. e . Dispon nível em: < htttp://www.cas ssiopaea.org g/ima ges/triskel_ _brooch.jpg >. > Acesso: 14 maio 2008 8. g. 120. Cornucópia. Fig Disponível em: e < http:///www.freeprrintableco lorin ngpages.net/s /samples/ Than nksgiving/Co ornucopia _Bo order.png >. Acesso: 14 maio 20 008. Os maoris da a Nova Ze elândia, Po olinésia, usam u tatua agens em forma de e espirais em suas s face es. Para eles e as espirais e re epresentam m a chav ve para a imorrtalidade. A tradição o polinésia a conta qu ue após a morte a alma enco ontra uma a terrívvel bruxa que q devora ará as tatu uagens em espiral. Em troca ela tocará os olhos da a alma a, concede endo a visã ão dos esp píritos. Se a bruxa nã ão encontrrar as tatua agens, ela a comerá os olhos da alma a, impedindo que esta encontrre a imortalidade (PURCE U 2003, 79). Além dissso, as esp pirais são um símbo olo de sua conexão ao univers so que oss cercca. Os mao oris também m entalham m as espirrais em ma adeira e pe edra, esperando que e o po oder atribuíído a esse es símboloss os proteja de uma morte prem matura (DOCZI O 2006, 25). corre esponderia a estes movim mentos: leva ante, zênite, poente” (CIR RLOT 1984, 5 582). Esse símbolo pode e também ser repre esentado com m três pernas unidas pelo centro com mo na da ban ndeira da Sic cília. 169 9 Fig. 121. Tatuagem em e espirais dos d maoris. PURCE 2003, 79. Os monges irlandeses do século 7, insp pirados no os motivos s celtas e tamb bém no movimento m do oceano o, criaram páginas ornamenta ais com motivos m em m espirais no livvro de Durrow. D A finalidade e dessas páginas e era de favorecer a med ditação e a preparaçção para o evangelh ho que se seguiria (PURCE 200 06, 85). A figurra 123, cria ada no sécculo 13, mo ostra Cristo o coroando o o axis m mundi (pilarr cósmico).. A crruz, em forrma da letra Tau, tam mbém sign nifica a árvvore do co onhecimen nto (PURCE E 2006 6, 61). O báculo, b basstão com a extremida ade curva,, atributo d do pastor na n igreja e símb bolo da fé, também era e usado pelos p faraó ós egípcioss, e repressenta a com municação o e a conexão com c o pod der divino. Por sua forma f espiiral, é símbolo divino o de força a criad dora (CIRLLOT 1984, 112; PUR RCE 2006, 83). Na figura f 125 5, há um bastão b do o perío odo Neolíítico, provvavelmente e usado para a mesma m fin nalidade. Porém, o elem mento entóptico deco orado nesse bastão é o zigueza ague. 170 Fig. 122. Página do Livro de Durrow, dos monges irlandeses, usado para meditação e preparação para os trabalhos religiosos. PURCE 2003, 84. Fig. 123. Cristo sobre a cruz Tau, a Árvore do Conhecimento. PURCE 2003, 60. Fig. 124. Báculo pastoral em forma de serpente. Disponível em: <http://www.arrakis.es/~casasacer/baculo.htm>. Acesso: 15 dez. 2007. Fig. 125. Bastão reconstruído encontrado em Bush Barrow, Wiltshire. O ziguezague é feito a partir de ossos. LEWIS-WILLIAMS; PEARCE 2005, 238. Nos Andes, as espirais eram largamente usadas nos cultos da água. As linhas de Nazca são geóglifos realizados no deserto do Peru, representando desenhos geométricos como ziguezagues, espirais, animais e plantas estilizadas, algumas incluindo imagens de seres humanos. São desenhos de enorme proporção, sendo apenas visíveis de uma altura considerável. Esses desenhos estendem-se pelas colinas nos limites do deserto. Foram realizadas pelo povo nazca, que 171 floresceu entre 200 a.C. e 600 d.C. seguindo os rios andinos. A área de Nazca, onde se encontram os desenhos, é conhecida pelo nome de Pampa Colorada. As pedras vermelho-escuras e o solo foram removidas, expondo o subsolo de coloração mais clara, criando assim as "linhas".103 Vale lembrar aqui que as conchas, também associadas às espirais, estão ligadas aos cultos das águas: We know that spirals were common motifs throughout South America. Larrain (1976:354) noted that in ancient Peru shells with a spiral form were frequently used in cults relating to the obtaining of water. He feels that the spiral motif of geoglyphs relates to a water cult (REINHART 1996, 34). Fig. 126. Espiral andina em Nazca. Notam-se as marcas de veículos que destruíram parte do visual da espiral. REINHART 1996, 33. Na América do Norte encontramos espirais na arte rupestre de sítios arqueológicos pré-colombianos, como os de Great Kiva (Reserva Zuni, Novo México), La Cienega (Novo México), Mesa Verde (Colorado), Three Rivers (Novo México), ao lado de outros elementos gráficos representando o ser humano, utensílios diversos e pintura de mãos: Entre os índios Pueblo de Zuni, na grande festa de solstício de inverno – que é também a festa do Ano-Novo, o primeiro dia – depois de acender o fogo do Ano-Novo sobre um altar, entoam-se cantos espirais e dançam-se danças espirais (MULLER 1962, 292. In: CHEVALIER; GHEERBRANT 1999, 398). 103 Maiores informações no site: <http://skepdic.com/brazil/nazca.html>. Acesso: 12 de jun. 2008. 172 2 Fig. 127. La Cieneg ga. Disponíve el em: <http://www w.bradshawfo foundation.co om/hands/ gallery/la-ccienega.jpg>.. Acesso: 6 jun. j 2007. Fig. 128. Me esa Verde. E Espirais dupla as e em sentido os opostos. D Disponível em: <http://www w.bradshawfo oundation.co om/hand s/gallery/m mesa-verde.jp pg>. Acesso:: 6 jun. 2007 7. Fig. 129. 1 Desenhos rupestress em Great Kiva, K aprox. 1150 1 d.C. Dissponível em:: <http://www w.bradshawfo foundation.co om/hands/ga allery/gt-kviva anm.jpg>. Accesso: 6 jun. 2007. 6 6.1.1. Os Vórtices V E Entópticos s Esp pirais e vórttices de fo ormas simp ples são prresenças b bastante co omuns noss quad dros de pintores p visionários. Quando se quer transmitir t idéia de energia e movvimento, allguma form ma de pod der, essas s imagens se presta am adequa adamente. Pare ece que oss artistas as usam instintivam i mente para representtar essas situações.. Na pintura ab baixo, Alqu uimia, Alexxandre Se egrégio, em uma co omposição o diagonall marccada por uma u árvorre inclinada da esqu uerda para a a direita,, cria uma a oposição o 173 entre dois elementos situados nos extremos do quadro. Na parte superior esquerda,a lua, em cores frias, passa a sensação de calma e repouso. No outro extremo, à direita e um pouco mais abaixo que a lua, um vórtice de coloração amarela, solar, com a luz mais intensa ao centro, está em um movimento dinâmico, dando a sensação de sugar, de atrair toda a paisagem à sua volta. Ao mesmo tempo, esse vórtice forma, na paisagem, uma espécie de abertura para outra dimensão. Na parte inferior do quadro, um pequeno ser mítico parece receber uma luz vinda do centro do vórtice. Fig. 130. Alquimia (1999). Óleo sobre tela, 80/100 cm de Alexandre Segrégio. Disponível em: < http://www.alexandresegregio.art.br/>. Acesso: 20 nov. 2007. Na pintura Águas de Taquaruçu Palmas, as distorções espiraladas se intensificam junto às águas, na parte inferior do quadro. Esse tipo de associação entre a espiral e a água se encontra já nas imagens vistas desde Newgrange. 174 Fig. 131. Águas de Taquaruçu Palmas (2004). Óleo sobre tela, 60/60 cm de Alexandre Segrégio. Disponível em: < http://www.alexandresegregio.art.br/>. Acesso: 20 nov. 2007. Um xamã, o grande sumiruna, tenta “endireitar” um vegetalista que perdeu todos os seus poderes, na pintura Maituchishcami: Restoring Body Energy, adiante. Maituchishcami significa que os poderes mágicos estão “torcidos”,104 isto é, prejudicados de alguma forma. As ondas malevolentes que o circundam, frutos de uma feitiçaria contra o vegetalista, são dispersas pelo xamã através do sopro benevolente em forma de um tornado sobre sua cabeça. A forma desse tornado é particularmente interessante, o vórtice se movimenta para cima, encontrando outro descendente em um ponto comum. Símbolos desse tipo significam o encontro entre o céu e a terra, dos poderes que vêm de cima, como é o caso do símbolo da montanha. Ao lado esquerdo da imagem, uma mulher está sendo curada por um xamã. Este coloca seu mariri pela boca em forma de víboras brancas, para extrair os dardos enfeitiçados do corpo da paciente. A serpente maior, no centro do quadro, serve de nave espacial para o príncipe gigante Quekaltec, o viajante do cosmo, que visita os templos, pagodes, sessões xamânicas e ayahuasqueiras. No centro, mais 104 [...] magic powers are twisted. 175 5 abaixo, um ho omem muitto magro é protegido por um pássaro ssupay-tuyuy yo, e uma a mulh her de pe ele amarelada é attormentada a por um m espírito chamado asna-aya a (cad dáver fedorrento). Na base do quadro, q um ma mulher deitada p parece esta ar grávida,, mas não está. Outra mu ulher, acim ma da anterrior, foi enfeitiçada ccom lupuna a colorada a [Cavvallinesia sp.]. s Atrás, o gênio da planta lu upuna a prrotege. Na extremida ade direita, se encontra e T Taita Puncchayashca an (“fatherr who illum minates likke the da aybreak orr dawn wn”). Fig. 132. Vissão 34: Maitu uchishcami: Restoring R Bo ody Energy Energy E (1987 7). Pintura de e Pablo Amarin ngo. LUNA; AMARINGO M 199 99. As representa r ações típica as obtidas nas visõe es nem sem mpre são figurativas. f A fig gura 133 mostra m um ma obra ab bstrata da artista Na ana Nauwa ald: uma espiral e em m meio o a padrões amorfo os de core es lembrando os esstágios iniciais das mirações. Nauw wald possu ui experiên ncias com ayahuasca a, entre ou utras planta as.105 105 Infformações sobre a artista a podem serr acessadas nos sítios: <http://www.ecsta atictrance.co om/index.htm ml?=nana-nau uwald.html> e <http://www.vision nary-art.de/sseiten/nana_ _engl.html>. Acesso: A 13 out. o 2008. 176 Fig. 133. Star Dance (2008). Óleo e pigmento sobre tela, 70/50 cm de Nana Nauwald. Disponível em: <http://www.visionary-art.de/images/thumbs/sternentanzkl.jpg>. Acesso: 25 out. 2008. 6.2. AS SERPENTES E O URÓBOROS Como a maior parte dos símbolos ilustrados aqui, as serpentes aparecem nas representações artísticas desde muito tempo em civilizações distribuídas pelo planeta todo, quase sempre com implicações mágico-religiosas, além de ser uma imagem recorrente nos ENOC, como visto no Segundo Capítulo. As serpentes são animais que parecem inspirar simultaneamente medo e fascinação devido a sua beleza, seus mistérios, seu perigo. Alguns desenhos, desde o período paleolítico, são linhas sinuosas relacionadas ao movimento das serpentes, do mesmo modo que os pigmeus ainda as representam, com uma linha no chão (CHEVALIER; GHEERBRANT 1982, 814). As serpentes estão ligadas a uma grande diversidade de aspectos simbólicos, por suas características físicas e comportamento, além da variedade de habitats onde vivem, pois elas estão nas florestas, nos rios, nos desertos e nos mares. Devido a isso, não representam um tipo único de símbolo, mas um grande complexo deles. Como símbolo da fertilidade, a serpente é sexualmente ambivalente, ao mesmo tempo matriz e falo (CHEVALIER; GHEERBRANT 1982, 822), também representando as fontes da vida e da imaginação 177 (CHEVALIER; GHEERBRANT 1982, 825). Ela pode simbolizar aspectos positivos, o bem, a força vital, a sabedoria, a virtude, e negativos como o mal, o perigo, as tentações. Ela pode ser a serpente Kundalini, alojada na base da coluna vertebral, a energia da libido que sobe pelos chakras,106 abrindo-os, iluminando-os, renovando a personalidade, ou pode ser a serpente do paraíso que tentou Eva, trazendo a queda simbólica da humanidade. A serpente brinca com os opostos, muitas vezes integrando-os, é macho e fêmea, material e espiritual: Esta estranha relação se aplica pela identidade do aspecto mais íntimo, mais material, com o aspecto mais alto, mais espiritual, identidade que já encontramos na interpretação da serpente como animal, ao mesmo tempo, ctônico e “espiritual” (JUNG 1988, 235). Em muitas representações artísticas ela está em duplas, como no caduceu de Mercúrio, significando aqui também a complementaridade dos opostos. A serpente também é símbolo da renovação da vida: O poder da vida leva a serpente a se desfazer de sua pele, exatamente como a Lua se desfaz da própria sombra. A serpente se desfaz da pele para renascer, assim como a Lua se desfaz da sombra para renascer. São símbolos equivalentes (CAMPBELL 1991, 56). Fig. 134. Os chakras orientais e a ocidental Árvore da Vida (Sefirots), segundo desenho de Aleister Crowley. Disponível em: <http://www.nachtkabarett.com/ihvh/img/chakra.jpg>. Acesso: 14 mar 2008. 106 Chakra, em sânscrito, significa roda. Na filosofia hindu, são os pontos de junção por onde passa a energia vital, geralmente sete, distribuídos da base do períneo até o topo da cabeça. São como centros de consciência (CHEVALIER; GHEERBRANT 1982, 231). Em sentido mais amplo, “Chakra significa círculo, esfera” (CAMPBELL 1991, 191). 178 Possivelmente uma das representações mais antigas do cosmo, encontradas na forma de serpentes espiraladas, é a dos vasos e cerâmicas Vinca, a maior e mais abrangente escavação em sítios arqueológicos do período neolítico da Europa. Havia ali uma metrópole com uma cultura bastante desenvolvida, situada no cruzamento dos vales de Bolecica e do rio Danúbio, onde o relevo de Sumadija se encontra com a planície de Banat. Datando entre 4500 e 3500 a.C ou ainda mais antiga, mostra atualmente muito do que foram os primeiros assentamentos de agricultura na pré-histórica da Europa.107 Vinca incluía o norte da Grécia e a Tessália. Fig. 135. À esquerda, cerâmica em forma de serpente encontrada em Predionica, Pristina, na Iugoslávia, perto de Vinca. Ao centro e à direita, vasos vinca com as serpentes espiraladas. GIMBUTAS 1982, 95. Sendo um animal ctônico, a serpente aparece no Antigo Egito como criadora do poder vital, por exemplo, os quatro membros femininos do Ogdóade108 tinham cabeças de serpente e Amon, um dos quatro membros masculinos, aparecia como uma deidade primitiva na forma da serpente Kematef.109 A serpente Apophis110 era a mais proeminente inimiga do deus Rá: [...] encarnação monstruosa do senhor dos infernos e prefiguração do Satanás bíblico, cujas espirais preenchem uma eminência de 450 côvados 107 Informações complementares podem ser acessadas pelo link: <http://www.rastko.org.yu/arheologija/vinca/vinca_eng.html>. Acesso: 03 abril 2008. 108 Agrupamento de oito divindades que representava o mundo antes da criação, formando quatro casais (BAINES; MÁLEK 1984, 126). 109 É importante ressaltar aqui mais uma característica dos ENOC, o teriomorfismo. Tanto entre os San da África do Sul, os Tukano, os Shipibo, etc., como nas culturas de antigas civilizações como a do Egito até a atualidade, o teriomorfismo aparece, através de descrições ou de realização de imagens. 110 De modo geral, optou-se por manter os nomes na grafia original das fontes consultadas. 179 de comprimento [...] sua voz dirige os deuses para si e estes o ferem” (CHEVALIER; GHEERBRANT 1982, 818). Por outro lado, a serpente Mehen, enrolada em espiral, era uma útil assistente do deus-sol em sua viagem pelo reino da noite (LURKER 2002, 108). No reino do Alto Egito, a imagem da cabeça da deusa-abutre Nekhebit aparecia nos diademas dos faraós. Já no Baixo Egito, era a deusa-serpente protetora Wadjit, simbolizada pela serpente Uraeus (a naja ereta) que aparecia, também conhecida como o olho de Rá (BAINES; MÁLEK 1996, 217; COTTEREL 2001, 54). A presença de ambas no diadema do faraó significava o poder exercido sobre os dois reinos unidos. Nehebu-Kau era o deus-serpente que guardava a entrada do mundo subterrâneo. Foi associado ao deus-sol, nadando ao redor das águas primordiais antes da criação. Era um deus da proteção para os faraós e todos os egípcios, tanto na vida terrena como na vida após a morte. Ele era responsável pela união do Ka111 com o corpo (SEAWRIGHT, 2002). Textos mais antigos afirmam que Nehebu-Kau era muito poderoso, não sujeito a ser atingido por magia ou ser ferido pela água ou pelo fogo. Embora considerado uma serpente de numerosas voltas nos textos da pirâmide, Nehebu-Kau foi freqüentemente representado como um homem com a cabeça e a cauda de uma serpente (WILKINSON 2005, 224). De modo similar, na mitologia polinésia das ilhas Fiji, se encontra Ratu-mai-mbula, um deus-serpente da fertilidade, das colheitas, que governa o mundo subterrâneo e faz circular a seiva nas árvores.112 Há ainda no Egito a deusa protetora dos partos, Meshkhent. As futuras mães se agachavam sobre um tijolo para dar à luz, sendo por isso Meshkhent representada como um tijolo com cabeça de mulher (LURKER 2002, 80). Porém, há representações onde ela ostenta sobre a cabeça um prolongamento que termina de forma curva, talvez um útero de vaca estilizado (WILKINSON 2005, 152). 111 É comparado a um duplo, análogo ao perispírito dos ocultistas, que habita o corpo ou mesmo as estátuas dos defuntos, mas era também independente do homem e podia mover-se, comer e beber à vontade. “[...] Christiane Desroches-Noblecourt distingue do Ka individual com um Ka coletivo: força de interação contínua, indiferenciada, universal e criadora” (CHEVALIER; GHEERBRANT 1982, 528). 112 Informação retirada da Encyclopedia Mythica disponível em: <http://www.pantheon.org/articles/r/ratu-mai-mbula.html>. Acesso: 13 jun. 2008. 180 0 1 Nehebu u-Kau em forrma híbrida ou o semiFig. 136. antrropomórfica, de um home em com cabe eça de serrpente. Em re epresentações mais antig gas, a d divindade apa arece em forrma completa a de serpente)). WILKINSON N 2005, 224. Fig. 137. Me eshkhent, a d deusa dos pa artos e do destino, d com seu caracte erístico símbo olo sobre a cabeça, pro ovavelmente representa um u útero. Desenho ba aseado no exxistente no Templo T de Hatshe epsut. WILKIN NSON 2005, 224. 2 No museu do Louvre, exxiste um fa amoso vasso verde de e esteatita esculpida a para a o rei Gud dea de Lag gash, cidad de ao sul da d Mesopo otâmia (Suméria, atual Iraque), dedicado por sua s inscriçção a Ningiizzida, sen nhor da árvvore da ve erdade (IZR RE'EL 2001, 118)), que carre ega duas serpentes s gêmeas ex xatamente e como o ca aduceu de e Mercúrio.. Fig. 138. Rei Gudea, Ning F gizzida e o deus d Enki. D Duas serpenttes emergem m sobre os om mbros de Nin ngizzida. Disp ponível em: <htttp://www.biblleorigins.net//ningishbasre eliefmarble.j pg> >. Acesso: 22 2 fev. 2008. Fig. 139. Ilustração so obre o mesm mo tema ao lado o, facilitando a visualizaçã ão de N Ningizzida. Diisponível em m: < http://www w.bibleorigin ns.net/Ningish hzidaGude aSealB BlackGreen.jp pg >. Acesso o: 22 fev. 20 008. 181 Fig. 140. As serpentes ig guais ao cad duceu de Me ercúrio. Disp ponível em: <htttp://www.biblleorigins.net//NingishzidaGudeaVase Langdon n.jpg>. Acessso: 22 fev. 20 008. Fig. 141. Estatueta d de Gudea, go overnador de Laga ash, dedicada a a Ningizzid da. Aprox. 2120 a.C. D Disponível em m: <http://com mmons.wikim media.org/wiiki/Image:G udea a_of_Lagash h_Girsu.jpg309pxGudea_o of_Lagash_G Girsu.jpg>. Acesso: A 22 fev. 2008. Na mitologia Grega, ass serpente es represe entam símb bolos da sabedoria, s como, por exe emplo, em Esculápio o, onde é o símbolo da mediccina. Neste e caso em m partiicular, é co onfundido com o cad duceu de Mercúrio, M q é o sím que mbolo do comércio c e não da mediccina. Na an ntiguidade e clássica, com o avvanço no estudo da a alquimia, Merccúrio (Herm mes) foi re econhecido o como o protetor p de esta arte e outras infformaçõess “ocu ultas”, isto é, “hermétticas”. Asssim, a quím mica e a medicina m accabaram associando a o o ca aduceu de Mercúrio com c os disscípulos do o curador Esculápio E (PRATES 2002, 434). Héca ate era a deusa grega que abarcava a fertilida ade da te erra e as horas de e escu uridão. Com m poderess imensos,, ela podia a concederr riqueza e boa sorte e, além de e consselhos sáb bios, mas, também, podia p mostrar aspecctos menoss generoso os. Hécate e aparrecia com serpentes enroscada as ao redo or do corpo o e, junto com sua filha f Circe, pratiicavam ma agia negra a (COTTERE ELL 1996, 99). 9 Tifão foi o monsstro de 100 0 cabeçass que desafiou Zeus. Z Tifão tinha rabo de serpente e su uas cabeçças são de escritas àss veze es como deste d anim mal (COTTERELL 1996 6, 168). A serpente a aparece ta ambém no o Jard dim das He espérides, morada das d ninfas, como Lad don, uma serpente ou o dragão o de cem c cabeçças, guardiã da árvorre das maçãs (pomo os) de ouro o. As serp pentes são o figurras proemiinentes em m toda a mitologia m grega: g o mito-elemen m nto de Lao ocoonte, a antig ga Hidra de e Lerna qu ue lutou co om Hércule es, a Medu usa, etc. No oráculo de Delfos, 182 2 culto o ao deus Apolo, qu ue matou a serpente e chamada a Píton, representaa vitória da a razã ão sobre o instinto (C CHEVALIER; GHEERBRA ANT 1982, 721), daí o culto a Apolo A Pítio, realizado pelass pitonisass (Pítias ou u Sibilas), lendárias profetisas p virgens, em manaçõess s d divina, sendo a mais famosa Cassandra, por quem Apolo se apaixonou a u da sabedoria (CHE EVALIER; GHEERBRANT H T 1982, 832). Fig. 142. Deusa D Serpen nte de Creta a. D Disponível em: < <http://upload d.wikimedia.o org/wikipedia a/co m mmons/thum b/6/66/Berniinimedusa.jp pg/2 70px-Bernin nimedusa.jpg g>. Acesso: 22 2 fev. 2008. na ou Medusa a – obra de Bernini. B Fig. 143. Górgon JANSON, 199 97. Em um dos mitos bu udistas, Buda B estava sentad do em po osição de e med ditação qua ando, durante uma te empestade e, a podero osa serpen nte de sete e cabeças, Mucchalinda, le evantou-se do subsollo e o envo olveu para a não interrromper o seu s estado o de meditação m (BRUCE-M MITFORD 2001, 22). Naga, N outra a serpente e de várias s cabeças, está associada a ao contro ole das chu uvas, e por sua inimizade com Garuda, pássaro p do o sol, se reflete no mito do d equilíbrrio entre sol e a chu uva, ambo os essencia ais para a s (BRUCE-MITFORD D 2001, 28)). fertilidade do solo A im magem da figura 143 adiante mostra um ma grande e escultura a de pedra a do deus d Vish hnu, deitad do sobre as voluta as da serp pente cóssmica. Ess sa grande e estátua, esculp pida de um m bloco único de ped dra negra, de um tipo o não enco ontrado no o vale, está situada no templo de Buddhanilk B kantha, a 9km 9 de Ka athmandu, no pé da a mon ntanha de Shivapuri. S 183 Fig. 144. Vishnu adormecido, em Kathmandu. Disponível em: <http://www.fotothing.com/photos/431/431b2c48a514e560f9b54e26b0 d3b997.jpg>. Acesso: 2 set. 2008. Fig. 145. Serpente cósmica de mil cabeças, com Shiva e Lakhmi – 1760 DC. PURCE 2003, 33. No Gênesis, a serpente do Jardim do Éden induziu Adão e Eva ao conhecimento proibido. Por esse motivo, foi sempre associada a uma representação das forças do mal no judaísmo e no cristianismo, porém, [...] em muitas culturas é dada uma interpretação positiva à serpente. Na Índia, mesmo a mais venenosa das serpentes, a naja, é um animal sagrado, e a mitológica Serpente Rei é quem está ao lado do Buda (CAMPBELL 1991, 56). Moisés carrega um bastão que, ao ser jogado na terra, pelo poder de Jeová, se transforma em uma serpente. Entre as representações hebraicas deste animal como símbolo do mal, está Leviatã, serpente do mar. No cristianismo medieval, esse monstro foi identificado com o inferno. Essa concepção de Leviatã procede de Tiamat, o dragão mesopotâmico do caos (COTTERELL 1996, 120). Na mitologia nórdica, Midgard se localiza no meio de Yggdrasil, cercado por um mundo de água ou oceano, e que é habitado pela enorme serpente marinha, um dos três temíveis filhos do deus Loki, Jormungandr, que circula todo o mar, formando um anel que impede a passagem de quaisquer seres ao agarrar sua própria cauda, lembrando, assim, a figura de uróboros. O deus Thor tenta liquidar Jormungandr, porém só consegue esse feito na batalha final de Ragnarök (o ocaso dos deuses). Thor acaba se afogando no veneno que emanou da serpente agonizante (COTTERELL 1996, 167). As serpentes aquáticas costumam ser criaturas monstruosas gigantes, tais como o Leviatã ou o monstro do lago Ness, na Escócia. 184 Os celtas adotaram alguns deuses dos conquistadores romanos, porém, eles possuíam uma trindade de deusas mães ou da fertilidade, como também do deus Cernunnos, o deus com chifres, que se encontra em todos os territórios celtas. Em algumas representações, Cernunnos é visto segurando, com a mão esquerda, uma serpente com cabeça de carneiro, símbolo da fertilidade (BRUCE-MITFORD 2001, 15). Nos Estados Unidos, na região de Ohio, há o Montículo da Grande Serpente, cuja origem ainda é incerta. Inicialmente pensava-se que havia sido construído pelos índios Adena, devido à existência de vários túmulos dessa tribo por perto. Fig. 146. Cabeça de Mjölnir, o martelo de Thor. COTTERELL 1989, 167. Fig. 147. Montículo da Grande Serpente, Adams County, perto de Locust Grove, Ohio, 300~400 a.C., aprox. 460 metros de comprimento. Disponível em: < http://cache.eb.com/eb/image?id=5529&rendTypeId=4>. Acesso: 2 set. 2008. Biscione é uma divisa heráldica que mostra uma serpente azul engolindo um ser humano, usualmente uma criança. Tem sido símbolo da família italiana Visconti por cerca de mil anos. Aparentemente sua origem é desconhecida; entretanto, dizem que Ottone Visconti baseou-se no desenho existente na capa de um inimigo sarraceno morto por ele durante as cruzadas.113 Uma imagem similar é encontrada na cultura asteca. Na América Central, em 1.200 d.C, no Império Tolteca, já em decadência na época, havia ainda a recordação de um grande governante, igual em importância para essa civilização como foi o Rei Arthur para os ingleses e que se chamava Quetzalcóatl. O nome combina quetzal, pluma da cauda, 113 Texto baseado no encontrado no link: <http://www.redicecreations.com/winterwonderland/serpentman.html>. Acesso: 23 maio 2008. 185 5 e có óatl, serpen nte, ou seja a, a serpen nte emplum mada, evocando asssim a simila aridade de e diversos símbo olos que a serpente representta, combin nando os o opostos, cé éu e terra,, luz e escuridã ão, vida e morte, entre e outro os. Campb bell dá ou utro exemplo dessa a combinação do os opostoss e sua difu usão por várias culturas: [...] uma imagem m constante e é a do con nflito entre a águia e a serpente. A pente ligada à terra, a ág guia em vôo espiritual – esse conflito o não é algo o serp que todos experrimentamos? ? E então, qu uando as dua as se fundem m, temos um m esplêndido drag gão, a serpe ente com assas. Em qua alquer parte da terra, ass hecem essas imagens. Quer eu essteja lendo sobre mitoss pesssoas reconh polin nésios, iroqu ueses ou egípcios, as im magens são as mesmas e falam doss messmos problem mas (CAMPBE ELL 1991, 49 9). No século 14 4, os asteccas se con nsideravam m sucesso ores de Qu uetzalcóatll 996, 152).. Coatlicue e era uma a deusa que q somen nte se sac ciava com m (COTTTERELL 19 carn ne e sang gue de hu umanos, gerando g assim a uma a necessidade constante de e sacrrifícios entre os aste ecas. A sa aia da deu usa era forrmada de serpentes s, e o seu u colar, por cora ações arra ancados das vítimas s dos sacrrifícios, mã ãos cortad das e uma a cave eira. Essa figura míítica desfru uta um mundo de vítimas v de e sacrifício os como a deussa hindu Kali K (COTTE ERELL 1996 6, 78). A deusa d maia a da Lua, chamada Ix Chel, é malé évola e rep presentada a como um ma anciã coroada c po or uma serrpente e com c a saia a adorrnada com m ossos atrravessadoss. Apesar dessa faceta negativa, consid deravam Ixx Chell a padroeira e protettora das pa arturientes s e dos teccelões. Algu umas veze es ela está á em companhia a de uma a serpente celestial, que dizia am tê-la a ajudado a lançar ass chuvvas torrencciais que ca ausaram o dilúvio (C COTTERELL 1996, 111 e 113). Fig g. 148. “Bisciione”, símbollo da cidade de M Milão, fotogra afado na Esttação Central. D Disponível em m: <http p://www.rediccecreations.ccom/winterwo onder lan nd/biscione.jp pg>. Acesso:: 23 maio 2008. Fig. F 149. Ima agem de Que etzalcoatl co omo uma se erpente devo orando um ho omem. Dispo onível em: <http p://www.rediccecreations.com/winterw wonderland/q q uetzalcoatll1.jpg>. Acessso: 23 maio o 2008. 186 6 Fig. 150. Quetzalcoatl, “deus da vida” v na cultura asteca, a também venerado o pelos toltecas e maias, é a serpente s emp plumada. Disponívvel em: <http://williiamhenry.nett/images/c2cc_p3.jpg>. Acesso: 23 maio m 2008. Fig. 151. Deusa D asteca a da Lua Serrpente. Disponíve el em: <http://www w.crystalinkss.com/aztecs serpent moongod d.jpg>. Acessso: 23 maio 2008. 2 A serpente s que morde a própria a cauda esstá associiada ao símbolo do o é o dragã círcu ulo e da perfeição, p ão primal, a autoge erada urób boros. Esse símbolo o aparrece no Co odex Marciianus114 (século 2 d.C C.), com a inscrição grega Hen n to Pan (o o Um, o Todo), o que exxplica sua significaçã ão, concerrnente a to odo sistem ma cíclico: unidade, multtiplicidade,, retorno à unidad de; evolução, invo olução; na ascimento, crescimento; decréscimo d o, morte; etc. e Os alq quimistas retomaram m o aludid do símbolo o o processo o de sua opus o (CIRLLOT 1984, 164). Estte símbolo o gnósstico, apliccando-o ao não está apen nas presente na imag ginação arrtística e re eligiosa ou de um de eterminado o lugar ou época a: Pod demos remon ntar a Uróboros ao Apoccalipse de Sã ão João, aos s gnósticos e aos sincretistass romanos; há desenho os dela nas pinturas em m areia doss os navajos e em Giotto;; vemo-la no o Egito, na Á África, na Índ dia, entre ass índio ciga anas, como amuleto, a em textos alquím micos (NEUM MANN, 2006, 29). 2 A uróboros re epresenta, sob forma animal, seja ela sserpente, dragão d ou u peixe, o círcullo. É, portanto, uma a representtação do tempo t ou do “eterno o retorno”, indiccando que um novo início coin ncide com m um fim perpétuo p numa nova repetição o ou, ainda, a que e o final de e uma via e o seu in nício são uma u só e m mesma co oisa de um m 114 An ntigo manusccrito alquímicco grego. 187 ponto de vista superior (CIRLOT 1984, 164; BIEDERMANN 1996, 487). A forma circular traz consigo as noções de perfeição e de eternidade. Equivalente psicológico do incesto, mas do incesto simbolizado,115 o uróboros assinala a existência de um indiferenciado, de onde todas as coisas saíram e ao qual retornam. O significado aqui é, no entanto, duplo: pode tratar-se de um fenômeno de simples repetição ou, pelo contrário, de uma renovação perpétua que passa incessantemente pela mesma fase de “morte e ressurreição”, atingindo-se este indiferenciado divino para além dos pares de opostos, que escapa às categorias da nossa lógica (BIEDERMANN 1996, 488). O indiferenciado, que transcende as categorias e as possibilidades da linguagem, é, igualmente, o Brahma dos Vedas e o nirvana do budismo, sem que se confunda o significado e a finalidade teológica singular de cada uma dessas religiões. Nos símbolos alquímicos, a serpente enrolada em círculo é freqüentemente substituída por duas criaturas que mordem a cauda uma da outra (Fig. 152) (BIEDERMANN 1996, 488). Fig. 152. Uróboros de um manuscrito grego da Biblioteka Narodowa, Polônia. Disponível em: <http://gnosis.art.pl/iluminatornia/gnostyckie_roznos ci/uroboros_manuskrypt_grecki.htm>. Acesso: 20 mar. 2007. 115 Fig. 153. Uróboros em forma mista usada pelos alquimistas. Disponível em: <http://altreligion.about.com/library/graphics/ masonic/bl_masonicemblems2.htm>. Acesso: 13 maio 2008. No quadro da fig. 09, a espiral dos Tukano igualmente simboliza o incesto. 188 8 N mitologia egípcia, e o jovvem sol Fig. 154. Na aparece e no horizon nte, cercado pela p uróboross que estabe elece os limite es do Cosmo, separando s o tempo e o espaço e tangíve el do meio líq quido primord dial. FRANCO 1996, 137. Fig. F 155. Hap py derraman ndo a água de d seus re ecipientes. Relevo R do Templo de Isis,, século 2 a.C. HAGEN N 2002. A uróboros se erviu como o inspiraçã ão para um m químico do século o 19. Apóss ser conhecida c a fórmula a molecula ar do benz zeno, não se tinha n nenhuma in nformação o sobrre a sua fórmula estrutural. Aparentem A mente, a proporção p entre hid drogênio e carb bono pareccia não esstar corretta. Em 18 862, Friede erich Augu ust Kekulé é, químico o alem mão já conh hecido pelo seu trabalho na qu uímica orgâ ânica estru utural, ao adormecer a r na sua s cadeira a em frente e a uma lareira enquanto estavva intrigado o com a es strutura do o benzzeno, sonh hou com uma u serpen nte dançan ndo enqua anto mordia a sua próp pria cauda a (NAR RBY 1998, 114). Des ssa idéia surgiu s a primeira p esstrutura cícclica da qu uímica - o anel benzênicco. També ém foi devvido a ess se fato o seu apelid do de “mo olécula do o sonh ho”. Fig. 156. Moléccula do benze eno. Disponíível em: <htttp://www.triplov.com/alqu uimias/ourob bor.jpg>. Acesso: 12 ago o 2008. Fig. 157. Dragão D morde endo a próprria calda. De esenho de M M. C. Escher. 189 6.2.1. As Serpentes dos Visionários As serpentes são a visão mais recorrente nas experiências com ayahuasca.116 Como visto, ela está presente em diversas culturas pelo planeta todo, sempre envolta em mistério e poder, seja de natureza benéfica ou maléfica. Intrigado com o fenômeno, Narby, em sua pesquisa antropológica, pergunta ao seu interlocutor, Ashaninka Carlos Perez Shuma, sobre as visões de serpentes: […] and I also wanted to know why it is that one sees snakes when one drinks ayahuasca. It’s because the mother of ayahuasca is a snake. As you can see, they have the same shape (NARBY 1998, 34). Naturalmente, no contexto da floresta amazônica, a resposta tem muito sentido, mas a visão de serpentes é uma experiência e ideologia xamânica muito comum, não só nas experiências com psicoativos como a ayahuasca e sua forma serpenteada, mas também em culturas que não possuem esse animal em seu habitat (NARBY 1998, 114; SHANON 2002, 118). Os aborígenes australianos consideram que “[…] the creation of life was the work of a “cosmic personage related to universal fecundity, the Rainbow Snake”, whose powers were symbolized by quartz crystals” (NARBY 1998, 64). Este mesmo tipo de mito é encontrado entre os índios desana colombianos, que associam a anaconda cósmica, criadora da vida, com os cristais de quartzo. Narby infere destas questões, dentre outros exemplos dados neste capítulo, que a serpente cósmica seja uma representação do DNA. Fig. 158. A Anaconda ancestral [...] guiada pela divina pedra de cristal. REICHEL-DOLMATOFF 1981, 79 apud NARBY 1998, 64. 116 O autor da tese não teve nenhuma miração com cobras ou serpentes em 121 sessões. As mirações mais próximas disso foram tentáculos no lugar dos braços e pernas de figuras femininas e uma miração de vários fios elétricos coloridos, como esses terminais metálicos em forma de garrinha na extremidade, imitando uma boca dentada, que subiam do ângulo inferior direito da visão para o superior esquerdo em movimentos sinuosos. 190 0 Narrby (1998, 81) busscou pistas mitológiicas em relação à serpente e cósm mica e sua a forma, en ncontrando o imagens de serpen ntes gêmea as, isto é, em dupla, que aparecem m em diverssas repressentações antigas, co omo vistass acima, na a Suméria a a Grécia. Um caso particularmente esp pecial é o desenho da serpe ente dupla a e na abaixo. Não se trata de d um an nimal real,, é uma charada vvisual, ass sim como o Que etzalcoatl. Os O hieróglifos repressentam, da a esquerda a para a direita, “um”; “vários”;; “esp pírito, duplo o, força viital”; “lugar”; “mecha a de linho torcida” e “água”. Abaixo A do o queixo da serp pente, está á uma cruzz egípcia, que q represe enta a “cha ave da vida a”: F 159. Serrpente Cósm Fig. mica. CLARK 1959, 1 52 apu ud NARBY 199 98, 102. Na figura 159 9 adiante, Ayahuasca A a and Cha acruna, o ccentro da imagem é dom minado pela a figura de e duas serrpentes enroladas, re epresentan ndo as dua as plantass nece essárias para p a pre eparação da ayahua asca. A serpente s m menor rep presenta a chaccrona, que penetrará á117 na maior, o cipó. Podemos ver aqui, nas duas serpentes, s o sig gnificado dos oposttos comple ementares s, o mascculino e o feminino. Sendo a chaccrona o princípio fem minino e o cipó o ma asculino, significa, s po ortanto, a união doss oposstos comp plementare es, caracte erística típ pica dos ENOC. A chacrona a, ao serr engo olida pelo cipó, faz lembrar as propried dades quím micas desssas duas plantas. A chaccrona carre ega o DMT T em suas folhas, po orém necesssita da pro oteção dos s harmala-alcalóides do cipó c para impedir que as enzim mas presen ntes no org ganismo destruam d a DMT T. A chacro ona, ao pe enetrar no cipó, ficará protegida, amplian ndo as mira ações que e a be ebida provo oca. 117 Original no texxto: “The ch hacruna snakke penetrates the ayahuasca snake, producing the t visionaryy effectt of these ma agic plants” (L ( UNA; AMARINGO 1999, 52). 5 191 Fig. 160. Visão 03: Ayahuasca and Chacruna (1986). Pintura de Pablo Amaringo. LUNA; AMARINGO 1999. A pintura Visions of the Serpents está repleta de anacondas e serpentes venenosas. Essas, aqui, simbolizam diversos tipos de poderes, muitos dos quais em relação à medicina, como a Huairamama em cima à esquerda, lançando um arco-íris na floresta para fortalecer os poderes curativos de um paciente que foi picado por uma cobra. A serpente abaixo, carregando uma floresta, é a Sachamama, que lança seu arco-íris carregado com ondas de luz. No centro, um pouco à direita, está a serpente negra, a Yakumama,118 que lança seu raio magnético para cima. Os murayas, um tipo de xamã, usam essa serpente para descer até a parte mais profunda dos rios. Então, ela se transforma em um bonito submarino.119 Do lado direito da Yakumama está outra serpente, a purahua, também lançando seu arco-íris pela boca. A Yakumama é a serpente que se transforma em barco a vapor navegando assim nas águas dos rios e dos lagos. Todas essas serpentes respondem aos cantos dos icaros destinados a elas. 118 119 Em quíchua, Yakumama significa mãe da água (LUNA; AMARINGO 1999, 74). As serpentes, em muitas mirações descritas pelos índios, servem como meio de transporte nos reinos celestes ou subaquáticos. 192 2 Fig. 161. Visão 17 1 – Vision of o the Snakess (1987). Pin ntura de Pablo Amaringo.. LUNA; AMAR RINGO 1999. A figura f 161 adiante e, Electro omagnetism m of the e Yana-Ya Yakumama, repre esenta a luta entre um feiticeiro sumiruna, que po ode ficar ssob as águ uas, e um m vege etalista mu uito forte, chamado em quích hua de Sin nchicunan--muraya. Com C seuss conh hecimentoss, este curandeiro pode p abrir um tipo de d poço no o solo. Um ma aranha a prod duz melodias com su uas teias, que fascin nam a serpente yana-yakumam ma, a boa a negrra, mãe da as águas. Os feitice eiros usam m essa serrpente com mo um enc couraçado o para a atacar su uas vítima as. Esta se erpente, em e particullar, tem uma faixa branca b na a cabe eça, que a distingue das dema ais boas. Ela E vive nass profunda as águas negras n doss lagos, e vem à tona tom mar banho o de sol ao o meio-dia, para se carregar de d energia a solar, fortalece endo assim m o seu eletromagn e netismo. Quando Q um m feiticeiro o a usa, é u grande tornado elétrico e cre escendo dela e de o onde saem m diversoss posssível ver um tiposs de pásssaros. No centro, ao o alto, esttá o grand de príncip pe Tesael, com seu u trom mpete mágico. Ele irrradia sonss elétricos,, que abso orvem o e eletromagn netismo da a serp pente. Os iccaros do curandeiro c podem pu uxar a serp pente em d direção ao buraco no o solo, onde ela a será fecchada com m discos circulares c c carregados s de radio oatividade. Entre as cinco o figuras no canto inferior es squerdo, Pablo P Ama aringo retratou a sii mesmo e ao antropólogo o Luis Edua ardo Luna. 193 3 Fig g. 162. Visão o 47: Electrom magnetism of o the Yana-Y Yakumama (1988). Pinturra de Pablo Amaringo. A LUNA U ; AMARINGO 1999. 6 6.3. AS ESFERAS E S E O CO OSMO EM CAMADA AS A esfera, e asssim como o círculo, também representta a totaliidade e a perfe eição. Co orresponde e, no espaço tridiimensional, ao que e a circu unferência a corre esponde no n espaço bidimensional. As esferas e esstão prese entes na arquitetura, a , nas cúpulas da as igrejas, nas basílicas bizantinas, nas mesquitas. m . “Na tradiç ção grega, nota adamente em Parm mênides e nos textos órficoss, duas e esferas concêntricass repre esentavam m o mundo o terrestre e o Outro--Mundo; a morte noss faz passa ar de uma a esfe era à outra” (CHEVALIER; GHEER RBRANT 198 82, 388), correspond c dendo ao cosmo c em m cam madas enco ontrado nass mitologia as desde o Paleolítico o Superiorr. Em O Banque ete, Platão o, se referiindo ao ho omem em estado pa aradisíaco, ante erior à qued da, julga-o o andrógino o e esférico o, por ser a esfera im magem da totalidade e e da a perfeição o. A forma da esfera se assem melha à forrma do glo obo terrestrre, onde o 194 hemisfério norte é considerado da luz, semelhante ao princípio positivo Yang, e o sul das trevas, ou Yin (CIRLOT 1984, 232). Pitágoras demonstrou que os sons que consideramos harmoniosos e prazerosos seguem relações matemáticas. Uma corda tocada em toda sua extensão livre e depois pela metade de seu comprimento soará a mesma nota uma oitava acima, apenas mais aguda. Quando tocada na relação 2:3 de seu comprimento, o som é uma quinta mais alta. Com relações desse tipo, Pitágoras criou uma escala musical de caráter tonal baseada em números inteiros. Disso chegou-se a que todas as proporções geométricas que existem na natureza podem ser descritas por relações simples entre números inteiros, também capazes de gerar melodias. Portanto, som, forma e número podem ser unificados no conceito de harmonia. Na época de Pitágoras, acreditava-se que a Terra era o centro do cosmo e que os planetas se moviam presos nas esferas celestes concêntricas a ela. Seguindo seu raciocínio, as relações entre as esferas deveriam também gerar música, chamada então de música das esferas: Observações astronômicas sugeriam, por exemplo, que os movimentos no céu também eram extremamente regulares e sujeitos a uma ordem específica. Isso levou ao conceito de uma bela “harmonia das esferas” – a noção de que, em seus movimentos regulares, corpos celestes também poderiam criar música harmônica (LIVIO 2006, 42). 195 Fig. 163. As esferas celestes. ALCHEMY & MISTICISM – TASCHEN. Fig. 164. Almas escalando o caminho para Deus, através das esferas celestes, nesse contexto similar ao símbolo da escada. PURCE 2003, 68. Mas, além da música das esferas, para alguns povos o cosmo possui cores. Nas tendas dos soyotes, as iurtas, tenda circular desmontável, a estaca central corresponde ao axis mundi, “é enfeitada com pedaços de tecido azul, branco e amarelo, correspondendo às cores das regiões celestes” (ELIADE 2002, 290). 6.3.1. Visões do Cosmo Em muitas sociedades, existe a figura do “vidente”, aquele que se acredita poder realmente ver e viajar através do cosmo e conhecer coisas que não são acessíveis às pessoas comuns. Para esses videntes, as experiências não são apenas conceitos, mas são vividas como verdadeiras e exploráveis realidades (LEWIS-WILLIAMS; PEARCE, 2005, 11). A figura 164 é baseada numa descrição feita por um xamã chamado Laureano Ancon, para Gebhart-Sayer, onde aparece a figura 196 do uróboros cercando as águas como nos símbolos egípcios: “The earth upon which we find ourselves is a disk floating in great waters. The serpent of the world Ronín is half-submerged and surrounds it entirely” (GEBHART-SAYER 1987, 26 apud NARBY 1998, 111). A árvore, no seu sentido simbólico de Árvore do Mundo, também é um símbolo do axis mundi, por onde o xamã pode passar entre o mundo material e espiritual. Fig. 165. Cosmovisão descrita por um xamã. NARBY 1998, 111. Para os índios desana, o cosmo também possui cores. A cor amarela, considerada boa, representa a fertilidade (mas não como sexualidade propriamente dita), proteção e a energia do Sol, a energia cósmica de procriação e renovação (REICHEL-DOLMATOFF 1968, 94). A cor vermelha representa a sexualidade, a fecundidade uterina e a vitalidade do mundo. Uma coloração amarelo-avermelhada significa a combinação do princípio da fertilidade cósmica com a fecundidade terrenal, ao conceito de saúde e da “boa vida” (REICHEL-DOLMATOFF 1968, 94). Já a cor azul tem características ambivalentes. Está associada à Via Láctea e aos ENOC, é a cor da comunicação, do contato com o sobrenatural e extraterreno: O contato realizado nessa esfera de comunicação pode ser tanto “bom” como “mau”. O azul também é a cor do tabaco. O pensamento e a reflexão pertencem à cor azul e está relacionado à cabeça (REICHEL-DOLMATOFF 1968, 94). 197 7 Na pintura Vision V of the t Plane ets, Amarin ngo mostrra uma casa c onde e vege etalistas in nvocam a serpente Sachamam ma, que lança um arco-íris pela p boca, pedindo proteçção e cura a. Em vário os quadros s de Amaringo, existtem discos s voadoress aves espacciais, elem mentos tam mbém recorrentes na as miraçõe es com a ayahuasca a a e na desccritas em depoimenttos por ou utras pess soas (ver SHANON 2002). Esse es OVNIS S vêm do espa aço cósmicco, dos planetas p vizinhos, onde o outro os seres podem p se e ostra o céu, com div versos plan netas do S Sistema So olar, como o comunicar. O quadro mo Satu urno, Urano, Netuno o e Plutão,, que os vegetalista v as visitam freqüentem mente porr não serem mu uito distan ntes. Ainda a estão re epresentad dos comettas e estre elas peloss quais os veg getalistas podem p requisitar pa ara viajare em por d distantes pontos p do o universo. Uma a das navess vem de Marte, M um dos planettas represe entados na a pintura e que está dividiido em qua atro regiõe es – uma com grande es vulcões, outra com m canyonss profu undos, um ma região de grande es cratera as e finalm mente a re egião das planícies, reple eta de cratteras gigan ntes. Outra a nave vem m de Vênus. Acima d desse plan neta está a serp pente com chifres hua aira-supayy, com hab bilidade de criar redem moinhos trremendos. Abaiixo e à esquerda de e Vênus, está o planeta Mercú úrio e, ao lado deste, um túnell que leva até a Suprem ma Divinda ade, guard dado por dois seress que seg guram um m docu umento em m suas mão os, aparen ntemente com letras em e hebraicco. Fig.. 166. Visão 25: Vision of the planetss (1986). Pinttura de Pablo o Amaringo. LUNA; AMARIINGO 1999. 198 8 A viisão da figura 166 ad diante, Sea arching forr the Lost Soul, corre esponde à desccrição dada a no Terce eiro Capítu ulo das via agens cósm micas dos xamãs Sh hipibo para a liberrtar as almas aprision nadas. O quadro q mo ostra uma viagem v pa ara Saturno o, onde se e vê um u ser mo onstruoso semi-hum mano, com m duas cab beças, cha amado Tri ricabo. Ele e carre ega serpen ntes voado oras muito agressiva as. Atrás de ele, estão vários pás ssaros que e prote egem o ve egetalista de espírito os do mal. No centrro, um pou uco à direita, está o gran nde vegeta alista ou mu uraya sobrre o pássaro tibemam ma que o a acompanha a em seuss caminhos pelo o céu. Dua as ninfas náuticas o acompanh a ham na bussca por um m paciente e ndo tomada pelos gu uardas de um u feiticeirro, deixand do o corpo o que está com a alma sen inertte. Enquan nto isso, o curandeiro observ va Saturno o e também alguma as cidadess localizadas em m outros planetas, p c como a cid dade de Jatabel J na direita e, no centro o ma, a cidad de de Luzzidal, que fica em outra galáxxia. Amarin ngo relata que essa a acim mira ação ocorrreu em 19 959, antess de ele se tornar um vegetalista. O nome do o cura andeiro era a Pascual Pichiri, P com m o qual ele aprendeu muito. Fig g. 167. Visão 37: Searchin ng for the losst soul (1987 7). Pintura de e Pablo Amaringo. LUNA; AMARINGO 1999.. A obra de Ale exandre Segrégio, Encontro E (ffig. 167), m mostra um m discípulo o em meditação o em meio o a uma paisagem p prodigiosa p a. Sobre sua cabeça a, há uma a irrad diação cônica ou pira amidal, de onde é prrojetado pa ara o alto um feixe de d luz que e 199 vai se expandindo em outra dimensão do espaço. Das águas da cachoeira, se formam dois arco-íris. Um deles lança sua luz multicolorida em direção ao feixe de luz e o circula em movimento espiralado, até chegarem juntos ao firmamento, onde se forma outro arco-íris que envolve o planeta Terra. Acima dela, há uma figura divina, Jesus, que parece abençoar o planeta com luzes que saem de suas mãos. Um pouco abaixo e à direita, está a Lua, que também parece receber raios dessa luz. Atrás, uma espiral de estrelas, como em uma galáxia, segue em direção a uma estrela brilhante maior, uma estrela-guia, norteadora. Fig. 168. Encontro (1998). Óleo sobre tela, 80/80 cm de Alexandre Segrégio. Disponível em: <http://www.alexandresegregio.art.br/>. Acesso: 20 nov. 2007. 6.4. OS TÚNEIS E OS AXIS MUNDI O coelho seguia reto por um longo túnel e, subitamente, afundou-se! Alice nem teve tempo de pensar em parar: caiu também num poço profundo! LEWIS CARROL 200 Nas experiências de ENOC, as descrições de túneis – tubos, funis, buracos, aberturas ou poços – são bastante comuns, são como passagens entre o reino material e o espiritual ou entre estados de consciência distintos: “Tunnel experiences also occur in dreams and near-death experiences” (LEWIS-WILLIAMS 2004, 145). Essas imagens são representações por excelência do axis mundi. Os poços, por exemplo, se revestem de um caráter sagrado em todas as tradições: “ele realiza uma espécie de síntese de três ordens cósmicas: céu, terra, inferno; de três elementos: a água, a terra e o ar; é também uma via vital de comunicação” (CHEVALIER; GHEERBRANT 1982, 726), “que conduz, através da escuridão, de uma zona de luz a outra” (CHEVALIER; GHEERBRANT 1982, 915). Na epopéia de Gilgamesh, este entra no mundo subterrâneo por um longo, escuro túnel, que liga duas montanhas vizinhas (CHEVALIER; GHEERBRANT 1982, 915; LEWIS-WILLIAMS; PEARCE 2005, 154). O túnel aparece aqui como o caminho de uma iniciação, do acesso à luz. Eliade (2002, 290) cita várias populações primitivas árticas e norte-americanas onde um pilar é elemento característico das habitações, que simboliza o axis mundi, o pilar cósmico. Os habitantes fazem sacrifícios e orações ao pé desse pilar, pois ele é o caminho para o Ser Supremo celeste. Na Ásia central, onde a característica da construção se alterou, passando de uma tenda cônica com um pilar central para a iurta, a função mística do pilar foi transferida para a abertura superior da tenda por onde sai a fumaça (ELIADE 2002, 290). Para os ostyaks, essa abertura corresponde ao orifício da “Casa do Céu”, ou ainda “tubos de ouro da Casa do Céu” ou “Sete Tubos do Deus-Céu” (ELIADE 2002, 290). Os altaicos acreditam que o xamã usa esses tubos para atravessar de uma zona cósmica para outra (ELIADE 2002, 290). Para os tchuktches, o buraco da tenda simboliza o orifício que a Estrela Polar faz na abóbada celeste (ELIADE 2002, 290). Esse simbolismo do axis mundi está presente nas religiões primitivas por toda parte e em culturas mais evoluídas como: Egito, Índia (por exemplo, Rig Veda, X, 89, 4 etc.), China, Grécia e Mesopotâmia. Entre os babilônios, por exemplo, a ligação entre o Céu e a Terra – simbolizada por uma Montanha Cósmica ou suas replicas, como zigurates, templos, cidades régias ou palácios [...] a mesma idéia também se expressa por outras imagens, como Árvore, Ponte, Escada etc. (ELIADE 2002, 292). Todo esse conjunto faz parte do que é chamado de simbolismo do “Centro” e é encontrado nas mais primitivas culturas (ELIADE 2002, 293). O axis mundi, no plano macrocósmico, está representado pela árvore, escada, montanha, 201 pilar; no plano microcósmico, ela pode ser representada pelo pilar central da habitação ou pela abertura superior da tenda, “que significa que ‘toda habitação humana se projeta no Centro do Mundo’, todo o altar, tenda ou casa possibilita a ruptura de nível e, portanto, a ascensão ao céu” (ELIADE 2002, 293). Porém só os xamãs conseguem ascensões dentro de uma experiência mística concreta, os demais utilizam esses canais para enviar oferendas aos deuses celestes (ELIADE 2002, 293). Da mesma forma que a árvores podem simbolizar o axis mundi, as montanhas também são símbolos que representam a escalada do xamã para a mesma finalidade. Os zigurates eram como Montanhas Cósmicas, uma imagem simbólica do cosmo (ELIADE 2002, 296). Os zigurates, templos comuns aos sumérios, babilônios e assírios, foram construídos na forma de pirâmide truncada, como as mastabas, com vários andares, um sobre o outro, podendo possuir entre dois e sete. Para se chegar ao topo do zigurate, onde estava a entrada do templo, havia uma série de rampas construídas no flanco da construção ou então por uma rampa espiralada que se estendia desde a base até o alto do edifício. Essas construções foram realizadas do final do terceiro milênio até o século 4 a.C. Fig. 169. Zigurate em Ur, Iraque. Disponível em: <http://www.atlastours.net/iraq/ur_ziggurat.jpg>. Acesso: 30 jun. 2008. Fig. 170. Minarete do Mosteiro de Samarra, Iraque, século 9. Purce 2003, 81. O minarete é a torre de uma mesquita, local do qual o muezim anuncia as cinco chamadas diárias à oração. Os minaretes são construções altas, se comparados às estruturas que o circundam, justamente para que as construções em torno dele não prejudiquem a visão do horizonte, da aurora ou do ocaso. Essas torres também simbolizam, do mesmo modo que os zigurates, as montanhas: “As 202 the pilgrim travels toward God, so his receptivity is met by the descending spiral, the manifestation of the spirit”.120 Fig. 171. Alice perseguindo o Coelho Branco na entrada do túnel. Disponível em: <http://farm1.static.flickr.com/136/341084516_4d21d2fc88.jp g?v=0>. Acesso: 3 mar 2009. Fig. 172. Passagem para o Inferno William Blake. Divina Comédia – WILLIAM BLAKE. Jung descreve um conto estoniano onde uma órfã, menina que se distingue por sua obediência e senso de ordem, ao deixar cair sua roca de fiar em um poço, pula dentro dele para reavê-la, porém não se afoga, entra em um país mágico e inicia sua busca onde, depois de uma série de provas, é recompensada com uma caixa cheia de ouro e pedras preciosas (2007, 221). O quadro do pintor renascentista Hieronymus Bosch, Subida ao Firmamento, mostra as almas sendo conduzidas em direção a uma luz que brilha no fundo de um túnel. Relatos de algumas pessoas que tiveram experiência de quasemorte descrevem um longo túnel escuro, com uma luz ao fundo. O túnel é o caminho ascensional das trevas da morte para a luz do paraíso ou, também, no seu caminho inverso, representando a vagina da mãe, a via iniciática do recém-nascido (CHEVALIER; GHEERBRANT 1982, 916). Os túneis, tubos, buracos ou poços, portanto, são passagens associadas também ao nascimento e à morte literal ou simbólica. 120 PURCE 2003, 80. 203 Fig. 173. Subida ao Firmamento ou ao Mais Alto Céu – detalhe. Hieronymus Bosch. LEWIS-WILLIAMS; PEARCE 2005, 129. Campbell traz um relato de um mito do sudoeste americano, onde os primeiros povos se originam da terra. É um bom exemplo de como símbolos, como a dança circular, a montanha, subir por uma corda através de um buraco, se fundem. No mito, os seres humanos emergem de um buraco, que se torna um lugar sagrado, o centro axial do mundo sempre associado a certa montanha: A história diz que havia ali pessoas, nas profundezas, que ainda não eram verdadeiramente pessoas, que sequer sabiam que eram pessoas. Uma delas rompe um tabu, que ninguém sabia que era um tabu, e um fluxo de águas começa a brotar. Elas têm que subir, escapar por uma corda através do buraco no teto do mundo – e acabam chegando a um novo mundo. Numa história, os xamãs se tornam agressivos em seus pensamentos e dirigem insultos ao sol e à lua, que então desaparecem, e todos ficam no escuro. Os xamãs dizem então que podem trazer o sol de volta; engolem árvores e fazem as árvores brotar em suas barrigas. Aí se enterram no chão, deixando apenas os olhos à mostra, e encenam toda uma série de truques xamânicos. Mas os truques não resultam em nada, o sol não retorna. Os sacerdotes dizem: “Bem, agora deixem o povo tentar”. E o povo é constituído de todos os animais. O povo animal se organiza em círculo e começa a dançar e a dançar. É a dança que faz emergir a colina que se transforma em montanha e se torna o centro elevado do mundo, do qual surgem todos os seres humanos (CAMPBELL 1991, 118). Os túneis, associados às experiências de parto, simbolizam a passagem da vida intra-uterina, sustentada, protegida, nutrida, para um mundo de luz e independência, mas onde o indivíduo necessita usar todas as suas forças para sobreviver. O cordão umbilical, por possuir forma espiralada, helicoidal, que acompanha a criança no nascimento, pode acabar sendo associado a uma corda ou 204 cipó pelo qual ela passa por esse túnel no nascimento. Grof, autor de extensa pesquisa envolvendo casos intra-uterinos, relata que De Mause, buscando entender como líderes militares conseguiam mobilizar centenas de milhares de pacatos cidadãos para matança desenfreada em uma guerra, descobriu que muitos discursos usados por esses líderes possuíam figuras, metáforas e imagens verbais relacionadas com o nascimento: Igualmente freqüentes são as alusões a covas escuras, túneis, confusos labirintos, perigosos abismos a que somos empurrados e a ameaça de sermos esmagados pelo inimigo. Do mesmo modo, a promessa de uma solução também se expressa em termos pré-natais, já que os dirigentes prometem “nos conduzir para a luz que aparece no final do túnel”, asseguram “nos tirar do labirinto” e nos garantem que, depois de vencer o opressor, poderemos voltar a “respirar livremente” (GROF 1999, 303).121 6.4.1. Túneis e as passagens para outros mundos Os Ashaninka acreditam que o mais poderoso maninkari122 é o Grande Transformador, Avíreri, o criador da vida na terra, começando pelas estações e então se direcionando totalmente para os seres vivos. Ele é acompanhado algumas vezes de sua irmã, outras de seu sobrinho. Avíreri é um dos tricksters123 gêmeos divinos que realizam as suas criações através de transformações e são muito comuns na mitologia. O mito Ashaninka relata que, após ter completado sua obra, Avíreri vai a uma festa, onde se embebeda de cerveja de mandioca: His sister; who is also a trickster, invites him to dance and pushes him into a hole dug in advanced. She then pretends to pull him up by throwing him a thread, then a cord – but neither is strong enough. Furious with his sister, whom he transforms into a tree, Avíveri decides to escape by digging a hole into the underworld. He ends up at a plane called River’s End, where a strangler vine wraps around him. From there, he continues to sustain to this day his numerous children on earth (WEISS 1969, 108-202 apud NARBY 1998, 107). Este mito tem especial interesse para Narby e seu estudo comparativo com a molécula de DNA, como: os gêmeos Avíreri, o Grande Transformador, a dupla 121 Traduzido livremente do espanhol. 122 Maninkari são “[...] invisible beings who created life” e, literalmente, “those who are hidden” (NARBY 1998, 106). 123 Significa aquele que faz truque, um tipo de prestidigitador palhaço ou brincalhão, nesse caso, com poderes divinos. 205 hélice do DNA, a criação da atmosfera respirável (as estações), todos os seres vivos através de transformações, vivendo em um mundo microscópico (submundo), em células preenchidas com água marinha (Fim do Rio), a forma de linha, corda ou um cipó estrangulador que se enrola nele mesmo e, finalmente, mantendo até hoje as espécies vivas do planeta. Isso leva Narby a concluir que o DNA está na origem do conhecimento xamãnico, que todas as técnicas usadas para entrar em ENOC levam a um tipo bastante similar de conhecimento, tanto para um aborígene australiano quanto para um índio ayahuasqueiro. Todos falam de um modo ou de outro, de uma Serpente Cósmica, sejam amazônicos, australianos ou astecas (NARBY 1998, 108). Os reinos cósmicos descritos pelos xamãs incluem experiências de mundos submersos nas águas. Amaringo, na obra Muraya Entering the Subaquatic World, mostra um grupo de vegetalistas no canto superior direito, que bebe ayahuasca para fazer contato com o mundo esotérico. Abaixo da casa muraya, é recebido por duas sereias, que o guiam para a cidade dourada situada abaixo das águas, cuja porta está guardada por duas Yakumamas, que têmpoderes magnéticos na língua para impedir quem tentar entrar à força. Do lado direito, está a cidade das feiticeiras, circundada pela grande serpente purahua, onde há uma construção como um minarete ou zigurate. Para entrar na cidade, todos têm que passar pelo túnel formado pela boca da serpente. No meio da imagem, há um aeroporto para naves espaciais extraterrenas, com visitantes de vários planetas do Sistema Solar. As moças, dançando em roda, são da cidade afastada no meio do rio. A cidade é descrita como bela, perfumada e cheia de coisas indescritíveis, possuindo as mais rápidas embarcações como as supay-lancha. Na parte superior do quadro, há o grande Palácio Real, onde várias musas dançam pomposamente. Os músicos tocam alaúdes, produzindo músicas encantadoras e emotivas. Toda essa cena ocorre em Calisto, satélite de Júpiter. 206 6 Fig. 174. Visão 18: 1 Muraya Entering E the Subaquatic World W (1986)). Pintura de Pablo Amarringo. LUNA; AMARINGO 1999. Em uma aberrtura no cé éu, entre escuras camadas de nuvens, a pintura a The World of theYakuru t na mostra a magnífiica cidade brilhante de Atunllip pian-llakta.. Esta a cidade é o local de encontro dos mestrres, onde eles e se reú únem para receber a sabe edoria dos mais antig gos. As árvvores dourradas serve em de apo oio para as s redes em m form ma de serpe entes, ond de na prime eira descansa o massha-yakuru una. Ele é aliado doss mura ayas, ensinando-os a resgatarr pessoas que se pe erderam na as águas profundas. p Ele está fuma ando um cachimbo, c feito de um encanto o,124 em fo orma de sapato. s Na a rede e de trás, está o yana-sacrar ya runa (yana a=preto, sacra=mal, s , runa=pes ssoa), um m yaku uruna que pratica magia m negrra e é alia ado dos fe eiticeiros. Mais atrás s, do lado o esqu uerdo, está á puka-nin naruna, po ovo da cha ama vermelha, que vivem nas maioress cidad des subaq quáticas e são aliado os dos murrayas, ensinando-os a controla ar enguias, mon nstros marrinhos, tro ovões e tempestad des. Atráss das árvvores, estão reinoss suba aquáticos de grande e esplendo or e belez za. Acima, estão ass fadas tia an camurii (tian n=possuir, camuri=frruta arredo ondada de e alga marinha). E Essas fada as trazem m conssigo flores medicinaiss, de forma a que o ve egetalista aprenderá a seus icaro os e curará á 124 En ncantos são pedras em forma de se erpentes ou de pata de jaguar. O esspírito da pe edra confere e sonho os especiaiss ao dono de elas. Os vege etalistas dize em que a ve erdadeira nattureza dessa as pedras só ó pode ser conhecida sob o efe eito da ayahu uasca (LUNA; AMARINGO 1999, 1 84). 207 com eles. No canto inferior direito do quadro, estão as auca-sirenas, sereias observando o descanso e a tranqüilidade dos yakurunas. Essas sereias vivem nas rochas e simplesmente desaparecem nelas se alguém tenta capturá-las. As pequenas poças d’água em cima da rocha são como espelhos solares que podem se transformar em lasers muito fortes, capazes de capturar o mais poderoso inimigo. Fig. 175. Visão 19: The World of the Yakuruna (1986). Pintura de Pablo Amaringo. LUNA; AMARINGO 1999. Na próxima pintura (fig. 175), The Sublimity of the Sumiruma, no centro, se encontra mais um exemplo de buraco que dá acesso aos reinos subterrâneos. O primeiro pertence às sereias, aos botos rosa e preto e aos yakurunas brancos. O segundo pertence aos yakurunas vermelhos, aos Hitrodos e às sereias azuis e vermelhas. O terceiro reino pertence aos yakurunas pretos, ao pato-boto e às sereias pretas. Um sumiruna é enviado ao espaço por um grande tubo de vidro, representando a lupuna vermelha, com a ajuda de dois silfos azuis. A lupuna faz então o papel de axis mundi, ligando o reino subaquático ao espaço, fato presente também na mitologia Shipibo. Embaixo, estão vários curandeiros extraindo virotes125 125 Virotes são dardos mágicos usados por xamãs para fazer mal a outro. 208 com seus mariri. O que está sobre uma tartaruga é um banco.126 Do lado direito, um grande sumiruna ergue uma serpente branca, para dar poder a um homem jovem, seu filho. Atrás dessas figuras, estão os cipós de ayahuasca, com ondas de energia poderosa na frente. Acima se encontram os pássaros chicua (Piaya cayana), guardiões dessa planta, logo atrás um cavalo negro irradiando “vibrações alfa”. Fig. 176. Visão 21: The Sublimity of the Sumiruna (1987). Pintura de Pablo Amaringo. LUNA; AMARINGO 1999. Um vegetalista e seus discípulos beberam ayahuasca em uma casa no meio da floresta. Cantando um icaro e fazendo certos tipos de movimentos corporais, eles são capazes de visitar mundos subterrâneos e se encontrar com gnomos, guardiões dos tesouros subterrâneos. As cores desses gnomos, na pintura Spirits of Stones and Metals adiante, representam esses tesouros: diamante (branco), ouro (amarelo), cobre (vermelho), bronze (verde), prata (azul claro), granada (púrpura) e quartzo (lilás). Os discípulos estão sobre um círculo, que é uma porta que leva à caverna onde mora o povo do fogo. Logo acima da cena, com os gnomos, há energias poderosas se movimentando. As cores usadas, o ritmo da 126 Sendo banco um tipo especial de xamã. A palavra banco no título está em espanhol, mas possui o mesmo sentido que em português, significando que o xamã se torna, por sua capacidade, um “assento vivo” para certos espíritos (LUNA; AMARINGO 1999, 32). Provavelmente algo similar ao “cavalo”, no candomblé, que é o médium que incorpora as entidades. 209 pintura, são constantes nas mirações e muito bem representadas por Amaringo. No topo da pintura, seres espirituais dançam, enquanto estendem um cipó de ayahuasca. Cada espírito representa uma das plantas que podem ser adicionadas à bebida. Da esquerda para a direita, o segundo espírito é o da chacrona, Psychotria viridis, a mais conhecida e usada planta para o preparo da ayahuasca pelas religiões brasileiras. Uma fila de luzes onduladas forma uma espécie de cerca envolvendo a cena, para proteger os participantes da cerimônia. Plantas aromáticas contribuem para a beleza das experiências visionárias. Fig. 177. Visão 23: Spirits of Stones and Metals (1986). Pintura de Pablo Amaringo. LUNA; AMARINGO 1999. Um Ser Divino aparece sobre as águas na cena da pintura Transparecer, de Alexandre Segrégio, na figura 177. As águas de uma cachoeira fazem um turbilhão em volta desse ser, de modo que este parece sair de uma caverna ou túnel. O título da obra provavelmente é a fusão das palavras transparência e aparecer. O Ser Divino estende as mãos em direção ao observador da obra, dando também a impressão de que dessas mãos sai a poderosa energia que movimenta a cena toda. 210 Fig. 178. Transparecer (1994). Óleo sobre tela, 50/60 cm de Alexandre Segrégio. Disponível em: <http://www.alexandresegregio.art.br/>. Acesso: 20 nov. 2007. Grof relata que em algumas experiências pré-natais, em sessões dirigidas por ele, os indivíduos às vezes reviviam a experiência com muito medo e ansiedade. Figuras associadas ao vórtice como túnel e ao mundo subterrâneo aparecem: À medida que esta experiência ameaçadora prossegue e se intensifica, a pessoa pode chegar a perceber um gigantesco redemoinho que a arrasta implacavelmente para seu centro. Também pode parecer que a terra se racha e traga o involuntário aventureiro, arrastando-o até os obscuros labirintos de um aterrador mundo subterrâneo (GROF 1999, 79).127 6.5. AS ESCADAS No mundo cristão, a escada é um símbolo de ligação entre o céu e a terra, ou seja, tanto da possibilidade de subir como de descer do céu. Em Gênesis 28:12, encontramos o relato do sonho de Jacó: “eis posta na terra uma escala cujo topo atingia o céu; e os anjos de Deus subiam e desciam por ela”.128 A escada é considerada explicitamente como um meio de comunicação entre o homem e Deus. 127 Traduzido livremente do espanhol. 128 Bíblia usada pela Igreja Luterana da SOCIEDADE BÍBLICA DO BRASIL, 1969, 35. 211 É por isso que o símbolo está ainda presente na descrição das ascensões de Cristo e do profeta Isaías, ou, ainda, de todas as almas puras. O símbolo da escada aparece também em certas alegorias, como a da escada das virtudes de sete níveis, a da escada dos mártires ou ainda a dos ascetas, cujo primeiro nível representa o dragão do pecado, que é necessário vencer para ascender ao grau espiritual superior. A religião ortodoxa incorporou Maria como uma escada ligada ao céu, pela qual Deus desceu para aproximar-se dos homens. Fora de qualquer contexto religioso, mas na mesma idéia de elevação, a escada também está presente sobre o peito da mulher que personifica a Filosofia, considerada uma das “artes liberais”. “A escada mística”, do rito escocês da franco-maçonaria, compreende dois alinhamentos de sete níveis, é a insígnia do 33 º grau. Esses níveis representam, de um lado, a Justiça, o Bem, a Humildade, a Confiança, o Trabalho, a Consciência do Dever e a Nobreza de Espírito, e, de outro, as “artes liberais” que formavam toda a instrução da Idade Média: a Gramática, a Retórica, a Lógica, a Aritmética, a Geometria, a Música e a Astronomia (esta classificação comporta, contudo, certas alternativas). O culto de Mitra, do mesmo modo, conhecia já o símbolo da escada de sete níveis que, neste contexto, representam os sete planetas (informações do parágrafo encontradas em BIEDERMANN 1996, 212). O transe xamânico, durante o qual a alma do xamã viaja entre os espíritos, é freqüentemente simbolizado como uma escada por onde se pode subir ou descer. Esta escada retorna à noção da árvore como axis mundi: a bétula na Sibéria conta, assim, com diversas entalhaduras cortadas sobre o seu tronco, que figuram os níveis a serem escalados, enquanto a deusa japonesa do sol, Amaterasu, se serve da “escada do céu” para se comunicar com o nosso mundo (BIEDERMANN 1996, 212). A escada foi freqüentemente associada às esferas celestes da antiga astronomia. Cada planeta é associado aos metais que lhes correspondem: Saturno ao chumbo, Lua à prata, Sol ao ouro, etc. No antigo Egito, a palavra para escada era askenpet, designando mais a idéia de ascensão em geral que de uma verdadeira escada no mundo físico (BIEDERMANN 1996, 212). Uma representação mostra Osíris como “o deus no alto de uma escada”, assim simbolizando sua ressurreição dos mortos. A pirâmide em forma de degraus de Djoser em Sakkara representava, provavelmente, uma escada que devia facilitar a ascensão do rei morto ao céu (BIEDERMANN 1996, 212). Um amuleto dado aos defuntos representava uma escada, 212 2 que era certam mente uma a expressã ão simbólica do mon nte primordial e da esperança e a para a a vida no ova que foi conectada com ele. No “Livro o dos Morto os” (final do d capítulo o 153)), o texto diz d que o morto m sobe e nesta esc cada que seu s pai Rá á fez para ele e (LURKE E 2002 2, 116). A escada e é apenas um u dos numerosos n s símboloss que rep presentam m asce ensão: Pod de-se chegarr ao céu po or meio do fogo f ou da fumaça, subindo numa a árvo ore, escalando uma montanha, trep pando por um ma corda, por p um cipó,, pelo o arco-íris ou u mesmo porr um raio de sol” s (ELIADE 2002, 531). F 179. Asccensão ao cé Fig. éu impedida pela misséria, doença a, volúpia e a morte prem matura. LURKER 2002,, 212. Fig. 180. O Sonho S de Ja acó. Pintura de d William B Blake. PURCE E 2003, 77. 6 6.5.1. As Ascensõe A s da Alma a Narrby, na sua a pesquisa a pela selv va amazôn nica, se vê ê surpreen ndido pela a expe eriência co om a ayahu uasca e pe ela sabedo oria dos xa amãs asha aninca, com m os quaiss esteve em co ontato. Ap pós mesess de pesq quisas, ele e encontra a similarid dades nass prátiicas xamãnicas por todo o mu undo. Os xamãs, x de maneira g geral, trab balham em m estados de tra anse, obtidos atravéss de substâ âncias psicoativas, a as plantas de poder, ou por p outrass técnicas e, quase e sempre, acompan nhados po or música. Como já á 213 mencionado anteriormente, os xamãs entram em contato com o mundo espiritual através do pilar ou eixo do mundo, o axis mundi, que pode ter forma de escada torcida, de cipós entrelaçados, de uma escada em espiral, por eles descritas como extremamente longas e que unem o céu com a terra. Narby, observando várias representações da molécula de DNA em algumas enciclopédias, reparou que a forma de hélice dupla era muito freqüentemente descrita também como uma escada, uma escada de corda torcida ou uma escadaria em espiral. Ele se deu conta, então, assim como Eliade que este símbolo, está presente nos temas xamânicos pelo mundo todo (NARBY 1998, 63). O DNA transmite informações ao resto das demais células, por meio de um sistema de codificação. As quatro moléculas que compõem os degraus da escada de DNA são representadas pelas letras A, G, C e T. Combinadas em tríades, compõem o código genético, que possui 64 palavras: “All the cells in the world contain DNA – be they animal, vegetal, or bacterial – and they are all filled with salt water, in which the concentration of salt is similar to that of the worldwide ocean” (NARBY 1998, 88). A forma espiralada do DNA deve-se a essa presença de água no ambiente. A serpente cósmica mitológica também se encontra em ambiente aquático. A imagem abaixo mostra o axis mundi que, para os ShipiboConibo, é representado por uma escada. A escada celeste é circundada pela anaconda Ronín (uróboros). A escada dá acesso à mestria de todos os segredos mágicos (NARBY 1998, 96). Fig. 181. Escada celeste, axis mundi para os índios Shipibo-Conibo. Desenho baseado nas descrições do ayahuasqueiro José Chucano Santos. NARBY 1998, 63. 214 Na obra Spirits Descending on a Banco, Amaringo pinta uma grande espiral azul, por onde espíritos baixam em um xamã deitado de barriga para baixo, onde, ao centro está, sentado um rei e, aos lados, dois príncipes. Essa imagem remete a uma série de outras já descritas neste capítulo, principalmente as que se referem às escadas e às esferas celestes, onde é possível estabelecer contato entre a Terra e o reino espiritual. O xamã espera para conversar com os sublimes mestres curadores (médicos) que baixam por esta espiral (helicoidal). Do lado direito, acima de um vaso com rosto feminino (Fadanat, a poderosa mulher mágica de mil faces), uma grande cobra d’água, chamada Puka-purahua, emite raios magnéticos coloridos avermehados de seus olhos, também em formas espiraladas, que podem atrair qualquer coisa vinda de cima. Esta cobra pode se transformar em qualquer tipo de bote de várias formas. Mais ao fundo, envolto em vórtices, do outro lado do lago, está o terrível murulhuaira, com o espírito Killo-runa (homem dourado), usando um chapéu vermelho com fitas amarelas. Do lado esquerdo, a serpente Sachamama, com um arco-íris saindo dos olhos, também em configuração espiral. Fig. 182. Visão 27 - Spirits Descending on a Banco (1987). Pintura de Pablo Amaringo. LUNA; AMARINGO 1999. 215 5 Na visão adia ante, Incorrporation in n a patientt, Amaring go mostra uma série e de escadas, e q que condu uzem a trê ês templos s distintos, envoltoss nas nuve ens. Cada a temp plo possui uma esccada para a entrada a e outra para a sa aída. A es scada com m degrraus colorid dos, mais ao centro da pintura a, dá acessso ao temp plo para os s iniciados, que serão ordenados. O segundo templo é para os in niciados que serão ordenados o s mestres, com profundo conhecimento esoté érico. O te erceiro, be em à direitta, ordena a mestres sublim mes, que serão s respe eitados co omo mestre es das ciências esottéricas. No o lado esquerdo o, está um m curandeiiro em pro ofunda con ncentração o. Ele está sobre a cabe eça de se eu pacientte, que se egura um copo de água. Accima da cabeça c do o cura andeiro, há á quatro raios de luz, os dois mais m abaixo o pertencem ao cons sciente, oss dois mais ao alto ao in nconsciente e. Entre os o raios, há uma forrma espira alada, que e esenta o cérebro c co omo um “n núcleo astrral”. Em to orno da ca abeça, há “vibraçõess repre dos sentidos”, que flutua am ao long go da colun na vertebra al. As vibra ações emittidas pelass mão os são os poderes p qu ue o vegeta alista receb be da ayah huasca. Fig g. 183. Visão o 36: Incorpo oration in a patient (1987)). Pintura de Pablo Amarringo. LUNA; AMARINGO 1999.. Ao lado direitto da pintu ura Receiv ving Sham manic Powe ers, há um ma escada a em uma u árvorre, unindo em uma mesma m im magem essses símbollos, ambos s bastante e comuns nas re epresentaçções do axxis mundi. Na figura 180, no início desta seção, há á 216 6 um desenho d q que mostra a a repressentação que q os índios Shipibo-Conibo costumam c m fazer dessa co osmologia, usando principalme p ente a esca ada. A árvvore com a escada é uma a lupuna [C Ceiba sp.], com seu espírito, uma sábia ninfa, que sobe a es scada que e cond duz a um abrigo a que e serve de e estadia ou o santuáriio para as ninfas. Na a abertura a do lado esque erdo, há o encontro o de três nobres xa amãs: o b banco está á com um m cach himbo, em frente dele e um mura aya, atrás um sumiru una. Dois a aprendizes s estão em m proccesso de in niciação. Fig. 184. Visão 05: 0 Receiving g Shamanic Powers P (198 87). Pintura de d Pablo Am maringo. LUNA A; AMARINGO 1999.. Na pintura qu ue se segu ue, uma escadaria e q que vem d do alto encontra um m jardim gramad do, todo florido, com m árvores e arbusto os em volta. No meio desse e jardim, está um m Ser Divino em con ntato com os Mistério os da Natu ureza, título da obra. A esstrela lumiinosa, acim ma de sua a cabeça, toca, atra avés de um raio de e luz, uma a estre ela que parece p esstar na orrigem de onde surrge a esccada. A cena c está á emo oldurada po or feixes luminosos serpentea ados sobre e um céu iinfinito, co om apenass uma a estrela na parte su uperior, co omo se surgisse atra avés de um ma abertura onde é posssível obserrvar os aco ontecimenttos que oco orrem ali dentro. d 217 Fig. 185. Mistério da Natureza (1995). Óleo sobre tela, 90/70 cm de Alexandre Segrégio. Disponível em: <http://www.alexandresegregio.art.br/>. Acesso: 20 nov. 2007. 6.6. OS CÍRCULOS E CIRCUNFERÊNCIAS Ciclo: O caráter cíclico dos fenômenos, com o encurvamento da etapa final dos processos, tendendo a reunir-se com a etapa inicial permite sua simbolização por meio de figuras como o círculo, a espiral e a elipse. Em sua condição de ciclo, todos os processos coincidem (integrando movimento no espaço, transcorrer no tempo, modificações de forma ou condição), quer se trate do ano, do mês, da semana, ou de uma vida humana, da vida de uma cultura ou de uma raça. CIRLOT 1984, 160 A definição de círculo é de uma superfície plana limitada por uma linha curva, a circunferência, cujos pontos são eqüidistantes de um ponto fixo central. Por analogia, se parece com uma roda ou disco. Assim como o ponto, o círculo é usado como símbolo da perfeição, da homogeneidade, ausência de divisão, da totalidade e 218 da eternidade, representando assim o tempo, como o alfa e o ômega (CHEVALIER; GHEERBRANT 1982, 250). Reforçando a descrição do círculo, principalmente sob seu aspecto de totalidade no tempo e no espaço, encontramos em Campbell: O círculo, por outro lado, representa a totalidade. Tudo dentro do círculo é uma coisa só, circundada e limitada. Esse seria o aspecto espacial. Mas o aspecto temporal do círculo é que você parte, vai a algum lugar e sempre retorna. Deus é o alfa e o ômega, o princípio e o fim. O círculo sugere imediatamente uma totalidade completa, quer no tempo, quer no espaço (CAMPBELL 191, 234). O círculo, às vezes, se confunde com a circunferência, e com esta o movimento circular, podendo simbolizar assim os ciclos celestes, como o ciclo anual representado pelo zodíaco. Nesse sentido, pode representar o céu, por seu movimento circular e inalterável (CAMPBELL 191, 234). Uma circunferência delimita uma área, simbolizando uma limitação adequada, mas pode ainda representar “o mundo manifesto, o preciso e o regular, também da unidade interna da matéria e da harmonia universal, segundo os alquimistas” (CIRLOT 1984, 164). Em relação à espiral, é possível dizer que “When no further evolution is possible, the spiral becomes a simple circle, the sign of eternity or that which is outside time”.129 Assim como a descrição do cosmo em camadas, as esferas, também os círculos estão associados ao mesmo tipo de simbologia: “Todas as imagens circulares refletem a psique, de modo que há uma relação entre essa forma geométrica e a real estruturação de nossas funções espirituais” (CAMPBELL 191, 234). O uso simbólico do círculo é extremamente antigo, origina-se da época sumeriana, de onde herdamos “o círculo com os quatro pontos cardeais e os 360 graus” (CAMPBELL 191, 234). Ele é usado em quase todas as culturas, seja no período paleolítico, nas culturas indígenas e aborígenes, seja na índia, na Suméria, no Egito, na cultura Asteca, nas construções como Stonehenge ou mesmo na mítica Atlântida, ou como nas descrições bíblicas nas visões de Ezequiel no velho testamento, assim como nos anéis e alianças usadas nos casamentos para simbolizar que “isso é a aliança de minha vida individual com uma vida maior que é a de dois, em que os dois são um só. O anel indica que estamos juntos em um círculo” (CAMPBELL 191, 235). 129 VARLEY 1976 apud WARD 2006, 14. 219 Fig. 186. Representação hipotética da Atlântida. Disponível em: <http://www.librarising.com/cosmology/images/ atlantis.jpg>. Acesso: 5 dez. 2006. Fig. 187. Stonehenge. Disponível em: <http://abyss.uoregon.edu/%7Ejs/images/stoneheng e_sunset.gif>. Acesso: 11 set 2008. O círculo representa uma limitação adequada aos conteúdos inseridos nele, constituindo uma defesa em relação aos conteúdos físicos ou psíquicos que ameaçam lá do exterior: Quando um mago quer realizar sua magia, traça um círculo ao redor de si mesmo, e é dentro desse círculo limitado, dessa área hermeticamente fechada para o exterior, que os poderes, até aí perdidos do lado de fora, podem ser postos em jogo (CAMPBELL 191, 234). O círculo é um símbolo de proteção, “de uma proteção assegurada dentro de seus limites. Daí a utilização mágica do círculo” (CHEVALIER; GHEERBRANT 1982, 254). Encontramos em Jung: “A experiência nos ensina que o ‘círculo protetor’, a mandala, é um antídoto tradicional para os estados mentais caóticos” (2007, 22). Jung comenta que “traçar um círculo protetor é um antigo recurso usado por todos os que se propõem a realizar um projeto estranho e secreto”. Dessa forma, protegem-se dos ‘perils of the soul’ que ameaçam de fora quem quer que se isole por um segredo (1991, 62). 220 0 Fig. 188. O Círculo Mág gico, pintura de d John William m Waterhousse, mostrando oo círculo send do traçado em um ritual de d mag gia. Disponívvel em: <http://uploa ad.wikimedia..org/wikipediia/c o ommons/arch hive/f/f8/200 08061204454 45!J ohn_W William_Wate erhouse__Magic_Cirrcle.JPG>. Acesso: A 26 ou ut 2008. os antigos de e forma circullar são Fig. 189. Templo henge. basttante comuns. Acima, fotto de Stoneh D Disponível em m: <http:///abyss.uoregon.edu/~js//images/ston nehenge f>. Acesso: 13 maio 2008 8. _sunset.gif> Aqu ui também,, da mesm ma forma qu ue o labirin nto, o círcu ulo pode re epresentarr os caminhos c q a alma que a percorre e da periferia para ch hegar ao ccentro, ao si-mesmo o ou self. s A esse e respeito, Jung cita a obra Ené éadas, de Plotino, qu ue diz: Sem mpre que um ma alma se co onhece, sabe que seu m movimento na atural não se e proccessa em lin nha reta, pois s sofreu um desvio; mass sabe que descreve d um m movvimento circular em torno de seu princípio intterior, em to orno de um m centtro. Mas o centro c é aquiilo de onde procede o círculo. A alm ma, portanto,, movvimentar-se-á á em torno de seu centtro, isto é, e em torno do princípio de e onde ela proced de. Ela mante er-se-á presa a a ele; movvimentar-se-á á em direção o a ele, como devveriam fazer todas as alm mas. Mas só as almas do os deuses se e movvimentam em m direção a ele, e por issso são deuses, pois tud do o que se e acha unido a essse centro é, em verdade e, deus, ao p passo que o que se acha a afasstado dele é o homem m, o homem m sem unida ade, o hom mem animal”” (PLO OTINO, Enéad das, VI, 9, 8 I, 126 apud JUNG 1988, 2 209). Desssa forma, o caminh ho circularr, a circum m-ambulação, feito pela p alma, dete ermina o po onto que fica f associado ao “ce entro de to odas as co oisas” com mo imagem m de Deus. D Talve ez por isso o a circum m-ambulaçã ão seja um ma forma riitual tão en ncontrada:: os árabes á em m torno na a Caaba em Meca, os budisstas em vvolta da estupa, e oss tibettanos em torno t dos templos, o bispo em m torno da igreja que e consagra a, o padre e em torno t do alltar. A circu um-ambula ação é larg gamente praticada p na Índia, na a China. O rito é conhecid do das pop pulações centro-asiá c áticas e sib berianas. A As danças circularess 221 dos dervixes rodopiante r s “inspira--se num siimbolismo cósmico, eles imitam m a ronda a dos planetas em torno o do Sol” (CHEVALIE ER; GHEER RBRANT 19 982, 254). Segundo o mitologia japo onesa, foi em seguiida a uma a circum-a ambulação o em torno o do pilarr cósm mico que o primeiro o casal se e uniu (CHEVALIER H ; GHEERBRA ANT 1982, 255). Os s celta as, depend dendo do sentido do d movim mento de circum-am c mbulação, indicavam m inten nções favo oráveis, no o sentido do d sol, ou de hostilidade e de e furor gue erreiro, no o senttido oposto o (CHEVALIE ER; GHEERBRANT 198 82, 255). Fig.. 190. Circum m-ambulação o em torno da a Caaba, em m Meca. Disp ponível em: <http://i98.phottobucket.com m/albums/l28 80/kachina20 012/Meccasp pedup.jpg>. A Acesso: 13 ago. a 2008. A ciircunferênccia pode se s apresen ntar como o uróboro, forma animal como o a se erpente, pe eixe ou drragão que morde su ua própria cauda, ou u também na forma a geom métrica do os anéis, o círculo de chama as em torn no de Shiiva como dançarino o cósm mico, a rod da do zodía aco ou com mo o movimento em redemoinho da Sam msara, que e repre esenta o ciclo doss nascime entos e das d morte es até que a Iluminação (a a “con nsciência cósmica”) c freie o girro, onde toda a dua alidade é abolida (C CHEVALIER; GHEERBRANT 1982, 255, 800). 6 6.6.1. Círcculos Visio onários A pintura p adiante, In Connection C n with Hea alers in T Time and Space, S se e referre aos efe eitos da ayyahuasca céu, c um tip po específfico de cipó descrito na seção o 1.1 Botânica. A cena mostra m dive ersos xamã ãs do mun ndo todos sentados dentro de e 222 círculos, bastante comuns nos rituais mágicos. Todos praticam medicina vegetal e espiritual, por exemplo, a mulher no canto superior esquerdo é uma mestiça que pratica Rosacrucianismo e produz bebidas com plantas. A obra está dividida em três seções verticais e descreve a prática de cada um desses xamãs. As sessões de ayahuasca costumam ocorrer em espaços de forma circular, tanto nos pequenos encontros xamânicos como nas igrejas do Santo Daime, Barquinha ou UDV. Fig. 191. Visão 13: In Connection with Healers in Time and Space (1987). Pintura de Pablo Amaringo. LUNA; AMARINGO 1999. Fig. 192. Bailado no Céu do Mapiá. Disponível em: <http://www.santodaime.eu/images/site/730x300/730x300_hinario.jpg>. Acesso: 07 mar. 2007. 223 Fig. 193. Abertura do Salão. As mulheres caminham na parte interna e os homens na parte externa do círculo. Disponível em: <http://www.abarquinha.org>. Acesso: 18 ago. 2008. Fig. 194. Disposição do salão na UDV e os uniformes usados. Disponível em: <http://revistagalileu.globo.com/Revista/Galileu/foto/0,,14749330,00.jpg>. Acesso: 13 ago. 2008. A pintura seguinte mostra uma mulher bebendo água contaminada, contraindo assim, sem querer, uma doença chama cungatuya, um tipo de muco, catarro, que vai aos poucos fechando a garganta e impedindo a pessoa de falar, comer ou beber. Se a pessoa não consultar um bom vegetalista, morrerá. A doença é enviada por um feiticeiro através de um morcego. No lado esquerdo da pintura, há um vegetalista sugando, com seu mariri, a garganta de sua paciente. Para prevenir qualquer intrusão, acima do círculo onde ocorre a sessão de cura, os médicos 224 4 ergu ueram pod derosas tin ngunas130 de surpreendentes cores e d diversos animais a de e rapin na. No canto superiior direito, feiticeiros s estão se entados de entro de um círculo, cerccados por tingunas t azuis em fo orma de es spirais, doss animais que susten ntam esse e tipo de doença a. Fig. 195. Visão V 31: Cun ngatuya (198 87). Pintura de d Pablo Am maringo. LUNA A; AMARINGO 1999. 6 6.7. AS MANDALA M AS Man ndala, em m sânscrito o, significa a círculo (CAMPBELL 1991, 236). 2 São o repre esentaçõe es bastante e complexas e, apes sar do significado de e seu nom me, muitass veze es está encerrada em m uma mo oldura qua adrada. A mandala m é é, ao mesm mo tempo,, uma a imagem do mundo e a rep presentaçã ão das po otências divinas, pró ópria para a cond duzir a ilum minação de d quem a contempla (CHEVALLIER; GHEE ERBRANT 19 982, 585). Ela representa r a as relaçõ ões dinâm micas do mundo mate erial e esp piritual. Pertencendo o tanto o ao mund do indo-bu udista como ao tibeta ano do lam maísmo, co onstitui, as ssim, uma a 130 T Tinguna se refere a um m tipo de em manações eletromagnéticas que po odem adotarr qualq quer forma animal ou de pessoa e qu ue o vegetalis sta controla com suas ca anções (LUNA A; AMARINGO O 1999, 33). Em mu uitas pinturass, Amaringo as representa como esp pirais. 225 imagem usada como apoio pelo buscador em seu caminho. Desse modo, as mandalas são facilitadoras para o acesso a um estado diferenciado de consciência através da meditação. Dessa maneira, ela pode representar as visões de outro estado de consciência traduzidas nos desenhos ritualísticos. De fato, no centro da mandala é suposta a presença divina, ilustrada com motivos geométricos ou então, mais diretamente, pela representação do Buda: Em uma mandala budista muito elaborada, por exemplo, aparece a deidade no centro como a fonte do poder, a fonte da iluminação. As imagens periféricas seriam manifestações ou aspectos do esplendor da deidade (CAMPBELL 1991, 236). A maioria das mandalas é desenhada ou pintada, mas pode aparecer também na arquitetura, como na planta de construção do templo de Borobudur, situado na parte central da ilha de Java. As mandalas são reproduções espirituais da ordem do mundo (cosmogramas) e, nesse sentido, estão associadas freqüentemente aos quatro pontos cardeais. As mandalas possuem certo parentesco com os labirintos, é para o centro da mandala que o olhar se sente atraído (BIEDERMANN 1996, 390). As mandalas de grande tamanho na arquitetura ou em desenhos no chão têm por objetivo: [...] monumentalizar a vivência e ‘deformar’ o mundo até fazê-lo apto para expressar a idéia de ordem suprema na qual possa o homem, o neófito ou iniciado, penetrar como entraria em seu próprio espírito (CIRLOT 1984, 367). Em certos ritos budistas, as mandalas são construídas com areia colorida sobre uma plataforma. Após algumas cerimônias, a mandala é desfeita e a areia é recolhida e, então, jogada em um rio próximo, para que as bênçãos se espalhem. Essa idéia de construção e desconstrução serve como exemplo da impermanência.131 A forma circular na maioria das mandalas remonta à idéia de perfeição. O círculo com um centro, muitas vezes, representa a idéia de Deus: Um dos símbolos da perfeição original é o círculo. Aliam-se a ele a esfera, o ovo e o rotundum – o “redondo” da alquimia. É o redondo de Platão que está no princípio. [...] O círculo, a esfera e o redondo são aspectos do Autocontido, sem começo nem fim; na sua perfeição pré-mundo, precede todo processo, é eterno, porque, em sua rotundidade, não há antes nem depois, não há em cima nem embaixo, não há espaço. Tudo isso só pode surgir com o surgimento da luz, da consciência, que ainda não está presente; aqui ainda domina a divindade não exteriorizada, cujo símbolo é, por conseguinte, o círculo (NEUMANN 2006, 27). 131 Maiores informações no site: <http://www.dharmanet.com.br/vajrayana/mandala.htm>. Acesso: 20 jun. 2008. 226 Fig. 196. Figura mandálica em espiral, na cúpula da igreja de Parma, pintada por Correggio. Disponível em: <http://www.ceticismoaberto.com/img/Cupola.jpg>. Acesso 14 fev. 2007. Os desenhos das mandalas tentam, portanto, representar a integração dos pares de opostos, sendo “uma imagem ao mesmo tempo sintética e dinamogênica, que representa e tende a superar as oposições do múltiplo e do uno, do decomposto e do integrado, do diferenciado e do indiferenciado...” (CHEVALIER; GHEERBRANT 1982, 585). Essa “superação das oposições” está comumente associada aos ENOC. As mandalas também são usadas tanto na integração psíquica como para processos de cura, como relata Campbell: Por exemplo, entre os índios navajos, as cerimônias de cura são realizadas através de pinturas de areia, das quais a maior parte são mandalas feitas no chão. A pessoa que deve ser curada movimenta-se dentro da mandala como se estivesse se movendo num contexto mitológico, com o qual deverá identificar-se; ela se identifica com o poder simbolizado. Essa associação de pinturas de areia com mandalas, e seu uso para fins de meditação, aparece também no Tibete. Os monges tibetanos realizam pinturas de areia, desenhando imagens (CAMPBELL 1991, 236). 227 Fig. 197. Mandala em areia dos índios Navajos. PURCE 2003, 41. Fig. 198. Mandala dos índios mexicanos Huichol criadas sob inspiração do peiote. Disponível em: <http://www.indigoarts.com/gallery_huicholart1.html >. Acesso: 23 mar. 2007. Jung utilizou consigo mesmo e com seus pacientes o método de desenhar mandalas, descobrindo que as mandalas “representam, por assim dizer, retratos das transformações obscuramente sentidas no íntimo, as quais são percebidas pelo ‘olho interior’ e tornadas visíveis com lápis e pincel, são uma espécie de ideogramas de conteúdos inconscientes” (2007, 346). Campbell exemplifica o método de desenhos de mandalas pessoais: Ao diagramar uma mandala de você mesmo, você desenha um círculo e pensa nos diferentes sistemas de impulsos e de valores de sua vida. A seguir, você os compõe e procura descobrir onde está o seu centro. Fazer uma mandala exige disciplina para reunir todos os aspectos dispersos de sua vida, encontrar um centro e dirigir se a ele. Você tenta harmonizar seu círculo com o círculo universal (CAMPBELL 1991, 236). Os conteúdos representados, muitas vezes, eram recorrentes, como a presença de serpentes, não significando que o paciente soubesse do que tratavam os símbolos representados Jung constatou que “podemos pintar quadros complexos, cujo verdadeiro conteúdo nos é totalmente desconhecido [...] É interessante observar como a execução do quadro atravessa de um modo inesperado as expectativas conscientes” (2007, 346). No Brasil, o trabalho de Nise da Silveira, o Museu de Imagens do Inconsciente, possui um acervo com uma vasta produção artística realizada por indivíduos que padecem de perturbações mentais como esquizofrenias e psicoses. 228 Nise chegou a mandar imagens de trabalhos de seus pacientes para uma avaliação de Jung: Aquelas imagens seriam mesmo mandalas? E, em caso afirmativo, como interpretá-las na pintura de esquizofrênicos? Então a Dra. Nise escreveu uma carta ao próprio Jung enviando-lhe algumas fotografias de mandalas brasileiras. Essas formas, respondeu Jung, demonstram que a psique perturbada, fragmentada, possui um potencial reorganizador e autocurativo que se configura sob a forma de imagens circulares denominadas mandalas.132 Fig. 199 e Fig. 200. Mandalas espiraladas pintadas por Fernando Diniz – Acervo Museu de Imagens do Inconsciente. Disponível em: <http://www.museuimagensdoinconsciente.org.br/colecoes/F-DINIZ-0529-DV-IN-D2.jpg>. Acesso: 25 out. 2008. Geralmente, as mandalas estão divididas em quatro partes e podem estar associadas aos pontos cardeais, aos quatro elementos fogo, ar, terra e água, entre outros símbolos. O desenho mandálico de Jacob Boehme, em sua obra Viertzig Fragen von der Seele, por exemplo, a quaternidade se compõe de Pai, Filho, Espírito Santo e do ser humano terreno (JUNG 2007, 292). 132 Informações obtidas diretamente do sítio do Museu de Imagens do Inconsciente: <http://www.museuimagensdoinconsciente.org.br/paineis/painel4.html>. Acesso: 25 out. 2008. 229 Fig. 201. Mandala Chakrasamvara. Disponível em: <http://www.dharmanet.com.br/mandala/chakra samvaramandala.jpg>. Acesso: 21 set 2008. Fig. 202. Figura mandálica em Milton de William Blake. Fig. 203. Mandalas desenhadas por pacientes de Jung. JUNG 2007. As estupas, monumentos bramanistas ou budistas, geralmente com uma grande cúpula sobre base quadrangular, podem ser consideradas como versões tridimensionais de mandalas, “[…] conveying the symbolism of wholeness and cosmic spiritual integration, and acting as objects of mental concentration as the devotee proceeds on a spiral pathway leading upwards to enlightenment” (WARD 2006, 24). 230 0 6 6.7.1. Visõ ões de Ma andalas Ape esar de, aparenteme ente, as pinturas p de e Pablo Amaringo não n serem m man ndalas propriamente ditas, ela as cumpre em papel muito sim milar, como o descrito o acim ma: são rep presentaçõ ões bastan nte complexas; são ao a mesmo tempo um ma imagem m do mundo m e a representtação das potências s divinas; próprias p pa ara contem mplar, poiss as pinturas p vissionárias, de d maneira a geral, têm m essa ca aracterística de intera agir com o obse ervador, co ontar ou mostrar m algo, uma ex xperiência ou vivência; elas rep presentam m as re elações din nâmicas do o mundo material m e espiritual; e e elas podem m represen ntar visõess de outro o estad do de con nsciência traduzidas t nos dese enhos ritua alísticos. Porém, P na a obra a de maneira gerall, há muitos círculo os enfeita ados ao m modo de mandalass coloridas, com mo no exe emplo do detalhe da d pintura adiante. Várias pe essoas se e agru remetend upam sob um círcu ulo com desenhos, d do a uma a mandala a na obra a Kapu ukiri. Bem m ao centro o do círcu ulo, se enc contra um caldeirão o, geralmente usado o para a o preparo o da ayahu uasca. Dive ersas pess soas estão o em volta,, em uma sessão de e cura a. Kapukiri 133 é uma a doença provenientte de mate erial em d decomposiç ção e que e certo os xamãs podem usar u para causar da anos às suas s vítim mas. Para curar um m paciente infecttado, o cu urandeiro deve d conh hecer o ica aro aproprriado, caso o contrário o ele não n melhorrará. Fig. 204. Visão 30: Detalhe da pintura Kapukiri K (1988 8). Pintura de e Pablo Ama aringo. LUNA; AMARINGO 1999.. Em outra pintu ura, Recovvering a Yo oung Man Kidnapped d by a Yak kuruna, um m mura aya bebeu u ayahuassca para resgatar um jovem m que foi capturado o por um m Yaku uruna cham mado Llullluchucka [ccabelo verrde]. Ele esstá sentad do em uma a grande e 133 kirri=algo que cheira c mal, como c em deccomposição e kapu=subsstância, visgo o. 231 viva pedra tigrre que flutu ua na água a. O muray ya está no o meio de u um círculo sobre um m rede emoinho, observado o pelo rapazz e uma ín ndia Shipib ba ou Coniba. O círc culo possuii deze esseis figuras que o rodeiam. Essas E figuras são gê ênios cujoss poderes o muraya a usarrá para obrrigar o Yakkuruna a de evolver o rapaz. r Fig g. 205. Visão o 39: Recove ering a Youn ng Man Kidna apped by a Yakuruna Y (19 986). Pintura de Pablo Amarin ngo. LUNA; AMARINGO M 199 99. Adia ante, está á uma sérrie de dettalhes de pinturas d de Pablo Amaringo o repre esentando o círculos mandálico os de prote eção, onde se sentam os participantess das sessões xamânicas com a aya ahuasca: 232 Fig. 206. Detalhes de pinturas de Pablo Amaringo mostrando círculos mandálicos. LUNA; AMARINGO 1999. 6.8. OS LABIRINTOS O labirinto é formado por um conjunto de caminhos entrelaçados, muitas vezes construídos ao redor de uma cruz, seguindo em forma de espiral até o centro. Aparecendo ao longo da história e em lugares por todo o mundo, os labirintos simbolizam a dificuldade em se atingir o centro, sempre protegido: Os meandros levam a um ponto central. Só eles levam à perfeição. Os fundamentos de algumas pirâmides egípcias possuem formas labirínticas. Descobriu-se, há pouco tempo, que os fundamentos da Acrópole de Atenas e do túmulo de Augusto em Roma são verdadeiros labirintos. No palco do 233 antigo Teatro de Atenas, descobriu-se um mosaico que representa um labirinto (HOCKE 2005, 167). O cristianismo adotou esse símbolo para significar a dificuldade de se chegar ao Céu, onde o centro do labirinto é a “Jerusalém Celestial” (WARD 2006, 10). Os artistas, muitas vezes, costumam deixar no centro do labirinto uma cela invisível, envolta em mistério, permitindo assim que cada um imagine por sua própria intuição ou afinidades pessoais o sentido (CHEVALIER; GHEERBRANT 1982, 531). Ainda que tenham formas intrincadas, os labirintos são espirais e estão associados ao cosmo, “the world, the individual life, the temple, the town, man, the womb – or intestines – of the Mother (earth), the evolutions of the braim, the consciousness, the heart, the pilgrimage, the journey, and the Way” (PURCE 2003, 29). Segundo CIRLOT (1984, 329) “[...] o labirinto possui uma força de atração, como o abismo, o redemoinho das águas e tudo que é similar”. O labirinto mais famoso é o do palácio cretense de Minos, projetado por Dédalo (1500 a.C.), da lenda de Teseu e o Minotauro.134 Teseu, para não se perder dentro do labirinto, é aconselhado por Ariadne a levar um fio que o guiaria de volta depois de cumprir a missão de matar o Minotauro. A imagem do labirinto era também usada para representar a busca do alquimista. Este não poderia ter êxito na sua ciência sem se beneficiar do "fio de Ariadne", isto é, dos ensinamentos e da assistência dos mestres que o precederam nesse caminho. O labirinto seria, então, o equivalente ao uróboros, mas um uróboros de certa maneira estourado e cujos pedaços devem ser reunidos a fim de se restituir a unidade primordial (BIERDERMANN 1996, 350). Teseu, após matar o Minotauro, retorna a Creta, passando antes na ilha de Delos, para realizar um sacrifício em agradecimento a Apolo. Junto com seus companheiros, Teseu realiza a dança dos grous, com movimentos complexos que remetem ao labirinto (WARD 2006, 7; CHEVALIER; GHEERBRANT 1982, 530). Algumas catedrais possuem, no chão, desenho de labirintos, onde o ato de percorrê-los simbolizava a peregrinação à Terra Santa, além de representar a assinatura das confrarias iniciatórias dos construtores dessas catedrais (CHEVALIER; GHEERBRANT 1982, 530). Certos labirintos em forma de cruz, conhecidos na Itália pelo nome de “Nó de Salomão”, aparecem muitas vezes na decoração céltica, germânica e 134 Ser mítico meio homem, meio touro (encontro dos contrários), que simbolizava a fertilidade. 234 4 româ ânica, inte egrando o duplo simbolismo da cruz e do d labirinto o, sendo entendidos e s por isso i como o “emblem ma da divin na inescruttabilidade” (CIRLOT, 1 1984, 330). Fig. 207. Mosaico M Rom mano em Con nímbriga, P Portugal. Disp ponível em: <htttp://upload.w wikimedia.org rg/wikipedia/ccommons/thu u mb b/9/9e/Con%C3%ADmbriiga_minotaurro.jpg/240px xC Con%C3%AD Dmbriga_min notauro.jpg>. Acesso: 5 mar. 2007. 2 Fig. 20 08. Labirinto em forma de e cruz no piso da a catedral de e Amiens. Dis sponível e em: <http://w www.mtholyo oke.edu/acad d/intdept/p np/imag ges/labyrinth h.jpg>. Acess so: 5 mar. 20 007. Fig g. 209. Labirrinto da Cate edral de Charrtres. Século o 13. Dispon nível em: <htttp://upload.w wikimedia.org rg/wikipedia/ccommons/6/6 6 8/L Labyrinth_at_ _Chartres_Ca athedral.JPG G>. Acesso: 5 mar. 2007. 2 usco do sécu ulo 7 a.C. Fig. 210. Vaso Etru Dispon nível em: <http://w www.alifepro olifique.com/U USERIMA GES//thumb_etrusscan%20vas se.jpg>. Acesso: 5 mar. 2007. A figura 210 mostra um ma moeda a de Cnosssos repressentando o labirinto o onde e vivia o Minotauro. M D Devido à le enda grega, também m ficou con nhecida com mo espirall crete ense, poré ém, imagem similar, ou sua im magem esp pelhada, p pode ser encontrada e a em um vaso Etrusco do o século 7 a.C. (fig. 209), asssim como sobre um m pilar em m Pom mpéia (fig. 213) e so obre as ro ochas de Rocky R Vallley, Tintag gel em Co ornwall, na a 235 Inglaterra135 (fig. 214). Muito similar à moeda de Cnossos, os índios norteamericanos Hopi, usam a figura 211 como símbolo da Mãe-Terra, Tapu’at (mãe e filho), ou como símbolo de nascimento e renascimento. Essas formas labirínticas são esculpidas nas rochas das mais antigas moradias na América do Norte, nas aldeias de Oraibi e Shipaluovi, assim como nas ruínas de Casa Grande no Arizona (DOCZI 2006, 25). Como não se trata de uma forma espiral simples, e sim de um desenho bastante complexo, remete à universalidade de certos símbolos, inclusive quanto aos significados que essas culturas atribuíram ao labirinto, ligando ao símbolo da mãe e dos ciclos da vida. Sobre outro aspecto simbólico dos labirintos, Campbell comenta: Além disso, não precisamos correr sozinhos o risco da aventura, pois os heróis de todos os tempos a enfrentaram antes de nós. O labirinto é conhecido em toda a sua extensão. Temos apenas de seguir a trilha do herói, e lá, onde temíamos encontrar algo abominável, encontraremos um deus. E lá, onde esperávamos matar alguém, mataremos a nós mesmos. Onde imaginávamos viajar para longe, iremos ter ao centro da nossa própria existência. E lá, onde pensávamos estar sós, estaremos na companhia do mundo todo (CAMPBELL 1991, 137). 135 Fig. 211. Moeda de Cnossos, Creta. Aprox. 3000AC. PURCE 2003, 111. Fig. 212. Símbolo Hopi da Mãe-Terra. DOCZI 2006, 25. Fig. 213. Outras moedas cretenses. Disponível em: < http://www.alifeprolifique.com/USERIMAGE S/coinslab(1).jpg >. Acesso: 17 jul. 2008. Fig. 214. Desenho encontrado em um pilar em Pompéia, na casa de Lucretius. 79 a.C. PURCE 2003. Informações do livro The Glastonbury Tor Maze de GEOFFREY ASHE site: <http://www.glastonburytor.org.uk/tor-maze.html>. Acesso: 15 jun. 2008. 236 6 F 215. Lab Fig. birinto escavvado em Roccky Valley, ce erca de Tintage el, Cornwall.1800 a.C. Disponível D em m: < <http://www.la abyrinthos.net/images/ro ockyv4.jpg>. Acesso: A 17 jul. 2008. F 216. Dettallhe do labiirinto da foto Fig. o ao lado. 6 6.8.1. Labirintos Vissionários1336 Nen nhum dos artistas a ayyahuasqueiiros princip pais escolh hidos como o exemplo o nestta tese, Pablo Amaringo e Alexandre Segrégio, S possuem imagens típicas de e labirrintos, ape esar de se erem basta ante repres sentadas por outross artistas visionários v s como L. Caruana, Martin Oscity, e dentro do Surrea alismo e R Realismo Fantástico, F , como Remedio os Varos137 e Rudolf Hausner. L. Caruana C re elata que, em 2005,, teve que e pintar um ma tela co om o tema a “Eurropa”, para a uma expo osição perrto de Munique, que se chamou u Dalis Erb ben Malen n Euro opa. Quantto mais ele e lia sobre e o mito do o rapto de Europa, m mais intriga ado ficava a pelos aspecto os ocultos e obscuro os do mito. De aco ordo com o relato helenístico h o tradiicional, Zeus se transformou em e um fabu uloso touro o branco p para seduz zir Europa, que, ao subir em e suas costas, c é ra aptada. Ze eus corre com c ela so obre o marr até a ilha a de Creta. C Ao chegar c à ilha, i debaiixo de uma árvore de d salgueirro, Zeus desfaz d seu u disfa arce de tou uro e possui a ninfa. L. Caruan na decide que q o quad dro deveria a então se e cham mar a viola ação de Europa E e não n o rapto.138 Entre e os filhos de Zeus e Europa, 136 Um ma grande coletânea c de e desenhos de d labirintos de diversas culturas e é épocas históricas podem m ser vistas no sítio o: <http://www w.alifeprolifiq que.com/page3.htm>. Accesso: 6 jun. 2007. 137 Arrtista plástica a que viveu de d 1908 a 19 963 e foi muitto influenciad da pelo surre ealismo. 138 Infformações tiradas do sítiio do pintor: <http://www.L. Ca aruana.com/> >. Acesso: 13 out. 2008. 237 consta Minos, que reinou sobre Creta graças a Posídon, que fizera sair do mar um touro belíssimo, prova inconteste do favor divino. Minos deveria sacrificar o animal a Posídon, mas não o fez. O Deus se vinga, enlouquecendo o touro e fazendo a esposa de Minos, Pasífae, se apaixonar pelo animal. Numa trama com Dédalo, Pasífae conseguiu unir-se ao touro. Algum tempo depois, nasce o Minotauro. Minos, aterrado e envergonhado, mandou construir um intrincado labirinto, do qual ninguém conseguia sair, e prendeu o Minotauro dentro dele. As imagens tradicionais criadas por artistas como Ticiano, Rembrandt e Moreau retrataram o rapto de Europa, com a donzela sentada sobre o touro correndo pelas águas. Na pintura de L. Caruana, diversas imagens antigas foram pesquisadas e compostas na obra. Atrás da deusa cretense segurando dois machados, está a representação do labirinto. Fig. 217. The Rape of Europa (2006). Óleo sobre tela, 80/50 cm de L. Caruana. Disponível em: <http://www.lcaruana.com/webmedia/europa.media/europa.nov08.300dpi.500.jpg>. Acesso: 13 out. 2008. A obra Labyrinth der Sehnsucht (Labirinto do Desejo), de Martin Oscity, traz um grande labirinto no estilo das representações tradicionais em cruz, similar ao 238 da Catedral de Chartres. O título “Labirinto do Desejo” remete ao fruto proibido, representado, talvez, pela árvore ao centro. Várias pessoas caminham pelos corredores do labirinto e interagem umas com as outras, são os conflitos e barreiras que dificultam a chegada ao centro. Ao que tudo indica, esse labirinto deve ser a ampliação do que se encontra pintado ao lado do palácio. A mulher ao fundo, coberta por um véu branco, pode representar o desejo de maternidade, uma vez que, ao fundo, está pintado um feto, indicando um sonho ou uma realidade já presente para essa mulher. A noz costuma ser símbolo de concepção análoga à do ovo cósmico (CHEVALIER; GHEERBRANT 1982, 639). No extremo inferior esquerdo da pintura, mais um labirinto, este de forma quadrangular, se eleva do solo. Fig. 218. Labyrinth der Sehnsucht – Labirinto do Desejo (2004). Óleo sobre tela, 80/60 cm de Martin Oscity. Disponível em: < http://www.visionart-malerei.de/>. Acesso: 17 out. 2008. As obras adiante representam alguns tipos de labirintos. Há o de forma clássica em cruz, como na pintura Labirinto, do Realista Fantástico Rudolf Hausner (fig. 218), como também os de formas não convencionais, como o Trânsito em 239 9 Espiiral, da pin ntora Rem medios Varos. Essa viagem se s dá atra avés de um trânsito o form mado pela navegaçã ão de pequ uenos barrcos que seguem s um m curso d’água d em m espiral. Abaixo o dessas obras, outtras duas remetem à idéia de e labirinto, como na a ura Insomn nio, de Re emedios Varos V (fig. 220), e a obra Birrthday, de Dorothea a pintu Tann ning139 (fig g. 221), ambas representando o corredorres com p portas dive ersas que e pode em levar a vários co ompartimen ntos, como o acontece e em um ttrajeto den ntro de um m labirrinto comum m. Fiig. 219. Labirrinto. Óleo so obre tela de Rudolf Hau usner. Dispon nível em: <http://www.gno osis.art.pl/iluminatornia/ssztuka_o _insspiracji/rudollf_hausner/ru udolf_hausne er_labiry nt_1991.jp pg>. Acesso:: 12 nov. 200 07. 139 Fig. F 220. Trân nsito em Esp piral (1962). Óleo sobre masonite, 100/115 cm de Remedio os Varos. Disponívvel em: <http://www.a < artknowledge enews.com/ffiles2008/L H_1-Spiral_T H Transit.jpg>. Acesso: 10 out. 2008. Na ascida em 19 910, é pintorra, gravadora a, escultora e escritora. Fortemente F in nfluenciada pelo p período o surre ealista, foi cassada com o pintor alemã ão, que passo ou pelo Dada aísmo e Surrealismo, Ma arx Ernst. 240 Fig. 221. Insomnio (1947). Gouache sobre cartolina, 28/22 cm de Remedios Varo. Disponível em: <http://www.remediosvaro.biz/insomnio.htm>. Acesso: 10 out. 2008. Fig. 222. Birthday (1942). Óleo sobre tela, 102/65 cm de Dorothea Tanning. Disponível em: <http://www.bluffton.edu/womenartists/womenart istspw/tanning/birthday.jpg>. Acesso: 10 out. 2008. 241 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao iniciar esta pesquisa, os diversos caminhos e bifurcações que ela oferecia criaram a necessidade de deixar de lado várias linhas de conhecimento válidas e tentadoras. Procurou-se seguir, com os devidos cortes e supressões, além de uma guinada importante no meio da redação da tese, em uma direção que guiasse a pesquisa, possibilitando responder às perguntas iniciais, formuladas sem engessamentos, que alguns métodos poderiam ocasionar. A metodologia usada, os pesquisadores escolhidos por seus trabalhos sobre os estados não ordinários de consciência e psicoativos, principalmente a ayahuasca, mais os artistas visionários com experiência com essa bebida, algumas entrevistas e depoimentos e a observação participativa do autor, tornaram possível dar essas respostas agora. 01 – A presença desses elementos visuais está necessariamente ligada a estados não ordinários de consciência através do uso de substâncias psicoativas? Não propriamente. Foi visto que diversas formas de práticas, exercícios, situações específicas, enfermidades, podem fazer com que um indivíduo tenha experiências de ENOC, relatando a visão desses elementos visuais básicos de maneira bastante similar. Hancock (2007, 228) comenta que mais de 2% dos adultos modernos possuem habilidade de ter visões espontaneamente. Mesmo Carlos Castañeda, autor de uma série de livros famosos pelas descrições de seu aprendizado com Dom Juan, feiticeiro yaqui, onde o uso de psicoativos foi inicialmente intenso, relata no terceiro livro da série que: Minha percepção do mundo pelos efeitos desses psicotrópicos fora tão bizarra e impressionante que fui forçado a supor que aqueles estados eram os únicos meios de me comunicar e aprender aquilo que Dom Juan estava querendo ensinar-me. Essa suposição estava errada [...] (CASTAÑEDA 1972, 7). Os estudos de Harner seguem nessa mesma direção. Ao estudar por 19 anos diversas tribos que usavam ayahuasca, como os Conibo e os Jívaro, comparando as práticas xamânicas de grupos indígenas norte-americanos como os Wintun e o Pomo na Califórnia, Salish no Estado de Washington e os Lakota Sioux em Dakota. Harner comenta: From them I learned how shamanism could be practiced successfully without the use of the ayahuasca or other drugs of the Conibo and the Jívaro. This knowledge has been especially useful in introducing Westerners to the practice of shamanism (HARNER 1982, 23). 242 Em FURST (1976, 90), encontramos a mesma conclusão: “E experiências semelhantes podem também ser obtidas sem drogas”. Tudo indica, portanto, que as experiências podem ser alcançadas sem necessariamente o uso de substâncias psicoativas. De qualquer forma, os dados levantados na tese, como as descrições e representações visuais, tiveram como foco o uso da ayahuasca e foram dados exemplos de usos de outros psicoativos que, sem dúvida, dão possibilidade de estudos científicos de modo bastante similar. 02 – Como se trata de trabalhos inspirados nas visões obtidas em estados não ordinários de consciência, essas visões fazem parte de um universal humano, ou seja, comum para todas as pessoas, independentemente de suas culturas? Sim, ficou demonstrado que esses elementos são bastante comuns e recorrentes nessas experiências. Lewis-Williams faz a ressalva de que nem sempre as experiências seguem um roteiro ou algoritmo, enfim, nosso sistema nervoso é bastante plástico e não responderá igualmente e sempre da mesma maneira aos estímulos que recebe. Não há nenhum determinismo aqui, sempre haverá espaço para o novo. Por isso, a importância do “set & setting”, “como eu estou e como está meu ambiente”, no resultado da experiência. A partir das imagens iniciais, no caso as espirais e vórtices, daí, sim, a cultura exercerá influência e moldará a experiência de acordo com seus repertórios, mas sempre respeitando o limite possível das configurações iniciais das visões. Este fenômeno procurou ser suficientemente demonstrado nas representações visuais encontradas em diversas épocas e localizações geográficas, de modo a deixar essa possibilidade bastante evidente. Como já foi comentado na tese, basta lembrar que, antes da cultura, há seres humanos com características biológicas semelhantes que permitem a assimilação dessa cultura. Portanto, não parece difícil que indivíduos cheguem ao mesmo tipo de idéias, mesmo sem contato entre eles. No exemplo de Arheim, no Segundo Capítulo, foi visto que, conforme a expectativa criada nas pessoas, um desenho parecido com um X, mostrado rapidamente em uma tela, acabou resultando no desenho de uma mesa e de uma ampulheta, dependendo da influência verbal recebida (fig. 12). Porém, dificilmente o desenho de uma girafa teria resultado dessa experiência. Outro exemplo foi o da visão de uma imagem ambígua redonda podendo resultar na imagem de uma fruta, 243 seio, bomba, dependendo do ambiente, das expectativas e do momento do indivíduo, o mesmo acontecendo como as oito categorias de imagens derivadas das espirais e vórtices. Os fosfenos em si, ou as “formas constantes” como chamadas por Klüver, podem ser apenas reações neurofisiológicas, depois disso a influência da cultura certamente comandará os resultados, fazendo com que um grupo compartilhe significados semelhantes. A associação com elementos da natureza, as espirais com o movimento da água ou com uma serpente enrolada, entre outras associações possíveis, serão favorecidas igualmente. A cópia também existe. Principalmente quando os desenhos e pinturas fazem parte de uma cultura que tenha tradição e sentido simbólico, eles serão repetidos sem que se tenha passado pela experiência original. 03 – Os artistas, ao colocarem certos elementos simbólicos nos seus trabalhos, estão conscientes do significado desses símbolos (ou mesmo da possível universalidade de alguns deles)? Nem sempre os artistas colocam espirais e vórtices, ou qualquer outro elemento, com algum sentido ou propósito já planejado. Jung, na sua experiência com desenhos das mandalas, já tinha se dado conta de que muitas imagens são realizadas de modo inconsciente. No caso de alguns trabalhos mostrados na tese, as pinturas realizadas são o resultado de visões dos artistas: uma escada desenhada por Amaringo não significa que ele tenha feito associações com o “axis mundi”, ou com imagens com esse mesmo sentido que aparecem em tantas culturas diferentes. O valor está justamente em retratar sua visão e que, “coincidentemente”, outros podem ter retratado experiências parecidas com sentidos semelhantes nas mesmas condições. Porém, não é possível identificar sempre se o artista não está plagiando outro ou usando os símbolos de forma estereotipada. Para citar um exemplo, Hocke comenta: “Tem-se a impressão de que Dali apenas se aproveita de antigos símbolos, sem nenhuma experiência mística de sua parte” (HOCKE 2005, 226), justamente o contrário do que se espera de uma verdadeira experiência visionária. 04 – Se esses elementos estão associados a estados não ordinários de consciência, há alguma forma de confirmar tal pressuposto apenas vendo a obra? 244 Sim, muitas vezes as espirais e vórtices estão justamente em trabalhos artísticos que expressam valores de natureza espiritual associados às experiências de ENOC. Isso ocorre não apenas com símbolos mais complexos, mas nas suas formas mais básicas. Um dos artistas escolhidos para a pesquisa, Alexandre Segrégio, consegue passar bem a sensação da “burracheira” em seus trabalhos, não que ela seja daquele jeito para todos, mas quem conhece a sensação poderá se identificar vendo a imagem. Quem não teve a experiência apenas verá algumas distorções, não reconhecerá as sensações envolvidas. Por isso, a importância de investigações como esta, pois abrem a possibilidade de maior compreensão quando se depara com mitos de povos primitivos. Dessa maneira que foi possível para Lewis-Williams; Pearce apontar um vazio na explicação de Geertz em relação à religião: a experiência real e verdadeira pode ser vivenciada, ela não é apenas uma fé cega e sem sentido transmitida por um xamã ou sacerdote e que é “engolida” pelos demais integrantes da sociedade. Ou seja, quando há reflexos de uma experiência legítima, é possível compreender melhor como a fé, se assim quisermos chamar o fenômeno, pode deixar de ser um “eu acredito” para se tornar um “eu sei”, pois o indivíduo pode viver essa experiência por si mesmo. Ela está lá dentro dele, só esperando para se manifestar. Se ela tem ou não um sentido verdadeiro, se é apenas uma ilusão tola, não é possível afirmar. Pode-se apenas observar que “acontece dessa forma”. As pessoas, de modo geral, acreditam na experiência, falam dela, escrevem sobre ela, as representam na arte, as usam nos seus mitos e em suas religiões. 05 – É possível reconhecer a Arte Visionária como um estilo ou característica específica de um fazer artístico aplicável à História da Arte? A pesquisa mostrou ser possível, basta seguir e aprofundar o tipo de recorte realizado na tese. Um trabalho dessa natureza pode ser desenvolvido atualmente de maneira que não seria possível até pouco tempo atrás. O aprofundamento sobre os ENOC abriu a possibilidade de ver essas obras de uma nova maneira, talvez até mais coerente com sua natureza verdadeira. Não podemos esquecer que há enorme tabu em relação ao uso de psicoativos. Mesmo que se saiba muito a respeito, não há uma documentação séria ligada à produção de artes visuais que esteja ligada a ela. A coletânea realizada na tese pode ser ampliada em um trabalho mais profundo. Há um esboço dentro da literatura nessa direção no livro 245 de Marcus Boon, editado por Harvard, chamado The Road of Excess – A History of Writers on Drugs. No caso da Arte Visionária, tal como defendida na tese, não apenas o uso de psicoativos estaria presente, mas as diversas manifestações baseadas nas experiências de ENOC, observando a presença dos elementos visuais que caracterizam essas experiências. Não só a presença de espirais e vórtices, mas todos elementos entópticos descritos por pesquisadores como Klüver e LewisWilliams; Pearce, entre outros. 06 – Devido às representações artísticas dentro da Arte Visionária comumente tocarem temas místicos e religiosos, as experiências vividas nos estados não ordinários de consciência são indícios seguros de contato com uma realidade válida, diferente do mundo objetivo, racional, material, considerado de natureza espiritual? Como visto na seção 2.3, para alguns cientistas a experiência, por sua recorrência e universalidade, será indício de que há, sim, outra realidade além do mundo objetivo e material. Seria então o que se optou por chamar de reino espiritual. Essa vivência, considerada válida, ocorre dentro de cada um como na citação bíblica: “O reino de Deus está dentro de vós” (Lucas 17:21). Por outro lado, as experiências, mesmo que sejam características de nossos circuitos cerebrais, portanto legítimas, podem ser consideradas apenas como ilusões em cima de respostas neurofisiológicas normais. Mesmo Lewis-Williams, criador do modelo aceito no presente trabalho, considera que as experiências são verdadeiras, no sentido de que acontecem como características específicas de nossos circuitos cerebrais, mas deduz que sejam apenas ilusões tolas, ainda que não patológicas. De qualquer forma, deve-se considerar que, para nosso sistema nervoso, nosso cérebro, essas alterações fisiológicas acontecem realmente, razão pela qual a sensação decorrente na experiência do indivíduo é tratada como um fenômeno coerente e tão real quanto os que comumente são percebidos no mundo exterior, às vezes até mais. A diferença é que, no mundo ordinário, os indivíduos interagem de modo geral e regular com um meio estável e previsível, pois está “todo o tempo ali fora”, compartilhado simultaneamente com os demais, ao passo que em ENOC as experiências costumam ser imprevisíveis, momentâneas e passíveis de serem 246 direcionadas, tanto pelas características do indivíduo, do ambiente ou por um mestre ou um xamã dirigente140 (característica 11 da seção 2.7). As experiências com psicoativos como a ayahuasca favorecem o afloramento de emoções devido a sua atuação junto à serotonina (ver seção 1.2). Como pesquisado, esses componentes emocionais podem ser fundamentais na valoração e aceitação das experiências que se transformam em práticas de natureza religiosa. Da mesma maneira, o quanto será encarado como real ou ilusória a experiência dependerá das expectativas, tendências individuais e culturais estabelecidas no contexto em que o indivíduo está imerso. Um direcionamento religioso certamente influenciará a experiência visionária do indivíduo e também norteará parte de sua conduta. Uma personalidade bastante conhecida e polêmica, que criou muitos centros de meditação envolvendo psicólogos e terapeutas de diversas tendências pelo mundo, Osho,141 responde uma questão sobre experiências místicas com LSD relatada por um discípulo. Seriam elas genuínas experiências de Samádi? It was not genuine. It was not a Samadhi, but a chemical change. The mind can project anything it likes to project – even an unconscious desire of Samadhi! (RAJNEESH 1971, 8). Osho não apenas problematiza a questão da experiência mística com o uso de psicoativos, mas de qualquer experiência mística vivenciada pelos indivíduos. A similaridade das descrições relatadas de experiências espirituais faz com que seja difícil simplesmente falar que são meras ilusões ou alterações químicas. E, mesmo que sejam apenas alterações químicas, enfim, podem não invalidar propriamente a experiência, pois todo o sistema nervoso funciona através dessas “alterações” químicas como serotoninas, dopaminas, adrenalinas, etc. Se a hipótese de Strassman estiver correta, de que a DMT produzida naturalmente no cérebro tem sua produção aumentada por exercícios específicos e práticas místicas como as descritas na seção 2.3, significa que a experiência, com ou sem psicoativos, é praticamente a mesma. O psicoativo seria apenas um veículo, um facilitador, da experiência. Ou ambas são ilusões, ou ambas têm seu fundo de verdade. Viu-se que, mesmo nos fenômenos “patológicos”, delírios místicos que podem parecer 140 Apesar de que influências podem ocorrer dentro de uma religião mesmo sem uso de psicoativos, bastando a influência da tradição e da cultura mais a tendência natural do indivíduo em aceitar o sobrenatural. 141 Osho ou Bhagwan Shree Rajneesh (1931-1989) era Mestre em filosofia e deu aulas na universidade de Jabalpur, Índia, de 1958 a 1966. Mais tarde tornou-se um famoso guru. 247 absurdos, falam de experiências bem semelhantes, como demonstram os trabalhos dos artistas do Museu Imagens do Inconsciente. A diferença que o “louco”, de maneira geral, confunde o tempo todo realidade objetiva com suas visões, enfim, não tem controle algum sobre a experiência, é vítima dela. Já o xamã, ou o praticante de religiões ayahuasqueiras e similares, tem, paralelamente, além de suas experiências controladas de ENOC, contato com a realidade no seu dia-a-dia no trabalho, com a família, sua vida “normal” em um mundo racional e material. Esses estados não ordinários de consciência, a universalidade das experiências, os mitos, as religiões e crenças que deles surgiram, fazem com que seja ponderada a legitimidade ou não do que é experimentado. Mas deve-se ponderar se a experiência “divina”, espiritual, deva cercar-se de “provas científicas”. Apesar da influencia que essas experiências podem ter na vida dos indivíduos, não é possível traduzi-las simplesmente para o plano da vida ordinária. O valor da experiência mística pode estar justamente em sua inefabilidade, nos aspectos considerados “irracionais” dela, a tentativa de uma tradução racional pode simplesmente matar a experiência ou banalizá-la: Magical consciousness is based on analogical rather than logical thought, and involves the association of ideas, symbols, and meaningful coincidences (GREENWOOD 2005, 89). As experiências de ENOC preenchem uma lacuna que torna possível encarar o fenômeno religioso e da fé por um novo viés, ou seja, como uma característica intrínseca da natureza humana e, a Arte Visionária, como um dos meios de expressá-la: For the symbols of mythology are not manufactured; they cannot he ordered, invented, or permanently suppressed. They are spontaneous productions of the psyche, and each bears within it, undamaged, the germ power of its source (CAMPBELL 2004, 3). Deve-se lembrar ainda outro aspecto não menos importante: cientistas que se ocuparam de terapias psicodélicas, como Stanislav Grof, consideram que o acesso aos conteúdos pessoais pode acontecer de forma mais efetiva e rápida através do uso de determinados psicoativos do que através de terapias convencionais. Os diversos depoimentos de pessoas com experiência com ayahuasca evidenciaram que, muitas vezes, nem mesmo a presença de um terapeuta é necessária. Algumas respostas, insights, costumam ocorrer naturalmente, funcionando como um psicointegrador, tomando emprestado o termo 248 de Winkelman, quanto ao aspecto terapêutico e medicinal tanto físico como psíquico dessas plantas ou substâncias. A ARTE VISIONÁRIA E A AYAHUASCA – REPRESENTAÇÕES VISUAIS DE ESPIRAIS E VÓRTICES INSPIRADAS NOS ESTADOS NÃO ORDINÁRIOS DE CONSCIÊNCIA (ENOC) procurou mostrar alguns aspectos da experiência de ENOC e como esta pode influenciar a produção artística. Viu-se que os temas visionários, de maneira geral, têm caráter numinoso tão vivo e criativo quanto são os mitos presentes nas diversas sociedades primitivas e atuais pelo planeta. Se a ênfase entre racional (antropocêntrica) e emocional (teocêntrica) costumou se intercalar entre os movimentos artísticos, a Arte Visionária, correndo quase sempre à margem dos grandes movimentos, manteve de forma bastante constante sua busca pela representação das visões de mundos subjetivos que afloram de uma fonte natural nos indivíduos. As visões, porém, não devem ser confundidas apenas com “bemaventuranças” de um mundo espiritual, mas, como foi visto, o mundo espiritual carrega em si os opostos, onde muitas vezes está presente o santo e o erótico e uma tanatoestética que faz parte da mais profunda experiência e da imaginação humana diante do mistério da vida. A ayahuasca, enfim, serve como o veículo mediador, facilitador para esse contato, dando oportunidade de experimentar de modo particularmente penetrante esses mundos além da consciência do dia-a-dia. A Arte Visionária, hoje, é um testemunho de buscas e de encontros de primeira mão com o numinoso retratado plasticamente. Mesmo em meio às valiosas agitações artísticas criativas das modernidades e “pós-modernidades”, ela encontra seu espaço nos lados mais recônditos da condição e da natureza humana. 249 ESPECULAÇÕES PARA TRABALHOS FUTUROS O presente trabalho abre para uma série de outras possibilidades de pesquisa, tanto relacionadas com a arte como com os estados não ordinários de consciência, além de instigar investigações em cima de alguns falsos mitos que circulam o uso da ayahuasca. São apresentadas aqui algumas direções possíveis. 01 – Visões sempre presentes A ayahuasca talvez permita entrar no rio mercurial (streaming of consciousness) que corre entre a vigília e o sono, a interseção entre a realidade cotidiana e seu fluido reflexo nos infinitos mundos da imaginação. A ayahuasca, como outras plantas e substâncias psicointegradoras, possui a potencialidade de aproximar o ser humano do lugar, por assim dizer, de onde os mitos procedem. Essa suspeita surgiu pela semelhança da experiência vivida com a ayahuasca e os estados hipnagógicos e mesmo dos sonhos. De onde vêm os pensamentos, são deliberados por volição, são sempre escolhas do “pensador” ou surgem como acontecimentos independentes, interagindo então com o indivíduo? Os devaneios, o estado hipnagógico, este muitas vezes similar às mirações, parecerem se desenvolver em uma corrente de consciência que passa como pano de fundo, independentemente da direção consciente do indivíduo. Essa corrente pode ser comparada a um filme contendo uma mistura de conteúdos pessoais e impressões e experiências vindas do meio ambiente. É possível interagir com esse conteúdo à medida que o estado de vigília vai relaxando seu controle, seja no início do sono, seja pela ação de psicoativos como a ayahuasca. Estudos mais profundos sobre essa característica da consciência certamente trarão conhecimentos maiores sobre os esforços cognitivos da mente. 02 – Defesas do organismo Apesar da ayahuasca não causar dependência, de não ser tolerada pelo organismo, não significa que o organismo não se acostume ao uso regular dela ou mesmo que crie alguns mecanismos de defesa contra ela. Uma das razões para tal 250 suspeita é o fato de que as mirações costumam diminuir com o tempo. Principalmente os padrões geométricos e coloridos que costumam aparecer nas primeiras vezes em que se bebe o chá. Como descrito na tese, é provável que o cérebro, como válvula redutora, com o tempo faça fazer valer o seu papel e tente compensar as ações “desorganizadoras” dos psicoativos, diminuindo a eficácia visionária deles. Uma prática que ajuda a facilitar o aparecimento de visões está na prática de dieta que evite açúcar e sal, carnes, além de abstinência sexual, no estilo que alguns grupos indígenas costumam fazer. Espaçar o tempo de ingestão do chá também traz resultados. Naturalmente, dois fatores aí devem colaborar, um deles fisiológico, tornando o corpo menos “denso” por causa de uma alimentação leve e, outro, mais de natureza psicológica devido ao direcionamento da intenção, ao respeitar uma dieta para determinado fim. Um estudo maior sobre a fisiologia cerebral ligada à ayahuasca seria pertinente no caso. 03 – Lavagem Cerebral Não há nenhuma evidência de que a ayahuasca possa ser usada para algum tipo de lavagem cerebral propriamente dita. A CIA financiava pesquisas nessa direção com psicoativos como o LSD em testes realizados com mais de 1.500 pessoas só no exército (FURST 1976, 99), desistindo por não ter nenhuma evidência que merecesse maior atenção por parte deles. Porém, não podemos fazer de conta que ela, pelos fortes efeitos psicoativos, não seja capaz de influenciar as pessoas sob seu efeito. Uma vez que as mirações muitas vezes são sentidas como reais pela pessoa, o direcionamento cultural, religioso, pode ser muito mais facilmente assimilado pelo indivíduo que participa de um ritual sob efeito da ayahuasca. Ele verá o que está sendo doutrinado, dando a experiência necessária para o fortalecimento da prática religiosa pela crença advinda da experiência, fechando o ciclo necessário para que um sentimento religioso se estabeleça com forte base. O lado positivo está no poder de cura que tais sugestões podem influenciar, merecendo também maiores estudos. 251 04 – Terapias com a ayahuasca Muitos depoimentos relatam melhoras no comportamento, solução de problemas pessoais, com o uso da ayahuasca. Casos de viciados em álcool e outras drogas que conseguem abandonar esses vícios, mesmo o cigarro, são numerosos. A clínica Takiwasi, a ABLUSA, citadas na tese, são alguns exemplos, o mesmo sucedendo nas religiões como o Santo Daime e a UDV. Os estudos de Stanislav Grof sobre terapias com LSD indicam que os processos terapêuticos com psicoativos resultam ser mais rápidos e diretos. Talvez, assim como a experiência religiosa, a cura venha de processos internos, muitas vezes de insights e reflexões pessoais advindas da experiência com o psicoativo, que pode ser muito mais impactantes para o indivíduo do que os métodos tradicionais paciente/terapeuta, ainda em voga. 05 – A “peia” como intensificação da culpa A peia não deve ser confundida aqui com vômitos e diarréia que podem ocorrer com a ingestão da ayahuasca. Essas são reações fisiológicas normais que dependem do grau de tolerância do indivíduo às substâncias presentes na ayahuasca. Jace Callaway realizou alguns estudos a respeito durante o Projeto Hoasca. A peia que é tratada aqui é a que normalmente está associada a um castigo espiritual por alguma “falha”, “erro”, enfim, algum tipo de “pecado” cometido pelo indivíduo em relação a outros ou a si mesmo. Uma das características do efeito da ayahuasca é a possibilidade de aumentar muito a sensibilidade do usuário. Se, por alguma forma cultural, convicção pessoal, mesmo que de modo não claramente consciente, a pessoa sente-se culpada, por exemplo, por mentir, alguma ação desse tipo pode gerar autocobrança, remorso, inclusive somatizações e, daí sim, podem resultar em algumas reações físicas que podem incluir vômitos e diarréias. A pessoa certamente passará por esse “inferno”, sentindo-se mal e associando o mal-estar a suas falhas, principalmente se esses valores estão presentes no contexto religiosos onde se bebe o chá. Porém, se a mentira não estiver na “demanda de culpas” por parte do indivíduo, certamente a experiência negativa ou conflituosa não se manifestará. Ocorre que muitas coisas 252 podem fazer parte de um elemento universal de comportamento, se é que isso existe no contexto social de forma tão clara. Mas podemos comparar isso aos estudos sobre psicopatia. Em alguns tipos dela, suspeita-se que o indivíduo não possui no cérebro circuitos funcionando normalmente nos lóbulos frontais, responsáveis, por exemplo, por sentimentos de solidariedade e compaixão. Não há meio de “educar” o psicopata a esse respeito, ele jamais entenderá, seria como forçar um cego de nascença a “entender” o azul. A peia será um intensificador de culpa, muitas vezes culpa compartilhada dentro da mesma simbologia cultural, dentro dos padrões de cobrança em comum entre os indivíduos de uma mesma sociedade ou religião, o que dará confirmações inquestionáveis ao indivíduo de seu erro. Ao passo que, sem essas culpas, a peia certamente não se manifestará. 06 – Sons e Visões Sons diversos, ruídos, músicas, têm poder de influenciar as mirações. Um grito pode provocar uma impressão de luzes, uma música pode ser assistida, ruídos podem induzir mirações diversas. A índia Shipibo Herlinda Augustín, por exemplo, consegue cantar seus desenhos inspirados na experiência com a ayahuasca. Um estudo dessa natureza visa investigar se os sons induzem a algum tipo específico de impressão visual ou se isso apenas é uma reação de acordo com alguma disposição do SN no momento, ou por alguma influência cultural apenas. 07 – Teoria da Cor nos Mitos Mitos como dos Desana estudados por REICHEL-DOLMATOFF (1976) trazem uma correlação de significados das cores nas diversas camadas do cosmo. Um estudo da simbologia da cor em ENOC pode ser bastante interessante uma vez que a cor está relacionada ao principal dos sentidos humanos: a visão. A visão de cores específicas tem propriedades de estimular áreas também específicas no cérebro? Há algum tipo de cor associado a “objetos alucinatórios” que se repete de forma igual em vários indivíduos? 253 08 – História da Arte Visionária A tese esboçou um recorte da história da arte pelo lado visionário, desde as cavernas até a atualidade, levando-se em conta estudos e hipóteses das pesquisas de autores como Lewis-Williams. Buscou-se atender suficientemente a investigação das espirais nos estados não ordinários de consciência e a origem de alguns símbolos. Porém, um estudo mais profundo e muito mais amplo pode ser desenvolvido, mostrando os principais momentos onde os artistas voltaram sua visão aos estados interiores de forma mais ampla, tanto na arte ocidental como na oriental, na africana, além de outras aborígenes não tratadas na tese. 09 – As Plantas Silenciadas Jonathan Ott, um dos criadores do termo enteógeno, possui estudos sobre a farmahuasca,142 ou seja, a ayahuasca sintetizada e seus efeitos similares ao da bebida “natural”. A mescalina é a sintetização do princípio ativo do peiote, e foi usada por Huxley e descrita no seu livro Portas para o Infinito. O LSD, é a substância psicoativa sintética mais conhecida. Em um exemplo bem marcante, Gordon Wasson ofereceu psilocibina sintética para a famosa xamã mexicana Maria Sabina, que acabou confirmando que se tratava da mesma força que os cogumelos (teonanacatl): Ao clarear de manhã, quando nos despedimos de María Sabina e sua família, a curandeira afirmou que as pílulas possuíam a mesma força que os cogumelos e que não havia nenhuna diferença. Isto foi uma confirmação, e do setor mais competente na matéria, de que a psilocibina sintética é identica ao produto natural. Como presente de despedida, deixei para Maria Sabina um frasquinho com pastilhas de psilocibina. Esta declarou, radiante, para a nossa intérprete Herlinda, que agora poderia atender consultas também nos períodos em que não há cogumelos (HOLFMANN 1980, 160).143 Esses fatos pedem uma reflexão quanto à suposta comunicação entre as plantas de poder, as “plantas professoras”, e o ser humano. Seria mais o caso de se pensar em “substâncias professoras” presentes nas plantas. Ao ouvir relatos sobre experiências com psicoativos, como os tratados aqui, pode-se pensar em distorções da realidade, alucinações. Porém, muitas das visões trazem imagens e cenas tão ricas, quem sabe até mais, que as encontradas nos sonhos. Esses conteúdos, 142 143 Ver OTT 2004, 711. Tradução livre da língua espanhola. 254 naturalmente, não provêm das substâncias. Então, tampouco elas são “substâncias professoras”. Elas são veículo para algo interno, são facilitadoras desse contato com algum tipo de professor ou “mestre interno” de cada indivíduo. O que realmente ocorre na experiência? 10 – A Serpente Falante (ou a “Fé Demais” e a “Fé de Menos”) Alguns cientistas como Richard Dawkins questionam os mitos religiosos. Os relatos bíblicos parecem apenas histórias inúteis e ridículas, Deus e outros seres celestiais apenas “amigos invisíveis” de uns manipuladores que tentam a todo custo convencer as demais pessoas da existência deles. A “serpente falante” do paraíso não é vista por esses críticos como algo simbólico, é tomada literalmente (mais para zombar provavelmente) fazendo então ponderar qual a forma menos consistente de pensar, se a científica ou a religiosa. Sem a necessidade de entrar em todos os mecanismos negativos que possam ser encontrados nas religiões, fanatismo, intolerância, guerras, mentiras, mau uso do dinheiro dos fiéis, etc., realmente há muitos pontos contraditórios e perniciosos, nem por isso podemos deixar de ver que algo importante aqui está sendo negligenciado. Como foi comentado na tese, talvez não seja importante saber se a experiência do divino seja ou não um fato que possa ser considerado real sem nenhuma sombra de dúvida. Porém, sendo uma característica inata humana, ela não pode simplesmente ser “interrompida” da percepção das pessoas (nenhum sistema do mundo, nem o mais radical totalitarismo, conseguiu isso até agora). No caso de tantas técnicas possíveis para se atingir essa experiência, não se trata de uma fé cega, mas de algo bastante real para os indivíduos e que, antes de ser desprezada, deve ser mais bem compreendida pela ciência. Não se trata de ser contra ou a favor das religiões, mas de compreender que cada ser humano pode experienciar os fenômenos associados ao sentimento religioso de modo direto, tal como sugerem os ENOC. 255 REFERÊNCIAS ALBERTI, Verena. Manual de história oral. Rio de Janeiro: FGV, 2004. ADES, Dawn. O Dada e o Surrealismo. Barcelona: Editorial labor do Brasil S.A., 1974. AFRÂNIO, Patrocínio de Andrade. 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Para os artistas, foi enviado um questionário com 11 perguntas: [1] nome completo; [2] nome artístico; [3] idade; [4] educação; [5] religião; [6] trabalho (além da atividade artística se houver); [7] cidade de nascimento; [8] cidade onde o artista vive atualmente e pedidos de informação sobre o [9] processo de pintura seguido, e também [10] sobre as experiências com psicoativos e como elas podem ter auxiliado no trabalho visionário e, finalmente, um espaço livre [11] para o artista incluir algum comentário que ele considere relevante. Por último, há onze anotações pessoais das 121 disponíveis que foram escritas ao longo de quase cinco anos da experiência do autor da tese com a ayahuasca, principalmente no âmbito da UDV. Foi mantido o máximo possível a fidelidade das falas, que não passaram copidesque, assim como não foram corrigidos os textos enviados, sempre na idéia de não adulterar ou sugerir uma interpretação inadequada da comunicação recebida. Mesmo as anotações pessoais não sofreram correções, apenas foram omitidos os nomes das pessoas que apareciam ao longo do texto. DEPOIMENTOS GRAVADOS 01 – II. “II” tem 27 anos, sexo feminino. Bebe ayahuasca desde os seis anos de idade. Depoimento gravado dia 22 de Maio de 2008: MK: ...tem uma que chame bastante atenção, assim, uma com... que tenha mirações, assim, de alguma coisa? II: Tem. Tem uma que... a gente fala, né... que os mestres falam que a gente bebe o Vegetal para aprender a sair do corpo e tal, né? Daí de vez em quando eu me deparo com isso... o normal é sentir medo, né? Ficar fora... é sempre diferente uma da outra, né? Ai é estranho. Então, e uma vez eu resolvi me entregar... ah, não estava tocando nenhuma música, então vamos ver. E ai estava bem forte. E eu comecei... eu estava de olho fechado, ai eu comecei a... meu pensamento assim, toc, toc, toc, dai começou subir em espiral, vup, vup, fazia até o barulho assim. Ai eu abri o olho e continuava, e continuava, ai eu fui, ai eu me entreguei, né? Falei “é que eu não vou morrer, então tudo bem, vamos ver o que acontece, né?” Então que eu resolvi ter essa experiência. Aí foi indo, foi indo, mas eu estava tranqüila com o que estava acontecendo, aí, foi subindo essa espiral assim, de repente, isso dentro de mim, de olho fechado, quando eu abri o olho, 268 vendo assim por dentro de olho fechado, no meu corpo, né? Quando abri o olho assim, ficou um silêncio absoluto, não havia nada, só tocando uma música, lá na sessão estava acontecendo, mas eu... estava um silêncio absoluto e eu via assim, estava no universo, vendo a Terra lá embaixo, ai passava, me lembro até... passava, digamos, só um cometa, uma coisa, uma coisa absurda, absurda, mas um silêncio absoluto. Então tudo, tudo acontecia assim, ao meu redor, e eu via tudo, eu via todos os cantos, assim, inclusive atrás de mim... mesmo, ... minha cabeça está aqui, mas eu via tudo, sem essa dimensão de eu estar... por isso que eu tenho o pensamento que eu sai do corpo esse dia, eu conseguia ver todos os ângulos, né? Eu ai vi aquilo assim, fiquei um tempo achando aquilo lindo e emocionada. Depois do que aconteceu e eu voltei, ai eu voltei para a realidade e passou e... foi assim, pra mim, quando eu estava na experiência, passou muito tempo. Parece que eu vivi muita coisa assim, aconteceu muita coisa, era muita coisa se movimentando, mas quando eu me lembro que eu olhei, passou coisa de 30 segundos, 1 minuto, sei lá, então uma coisa assim muito diferente, difícil, estranha de se imaginar. Então essa foi a que mais me marcou e isso foi quando eu tinha uns 14 anos e foi a mais interessante pra mim. 02 – AA. “AA” tem 34 anos, sexo masculino, bebe ayahuasca aproximadamente há 2 anos. Depoimento gravado do dia 09 de outubro de 2008: MK: Pois é... eu me lembrava dessa que você tinha falado... AA: Eh, na verdade assim a... a burracheira sempre foi muito forte pra mim. A primeira vez que eu bebi demorou muito para vir. Umas duas horas e meia. Pra chegar o efeito, para começar sentir o efeito. Aí, a primeira coisa... eu pensei que não vinha mais, fiquei pensando o que eu iria dizer para as pessoas que não tinha acontecido nada. Daí, de repente eu comecei a ver uma tela pequenininha, como se fosse uma tela de umas dez polegadas e um monte de cavalos correndo dentro daquela telinha. Aí eu olhei, eu pensei, poxa, isso tudo é fruto da minha imaginação, né... eu com os olhos fechados... se é fruto de minha imaginação eu posso fazer a tela crescer um pouco mais. Ela virou um telão na minha frente. E eu fiquei ali encantado com aquilo e vendo, era como se fosse umas carruagens com milhares de cavalos em todas as direções. Eu pensei, puxa, é da minha imaginação, né? Que é que eu estou fazendo aqui fora? Daí aquela tela caiu sobre mim... e na queda eu entrei e comecei a voar, sobrevoar aquela área, daí eu via rosas assim, jardins de rosas e achei muito interessante. É, porque eu via tudo aquilo, mas eu não tinha assim, não estava me sentindo mal nem nada. E eu olhava muito de cima as rosas. E daí eu pensei “eu quero ver mais de perto” e eu desci voando assim e olhei as rosas bem de pertinho e as rosas eram ... eram focinhos de porcos! As pétalas das rosas eram focinhos de porcos e ficavam... e eu escutava um barulho constante, eu acredito que fosse a chuva que caia no momento, mas para mim era o porco fazendo o barulho dele, oinc, oinc, oinc, oinc, oinc, sem parar. Aí fiquei olhando bem de perto, meu deus o que seria isso? Daí eu identifiquei que era o porco. Daí eu ... eu lembrei que o porco era uma situação que eu havia vivido na minha infância, por ter visto uma foto de uma cena sexual de um porco com uma mulher e eu tinha uma trava psicológica com aquilo, até na maneira como eu via sexo, como eu via as mulheres, e eu consegui identificar que..., aquilo estava me 269 puxando para aquela situação. Aí eu revi aquele contexto, consegui tirar aquela trava psicológica que eu tinha em função daquilo. E dali eu passei a percorrer outros lugares e eu via várias situações assim de problemas meus de infância, traumas, algumas coisas que eu tinha passado de mal assim, mas que eu nem lembrava. E que talvez eu, me leva a crer que me travava psicologicamente e que me dava algum tipo de recalque. Consegui identificar e eu pegava como se fossem animais, monstros, bichos, é ... ninava eles nos meus braços assim, e daí tirava como se tirasse uma pedra no meio do caminho. Achei isso bem interessante. E daí, a partir desse momento, depois que eu vivi tudo isso, eu comecei a ordenar toda a história da minha infância, e eu conseguia ver os fatos que aconteciam e parecia que eu estava colocando num arquivo mesmo. Estava arquivando tudo em ordem de uma maneira que eu pudesse rever, verificar. E eu sentia muito assim a falta de presença masculina na minha vida e eu via, depois dessa fase da burracheira assim, eu comecei a ver um homem que a imagem me lembrava muito Santos Dumond, muito bem trajado, de chapéu e bigode, uma posição assim, uma presença de um homem mesmo. Daí eu comecei a olhar, não, mas esse homem ai deve ser deve ser um ... presidente, né, um... ou dono de uma grande empresa e comecei a associar a figuras que eu achei que fosse um homem daquela posição, né? Com aquela vestimenta ali daquela forma. Aí eu fiquei analisando, eu pensei, puxa esse homem deve ser um rei, né? E daí veio vindo essas imagens pela falta de uma presença masculina buscava naquela imagem quem poderia ser. E fiquei naquela. De repente veio uma voz assim: esse homem é você. É você que está no comando, né? É você que coordena, é você que faz as coisas acontecerem e eu senti uma coisa interessante, me senti bem. E a minha vida depois do uso da ayahuasca nunca mais foi a mesma. Tive várias vezes... várias vezes eu bebi o chá, várias vezes eu tive burracheira e sempre tenho coisas boas assim, coisas interessantes. Já tive várias mirações assim que eu não consigo às vezes definir bem o que que significaria, como, por exemplo, uma situação em que eu via claramente tubarões no mar e esse mar dava acesso, chegava a uma praia num fechado de montanhas. Então eram só rochas em volta e tinha um túnel naquelas rochas, e naquelas rochas surgiam onças. E as onças não tinham nada pra comer. No mundo só existiam os tubarões e as onças. E as onças só se alimentavam se elas pegassem os tubarões e os tubarões só se alimentavam se eles pegassem as onças. Então era uma disputa que a onça tinha que ir lá, pegar o tubarão e o tubarão esperava que a onça viesse para ele poder se alimentar também. Quem puxasse o outro primeiro para seu território vencia a luta. E achei isso fantástico e a maneira como a gente vê as coisas, a maneira como a gente tem uma resolução diferente assim do que a gente vê aqui fora. Essas cenas, por exemplo, essa não, mas normalmente quando eu estou envolvido, que essas cenas de infância, essas coisas, eu vejo tudo como se fosse massinha de modelar. É interessante que parecem animações em massinha de modelar. As outras situações não, mas essas, principalmente de infância, eu vejo dessa forma. Não sei se é a maneira como eu prefiro enxergar... talvez ... MK: Talvez a associação com a infância ... AA: Talvez a associação com a infância... e teve uma cena interessante também que, sempre na União do Vegetal eles dizem que se você sente que não está numa boa situação que você chame o Caiano, né? E eu chamei. Chamei o Caiano. Eu estava assim numa situação que eu estava ruim, não estava me sentindo bem, e eu falei assim, poxa, se é pra chamar, vou chamar, né? Vou ser induzido e falei, pensei... E nisso eu senti uma força me fazendo voar e eu voei muito alto assim, fui pra muito alto e parei numa cúpula de cristal pela cintura. Parei na cintura 270 assim, como se estivesse uma rolha numa garrafa, como se eu estivesse ali travado. Daí eu olhei para o céu era um azul assim, azul que eu não consigo descrever. Todo o teto de cristal com aquele azul, claro assim, calmo, né? Aí a voz, que eu julguei ser do Caiano me disse: “Esse aqui é o ponto máximo, esse aqui é o paraíso”. Uma coisa assim, né? “E aqui é o teu lugar, o teu refúgio, então calma, está tudo bem”. Daí, nisso, eu me desprendi daquilo e cai, cai daquela altura que eu estava até voltar a mim, ao momento que eu estava ali, a consciência. Interessante que, quando eu bebi o chá, eu sabia que ia ter um efeito, sabia tudo ... primeira vez. Mas eu não tinha idéia da força, do quanto era real aquilo. E quando começou o efeito, depois de um tempo que eu tava lá, no jardins das rosas lá, (risos). eu pensei “nossa, eu devo estar caído”, “devo estar passando mal”. Meu corpo não deve estar comigo. Aí eu tomei a consciência e falei assim, “não, eu vou verificar”: aí mexi uma perna, mexi a outra, mexi as mãos, aí abri os olhos, olhei assim, “não, eu estou bem, estou no controle de mim mesmo”. Aí fechei os olhos e continuei a jornada, isso automaticamente, sentia que estava bem e já continuava... depois disso já peguei confiança, né? Consegui dar mais liberdade para os pensamentos... MK: O interessante é que as descrições que você deu agora batem com muita coisa que estou vendo, cristal, cúpula, a passagem de um mundo ao outro. É o estar até entre esses dois planos... o túnel que você falou... o túnel tinha a ver com as onças? AA: Com as onças e os tubarões... MK: E os tubarões. Mas onde, onde é que se encaixava o túnel? AA: Era a única passagem que chegava à praia. Era um túnel que devia dar para uma floresta... MK: Onde estavam... AA: ...as onças, e as onças chegavam só naquela situação ali. Era a passagem para que elas tivessem encontro com os tubarões. MK: Tá... bem interessante... no momento dessas experiências é muito comum isso. AA: Eu tive, eu tive visões assim, eu já conhecia Ganeesha e eu vi Ganeesha também durante uma miração... é... ele estava na minha frente assim, foi interessante... e... mas isso talvez por um pouco de já ter trabalhado, pensado, imaginado, meditado assim, ouvindo mantras com Gannesha e essas coisas assim. E uma figura interessante também, foi essa referência da gente acabar encontrando a nós mesmos. Eu... essa imagem desse homem que eu falei, no fim eu senti que era eu mesmo, né... teve também uma situação em que eu via uma letra, uma letra assim, e eu tentava definir quem era, aquela letra, né, o que que era aquela letra. E eu tentava ver um A, por, pelo meu nome ser “AA”, e não via, eu via o E, né. E eu pensava, mas, é... Emerson, né... e ficava puxando e era uma letra estilizada assim, gótica e eu pensava... daí no fim que foi apareceu EU! Depois de uma luta tremenda assim de pensamento e ficar naquela situação, era o EU. E... interessante que eu olhava essas letras e eu via elas em várias situações diferentes, eu via elas no alto, eu via elas totalmente... é... estragadas assim, como se estivessem é... podres. Ai depois eu vi uma situação que tinha um rio de pedras e elas estavam embaixo do rio... é... no rio assim e dava pra vê-las com um trilho de trem passando por cima delas. E eu via a água assim, cristalina do rio. Uma situação interessante... e até vi elas numa posição grande assim e dai defini como sendo o Eu, né, esse, essa palavra EU que representaria minha pessoa, assim. Foi uma das situações que também me remetia a isso. E teve uma outra que eu nunca consegui explicar direito, mas era uma imagem que eu conhecia, eu ficava lutando e ela ficava fazendo 271 junção com esse Eu estilizado. Que era como se fosse um rei de uma carta de baralho, assim. Era perfeito assim aquela imagem e eu pensava que aquilo tinha um significado especial, tanto que eu cheguei a cogitar a conversar com o pessoal da União do Vegetal pra ver se aquilo tinha um simbolismo dentro da União. Por uma situação assim de ser... de... de... na própria... burracheira assim, aquilo vinha na minha cabeça e pensar... “pô, fale com tal pessoa, fale com esse mestre, fale com essa pessoa sobre isso”, né. Como se fosse uma mensagem, uma, uma, talvez uma senha, uma coisa assim. Achei interessante isso. E isso bateu na minha cabeça várias vezes. E o interessante também que, eu já conversei com outras pessoas a respeito dessa, desse fato que eu vou citar agora, e as pessoas, algumas me disseram “não, eu reprimi isso”, sabe, mas eu não reprimi, o lado sexual. Quando eu tava na, na primeira burracheira, eu comecei a, a ver mulheres, ver homens e, e daí eu sentia em mim muito tesão assim. Fiquei excitado e eu deixei fluir aquilo e eu me vi fazendo, tendo relações sexuais com elas e foi interessante porque a sensação e como se eu tivesse realmente fazendo, sabe. De uma forma muito forte. E eu já comentei isso com outras pessoas e as pessoas “não... eu até quase senti, mas não deixei”. E eu sempre fui muito de me entregar na burracheira assim, eu deixo, deixo que vá, né, na, nos caminho que forem. Eu até já fiz isso de beber o Vegetal, fora da União do Vegetal, né, para não ter um sentido tão regrado, que às vezes me limita um pouco no pensamento. Por exemplo, às vezes você está numa situação lá desenvolvendo um pensamento ou uma situação e daí, às vezes uma chamada ou alguém que fala alguma coisa e... leva você por um outro caminho. Isso foi interessante, mas não teve uma variação muito grande do que eu vejo lá, sabe. Mesmo sozinho a, a burracheira leva para esse lado da, dessa situação de você ver coisas, mas eu entendo a, a maneira como eles falam de que o Vegetal é iluminógeno e não um alucinógeno, né. Por eu nunca ver nada fora da, da realidade, fora da, da situação das coisas normais assim que a gente vive. Coisas extraordinárias sim, mas não nada assim, que me, que talvez é... eu visse como uma loucura ou como coisa assim... é interessante... MK: Acho está ok... valeu mesmo... 03 – MM. “MM” tem 46 anos, sexo feminino, bebeu ayahuasca 4 vezes, sendo as duas iniciais na UDV. Depoimento cedido no dia 14 de outubro de 2008: MK: Então... me fale das tuas experiências. O que você achar mais marcante... MM: Eu acho que a coisa... algumas coisas são bem marcantes, mas a primeira experiência teve um peso muito legal porque eu tinha... eu tinha medo, claro que eu tinha medo... e o fato (risos) da experiência ter sido muito boa fez eu me sentir muito bem porque a sensação, as coisas que eu visualizei foram muito positivas. O fato de eu ter conseguido ver, ou sentir, ou perceber o que seria o nascimento dos meus filhos, com feixes de luz que saiam de mim, que eu entendia aquilo como a materialidade, do amor, é uma coisa muito marcante, não tem como não ser, aquilo foi muito emocionante. Eu lembro de sentir na burracheira as lágrimas de emoção escorrendo pelo meu rosto, a capacidade de você sentir uma lágrima... realmente sentir... você estar totalmente disponível para sentir uma gota d’água que rola no seu rosto. Aquilo foi marcante mesmo... o sentimento do nascimento dos filhos... E é assim, é quase como se eles saíssem... ELES... esses 272 que são agora, nascessem direto assim, a relação direta do nascimento com o estado que eles são hoje adultos... ou eram naquela época, mas quase, também adultos já. Então isso é bem bacana. E as visões, aquelas outras visões abstratas... que eu chamo de abstratas, não são abstratas, são, na verdade padrões repetitivos que eu tive bastante, são muito bonitos, que se repetem em cores e movimentos, uma coisa significativa que eu acho que aconteceu nas experiências, nas diversas, em todas as experiências que eu tive. Foi um sentimento de se deixar levar pela experiência do Vegetal. E a forma que eu vi isso foi como você entrar em um ralo mesmo, mas não uma coisa negativa, parece que entrar no ralo é ruim, não, é se deixar levar, e isso pra mim tinha um movimento circular para baixo, assim, que poderia ser de aprofundamento, bem um ralo vem – vumm – daí você entra num estágio diferente da sua vida ordinária, você sai daquilo. A a experiência começa dessa maneira mesmo, pra mim, em todas as vezes que ela aconteceu, vem assim: quando eu sinto, a manifestação, sei lá, burracheira, a coisa chegar ela implica nesse aprofundamento, nesse movimento que em todas as vezes eu relacionei como entrar no ralo mesmo e que, por medo e por outras razões eu sempre tentei reagir e daí dizia “não, mas o que eu estou fazendo” e, no momento seguinte, era relaxar e deixar entrar no movimento, entrar nessa profundeza, digamos assim. Houve uma experiência, das que ficam, das imagens que tão presentes na minha cabeça, houve uma experiência em que eu... o que foi recorrente foram imagens como padrões chineses, tecidos chineses, com dragõezinhos em vermelho e preto, que... (risos) que eu me encantei pela beleza mesmo, pela coisa, pelo bonito, pareciam padrões, pareciam tecidos, todos com referências da... que se conhece das imagens que vem da China... Daí... tem a experiência que foi minha segunda ida na União do Vegetal, que me deixou assim, meio traumatizada dentro das minhas neuroses, sei lá, mas que pode ter sido extremamente influenciada por ter acreditado, a um nível mais profundo do que eu consigo imaginar aqui racionalmente, naquilo que o Mestre falou da necessidade de andar numa determinada direção dentro do templo que seria a circulação da energia mesmo dentro do templo e o que eu visualizei... eu visualizei dentro da burracheira foi assim, eu não conseguia me livrar dessa impressão, foi da energia entrando limpinha pelo lado direito do templo e circulando e sendo gradativamente suja (risos) e saia muito suja. E eu estava numa posição dentro do templo em que eu estava mais próximo do que seria a saída da energia suja. E eu fiquei muito impressionada negativamente com isso, me sentindo muito contaminada e naquele momento eu tive uma impressão meio desagradável do fato de estar compartilhando aquela experiência num ambiente com muita gente diferente. Não me foi agradável isso. Nas duas situações eu tive vômitos. Pra mim isso não chega a ser uma coisa perturbadora porque eu tenho facilidade em vomitar, não relaciono isso necessariamente: estar com enjôo não é passar bem. Mas vomitou resolveu, pelo menos no meu caso isso acontece assim. Sempre a presença dos padrões... ah, teve aquela vez que eu vi, por muito tempo, eu vi diversos padrões que seriam de artesanato indígena, que seriam formas meio geométricas e repetitivas... Lembrei! Eu caminhava no meio da floresta e dentro da floresta esse contato, esse contraste de folhas com céu e olhando pra cima e olhando para as árvores, aquilo foi se transformando gradativamente num artesanato tipicamente indígena. É como um trançado... E na minha imaginação eu fui fazendo aquele trabalho assim com uma habilidade muito grande das mãos e fazendo aquele trabalho como um índio mesmo. Realizando aquilo, repetindo aqueles padrões geométricos e sempre iguais e muito bem feitos, muito perfeitinhos e que me pareceu como uma certeza de que 273 alguma habilidade manual que eu tenho, vem dessa experiência de eu ter feito este artesanato, de ter feito... de ter vivido isso efetivamente, como se eu tivesse trazido para essa experiência de vidas anteriores e ter sido um índio, ou uma índia, que fazia esse artesanato... acho que uma índia (risos). É... voltando (risos)... falando tudo assim... mas voltando pra essa sensação de se deixar entrar no ralo, uma das experiências que marca também, é o fato de que na primeira, meu adventício, a primeira vez que eu experimentei o vegetal, que eu bebi o vegetal, minha filha estava presente, estava junto, e houve um momento em que ela se levantou para ir ao banheiro. Nesse momento eu praticamente saí da minha burracheira e fiquei num estado comum prestando atenção nela, até que ela voltou. Daí no momento que ela voltou e que eu me certifiquei que ela tava bem, como estava vivendo até aquele momento uma experiência bem agradável, daí, de novo, foi bem isso, volta a entrar no ralo, volta a passar, volta ir para as profundezas e continuou, na verdade a experiência continuou praticamente dali... a experiência positiva manteve a mesma seqüência (risos), não mudou o canal assim. Acho que é principalmente isso. Experiência pequena assim, não tem muitas... MK: Não, está bom, valeu, obrigado! 04 – NN. “NN” tem 43 anos, sexo masculino, bebe ayahuasca há quatro anos. NN: [...] eu lembro assim, de uma assim, foi naquele preparo lá do “Mestre 1”, não sei você... você estava lá... MK: huhum... NN: então, eu já tinha trabalhado um tanto, né? Daí na hora da sessão, bebendo o vegetal, ai eu lembro que no comecinho da sessão eu tinha comido uns doces antes ali (risos), então já deu um enjôo. Bom... daí... está cheio, né? Eu vou aproveitar, eu vou sair lá fora. Daí eu sai ali no cantinho, falei eu vou aqui, tranqüilo eu vou, vou embora, vou fazer o que tenho que fazer aqui e já volto lá pra dentro. Mas daí entrei numa situação que eu não conseguia ver mais onde eu estava. Eu fui pro lado escuro ali pra trás da casa do preparo, no meio do escuro e daí eu não conseguia mais achar o caminho pra voltar. E a hora que eu dava três, quatro passos, de novo, eu parava e vomitava mais um pouco (risos) e foi assim, até um tempo assim, até eu conseguir ver aonde eu estava. Ai, eu senti a subidinha, eu fui subindo a subidinha... falei “não, agora vou voltar pra lá”, eu não conseguia parar, daí começou a dar dor de barriga, né? Tinha que ir no banheiro. Daí cheguei no banheiro (risos) bateu o desespero, né? Porque eu não conseguia mais sair do banheiro. Eu só escutava as pessoas passando mal e eu, parecia que aquele banheiro tinha fechado em volta de mim. Eu tava assim, com os cotovelos em cima dos joelhos, cabeça abaixada e só escutava neguinho entrando e vomitando e não sei o que, e aquilo começou a crescer em mim assim e eu fazendo por baixo e vomitando por cima... e fazendo por baixo e vomitando por cima... a situação foi crescendo, foi crescendo, começou uma voz dentro de minha cabeça: “Viu trouxa! Você pensa que você güenta?” (risos) “O que você está fazendo aqui? Veio só pra apanhar?” (risos) E daí eu fiquei desesperado, queria sair correndo de lá! Falei “ah, óóó, pelo amor de Deus deixa eu sair daqui que eu... ahhhhh, meu, eu vou embora (risos), e a voz ficou falando (risos) e eu fiquei ali um... sem brincadeira, uma hora e meia. Não conseguia sair dali, não conseguia levantar, não conseguia tirar o cotovelo do joelho e... 274 MK: Puuuxaaa! NN: ...eu nunca tinha passado por aquilo, já fazia três anos e pouquinho que eu estava bebendo o vegetal e a primeira vez que me meteu numa situação dessa. O que me fez sair dessa situação foi que chegou lá um irmão e os banheiros já estavam todos ocupados, aí o cara começou: “Pelo amor de Deus... alguém aí... que esteja podendo sair... porque que estou precisando... e eu tenho que voltar pra trabalhar lá nas panelas...” (risos) Aí eu criei uma força e falei, “não...”, olhei no relógio, mais de uma hora e meia que eu estou sentado aqui (risos) está na hora de sair, né? E sai meio que me escorando ali (risos), pra me limpar, daí me limpei, mas sem força, sem força, sem força... daí sai lá pra fora, procurar... falei “vou procurar o Mestre Assistente e vou pedir pra mim ir dormir... porque eu não estou agüentando...” Aí, a hora que fui andando assim, fui dando uma melhorada, né, mas ainda... (risos) aquele negócio, falava assim “pô, não estou agüentando com minhas pernas, não estou agüentando com meus braços, num estou... (risos)”. E foi assim eu... sentei na escada em frente da casa do preparo. Sentei na escada e fiquei ali acho que mais uma meia hora sentado. Daí o mestre assistente veio e falou pra mim voltar lá pra dentro. Eu falei pra ele: “não, não consigo...” Então ele falou: “Não, então pega uma cadeira e senta aqui na beira, sai do sereno...” Mas eu vi algumas coisas ali, sabe, que, meio, sabe [...] espero definir, eram mais vozes assim, parecia que eu estava... o cara... entrou na peia mesmo, estava apanhando (risos) é... falando tudo que é coisa vacilada que você possa imaginar, tava falando na cabeça do peão, né. Chamando de idiota pra cima, o cara está lá sofrendo (risos) e toma o chá e... é pra sofrer... e toma o chá e... Eu sei que eu falei: “Olhe... se eu sair dessa eu não volto mais pra cá!” (risos) Claro que no outro dia esse cara tava lá de volta, né? (risos) Acabou a situação, acabou a questão ali... No mais, deu uma dormida, espera o preparo, continua preparo, bebeu mais vegetal e continuou. Foi uma situação assim que, eu mesmo, estou para compreender até hoje... (risos) Porque... não é o normal, né? Não é o normal do que vinha... vem acontecer... Quando eu bebi o vegetal foi a única assim que eu, quando eu vi assim o cara ficou de quatro mesmo (risos) assim, de lembrança eu lembro das vozes falando algumas coisas que o cara estava lá e, se eu estava daquele jeito, eu estava fazendo com os outros, né? “Como é que você está fazendo isso daí pros outros, os outros vão beber isso ai” (risos) né? Era preparo, né? Então estava levando uma peia mesmo, né? Daí comecei a pensar nos meus filhos... aquele negócio, né? Se eu estou assim, cadê meus filhos aí? Eles bebem esse vegetal também (risos) foi uma situação. Mas depois a gente vai calmando e percebe que dor de cabeça está ai dentro mesmo, né? Beber primeiro o vegetal e depois vai passar para o outro e, aquele negócio viu, o cansaço, já estava meio extenuado, dois dias já sem dormir, cansado, esse tipo de coisa (risos) imagino que seja, né!? 05 e 06 – PP e GG Entrevista realizada em conjunto com dois artistas no dia 17 de novembro de 2008. “PP”, 52 anos, bebe ayahuasca há cinco anos e “GG”, 38 anos, bebe ayahuasca há cinco anos: MK: ... no seu caso assim, o que você lembra que tenha marcado (se dirigindo ao PP), com tua experiência com o Vegetal... 275 PP: (pensando...) a primeira vez que eu bebi o Vegetal... essa é boa cara... essa é boa... eu olhava as pessoas assim cara... olhava para todo mundo, lá com o mestre “1” lá no [...] olhava para as pessoas, a burracheira alta, alta assim, né? Já conhecia os efeitos de outras drogas. As pessoas tinham uma máscara, só apareciam os dois olhos.144 Faz assim com as mãos... é assim, eu só via lá dentro dos olhos da pessoa, sabe? Uma cor esverdeada, uma máscara, e só via os dois olhos da pessoa, não via a feição de pele, eram todos iguais, só via os olhos a vista. E vi isso na sessão direto. Aí teve um momento que eu sai para fora... a hora que eu sai assim, me puxava pelo lado direito145, eu ia de pé assim, rodando ... de lado assim (risos). Daí sai lá fora e o mestre “2” já saiu comigo. Caminhava assim cara, eu estava bem em cima, sabe? Minhas pernas, tipo perna de pau “toc, toc, puim”, caminhava com uma energia ... [ruídos] ... aaai, eu nunca tinha usado uma droga tão boa como essa... (risos) é... “Isso não é droga, Vegetal não é droga”. Ele falou pra mim. Cara, mas uma energia, sabe? Aí passou um tempo, entrei no salão, aí entrar pra dentro. Aí tinha uma situação de uma pessoa se incomodando do meu lado, você sabe como é essa história, não é? O cara pulava assim no meu banco, literalmente, tava assim o cara e assim. E eu queria que o cara sentasse, queria ficar em paz ali, né? O cara entrou numa peia e eu também entrei numa de passar mal, né? Daí eu sai fora e vomitei, lá. Vomitei, voltei para o salão. Daí lá, mais na frente, fiz uma pergunta, “licença para fazer uma pergunta”, primeira vez uma pergunta... daí perguntei [...] relacionado [...] por que da União? O que que era a União? Crescimento da União, como era a formação da Instituição [...]. Ai o cara... e depois, com isso me acalmou assim. Aí, no outro dia... aqueles problemas sérios de álcool essas coisas, mas eu não tive uma coisa assim, boa assim, que deu de eu retornar para beber de novo. Eu me senti feliz... senti felicidade no outro dia assim, sabe? Senti uma sensação gostosa, consegui assim, esboçar um sorriso, sabe? [...] me senti bem, consegui ver bem... assim o por do sol, era um por do sol. Lá em casa tinha um moço que era do Corpo Instrutivo [...] que estava um pouco ali, que estava lá em casa. Eu olhei o por do sol e, nossa, que luz cara! Era aquela outra visualização de contemplar, era assim mais nítidas as coisas. A sensação gostosa, o bem estar isso que deixou em mim, daí eu retornei cara [...] Essa foi a primeira vez que eu bebi, né? Ai foi dessa vez que, pra mim, tive bons momentos, ai, acho, se me lembro bem, uns dez quinze dias, aí começou umas peias, sabe? Aí começou! Ai o bicho “ruô” mesmo, sabe? “Nunca mais eu venho nesse lugar!” Aquela coisa sabe? “Mas nunca mais quero [...]!” Pensava comigo: “O que eu estou fazendo aqui?” Cara, peia dai, eu não conseguia entender, agora as pessoas me olhavam, eu olhava as pessoas, eu não conseguia entender as pessoas... assim... sabe? Eu não estava gostando, mas passava a me sentir bem depois no dia-a-dia (risos). E me fazia eu voltar de novo (risos). E estou até hoje ai, né? E ai tem outros momentos de miração... dá pra conversar mais... MK: Em relação... você tem algumas imagens, alguma coisa assim... PP: Hoje? MK: É... PP: [...] a miração ela ocorreu pra mim mais no início, né cara? No primeiro ano, no segundo ano, tinha muita miração mesmo, né? Depois... assim... GG: Teve uma especial que marcou? 144 145 PP simula com as mãos em forma de binóculos a máscara visualizada. Se levanta e simula ser puxado pelo braço direito andando em forma circular. 276 PP: Teve uma bacana “GG”, quer ver? Eu achei bonitinho, sabe? No preparo, estava lá. Vi uns encantos bonitos... de observar a natureza também, né? Só que com o olho mais afiado para ver as coisas, né? Mas na burracheira eu vi assim, estava lá cara, eu me encontrei dentro de uma cúpula de uma torre. A cúpula de uma torre assim, ela era pintada de azul, três pilastras, certo? E tinha para fora da cúpula umas manchas de azul cobalto, azul... azul ma... azul marinho não, azul escuro ao redor e com algumas coisas esbranquiçadas. Claras assim, coisas claras. E tinha assim é... e eu estava sozinho naquele lugar lá... e por dentro nós estamos aqui né? Esse lugar aqui... tranqüilo, um lugar calmo, parado e eu gostei de ficar lá [...] Aí, uma outra miração interessante que eu tive que me marcou muito ela até hoje, eu estava sentado lá no salão no meio... de repente eu vi vindo uma estrela girando, girando, girando...veio assim, cor meio de prata, a estrela veio assim cara, assim, sabe? Veio, “veioveioveio” e “pááá!” Entrou dentro da testa! Entrou e virou para baixo assim [...] bem no meio assim, girando, sabe? E “chuummm”, veio lá da frente assim e entrou assim, veio girando, de uma cor... é... não é prateada, é uma cor... inox, semelhante, sabe? Uma cor assim. Esse negócio entrou pra dentro, entrou e me causou um bem estar... Outra miração que eu tive, bonita, boas assim, dessas boas, né? Eu não estava na União, estava dentro de uma casa e o cara estava, de repente assim, como se de uma sensação de fortalecimento... fortalecimento. Esse meu lado direito todo começou a se contorcer, a ranger [ele simula um movimento de giro no corpo “serpentinato”], a ranger assim, eu estava me transformando numa árvore, rangendo assim, girando em mim e fica “rrróóóó”, assim aquela sensação de fortaleza, ficar forte... caaara, que gostosura... MK: Interessante [...] a cúpula azul... [...] o cosmo em camada... [...] PP: Você viu também? MK: Não, dessa forma não, mas... PP: Eu sei até desenhar ela... eu sei até desenhar ela. Eu não via a parte de baixo aqui assim, sabe? Eu sentia que estava lá em cima, sentia que a Terra era lá embaixo. Sabe? Eu tinha essa percepção que estava num lugar alto. E aquela cúpula lá, e aquela parte... o azul lá fora, tinha mais embaixo perto da cúpula aquelas manchas brancas, né? E lá embaixo era assim, não era escuro, breu assim, mas tinha... não tinha intensidade de luz, sabe? Não tinha luz. Você sabia que aquilo estava lá... interessante... (risos) foi bacana. MK: Você falou que o teu trabalho mudou também... é... PP: É, assim... clareza né? Meu deu clareza. Por exemplo, é... perceber... é... direcionamento melhor do trabalho. É, por exemplo, talvez certas coisas no sentido assim... espera ai... deixa eu achar um mecanismo de falar. É, você fazer determinada coisa, você fazia para uma viagem, né? E você fazia aquilo para uma viagem assim porque era um gostar talvez, né? E você fazia aquilo um gostar do outro e uma recompensa pra você de uma maneira não... não assim é... a palavra assim é... você fazia aquilo mas, sem saber que poderia fazer muito mais que aquilo, melhor do que aquilo, mais fácil do que aquilo e mais, mais diretamente melhor assim, mais é... simples... sabe? E de um contexto agradável, né? Então ela avivou, esclareceu, não é? Isso foi uma coisa interessante que ela me trouxe. E hoje é assim mesmo, claramente consciente, só clareza de consciência. [...] Se lembrar da pra por mais coisas ai (risos) [...] MK: E você? (risos) [se dirigindo ao “GG”] 277 GG: (risos) Escutando e me lembrando. Olha, eu bebo o Vegetal há cinco anos, né? Bebia, agora estou um pouco parado, mas, assim, vou falar da primeira experiência que eu tive, a primeira. Que teve muitas, né? Mas a primeira assim, ela foi muito interessante. Eu bebi o Vegetal e não senti nada. Ai, lá pelas 10 horas que ofereceram o segundo copo eu vi todo mundo virando os “zoinho” e eu nada, ai, teve até a filha do “PP”, meu irmão, todo mundo foi lá repetir. Repeti o Vegetal [...] PP: Precisava ver aquilo! (risos) GG: O mestre “3” deu um copo grande. Não sei por que, naquele dia talvez, fui no Pesque e Pague, bebi cerveja e o “PP” falou: “Forre o bucho que o chá é forte!” E eu bebi um monte na churrascaria (risos), fui preparado, mas é que meus amigos também precisavam absorver mais, né? Então bebi um segundo copo grandão e tranqüilo, sentei lá, mas eu acho que, eu não tinha a percepção do tempo, mas acho que deu dois minutos e eu senti como se tivessem dado um murro na boca do estômago. E quando eu senti aquele murro na boca do estômago eu fiz um esforço para levantar da cadeira para sair correndo para fora, eu ia vomitar ali mesmo, né? Mas quando eu fiz isso assim, como se tivesse vindo uma força, uma coisa contrária a mim, me pegou nos meus ombros, me pôs de volta na cadeira, gritou no meu ouvido: “Calma!”. Quando eu escutei aquele “calma” no meu ouvido, eu virei o olho, sumi dali. Eu entrei numa outra dimensão, eu entrei num salão completamente branco, era tão branco que eu até abri o olho pra ver se ligaram uma outra luz ali porque, uma outra lâmpada, porque eu fechei meu olho e não escurecia, eu estava com a lâmpada dentro de mim. Era dentro da minha memória. Eu achei aquilo lá muito estranho, né, porque eu, né? Ai eu fechei o olho e, aquela sensação do vômito era, aliás, eu nem estava mais sentindo o corpo, já não estava... daí era aquele salão, eu entrei naquele salão branco, branco. E, de repente, começou a aparecer fadas... nunca vi coisa mais linda no... as fadas assim com desenhos nos olhos, aqueles desenhos orientais, né? Assim que tem umas gueixas que fazem uns desenhos assim, muito lindo, aquela boquinha com aquele, coraçãozinho, aquele... né? E... mini, né? Aí foram aumentando o tamanho das fadas, até que chegou uma fada, não era enorme, mas linda, linda, linda assim e eu olhei o olho da fada e, quando eu olhei o olho da fada, ela também estava olhando meu olho, parecia que tinha uma ligação entre... de olhar, né? Daí eu tive um pensamento: “Será que ela me conhece?”, porque o olhar dela mostrava que ela me reconheceu ali, né? E eu pensei “Será que ela me conhece?”. Quando eu tive este pensamento, sumiu tudo. Apagou aquela lâmpada e sumiu tudo! E o vômito veio, aqui, né? [apontando a garganta] Ai, não tinha pra onde cair e sai correndo, sai correndo pra abrir a porta – bom, vou falando vômito, depois você tira (risos) – cara, não era um vômito, era uma limpeza, parecia uma Vap, eu nunca vomitei daquele jeito, eu não achei... impressionante porque, ao mesmo tempo que, quando eu vomitava com bebedeira, era, dava náusea, era uma coisa ruim, era um vômito ruim, aquele era um vômito assim até certo ponto, prazeroso porque eu senti que estava limpando, era uma limpeza assim, mas era uma coisa tão forte, era [...] impressionante! Mas a sensação que eu ia morrer naquele momento também era muito forte. Eu não estava identificando que sensação que era aquela, eu achei que ia morrer! Aí eu olhei, eu estava sentado no chão olhando aquela massa ali. Ali eu vi caveira, vi fantasma, vi umas coisas horríveis ali... no meu vômito (risos) ... depois (risos). Ai, eu comecei a achar que ia morrer. Aí eu vi meu irmão no chão também, caído no chão e umas pessoas ali do lado, do Corpo Instrutivo da época, nem estão mais lá, rindo... Aí aquele riso lá me incomodou porque, como é que as pessoas vêm aqui me dar um chá e eu estou morrendo aqui e eles não estão nem ai? Então comecei entrar 278 numas peias, achar que ia morrer mesmo, ai comecei a pensar na minha mãe, o quê que minha mãe, como é que... né? Minha mãe, os dois filhos vão morrer aqui num lugar [...] cai numa armadilha, isso aqui é uma armadilha. A sensação assim, entrei num desespero até que o mestre “4” é... tava entrando naquele parafuso ali, estava numa roubada, né? O mestre “4” pôs a mão no meu ombro: “Meu irmão, vamos lá pra dentro que melhora, por causa da energia”, não sei o quê... tá bom. Eu fui no banheiro me lavar. Quando eu cheguei, me olhei no espelho, impressionante a visão que tive de mim no espelho, eu não me enxerguei ali, eu enxerguei um “GG” diferente, era outro, hã... e ao mesmo tempo que eu me enxerguei, eu estava com três olhos, mas não era uma ilusão de ótica, porque quando é imagem dupla, ia duplicar o nariz, ia duplicar a boca, o queixo, né? Mas não, o nariz estava um, a boca era um, o queixo era um, mas três olhos. E esse aqui [testa] piscando, “ta, ta, ta”, como aquele olho que a gente vê, o olho da consciência, né, piscando, aquilo lá me assustou e o “M4” pôs a mão no ombro e “Vamos lá pra dentro”. Ai voltei lá pro salão e, tentando me acalmar, tentei de novo fechar o olho para ver se chegava naquele salão branco, eu queria ver de novo, que era tão lindo. Daí fechei o olho então, mas eu não conseguia ver mais o salão, só via um ponto branco, estava tudo escuro e um ponto branco. Ai eu comecei a fazer um esforço para me projetar naquele ponto branco para... aquele ponto branco era o salão, mas não conseguia, não conseguia, quanto mais... eu estava ficando cansado até na burracheira, que eu queria chegar naquele ponto e não conseguia. Daí eu parei um pouco e comecei a observar onde é que eu estava. Daí percebi que eu estava dentro de um poço, era um poço onde eu estava. E aquele buraco branco era a saída do poço. Aí aquele buraco branco lá, aumentou um pouco e eu consegui ver uns rostos olhando pra mim lá. E eram aqueles que estavam rindo de mim lá fora (risos) e o mestre “4”. E o mestre rindo pra mim e me chamando: “Venha rapaz, sai daí, sai daí, você está aí porque quer!” (risos) Dentro do poço. Aí comecei a perceber dentro do poço, vi que não consegui sair porque eu estava acorrentado, tinha uma corrente no meu pé. Aí eu fui seguindo a corrente, na outra ponta da corrente estava acorrentada no pé do Minotauro. E o Minotauro estava com um chicote na mão, “plaft”, me chicoteando. E o Minotauro tinha três olhos iguais aos que eu vi no espelho e ele estava me chicoteando. E eu estava num sofrimento, num sofrimento que eu quase me levantei e perguntei: “Mestre me tire do poço que eu quero sair desse poço, não agüento mais!”. Eu estava aflito! Eu não sei que exemplo... o Vegetal, eles falam, que, que o pensamento, né? O pessoal de mais grau captam o pensamento lá, né? Nisso levantou a Conselheira “ZZ”, do nada assim. Daí levantou e eu, naquela hora, abri o olho como se eu tivesse que ouvir ela falar alguma coisa. E ela foi comentar de um livro que ela tinha lido aquela semana, um livro que tinha uma história, que tinha um fazendeiro que tinha um cavalo, aliás, ele tinha uma criação de cavalos e uns dos cavalos mais valorosos caiu num buraco. Aí foram chamar ele lá e o cavalo estava lá no buraco e a logística para tirar o cavalo de lá ia ser maior que o valor dele. Aí ele mandou todos os empregados: “Ó, peguem terra e enterra. Fechem esse buraco para que nenhum outro cavalo caia mais lá e enterrem ele lá dentro mesmo, naquele buraco”. Daí os peões começaram a pegar a pá e jogar... PP: Nas costas do cavalo... GG: ...a terra nas costas do cavalo. O cavalo foi chacoalhando a terra, a terra foi indo pro fundo, o cavalo saiu. E aquilo lá me acalmou, porque aquele cavalo era eu (risos). Aquele cavalo era eu e, por mais que a vida ou que eu mesmo tivesse me enterrado lá, eu teria condições de sair de lá. E me acalmou aquilo. Mas, quando acabou a sessão, eu jurei pra mim mesmo que não iria mais voltar, igual ao “PP” 279 estava falando ai: “eu não volto mais...”. E meu irmão também: “He, coisa de louco isso ai...”. Cara, o outro dia eu faria a feira, acordei cedo, 7h30, mas quando eu acordei... diferente. Acordei diferente assim, uma energia, estava com uma energia, até... quando fui pra levantar da cama, quase que eu pulei da cama (risos). E acordei com um sentimento de eu chegar lá nos meus filhos e, coisa que eu não fazia, fui no quarto deles ver se está tudo bem, cobrir, dar um beijo: “Ó, estou indo trabalhar, tal...”. Até na minha esposa cara... (risos). [...] Me deixou mais assim, mais mole. Aí, “mas que será que está acontecendo?”. Daí, por as coisas no... nem tomei café, nada, não me deu vontade de comer nada, fui pra feira. E, lá na feira, eu vi as pessoas completamente diferentes. As pessoas que paravam na minha mesa, que antes eu via como compradores em potencial e clientes, eu já não via mais, eu via como um espírito ali. Já, eu [...], de repente, eu conseguia perceber a intenção dela, o que ela estava sentindo ao ver uma peça, dentro da cabeça da pessoa. Foi assim uma sensação muito boa. E eu voltei pra beber o Vegetal por conta dessa sensação pós. É, depois, com o passar do tempo, eu voltei pra lá por causa do chá, da dependência. Esse depois se tornou mais presente, já não foi... tão... mas o que mais me marcou nessa primeira, está tão vivo, eu contei assim mesmo com detalhes porque ela marcou muito e está bem viva assim... PP: É, mas o que você falou uma coisa interessante, né, que por causa que a pessoa, o dia seguinte, no dia seguinte a pessoa tem uma percepção clara do que está acontecendo... no dia seguinte. MK: É, prá mim foi assim também... PP: Foi assim também... e isso, todas as pessoas que bebem o Vegetal tem isso ai. Acho que por isso que leva a pessoa beber de novo... MK: ...se não talvez as pessoas não voltassem [...] PP: Segundo assim, você observa que, então, a semelhança de sensações, semelhanças de sentimentos, né? Como o “GG” relatou assim, o coração mais mole, se aproximar do lado amoroso das coisas, eu também tive isso ai assim. Até a gente fumava na época. Eu e minha mulher fumava. E eu cheguei num dia, numa consciência, “‘CC’, temos que parar de fumar, imagine o mal que é fumar, vamos parar de fumar, vamos parar de fumar”. Então, ficou assim mais ciente do malefício, entende? Então, de poder levar esse cuidado... tirar a pessoa pra refletir assim... mais mole mesmo, né?... MK: Essa atenção pessoal, isso é claro... GG: Consciência do organismo. Consciência do que é certo, do que é errado, o Vegetal proporciona isso ai. MK: Proporciona esse tio de clareza, dá esse tempo, ele quebra um pouco a robotização [...]. E do trabalho? O que você sentiu em relação ao seu trabalho? GG: O que mudou, se mudou, foi assim, como o “PP” estava contando algumas coisas ai, eu senti assim, às vezes frustrado de não conseguir passar ou fazer o que a burracheira está me mostrando. Eu vi tanta escultura, tanta idéia, tanta coisa linda, linda assim, projetada. E ao mesmo tempo frustrado de não conseguir chegar naquela perfeição que eu estava vendo. Mas eu consegui assim, de repente, antes eu fazia assim muita peça, intuitiva no sentido de comercializar a peça, ver qual que é, o que as pessoas estavam comprando e trabalhar em cima disso. Mas eu até andei fazendo uma exposição depois aí, de colocar um sentido filosófico na história. Colocar é, é, o pensamento numa escultura. Colocar... PP: Você chegou a fazer isso, né? 280 GG: É, exatamente. Colocar questões que eu via, espirituais na burracheira, e representava na escultura. Que nem eu fazer um... colocar um corpo num martelo e esse martelo tentando arrancar um parafuso da parede, né? E no lado desse martelo está uma chave, a chave do parafuso. E ela do lado assim como, cruzados os braços “Ó, eu estou aqui, né?” Então assim, a intuição, às vezes a intuição está do lado e a gente não muda, né? Cabeça dura, né? Então usar esse tema de pensamento e representar na escultura. Antes eu trabalhava mais o cavalinho, a araucária, o Dom Quixote, a bruxinha, mas de trabalhar o pensamento em cima da obra, isso daí me proporcionou, porque ele me deu também uma atividade mental grande, o Vegetal. Me levou a pensar em questões que eu jamais parei para pensar dentro da própria existência minha: de onde vim, pra onde vou, né? Nessas coisas assim eu nunca tinha parado pra pensar. Até a Letícia, a Letícia fez, é...: “donde vim, ‘poncotô’, ‘poncovô’” (risos) “’dondeuvim’, ‘poncotô’, ‘poncovô’”. E essas questões eu comecei a pensar muito nisso daí. E assim, me sentia completo, me sinto completo quando eu começo a pensar nessas questões. Questões de existencialismo, de ter respostas para a própria existência. [...] DEPOIMENTOS POR E-MAIL 01 – A.J. “AJ” tem 32 anos, sexo masculino. Bebeu ayahuasca a primeira vez em 1989 com 13 anos de idade. Depoimento recebido 31 de outubro de 2008. Minha primira miração, até então foi a mais marcante. Ainda não conhecia a doutrina da UDV, apenas ia para o sitio brincar, pois ainda não tinha bebido vegetal em sessão. Nesse dia, 25 de Dezembro de 1989, assisti a minha primeira sessão da UDV, com 13 anos de idade. Bebi o vegetal e fechei os olhos. A empolgação era tanta, que nem me dei conta que era o dia de natal, pois na época, era um lugar bem simples e não havia nenhuma decoração natalina que lembrasse a época e eu estava mais ansioso pra participar de uma sessão do que qualquer outra coisa e não lebrava da data, mas enfim, ao fechar os olhos, me distanciei do lugar físico onde eu estava sentado e adentrei um campo de luzes coloridas e naquele instante comecei a já não mais escutar nada no campo material que me envolvia, só enxergava luz de toda cor e não mais escutava um ruído, o que me fez esquecer competamente que eu estara a instantes em algum ambiente material. As luzes se misturavam e formavam outras cores, aparentemente de maneira desordenada e na minha "tela" de visão, não havia um centro, e sim, apenas um grande espaço aberto, formado de todas as cores que se pode imaginar, sem formas conhecidas. De repente, todas as cores se unem em um alto, e todo o espaço se torna branco meio amarelado e as cores reunidas formaram no alto e no centro, uma estrela tão branca que me encadeava, uma luz branca muito forte, tal qual a luz do sol quando fixada, porém não era o sol, mas uma estrela, pois essa tinha a forma de uma estrela que cohecemos dos poligonos, com cinco pontas exatas. O cenário então tornou-se mais central e organizado, um grande espaço branco-amarelado e uma estrela central no alto que emitia uma luz branca muito intensa. Aquela bela 281 estrela, começou a se transformar em milhõs da fagulhar brancas, como areia prateada jogada para o alto e se separavam em dois grandes grupos de fagulhas e este tomaram formas de anjos. dois grande anjos nas laterais daquela estrela que brilhava e que desapareceu em fagulhas formando anjos. Eram lindo anjos de luz, que mais pareciam formas através de um prisma, com mudanças de cores diversas com o branco predominando. Eu ficava muito impressionado com tudo naquele instante. Os anjos então, tal qual a estrela, se desmanchavam em milhões de fagulhas e desciam, das laterais do alto onde estavam e se uniam numa parte mais baixa do cenário, formamndo um pequeno berço e uma linda criança toda ela feita de luz, alva como a neve, e tão forte como a luz da estrela vista em cima e que agora era uma criança de luz intensa, vista embaixo, que me encadeava da mesma forma que a estrela e rapidamente, minha mente se abriu e eu me lembrei que era um dia de natal e que aquela criança era a representação do menino Jesus e tudo aquilo me emocionou bastante, e daí então, todo o processo se repetia: A criança em fagulhas de luz, foromava anjos e os anjos formava a estrela e tudo em um grande círculo constante de mutações da luz que eu via. Foi até então a mais itnensa experiência com miração que tive. Esta outra experiência eu vou narrar, não considero uma miração, pois não teve uma conotação apenas visual, mas corpórea, ou podemos dizer, extracorpórea. Bebi o vegetal em um dia de preparo e o efeito da burracheira estava muito intenso e forte, pensei que não ia suportar tanta energia dentro de mim. O Mestre que dirigia a sessão colocou uma música instrumental e sem me perceber, literalmente, pois perdi, temporariamente o sentido de "Eu" me transformei na vibração musical da música que tocava e naquele instante, já não era mais um eu apenas, e sim, uma parte sem "personalidade" de um todo musical e cada mudança de tom ou de instrumento, era como uma viagem extra-corpo que eu realizava. A múscia se tornou como uma grande montanha russa, onde não haviam personagens, apenas a própria montanha russa percorrendo seus próprios espaços e tendo consciência daquilo. Eu digo que esse dia foi o dia em que me transformei na música! ENTREVISTAS COM ARTISTAS POR E-MAIL 01 – Alexandre Segrégio Artista plástico, 49 anos. Entrevista recebida em 24 de Julho de 2008. Em 1981 tive o merecimento de beber o Chá Hoasca pela União do Vegetal. Na UDV eu aprendo a arte do bem viver, onde recebo orientações de meu guia espiritual, Mestre Gabriel, e através de sua doutrina e pelo auto conhecimento aprendo a ser uma pessoa melhor. Anteriormente já pintava temas espirituais. Hoje continuo pintando estes temas e procuro desenvolve-los com mais responsabilidade, pois venho me colocando no lugar de ser um instrumento da manifestação da realidade espiritual. 282 Em relação aos efeitos que manifesto na pintura, aspirais e vórtices, são efeitos de energia e movimentos presentes em várias culturas e religiões. Exprimem a conexão com o universo espiritual. Não me sinto a vontade para descrever minha miração, pois ela é uma experiência única. O meu trabalho é o sincretismo da minha percepção do mundo físico mais mundo espiritual, a forma como eu decodifico. Comungo o vegetal somente no ritual religioso da UDV para efeito de concentração mental. O que procuro colocar nas telas são inspirações que recebo, nem sempre nos momentos em que bebo o vegetal, pois estes momentos são reservados pra meu desenvolvimento espiritual, mas nos dias seguintes ao ritual, o vegetal ainda trabalha em meu organismo me proporcionando mais clareza, sensibilidade, percepção e mais saúde pra por mãos à obra, tornar visível a essência. 02 – Laurence Caruana (e-mail de 25 de Setembro de 2008) 1. Complete Name – Laurence Caruana 2. Artist's Name – L. Caruana 3. Age - 46 4. Education – Bachelor of Arts Degree (specializing in Philosophy) from the University of Toronto, 1985 5. Religion – The One behind the all 6. Job (if more than artist/painter) - artist, writer 7. City of Born. - Toronto, Canada 8. City you are living now. - Paris, France 9. How is your process of painting? - The original image comes to me in a dream or entheogenic vision. At the drawing stage, this is then expanded through recognizable mythologies, both symbolically and stylistically. I’m interested in how different cultural symbols resonate with one another. As I paint, new elements may appear, but I’m mostly concerned with explanding the image’s colour harmonies, volume and overall compositional unity. 10. Tell about your experiences with psychoactives and how it helped you in your visionary work. - For the first fifteen years as an artist, dreams were my primary source of inspiration. Then, at the age of 33 (which is rather late...), I discovered sacred plants - and I am still very much in the process of learning and initiating myself into their mysteries. I consider Cannabis to be my primary plant ally, since it allows me to participate in two worlds simultaneously: the visionary world, and the world of our shared perceptions. Under its influence, I can move back and forth between altered perception and ‘normal’ perception, which is essential for an artist while painting or viewing a work. Otherwise, I have journeyed with other sacred plants such as mushrooms and peyote, but found the most intense experiences with ayahuasca. These were full-blown, eyes-open visionary journeys lasting 6 – 9 hours, voyaging through numerous dimensions and encountering mythic beings (which I am just beginning to document in my art). Ayahuasca expanded my perception in new ways, allowing me to experience the sacred through tribal patterns, fractal complexity and dimensions that remain beyond my powers to understand or represent. 11. Feel free to add whatever you think is important about you and your job, ok? As a painter, my role has expanded from visual artist (or ‘seer’) to speaker. I 283 spend less time in my studio and more time travelling to deliver lectures, participate in conferences or lead seminars. This seems to be a natural progression, as I enjoy sharing my insights with others in this fashion. 03 – Martin Oscity Depoimento através de e-mail de 11 de Outubro de 2008 1. Complete Name - Martin-Georg Oscity 2. Artist's Name - Martin-Georg Oscity 3. Age - (is not important) - 56 4. Education - Slovakia: Art scool / Brno 1967-68, Graphic Design: 19691974 Suisse, Akademie - Art scool in Münich, 1976-1982 5. Religion - RC (Roman-Catholik) 6. Job (if more than artist/painter) - Graphic designer, illustrator and singer 7. City of Born - Bratislava / Slovakia 8. City you are living now - Münich / Germany 9. How is your process of painting? - Visionary Art / Phantastic Realisme 10. Tell about your experiences with psychoactive (if is the case) and how it helped you in your visionary work - No experience 11. What it means to you the spirals, labyrinths and vortex in some paintings you do? - Live is mysticism! We are divine beings and have unfortunately forgotten it. The mazes are searching our soul after I own and God. The highest goal is to find oneself and the labyrinths to untangle. 12. Can you tell your more impressive vision experience? - Dreams, Meditations, Nature observation, Prayers, Transcendental experiance, Creativity... Contact with universe trough kristales ore "shuttle" (german: "Pendel”), through I GING, ore extremly sensitive persons... By accident (coma) ... good books... 13. Feel free to add whatever you think is important about you and your job, ok? For me, this is most important to make good art. The art should radiate positive energy and maturation of our society. I believe that life is pure mysticism. So you can understand it. That's why I founded in 2000, "visionart" because to me the divine in today's art has lost. So again approaching the art of religion. The art has in the history of mankind an important function and high priority. It makes our souls visible. It is an honor for me to be an artist. 04 – Mark Henson Depoimento através de e-mail de 15 de Dezembro de 2008 1. Complete Name - Mark Henson 2. Artist's Name - the same 3. Age - (is not important) 56 4. Education - University graduate,bachelor of arts, Art, University of California 5. Religion - I do not follow any religious philosophy other than my own. 6. Job (if more than artist/painter) - I work in my studio full time every day I can. 7. City of Born - San Francisco, California 284 8. City you are living now - In the country, Lake County, California; about 3 hours drive north of San Francisco 9. How is your process of painting? - I like to use traditional oil painting techniques and amterials, but I also use the computer for certain projects I usually make some preperatory sketches, then paint using complimentary color underpainting and a layering process, but I like to work "wet" as well. 10. Tell about your experiences with psycoactives (if is the case) and how it helped you in your visionary work. Here's an excerpt from a little talk I gave a few years back that says it nicely... The Influence of Entheogens as Inspiration in the Creative Process (from a talk at the Mindstates Conference, University of California, Berkeley, May, 2003) I’ve always liked making things. I started out with tinker toys and crayons and coloring books. It was Ok to be an artist in my family, ( my aunt and uncle were successful artists and I was encouraged) and by the time I got to Junior High I pretty much knew that I wanted to have a life of creativity. In High School I hung out in the art room all day, learning how to draw and paint from photographs and examples of art by contemporary artists. I was primarily working with pencil and paper at this time, just figuring out how to make things look “real”. I always been intrigued by weird and strange stuff. I was inspired by the amazing art in Mad magazine, Comic books and the great illustrations in Playboy magazine. Where did these guys get those crazy ideas? I lived in very fortunate times. It was the height of the ‘60’s. Freaky things were happening all over. I got lucky and saw the Haight Ashbury when it was in full flower, and I knew I had found my element. Simultaneously, I discovered Cannabis. A friend from L.A. showed up with a salad bowl full, and we found out what it was all about. Right after that I received permission from my parents to decorate my bedroom as I saw fit. So a friend of mine and I went to town. A little while later the famous “Life” Magazine article about LSD appeared and there was a room in the magazine that was just like my room only mine was weirder. So when a friend offered me LSD down at the local McDonalds, I jumped at the chance, knowing I was ready. At the same time I was doing a lot of pencil drawings, trying to render into focus all the new thoughts and experiences swirling around my head. I also was involved with a bunch of Rock and Roll dudes in the visual media category, creating the “Lightshow” effects at local dances. We usually would take LSD and go to concerts every weekend if possible. So you could say that my art and my person evolved simultaneously. It would be impossible to separate the experience from the art, as they grew up together. At first I didn’t know what to do as an artist. Does one choose a style, or does it just evolve with time and accident? I really liked the Rock and Roll art coming out of San Francisco, by artists like Mouse and Kelly, Lee Conklin and Rick Griffin, but I also liked the artists of the renaissance and all the “Old Masters”. One day while I was thumbing through a pile of magazines looking for inspiration I got the notion that all the artists of old didn’t worry about what to paint. They just did it. It was like a little voice came whispering in my ear to just draw out my most perverted, sick, and twisted fantasies so this is just what I did, and sure enough- everyone got a good laugh. The girls in my high school class were horrified, The guys cracked up, my Art teacher loved it. Somehow I had stumbled on one of the secrets of originality. Naturally my work started to show a tinge of psychedelia as I tried to revisualize some of my experiences and focus my inward thoughts. At first LSD and 285 mushrooms were to me something you did with friends, at parties and concerts. Then I got some VERY good LSD that showed me the way to use it (LSD) as a learning tool. I’d also gotten good results from practicing yoga and meditation. I’d been interested since childhood in mythology, tales from Ancient Rome, Greece, Egypt and India. These cultures fascinated me. Before I discovered LSD I happened to come across a “how to” article by “Swami Satchidananda” in the San Francisco Oracle, which explaned the basics of yoga meditation and the opening of the Chakras. I tried out some of his techniques and what do you know? They worked. But LSD worked even better, and I began to use it mostly for “Learning sessions” rather than for entertainment. I was learning to “see” in the Don Juan / Carlos Castaneda sense. I felt like could understand the inner workings of nature in a visual way. As time went on, I learned that by taking a bigger dose of better stuff, and placing myself in a quiet and safe place that LSD is actually a sreious tool for enlightenment instead of a party drug. Over the years I have attempted to distill the essence of this learning into my images. While I would surely have become a creative person in some other way, I am thankful that I discovered Entheogens, and I don’t think my art would be anything like it is without them. This new and wonderful knowledge became what I wanted to share with everyone else and so in my own way I try to bring forth the essence of things as I see them. We laughingly call this the “missionary complex”. At first I wanted to share the entire psychedelic experience in one grand vista, but I soon realized that such a grandiose vision is better digested in smaller portions. Like dewdrops on a spider web, each image could reflect in its small way the bigger picture. For some strange reason, Entheogen use has made me much more sensitive to plants and to nature in general. The designs and patterns found in nature continually amaze me. I also like to ponder as well ideas about what the heck we happen to be doing here and why. Humanity in all its wisdom has affected Nature in many negative and destructive ways. I prefer to envision a world where folks live in harmony with their natural surroundings. I believe that we can create such place, and some of my paintings are to remind us of this. We also need to live in harmony with ourselves, and with our neighbors, friends and lovers. In our modern culture, love and sex, although on everyone’s mind, are regarded as subjects of controversy. A quick glance at what comes up when you use the word erotic on the internet search engines will give you the idea. Most of our erotic imagery is centered around some form of exploitation or dominance, situations I never felt comfortable with. I thought it might be a good idea to create some images showing a loving form of sexuality in natural settings, where all the participants are enjoying themselves. I though that we need to have more positive images of lovers scattered about in our society. So I have been making some of these regularly ands getting them out to the public as prints and notecards, spreading a little more loving around the planet. Of course there is a connection between Nature, Sex and Spirituality. Consciousness is the greatest aphrodisiac I can think if, and I like to celebrate this connection in my work. Of course there is also a connection between the entheogens and sex, as the Tantric masters of old knew so well. Naturally this also finds expression in my work. Many people think that Art and Politics exist in separate worlds. That the two have no relation or bearing on each other. I find that Art has a very great power 286 to communicate all kinds of ideas. Artists are thought to live in their own pleasant reveries, but this is not so. While ideally we would like to live in an harmonious world, we find that man made problems facing us on all sides. I started thinking that I could use the power of painting to make comments about things that need to change. 11. What it means to you the spirals and vortex in some paintings you do? – I discovered at the very first experience meditating, that the third eye chakra opens in a triangular. then "doubles" to a hexagonal form, as the enlightening energy starts to pour forth from the universe to the mind. to me it is a symbol of the presence of the enlightening energy. Spirals represent to me the cyclical evolution of reality. Spirals occur everywhere in nature, from galactic swirlings to the subatomic energy world. they seem to be all-pervasive, a symbol of the inherent and ever-changing organization of nature 12. Can you tell your more impressive vision experience? When one is in the right frame of mind, time and space cease to exist, and energy pours forth from the universe, filling one with wisdom and knowledge. It is as if one is sitting amazed, in the presence of the gods, overhearing their most intimate conversations about the nature of reality. I'm not so good at expressing this wisdom in words, so I use my painting skills to convey the message... 13. Feel free to add watever you think is important about you and your job, ok? Art has an amazing ability to convey an experience on many levels, from the philosophical to the emotional. Art can provoke thought, and change people's lives! It is up to us to choose how we might direct this power... In an imitation of the divine, an artist can create something out of nothinga gift of magic! I am made happiest when I can use my abilities as an artist to bring about positive changes in the world, and to bring joy into being. In my work I begin by looking deeply within myself, and seek to express what I find there. My wish is to tap into the Divine Source of Being,to Consciousness,to Spirit, and to bring into visual awareness some images manifested through the knowledge revealed. I have discovered that the more intensely personal my vision is, the more universal its Message to the world. Art has the magical power to give provoke emotional as well as intellectual thinking: My desire as an artist is to create compelling images of beauty and power that serve to promote our Conscious Evolution as human beings. To this end I like explore and present images with themes of Awakening Consciousness, Divine Sexuality, Political Realities and Living in Harmony with Nature. Someone told me that one of my images was used in a cancer clinic to help patients there to relax their mindsI cannot express how knowing that my work helps to heal people fills my heart with happiness! 287 No amount of money can buy this joy! I love my job!!! I hope this is what you are looking forYours, Mark Henson ANOTAÇÕES PESSOAIS Foram 121 sessões ao todo, porém, neste apêndice, estão apenas as anotações referentes às experiências descritas na tese, apenas omitindo nomes das pessoas envolvidas que foram substituídas por letras e assunto de natureza muito particular. As anotações estão relatadas aqui como foram feitas na época, sem interferências ou correções atuais, não implicando necessariamente com isso que continuem como forma de pensamento na atualidade. 15 e 16-08-2003 (1ª e 2ª sessão) O “AA” e eu fomos lá na Sexta dia 15. É em um sítio uns 30 quilômetros pela estrada de São Paulo em Quatro Barras. Quem nos levou foi o “R”, antigo conhecido nosso [...]. Chegando lá encontramos o “G”, também conhecido daquela época de final da década de 1970. Tudo que eu havia imaginado a respeito do chá, que eu havia apenas ouvido falar como Santo Daime, me parecia algo inócuo devido a não ser caracterizado pela lei como alguma espécie de droga. A “MB” e o “AA” haviam experimentado do Santo Daime num grupo aqui de Curitiba. Ela passou muito mal, diarréias enormes durante uma sessão. Mesmo com estas descrições ainda não me caracterizou algo além do que o desconforto físico que o chá poderia causar. [...] Era algo que eu não havia vivido em minhas buscas nesta área espiritual. Quando experimentei no grupo da União do Vegetal o chá de gosto muito estranho e amargo, não tinha idéia que era tão forte. A experiência é estilo LSD. Depois de passar por ela fui pesquisar as plantas usadas e são alucinógenas mesmo, tem entre 3 e quatro alcalóides presentes. A União do Vegetal as chama de Iluminógenas e não alucinógenas. Depois de ingerido o chá nos sentamos. Passado pouco menos de uma hora senti que meu estado de consciência estava alterado. Comecei a ter medo de entrar em pânico e começar a pedir ajuda. Tive que fazer um esforço enorme de me enraizar ali. Além do medo, vi luzes, painéis luminosos, mas que ao abrir os olhos iam desaparecendo. No ambiente estavam tocando algumas músicas, dentro de minha cabeça se formavam verdadeiros movieclips delas. Mas comecei a passar muito mal, tive que levantar e ir ao banheiro. Vomitei um pouco, mas com muita ânsia. Achei que o efeito era o mesmo que de uma bebedeira. Até associei o termo burracheira com borracho (bêbado em espanhol), mas não tinha a ver, burracheira é 288 um termo Inca que significa o estado estranho que o chá dá na pessoa 146. Tive diarréia muito forte, fui diversas vezes ao banheiro. Voltava para a sala, mas tinha que sair de novo. Sempre me acompanhava alguém mais antigo do grupo. Terminou a sessão, mas eu estava com a “sombra da burracheira” muito forte ainda. Como em qualquer situação de doença, minha sensibilidade no paladar, luzes, cheiros, fica muito aguda. Tentei comer um pedaço de mamão e ele era insuportavelmente doce. Estava muito tempo sem comer, tentei beber um gole de guaraná e não deu, doce demais, tudo me dava enjôo. As pessoas vinham amavelmente conversar sobre a experiência, eu queria ficar sozinho, ter que dividir a experiência me dava mais ânsia, pensava que vomitaria na pessoa até. Saímos ali pelas 2h30 da madrugada. Dirigi com muito cuidado, pois sabia que não estava com os reflexos em ordem. Tive umas auto-observações fortes de me ouvir falando, achar estranho e intrigante a minha escolha do assunto e as palavras que apareciam do nada. Cheguei em casa ainda mal, enjoado. Fiquei encostado na cama e de luz acesa, medo de ficar em pânico. Experimentei apagar a luz, não deu pânico, experimentei deitar, não deu pânico (isso porque da vez que tive síndrome de pânico147, não conseguia fazer nada disso). “Fiquei bem, pois a letra ‘C’ estava dentro de um quadrado sobre um fundo cinza azulado”. Difícil explicar isso, mas era a alteração do estado de consciência e a sensação se apresentou nesta visualização. Imaginei não querer repetir jamais a experiência. Mas fiquei encucado demais com os medos e pânicos. Resolvi fazer um ato de coragem e experimentar novamente no dia seguinte, pois havia uma sessão normal (a que fizemos era uma iniciação chamada Adventício). Conversei com o “G” que é o Mestre lá. Contei meus medos, ele falou de nossos condicionamentos negativos no mundo. Deu umas explicações divinas que não me cativaram, mas decidimos que eu tomaria menor quantidade desta vez. Na verdade foi apenas um dedo a menos e já imaginei que a experiência seria similar. E foi mesmo. O medo foi maior, tenho impressão, mas sem muita certeza. Diarréia tive uma micro só. Vomitar tentei muito, mas não saía nada. Tentava com muita força, mas era como se o vegetal não quisesse sair (impressão devido ao estado alterado). Eles me davam água, fui atendido por 3 pessoas diferentes em intervalos diferentes, mas não consegui nem me sentir psicologicamente bem e fisicamente estava horrível. Consegui voltar para a sala e ficar por lá. Apenas me perturbava quando as pessoas passavam do meu lado. Acabei cobrindo a cabeça para não sentir a diferença de luz que a passagem das pessoas projetava nos meus olhos. Não tive percepções diferentes, pelo menos não lembro de nada em especial. Quando terminou não estava me sentindo mal como da primeira vez. Talvez a diferença da quantidade de líquido tenha influenciado. Consegui comer um pedacinho de bolo e tomar um pouco de café (com açúcar!!!). Saímos de lá e achei que não era pra mim. No domingo o “AA” apareceu por aqui. A experiência do Sábado foi pesada para ele. Mas ele queria voltar, achava que estamos numa mediocridade enorme e que a morte é presente, que temos que fazer algo para sair desse marasmo todo. Eu ainda achava que talvez não fosse para mim. 146 Na verdade minha desconfiança estava certa, não existe esse termo “burracheira” na língua quíchua. Deve derivar de “borrachera” que tem o mesmo sentido de embriaguez. 147 Esclarecendo que o relatado aqui como “síndrome de pânico” na verdade foi uma experiência ocorrida uma única vez, não podendo ser caracterizada então como uma síndrome e, tampouco, se era mesmo “pânico” ou alguma outra reação psicofisiológica qualquer. 289 Ontem o “R” me ligou. Comentou que as primeiras experiências são assim mesmo, que não avaliássemos nestas iniciais, que decidíssemos mais tarde. Eu acabei decidindo conhecer mais um pouco, pois senti uns movimentos emocionais e físicos que mexeram comigo. Ou seja, não ficamos impunes ao vegetal. Tenho notado que fisicamente algo está se alterando, parece que funciono um pouco melhor, com mais energia. A questão do medo é levada em conta, esses medos surgiram quando eu tinha uns oito anos mais ou menos, e tentei entender como Deus poderia sempre ter existido e que sempre existiria, como era o fato de eu não existir antes e “surgir” do nada nesta vida e como seria possível não existir depois, nunca mais, absurdo, ou então ter a vida eterna, tão absurdo quanto... Estes pensamentos insolúveis para uma pequena mente de oito anos, insondável por qualquer mente na verdade, me fazia ter muito medo, calafrios, arrepios na espinha, um medo da loucura. Acho que os humanos adultos que se deparam com estes conceitos sem sentir nada, acreditando até que conseguem entende-los, são apenas pessoas amortecidas, cheias de defesas e anestesiadas. Portanto acho que há algo para mim ai. Nestes dias senti uma melhora da minha energia física, até urinar de forma mais solta tenho feito. A sexualidade foi mexida, tenho tido sonhos afetivo/eróticos nestes dias. Então coisas que estão mais por baixo do consciente têm cutucado para sair e se expressar. Espero que isto aconteça de forma a viver mais as coisas que sinto, que me ajude a produzir na arte alguns resultados. Não como inspirador psicodélico, mas como liberador do que já está lá dentro sem meu repressor oficial atuando tanto. Sei que a fé é um fenômeno pouco compreendido. Sei que ela move energias dentro da gente e que nos mobiliza na realização de diversas coisas. Ela pode alterar nossos estados de saúde. Placebo é o termo usado para remédios que não tem valor curativo efetivo, mas que a pessoa “enganada” acaba sendo curada só por acreditar. Então isso existe e me é claro. Eu nunca soube como criar artificialmente estes estados e produzir resultados assim. Talvez esses vegetais possam me ajudar nisso pelos efeitos que estou vendo. Daí minha decisão de continuar mais algumas vezes. Dai, como de tantas outras vezes, saio com a herança que me coube e parto para outra experiência. Enfim, olhando as pessoas que estão por lá, nada que eu queira seguir propriamente e nem estou numa fase de querer resolver problemas, mas acho que posso mexer com algumas coisas rançosas internamente, que não fazem mal talvez, mas que podem ser limpas um pouco mais. Veremos então! 07-09-2003 (3ª sessão) Na reunião de ontem tomei pouco mais de meio copo do vegetal. Fiquei super feliz com o copo na mão por ter conseguido uma dose menor. O efeito pareceu mais fraco, porém no pico a sensação de amortecimento, “a pequena morte”, veio e consegui deixar ela vir. Não reagi, apenas relaxei e fiquei observando. A vontade é de interromper o processo, daí a ansiedade, mas deixei: “Que venha!”, pensei. A sensação foi aumentando, mas soube permanecer passivo, receptivo e a sensação tensa foi desaparecendo. Tive então algumas mirações com meus pincéis, embalagem de manteiga e outras coisas típicas que tenho normalmente no estado de consciência logo antes de dormir148, coisas meio non-sense e distorcidas. 148 Hipnagogia. 290 Comecei a visualizar pessoas, entre elas meu pai. Veio uma forte sensação de ajudá-lo espiritualmente, pedir uma benção espiritual para ele. Comecei a chorar e a derramar lágrimas. Pelo estado mais aguçado de consciência sentia perfeitamente as lágrimas descendo pelo rosto. Depois vieram sensações mais amorosas onde lembrei de várias pessoas, “MM” e “LM”, “MA”, a “K” (por causa dos interesses sociais dela), “M”, etc. Depois me relacionei com algumas imagens da minha infância, como se eu pudesse resgatar um pouco do menino, dar alguma forma de carinho para ele. O resto foram impressões visuais, luzes, coisas assim. Não tive enjôo, não o suficiente para querer vomitar. Senti que novamente mexeu com os intestinos mas não para dar uma diarréia, mas movimentou com gases e aqueles ardidos que lembram dor de barriga, mas nada forte. [...] A discussão fica em relação ao domínio ou ser dominado em relação a fazer sozinho ou com a ajuda do vegetal. Acho que sozinho pode ter seu valor, mas pode também não conseguir nunca, o vegetal abre umas portas sem dúvida. Mas acho que nada disso importa realmente. O que vale é o conteúdo interno que aparece para cada um. Aconteceram, como de outras vezes, perguntas estranhas para o mestre, ao ponto até de aconselharem não serem comentadas essas coisas fora dali para não dar mais margens para questionarem a religião, pois essa já é estranha pelo simples fato de tomarem o chá. Mas como disse acima, nada importa. Mesmo antes de entrar na UDV, estava convicto de que tudo é interpretado pela gente, as explicações dos fatos existem, não os fatos em si como diria Nietzsche, então pouco importa a viagem de cada um, será a viagem dele, importa o que você colhe para a sua viagem e que benefícios isto pode te trazer, o resto, pura ilusão. 04-10-2003 (6ª sessão) Eu estava relativamente com medo. A idéia de tomar o chá, o seu gosto, também não me faziam feliz. Tomei a quantidade usual, um dedo abaixo do desenho do copo. Fui esperando a burracheira, só que em vez de ir pegando aquele estado inicial de desconforto, parece que fui “ascendendo”, ficando com a mente bem clara e com bem estar. Não passou muito disso, fiquei em dúvida se estava ou não de burracheira. Muitas pessoas repetiram de tomar o Vegetal, o que significa que muitas tiveram a sensação fraca mesmo. O “AA” desta vez não vomitou, foi mais tranqüilo para ele também. A única visualização que tive foi durante uma música com berimbau. Vi torços femininos nus que levitavam, indo e voltando. Onde seriam as mãos, as pernas e a cabeça eram tentáculos vestidos com estas malhas de lycra agarradas a pele. Os tentáculos afinavam, quase como um rabo de cobra, dava a impressão de algo futurista. Era bem visível o sexo mas não parecia humano, pareciam estas modelagens em 3D em softwares gráficos. Sai de lá com um pequeno estado da sombra. Não pude dormir muito pois tivemos que levar as alemãs no aeroporto. Eu fiquei meio ruim, não estava com a sensação boa que o Vegetal deixa depois. Durante a tarde a coisa estava normal, apenas cansado por não ter dormido direito. 18-10-2003 (7ª sessão) Decidi tomar o copo cheio por me sentir seguro em relação à experiência inicial. A burracheira começou em menos de meia hora. Acho que 45 minutos depois ela estava bem forte e tive umas visualizações estranhas, como se entrasse dentro 291 de túmulos e visse os mortos, os mantos rosas, aquele cheiro de morte, mas não me era muito assustador. Visualizei padrões, comuns de virem normalmente. A sensação mais forte inicial me perturbou quando comecei a sentir partes do rosto mas de forma assimétrica, lado direito do queixo e parte superior esquerda da testa, parecia “errado”, eu queria que fossem as mesmas partes de um lado e outro. Quando o mestre perguntou como estávamos, senti responder de longe, ouvia minha voz distante, tive dificuldade em responder e o fato de ter que responder foi um pouco desagradável, coisa que imagino vou aprendendo a controlar com o tempo. Algumas músicas que tocaram, o ritmo delas me deram visualizações sexuais dentro dele e de uma forma irreverente com a música em si. Teve um momento que o caótico do estado me deu a sensação que é muito próximo de Deus, do Universo, do processo de criação Cósmico, onde as coisas se processam e que nós, como seres humanos aprendizes, estamos conhecendo. Mandei desejos de saúde para o “KN” e a “AM”. Via como se frutas podres, tomates, etc, saíssem deles. Visualizei progressos materiais e afetivos, no material Jesus me apontava o dedo ou me acenava com notas de dinheiro, mas algo bem humorado (caricato), simbólico pois não tem em mim nada diferente em relação a ter alguma fé nova em relação ao cristianismo. São símbolos, talvez até arquétipos, enfim... 08-11-2003 (10ª sessão) Durante o dia continuamos a bater Mariri e fazer outras tarefas para ajudar. Almoçamos e continuamos por lá. Já não tinha tanta coisa para fazer e ficamos por lá ajudando no que dava e conversando por ali. Acho que pelas 19h00 serviram o Vegetal novamente. Nós já havíamos notado que o Vegetal estava bem forte pois o pessoal que prepara experimenta (natural que façam isso antes de dar para todos) passou mal a maioria. Esse Vegetal é de uma outra espécie de cipó, mais forte e que parece mexer mais forte na parte física149. Quando fomos tomar pedimos bem pouco. O “AA” bebeu menos da metade do copo de plástico. Eu bebi mais, meio copo ou pouco mais. O “MI” disse que aquela quantidade não daria nada. Mas na verdade foi muito forte já. Acabei tendo muitas mirações parecidas com imagem de computador, com a sensação de estarem bem próximas do olho. Vi umas imagens de olho aberto também. Nas madeiras formavam um rosto, quase me assustei. Depois achei que era miração mas era uma pessoa de verdade. [O Sol batia de frente para a gente, a luz era extremamente forte. Olhei para o Sol se pondo, um bola vermelho rosada super forte. Fechei os olhos e pensei: “Êpa, mas o Sol já se pôs!” e abri os olhos novamente, eram as nuvens coloridas pelo reflexo e não o Sol que já não estava mais visível.]150 Não estava muito bem, dai fui ao banheiro. Passei pelo “G”, a sensação bem de eu ser um bruxo andando ali. Tentei evacuar, tive que fazer força e isso me aumentou o enjôo. Desci e voltei novamente mais tarde, dai já um pouco de diarréia. Mais tarde comecei a ter que vomitar. Fiquei encostado na coluna do salão. Eu desligava, só acordava de volta quando as contrações de ânsia apareciam. Quando eu melhorava voltava a sentar. O “AA” tentou me ajudar e me perguntava se eu queria dormir, se queria isso ou aquilo, mas eu queria ficar quieto ali mesmo. Fiquei um tempo. Quando melhorei um pouco fui dormir no carro. Antes vi um pouco do eclipse da Lua. Entrei e relaxei bem. Acordei uma hora e meia depois, já bastante recuperado. Sai e fui no salão. O “MI” me 149 150 Caupurí. Se refere a uma lembrança da experiência que não foi anotada na mesma época. 292 chamou, conversamos um pouco sobre a experiência e ele colocou uma música para mim que dizia que “eu tentava fugir de mim, mas sempre eu ia atrás”, uma letra neste estilo bem engraçada e que eles reforçam que é assim nestas experiências. Sei lá, de qualquer forma eu acho que consigo passar por estas “peias” me equilibrando e sem problemas, encarando como uma possibilidade, não um castigo ou algo que me desanime. Estou mais íntimo das pessoas lá dentro, assim é bom pois conversamos mais, posso ver a opinião deles, questionar também. Ainda não sei medir ao certo a experiência. Confio que não faz mal pelo que vejo nos demais. Não sei a dimensão espiritual real que isso possa ter. Sei que participar do corpo instrutivo até o cabelo deveria cortar, mas isso ainda não penso em fazer, tenho que deixar com o tempo e decidir o que vale a pena. Andei falando com o “D” e a “IB”, eles me comentaram isso mas sempre dizendo que eu não devo me importar com que as pessoas podem falar. Ontem soubemos que a barba também é empecilho, então o “AA” deveria cortar tudo. Mas tem que deixar as coisas acontecerem mesmo. [...] 12-12-2003 (13ª sessão) Ontem foi o adventício onde podiam ir os parentes de sócios da UDV. Foi a “M”, a “Ma” e o “C”. Apresentei o espaço para eles. Chegamos relativamente cedo. Na sessão bebemos o Vegetal e esperamos. Teve a leitura dos documentos todos, algumas chamadas e as perguntas de costume se a pessoa está bem, se teve burracheira e se tem Luz. Até neste momento eu não estava com nada, a “Ma” disse que também não. A “M” já estava começando. Dai tive uma miração de uma pequena poça de água como de esgoto, então senti que a burracheira estava vindo. Tive várias mirações, algumas com seres alados, outras com imagens de softwares 3D que andei usando esta semana. A mais forte dela foi que eu estava num vale com espinhos enormes e vivos que saiam do chão. Eles se movimentavam. Do lado deste vale existiam uns prédios, na verdade uns maquinários de concreto que viravam e batiam com força. A sensação ali naquele lugar é que a vida é muito frágil. Num determinado momento comecei a ouvir algo como um coaxar de sapo. O som era seguido e quase que eu ouvia MEStre, MEStre (risos). Reparei que era muito continuo, dai percebi que era o relógio do salão. A impressão de ser um coaxar foi, provavelmente, porque tirei um sapo do local antes de iniciar a sessão. 20-12-2003 (14ª sessão) Tomei um copo. Já notei que quantidade maior deste Vegetal do preparo (cipó Caupuri), me deixa sombreado por muito mais tempo. Demorou a pegar mas foi bastante forte quando veio. Não tive mirações. Tive alguns amortecimentos nas mãos e nos braços. A vontade era de dormir, talvez como forma de uma pequena fuga, mas nada muito perturbador. Vieram algumas reflexões de coisas sobre mim, coisas que ponderei durante essa semana e coisas que deverei constatar durante os dias que virão (evitar más interpretações, por exemplo, confiar mais e não deixar pensamentos, ego, ou o que seja, atrapalharem o equilíbrio). Tive que segurar vontade de ir ao banheiro, pensei em diarréia, mas foi tranqüilo, não precisei sair. Como de costume vim tranqüilo, devagar pela estrada. Em casa tomei refrigerante e comi bolachas mas não caíram bem. Quando deitei tive um pouco de mirações, alguns padrões de flores e ornatos. Estava desconfortável com a barriga pesada, mas logo passou e pude dormir. Geralmente depois da sessão eu fico com uma sensibilidade mais intensa com a luz, quando pisco, dando uns tipos de relâmpagos 293 trêmulos em volta do campo visual, imagino que seja por causa da circulação sangüínea. 23-07-2004 (30ª sessão – São João) Tomei o Vegetal e até a metade da sessão estava muito inteiro, burracheira leve e clara. Fui ao banheiro e ao sentar novamente no templo a burracheira subiu muito forte. Sai algumas vezes. Diarréia, enjôo. Foi parecido com as sessões iniciais. Tive uma miração com imagens daqueles mestres ascencionados, me deu a impressão que o primeiro foi o Kut-Humi numa representação que havia no Manual Rosacruz. Em seguida me apareceu o S. João Batista (!). Era um homem de aparência um pouco rude (do povo) e de cabelos bem negros e cacheados. Eu “mandei” ele embora, não queria interagir com essa miração, me deu receio de “acreditar” nisso e lutei contra. Antes disso, num momento que o “D” conversava comigo e o “R”, senti como se minha cabeça estivesse com algo enrolada nela, pensei numa coroa de espinhos, mas estava também sobre o rosto e não me parecia machucar, apenas apertar um pouco como um turbante, talvez. O “R” não parava de falar e isso me roubava energia, eu queria me fechar para ficar menos mal. Todos saíram e eu fiquei no Templo. O “Ro” foi lá me chamar duas vezes, sai com ele na segunda, foi uma ajuda de qualquer forma, apesar de que tem algo em mim que “desconfia” dele. Em outras experiências com a burracheira percebi que há uma dimensão diferente, um espaço onde acontecem essas mirações e elas tem uma característica particular, uma personalidade própria que se mistura com os conhecimentos que tenho e outras coisas que não conheço ainda. Não sei se seria por ai a tal “Minguarana”, eu precisaria deixar acontecer de forma mais relaxada para penetrar mais fundo nisso. 30-10-2004 (43ª sessão) [...] Tive algumas associações curiosas mas não lembro de todas. A miração maior que tive foi uma luz que se estendia desde o chão até o céu numa floresta. Na porção do céu estava o Mestre Gabriel. Meus pensamentos diziam que o Mestre Gabriel ia me mostrar qual a ligação da União do Vegetal com a minha família. No mesmo instante que essas imagens e pensamentos de formavam, meu racional interferiu achando que isso tudo não fazia sentido, que misturei as coisas que fiz essa semana, como a genealogia da família, mais as coisas da União por causa da burracheira. Durante toda a sessão, até as 00h15, não falamos nada, mas depois ficamos até às 04h00. Discutimos muito livre-arbítrio e carma [...] 11-07-2005 (59ª sessão) Minha primeira sessão sozinho. Peguei o Vegetal que estava guardado bastante tempo no congelador. Preparei e subi aqui no ático. Fiz um ritual andando em círculos, no sentido da força anti-horário, meditando sobre meus propósitos, pedindo ajuda e luz para resolver o que acontecia no meu coração. Bebi e me deitei, como os índios fazem. A burracheira chegou forte, agradável. Deixei músicas new age rolando aleatoriamente. Parecia coincidência, as músicas vinham na hora certa. Tocou uma em especial, Lovers Moon, que me tocou muito. As respostas que eu tive foram pra ter paciência, compreensão, ser firme na amorosidade. Parecia isso mesmo que eu precisava compreender. 294 Tive excelentes momentos de relaxamento e confiança amorosa. As músicas ficaram lindíssimas, ouvi detalhes que o cérebro normalmente corta. Cheguei a ouvi a flauta de uma das músicas numa dimensão enorme, percebi até a respiração do flautista. Fui interrompido pela campainha (o telefone eu havia desligado), a chamada de atenção para o mundo externo foi desagradável. Do mesmo modo foi desagradável quando vim olhar o computador. A “MA” chegou e eu fui deitar na cama. Fiquei 3 horas lá até que me senti melhor de um enjôo que me deu depois da 3ª ou 4ª hora, mas nada muito forte. Respostas tive até depois na cama, antes de dormir novamente. Pena não ter anotado tudo com antecedência. Experiência que acho que devo repetir outras vezes. 14-07-2008 (121ª sessão) [...] Transcreverei tal como fiz no dia seguinte da sessão: Bebi 80 ml. No início pareceu que nada aconteceria, mas 1 hora depois ficou bem forte. Tive contrações de vomitar e fui ao banheiro. Uma sensação de desconforto na “burracheira”, comum às vezes quando é forte. Mas tive várias visualizações. O “dirigente” colocou algumas músicas muito nonsense a certa altura e eu via todos os padrões musicais em cores, geometrias, muito interessantes pela complexidade tanto das cores quanto das formas e padrões. Vi coisas parecidas com os Shipibo, só que bem mais coloridas. [...] Esqueci de comentar que o “DP” deu vários gritos fortes, parecia imitando um jaguar, sendo que o primeiro me pegou de surpresa e literalmente vi o grito dele num splash de cor branca que formava círculos em volta. 295 ANEXO BANISTERIOPSIS – PRINCIPAIS TIPOS E LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA151. 151 Informações retiradas do herbário da Universidade de Michigan online. Seguindo o endereço abaixo é possível acessar informações individuais mais completas como literatura disponível, imagens, etc.: http://141.211.176.200:591/MICHtypes/FMPro?-db=allTYPES_for_DLPS&Lay=Layout%20%232&-format=searchdetail.html&GENUS=Banisteriopsis%20&-find 296 MICH catalog Nr Kind of Type MICH1002527 Isotype MICH1002528 Isotype MICH1102029 Holotype MICH1102030 Isotype MICH1102031 Isotype MICH1102032 Isotype MICH1102033 Isotype basionym [Family/Division] Banisteriopsis prancei [Malpighiaceae] Banisteriopsis valvata [Malpighiaceae] Banisteriopsis acapulcensis (Rose) Small var. llanensis B. Gates [Malpighiaceae] Banisteriopsis amplectens B. Gates accepted name: Banisteriopsis amplectans B.Gates [Malpighiaceae] Banisteriopsis andersonii B. Gates [Malpighiaceae] Banisteriopsis arborea B. Gates [Malpighiaceae] MICH1102037 Isotype Banisteriopsis brevipedicellata B. Gates [Malpighiaceae] Banisteriopsis cachimbensis B. Gates [Malpighiaceae] Banisteriopsis calcicola B. Gates [Malpighiaceae] Banisteriopsis cipoënsis B. Gates [Malpighiaceae] Banisteriopsis confusa B. Gates [Malpighiaceae] MICH1102038 Isotype MICH1102039 Isotype Banisteriopsis goiana B. Gates [Malpighiaceae] Banisteriopsis harleyi B. Gates [Malpighiaceae] MICH1102040 Isotype Banisteriopsis hatschbachii B. Gates [Malpighiaceae] Banisteriopsis hirsuta B. Gates [Malpighiaceae] MICH1102034 Isotype MICH1102035 Isotype MICH1102036 Isotype MICH1102041 Isotype MICH1102042 Isolectotype MICH1102044 Isotype Banisteriopsis illustris B. Gates accepted name: Banisteriopsis muricata (Cav.) Cuatrec. [Malpighiaceae] Banisteriopsis inebrians C.V. Morton accepted name: Banisteriopsis caapi (Spruce ex Griseb.) C.V.Morton [Malpighiaceae] Banisteriopsis irwinii B. Gates [Malpighiaceae] MICH1102045 Isotype Banisteriopsis irwinii B. Gates [Malpighiaceae] MICH1102046 Isotype Banisteriopsis krukoffii B. Gates [Malpighiaceae] MICH1102047 Isotype Banisteriopsis lyrata B. Gates [Malpighiaceae] MICH1102048 Holotype Banisteriopsis maguirei B. Gates [Malpighiaceae] Banisteriopsis malifolia (Nees & Mart.) B. Gates var. appressa B. Gates [Malpighiaceae] Banisteriopsis megaptera B. Gates [Malpighiaceae] Banisteriopsis paraguariensis B. MICH1102043 Isotype MICH1102049 Isotype MICH1102050 Isotype MICH1102051 Locality Collected Brazil: Amazonas: Cachoeira Republica: Rio Curuquetê. Brazil: Bahia: Cocos: 13 km S of Cocos and 3 km S of the Rio Itaguarí. Venezuela: Guárico: 1 km E of Calabozo on road to Represa. A.H. Gentry, 10294 - 9 Mar 1974 Brazil: Mato Grosso: Alto Araguaia: Córrego Rancho. G. Hatschbach, 34693 - 22 Jul 1974 Brazil: Minas Gerais: Diamantina: Serra do Espinhaço, 10 km by road NE of Diamantina on road to Rio Jequití. 1300m Brazil: Minas Gerais: Diamantina: Serra do Espinhaço, ca. 10 km SW of Diamantina on BR-259. 1400m Brazil: Amazonas: São Paulo de Olivença: Basin of Rio Solimões and Creek of Belém. Brazil: Pará: Serra do Cachimbo, campina along BR 163, Cuiabá-Santarém road, km 823.5. ca. 570m Brazil: Minas Gerais: 22 km by road W of Januária on road to Serra das Araras. 610m Brazil: Minas Gerais: Ca. km 121 on road from Conceição do Mato Dentro to Belo Horizonte. Brazil: Mato Grosso: Rio Verde: Serra da Pimenteira, 25-35 km SW of the Rio Verde town. Brazil: Goiás: Morrinhos: Chapadão. W.R. Anderson, 8383 - 9 Apr 1973 Brazil: Bahia: Serra do Sincorá, 2 km N of Cascavel, on the road to Mucugé. 13°10'S, 41°22'W ca. 1200m Brazil: Goiás: Alto Paraíso: Rod. G0-12. G.T.Prance, 14568 1971 W.R. Anderson, 36981 1972 W.R. Anderson, 11564 - 24 Feb 1975 B.A. Krukoff, 8758 - 26 Oct 1936 J.H. Kirkbride Jr., 2957 - 21 Feb 1977 W.R. Anderson, 9198 - 19 Apr 1973 B. Gates, 386 - 14 Mar 1976 W.R. Anderson, 11277 - 8 Feb 1975 G. Hatschbach, 38237 - 22 Mar 1976 R.M. Harley, 15875A - 3 Feb 1974 G. Hatschbach, 36745 - 23 May 1975 Brazil: Goiás: Chapada dos Veadeiros, ca. 25 km by road N of Alto Paraíso. 1700m Bolivia: Apolo. W.R. Anderson, 6658 - 8 Mar 1973 Colombia: Putumayo Comisaria, Umbría. 00°54'N, 76°10'W 325m G. Klug, 1964 Jan 1931 Brazil: Goiás: Chapada dos Veadeiros, 20 km S of Alto do Paraíso (formerly Veadeiros). 1000m Brazil: Goiás: Chapada dos Veadeiros, 20 km S of Alto do Paraíso (formerly Veadeiros). Brazil: Amazonas: Humayta: Basin of Rio Madeira, near Livramento, on Rio Livramento. Brazil: Rondônia: Santa Bárbara: Porto Velho to Cuiabá Highway, vicinity of Santa Bárbara, 15 km E of km 117. Venezuela: Amazonas: Caño Profundo, Cerro Sipapo (Paráque). 1500m H.S. Irwin, 24705 - 20 Mar 1969 Brazil: Goiás: Posse: Serra Geral de Goiás, Rio de Prata, 6 km S of Posse. 14°S, 46°W 800m H.S. Irwin, 14459 - 6 Apr 1966 Brazil: Minas Gerais: 43 km by road S of Itaobim on BR-116. 600m W.R. Anderson, 11734 - 1 Mar 1976 Paraguay: Sierra de Amambay. T. Rojas, Hassler 9832a Dec R.S. Williams, 62 - 10 Mar 1902 H.S. Irwin, 24705 - 12 Oct 1934 B.A. Krukoff, 6791 - 3 Jul 1977 G.T. Prance, 6960 - 14 Aug 1968 B. Maguire, 28323 - 12 Jan 1949 297 Isotype MICH1102052 Isotype MICH1102053 Holotype MICH1102054 Isotype MICH1102055 Isotype MICH1102056 Isotype MICH1102057 Isotype MICH1102058 Holotype MICH1102059 Holotype MICH1102331 Holotype MICH1102342 Holotype Isotype Holotype Gates [Malpighiaceae] Banisteriopsis prancei B. Gates [Malpighiaceae] Banisteriopsis pulchra B. Gates [Malpighiaceae] Banisteriopsis quadriglandula B. Gates [Malpighiaceae] Banisteriopsis rondoniensis B. Gates [Malpighiaceae] Banisteriopsis valvata W.R. Anderson & B. Gates [Malpighiaceae] Banisteriopsis variabilis B. Gates [Malpighiaceae] Banisteriopsis velutinissima B. Gates [Malpighiaceae] Banisteriopsis wurdackii B. Gates [Malpighiaceae] Banisteriopsis mariae W.R. Anderson [Malpighiaceae] Banisteriopsis carolina W.R. Anderson [Malpighiaceae] Banisteriopsis maguirei [Malpighiaceae] Banisteriopsis longipilifera [Malpighiaceae] 1907 Brazil: Amazonas: Cachoeira Republica: Rio Curuquetê. Paraguay: Amambay: 50 km N of Río Ypané on road to Pedro Juan Caballero. 180m Brazil: Bahia: Maracás: Road from Itiruçu to Maracás. G.T.Prance, 14568 - 24 Jul 1971 W.R. Anderson, 11789 - 6 Apr 1976 Brazil: Rondônia: Guajará-Mirim: SubBase Proj. FADAM, Estrada Do Palheta, Front. Brasil-Bolívia, Ponto 23, SC-20-VB. Brazil: Bahia: Cocos: 13 km S of Cocos and 3 km S of the Rio Itaguarí. 560m M.R. Cordeiro, 903 - 28 Apr 1976 Brazil: Goiás: Goiás Velho: Serra Dourada, ca. 15 km (straight line) S of Goiás Velho. 1000m Peru: Loreto: Maynas: Iquitos District, Carretera Nauta, Caserio Peña Negra. W.R. Anderson, 10000 - 10 May 1973 Venezuela: Bolívar: Raudalito, about 25 km from river mouth, Rio Villacoa (Rio Auyacoa). Brazil: Bahia: Oliveira dos Brejinhos: Road Canabrava to Chapadao de Cima, near Serra Geral summit. French Guiana (France): Saül and vicinity. Logging trail on hill just W of Les Eaux Claires and passing family gravesite. Ca. 250m.. Venezuela: Amazonas: Cerro Sipapo (Paráque), Caño Profundo. Brazil: Mato Grosso: Aquidauana: 23 km E of Aquidauana. J.A. de Jesus, [J] 393 [S]442 - 20 May 1969 W.R. Anderson, 36981 - 15 Mar 1972 J. Revilla, 650 - 22 May 1976 J.J. Wurdack, 41145 - 6 Jan 1956 G. Hatschbach, 67809 - 16 Mar 1998 S.A. Mori, 24784 - 15 Feb 1998 Basset Maguire, 28323 1949 A. Krapovickas, 32897 1977