Depois de quatro meses com negociações estacionadas, as mineradoras Vale e BHP apresentaram ontem uma proposta de acordo para pagamento de R$ 127 bilhões em indenizações pelo rompimento de barragem em Mariana, no interior de Minas Gerais, em 2015. O documento ainda prevê uma “reparação definitiva” pelos danos do que foi a maior tragédia ambiental da história do país.
A proposta apresentada pelas duas empresas, controladoras da Samarco — a companhia que geria a barragem — propõe o pagamento de R$ 72 bilhões ao governo federal, aos estados de Minas Gerais e Espírito Santo e aos municípios afetados. Outros R$ 18 bilhões seriam destinados à implementação de ações que beneficiam diretamente a população afetada, como os programas executados pela Fundação Renova, criada em 2016 para atuar na restauração da região.
O valor se soma aos R$ 37 bilhões que, segundo a Vale informou em comunicado ao mercado ontem, já teriam sido pagos em reparação de danos até o momento. Desta forma, o montante previsto no total, de R$ 127 bilhões, se aproxima do valor visado pelos afetados em discussões que avançaram no ano passado, sob mediação do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6).
Na avaliação da coordenadora do grupo de estudos em temáticas ambientais da UFMG, Raquel Oliveira, a distribuição de recursos da proposta, no entanto, gera assimetria diante do que é necessário para compensar a população diretamente afetada.
— Eu vejo um problema porque, entre os R$ 18 bilhões, pensamos em atividades como reassentamento e reativação econômica da região, se compararmos com os R$ 72 bilhões a serem recebidos pelos entes — afirma a pesquisadora. — Da forma como está sendo discutido, está muito distante de qualquer capacidade de deliberação dos diretamente atingidos.
Os detalhes do acordo, que seguem em sigilo, buscam rever o texto original, que previa 42 programas de eixos acadêmico, social e ambiental através da Fundação Renova. A organização foi criada em 2016 com um Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta firmado com os representantes da população atingida, municípios e estados afetados.
Em novembro de 2015, uma torrente de quase 40 milhões de metros cúbicos de lamas residuais de mineração altamente tóxicas foi liberada com o rompimento da Barragem do Fundão, gerida pela Samarco. Os rejeitos contaminaram cursos de água como o Rio Doce, que nasce em Minas e é o mais importante do Espírito Santo. O desastre matou 19 pessoas, inundou 39 cidades e deixou mais de 600 pessoas desabrigadas.
O acordo ainda buscaria atender à demanda por contenção de danos do Ministério Público Federal, que entrou com uma ação em 2016 pedindo inicialmente uma reparação de R$ 155 bilhões. Nesse processo, o Tribunal Regional Federal da 6ª Região condenou em janeiro a Vale, a BHP e a Samarco a pagarem R$ 47,6 bilhões.
Sem acordo
A discussão de uma nova proposta, que ainda precisa ser avaliada pelas outras partes da negociação, retoma uma discussão interrompida em dezembro, quando os governos e as mineradoras não chegaram a um consenso sobre o valor a ser pago em indenizações. Enquanto os afetados pelo desastre pediam uma reparação de R$ 126 bilhões, a Vale e a BHP propuseram R$ 42 bilhões além do que já havia sido pago.
Nessa nova rodada de negociações, interrompida em 2023, também foram convidados para compor a mesa o MPF e a Defensoria Pública da União, que ficaram de fora do termo de ajustamento de conduta de 2016. A Advocacia-Geral da União (AGU) se declarou na semana passada favorável a participar deste acordo, desde que seja para levar a “reparação que a sociedade espera”.
Procurada pelo GLOBO, a Samarco afirmou que as negociações seguem em andamento e busca concluir as discussões, ressaltando que a proposta atende aos interesses da sociedade. A BHP Brasil informou, por nota, que segue comprometida a buscar “soluções que garantam uma reparação justa e integral às pessoas atingidas e ao meio ambiente”. A Vale informou que ia se pronunciar apenas através do fato relevante. (Com agências internacionais)