(PDF) ACCIOLY. Manual do direito internacional publico | Marcelo Alvim - Academia.edu
Rua Henrique Schaumann, 270, Cerqueira César — São Paulo — SP CEP 05413-909 – PABX: (11) 3613 3000 – SACJUR: 0800 055 7688 – De 2ª a 6ª, das 8:30 às 19:30 E-mail saraivajur@editorasaraiva.com.br Acesse www.saraivajur.com.br FILIAIS AMAZONAS/RONDÔNIA/RORAIMA/ACRE Rua Costa Azevedo, 56 – Centro – Fone: (92) 3633-4227 – Fax: (92) 36334782 – Manaus BAHIA/SERGIPE Rua Agripino Dórea, 23 – Brotas – Fone: (71) 3381-5854 / 3381-5895 – Fax: (71) 3381-0959 – Salvador BAURU (SÃO PAULO) Rua Monsenhor Claro, 2-55/2-57 – Centro – Fone: (14) 3234-5643 – Fax: (14) 3234-7401 – Bauru CEARÁ/PIAUÍ/MARANHÃO Av. Filomeno Gomes, 670 – Jacarecanga – Fone: (85) 3238-2323 / 3238-1384 – Fax: (85) 3238-1331 – Fortaleza DISTRITO FEDERAL SIA/SUL Trecho 2 Lote 850 — Setor de Indústria e Abastecimento – Fone: (61) 3344-2920 / 3344-2951 – Fax: (61) 3344-1709 — Brasília GOIÁS/TOCANTINS Av. Independência, 5330 – Setor Aeroporto – Fone: (62) 3225-2882 / 32122806 – Fax: (62) 3224-3016 – Goiânia MATO GROSSO DO SUL/MATO GROSSO Rua 14 de Julho, 3148 – Centro – Fone: (67) 3382-3682 – Fax: (67) 33820112 – Campo Grande MINAS GERAIS Rua Além Paraíba, 449 – Lagoinha – Fone: (31) 3429-8300 – Fax: (31) 34298310 – Belo Horizonte PARÁ/AMAPÁ Travessa Apinagés, 186 – Batista Campos – Fone: (91) 3222-9034 / 32249038 – Fax: (91) 3241-0499 – Belém PARANÁ/SANTA CATARINA Rua Conselheiro Laurindo, 2895 – Prado Velho – Fone/Fax: (41) 3332-4894 – Curitiba PERNAMBUCO/PARAÍBA/R. G. DO NORTE/ALAGOAS Rua Corredor do Bispo, 185 – Boa Vista – Fone: (81) 3421-4246 – Fax: (81) 3421-4510 – Recife RIBEIRÃO PRETO (SÃO PAULO) Av. Francisco Junqueira, 1255 – Centro – Fone: (16) 3610-5843 – Fax: (16) 3610-8284 – Ribeirão Preto RIO DE JANEIRO/ESPÍRITO SANTO Rua Visconde de Santa Isabel, 113 a 119 – Vila Isabel – Fone: (21) 25779494 – Fax: (21) 2577-8867 / 2577-9565 – Rio de Janeiro RIO GRANDE DO SUL Av. A. J. Renner, 231 – Farrapos – Fone/Fax: (51) 3371-4001 / 3371-1467 / 3371-1567 – Porto Alegre SÃO PAULO Av. Antártica, 92 – Barra Funda – Fone: PABX (11) 3616-3666 – São Paulo ISBN 978-85-02-15589-3 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Casella, Paulo Borba Manual de direito internacional público / Paulo Borba Casella, Hildebrando Accioly e G. E. do Nascimento e Silva. — 20. ed. — São Paulo : Saraiva, 2012. 1. Direito internacional público I. Silva, G. E. do Nascimento e. II. Accioly, Hildebrando. III. Título. CDU-341) Índice para catálogo sistemático: 1. Direito internacional público 341 Diretor editorial Luiz Roberto Curia Gerente de produção editorial Lígia Alves Editor Jônatas Junqueira de Mello Assistente editorial Sirlene Miranda de Sales Produtora editorial Clarissa Boraschi Maria Preparação de originais Ana Cristina Garcia / Maria Izabel Barreiros Bitencourt Bressan /Daniel Pavani Noveira Arte e diagramação Cristina Aparecida Agudo de Freitas Revisão de provas Rita de Cássia Queiroz Gorgati / Amélia Kassis Ward / Ana Beatriz Fraga Moreira Serviços editoriais Camila Artioli Loureiro / Maria Cecília Coutinho Martins Capa Roney S. Camelo Produção gráfica Marli Rampim Produção eletrônica Ro Comunicação Data de fechamento da edição: 8-12-2011 Dúvidas? Acesse www.saraivajur.com.br Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da Editora Saraiva. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei n. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal. DADOS DE COPYRIGHT Sobre a obra: A presente obra é disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com o objetivo de disponibilizar conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos, bem como o simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura. É expressamente proibida e totalmente repudíavel a venda, aluguel, ou quaisquer uso comercial do presente conteúdo Sobre nós: O Le Livros e seus parceiros disponibilizam conteúdo de dominio publico e propriedade intelectual de forma totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a educação devem ser acessíveis e livres a toda e qualquer pessoa. Você pode encontrar mais obras em nosso site: LeLivros.Net ou em qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link. Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento,e não lutando por dinheiro e poder, então nossa sociedade enfim evoluira a um novo nível. ÍNDICE preâmbulo da 20ª edição preâmbulo da 19ª edição preâmbulo da 18ª edição introdução: noção, objeto e método definição e denominação 1. DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO E FUNDAMENTO 1.1. estudo da evolução histórica 1.1.1. o direito internacional até os tratados de Vestfália (1648) 1.1.1.1. Francisco de VITÓRIA (1480-1546) 1.1.1.2. Francisco SUAREZ (1548-1617) 1.1.1.3. Alberico GENTILI (1552-1608) 1.1.1.4. Richard ZOUCH (1590-1660) 1.1.1.5. Hugo GRÓCIO (1583-1645) 1.1.2. de Vestfália (1648) a Viena (1815) 1.1.2.1. Samuel PUFENDORF (1632-1694) 1.1.2.2. Cornelius van By nkershoek (16731743) 1.1.2.3. Christian Wolff (1679-1754) 1.1.2.4. Emer de Vattel (1714-1767) 1.1.2.5. J. J. Burlamaqui (1694-1748) 1.1.2.6. Georg-Friedrich von Martens (1756- 1821) 1.1.3. de Viena (1815) até Versalhes (1919) 1.1.4. de Versalhes ao contexto presente 1.1.5. perspectivas do direito internacional no século XXI 1.1.6. visão de conjunto da evolução do direito internacional 1.2. fundamento e normas cogentes de direito internacional 1.3. fontes do direito internacional 1.3.1. costume internacional 1.3.2. tratado 1.3.2.1. conceito, terminologia e classificação de tratado 1.3.2.2. condição de validade do tratado 1.3.2.2.1. capacidade das partes contratantes 1.3.2.2.2. habilitação dos agentes 1.3.2.2.3. consentimento mútuo 1.3.2.2.4. objeto lícito e possível 1.3.2.3. efeitos em relação a terceiros 1.3.2.4. ratificação, adesão e aceitação 1.3.2.5. registro e publicação 1.3.2.6. interpretação 1.3.2.7. tratados sucessivos sobre a mesma matéria 1.3.2.8. nulidade, extinção e suspensão de aplicação 1.3.3. princípios gerais do direito 1.3.4. jurisprudência como fonte do direito internacional 1.3.5. papel da doutrina no direito internacional 1.3.6. equidade como fonte de direito internacional 1.3.7. resoluções emanadas das organizações internacionais como fonte do direito internacional 1.3.8. atos unilaterais dos estados como fonte de direito internacional 1.4. codificação do direito internacional 1.4.1. Convenção de Viena sobre relações diplomáticas (1961) 1.4.2. Convenção de Viena sobre relações consulares (1963) 1.4.3. Convenção de Viena sobre direito dos tratados (1969) 1.4.4. Convenção de Viena sobre a representação de estados nas suas relações com organizações internacionais de caráter universal (1975) 1.4.5. Convenção sobre missões especiais (1969) 1.4.6. Convenções de Viena sobre sucessão de estados (1978 e 1983) 1.4.7. Convenção de Viena sobre o direito dos tratados de organizações internacionais (1986) 1.4.8. Convenção das Nações Unidas sobre direito do mar (1982) 1.4.9. Convenções sobre assuntos científicos, tecnológicos e sobre o meio ambiente 1.5. relações do direito internacional com o direito interno 1.6. sujeitos de direito internacional e atores das relações internacionais 1.6.1. do direito internacional clássico ao reconhecimento progressivo de outros sujeitos 2. ESTADO COMO SUJEITO DE DIREITO INTERNACIONAL 2.1. elementos constitutivos 2.2. classificação 2.2.1. estado simples 2.2.2. estados compostos por coordenação 2.2.3. estados compostos por subordinação 2.3. nascimento e reconhecimento do estado 2.3.1. reconhecimento do estado 2.3.2. reconhecimento de beligerância e insurgência 2.3.3. reconhecimento de governo 2.4. extinção e sucessão de estado 2.4.1. sucessão em matéria de tratados e outros atos 2.4.2. sucessão em matéria de bens, arquivos e dívidas 2.4.3. naturalização coletiva, por cessão ou anexação territorial 2.5. secessão no direito internacional – o Parecer consultivo da Corte Internacional de Justiça sobre o Kosovo, de 22 de julho de 2010 2.5.1. aspectos conceituais da secessão no direito internacional 2.5.2. o Parecer da CIJ, de 22 de julho de 2010, sobre o caso do Kosovo 2.5.3. observação a respeito da posição brasileira neste caso 2.6. direitos e deveres dos estados 2.6.1. direito à liberdade 2.6.2. direito à igualdade 2.6.3. direito ao respeito mútuo 2.6.4. direito de defesa e conservação 2.6.5. direito internacional do desenvolvimento 2.6.6. direito de jurisdição 2.6.7. princípio de não intervenção – entre jus cogens e soft law 2.6.7.1. intervenção em nome do direito de defesa e de conservação 2.6.7.2. intervenção para a proteção dos direitos humanos 2.6.7.3. intervenção para a proteção de interesses de nacionais 2.7. doutrinas 2.7.1. doutrina MONROE 2.7.2. doutrina DRAGO 2.7.3. doutrina ESTRADA 2.7.4. doutrina BRUM 2.8. restrições aos direitos fundamentais dos estados 2.8.1. neutralidade permanente 2.8.2. arrendamento de território 2.8.2.1. tentativa de criação do Bolivian Syndicate e questão do Acre 2.8.2.2. Hong Kong 2.8.2.3 Macau 2.8.3. imunidade de jurisdição e de execução 2.8.4. capitulações 2.8.5. servidões internacionais 2.9. responsabilidade internacional do estado 2.9.1. princípios gerais e aplicação 2.9.2. atos de órgãos do estado 2.9.2.1. atos do órgão executivo ou administrativo 2.9.2.2. atos do órgão legislativo 2.9.2.3. atos do órgão judiciário ou relativos às funções judiciárias 2.9.3. atos de indivíduos 2.9.4. responsabilidade por dano resultante de guerra civil 2.9.5. esgotamento dos recursos internos 2.9.6. nacionalidade das reclamações 2.9.7. circunstâncias que excluem a responsabilidade 2.9.8. consequências jurídicas da responsabilidade 2.10. órgãos das relações entre estados 2.10.1. chefe de estado e de governo 2.10.2. ministro das relações exteriores 2.10.3. missões diplomáticas 2.10.3.1. escolha e nomeação dos agentes 2.10.3.2. funções das missões diplomáticas 2.10.3.3. prerrogativas das missões diplomáticas 2.10.3.3.1. asilo diplomático 2.10.3.3.2. imunidade diplomática 2.10.3.3.3. isenção fiscal 2.10.3.4. termo da missão 2.10.4. delegações junto a organizações internacionais 2.10.5. repartições consulares 2.10.5.1. nomeação e admissão de cônsules 2.10.5.2. funções consulares 2.10.5.3. privilégios e imunidades consulares 2.10.5.4. termo das funções consulares 2.10.6. evolução institucional: do bilateralismo pontual ao multilateralismo institucional 3. ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS 3.1. organizações internacionais de vocação universal 3.1.1. a Organização das Nações Unidas 3.1.1.1. Assembleia Geral 3.1.1.2. Conselho de Segurança 3.1.1.3. Corte Internacional de Justiça 3.1.1.3.1. competência da Corte 3.1.1.3.1.1. competência contenciosa 3.1.1.3.1.2. competência consultiva 3.1.1.3.2. funcionamento 3.1.1.3.3. questões processuais 3.1.1.4. Secretariado 3.1.1.5. Conselho econômico e social 3.1.1.6. Conselho de Tutela 3.1.1.7. funções, atribuições e ação coletiva da Organização das Nações Unidas 3.1.2. organizações internacionais especializadas de vocação universal 3.1.2.1. Organização Mundial do Comércio (OMC) 3.2. organizações internacionais de vocação regional 3.2.1. União Europeia 3.2.1.1. evolução das comunidades europeias 3.2.1.2. estruturas institucionais comunitárias 3.2.1.2.1. Assembleia (ou Parlamento Europeu) 3.2.1.2.2. o Conselho 3.2.1.2.3. a Comissão 3.2.1.2.4. o Tribunal de Justiça 3.2.1.3. ordenamento jurídico comunitário: natureza e princípios 3.2.1.4. políticas comuns 3.2.1.5. perspectivas rumo à integração 3.2.2. Organização dos Estados Americanos (OEA) 3.2.2.1. Assembleia Geral 3.2.2.2. Conselhos e conferências especializadas 3.2.2.3. Comissão Jurídica Interamericana 3.2.2.4. Comissão Interamericana de Direitos Humanos 3.2.2.5. Secretaria-Geral 3.2.3. Unidade africana 3.2.4. Liga árabe 3.2.5. Cooperação Econômica da Ásia-Pacífico (APEC) 3.3. organizações não governamentais e sociedade civil internacional 4. SER HUMANO NO DIREITO INTERNACIONAL 4.1. direitos humanos e a consolidação da proteção internacional 4.1.1. na Organização das Nações Unidas 4.1.1.1. Declaração Universal dos Direitos do Homem e tratados sobre direitos humanos sob os auspícios da ONU 4.1.2. direitos humanos nos sistemas regionais 4.1.2.1. direitos humanos no sistema europeu 4.1.2.2. direitos humanos no sistema interamericano 4.1.2.3. direitos humanos no sistema africano 4.2. direitos fundamentais do ser humano 4.2.1. liberdade individual 4.2.2. tráfico de pessoas 4.2.3. condições de trabalho equitativas e humanas 4.2.4. direito de asilo 4.2.5. proteção do trabalho intelectual e industrial 4.2.6. melhoria das condições de vida 4.2.6.1. proteção internacional contra as enfermidades 4.2.6.2. controle internacional de drogas nocivas 4.2.7. evolução do sistema internacional de proteção dos direitos das minorias 4.2.7.1. proteção das minorias religiosas 4.2.7.2. proteção das minorias étnicas 4.2.7.3. Princípios de Yogy akarta (2007) e a proteção das minorias não étnicas 4.3. direito da nacionalidade 4.3.1. aquisição da nacionalidade 4.3.2. nacionalidade adquirida 4.3.3. naturalização 4.3.4. perda da nacionalidade 4.4. condição jurídica do estrangeiro 4.4.1. condição individual e relação entre estados 4.4.2. relação do estado com seus nacionais no exterior 4.4.3. extradição 4.4.4. deportação e expulsão 4.5. proteção diplomática 5. TERRITÓRIO 5.1. evolução do território no direito internacional 5.1.1. demarcação 5.1.1.1. montanhas 5.1.1.2. rios 5.1.1.3. lagos ou mares internos 5.1.1.4. ilhas 5.1.2. modos de aquisição e de perda do domínio do estado sobre o território 5.1.2.1. ocupação 5.1.2.2. acessão 5.1.2.3. cessão 5.1.2.4. prescrição 5.1.2.5. anexação 5.2. domínio terrestre 5.2.1. soberania e território: a Santa Sé e o estado do Vaticano 5.3. domínio fluvial 5.3.1. rios nacionais 5.3.2. rios internacionais 5.3.2.1. navegação 5.3.2.2. aproveitamento industrial e agrícola das águas 5.3.2.3. pesca 5.3.2.4. proteção do meio ambiente 5.4. domínio marítimo 5.4.1. águas e mares internos 5.4.1.1. golfos e baías 5.4.1.2. portos e ancoradouros 5.4.1.3. estuários 5.4.2. mar territorial 5.4.2.1. extensão ou largura 5.4.2.2. direito de passagem inocente 5.4.2.3. jurisdição do estado costeiro, em matéria civil e penal 5.4.3. zona contígua 5.4.4. Zona Econômica Exclusiva (ZEE) 5.4.4.1. preservação dos recursos vivos na ZEE 5.4.5. plataforma continental 5.4.5.1. evolução histórica da delimitação da plataforma continental 5.4.5.2. a plataforma continental na Convenção de 1982 5.4.5.3. conflitos e desenvolvimento do conceito de plataforma continental 5.4.5.4. exploração da plataforma continental 5.4.6. mares fechados ou semifechados 5.4.7. estreitos internacionais 5.4.8. canais internacionais 5.4.8.1. Canal de Corinto 5.4.8.2. Canal de Kiel 5.4.8.3. Canal de Suez 5.4.8.4. Canal do Panamá 5.4.9. estados arquipélagos 5.5. domínio aéreo 5.5.1. navegação aérea 5.5.2. telecomunicações 5.6. navios 5.6.1. navios no direito internacional 5.6.1.1. classificação e nacionalidade dos navios 5.6.1.2. navios em alto-mar 5.6.1.3. navios em águas estrangeiras 5.6.1.3.1. navios públicos 5.6.1.3.2. navios privados 5.7. aeronaves 5.7.1. classificação e nacionalidade das aeronaves 5.7.2. aeronaves em espaço aéreo estrangeiro 5.7.3. aeronaves em voo ou sobre o alto-mar 5.8. espaços internacionais 5.8.1. alto-mar 5.8.2. espaço ultraterrestre 5.8.3. fundos oceânicos 5.8.4. domínio polar 5.8.4.1. Antártica 6. PROTEÇÃO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE 6.1. introdução 6.1.1. desenvolvimento histórico até 1972 6.1.2. Conferência de Estocolmo sobre meio ambiente humano (1972) 6.1.3. a Conferência do Rio de Janeiro (1992) 6.1.3.1. princípios 6.1.3.1.1. desenvolvimento sustentável 6.1.3.1.2. precaução 6.1.3.1.3. poluidor-pagador 6.1.3.1.4. responsabilidade comum, porém diferenciada 6.1.4. a Conferência de Johannesburgo (2002) 6.1.5. características da formação do direito internacional ambiental, do processo decisório e das instituições internacionais específicas 6.1.6. formas de implementação e execução do direito internacional ambiental 6.2. poluição atmosférica 6.2.1. Convenção de Genebra sobre poluição transfronteiriça de longa distância (1979) 6.2.2. Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio (1985) 6.2.3. Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima 6.3. mar e seus recursos 6.3.1. mares e oceanos 6.3.1.1. Convenção sobre prevenção da poluição marinha por alijamento de resíduos e outras matérias (1972) 6.3.1.2. MARPOL (1973, 1978) 6.3.1.3. Programa de mares regionais (UNEP – 1974) 6.3.1.4. Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (1982), no tocante ao direito internacional ambiental 6.3.2. recursos marinhos vivos 6.3.2.1. Convenção Internacional para a Regulamentação da Pesca da Baleia (1946) 6.3.2.2. Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (1982) 6.3.2.3. Acordo da FAO para promover cumprimento de medidas internacionais de conservação e manejo por embarcações pesqueiras no alto-mar (1993) 6.3.2.4. Acordo das Nações Unidas sobre espécies de peixes altamente migratórias (1995) 6.4. águas comuns internas 6.4.1. Convenção sobre o Direito dos Usos Não Navegacionais dos Cursos d’Água Internacionais (1997) 6.4.2. Convenção sobre a Proteção e Uso de Cursos d’Água Transfronteiriços e Lagos Internacionais (1992) 6.4.3. rios, lagos e bacias 6.4.3.1. Tratado de Cooperação Amazônica (1978) 6.4.3.2. Tratado da Bacia do Prata (1969) 6.5. biodiversidade, fauna, flora, solo e desertificação 6.5.1. biodiversidade, fauna e flora 6.5.1.1. Convenção de Ramsar 6.5.1.2. Convenção da UNESCO sobre Patrimônio Mundial 6.5.1.3. Convenção internacional sobre o comércio internacional das espécies da flora e da fauna selvagens ameaçadas de extinção (CITES) 6.5.1.4. Convenção de Bonn sobre Espécies Migratórias 6.5.1.5. Convenção sobre Madeiras Tropicais (ITTA) (1983, 1994, 2006) 6.5.1.6. Declaração de Princípios sobre as Florestas (1992) e desenvolvimento subsequente. 6.5.1.7. Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD) 6.5.1.7.1. o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança 6.5.2. solo e desertificação 6.6. resíduos e substâncias perigosas 6.6.1. Convenção de Basileia sobre o controle do movimento transfronteiriço de resíduos perigosos e sua disposição (1989) 6.6.2. Convenção de Rotterdam sobre o Procedimento de Consentimento Prévio (1998) 6.6.3. Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes (2001) 6.7. evolução do direito internacional ambiental 6.8. questão nuclear 6.8.1. notificação imediata e assistência (1986) 6.8.2. zonas livres de armas nucleares 6.8.3. Convenção sobre a Proteção Física de Material Nuclear (1979) 6.8.4. Convenção sobre Segurança Nuclear (1994) 6.8.5. Convenção Conjunta para o Gerenciamento Seguro de Combustível Nuclear Usado e dos Rejeitos Radioativos (1997) 6.8.6. Responsabilidade 6.8.6.1. responsabilidade dos estados 6.8.6.2. responsabilidade das pessoas de direito privado 7. SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS E GUERRA NO DIREITO INTERNACIONAL 7.1. solução pacífica de controvérsias 7.1.1. meios diplomáticos 7.1.1.1. negociações diretas 7.1.1.1.1. desistência 7.1.1.1.2. aquiescência 7.1.1.1.3. transação 7.1.1.2. congressos e conferências 7.1.1.2.1. congressos 7.1.1.2.2. conferências 7.1.1.3. bons ofícios 7.1.1.4. mediação 7.1.1.5. sistema consultivo 7.1.2. meios jurídicos 7.1.2.1. tribunais internacionais permanentes 7.1.2.1.1. Corte CentroAmericana de Justiça (19071918) 7.1.2.1.2. Corte Permanente de Justiça Internacional e a Corte Permanente de Arbitragem 7.1.2.1.3. Corte Internacional de Justiça 7.1.2.1.4. Tribunal Internacional do Direito do Mar 7.1.2.1.5. evolução do direito internacional penal até o Tribunal Penal Internacional 7.1.2.1.5.1. julgamento de criminosos de guerra 7.1.2.1.5.2. Tribunais internacionais ad hoc, criados pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, para a ex-Iugoslávia e para Ruanda 7.1.2.1.5.3. Estatuto de Roma 7.1.2.1.6. tribunais administrativos internacionais 7.1.2.2. comissões internacionais de inquérito e conciliação 7.1.2.3. comissões mistas 7.1.2.4. arbitragem 7.1.2.4.1. formas de arbitragem 7.1.2.4.2. escolha e poderes dos árbitros 7.1.2.4.3. procedimento arbitral 7.1.2.4.4. sentença arbitral 7.2. soluções coercitivas de controvérsias 7.2.1. retorsão 7.2.2. represálias 7.2.3. embargo 7.2.4. bloqueio pacífico 7.2.5. boicotagem 7.2.6. ruptura de relações diplomáticas 7.3. uso da força e guerra no direito internacional 7.3.1. pode haver legitimidade da guerra no direito internacional pós-moderno? 7.3.1.1. fontes das leis de guerra 7.3.1.2. princípios da necessidade e da humanidade 7.3.2. início da guerra 7.3.2.1. efeitos no tocante às relações diplomáticas e consulares 7.3.2.2. efeitos sobre os tratados 7.3.2.3. efeitos em relação às pessoas e liberdade de comércio 7.3.2.4. efeitos em relação aos bens 7.3.2.4.1. efeitos em relação à propriedade privada 7.3.2.4.2. efeitos em relação à propriedade pública 7.3.2.4.3. embargos sobre navios inimigos 7.3.3. guerra terrestre 7.3.3.1. forças armadas dos beligerantes 7.3.3.2. meios de ataque e de defesa 7.3.3.3. direitos e deveres dos beligerantes em relação aos militares inimigos 7.3.3.3.1. prisioneiro de guerra 7.3.3.3.2. feridos e enfermos 7.3.3.3.3. mortos 7.3.3.4. direitos e deveres em relação aos habitantes pacíficos 7.3.3.5. direitos e deveres em relação ao território inimigo 7.3.4. guerra marítima 7.3.4.1. forças armadas dos beligerantes 7.3.4.1.1. navios mercantes armados 7.3.4.1.2. o corso e sua abolição 7.3.4.2. meios de ataque e de defesa 7.3.4.3. direitos e deveres dos beligerantes em relação ao inimigo 7.3.4.3.1. em relação às pessoas 7.3.4.3.2. prisioneiros de guerra 7.3.4.3.3. feridos, enfermos, náufragos e mortos 7.3.4.3.4. pessoal religioso e sanitário 7.3.4.3.5. parlamentários 7.3.4.3.6. espiões 7.3.4.3.7. pessoal de navios que não sejam de guerra 7.3.4.3.8. requisição de serviços; guias, pilotos e reféns 7.3.4.4. direitos e deveres em território ocupado 7.3.4.5. direitos e deveres em relação aos bens dos inimigos 7.3.4.6. determinação do caráter inimigo da propriedade privada 7.3.4.7. princípio da captura e da destruição 7.3.4.8. cabos submarinos 7.3.5. guerra aérea 7.3.5.1. força armada dos beligerantes 7.3.5.2. meios de ataque e de defesa 7.3.5.3. direitos e deveres dos beligerantes em relação ao inimigo 7.3.5.3.1. bloqueio 7.3.5.3.2. contrabando de guerra 7.3.5.3.3. assistência hostil 7.3.5.3.4. direito de visita 7.3.5.3.5 captura e destruição de navios e aeronaves 7.3.6. término da guerra 7.4. neutralidade 7.4.1. deveres dos neutros 7.4.2. direitos dos neutros 7.4.2.1. direito de angária 7.4.2.2. direitos dos neutros no território dos beligerantes 7.4.2.3. direitos dos neutros ao comércio e à navegação 7.4.3. relações entre os beligerantes 7.4.3.1. salvo-condutos e licenças 7.4.3.2. salvaguarda 7.4.3.3. cartéis 7.4.3.4. suspensões de armas e armistícios 7.4.3.5. capitulações 7.5. sanções das leis da guerra no direito internacional 7.6. guerra interna 7.7. conflitos armados não internacionais 7.8. terror e direito internacional 8. DIREITO INTERNACIONAL ENTRE UNIVERSALISMO E REGIONALISMO 8.1. papel do direito internacional e seus mecanismos de implementação abreviaturas bibliografia básica PREÂMBULO DA 20ª EDIÇÃO Assinalar a significativa marca da 20ª edição do presente Manual, ora alcançada, enseja perceber a continuidade do processo de amadurecimento do conhecimento e da aplicação do direito internacional entre nós. Mas esse processo precisa ser continuado e aperfeiçoado. Ao mesmo tempo que ratificamos tratados, aumentamos o número de embaixadas brasileiras – com observância do direito e da boa qualidade técnica 1 – e ampliamos a participação em relevantes organizações internacionais, também se manifestam recorrências de visões ultrapassadas a respeito da “soberania” e da condição do país como sujeito de direito internacional. A inserção internacional do país não pode ser vista como fenômeno isolado: é indispensável a visão de conjunto do processo ao mesmo tempo interno e internacional de alinhamento conceitual e de implementação procedimental do direito internacional. É oportuno e necessário que o Brasil busque os seus espaços estratégicos no mundo e de interação com o mundo. Como podem ser os BRICS2. Mas esse conjunto deve ser tratado de modo consistente. A inserção internacional do Brasil é crucial para nós, como também para o mundo. Mas deve ser executada com critérios claros. Essa inserção internacional exige a prática consciente e consistente do direito e das relações internacionais. As flutuações3 não favorecem a visão do país maduro e apto a reivindicar maior participação nos grandes planos do cenário internacional. A realidade do mundo atual, multipolar e intercivilizacional4, exige a preparação mais ampla de profissionais do direito e das relações internacionais. É preciso ampliar a perspectiva histórica e cultural dos profissionais do direito, especialmente em campo como o direito internacional5. Mais uma vez, obrigado ao professor André de CARVALHO RAMOS pela atualização da parte relativa ao ser humano como sujeito de direito internacional. Essa vertente tem ganhado expressão e relevância crescentes entre nós, aptas a justificar a criação de cursos e cadeiras específicas em nossas faculdades de direito e afins. Chega de repetir os mesmos modelos ultrapassados do passado: a guerra fria acabou há mais de vinte anos. Está na hora de ver o mundo e nos conscientizarmos das substanciais e irreversíveis mutações ocorridas nas últimas décadas. O mundo mudou, mas continua a ser estudado o direito internacional como se fazia no passado. O mundo mudou, mas as relações internacionais ainda pretendem explicar tudo como relações de força e poder, ainda eivadas de lembranças da confrontação entre blocos leste e oeste, há mais de vinte anos superada. Vale meditar sobre a advertência de L. WITTGENSTEIN: “os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo”. Ampliar o cenário cultural e a percepção histórica dos profissionais do direito internacional será o dado a ser enfatizado para as próximas gerações, em vista da construção de mundo melhor. São Paulo, 1º de novembro de 2011 Paulo Borba Casella 1. G. E. do NASCIMENTO E SILVA, P. B. CASELLA e O. BITTENCOURT Neto, Direito internacional diplomático: a Convenção de Viena sobre relações diplomáticas na teoria e na prática (4. ed., São Paulo: Saraiva, 2012). 2. A respeito, ver P. B. CASELLA, BRIC: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – Uma perspectiva de cooperação internacional (São Paulo: Atlas, 2011); P. B. CASELLA, BRIC – à l’heure d’un nouvel ordre juridique international (Paris: Pedone, 2011). 3. Repatriar, sumariamente e sob escolta policial, ao país de origem, os pugilistas cubanos, que aqui buscaram refúgio em 2007, mas manter no território nacional o terrorista italiano Cesare BATTISTI são dois exemplos de tais desmandos. O jurídico viu- se posto de lado pelo dado político e por simpatias ideológicas partidárias, em detrimento do interesse nacional e graves prejuízos para a imagem do Brasil no exterior. 4. A respeito, ver ONUMA Yasuaki, A Transcivilizational Perspective on International Law (Haia: RCADI, 2009, t. 342; também publicado em Haia: Pocketbooks of the Hague Academy of International Law, 2010). 5. A respeito, ver P. B. CASELLA, Direito internacional no tempo antigo (São Paulo: Atlas, 2012); P. B. CASELLA, Direito internacional no tempo medieval e moderno (São Paulo: Atlas, 2012, em preparação). PREÂMBULO DA 19ª EDIÇÃO Quem quiser conhecer e estudar a formulação inicial de Hildebrando ACCIOLY pode, doravante, recorrer ao texto original deste, tal como publicado no Tratado de direito internacional, cuja terceira edição histórica foi lançada em 2009 (prefácio Paulo Borba CASELLA, em coedição Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão / São Paulo: Quartier Latin, 2009, 3 vols.). Desse modo se preserva o legado do primeiro autor e se mantém a possibilidade de acesso integral à concepção deste. O presente Manual, por sua vez, não pode deixar de registrar e de acompanhar as profundas transformações conceituais e estruturais, ocorridas no direito internacional, nas últimas décadas. Na mutação institucional, em curso em todo o sistema, se verifica a assunção progressiva de direitos e obrigações pelos agentes não estatais no direito internacional, notadamente o crescente reconhecimento da condição do ser humano como sujeito de direito no plano internacional. A condição do ser humano, como sujeito de direito internacional, se exprime tanto no plano dos direitos, seja universal, seja regionalmente, quanto no plano das obrigações, com a tipificação criminal, pelo direito internacional público, de atos cometidos por indivíduos, tais como crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio. Essa realidade ainda parece encontrar resistência por parte daqueles que se aferram à visão de direito internacional antigo, estritamente interestatal. Não se pode continuar a estudar o direito internacional como se fazia na década de 1930. O direito internacional mudou substancial e irreversivelmente, com a emergência dos novos sujeitos, a ampliação da agenda internacional, que passa a abranger campos inteiros, antes considerados como competência dos estados, e dimensões conceituais inovadoras, como exprimem os conceitos de patrimônio comum da humanidade e interesse comum da humanidade. A essas transformações se deve mais esta edição. A ordenação se manteve como tem sido feito nas últimas edições. É preciso primeiro situar o desenvolvimento histórico, a questão do fundamento e das fontes do direito internacional, da codificação deste e da relação entre direito internacional e direito interno. Em seguida, são considerados os sujeitos de direito – estados, organizações internacionais e o ser humano como sujeito de direito internacional – antes de se passar ao exame dos planos de atuação, nos domínios terrestre, marítimo e aéreo do território, bem como em relação a navios, aeronaves e os espaços internacionais, bem como os principais aspectos do direito internacional do meio ambiente. Todas essas dimensões mudaram essencialmente nos últimos anos, e ainda deverão se acirrar tais mudanças, ante a crescente interdependência e a percepção do esgotamento e de danos irreparáveis aos recursos naturais do planeta, como a água, a biodiversidade, e as condições para a manutenção da vida na terra. Por fim, são abordadas a solução de controvérsias e a guerra no direito internacional. Esses são os campos básicos de ação do direito internacional. Essas matérias são, a seguir, desdobradas em oito capítulos. E esses, por sua vez, são fracionados em itens e subitens. Tudo visando à ordenação conceitual e mesmo gráfica que facilite a compreensão do conjunto. Pois é preciso primeiro compreender os grandes planos e os conceitos basilares, para depois inserir o detalhamento de facetas e dados técnicos desta, como de qualquer ramo do conhecimento. Consciente da necessidade de manter o Manual em extensão viável como ferramenta de trabalho e estudo, no curso de graduação em direito ou em relações internacionais, se faz a constante atualização da apresentação das matérias e a inserção, no corpo do texto e nas notas de dados de atualização e de remissão a outras fontes primárias, como tratados e decisões internacionais, e também doutrinárias, para facilitar o estudo e a pesquisa de aspectos específicos. Do vasto universo em expansão do direito internacional presente estas são escolhas consentâneas com os propósitos deste Manual, de modo a ser possível manter a leitura fluida e agradável, e se ter a visão de conjunto das questões centrais e dos grandes temas da disciplina. Como se fez, mais uma vez, no Capítulo 4, relativo ao “ser humano no direito internacional”, com a valiosa colaboração do Professor André de Carvalho Ramos. Ao mesmo tempo, se mantém o conjunto dos dados e considerações que compõem o texto, e pode ser útil e, por vezes, mesmo necessário consultar os sítios eletrônicos (sites) das principais organizações internacionais, porquanto as mudanças são constantes e devem ser acompanhadas de perto. A vastidão do volume disponível de informação torna temerário tentar pesquisar qualquer assunto sem a verificação on line dos últimos dados disponíveis, em qualquer instituição internacional. O direito, como um todo, e especialmente o direito internacional são, simultaneamente, dados de informação e também arcabouço cultural e histórico, com razoável carga combinada de informação e formação. Ambas são necessárias para a compreensão mais precisa dos fenômenos – o que se pode exprimir com os conceitos básicos e as atualizações periódicas. Ambos os percursos são válidos e podem, inclusive, ser combinados. Além de atualizações incidentais, nesta edição se acresce novo item sobre a secessão de estado no direito internacional, à luz da recente manifestação da Corte Internacional de Justiça, no Parecer consultivo de 22 de julho de 2010, sobre a legalidade perante o direito internacional da adoção de declaração unilateral da independência do Kosovo. Várias questões relevantes são tratadas pela Corte nesse parecer – que deve se tornar referência frequente em futuras decisões e comentários doutrinários – e, dentre estas, a Corte Internacional de Justiça afirma ser o direito à autodeterminação dos povos uma das mais relevantes inovações do direito internacional nos últimos sessenta anos. Embora sem deixar de mencionar também a questão da integridade territorial dos estados. Ambas têm de ser compreendidas em sua aplicação e em seus desdobramentos para evitar manifestações extemporâneas e inadequadas a respeito de inovação tão relevante. São Paulo, 1º de dezembro de 2010 Paulo Borba Casella professor titular de direito internacional público e vice-diretor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo no Largo de São Francisco PREÂMBULO DA 18ª EDIÇÃO A presente 18ª edição traz, dentre as inovações mais relevantes, ao lado de outros (novos e nem tão novos) instrumentos, a ratificação pelo Brasil da Convenção de Viena sobre direito dos tratados de 1969. Esta, que se encontra em vigor internacionalmente desde 1980, somente foi completada entre nós por meio do Decreto n. 7.030, de 14 de dezembro de 2009. Resta apenas esperar que se possam assegurar a coerência do conjunto e a adequada reformulação de conceitos e práticas. A partir desse novo alinhamento, o direito brasileiro ganha com a mudança, que tardou, mas ora se completa. No curso dos próximos anos será possível avaliar a extensão e a relevância da mudança no tratamento que pela administração e pelos tribunais nacionais se faça das normas internacionais ao serem, doravante, aplicadas em nosso meio legal. A importância da mutação ocorrida merece ser enfatizada, e o é nesta edição do Manual – justamente com a liberdade de ação e a responsabilidade, que me foram confiadas por G. E. do NASCIMENTO E SILVA, como terceiro autor, e terceira geração deste Manual – e esta é a diferença entre atualizador e co-autor – no sentido de levar adiante, de modo coerente com o tempo presente, o tratamento, aqui, do direito internacional. Este tem de ser entendido como sistema institucional e normativo internacional, na formação das próximas gerações que o utilizarem. Já disse em edições anteriores e ora repito quanto são grandes a responsabilidade e a alegria de levar adiante este que é o mais consagrado e o mais internacional dos manuais brasileiros de direito internacional, pela repercussão que encontra no exterior, a cada edição, além de ser sempre citado nas bibliografias nacionais, e utilizado como fonte para estudo e concursos os mais variados, para diferentes profissões da área jurídica, como da carreira diplomática e das relações internacionais. Se tanto mudou o direito, também teria de mudar o modo como se estuda e se aprende. Esta mutação relevante se inscreve no presente Manual, ao lado de novos itens sobre as telecomunicações (5.5.2), bem como sobre a questão nuclear (6.8). Mas, além dos dados incidentais, em si significativos, cabe, também, ver a dimensão de conjunto que tais mudanças parecem indicar. Tais dados apontam para a intensificação crescente do processo de internacionalização do direito, com a consequente necessidade de adaptação das normas legais às realidades sobre as quais têm estas de incidir simultaneamente no plano interno, como no plano internacional, de modo concomitante, e com constante interação entre ambas as facetas de incidência e de aplicação do direito. Tenho tido a privilegiada possibilidade de participar, nos últimos anos, de um dos grupos de trabalho sobre a internacionalização do direito, concebido e animado por Mireille DELMAS-MARTY, jurista criativa, de rara sensibilidade e fulgurante inteligência, que integra o Collège de France, em reuniões anualmente realizadas, ora deste, ora daquele lado do Atlântico, na rede franco-brasileira, ao lado de outras redes binacionais, cujos trabalhos convergirão para reuniões multilaterais. Estes dois dados merecem ser enfatizados: multilateralização e institucionalização são fenômenos que se manifestam em todos os países, nos mais variados campos do direito. E precisam ser estudados e conhecidos. O que significa falar em “internacionalização do direito”? Que não mais pode ser visto nem tratado como realidade nacional estanque, em relação ao que se passa além das fronteiras de cada Estado: este é o passo relevante que pelo Brasil acaba de ser dado, mas é preciso traduzir em ação concreta, na prática do direito, pelos tribunais, pela administração, como no ensino do direito pela doutrina e no aprendizado do direito nas faculdades. Não foi pequena a mudança em relação aos caminhos trilhados pelo País no passado. Concretamente, a partir da ratificação da Convenção de Viena sobre direito dos tratados, têm de ser reescritos não somente os manuais nacionais de direito internacional, como os de direito constitucional e administrativo, de processo civil e penal, e de várias outras áreas do direito, todas elas sistêmica e sistematicamente permeadas pelo direito internacional, e do mesmo modo reescrita e repensada também a jurisprudência pátria, em todo o capítulo relativo às relações entre o direito internacional e o direito interno, o cumprimento de tratados, no âmbito do direito interno, e o conjunto das questões de cooperação internacional. Os vários campos do direito reagirão a seu tempo e a seu modo a tal mutação conceitual ocorrida. O Brasil acaba de integrar ao seu sistema jurídico interno o reconhecimento conceitual da dimensão maior dessa unidade de sistema institucional multilateralizado. Doravante, há de se incorporar à prática judicial e administrativa o que já foi recebido pelo direito positivo, no sentido de que o direito é mais vasto do que o conjunto de normas que se edita, em casa, nos âmbitos federal, estadual e municipal. Com consciência da importância do avanço feito, pode-se dizer que assim se marca, entre nós, o fim da visão ultrapassada, pautada pelo aspecto estritamente interestatal do direito internacional, que passa a ser obsoleta: pôs-se, assim, fim ao dualismo como modo de entender e de estudar o direito, que causou numerosos estragos entre nós, nas últimas décadas. Não mais poderia prevalecer tal entendimento, diante do mundo, cada vez mais interdependente do Brasil, que neste quer inserir-se de maneira competitiva. O direito internacional e o direito interno, a partir da entrada em vigor no Brasil da Convenção de Viena sobre direito dos tratados, não mais se podem considerar como dois compartimentos, somente tangencialmente inter-relacionados: “direito internacional” e “direito interno”. Estes não são e não podem ser tratados como dois compartimentos estanques. Não poderia ser mais claramente estipulada a obrigação, decorrente do art. 27 da Convenção de Viena de 1969: “Uma parte não pode invocar as disposições do seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado”. No direito pátrio vigente, o direito internacional passa a ser parte integrante do sistema jurídico. Não mais se pode invocar a dicotomia entre as duas ordens, que levou a alguns “enganos” e “desvios de rumo” cometidos no passado. Doravante, superados. Aceito o princípio, resta assegurar a sua implementação, de modo que se passe a aplicar como tal, na jurisprudência, e na administração do estado brasileiro, soberano e independente, mas integrado ao mundo e neste inserto, com todas as consequências daí decorrentes, e que não mais podem ser ignoradas, ou tratadas como emanação da boa vontade nacional, em relação ao exterior. Não mais se tratará de cooperar por força de cortesia internacional (comitas gentium), mas em decorrência de dever jurídico, inscrito no direito pátrio, e deste se projetar, por força do instrumento internacional ao qual estamos vinculados, para as relações do Brasil com todos os demais estados, com os quais temos ou tenhamos relações político-jurídicas. No passado, a visão estatizante e obsoleta do direito interno, reducionista na relação com o direito internacional, causou notáveis desencontros, tanto conceituais quanto práticos, entre nós. Agora, nova fase se enceta. É preciso que todos os operadores do direito se deem conta da extensão da mutação ocorrida, ex vi da entrada em vigor entre nós da Convenção de Viena sobre direito dos tratados de 1969. Não se trata, assim, somente de mais um tratado, que se vê acolhido pelo direito pátrio, mas compõe e acarreta profunda e relevante mutação conceitual. Esta mutação se exprime como parte do processo de internacionalização do direito, e se manifesta na percepção do fenômeno mundial de modificação das bases sobre as quais operam as relações humanas, no contexto pós-moderno, em complexo conjunto que acarreta a necessidade de tratamento consentâneo com os mesmos temas e necessidades pelos legisladores nacionais. O direito tem de mudar, do mesmo modo como muda o mundo e mudam as relações sociais em que este foi criado para reger. Assim, depois de se considerarem o desenvolvimento histórico e o fundamento do direito internacional – na parte primeira do Manual – apresenta-se o estado como sujeito de direito internacional – na parte segunda –, pois este é o sujeito internacional sobre o qual se constrói o vigente sistema institucional e normativo internacional, tal como emerge da Paz de Vestfália, em 1648, e ainda se mantém no sistema da ONU, desde 1945. A Convenção de Viena sobre direito dos tratados, em seu art. 3º, menciona ser esta aplicável aos instrumentos celebrados por escrito, entre estados, mas não exclui o reconhecimento da validade de outros acordos, inclusive nem sequer celebrados por escrito, tampouco de instrumentos celebrados “entre estados e outros sujeitos do direito internacional ou entre estes outros sujeitos do direito internacional” – e estes outros sujeitos não são somente as organizações internacionais – tratadas na parte terceira deste Manual – mas também apontam para o reconhecimento progressivo de outros sujeitos internacionais – como se considera na parte quarta do Manual, onde se estuda o ser humano no direito internacional. Ora se sabe e cada vez mais se experimenta a extensão na qual, além dos estados, outros “agentes não estatais” existem e operam no plano internacional. A seguir consideram-se o território no direito internacional – na parte quinta do Manual – e o direito internacional do meio ambiente – na parte sexta. O conjunto das normas internacionais na regulação dos espaços (terrestre, marinho, aéreo, espaço exterior) passou por grande evolução nas últimas décadas, e tende a reforçar o sentido de coesão e de interdependência, como ilustram os conceitos de “patrimônio comum da humanidade”, na regulação dos espaços, e de “interesse comum da humanidade”, no direito internacional ambiental. Mostra-se quanto mudou o mundo e quanto consequentemente mudou o direito, que o regula. E isso se põe – na parte sétima do Manual – na solução de controvérsias e guerra no direito internacional, e se encerra com rápida menção ao direito internacional entre universalismo e regionalismo – na parte oitava. Este Manual se apoia sobre o conjunto da disciplina, em relação direta com três obras: de H. ACCIOLY, o Tratado de direito internacional (“terceira edição histórica”, Brasília: FUNAG/São Paulo: Quartier Latin, 2009, 3 v.); de P. B. CASELLA, os Fundamentos do direito internacional pós-moderno (São Paulo: Quartier Latin, 2008), e o Direito internacional dos espaços (São Paulo: Atlas, 2009). Estas últimas, de caráter essencialmente doutrinário, são, com exceção de poucas passagens, totalmente distintas deste Manual. Abordam o direito internacional sob a perspectiva dos desafios do presente contexto pós--moderno. Discussões doutrinárias lá abordadas não seriam cabíveis no Manual. O processo de inserção dos ditames desse texto internacional de fundamental importância, conceitual e prática, contidos no “tratado sobre tratados” traz o direito brasileiro para o estado da arte na matéria de relações entre ordens jurídicas nacionais em relação ao conjunto do direito, tal como se manifesta no plano internacional. A ratificação pelo Brasil da Convenção de Viena sobre direito dos tratados mostra que já era tempo de sanar esse descompasso entre o direito brasileiro e o sistema institucional e normativo internacional. O direito internacional, assim, há de se estudar de modo sintonizado com o mundo sobre o qual tem de atuar, de forma a se lhe agregarem a história e a geografia, como a política e as instituições, para compor conjunto normativo e de práticas aceitas como válidas e vinculantes. O direito, como um todo, e especialmente o direito internacional não são nem podem ser tratados como mero curso profissionalizante: existe bagagem cultural que acompanha e compõe a formação jurídica, tanto quanto o conhecimento das leis e dos meios e modos de operação dos tribunais e dos caminhos e meandros de operação da administração estatal. Não se podem reduzir o estudo e o conhecimento do direito ao mero dado técnico do funcionamento deste: o estudo – e a compreensão da natureza e do papel social do direito se inscrevem nas “ciências humanas” como dados para a vida do homem em sociedade. No caso do direito internacional, agrega-se a dimensão das relações entre sociedades, tanto na perspectiva dos estados, das organizações internacionais, das organizações não governamentais como dos indivíduos, no plano internacional. A grande mutação em curso no direito internacional no contexto pós-moderno mostra que não se pode esquecer essa indispensável dimensão, que vai além da visão do direito como apanágio exclusivo dos estados, e tão somente do que estes fazem e aplicam como tal. Não se pode compreender adequadamente o direito se este for visto e tratado como setor compartimentado, controlado pelo estado. O direito é mais do que isso, e, de modo consentâneo, a sua dimensão humana tem de ser enfatizada. Quer ele se manifeste no plano interno, quer no plano internacional, reflete a ação humana, no tempo e no espaço, que, por sua vez, marca essa mesma ação humana na obra de construção (como de destruição) do trabalho do homem no espaço do mundo e no tempo humano deste espaço. Advertia sabiamente C. Wilfred JENKS (1973) 1: “o estado existe para o homem e não o homem para o estado” 2. Da mesma forma, o direito internacional deve ser compreendido não como sistema para regular a relação entre estados, mas como sistema institucional e normativo internacional, criado entre estados, tendo como fim o homem. É o direito, como um todo, produto da vida social, e desta em sua mais extensa dimensão e no seu plano mais vasto: o direito internacional rege as relações entre sociedades, agrega-se como superestrutura às concomitantes estruturas políticas internas, e se põe como o coroamento do sistema humano de regulação da convivência entre sociedades, normalmente expressas por meio das relações entre estados. Mas não somente entre estes, porquanto mais e mais abrange outros “agentes não estatais”, diretamente criando direitos e obrigações, para os indivíduos, como para organizações não governamentais. Mais complexo e mais abrangente – nesta que configura a grande mutação em curso, no direito internacional pós-moderno – este passa de sistema interestatal para conjunto normativo e institucional mais amplo, com tutela legal do ser humano, tanto para a este garantir direitos (a proteção internacional dos direitos fundamentais), como para a este impor obrigações e deste cobrar responsabilidade (direito internacional penal e a responsabilidade criminal do indivíduo, regida por normas internacionais). Essas dimensões simplesmente não existiam – ou eram muito incipientes – antes da primeira guerra mundial ou mesmo até o advento do sistema posterior à segunda guerra mundial. É fácil perceber como se tem multiplicado desde então. Sem que se caia no extremo oposto de atribuir ao direito internacional pósmoderno tantas pretensões, no sentido de um “direito internacional providência”, que este se esvazie de sua viabilidade e de sua eficácia enquanto sistema institucional e normativo internacional, como aponta E. JOUANNET (2007) 3. Esta nos fala, assim, sobre a necessidade de retomar a determinação dos limites que se deveria fixar ao direito internacional para conferir a este a sua verdadeira força. Por esse motivo, mudaram tanto e ainda muito terão de mudar os manuais e a forma de se estudar e se compreender o direito internacional: se, de um lado, este se torna mais humano, mais próximo do ser vivo, social, e das realidades humanas do dia a dia, por outro lado, permanece a base interestatal sobre a qual foi construído desde o início. Aí está o paradoxo do direito internacional pós--moderno: de um lado este transcende o sistema interestatal tradicional, mas por outro lado depende desse mesmo antigo arcabouço interestatal para se sustentar institucionalmente e operar na prática. Não se pode, assim, nem conceber, tampouco operar o mundo sem direito internacional, em tantas dentre todas as nossas atividades, campos inteiros, em que o direito internacional permeia a nossa vida de todos os dias, quer tenhamos consciência disso ou não: em toda e qualquer comunicação por satélites, por meio de telefones celulares ou Internet, em toda transmissão de dados, de fundos, de comunicação, escrita ou verbal, em todas as conexões aéreas, todas as normas reguladoras dessas atividades (embora sejam editadas internamente como normas nacionais), todas as cartas e remessas postais, todas as transferências eletrônicas de fundos. E, assim por diante, em campos os mais variados da vida diária, em extensão e com frequência cada vez maiores. A disciplina, que, entre nós, historicamente contou sempre com expoentes pouco numerosos, de primeira grandeza, ganha destaque, em razão da mudança do contexto internacional, concomitantemente à busca sempre renovada de mais ativa inserção do país no mundo, por mais desastradas que sejam as formas adotadas, multiplicando-se o ensino e o estudo da disciplina que, depois de permanecer “disciplina optativa”, em grande número dos cursos de graduação nacionais, pelo lapso tenebroso de inteira geração – do qual ainda se colhem amargos frutos –, voltou a integrar o currículo mínimo obrigatório dos cursos de graduação em direito, a partir de 1994. Se, de um lado, a obrigatoriedade do direito internacional no ensino jurídico tem de ser festejada, simultaneamente deve ser acompanhada pelo controle de qualidade no estudo e reflexão sobre o direito, especialmente no âmbito internacional, para que se tenha conscientização crescente das necessidades e imperativos do mundo e das normas além da extensão do quintal de casa, ainda mais no tocante às relações entre direito interno e direito internacional e em matéria de vigência e aplicação de tratados. Presente embora, permanece incipiente o estudo do direito internacional entre nós, estimando-se em cerca do mínimo de 1,5% da carga horária da inteira graduação em direito, em muitos cursos, até o máximo de 9% nos mais bem aparelhados. Não é de hoje que as forças da civilização e da barbárie se enfrentam – bem apontava o poeta e pensador francês Paul VALÉRY, após a primeira guerra mundial, ante a constatação de que nós, “as civilizações”, aprendemos a ser mortais. A questão nuclear – que recebeu novo item nesta edição – mostra, de modo paradigmático, esta nossa humana fragilidade. A ideia de construção de paz passa a ser condicionada pela percepção da transitoriedade das construções humanas: do ideal da paz perpétua, lançado no século XVIII, o precedente conformou-se com a ideia da transitoriedade desta. A verdadeira paz, essa forma de paz que conviria à era atual, não pode ser somente espécie de trégua de duração indeterminada. As civilizações, que aprenderam a ser mortais, são também interdependentes. O direito internacional tem justamente o papel de ser a norma de regência das relações entre estados – e aí estão sua natureza e seus dilemas, pois a efetividade da norma em boa medida dependerá da aplicação que desta se faça pelos seus sujeitos. Ao lado dos tradicionais sujeitos de direito internacional, ganham espaço crescente outros sujeitos de direito, as organizações internacionais, as organizações não governamentais e o ser humano, mais e mais, reconhecido como sujeito de direitos e obrigações, também no plano do direito internacional, embora permaneça limitado em sua capacidade de atuação internacional. A convicção quanto à necessidade e ao papel do direito internacional é vital, exatamente quando, ameaçadas as bases institucionais e legais da vida humana, tem-se de ter consciência dos valores e mantê-los vivos, para aplicar os conceitos de legalidade de ação e regulação da vida entre estados, para reger a vida mundial, como parâmetro para o comportamento dos estados e demais sujeitos de direito internacional: somente nos pode servir para informar o presente, esse momento fugaz e passageiro, para poder construir futuro melhor para a humanidade, em que o direito internacional tem papel fundamental a desempenhar. Não por virtude, mas por questão de sobrevivência da humanidade e da vida no planeta. Presente o preocupante contexto internacional atual, com recrudescimento do uso unilateral da força, contrário ao direito internacional vigente, legalmente infundado, desastroso na prática, como mostra a ocupação do Iraque, em curso desde março de 2003. Igualmente desastroso, no intuito de promover combate ao terrorismo internacional, causar violações ao direito, com risco de fazer mal ainda maior, atropelar princípios legais vigentes no âmbito internacional, com esquecimento da regra básica de que questões intrinsecamente internacionais somente internacionalmente podem ser resolvidas. O Tribunal Penal Internacional, ao lado de outras instâncias jurisdicionais internacionais, pode e deve ser unanimemente reconhecido como avanço, rumo à instauração de patamar mais elevado e consistente da legalidade internacional. Parece este ser considerado como ameaça pelos que pretendem fazer as próprias regras e se esquecem do legado do século XX, tão fascinante quanto complexo, do qual a única lição a tirar é que o estado de direito não admite transigência, quer interna, quer internacionalmente; tem-se de progressivamente construir as bases do sistema de direito internacional cogente, não passível de redução ao princípio pacta sunt servanda. Contrariamente, a rejeição ao TPI cria mundo menos seguro, e a busca de acordos bilaterais de “exclusão de jurisdição”, de duvidosa legalidade, tem pernicioso alcance, como considero. As normas cogentes de direito internacional geral não são passíveis de derrogação. Elas passaram a ser material e formalmente acolhidas pelo direito brasileiro, a partir da entrada em vigor da Convenção de Viena sobre direito dos tratados, tal como as consigna em seus arts. 53 e 64. A construção de equilíbrio entre forças e princípios, nunca fácil, faz-se premente: inaugura-se o terceiro milênio com ingredientes explosivos, em combinação monumental, ao congregar conflito de civilizações e recrudescimento do avanço sobre as instituições e as normas internacionais, assim como sobre as liberdades civis. Poluição e necessidade de controle da ação do homem sobre o meio ambiente podem ser ameças muito mais sérias e concretamente presentes para o futuro da humanidade que o terrorismo, e este, assim como o crime organizado, ou a lavagem de dinheiro, deve ser coibido mediante cooperação judiciária internacional, nunca unilateralmente, por medidas internas, oriundas de qualquer estado. A concomitante construção de espaços regionais de integração e espaços de cooperação e coordenação multilateral pode ser tão indispensável quanto difícil entre sujeitos de direito internacional, demasiadamente focados somente em seus assuntos internos e conscientes de suas alegadas prerrogativas, soberanas e independentes, como canal e caminho de busca de eficiência da atuação econômica, em contexto de interdependência cada vez mais acentuada. Não somente por virtude, mas também por interesse, impõe-se aos estados perceber e atuar no sentido de que a construção de blocos e a interação deles, amparadas em regras mundiais do comércio, no âmbito da Organização Mundial do Comércio, podem ser elementos para a construção de cooperação mais efetiva visando enfrentar não somente questões de curto prazo (como estabilidade de moeda e equilíbrio de fluxos comerciais), como também, quiçá, voltar-se para os grandes desafios de toda a humanidade: a fome, a pobreza, o analfabetismo, a degradação do meio ambiente pela ação do homem, que afeta a todos. Dentre tópicos de inevitável relevância humana, devem estar sempre presentes no debate entre estados a evolução do direito internacional. A negligência em relação ao direito internacional ambiental, paradigmaticamente expressa pela rejeição de compromissos efetivos em Copenhague, em 2009, pode ser mais perigosa que as alegadas ameaças do terrorismo internacional – e por isso vamos pagar todos, sem distinção. Mantidos o espírito e o propósito desta obra, deu-se, desde a 16a edição, a reformulação de todos os itens, além do aspecto gráfico, em relação ao conteúdo e ao enfoque, considerados os desenvolvimentos recentes da jurisprudência internacional, da doutrina e de resoluções do Instituto de Direito Internacional. São ferramentas indispensáveis para respaldar o exame dos conceitos desenvolvidos no livro. O fenômeno da integração e das organizações internacionais tinha sido discutido, e enfatizava NASCIMENTO E SILVA a necessidade de atualizar e estender esses tópicos, quem sabe condensando-os em volume independente por ocasião de futuras edições. Reformulado o Manual, traz toda essa parte substancial atualização. Guarda caráter esquemático, porquanto os desenvolvimentos específicos são de tal ordem que constituem disciplina autônoma do direito internacional, no contexto pósmoderno, e tendem a constituir-se como manuais próprios, para disciplinas independentes. O trabalho de revisão e atualização do presente Manual trouxe inovações que proporcionalmente representaram mais da metade do conjunto da obra, dentre as quais se contam mais de duas mil notas de rodapé. Essa missão sempre se renova e precisará de colaboração valiosa, com a qual tive o privilégio de contar e da qual me encarregar de proceder à atualização, total ou parcial. Mais uma vez pude contar com a inestimável colaboração de André VIVAN DE SOUZA, em toda a parte relativa ao direito internacional do meio ambiente. Ao mesmo tempo cumpre agradecer a colaboração e frisar ser estritamente minha a responsabilidade pelas escolhas feitas e pelas conclusões apresentadas no conjunto do Manual. Em respeito à memória de Hildebrando ACCIOLY e, além do respeito, também o carinho, pela memória de Geraldo Eulálio do NASCIMENTO E SILVA, com o assentimento expresso das famílias de ambos, em relação a mais esta edição publicada pela Editora Saraiva. Ao confiar-me a sucessão do Manual, disse NASCIMENTO E SILVA que seria bom para o trabalho ser conduzido pelo futuro titular de direito internacional público da Universidade de São Paulo. Folgo em constatar que ele estava certo, e pude honrar o voto de confiança que me tinha dado! Cabe, agora, assegurar a continuidade e a qualidade do trabalho! Finalmente, não posso deixar de consignar os mais efusivos votos e a expressão de satisfação em termos à frente da Universidade de São Paulo, como reitor pelos próximos quatro anos, o Prof. Dr. João Grandino RODAS, que, jus​internacionalista de escol, foi entre nós um dos primeiros a escrever a respeito da Convenção de Viena sobre direito dos tratados, já na década de 1970, e, dentre outras tantas atribuições, também exerceu o cargo de consultor jurídico do Ministério das Relações Exteriores, desempenhando há anos a titularidade da cadeira de direito internacional privado. Foi também nosso diretor, no Largo de São Francisco, e poderá ser o responsável por mudança significativa na condução da primeira dentre as universidades do país, responsável por mais de 25% de toda a produção acadêmica nacional, no indispensável rumo da internacionalização e da cooperação institucional com equivalentes no exterior. São Paulo, 25 de janeiro de 2010 Paulo Borba Casella professor titular da cadeira de direito internacional público e chefe do departamento de direito internacional e comparado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo 1 C. Wilfred JENKS, Economic and social change and the law of nations (RCADI, 1973, t. 138, p. 455-502). 2 C. W. JENKS (op. cit., 1973, p. 495). 3 Emmanuelle JOUANNET, À quoi sert le droit international? Le droit international providence du XXIe siècle (Revue belge de droit international, 2007/1, Bruxelles: Bruylant, p. 5-51): “Une logique juridique et politique à l’oeuvre depuis 1945 dans le droit international contemporain qui fait de lui un droit international providence. C’est un droit qui intervient partout, et qui cherche à combler les deséquilibres économiques, sociaux, écologiques et sanitaires de la planète. Mais ce faisant, il suscite des attentes et contient des promesses, qu’il ne pourra peut-être pas tenir”. INTRODUÇÃO: NOÇÃO, OBJETO E MÉTODO O direito, como um todo, pode ser considerado a partir de distintas facetas, que visem organizar seu estudo e conhecimento, sem tornar tais fracionamentos fins em si mesmos, mas tendo consciência da finalidade sobretudo didática e metodológica que orientou essa “divisão”. Nesse sentido, distinguem-se, normalmente, direito interno e direito internacional, onde um se destinaria a reger as relações jurídicas no interior do sistema jurídico nacional e o outro, as relações entre os diferentes sistemas nacionais, seja enfatizando os estados, organizações internacionais e demais atores internacionais (direito internacional público ou simplesmente direito internacional) ou as relações entre particulares, revestidas de elementos de estraneidade (direito internacional privado). Pode-se, a partir daí, enfatizar ulteriores subdivisões, no direito interno, entre direito público e direito privado, regendo o direito público as relações de subordinação entre o estado e os indivíduos (direito constitucional, administrativo e tributário), enquanto ao direito privado competiria regular as relações de coordenação entre particulares, nas diferentes esferas de atuação da vida, tanto das pessoas físicas como jurídicas de direito privado interno (direito civil, comercial, societário, do trabalho, do consumidor etc.). Os sistemas internos tendem a ver-se como todos orgânicos e sistemáticos, quase como fins em si mesmos, voltados para si mesmos e com atitude muitas vezes claramente defensiva em relação ao exterior. No direito internacional estar-se-á considerando a criação e atuação da norma jurídica além dos limites do direito interno, como convivência entre pares (relações entre estados) ou convivência entre sistemas. As relações entre estados se caracterizaram, durante séculos, pelo caráter pontual, enfatizando a soberania, a independência, a não ingerência nos assuntos internos, antes de dar lugar à configuração crescentemente institucional do contexto internacional, que se esboça com a gênese e o desenvolvimento das organizações internacionais, na segunda metade do século XIX, e se cristaliza com a institucionalização dos fenômenos de integração regional, em arcabouço de regulação de vocação mundial do comércio, na segunda metade do século XX, criando novos modelos e parâmetros de atuação internacional do estado, com a tentativa de coroamento desse conjunto por normas visando regular a convivência entre estados, com “direitos e deveres” destes. Isto é o bastante para deixar claro como se altera estrutural e irreversivelmente o contexto internacional, passando o direito internacional de capítulo, quase estanque do todo, de regulação da convivência de estados quase estanques entre si, para a regulação institucionalizada de questões estruturais, mais e mais reconhecidas como intrinsecamente internacionais. A mudança de contexto e de âmbito de atuação exigiu e exige considerável reformulação do escopo das normas e dos mecanismos de implementação destas. Esse fenômeno, cujas necessidades foram experimentadas no século XX, terá de ser efetivado no século presente. Da convivência pontual, herdada de outras eras, em direito de coexistência 1, esse legado permanece como paradigma válido, passa-se à convivência e desta pode passar a patamares de integração2. DEFINIÇÃO E DENOMINAÇÃO todo estudo há de ser iniciado pela definição de seu objeto A definição do direito internacional depende da fundamentação teórica, defendida pelos diversos estudiosos3, principalmente quanto ao seu fundamento, fontes e evolução histórica. Como J. F. WILLIAMS (1933) 4 frisava: “em direito – e particularmente em direito internacional, esse direito que, na prática, é antes matéria dos homens de estado, muito mais que dos sábios e dos especialistas – os termos, que não façam parte de terminologia especialmente elaborada, serão empregados em seu sentido corrente, por pessoas de cultura normal, e não em sentido especial e esotérico” 5. A tendência de tomar por base do direito internacional os estados, posteriormente estendida a condição de sujeitos às organizações intergovernamentais, mais e mais levou ao imperativo reconhecimento6, ainda que em medida restrita, da personalidade jurídica internacional a entidades não estatais e ao homem, como princípio e fim último de todo ordenamento legal. A visão clássica do direito internacional teve e tem seu papel e deve ser referida para permitir a adequada avaliação do fenômeno7. Após a criação da Sociedade das Nações, passam a ser mencionadas também as organizações internacionais como sujeitos de direito internacional. Estas passam a ser o canal institucional das relações internacionais pós--modernas, e ocupam papel central no sistema institucional e normativo internacional atual. A condição jurídica do homem, antes domínio dos sistemas de direito interno, prevista nas Constituições de alguns países, passa a ser objeto do direito internacional por meio da proteção internacional dos direitos fundamentais. CARRILLO SALCEDO (1996) enfatiza 8 ter se tornado menos absoluto o relativismo do direito internacional pósmoderno: “essa nova dimensão do direito internacional, enquanto ordem jurídica da comunidade internacional, vem se agregar às dimensões tradicionais da ordem jurídica, reguladora das relações interestatais de coexistência e de cooperação”. Os direitos fundamentais consolidam-se no estudo de inúmeros internacionalistas, sob o fundamento de que todo direito visa em última análise ao homem. Dentre os autores que, pioneiramente, defenderam esse novo enfoque, para Nicolas POLITIS (1927), o direito internacional é “o conjunto de regras que governam as relações dos homens pertencentes aos vários grupos nacionais”, enquanto Th. MERON (2003) considera característica do direito internacional vigente o que denomina “a idade dos direitos humanos” 9. Contudo, da mesma maneira que para uns o direito internacional tem por principal objetivo a proteção dos direitos do homem, alguns outros autores pensam que ele visa apenas aos estados, onde estes podem delegar aos organismos internacionais certos direitos e obrigações, e depende, em última análise, do reconhecimento dos direitos fundamentais do homem. René-Jean DUPUY, nessa corrente, ensina ser o direito internacional “o conjunto de regras que regem as relações entre os estados”. Precipuamente, sim, mas não se pode reduzir o direito internacional somente às relações interestatais. Pode, assim, ser definido o direito internacional como o conjunto de normas jurídicas que rege a comunidade internacional, determina direitos e obrigações dos sujeitos, especialmente nas relações mútuas dos estados e, subsidiariamente, das demais pessoas internacionais, como determinadas organizações, bem como dos indivíduos. Justamente aí se inscreve a característica essencial desse direito internacional em mutação, que pode ser chamado de direito internacional pós-moderno: a emergência e o papel crescente do ser humano, no contexto internacional. A crise da pós-modernidade não surge no direito, mas atinge em cheio o direito internacional e terá de ser enfrentada por este 10. existência e denominação do direito internacional Poucos autores ainda negam a existência do direito internacional, e é sintomático que os estados nunca recorram a esse argumento, mas busquem, no próprio direito internacional, justificar as suas ações, mesmo quando violam suas normas. Contrariamente à opinião amplamente divulgada e que se explica em razão de algumas graves e espetaculares violações do direito internacional, este é aplicado, é observado de modo igualmente amplo e consistente, com toda a naturalidade, nas incontáveis situações de relações entre os estados e demais sujeitos de direito internacional. Convém mencionar os argumentos, geralmente inspirados em tentativas de reduzir o direito internacional a noções de força ou de moral internacional, para, a seguir, negar o caráter jurídico do direito internacional. Outros críticos parecem querer transpor conceitos de direito interno, para negar o caráter jurídico do direito internacional, em razão da ausência de leis internacionais, de tribunais ou de sanções. Querer reduzir o direito a sistema de relações de força 11 não somente nega a qualidade de direito às normas regentes das relações entre estados como também contraria os fatos. Todos os estados observam, em suas relações, normas que conscientemente consideram obrigatórias, vinculantes e restritivas do exercício das respectivas soberanias nacionais. Da mesma forma esvazia o direito internacional de seu conteúdo jurídico e de sua efetividade a pretensão de querer reduzilo a conjunto de postulados de moral internacional12. Se o direito se torna impreciso, perde grande parte de sua eficácia. O argumento da ausência de lei pode ser descartado pelo simples raciocínio de que não se deve confundir lei com direito. Além do mais, principalmente depois da criação das Nações Unidas, a sociedade internacional tem adotado uma série de tratados multilaterais, destinados a regulamentar as relações internacionais, sem falar nas regras de direito internacional costumeiro, ou consuetudinário, observadas pelos estados em suas relações recíprocas. O argumento da ausência de tribunais cai por terra a partir da instauração dos mecanismos institucionais de solução de controvérsias entre estados13. O fenômeno ocorre a partir do momento em que existem tribunais internacionais aos quais os estados podem submeter as suas queixas: a Corte Permanente de Arbitragem existe e opera desde 1899; a Corte Permanente de Justiça Internacional, no período entre as duas guerras mundiais, e, desde 1946, a Corte Internacional de Justiça 14, sucessora da Corte Permanente. Ao lado desta, o Tribunal Internacional para direito do mar (estipulado pela Convenção das Nações Unidas para Direito do Mar, 1982, instalado e em operação desde 1996), bem como o Tribunal Penal Internacional (estipulado pelo Estatuto de Roma, de 1998, instalado desde 2002), bem como os Tribunais internacionais ad hoc, criados pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, para a ex-Iugoslávia e para Ruanda. Convém, ainda, lembrar ser a coexistência dos vários tribunais internacionais especializados a materialização da expansão da função judicial internacional15. Os tribunais são posteriores ao direito, e a maioria dos atos, mesmo em direito interno, ocorre fora dos tribunais, que exercem uma função psicológica. O argumento da ausência de sanções reflete o erro essencial dessa concepção: considerar o estado como a única fonte de direito. Paul REUTER (1961) enfatiza “a recusa do monopólio” sobre o direito16, na linha de Ph. JESSUP e Alfred VERDROSS. Quanto mais perfeita a ordem jurídica, menor a necessidade de coação17. Esta pode existir como potencialidade, sem necessariamente ter de ser transformada em medidas coercitivas ou sem que haja relação direta entre o estado, responsável pela violação, e os estados que reajam a tal violação18. A expressão direito internacional (international law) surge com Jeremias BENTHAM, em 1780, utilizada em oposição a national law ou a municipal law. Traduzida para o francês e demais línguas latinas como direito internacional, a expressão tem sido criticada, visto que para estas a palavra nação não tem o mesmo significado de estado, como em inglês. Para alguns juristas, o mais correto seria falar em direito interestatal, mas atualmente a expressão se acha consagrada, e modificá-la já não se justifica. Na medida em que os estados sejam estados nacionais, a expressão encontra certo grau de justificação. A palavra público pode ser acrescentada a fim de distinguir a matéria do direito internacional privado (conflict of laws dos países de língua inglesa), embora o qualificativo seja dispensável. Como, ademais, aqui se assinala, mas não se retoma. Muitos autores empregam a expressão direito de gentes (law of nations ou Völkerrecht), utilizada por Richard ZOUCH (1650), que é mantida em uso por Antoine FAVRE (1974), melhor dito, jus inter gentes. Como formulara Francisco de VITÓRIA19. A expressão direito das gentes tem o inconveniente de criar confusão com o direito das gentes do direito romano (jus gentium), cujo objeto era outro. É, contudo, usada frequentemente como sinônimo de direito internacional, e evitar confusão com o direito internacional privado. Outras expressões sugeridas, como direito público internacional, não são neutras, mas têm o objetivo de salientar o primado do direito público sobre o dado internacional, o que se aproxima da corrente positivista: o direito das gentes, visto como emanação do direito interno, relativo às relações internacionais (ausseres Staatsrecht), “direito público externo”. Clóvis BEVILÁQUA, ao intitular seu livro Direito público internacional20, evidencia determinada filiação intelectual, que não é simples detalhe terminológico21. Não se constrói sistema internacional com a simples superposição mais que soma de sistemas internos, estes colocados lado a lado. Aí não se inscreve conjunto de princípios, normas e instituições da ordem internacional. Para A. A. CANÇADO TRINDADE (2002) 22: “o direito internacional, ao longo dos anos, tem se transformado sob o impacto dos ideais, e o reconhecimento de que não depende da vontade dos estados: se fosse produto exclusivo de tal vontade, não poderia obrigá-los e se os obriga, não é mero produto de sua vontade”. Embora passível de reparos, a denominação23 direito internacional integrou--se, de tal modo, ao uso corrente, a ponto de que quaisquer tentativas de construção terminológica diversa acabam não indo além da obra e do círculo de influência pessoal dos autores que as formulam 24. Consignados os reparos, cabe assinalar se estes mantêm a utilização do termo habitual. Cabe, na sequência, passar ao exame sumário do desenvolvimento histórico do direito internacional25. Logicamente não será esse exame exaustivo, mas, aqui, tão somente destinado a situar perspectiva histórica em que se insere a evolução da disciplina. Não se trata de enfoque histórico do direito internacional. Existem bons estudos a respeito, dentre os quais C. H. ALEXANDROWICZ (1968, 1960) 26, L. ALI KHAN (1996) 27, E. C. BAPTISTA (1997) 28, J. BARBERIS (2000, 1992, 1983) 29, C. BARCIA TRELLES (1939, 1933, 1930, 1927) 30, P. BASTID (1948) 31, B. BOUTROS-GHALI (2000) 32, M. BOURQUIN (1953, 1931) 33, C. CARDAHI (1937) 34, J. A. CARRILLO-SALCEDO (1996) 35, C. G. F. CASTAÑON (1954) 36, F. CASTBERG (1973, 1933) 37, E. CATELLANI (1933) 38, A. CAVANNA (1982) 39, J. DEPREZ (1988) 40, E. -E. -F. DESCAMPS (1930) 41, C. DUPUIS (1937, 1930, 1924) 42, R. DUPUIS (1939) 43, R.-J. DUPUY (2000, 1999, 1993, 1989, 1989-bis, 1988, 1984, 1981, 1979, 1960) 44, G. A. FINCH (1935) 45, G. FITZMAURICE (1957) 46, P. FORIERS (1961, 1987) 47, T. M. FRANCK (1999, 1993) 48, A. GARDOT (1948, 1934) 49, D. GAURIER (2005) 50, J. GILISSEN (1988, 1979) 51, W. GOULD (1957) 52, W. G. GREWE (2000, 1984) 53, P. GUGGENHEIM (1958) 54, J. HABERMAS (2000, 1998, 1996) 55, R. HERNANDEZ (1977) 56, A. HERRERO–RUBIO (1952) 57, A. P. HIGGINS (1932) 58, Ph. C. JESSUP (1960) 59, E. JIMENEZ DE ARECHAGA (1978) 60, S. KORFF (1924) 61, S. B. KRYLOV (1947) 62, M. LACHS (1989, 1980, 1976, 1964, 1957) 63, L. Le FUR (1935, 1932, 1927) 64, J. R. Lima LOPES (2002) 65, J. D. McCLEAN (2000, 1996, 1992) 66, E. McWHINNEY (2002, 1979) 67, J. MOREAU-REIBEL (1950) 68, O. NIPPOLD (1924) 69, S. PLANAS- SUAREZ (1924) 70, D. PERKINS (1955) 71, P. B. POTTER (1938) 72, L. QUIDDE (1929) 73, B. V. A. RÖLING (1960) 74, B. L. SMITH (2000) 75, M. De TAUBE (1939) 76, G. TÉNÉKIDÈS (1963, 1956) 77, A. TRUYOL Y SERRA (1995, 1983, 1987, 1965, 1961, 1959) 78, S. VEROSTA (1952) 79, YUEN Li Liang (1948) 80 ou M. ZIMMERMANN (1933) 81. Não é estudo de “história” do direito internacional: volta-se o foco ao presente e ao futuro deste, com a grande indagação, que se vai ter de enfrentar e responder, no mundo atual e preparando as bases para a convivência internacional dos estados e demais atores não estatais, na ordem internacional82, a saber se se pode pretender regular essa convivência pelo direito ou pela força. São estes os desafios, e o contexto específico, do direito internacional pósmoderno83. Observa Paul de LA PRADELLE (1974) 84: “a análise das relações entre estados não é perfeita na apresentação dos Estados sucessivos das relações políticas: normais ou de crise, com intermediárias situações marginais de tensão ou distensão, ou normalização de relações... Nem tudo está no comportamento ou funcionamento de sistema que seria isolado de qualquer diretriz e de qualquer princípio organizacional. As relações internacionais sempre foram e continuarão a ser relações da comunidade humana, onde o homem aparece, na condição de indivíduo ou de integrante de determinado grupo, como o sujeito constante dessas condutas. Essas relações não podem ser consideradas sem direito que lhes diga respeito e as mantenha em determinada direção” 85. Como enfatiza D. McCLEAN (2000) 86, pode ser que não tenhamos feito grande progresso no desenvolvimento do direito internacional, nos últimos 300 anos” muito embora, igualmente, advirta: “o desenvolvimento de concepções jurídicas, tal como a ascensão e a queda de ideologias políticas, e a emergência de novos períodos na história da arte ou da música, não podem ser temporalmente determinadas com grande precisão” 87. 1 W. FRIEDMANN, The changing structure of international law (Londres: Stevens & Sons, 1964). 2 V. “organizações internacionais”; nesse sentido, L. FAVOREU (1991) considerava a justiça constitucional como elemento de construção da ordem jurídica europeia. 3 PIÉDELIÈVRE, no fim do século XIX, dizia: “as definições dadas pelos autores a este ramo da ciência jurídica são diversas e, em geral, bastante incompletas, o que se explica pela diversidade dos pontos de vista nos quais eles se colocaram para as formular. Uns apresentam o direito internacional como um ideal que as coletividades humanas devem visar, sem levar em consideração a prática dos fatos, outros não veem senão uma coleção de regras e de princípios já reconhecidos e definitivamente estabelecidos, alguns o encaram como uma lei universal, superior a todas as legislações positivas, destituída de sanção, mas ainda se impondo à observância dos Estados na regulamentação de suas relações recíprocas”. É de lembrar que na época a qualidade de sujeito internacional era atribuída apenas aos Estados e não a outras entidades. M. DÍEZ DE VELASCO adota outro enfoque: antes de plantear o conceito de direito internacional é necessário ter em mente as dimensões culturais, materiais e formais ou normativas do sistema internacional, com especial ênfase no consenso na formação das normas. Em vista de tais considerações, define: “sistema de princípios e normas que regulam as relações de coexistência e de cooperação, frequentemente institucionalizadas, além de certas relações comunitárias entre Estados dotados de diferentes graus de desenvolvimento socioeconômico e de poder”. Definição, com ênfase no objeto, a de Jorge AMERICANO: “o objeto do direito internacional é o estabelecimento de segurança entre as Nações, sobre princípios de justiça para que dentro delas cada homem possa ter paz, trabalho, liberdade de pensamento e de crença”. 4 John Fischer WILLIAMS, La doctrine de la reconnaissance en droit international et ses développements récents (RCADI, 1933, t. 44, p. 199-314). 5 J. F. WILLIAMS (op. cit., 1933, p. 207). 6 J. F. WILLIAMS (op. cit., 1933, p. 209): Si nous consultons les auteurs, nous constatons que le principe de la reconnaissance dans les affaires internationales a ordinairement trouvé trois champs d’application principaux: 1. la reconnaissance d’états nouveaux; 2. la reconnaissance de gouvernements nouveaux dans les états existants; 3. la reconnaissance de la bélligérance. Mais le mot ‘reconnaissance’ a été aussi employé dans les affaires internationales sous un rapport plus large, plus général, à savoir, en relation avec les nouvelles situations de fait telles que résultent d’une annexion de territoire. Pourtant ce dernier usage a été si peu fréquent dans le passé que, si l’on compulse les tables des matières des traités de droit international, l’on n’y trouve pas en règle de référence à cet usage, contre lequel les développements contemporains ont tendance à s’appesantir. 7 Como exemplo podemos citar duas definições de autores brasileiros do século XIX. Para PIMENTA BUENO (1863), “o direito internacional público ou das gentes, jus gentium publicum ou jus publicum intergentes, é o complexo dos princípios, normas, máximas, atos, ou usos reconhecidos como reguladores das relações de nação a nação, ou de Estado a Estado, como tais, reguladores que devem ser atendidos tanto por justiça como para segurança e bem-ser comum dos povos”. Para Antônio de Vasconcellos MENEZES DE DRUMMOND (1867), “o direito internacional, Direito das Gentes ou das Nações, enfim o direito público exterior, é o complexo dos direitos individuais e recíprocos entre as mesmas Nações”. 8 Juan Antonio CARRILLO SALCEDO (1996, p. 146): “parece inegável, apesar das dificuldades e ambiguidade das noções de jus cogens e de obrigações erga omnes, terem estas aportado relevantes limitações ao relativismo do direito internacional clássico, e contribuído para a afirmação progressiva de desenvolvimento do direito internacional compreendendo as normas imperativas às quais os estados não se podem furtar, a partir do momento em que estes reivindicam a qualidade de membros da comunidade internacional. (...) Eis porque acredito que a noção de normas cogentes não é inadaptada à estrutura do sistema internacional contemporâneo, apesar dos dados incontestavelmente interestatais deste, onde as normas imperativas de direito internacional são igualmente necessárias e possíveis”. 9 N. POLITIS, Les nouvelles tendances du droit international (Paris: Pedone, 1927); MERON, Theodor, International law in the age of human rights: general course on public international law (RCADI, 2003, t. 301, p. 9-490). 10 A respeito da relação entre pós-modernidade e direito internacional, v., justamente, os Fundamentos (2008). 11 A influência de G. HEGEL, nos séculos XIX e XX, sobre amplos setores do pensamento político e jurídico, faz prevalecer o poder como princípio da política e norteador das relações internacionais, em detrimento da concepção de sistema internacional, institucional e normativo, de caráter vinculante, de fundamento moral. Aí se inscrevem os autores de linha dita realista nas relações internacionais, defensores estes de políticas de força e de relações de interesse, em oposição aos considerados idealistas, que enfatizariam os princípios (tais como, a igualdade jurídica dos estados), os propósitos comuns (a construção da paz e do desenvolvimento), bem como a crescente e inexorável interdependência, não somente entre estados, como para todos os seres vivos, ante a necessidade de condições que permitam a sobrevivência da vida inteligente no planeta. 12 Dentre os representativos dessa linha de redução do direito internacional a moral ou mera cortesia internacional (comitas gentium), John AUSTIN considerava somente existir direito no seio dos estados, ou Julius BINDER que considerava não passar a humanidade de mera abstração. Não havendo comunidade de interesses e valores no sistema internacional, não haveria direito internacional. As normas deste não passariam de regras morais ou questões de usos e costumes, sem qualquer caráter vinculante para a determinação da conduta dos estados. 13 L. CAFLISCH, Cent ans de règlement pacifique des différends interétatiques (RCADI, 2001, t. 288, p. 245-467, cit. p. 260-1): “além da proibição – muitas vezes platônica – de pegar em armas e do dever eventual de estabelecer consultas e negociações com a outra parte, ou as demais partes no litígio, nenhuma norma de direito consuetudinário pode ser identificada nesse setor, exceto a exigência fundamental de que qualquer intervenção de terceiro, bem como as modalidades desta, devem ser acordadas por todas as partes, seja em relação à controvérsia especificamente em questão, seja antecipadamente, em relação a futuras controvérsias ou categorias de controvérsias. Não existem instâncias permanentes de vocação universal, que, à imagem dos tribunais nacionais, teriam competência para decidir qualquer controvérsia unilateralmente levada perante estas, por uma das partes. Aqui, também, se está em presença de situação essencialmente descentralizada, dominada pela soberania estatal, mesmo se ocorreram, desde a primeira guerra mundial, ou mesmo desde as Conferências de paz da Haia, de 1899 e 1907, tentativas de favorecer certo grau de centralização. Tais esforços, embora fragmentários e, por vezes, passageiros, parecem essenciais”. 14 http://www.icj-cij.org/icjwww/idecisions.htm. 15 A. A. CANÇADO TRINDADE, Os rumos do direito internacional contemporâneo (op. cit., 2002, p. 1091-1092): “Longe de ameaçarem a unidade do direito internacional, os tribunais internacionais especializados têm contribuido para afirmar a aptidão do direito internacional para dirimir controvérsias jurídicas nas mais distintas áreas da atividade humana. (...) A realização da justiça internacional, mediante a expansão da função judicial, com a operação dos múltiplos tribunais internacionais hoje existentes, vem atender a uma das maiores aspirações da comunidade internacional, como um todo”; v. tb. A. A. CANÇADO TRINDADE, Tribunais internacionais contemporâneos: coexistência e expansão (Rev. Del Rey Jurídica, Belo Horizonte, 2006, p. 6-11), conclui: “Os tribunais internacionais contemporâneos, ao atenderem a uma real necessidade da comunidade internacional, têm fomentado o alentador processo histórico que testemunhamos, e para o qual contribuimos, que me permito denominar de humanização do direito internacional”. 16 Paul REUTER, Principes de droit international public (RCADI, 1961, t. 103, p. 425-656). 17 A Carta das Nações Unidas enumera, arts. 41 e 42, a série de medidas a serem aplicadas no caso de ameaça ou ruptura à paz e segurança internacionais, cabendo ao Conselho de Segurança a principal responsabilidade 18 Jochen Abr. FROWEIN, Reactions by not directly affected states to breaches of public international law (RCADI, 1994-IV, t. 248, p. 345-438). 19 Francisco de VITÓRIA, Political writings (edited by Anthony PAGDEN e Jeremy LAWRANCE, “Cambridge texts in the history of political thought”, Cambridge: UP, 1991) ou F. de VITÓRIA, Leçons sur le pouvoir politique (intr., trad. et notes par M. BARBIER, Paris: Vrin, 1980), ou ainda, F. de VITÓRIA, Obras: relectiones teológicas (ed. crítica, versão espanhola, intr. geral Pe. Teófilo URDANOZ, Madri: BAC, 1960). A. GOMEZ ROBLEDO, Le jus cogens international: sa génèse, sa nature, ses fonctions (RCADI, 1981-III, t. 172, p.9-217). Na lição sobre o poder civil, De potestate civili, enfatiza VITÓRIA: “o direito das gentes não tem somente força de pacto ou de convenção entre os homens, mas possui, igualmente, força de lei. O mundo inteiro, na verdade, que, de certo modo, constitui uma república, tem o poder de levar leis justas e ordenadas para o bem de todos, tais como são as do direito das gentes. Consequentemente, quando se trata de questões graves, nenhum estado pode se considerar desvinculado do direito das gentes, pois este é colocado pela autoridade do mundo inteiro”. 20 Clóvis BEVILÁQUA, Direito público internacional: a synthese dos princípios e a contribuição do Brasil (1910; 2 ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1939); v., ainda, deste, os Princípios elementares de direito internacional privado (Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 3. ed., 1938). 21 A transposição da ordem dos termos público antes de internacional coloca a ênfase no direito estatal (público), voltado para assuntos externos (internacional), não sendo, assim, direito internacional, mas direito público e, como tal, emanação da vontade do estado, e por este se pretenderia ser internamente regulado, embora voltado a assuntos da área externa. Não pode ser aceitável como equivalente do direito internacional público. Isso se evidencia, por exemplo, ao se declarar sermos País “dualista moderado”, o que não será fácil explicar, tampouco justificar. Concepção intelectualmente datada e conceitualmente difícil de sustentar, tanto mais em face da consistente jurisprudência histórica do Supremo Tribunal Federal, herdada do século XIX, consistentemente aplicada e mantida, até muito recentemente, quando parece ter se introduzido essa “hesitação”. Resta ver se, após a Emenda Constitucional n. 45/2004, se mantém a tendência em relação aos julgamentos a ser feitos pelo Superior Tribunal de Justiça. Cf. P. B. CASELLA, Constituição e direito internacional (in Direito da integração, org. P. B. CASELLA e V. L. V. LIQUIDATO, São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 31-55). 22 Antonio Augusto CANÇADO TRINDADE, “Os rumos do direito internacional contemporâneo: de um jus inter gentes a um novo jus gentium no século XXI” (in O direito internacional em um mundo em transformação (ensaios, 1976-2001), Rio de Janeiro: Renovar, 2002, cap. 24, p. 1039-1109); no mesmo sentido, o conjunto dos ensaios do volume A humanização do direito internacional (Belo Horizonte: Del Rey, 2006). 23 A. A. CANÇADO TRINDADE (op. cit., 2002, p. 1087): “Com a gradual evolução da simples justaposição de estados soberanos do passado, à formação de uma comunidade internacional, intensificada no último meio século, os estados passam a reagir a violações graves do direito internacional ainda que não diretamente afetados por elas; surgem obrigações, emanadas do direito internacional, que os vinculam, independentemente de sua vontade individual”. 24 Como a sugerida terminologia de “direito transnacional” nunca foi adiante dos escritos de seu autor, Ph. C. JESSUP, A half century of efforts to substitute law for war (RCADI, 1960, t. 99, p. 1-20). 25 V. tb. Fundamentos (2008), esp. itens II, “precisões terminológicas e valorativas”, e VI, “direito, história e cultura”. 26 C. H. ALEXANDROWICZ, The Afro-Asian world and the law of nations: historical aspects (RCADI, 1968, t. 123, p. 117214); C. H. ALEXANDROWICZ, Treaty and diplomatic relations between European and South Asian powers in the seventeenth and eighteenth centuries (RCADI, 1960, t. 100, p. 203-322). 27 L. Ali KHAN, The extinction of nation-states: a world without borders (Haia: Kluwer, 1996, cit. p. 35): “The way in which we recall history makes a difference”. 28 Eduardo Correia BAPTISTA, Ius cogens em direito internacional (Lisboa: Lex Ed., 1997). 29 Julio A. BARBERIS, La concepción brasileña del “uti possidetis” (in Dimensão internacional do direito: estudos em homenagem a G. E. do NASCIMENTO E SILVA , São Paulo: LTr, 2000, p. 33-48); Julio A. BARBERIS, em cursos na Haia, Les règles spécifiques du droit international en Amérique latine (RCADI, 1992, t. 235, p. 81-230) e Nouvelles questions concernant la personnalité juridique internationale (RCADI, 1983, t. 179, p. 145-304). 30 C. BARCIA-TRELLES, Fernando Vazquez de Menchaca (1512-1569): l’école espagnole du droit international du XVIe siècle (RCADI, 1939, t. 67, p. 429-534); Francisco Suárez [1548-1617]: les théologiens espagnols du XVIe siècle et l’école moderne du droit international (RCADI, 1933, t. 43, p. 385-554); La doctrine de Monroe dans son développment historique particulierement en ce qui concerne les relations interaméricaines (RCADI, 1930, t. 32, p. 391-606); Francisco de Vitoria et l’école moderne du droit international (RCADI, 1927, t. 17, p. 109-342). 31 P. BASTID, La révolution de 1848 et le droit international (RCADI, 1948, t. 72, p. 167-282). 32 Boutros BOUTROS-GHALI, em conferência na Haia, Le droit international à la recherche de ses valeurs: paix, développement, démocratisation (RCADI, 2000, t. 286, p. 9-38). 33 M. BOURQUIN, em dois cursos na Haia, La sainte alliance: un essai d’organisation européenne (RCADI, 1953, t. 83, p. 377464) e Règles générales du droit de la paix (RCADI, 1931, t. 83, p. 1-232). 34 C. CARDAHI, em curso na Haia, La conception et la pratique du droit international privé dans l’Islam: étude juridique et historique (RCADI, 1937, t. 60, p. 507-650). 35 Juan Antonio CARRILLO-SALCEDO, em curso na Haia, Droit international et souveraineté des états: cours général de droit international public (RCADI, 1996, t. 257, p. 35-221). 36 C. G. F. CASTAÑÓN, Les problèmes coloniaux et les classiques espagnols du droit des gens (RCADI, 1954, t. 86, p. 557-700). 37 Frede CASTBERG, em conferência na Haia, International law in our time (RCADI, 1973, t. 138, p. 1-26); Frede CASTBERG, em curso na Haia, La méthodologie du droit international public (RCADI, 1933, t. 43, p. 309-384). 38 E. CATELLANI, em curso na Haia, Les maîtres de l’école italienne du droit international au XIXe siècle (RCADI, 1933, t. 46, p. 704-826). 39 Adriano CAVANNA, Storia del diritto moderno in Europa: I. le fonti e il pensiero giuridico (Milão: Giuffrè, 1982). 40 J. DEPREZ, em curso na Haia, Droit international privé et conflits de civilisations: aspects méthodologiques (les relations entre systèmes d’Europe occidentale et systèmes islamiques en matière de statut personnel) (RCADI, 1988, t. 211, p. 9-372). 41 (Baron) Edouard-Eugène-François DESCAMPS, Le droit international nouveau: influence de la condamnation de la guerre sur l’évolution juridique internationale (RCADI, 1930, t. 31, p. 393-560). 42 C. DUPUIS, Les antécédents de la Société des Nations (RCADI, 1937, t. 60, p. 1-110); seu já ref. Règles générales du droit de la paix (RCADI, 1930, t. 32, p. 1-290) e Liberté des voies de communication: relations internationales (RCADI, 1924, t. 2, p. 125-444). 43 R. DUPUIS, Aperçu des relations internationales en Europe de Charlemagne à nous jours (RCADI, 1939, t. 68, p. 1-94). 44 René-Jean DUPUY, na última edição publicada em vida do autor, Droit international public (Paris: PUF, “Que sais-je?”, 2000); René-Jean DUPUY, Dialectiques du droit international (Paris: Pedone, 1999); René-Jean DUPUY (coord.), The development of the role of the Security Council / Le développement du role du Conseil de Sécurité (Haia: ADI, colloque 1992, publ. 1993); René-Jean DUPUY, em conferência na Haia, La révolution française et le droit international actuel (RCADI, 1989, t. 214, p. 9-30); René-Jean DUPUY, La clôture du système international: la cité terrestre (Paris: 1989); René-Jean DUPUY, na conferência Le mythe dans la vie internationale (le texte est la transcription littérale de l’enregistrement de la conférence faite par Mr. le Prof. RenéJean DUPUY, le 14 décembre 1987, à Nice, Cycle de conférences portant sur «La diplomatie nouvelle», Nice: Institut du droit de la paix et du développement / Institut européen des hautes études internationales, 1988); René-Jean DUPUY (coord.), The future of international law in a multicultural world / L’avenir du droit international dans un monde multiculturel (Haia: ADI, colloque 1983, publ. 1984); RenéJean DUPUY (coord.), The new international economic order: commercial, technological and cultural aspects / Le nouvel ordre économique international: aspects commerciaux, technologiques et culturels (Haia: ADI, colloque 1980, publ. 1981); René-Jean DUPUY, em dois de seus cursos na Haia, Communauté internationale et disparités de développement: cours général de droit international public (RCADI, 1979, t. 165, p. 9-231) e Le droit des relations entre les organisations internationales (RCADI, 1960, t. 100, p. 457-589). 45 G. A. FINCH, Les sources modernes du droit international (RCADI, 1935, t. 53, p. 531-630). 46 (Sir) Gerald FITZMAURICE, The general principles of international law considered from the standpoint of the rule of law (RCADI, 1957, t. 92, p. 1-228). 47 Paul FORIERS, L’organisation de la paix chez GROTIUS et l’école de droit naturel (Paris: Vrin, 1987, précédé de A. TRUYOL Y SERRA, La conception de la paix chez VITORIA. La présente édition est la reprise de deux articles parus dans les «Recueils de la société Jean BODIN pour l’histoire comparative des institutions», tome XV “la paix”, deuxième partie, Bruxelles: Éditions de la Librairie Encyclopédique, 1961); C. BARCIATRELLES, Francisco de Vitoria et l’école moderne du droit international (RCADI, 1927, t. 17, p. 109-342). 48 Thomas M. FRANCK, The empowered self: law and society in the age of individualism (Oxford: UP, 1999); Thomas M. FRANCK, em curso geral na Haia, Fairness in the international legal and institutional system: general course on public international law (RCADI, 1993, t. 240, p. 9-498). 49 A. GARDOT, em dois cursos na Haia, Le droit de la guerre dans l’oeuvre des capitaines français du XVIe siècle (RCADI, 1948, t. 72, p. 393-540); A. GARDOT, Jean Bodin: sa place parmi les fondateurs du droit international (RCADI, 1934, t. 50, p. 545-748). 50 Dominique GAURIER, Histoire du droit international public (Rennes: PU de Rennes, 2005). 51 John GILISSEN, Introdução histórica ao direito (do original Introduction historique au droit, © 1979, trad. A. M. HESPANHA e L. M. Macaísta MALHEIROS, Lisboa: Fund. C. Gulbenkian, 1988). 52 Wesley GOULD, An introduction to international law (New York: Harper & Brothers, 1957). 53 W. G. GREWE, seu excelente Epochen der Völkerrechtsgeschichte (Baden-Baden: Nomos, 1984, trad. inglesa, The Epochs of international law, Berlin – New York: W. de Gruyter, 2000). 54 P. GUGGENHEIM, Contribution à l’histoire des sources du droit des gens (RCADI, 1958, t. 94, p. 1-84). 55 Jurgen HABERMAS, Après l’état-nation: une nouvelle constellation politique (© 1998 e 1999, trad. Rainer ROCHLITZ, Paris: Fayard, 2000); Jurgen HABERMAS, La paix perpétuelle: le bicentenaire d’une idée kantienne (do original Kants Idee des Ewigen Friedens aus dem historischen Abstand von 200 Jahren, © 1996, trad. Rainer ROCHLITZ, Paris: Cerf, 1996). 56 Ramón HERNANDEZ, Un español en la ONU: Francisco de Vitória (Madri: BAC, 1977). 57 A. HERRERO-RUBIO, Le droit des gens dans l’Espagne du XVIIIe siècle (RCADI, 1952, t. 81, p. 309-450). 58 A. P. HIGGINS, La contribution de quatre grands juristes britanniques au droit international Lorimer, W estlake, Hall et Holland (RCADI, 1932, t. 40, p. 1-86). 59 Philip C. JESSUP, na Haia, A half century of efforts to substitute law for war (RCADI, 1960, t. 99, p. 1-20). 60 Eduardo JIMENEZ DE ARECHAGA, em curso na Haia, International law in the past third of a century (RCADI, 1978, t. 159, p. 1-343). 61 (Barão) Serge A. KORFF, em curso na Haia, Introduction à l’histoire du droit international (RCADI, 1923, t. 1, p. 1-24). 62 S. B. KRYLOV, em curso na Haia, Les notions principales du droit des gens: la doctrine soviétique du droit international (RCADI, 1947, t. 70, p. 407-476). 63 M. LACHS, Le monde de la pensée en droit international public: théories et pratique (Paris: Economica, 1989); M. LACHS, The development and general trends of international law in our time: general course in public international law (RCADI, 1980, t. 169, p. 9-377); M. LACHS, Teachings and teaching of international law (RCADI, 1976, t. 151, p. 161-252); M. LACHS, The international law of outer space (RCADI, 1964, t. 113, p. 1-116); M. LACHS, Le développement et les fonctions des traités multilatéraux (RCADI, 1957, t. 92, p. 229-342). 64 Louis E. Le FUR, em três cursos na Haia, dos quais tangencialmente, Règles générales du droit de la paix (RCADI, 1935, t. 54, p. 1-308), mas sobretudo Louis E. Le FUR, Le développement historique du droit international: de l’anarchie internationale à une communauté internationale organisée (RCADI, 1932, t. 41, p. 501-602) e Louis E. Le FUR, La théorie du droit naturel depuis le XVIIe siècle et la doctrine moderne (RCADI, 1927, t. 18, p. 259-442). 65 José Reinaldo Lima LOPES, O direito na história: lições introdutórias (São Paulo: Max Limonad, 2000; 2. ed., 2002, esp., para este trabalho o Cap. “as ideias jurídicas do século XVI ao século XVIII: o direito natural moderno e o iluminismo”, p. 177-212). 66 John David McCLEAN, De conflitctu legum: perspectives on private international law at the turn of the century: general course on private international law (RCADI, 2000, t. 282, p. 41-228); J. D. McCLEAN, A common inheritance? An examination of the private international law tradition of the Commonwealth (RCADI, 1996, t. 260, p. 9-98) ; J. D. McCLEAN, The contribution of the Hague conference to the development of private international law in the common law countries (RCADI, 1992, t. 233, p. 267-304). 67 Edward McWHINNEY, tangencialmente em seu curso na Haia, Self-determination of peoples and plural-ethnic states (secession and state succession and the alternative federal option) (RCADI, 2002, t. 294, p. 167-264), mas sobretudo E. McWHINNEY, Classical international law sources and contemporary law-making (Haia: Sijthoff & Noordhoff Int’l. Publ., 1979). 68 J. MOREAU-REIBEL, em curso na Haia, Le droit de société interhumaine et le jus gentium: essai sur les origines et le développement des notions jusqu’à Grotius (RCADI, 1950, t. 77, p. 481-598). 69 O. NIPPOLD, em curso na Haia, Le développement historique du droit international depuis le Congrès de Vienne (RCADI, 1924, t. 2, p. 1-24). 70 S. PLANAS-SUAREZ, em curso na Haia, L’extension de la doctrine de Monroe en Amérique du Sud (RCADI, 1924, t. 5, p. 267-366). 71 Dexter PERKINS, antes estudo histórico de doutrina internacional, A history of the Monroe doctrine (Boston: Little Brown, 1955). 72 P. B. POTTER, Le développement de l’organisation internationale (1815-1914) (RCADI, 1938, t. 64, p. 71-156). 73 L. QUIDDE, Histoire de la paix publique en Allemagne au moyen âge (RCADI, 1929, t. 28, p. 449-598). 74 Bert V. A. RÖLING, The law of war and the national jurisdiction since 1945 (RCADI, 1960, t. 100, p. 323-456). 75 Bradford L. SMITH, The third industrial revolution: law and policy for the Internet (RCADI, 2000, t. 282, p. 229-464). 76 (Barão) Michel De TAUBE, L’apport de Byzance au développement du droit international (RCADI, 1939-I, t. 67, p. 233-340). 77 G. TÉNÉKIDÈS, em dois cursos na Haia, Droit international et communautés fédérales dans la Grèce des cités (RCADI, 1956, t. 90, p. 469-652) e Régimes internes et organisation internationale (RCADI, 1963, t. 110, p. 271-418). 78 A. TRUYOL Y SERRA, Antonio, Histoire du droit international public (Paris: Economica, 1995); Théorie du droit international public: cours général (RCADI, 1981, t. 173, p. 9-443); A. TRUYOL Y SERRA, AGO, SCHIEDERMAIR, RIPHAGEN, FEENSTRA, Commémoration du quatrième centenaire de la naissance de Hugo Grotius — commemoration of the fourth centenary of the birth of Grotius (RCADI, 1983, t. 182, p. 371-469); A. TRUYOL Y SERRA, La conception de la paix chez VITORIA et les classiques espagnols du droit des gens suivi de Paul FORIERS — l’organisation de la paix chez GROTIUS (Paris: Vrin, 1987 — la présente édition est la reprise de deux articles parus dans les Recueils de la société Jean BODIN pour l’histoire comparative des institutions, tome XV “la paix”, deuxième partie, Bruxelles: Éditions de la Librairie Encyclopédique, 1961); A. TRUYOL Y SERRA, L’expansion de la société internationale au XIXe et XXe siècles (RCADI, 1965, t. 116, p. 89-179); A. TRUYOL Y SERRA, Génèse et structure de la société internationale (RCADI, 1959, t. 96, p. 553-642). 79 Stephan VEROSTA, em curso na Haia, International Law in Europe and W estern Asia between 100 and 650 A.D. (RCADI, 1952, t. 80, pp.485-620). 80 YUEN Li Liang, Le développement et la codification du droit international (RCADI, 1948, t. 73, p. 407-532). 81 Michel ZIMMERMANN, La crise de l’organisation internationale à la fin du moyen âge (RCADI, 1933, t. 44, p. 315-438). 82 Fausto de QUADROS e André Gonçalves PEREIRA, Manual de direito internacional público (Coimbra: Almedina, 3. ed., rev. e aum., 1995, parte V, “A evolução atual do direito internacional. O futuro do direito internacional”, p. 657 e s., cit. item 3, “A prospectiva: rumo a um direito mundial?”, p. 668): “Para alguns autores o direito internacional poderia evoluir, mais tarde ou mais cedo, para uma ordem jurídica uniforme, comum a toda a comunidade internacional, e uma das suas expressões poderia ser a de um direito federal à escala do globo. À actual fragmentação do direito internacional por espaços regionais substituir-se-ia, desse modo, a sua mundialização ou globalização. Em nosso entender, não é previsível que tal evolução ocorra nos tempos mais próximos. E por várias razões”. 83 V. Fundamentos (2008); v. tb. A. A. CANÇADO TRINDADE, seus já referidos A humanização do direito internacional (Belo Horizonte: Del Rey, 2006) e O direito internacional em um mundo em transformação (ensaios, 1976-2001) (Rio de Janeiro: Renovar, 2002). 84 Paul de LA PRADELLE, Progrès ou déclin du droit international? (in La communauté internationale: mélanges offerts à Charles ROUSSEAU, Paris: Pédone, 1974, p. 139-152). 85 P. de LA PRADELLE (art. cit., 1974, p. 139): “Les gouvernants au pouvoir, dans la politique qu’ils suivent dans leurs rapports respectifs, utilisent des instruments, inventent et mettent en oeuvre des institutions dont la réalité ne permet pas d’isoler le phénomène étatique du concept de l’état de droit”. 86 J. David McCLEAN, “De conflictu”: perspectives on private international law at the turn of the century: general course on private international law (RCADI, 2000, t. 282, p. 41-228); v. tb. J. D. McCLEAN, A common inheritance? an examination of the private international law tradition of the Commonwealth (RCADI, 1996, t. 260, p. 9-98); J. D. McCLEAN, The contribution of the Hague conference to the development of private international law in the common law countries (RCADI, 1992-II, t. 233, p. 267-304). 87 D. McCLEAN (op. cit., 2000, chap. I, “A historical perspective”, p. 51-67, cit. p. 51-2, mais adiante p. 63-64): “We can at least describe and seek to understand the questions raised by our subject, and the process by which they are answered; and we can trace, partly by using an historical perspective, the forces which shaped the process and the content of jurisdictional and choice of law rules. Lawyers should not be afraid of simplicity. (...) When I spoke earlier about the legal map of the world, I said that even with the growing power of regional organizations such as the European Union, each individual country retains its own body of law, its own system of courts, its own legal personnel. The rules of the conflict of laws are essentially directions to the legal personnel of a particular country. That simples observation may prove a more helpful starting-point than any amount of speculation as to the correct seat of a legal relation”. 1 DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO E FUNDAMENTO As noções, compartilhadas por inúmeros autores1, quanto à Antiguidade do direito internacional podem levar a situar o surgimento deste nos tempos mais remotos, praticamente desde o momento em que ocorrem registros escritos de história 2. Nesse sentido, A. TRUYOL Y SERRA (1995) faz remontar o direito internacional à “passagem do quarto para o terceiro milênio a. C., por volta de 3010, no limite entre a cronologia mítica e a cronologia histórica” 3. Em sentido oposto, D. GAURIER (2005): “tradicionalmente se o faz começar, grosso modo, no fim do século XV e mais precisamente no XVI, citando alguns grandes autores, dentre os quais dois nomes voltam constantemente, o dominicano espanhol Francisco de VITÓRIA (1480-1546) e o holandês Huig DE GROOT, dito GRÓCIO (1583-1646)” 4. Os exemplos citados mostram a emergência progressiva de sistema internacional. No período de 100 até 650 a.D., a Ásia ocidental e a Europa, abrangendo toda a costa mediterrânea no norte da África, constituem sistema de estados e unidades políticas soberanas, regido por regras de direito nas suas relações internacionais. Ressalta S. VEROSTA 5, esse sistema político tem como eixos dois grandes impérios, o persa e o romano6. Enfatiza que Roma, durante mil e quinhentos anos, muito embora tenha tido poucas décadas sem estar envolvida em conflitos armados, com a exceção da conquista das Ilhas Britânicas, consistentemente aplicou o princípio de fazer guerras de defesa, mais do que guerras de ataque. Motivada pela necessidade de defender, fortalecer ou recuperar províncias do império, e menos por espírito de agressão, ganância ou vaidade imperial. Roma manteve relações de direito internacional com muitos dos estados, nações e tribos além dos limites do limes a linha de fortificações que marcava o limite do Império Romano7. O princípio jurídico básico – pacta sunt servanda – tinha aplicação não somente nos contratos civis, mas também nos tratados8. A guerra (bellum justum), somente poderia ser declarada havendo justa causa (justa causa belli). Da mesma forma, M. ZIMMERMANN (1933) 9 aponta ser “incontestável que uma organização jurídica internacional, muito desenvolvida, já era conhecida na Idade Média” 10. Para TRUYOL Y SERRA (1965) 11, a partir da noção escolástica de corpus politicum mysticum, quando aplicada à sociedade política, sobretudo na doutrina de F. SUAREZ, “acarreta processo global de verdadeira mutação da sociedade internacional”. Nesse sentido, a grande contribuição dos precursores, F. de VITÓRIA e F. SUAREZ, estaria em terem intuído e anunciado “essa interdependência do gênero humano, como um todo, que constitui o fato radicalmente novo de nossa época” 12. Em lugar de alimentar o debate a respeito do marco inicial de existência e de operação do direito internacional, pode-se adotar marco específico, para justificar o conceito. Desse modo, a rigor, se vem falar em direito internacional, a partir dos tratados de Munster e Osnabruck, também ditos da Paz de Vestfália (1648), ou da obra de GRÓCIO. Instrumentalmente, será esta a base, aqui adotada. Em tal escolha se põem como etapas relevantes, rumo à institucionalização de sistema internacional, na esteira do que representaram, a seu tempo, os precursores tratados de Munster e de Osnabruck, pondo os fundamentos do assim chamado sistema da paz de Vestfália (1648), a seguir, os congressos de Viena (1815) e de Aix-la-Chapelle, ou Aachen (1818), o tratado de Versalhes, de 28 de junho de 1919, entre a Alemanha e os vencedores da primeira guerra mundial, e os tratados correlatos, celebrados com os demais países derrotados, com estrutura e disposições equivalentes: tratado de Saint-Germain, com a Áustria, em 10 de setembro de 1919, tratado de Neuilly, com a Bulgária, em 27 de novembro de 1919, tratado de Trianon, com a Hungria, em 4 de junho de 1920, e o de Sèvres, com a Turquia, em 10 de agosto de 1920 – este último, não aceito pelos nacionalistas turcos, liderados por Mustafá KEMAL, depois das vitórias turcas sobre os gregos em 1921-1922, foi substituído por outro, em condições muito mais favoráveis, para a Turquia republicana, o tratado de Lausanne, de 24 de julho de 1923. O sistema de Viena, embora concebido inicialmente como marco garantidor da estabilidade e dos interesses dinásticos13, ganha outra dimensão e mais durabilidade a partir da construção do “concerto europeu” 14: “apesar dos esforços da Santa Aliança, após o Congresso de Viena, para voltar ao passado, na medida em que isso parecia ainda possível, nessa época se assiste, particularmente após os eventos que tem como teatro as Américas, põe fim ao antigo regime no plano internacional”. Esse sistema perdura, com percalços, até a eclosão da primeira guerra mundial e a instauração do novo sistema, com o tratado de Versalhes (1919) e seus correlatos. Este, por sua vez, ao soçobrar, em razão da eclosão da segunda guerra mundial, deixará marcos e marcas que serão, em considerável medida, retomados e reordenados15, no âmbito do sistema da Organização das Nações Unidas, a partir de 1945. 1.1 ESTUDO DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA Para o correto conhecimento dos princípios do direito internacional, é indispensável o estudo histórico de sua evolução. Nos últimos cem anos, dentre todos os ramos jurídicos, o direito internacional é o que mais tem evoluído, influenciando todos os aspectos da vida humana. Se até o início do século XX o direito internacional era bidimensional, por versar apenas sobre a terra e o mar, a partir de então, graças principalmente às façanhas de Alberto SANTOS DUMONT16, passa a ser tridimensional17 e, após a segunda guerra mundial, a abarcar ainda o espaço ultraterrestre e os fundos marinhos. Inúmeros autores têm dividido a evolução do direito internacional em períodos. Semelhante exercício tem seus méritos, muito embora tais classificações têm muito de arbitrário. Além do mais, de um período a outro não ocorrem rupturas. Outrossim, verifica-se que características de determinado período tiveram geralmente origem no anterior, e princípios nascidos em um permanecem nos subsequentes, modificando-se de acordo com o passar do tempo. Os institutos e normas básicas do direito internacional têm de ser situados como padrão de conduta natural e base inquestionável para estudos e escritos a respeito da história humana, a seu tempo18. A temporalidade está inserta em toda obra humana, o que entraria na noção mais vasta do direito intertemporal. Antonio GOMEZROBLEDO (1981) adverte: “um direito particular, subjetivo, está sempre em função da ordem jurídica total ou do sentimento jurídico de cada época, e que subsiste ou se extingue segundo a evolução desses grandes conjuntos, no seio dos quais se encontra essa inserção” 19. Desde o início do direito internacional, propriamente dito, Hugo GRÓCIO utiliza precedentes bíblicos, bem como casos da História Antiga, grega e romana, para estabelecer normas de direito internacional. Cornélio van BYNKERSHOEKutilizará extensamente referências à prática do seu tempo. Da mesma forma como, hoje, utilizamos precedentes julgados e pareceres prolatados pela Corte permanente de justiça internacional e Corte Internacional de Justiça ou passagens extraídas de laudos arbitrais internacionais. Na construção de sua fundamentação20, GRÓCIO faz a distinção entre direito natural e direito positivo, “termos que os helenistas costumam traduzir como deveres o primeiro e mandamentos o segundo” 21, e refere a distinção feita por Moisés MAIMONIDES (1135-1204) 22, entre direito natural (Mitsvoth) e direito positivo (Khukkim) 23: “as disposições gerais dos mandamentos têm necessariamente uma razão e foram prescritas em vista de certa utilidade; mas as disposições de detalhe, como se diz, não têm outro fim além de prescrever alguma coisa”. A dificuldade coloca-se com relação à aferição de quais sejam tais princípios e como determinar o conteúdo destes. Se não se pode demonstrar, torna-se questão de fé, não de conhecimento. Nesse sentido, A. A. CANÇADO TRINDADE aponta como marco da evolução: “na medida em que o direito internacional, a partir de meados do século XX, logrou desvencilhar-se das amarras do positivismo voluntarista, que teve uma influência nefasta na disciplina e bloqueou por muito tempo sua evolução. O direito não é estático, nem tampouco opera no vácuo. Não há como deixar de tomar em conta os valores que formam o substratum das normas jurídicas. O direito internacional superou o voluntarismo ao buscar a realização de valores comuns superiores, premido pelas necessidades da comunidade internacional” 24. “O circunstancial pertence à política” exclamava Emer de VATTEL (1758) 25 ao falar a respeito do “direito das gentes necessário” e desenvolve a fundamentação do conceito26: “é da maior importância para as nações que o direito das gentes, base de sua própria tranquilidade, seja respeitado universalmente. Se alguma nação espezinhar abertamente esse direito, todas podem e devem insurgir-se contra ela, e ao reunirem suas forças, para punir esse inimigo comum, elas estão cumprindo seus deveres, para consigo mesmas e para com a sociedade humana, da qual são membros”27. O então denominado direito das gentes necessário que GRÓCIO fundamenta em MAIMONIDES (1135-1204), e também afirma VATTEL, seria, hoje, chamado direito internacional cogente (jus cogens) 28, ou de normas cogentes de direito internacional geral29. Dentre estas, destacam-se as normas do sistema de direito internacional dos direitos humanos. Os direitos do homem, na formulação do Instituto de Direito Internacional (Santiago de Compostela, 1989), são a expressão direta da dignidade e da personalidade humana: a obrigação, para os estados, de assegurar o respeito, decorre do próprio reconhecimento dessa dignidade, já proclamada pela Carta das Nações Unidas e pela Declaração Universal dos Direitos do Homem. Essa obrigação internacional é, segundo a formulação, utilizada pela Corte Internacional de Justiça, obrigação que se reveste de caráter erga omnes30: como tal, incumbe a todos e a cada um dos estados, perante o conjunto da sociedade internacional, como todo31; ao mesmo tempo, todos os estados têm interesse jurídico na proteção dos direitos do homem. Essa obrigação implica, ademais, o dever de solidariedade entre todos os estados32, visando assegurar, o mais rapidamente possível, a proteção, universal e eficaz, dos direitos do homem. No entendimento do Instituto, nenhum estado, ao violar essa obrigação internacional de proteção pode se eximir de sua responsabilidade internacional, sob alegação de que tal domínio constituía, essencialmente, matéria de sua competência nacional, ou de seu domínio reservado33. Sem prejuízo das funções e dos poderes, que a Carta atribui aos órgãos das Nações Unidas, em caso de violação das obrigações assumidas pelos membros da Organização, os estados, agindo individual ou coletivamente, têm o direito de adotar, com relação a qualquer outro estado que tenha infringido as obrigações de proteção dos direitos fundamentais, quaisquer medidas diplomáticas e econômicas admitidas pelo direito internacional, desde que não comportem o uso de força armada, de modo a constituir violação da Carta das Nações Unidas. Essas medidas não podem ser consideradas como intervenção ilícita nos assuntos internos de qualquer estado. As violações, cuja natureza justifiquem o recurso a tais medidas, deverão ser apreciadas, levando em consideração a denúncia de sua gravidade, e apreciadas de modo consistente 34. Deve-se enfatizar a internacionalidade do interesse e do tratamento da matéria, como dimensão adicional de garantia desses direitos do homem 35. Representa evolução cultural relevante a afirmação de que o respeito das identidades culturais se tornou objeto do direito internacional, ao menos no campo privado, em matéria de direito de família, como “consolida” a resolução, esta adotada pelo Instituto de Direito Internacional na Sessão de Cracóvia (2005) 36. Afirma o IDI essa dimensão do direito internacional pós-moderno, ao lado do reconhecimento de outras dimensões inovadoras do direito internacional pós--moderno pelo Instituto de Direito Internacional, tais como o reconhecimento da existência e conteúdo de normas inderrogáveis e de obrigações erga omnes. A existência e extensão, em direito internacional pós-moderno, está entre as mais relevantes e as mais controvertidas evoluções recentes do cenário jurídico internacional, como já apontava M. RAGAZZI (1997) 37: destinamse a “proteger interesses compartilhados pelos Estados e valores morais fundamentais” 38. Resoluções do Instituto de direito internacional são sempre marcos relevantes na afirmação e na conceituação de desenvolvimento de direito internacional, e textos recentes tiveram considerável impacto sobre o direito internacional pós-moderno, tal como ilustram as Resoluções sobre a sucessão de estado, em matéria de bens e de dívidas (Vancouver, 2001), a assistência humanitária (Bruges, 2003) e as obrigações erga omnes (Cracóvia, 2005): a prestigiosa chancela do IDI consolida não apenas o reconhecimento da crise da pós-modernidade, mas também proporciona esforços para a sua superação, o que permitirá levar adiante, a partir dessa crise, a construção do direito internacional pós-moderno! Na Sessão de Cracóvia (2005) coube ao Instituto regular a questão das obrigações erga omnes em direito internacional pósmoderno39. Caracterizadas como “obrigações que se impõem a todos os sujeitos de direito internacional, com o fim de preservar os valores fundamentais da comunidade internacional”, poderiam ser apontadas as seguintes: a interdição de atos de agressão40, a proibição do genocídio41, as obrigações relativas à proteção dos direitos fundamentais42 da pessoa humana; as obrigações ligadas ao direito à autodeterminação43 e as obrigações relativas à proteção internacional do meio ambiente. Trata-se conforme apontado, de exemplos de “obrigações que refletem tais valores fundamentais”. A Corte Internacional de Justiça reconhece e afirma o princípio da autodeterminação dos povos em seu parecer consultivo de 21 de junho de 1971, sobre a Namíbia; no parecer consultivo de 16 de outubro de 1975, sobre o Saara ocidental; bem como no julgamento de 30 de junho de 1995, no caso Timor oriental44, onde teríamos, infelizmente, mais um caso de genocídio, cf. analisa G. C. GUNN (2006) 45. Aponta J.-A. CARRILLO SALCEDO (1996) 46 a mutação conceitual em curso no direito internacional pós-moderno: mesmo se o sistema internacional permanece, hoje, como, ontem, o direito da sociedade dos estados – e nesse sentido, Prosper WEIL sustenta, com razão, que sua identidade continua inalterada – o referido autor reconhece, contudo, que o sistema normativo internacional, com certeza, mudou de conteúdo (a certainement changé de contenu). Parece, efetivamente, indiscutível, em razão dos direitos do homem e do direito de autodeterminação dos povos, termos saído da problemática tradicional do direito internacional, que é a das relações interestatais, onde, como escrevera Michel VIRALLY, a soberania põe limites à soberania, e onde o progresso do direito se faz com base na reciprocidade. Em razão desses dois desenvolvimentos, de fato a soberania vai, doravante, encontrar-se limitada por direitos pertencentes a outros sujeitos de direito, além dos estados. O direito internacional penetra no coração da soberania: nas relações do estado com os seus nacionais e, de modo mais amplo, entre o aparelho estatal e a população; portanto, entre esses dois elementos constitutivos do estado, pode-se extrair a conclusão de VIRALLY, no sentido de que todos esses desenvolvimentos do direito internacional remodelaram o perfil da soberania. Dentre as obrigações erga omnes, o Instituto considerou que, em virtude do direito internacional, algumas obrigações se impõem a todos os sujeitos do direito internacional, com o fim de preservar os valores fundamentais da comunidade internacional. Além disso, haveria amplo consenso47 para admitir que a interdição de atos de agressão, a proibição do genocídio, as obrigações concernentes à proteção dos direitos fundamentais da pessoa humana, as obrigações ligadas ao direito de autodeterminação dos povos e as obrigações relativas à proteção internacional do meio ambiente constituem exemplos de obrigações que refletem os referidos valores fundamentais. Desse modo, o Instituto, ao fazer a primeira reflexão sobre a matéria, esclarece alguns aspectos das relações interestatais, estas criadas por tais obrigações, para articular as consequências de sua violação e os meios de sanar tais violações, também reconhecendo que algumas dentre tais obrigações existem, igualmente, em relação a outros sujeitos de direito internacional, além dos estados. É preciso comemorar duplamente essa Resolução do Instituto, na medida em que se reconhecem e elencam matérias em relação às quais o direito internacional pós-moderno já teria consolidado o patamar de obrigações oponíveis contra todos (erga omnes). Ao mesmo tempo, aponta o Instituto existirem “outros sujeitos de direito internacional, além dos estados”, e ademais caracteriza tais sujeitos não estatais do direito internacional também como destinatários dessas obrigações de direito internacional oponíveis contra todos48. A obrigação erga omnes é: (a) obrigação decorrente do direito internacional geral, em relação à qual o estado, em qualquer circunstância, tem a obrigação de observar, quanto à comunidade internacional, com base em valores comuns e no próprio interesse do estado, que tal obrigação seja respeitada, de maneira que a sua violação autoriza todos os estados a reagirem contra a referida violação; ou (b) obrigação decorrente de tratado multilateral, em relação à qual o estado-parte nesse tratado tem a obrigação de observar, em qualquer circunstância, em relação a todos os estados partes no tratado, em razão de valores comuns e do interesse de todos, que tal obrigação seja respeitada, de tal modo que a sua violação autoriza todos os estados a reagirem. Quando um estado viola obrigação erga omnes, todos os estados supostamente atingidos têm o direito, mesmo sem estarem diretamente atingidos por tal violação, de exigir que o responsável assegure: (a) a cessação do fato internacionalmente ilícito; (b) a execução da obrigação de reparação, no interesse do estado, da entidade ou do indivíduo diretamente atingido pela violação. A restituição deverá ser efetuada, se esta não for materialmente impossível. Se existir vínculo jurisdicional entre o estado pretensamente responsável pela violação de obrigação erga omnes e outro estado a que seja devida tal obrigação, este último está qualificado para levar à Corte Internacional de Justiça ou perante outro tribunal internacional a demanda relativa à controvérsia em questão. A Corte Internacional de Justiça ou outro tribunal internacional deveria assegurar ao estado ao qual seja devido o cumprimento de obrigação erga omnes a possibilidade de participar do procedimento perante a Corte ou outro tribunal competente. Regras específicas deveriam reger tal participação. Caso ocorra violação grave, amplamente reconhecida, de obrigação erga omnes, há previsão de que todos os estados aos quais tal obrigação é devida: (a) devem se empenhar em pôr termo a tal violação, recorrendo aos meios lícitos, em conformidade com a Carta das Nações Unidas; (b) devem se abster de reconhecer como lícita qualquer situação decorrente desse ato violador; (c) tem a faculdade de tomar as contramedidas, que não impliquem uso da força, nas condições análogas às que seriam aplicáveis por estado diretamente atingido. E tudo isso deve ser entendido e aplicado, sem prejuízo: (a) dos direitos e das prerrogativas de estado diretamente atingido pela violação de obrigação erga omnes; (b) da aplicação das regras especificamente concernentes à violação de determinadas obrigações erga omnes; (c) dos direitos de que estado parte em tratado multilateral dispõe, em virtude do direito dos tratados, como consequência da violação desse direito. A afirmação de tais direitos e obrigações jurídicas internacionais e as especificações de seu conteúdo pelo Instituto de direito internacional representam marco na evolução do direito internacional pós-moderno. Resta ver tais dispositivos adotados e refletidos na prática dos estados. Na Resolução a respeito da competência universal em matéria penal, com relação ao crime de genocídio, aos crimes contra a humanidade e aos crimes de guerra, adotada pelo Instituto de direito internacional (na sessão de Cracóvia, em 2005) 49, mais uma vez o Instituto enfatiza serem os valores fundamentais da comunidade internacional violados pelos crimes internacionais graves, tais como definidos pelo direito internacional, e, desse modo, assinala ter a competência universal por objeto proteger tais valores, especialmente a vida humana, a dignidade humana e a integridade física, ao permitir sejam processados crimes internacionais. Desejando, assim, contribuir para a prevenção e a repressão de tais crimes, visando pôr termo à impunidade, que pode diretamente resultar da falta de vontade ou da incapacidade das autoridades estatais em tomar as medidas necessárias para processar e punir os autores de tais delitos, lembra o Instituto que todos os estados tem a responsabilidade principal de processar, de modo efetivo, os crimes internacionais submetidos à sua jurisdição ou cometidos por pessoas sob seu controle 50, ao mesmo tempo em que cumpre ressaltar a importância das instituições judiciárias internacionais, encarregadas da repressão de crimes internacionais que não sejam, ou ao menos, não de modo adequado, processados pelas autoridades judiciárias nacionais competentes. A competência universal põe-se como mecanismo adicional efetivo, no sentido de prevenir a impunidade dos crimes internacionais, em que se assinala que a competência dos estados, para processar crimes cometidos no território de outro estado, por pessoas que não tenham a nacionalidade daquele estado, deve ser regida por normas claras, a fim de não comprometer a segurança jurídica e a utilização razoável de tal competência. Para Jean-Paul JACQUÉ (1991) 51, a teoria do ato jurídico, mesmo em se tratando de noção comum aos diferentes sistemas jurídicos, não pode ser captada in abstracto, mas insere-se em determinada ordem jurídica. Se determinada manifestação de vontade pode acarretar consequências jurídicas, esse não é o ponto, exceto se for isso inscrito no subjetivismo total, não apenas em razão das suas características próprias, mas porque a ordem jurídica lhe atribui essa faculdade: para tomar o exemplo do tratado, o encontro de vontades somente produz efeitos jurídicos porque a norma pacta sunt servanda lhe reconhece essa aptidão para criar tais efeitos. Isso muitas vezes é esquecido em direito internacional, na medida em que o voluntarismo reinante permite reverenciar a vontade estatal. A aparição da noção de norma de jus cogens veio mostrar, como parece evidente, que mesmo a vontade dos estados tem de encontrar limites, e que estes não poderiam atribuir quaisquer efeitos a determinado tratado. Esse é problema de validade visto que: “para que determinado ato jurídico possa cumprir a sua função, é preciso que tire sua validade formal e material da ordem jurídica existente. Não existe teoria dos atos, sem teoria da validade” 52. Mas, adverte, passa-se insensivelmente do ato à norma e é difícil evitar esse deslize, em razão do próprio vocabulário utilizado: “o termo tratado é simultaneamente utilizado para designar o documento redigido no curso de negociações e o objeto do documento, que é a norma por este criada”. Sobretudo para fins didáticos, podem ser identificados quatro seguintes períodos: 1.1.1. o direito internacional até os tratados de Vestfália; 1.1.2. de Vestfália (1648) até Viena (1815); 1.1.3. de Viena (1815) até Versalhes (1919); 1.1.4. de Versalhes ao contexto presente; 1.1.5. perspectivas do direito internacional no século XXI; e 1.1.6. visão de conjunto da evolução do direito internacional. 1.1.1. o direito internacional até os tratados de Vestfália (1648) Os primeiros rudimentos de um jus inter gentes surgiram entre as tribos e os clãs de povos diferentes na Antiguidade, e alguns desses rudimentos jurídicos ainda sobrevivem. À medida que a civilização desses agrupamentos humanos se desenvolve, as suas relações tornam-se mais complexas e, por isso mesmo, as normas que as regulam adquirem também maior grau de complexidade 53. Entretanto, na remota Antiguidade, como nem todos os povos haviam alcançado o mesmo grau de civilização, e como, além disso, cada continente ou certas regiões de cada continente formavam como que mundos à parte, isolados uns dos outros, não poderia evidentemente haver regras idênticas para todos os povos, e o jus inter gentes primitivo muito longe estaria de possuir o caráter de universalidade que se reclama para o verdadeiro direito internacional, ou para o direito internacional tal como se entende nos tempos mais próximos de nós. Por outro lado, o isolamento em que quase sempre viviam os povos da Antiguidade e os sentimentos de hostilidade, existentes entre uns e outros, eram pouco propícios à formação e ao desenvolvimento de direito destinado a reger suas relações recíprocas. O referido isolamento era rompido, em geral, por meio de guerras, guerras de agressão e de conquista, determinadas pelo sentimento do interesse material e pela consciência da força 54. Ernst CASSIRER, em Ensaio sobre o homem (1944, ed. 2001) 55, constrói toda a segunda parte desse trabalho em torno da relação entre o “o homem e a cultura” – a natureza do homem está escrita em letras maiúsculas na natureza do estado – e, quando PLATÃO parte da antiga máxima conhece-te a ti mesmo, que SOCRÁTES aplicara em relação ao próprio indivíduo e a transpõe para o contexto da vida humana, no plano político e social, projeta essa antiga sabedoria para plano mais amplo: “a vida política não é a única forma de existência comunitária humana. Na história da humanidade, o estado, em sua forma presente, é um produto tardio do processo civilizador. Muito antes de o homem descobrir essa forma de organização social, ele havia feito outras tentativas de organizar seus sentimentos, desejos e pensamentos. Tais organizações e sistematizações estão contidas na linguagem, no mito, na religião e na arte. Deveremos aceitar essa base mais ampla, se quisermos desenvolver uma teoria do homem. O estado, por mais importante que seja, não é tudo. Não pode expressar ou absorver todas as outras atividades do homem” 56. Mostra a história humana que os homens se organizam em grupos sociais independentes, regidos por ordem interna, em tribos, cidades, cidades-estado ou estados. Tão logo distintas unidades e seus soberanos estabeleçam contato, umas com as outras, primeiro o costume e em seguida o direito costumeiro desenvolve--se para conduzir tais relacionamentos, já revestidos de caráter internacional. O primeiro tratado de que se tem documentação, no sistema das cidades--estado da Mesopotâmia, fixa as fronteiras entre as cidades de Lagash e Umma, com participação de MESILIM, soberano do vizinho estado de Kish, normalmente datado por volta de 3100 a.C.57. A respeito já se apontou a controvérsia em torno do marco histórico de surgimento do direito internacional e das diferentes manifestações iniciais58. Direito consuetudinário já esboçava na época, e conterá, em toda parte, como direito internacional geral de facto, regras a respeito: a) da inviolabilidade de arautos e mensageiros; b) da obrigatoriedade, se não mais, da santidade dos tratados (pacta sunt servanda) 59, incluindo a boa-fé (bona fides) na interpretação60 e aplicação destes61; c) do estatuto jurídico dos estrangeiros e estas, na medida em que se intensificam os intercâmbios, resultam em regras a respeito de comércio internacional, asilo62 e relações familiares (commercium et connubium); d) das sanções de direito internacional e especialmente em matéria de guerra e conflitos armados. Desde os mais remotos tempos da história, os registros mostram a existência de corpos de regras que se caracterizam por conter todas as características básicas do direito internacional63. Entretanto, muitos relutarão em falar de sistema de direito internacional na Antiguidade 64. Entre 1500 e 1200 a.C. os estados do Oriente Médio tinham desenvolvido não somente um sistema político de equilíbrio de poder, mas também um corpo de normas substantivas de direito internacional, que pôde ser reconstituído a partir dos tratados celebrados entre egípcios e hititas, conservados em arquivos de estado de ambos65. O mesmo equilíbrio de poder, na mesma região, faz falta, desde que os mandatos do tempo da Sociedade das Nações foram encerrados: polos de tensão e risco para a paz e a segurança internacionais, cuidadosamente mantidos e explorados. As grandes migrações de povos indo-europeus da Ásia Central e Rússia Meridional, abrangendo hititas, filisteus, gregos, indianos e iranianos, suplantam o sistema mesopotâmico e levam à organização dos povos iranianos em grande império persa, que estabelece sistemas de contatos e relações com as cidades--estado gregas, o sistema de estados indianos e o império chinês. O legado grego ao direito internacional66. Na Grécia Antiga encontram-se aplicadas algumas das instituições até hoje conhecidas do direito das gentes67. Ali vemos, p. ex., a arbitragem, como modo de solução de litígios; o princípio da necessidade da declaração de guerra; a inviolabilidade dos arautos; o direito de asilo; a neutralização de certos lugares; a prática do resgate ou da troca de prisioneiros de guerra etc. É verdade que as regras admitidas eram antes de natureza religiosa do que de natureza jurídica. As tribos itálicas, em torno da cidade-estado de Roma, a partir de 500 a. C. desenvolvem a federação itálica, sob o nome de República romana, aceito como a caçula do sistema estatal helenístico. Depois de suplantar todas as demais, torna-se a herdeira do mundo helenístico. Roma estende suas fronteiras até o Reno e o Danúbio e, de principado, torna-se monarquia. Em Roma, após as conquistas, a situação era diferente. A universalidade do império tornava-se, por assim dizer, impossível sem a existência de ordem jurídica internacional. No jus fetiale, entretanto, ali instituído, há quem pretenda encontrar os germes desse direito. O jus fetiale, de caráter nitidamente religioso, continha alguns preceitos relativos à declaração da guerra e à sua conclusão. Ernest BARKER (1930, 1957) 68 enfatiza a necessidade das ideias para fazer das construções humanas mais do que simples estruturas, de modo a dar-lhes raiz nas mentes dos homens: qualquer sociedade estável precisar basear-se em conjunto de convicções e na vontade social que esse conjunto cria 69. A construção do ius gentium70 foi marco regulatório cuja influência ainda se faz presente, como ideia de direito universalmente aplicável a todas as gentes (livres) do império. Inaugura-se a ideia de lei universal, ligada à natureza, e se não a expressão perfeita de lei natural (na medida em que aceitava, por exemplo, a escravidão), seria a expressão humanamente possível desta, na medida em que, refletindo a lei da natureza, regulava a convivência entre as gentes, em toda a extensão do império romano. O Edito de CARACALA não somente fundiu todas as nacionalidades do império em única nacionalidade; também representou a fusão de todas as diferenças de status em um único71. O Edito, do ano 212, seria o marco da afirmação da unidade de cidadania de todos os homens livres do império como cidadãos romanos72. A criação do ius gentium foi, paradoxalmente, paralisada no momento em que este foi codificado73, prosseguindo por meio dos Editos imperiais até JUSTINIANO. O direito internacional se inscreve na ordenação da convivência. Antes na busca da ordenação dessa convivência, ao lado de fenômenos de poder e força, que tem igualmente o seu papel e seu impacto no cenário internacional. Essa convivência não se pode pautar nem somente pela força nem somente por princípios. Ao menos em relação a parte do que pode ser chamado “Ocidente”, durante séculos – isso, em boa medida, antes como anseio que efetividade, oscilando as cargas de efetividade e de anseio destituído de impacto sobre a realidade –, em considerável extensão, pretendeu Roma desempenhar tal função74. E permanece. Da Roma secular dos Césares, na Antiguidade, à Roma papal, até o final da Idade Média 75. A ideia de unidade marca a civilização medieval76 e estende-se durante séculos, se não como efetividade, ao menos como anseio, para o conjunto da Europa Ocidental77. De Roma ficou a ideia da universalidade de direito78, sob a forma do ius gentium. Se a ideia de poder unificado ou poder central fez e, todavia, faz consideráveis estragos, a concepção de sistema normativo – e, se não “natural” ao menos dentro do humanamente possível – reflete a condição da humanidade, ao menos em relação ao que depois se convencionou chamar de “Ocidente” 79. O direito internacional, desenvolvido pelas relações entre os impérios persa e romano, contém não somente regras indispensáveis para as relações internacionais, como também muitos elementos do moderno direito internacional80. No período entre 100 e 650 a. D., a área da Europa e Ásia ocidental é marcada pelo equilíbrio de poder entre os impérios persa e romano, com contínuos esforços de ambas as grandes potências, no sentido de preservar o equilíbrio, contra qualquer tentativa hegemônica da outra. A grande ruptura da época não foi a queda do Império Romano do Ocidente em 476 a.D., mas a chegada do Islão, impulsionado por MAOMÉ81. Os invasores ditos “bárbaros” não põem termo à unidade mediterrânea do mundo antigo, nem ao que se pode chamar de esencial da cultura romana, tal como se conservam o modelo e os ideais romanos, quando deixa de haver Império Romano no Ocidente. Ravena é mais que símbolo, mas também modelo e inspiração para os reinos germânicos82, que se inspiram e emulam o modelo romano. A ruptura da unidade mediterrânica e da Antiguidade se dá com o advento do Islão. O fim do Mediterrâneo como mare nostrum romano marca o final da Antiguidade e o início da Idade média 83. A ruptura do mundo antigo foi causada pelo avanço rápido e inesperado do Islão84, cuja consequência foi a separação definitiva entre o Ocidente e o Oriente, o que pôs fim à unidade mediterrânea 85. Da África à Espanha, que estavam na órbita do mundo ocidental, passam a gravitar em torno a Bagdá. É outra religião e surge outra cultura, que se manifesta em todos os campos. O Ocidente vê-se cercado de todos os lados, e obrigado a viver, voltado para si mesmo86. Pela primeira vez, o eixo da vida histórica é empurrado do Mediterrâneo para o norte. O fracionamento da unidade do império leva à instauração do feudalismo e do que se convenciona chamar de “Idade Média” 87, em longa transição, que se estende de 650 até 750 a.D. O mundo ocidental se dará conta da extensão das mudanças ocorridas por ocasião da ascensão de CARLOS MAGNO, instaurando novo império no ano 800 a.D. Esta foi uma das grandes rupturas da história. As lições para o direito internacional são relevantes88. A história do período é normalmente dividida entre a história do império romano tardio, a história das grandes migrações como tempo de “convulsões” e “transição”, e a história do império persa, até sua conquista pelos árabes89. A ideia do imperium romanorum estendeu-se muito adiante de seus efeitos. Pode-se ver, com altos e baixos, a continuidade desse anseio, até 1918, ao enterrar-se o modelo de Vestfália, com a queda da dinastia dos HABSBURGO e o fim do Império Austro-Húngaro, após o término da primeira guerra mundial, para dar lugar às tentativas de instauração, nos anos vinte do século passado, de novo paradigma de ordenação internacional. Na segunda metade do século XII, a autoridade monárquica achava-se completamente diminuída no Império RomanoGermânico90. Mas a ideia do imperium romanorum permanece. No século XIII, o Império Romano-Germânico ainda é fórmula de longa duração e múltiplos avatares, que desliza progressivamente para o sul, e tenta manter seu impacto sobre a realidade: para conter as rebeliões constantes na Itália, coberta de cidades, foi mudado o foco dos campos germânicos e dos projetos de expansão para o leste, que se realiza, sem presença imperial, a cargo dos princípes reinantes nas regiões de fronteira do império. O imperador HENRIQUE VI reclama para si o dominium mundi, a direção universal da cristandade, o controle do papado, à moda carolíngia, a autoridade moral e precedência sobre os provinciarum reges, os demais reis do Ocidente, considerados satélites do império, e tenta efetivar essa concepção por meio de relações de vassalagem, obtendo a homenagem dos reis de Chipre e da Inglaterra, mas encontra a encarniçada resistência de FILIPE AUGUSTO, de França e dos papas. HENRIQUE VI, na Sicília, sonha com a dominação mediterrânica, e seu filho, FREDERICO II, quis alicerçar seu poder em Roma. Para evitar ferir suscetibilidades, renuncia à ideia das relações de vassalagem e propõe pacto por meio do qual todos os soberanos do Ocidente formariam espécie de comunidade espiritual, a respublica universae christianitatis, liga esta dirigida simultaneamente à luta contra as heresias e contra as pretensões temporais do papado. Foi feroz a resistência deste, apegado com crescente ardor à sua primazia espiritual, usando também de termos muito terrenos de expressão de submissão91. Incapaz de sustentar oposição, simultaneamente, em várias frentes, o Império desaparece como instituição eficaz na metade do século XIII. Como observam Edouard PERROY et alii92, só sobrevive como sonho de unidade e de paz, a ideia imperial, vivificada por toda uma corrente de pensamento messiânico, que se alimentava nas obras do Abade italiano JOAQUIM DE FIORE, recentemente fortalecida pelos tratados doutrinários que FREDERICO II mandara redigir em sua luta contra o Papa 93. Quando encetada, no século XIII, a afirmação da supremacia, não somente espiritual, como temporal, do Papa – simbolizada no acréscimo de segunda coroa à tiara pontifical, como representação da soberania temporal, ao lado da espiritual –, já era tal pretensão anacrônica e não poderia ser sustentada 94. Tal como o imperador, o Papa não podia impor a sua tutela aos estados, que agora partilhavam entre si a Europa. Essas afirmativas talvez chocassem os elementos, cada vez mais numerosos, que, afetados por todos os escritores que, desde o De Consideratione (1145) de SÃO BERNARDO, abade DE CLAIRVAUX 95, colocavam o pontífice em guarda contra as tentações do poder temporal e, alertados pelos polemistas a serviço de FREDERICO II, julgavam que o Papa, aspirando à dominação temporal, traía a sua verdadeira missão96. Depois dessa longa fase de ruptura e reacomodação de parâmetros97, mostra-se obsoleta a ideia de ordenação do sistema internacional, como todo gravitando em torno de único eixo98. A construção de sistema europeu sucedeu a esse modelo de eixo central, como analisa Michel ZIMMERMANN (1933) 99. Ao apontar o caráter por assim dizer “constitutivo” da sucessão de estados, no sistema de organização internacional (do fim do período medieval), ponderava: “o papa sanciona as mudanças territoriais. O simples fato brutal da conquista, do desmembramento parcial ou da destruição total de um estado, não tem valor formal. A questão das fronteiras não deve ser regulada tão somente pelos interessados. Trata-se de problema que diz respeito à inteira comunidade dos povos”100. Convém contrapor às reflexões deste o trabalho de seu contemporâneo Manlio UDINA (1933) 101, passando por Karl ZEMANEK (1965) 102, até os desenvolvimentos mais recentes do tema, abordados por Vladimir-Djuro DEGAN (2000, 1999, 1996) 103 ou Edward McWHINNEY (2002) 104. Considerável trabalho de ordenação e de sistematização do tema foi desenvolvido por Georg RESS, na qualidade de relator, na Resolução de Vancouver (2001), do Instituto de Direito Internacional, sobre sucessão de estados105. A multipolarização da Europa foi fato marcante de sua história, durante os seguintes seiscentos anos106. A grande ruptura seguinte será a combinação dos grandes descobrimentos e a reforma protestante, mudando substancialmente as condições de criação e circulação da riqueza, os modelos de ordenação política e as regras de convivência entre as diferentes unidades soberanas, com o surgimento dos estados modernos e dos conceitos a estes relacionados, como mostrarão os escritos de Jean BODIN107, ensinando que não se deve medir as leis da natureza pelas ações dos homens108. Outros teóricos do Renascimento prepararão o caminho para o direito internacional moderno. Dentre os quais se pode, segundo A. GARDOT (1934) 109, reservar o lugar de BODIN como um dos fundadores. Ou, segundo M. DELMAS-MARTY, na busca de direito comum para a humanidade (2005) 110 estaria BODIN, ainda no século XVI, contemplando o ideal do jus commune 111. As rupturas marcadas pelas guerras religiosas, como a ruptura da visão de mundo, concomitantes aos “grandes descobrimentos”, tornam patente a obsolescência do velho modelo e a necessidade de criação de novo parâmetro de regulação internacional. Esta se vai construindo ao longo do tempo, pois teve, no século XX, consideráveis avanços e choques, reiterados, à viabilidade do sistema. O desenvolvimento do comércio marítimo foi outro elemento que concorre para a formação de novas regras de direito internacional, inscritas em coleções de leis ou costumes marítimos112. Por sua vez, estas estarão na base da construção de nova lex mercatoria, que e se reflete no surgimento e no desenvolvimento do conjunto do direito do comércio internacional113. O conjunto das normas no âmbito da Organização Mundial do Comércio constituem desenvolvimento setorial relevante do direito internacional, no contexto pós-moderno. Concomitante à decadência do regime feudal no Ocidente 114, a noção de estado torna-se mais precisa. Os povos vão tomando consciência da unidade nacional, e esta permite o estabelecimento de relações continuadas entre os estados115. O descobrimento da América teve inegável importância na evolução do direito internacional, a partir do final do século XV. Suscitou as questões morais em relação à “colonização” da América e, já à época, dúvidas quanto à legitimidade dos métodos truculentos adotados116. O contexto da combinação entre os grandes descobrimentos e a reforma leva à criação do direito internacional, como forma de reger a convivência entre as unidades políticas, não mais havendo sequer a aspiração de parâmetro comum em matéria de religião ou o reconhecimento da primazia de figura papal, que pudesse atuar como “árbitro” supremo nas controvérsias entre os soberanos, ao menos na Europa Ocidental, pois já se rompera a unidade cristã com o cisma de Miguel CERULÁRIO em 1054, separando a Igreja Ortodoxa da Igreja Católica. Primeira etapa: reduzem-se a termo os resultados da violência e da força. Durante mais de cem anos, os homens se matam em nome das guerras de religião, levando a violência política, em nome de Deus, ao paroxismo, durante uma geração, na guerra dita dos “trinta anos”, quando se desenvolve e se consolida, com objeto e método próprios, o direito internacional, independentemente de fundamentação transcendental. Começam a ser concebidas formulações de princípios, normas e instituições. Seriam indícios da segunda etapa: a implementação do direito internacional. Foi no tempo do Iluminismo que se cria a história do direito internacional como novo campo de estudo117, ainda relutante em chamá-lo de ciência 118. Trata-se da conscientização do trajeto já percorrido, a preparar o caminho para o futuro: a construção da utopia, com a multiplicação das formulações dos projetos para tornar perpétua a paz na Europa – do Abbé de SAINT-PIERRE (1713) a Immanuel KANT, no Ensaio sobre a paz perpétua (1795), com vários autores, entre esses dois marcos, ao longo do século XVIII 119. O conceito de I. KANT, no ensaio a respeito da ideia de história universal de ponto de vista cosmopolita (1784) 120, corresponde ao ideal de racionalização da ordenação internacional: tem consciência de que o mundo não é estado de direito, mas tem de estar dotado de princípios e normas, e o conjunto de instituições internacionais pode ser aperfeiçoado. Basicamente, trata-se de admitir que a implementação pode ser desenvolvida, buscando a construção de patamares de juridicidade internacional. Dentre os ideais cosmopolitas, a busca da paz como base da ordenação da convivência, entre unidades do sistema internacional, faz sentido e deve-se buscá-la. A crítica kantiana aos predecessores teóricos na busca da paz perpétua não se dá quanto ao objeto mas quanto a crer que esse ideal possa breve e facilmente ser implementado. Repensado o ensaio kantiano, por S. VIEIRA DE MELLO (1999) 121, chegamos aos dias atuais: o anseio permanece válido; os mecanismos de implementação, todavia, tem alcance limitado. A mesma necessidade de aperfeiçoamento dos mecanismos de implementação continua a ser ponto crucial, para assegurar a efetividade do funcionamento de sistema institucional e normativo, internacionalmente organizado. Nessa época, já havia na Europa diversos estados independentes, era como se impusesse a necessidade de regulamentar as suas mútuas relações e conciliar os seus interesses divergentes, seja na Europa, como nas suas projeções ultramarinas122. A partir de então começa a ser, progressivamente, o direito internacional a técnica de regulação pacífica da convivência entre estados e seus respectivos interesses e áreas de atuação. Os precursores do direito internacional foram teólogos e canonistas, dentre os quais se distingue o dominicano espanhol Francisco de VITÓRIA (1.1.1.1.). Pode parecer contraditório que precursores do direito internacional, como VITÓRIA e, depois, Francisco SUAREZ (1.1.1.2.), não somente se filiavam à corrente tomista de pensamento, mas, além disso, terem ambos sido sacerdotes católicos, pois a relação da “Santa madre igreja” com o direito internacional, nos dois séculos seguintes, foi menos pacífica. Vários dos principais autores do direito internacional tiveram suas obras inscritas no Index eclesiástico de livros proibidos. São, a seguir, considerados: Francisco de VITÓRIA (14801546); (1.1.1.1.); Francisco SUAREZ (1548-1617) (1.1.1.2.); Alberico GENTILI (1552-1608) (1.1.1.3.); Richard ZOUCH (1590-1660) (1.1.1.4.), e Hugo GRÓCIO (1583-1645) (1.1.1.5). 1.1.1.1. Francisco de VITÓRIA (1480-1546) Francisco de VITÓRIA foi professor de teologia na Universidade de Salamanca, de 1521 até 1546. Das suas lições, publicadas após sua morte, duas ocupavam-se de matéria estreitamente relacionada com o direito das gentes e ambas se referiam à situação resultante, para a Espanha, do descobrimento da América. O fato de VITÓRIA ter lecionado teologia, no lugar e no tempo em que isso se deu123, diz muito, na medida em que o estudo das questões internacionais assumia os contornos de casos de consciência, de interesse seja dos indivíduos, seja antes dos príncipes encarregados de conduzir tais questões. O direito internacional ainda não tinha forma independente 124: todavia não se tinha destacado da moral; a especialização das ciências era, todavia, rudimentar 125. O conceito de jus cogens, esboçado no direito romano, foi posto no direito internacional, por Francisco de VITÓRIA, na relectio126 sobre o poder civil (1528) 127. J. RAY (1934) 128 abordava, na Haia, a questão do “conflito entre princípios abstratos e estipulações convencionais”: o que pressupõe o jus cogens – como o burguês fidalgo de MOLIÈRE pode falar em prosa, mesmo sem ter consciência disso. A. GOMEZ ROBLEDO (1981) 129, após a entrada em vigor (1980) da Convenção de Viena sobre direito dos tratados (1969), mostra que este não tinha sido então iniciado. O direito internacional, para VITÓRIA, compreende as normas que a razão natural estabeleceu entre as nações: quod naturalis ratio inter omnes gentes constituit vocatur jus gentium. J. BARTHÉLEMY (1904) 130 ressalta quanto foi inovador o fato de VITÓRIA ter substituído, da definição de jus gentium, contida nas Institutas131, o termo gentes em lugar de homines132: VITÓRIA recusa-se a considerar o mundo habitado como amontoado inorgânico de nações isoladas, sem vínculo entre estas, não tendo, umas em relação às outras, nem direitos nem deveres, senão o direito absoluto para cada uma de se fechar em si mesma, e o dever de todas as demais respeitarem essa vontade. VITÓRIA rejeita a teoria que tivera curso antes, como ainda teve depois deste, segundo a qual o direito, de cada estado, sobre o seu território seria da mesma natureza que o do proprietário sobre o seus campos, mas, na verdade, mais absoluto, porquanto nenhuma autoridade superior pode limitá-lo133. Enquanto a maioria dos autores, do passado, como ainda em séculos futuros, insistirá sobre a independência das nações, VITÓRIA insiste na interdependência. Existe societas naturalis das nações: nas bases dessa sociedade, encontram-se, em estado latente, os elementos que serão os fundamentos das teorias das escolas de direito natural e das gentes: o estado de natureza e o contrato social. VITORIA, na lição sobre o poder civil, De potestate civili, asseverava: “o direito das gentes não tem somente força de pacto ou de convenção entre os homens, mas possui, igualmente, força de lei. O mundo inteiro, na verdade, que, de certo modo, constitui uma república, tem o poder de levar leis justas e ordenadas para o bem de todos, tais como são as do direito das gentes. Consequentemente, quando se trata de questões graves, nenhum Estado pode se considerar desvinculado do direito das gentes, pois este é colocado pela autoridade do mundo inteiro” 134. Como apontava J. BARTHÉLEMY (1904) 135, o fato de ser a Espanha a potência dominante da época, bem como a preeminência intelectual de Francisco de VITÓRIA, como espécie de conselheiro do império espanhol, não são estranhos ao fato de este ter necessitado refletir e manifestar-se sobre a relação com os ameríndios, dentre outras questões candentes da época 136. “Sem dúvida um dos textos mais admiráveis, nascidos do gênio do dominicano espanhol, em razão de sua clarividência e de seu caráter profético”, A. GÓMEZ ROBLEDO (1981) 137 exclamava a propósito: foi objeto de mil e um comentários, sobretudo no que concerne à organização ou às organizações mundiais da atualidade; não se pode passar, sem se deter, diante da ênfase que o mestre aponta para o caráter de lei (vis legis) que podem adquirir determinados acordos internacionais quando a matéria destes se reveste de grande importância (in gravioribus) e foram adotados pelo conjunto da comunidade internacional, no seu todo (totus orbis) na expressão de VITÓRIA: nenhum estado, quer tenha participado ou não de sua formação, pode subtrair-se, e tudo isso dá a configuração dos traços que definem o que hoje entendemos por jus cogens. A diferença essencial entre o direito e as relações internacionais não está nos meios, mas nos fins. Enquanto o direito internacional tem de preservar determinados fins e determinados princípios, mesmo quando falhe em lhes assegurar a efetividade e a aplicação corrente, as relações internacionais, tautologicamente, são essencialmente relacionais: fundam-se e desenvolvem-se mediante consenso, mediante composição de interesses, guiadas pela prudência, enquanto ensinamento prático, decorrente do senso comum, da experiência e das lições da história. Não contêm nem trazem valores intrínsecos ou conteúdos precisos – funcionam na medida em que sejam aceitas e alinhem-se os participantes do sistema, segundo as regras do jogo – perfazem-se na medida em que se observe o play by the rules, jogar conforme as regras. E nisso se esgotam: não são ciência tampouco filosofia – são construção da prática, e alinham-se pela experiência. Não trabalham as relações internacionais com noções de certo e de errado, de justo e de injusto, mas com o que funcione, com o que possa assegurar resultados – não são idealistas, são pragmáticas. Ao direito internacional e às relações internacionais, cumpre ressaltar, que tenham e mantenham, cada um, as suas respectivas esferas de atuação, mas não se pode aceitar nem conceber que o direito internacional seja reduzido a mera dimensão relacional. O direito internacional, construído segundo os ditames e as necessidades das relações internacionais, esvaziaria o que tem de mais precioso, embora nem sempre positivamente aplicado – o conjunto de princípios, de parâmetros, de paradigmas, que norteiem a ordenação teleologicamente humana do mundo – para que possa o mundo ser preservado, para que possa sobreviver a humanidade, e para que possam ser passados às gerações vindouras o legado da civilização humana, com os pontos altos por esta alcançados. Ao lado ou depois de VITÓRIA, a Espanha ainda forneceu outros escritores católicos, que figuram entre os precursores do direito internacional moderno: Domingos de SOTO138, Fernando VÁZQUEZ MENCHACA, Baltazar de AYALA e, principalmente, Francisco SUAREZ139. 1.1.1.2. Francisco SUAREZ (1548-1617) Francisco SUAREZ tampouco se caracterizaria como internacionalista profissional: jesuíta, teólogo e professor de grande renome, ensinou filosofia ou teologia na maioria das universidades da Espanha, como em Paris e em Roma 140. Comentador de Santo TOMÁS DE AQUINO, autor de obras apreciadas a seu tempo, ainda hoje consultadas com utilidade e merecedoras de elogios nos tempos modernos. Um dos mais ilustres autores da ordem que integrou, exornado com o título de doctor eximius pelo Papa BENTO XIV141. Como observa L. ROLLAND (1904) 142, foi quase acidentalmente que, em duas de suas obras, este teólogo viria ocupar-se das seguintes questões de direito internacional: (I) estudando no seu tratado, De legibus ac de Deo legislatore 143, a origem das leis e de sua força vinculante, o direito natural e o direito civil, veio a abordar o direito das gentes (jus gentium) nos quatro últimos capítulos do livro II. Na transição entre o estudo do direito natural e o do direito positivo, isso diz muito a respeito de como SUAREZ via o direito internacional, a meio caminho entre o direito natural144 e o direito civil, tendo elementos de um e de outro, e muitas vezes confundindo-se com um e com o outro, distinto, contudo, de ambos e que convém bem definir e situar 145: “addo vero ... duobus modis ... dici aliquid de jure gentium: uno modo quia est jus quod omnes populi et gentes variae inter se servare debent; alio modo quia est jus quod singulae civitates vel rey na intra se observant; per similitudinem autem et convenientiam jus gentium appellatur. Prior modus vdetur mihi propriissime continere jus gentium re ipsa distinctum a jure civili146. Aí, também, se encontra a definição de sociedade internacional, que se torna a contribuição mais conhecida 147 deste autor 148: “Ratio autem hujus partis et juris est, quia humanum genus quantumvis in varios populos et rey na divisum, semper habet aliquam unitatem non solum specificam, sed etiam quase politicam et moralem, quam indicat naturale praeceptum mutui amoris et misercordiae, quod ad omnes extenditur, etiam extraneos, et cujusque rationis: Qua propter licet unaquaeque civitas perfecta, respublica, aut regnum, sit in se communitas perfecta, et suis membris constans, nihilominus quaelibet illarum est etiam membro aliquo modo huius universi, prout ad genus humanum spectat: numquam enim illae communitates adeo sunt sibi sufficientes sigillatim, quia indigeunt aliquo mutuo juvamine, et societate, ac communicatione, interdum ad melius esse majoremque utilitatem interdum vero etiam ad moralem necessitatem et intelligentiam, ut ex ipso usu constat” (...) 149; (II) a outra obra é o tratado consagrado a uma das três virtudes teologais, a caridade, Tractatus de charitate: disputatio , em que SUAREZ teve de estudar, no Livro XIII, a guerra 150: pugna exterior, quae exteriori paci repugnat, tunc proprie bellum dicitur, quando est inter duos principes, vel duas respublicas151; e se perguntar se esta seria ou não conforme essa virtude cristã da caridade 152. Daí surge estudo bastante detalhado a respeito da guerra 153: ... potestas iudicendi bellum est quaedam potestas jurisdictionis, cujus actus pertinet ad justitiam vindicativam, quae maxime necessaria est in republica ad coercendum male factores; unde sicut supremus princeps potest punire sidi subditos quando aliis nocent, ita potest se vindicare de alio principe vel republica, quae ratione delicti ei subditur 154. Este estudo não deixa de ter interesse 155. Pode parecer curioso, hoje, que boa parte dos autores clássicos do direito internacional tenha sido colocada e mantida, durante tempo considerável, no Index librorum prohibitorum pela Igreja católica, encetado ao tempo de PIO IV156, enquanto CARLOS V fez estabelecer, pela Universidade de Louvain, em 1546, o primeiro Catálogo dos livros perigosos. Ambos abririam caminho para incontáveis gerações de censores. Desse modo, sem a licença específica de autoridade eclesiástica, para situações especiais, a serem previamente justificadas, deveria o fiel católico abster-se de todo contato com tais autores e doutrinas. Em que ponto estaríamos se tivesse prevalecido tal política? A maior liberdade relativa nos países protestantes foi necessária para que se tivesse desenvolvido o direito internacional nos séculos XVII e XVIII. Nessa mesma época, muito embora problemas sérios de violação de direitos ditos fundamentais igualmente ocorressem nos países protestantes, a diferença entre a liberdade e a repressão fez pender para o norte o eixo do desenvolvimento na Europa: o direito à diferença, cujo aparecimento é o sinal de transformação radical da vida da humanidade, e da percepção que esta faz de si mesma, como apontava René-Jean DUPUY (1989) 157. Isso é precioso, e essa conquista recente tem de ser preservada diante das ameaças dos intolerantes e dos fanatismos, que se travestem da invocação de Deus, da família, dos valores e da moral, para tentar, novamente impor modelos conformistas e absolutistas! Como vigeram durante séculos158. Na altura do Renascimento, mais desenvolvido era o sul; na Idade Moderna passa ao norte 159. E a distância acentua-se, nos séculos XVII e XVIII, de modo incomensurável160. 1.1.1.3. Alberico GENTILI (1552-1608) Figura como Alberico GENTILI poderia ter perecido na prisão, se não tivesse conseguido escapar com seu pai da Inquisição, em Roma, e refugiar-se na Inglaterra 161. Não por acaso as obras deste estarão inscritas no Index desde 1603162. Já Alberico GENTILI, na Prima commentatio de jure belli, publicada em 1588, seguem-se a segunda e a terceira, no ano seguinte, as três reunidas em obra única, De jure belli libri tres, em 1598163, apontava a necessidade de institucionalização do direito internacional: “nas causas dos príncipes podem ser escolhidos os juízes mais sábios e incorruptos que as escutem e as julguem, sendo testemunha e espectador, por assim dizer, o mundo: arma amens capio, nec sat rationis in armis164. Acrescenta GENTILI “que o direito encerrado nos livros de JUSTINIANO não é próprio somente da cidade” – e, justamente por isso, civilis –, “mas o é também dos povos e da natureza, à qual é de todo e de tal modo conforme que extinto o império, e sepultado por muito tempo esse direito, no final ressuscitou e se espelhou entre todos os povos. Também aos príncipes, portanto, se referem as leis de JUSTINIANO, embora feitas para os cidadãos privados. Nem me ocorreu jamais ouvir ou ler coisas semelhantes àquelas que são difundidas por aqueles ilustres que tratam o tema genericamente”. Enfatiza GENTILI a unidade operacional e conceitual do direito: “o quê? Cessa, por acaso, de ser das gentes e da natureza aquele direito que é posto para a cidade? Embora não se possa dizer que o direito civil deva ser, porque civil, direito das gentes, todavia o que se refere às gentes deve também ser civil. É verdade que o direito civil não serve em tudo ao direito natural, nem em tudo ao direito das gentes, mas tampouco em tudo se afasta do direito de um e de outro. E a razão pela qual não serve em tudo reside na natureza comum de todos os povos, na índole particular de cada um. Assim, enquanto por direito natural, não há diferença alguma entre os pactos, por direito civil nem todos são revestidos de ação e isso pela tranquilidade da cidade, que, ao contrário, seria perturbada pelo contínuo pleitear” 165. A institucionalização do direito internacional pós-moderno permanece, simultaneamente, necessidade e desafio para o futuro e a sobrevivência da humanidade. O enfoque do direito internacional pós-moderno será no sentido de formular mais amplo campo de hipóteses de incidência, no tocante à formação e à regulação pelo direito internacional, dessa ação e influência estatal e das modalidades para o exercício e ocorrência desta. “Novos são os editos dos pretores e a natureza e a equidade da natureza seguem sobretudo leis antigas. JUSTINIANO conformou suas leis à simplicidade da natureza, como ele próprio declara e as antigas leis que dela se afastavam foram a ela reconduzidas”. Assim, aponta, ainda, GENTILI: “observamos, porém, que foi por meio dessas ficções e sutilezas que os jurisconsultos chegaram ao conhecimento da equidade, sobre a qual a pesquisa não pode ser considerada ainda concluída, ao reconhecer que as tornaram contrárias à equidade” 166, e não é de hoje o fenômeno, “como disse CÍCERO, que professam e professaram a ciência do direito pessoas que ignoravam o direito. Não podemos, porém, formar uma ideia do contrário, sem o relativo contrário” 167. Já GENTILI tocava o cerne da questão, no direito internacional até o contexto pós-moderno: “quando os árbitros, como se diz, se tiverem pronunciado de maneira coerente como poderemos ter segurança de que sua sentença será executada? Se tu ou eu não quisermos, dizia AUGUSTO a ANTONIO, quem poderá nos obrigar a respeitar os pactos? Se tu leitor, tiveres paciência em seguir-me até o terceiro livro, no qual falo do estabelecimento da paz no futuro, poderás constatar que esse objetivo não basta por si mesmo” 168. As mesmas grandes questões do direito internacional permanecem até hoje! Mais de século antes do Abbé de SAINT PIERRE (1713), dos enciclopedistas franceses e do ensaio de KANT (1795), o mesmo GENTILI, no livro terceiro, Capítulo XIII, propõe “o estabelecimento da paz em vista do futuro” 169: “o vencedor deve dar aquela paz que dure para sempre. Na verdade esta é a natureza da paz: o de ser perpétua” 170. Refere GENTILI o exemplo da celebração da paz perpétua entre o comandante romano e o rei dos persas (como refere PROCÓPIO, Livro I) – este não somente pode ser lembrado como tentativa de construção de equilíbrio de relações internacionais no seu tempo, mas, acima de tudo, como lição que permanece válida: “Será injusto, portanto, aquele vencedor que der uma paz que não é paz, quero dizer, que não possa durar, que não possa ser paz”. Muito lucidamente, a partir de exemplos da história “e como ensina a todos o intelecto natural e como demonstra a experiência, mestra de todas as coisas”, mostra que não pode ser duradoura a obra da força: “porque as coisas feitas por força logo desaparecem”. Poderia essa passagem de GENTILI ser lida como comentário aos motivos que levaram à falência a tentativa de ordenação da paz com a Alemanha, nos termos do Tratado de Versalhes, de 28 de junho de 1919, em que igualmente se estipularam a criação da Sociedade das Nações (Parte I) e da Organização Internacional do Trabalho (Parte XIII) 171, antecipando, em mais de trezentos e vinte anos, os resultados daquele esforço encetado: “a única e segura regra que, tanto no punir, no vingar-se, quanto no ditar as condições da paz, reflete a equidade. Porque aquele que fosse ofendido além do justo não repousaria nunca e alimentaria o desejo de vingança e aquele que fosse oprimido por leis desapiedadas ficaria sob aquele peso até que desaparecesse a necessidade de obedecer” 172. Partindo de exemplos da história e da prática, antiga e recente, GENTILI aponta o desejável, mas não se deixa enlevar pela utopia: “sendo essa a equidade, como aparece em tudo o que dissemos, agora deve ser realmente assim considerada. Afirmamos que essa ou outra será a paz, segundo as diversas qualidades dos vencedores ou dos vencidos. A este propósito nada de geral pode ser estabelecido. Deve-se ver também aquelas coisas que se acrescentam às pessoas, se já não as acompanham, e com as quais foi sempre hábito preocupar-se, não menos do que com as próprias pessoas. Relembro, contudo, que todas as preocupações do vencedor devem ser dirigidas para aquela utilidade comum de que falo e que foi muito bem explicada por ANÍBAL (cf. TITO LÍVIO, Ab urbe condita, 36) e, antes dele, por DEMÓSTENES, como sendo sólido vínculo de companhia e que o chamo até de paz” 173. “É lícito ao vencedor, salvo o direito de natureza, fazer todas aquelas coisas que, em si, contribuam para tornar duradoura a vitória e, em relação a si próprio e ao vencido, tornar justa a paz. Todas as coisas estão nas mãos do vencedor, exceto aquelas que procedem do direito das gentes” 174. 1.1.1.4. Richard ZOUCH (1590-1660) Richard ZOUCH175 sucedeu Alberico GENTILI como professor em Oxford176. Se e quanto este tão frequentemente citado e tão pouco lido internacionalista inglês do século XVII pode ser chamado “positivista”, permanece matéria aberta para debate entre os interessados177. Na exata medida em que ZOUCH enfatiza o papel da prática 178, pode-se tomar tal dado como base para aqueles que o inseriram dentre os positivistas179. Contudo, pode-se sustentar que a prática aí estaria 180 antes como evidência de legitimação, e não como fundamento legitimador da norma. ZOUCH define direito internacional como o direito “aceito pelo costume, conforme a razão, entre o maior número de Estados”, o que parece sugerir a ponte entre o direito natural e o direito positivo, em que este último se baseia no primeiro. Na verdade, pode-se ver ZOUCH mais próximo da visão pós-moderna, no sentido de que o direito positivo é simplesmente a parcela do direito natural que os homens descobriram e “relegislaram” 181. No sistema de direito positivo, o poder supremo será aquele do grupo de estados, enquanto unidades políticas, detentores da condição de sujeitos de direito. Na medida em que inexista poder superior, em decorrência da natureza desse sistema coordenado, decidirão entre si os estados o que seja o direito. Este poderá variar conforme o tempo (ou a história) e o lugar (ou o contexto cultural) onde se insira 182, assim como variam os atos e costumes dos estados183. Destes se passa ao autor mais amplamente aclamado como o fundador do direito internacional. O direito internacional divide-se em antes e depois de Hugo GRÓCIO. 1.1.1.5. Hugo GRÓCIO (1583-1645) Foi só, entretanto, no começo do século XVII que o direito internacional público apareceu, na verdade, como ciência autônoma, sistematizada. Nesse novo período, destaca-se GRÓCIO, cuja obras, Mare liberum (parte da De jure praedae), vieram a lume em 1609, e especialmente por sua obra-prima, publicada em 1625, O direito da guerra e da paz (De jure belli ac pacis). A construção dos conceitos e a aplicação destes, em âmbito internacional, há de fazer-se mediante consenso – que N. F. de CARVALHO (1994) 184, para o direito internacional, situava em relação ao De jure belli ac pacis de GRÓCIO –, com paulatina aceitação e adoção desses padrões de comportamento, entre e pelas unidades políticas que compõem o contexto internacional – a favor v. Miguel REALE (1977) 185 e contrariamente Giorgio DEL VECCHIO (1931) 186 –, predominantemente os estados e as emanações destes, as organizações internacionais. Estas organizações internacionais tornam mais complexa a operação e aumentam o número de agentes, no plano internacional, simultaneamente aos estados, mas, em boa medida, criadas pelos e para os estados, atuarão de modo conceitualmente consentâneo e alinhado operacionalmente com os estados, enquanto emanações destes, sob forma colegiada. Desde o início do direito internacional, GRÓCIO utiliza precedentes bíblicos, bem como da história antiga, grega e romana, para estabelecer normas de direito internacional187. A partir de patamares mais ou menos consistentes de implantação dos princípios, normas e instituições internacionais e operacionalidade funcional destes, pode-se acrescentar a busca, a dimensão utópica, almejando o progresso e a melhoria dessa “realidade” que exista, nem sempre seja desejável, por anseio ou projeto, que mesmo que não exista (ou nem sequer possa existir), ao menos é desejável e digno de se buscar como propósito. Hugo GRÓCIO, no seu consideravelmente menos conhecido De império (1614, segundo outras fontes, 1617) 188, somente publicado em 1647, após a morte do autor, aponta a consideração do poder secular, estendendo-se também às coisas sagradas, e define o poder em sua mais ampla extensão, não como oposto à jurisdição, mas abrangendo-a, no que constitui o direito de comandar, de permitir e de defender. Pode-se, igualmente, assinalar a considerável medida quando em 1648 transforma a religião institucional em dado da política: a adoção do princípio cuius regio ejus religio, solenemente sancionado pela paz Augusta, traz a premissa para a identificação entre a luta de confissões e a luta de estados, para o dado dramático da história 189 do século XVII – e que se transpõe ao contexto, não menos dramático, do início deste século XXI, em que está armado polo de conflito e tensão que necessitará muito tempo e muito esforço para ser amainado190. A partir da Guerra dos Trinta Anos, causada pelas ambições políticas dos príncipes europeus, travada em nome da intolerância religiosa, põe-se o marco de surgimento do direito internacional como ramo autônomo do direito: os tratados de Munster e de Osnabruck, compondo o assim chamado sistema de Vestfália (1648), marcam o início de uma nova era na história política da Europa e na regulação desta pelo direito internacional. 1.1.2. de Vestfália (1648) a Viena (1815) Os tratados de Munster e Osnabruck, na Vestfália, em 24 de outubro de 1648, marcam o fim da Guerra dos Trinta Anos (16181648): o fim de uma era e início de outra, em matéria de política internacional, com acentuada influência sobre o direito internacional, então em seus primórdios. Esses tratados acolheram muitos dos ensinamentos de Hugo GRÓCIO, surgindo daí o direito internacional tal como o conhecemos hoje em dia, quando triunfa o princípio da igualdade jurídica dos estados, estabelecem-se as bases do princípio do equilíbrio europeu, e surgem ensaios de regulamentação internacional positiva. Podem ser apontados não somente o conceito de neutralidade na guerra 191, em relação aos estados beligerantes, como também fazer paralelo, entre o princípio então adotado, da determinação da religião do estado pelo governante, o que seria o ponto de partida do princípio contemporâneo da não ingerência nos assuntos internos dos estados. Desde então, o desenvolvimento do direito internacional marchou rapidamente 192. Reflexões e precedentes terão de levar em conta o estado como meio e ferramenta operacional do direito internacional. A presença e a influência dos estados são incontornáveis no direito internacional, no sentido de que estarão sempre presentes e atuantes os estados, na formação e aplicação do direito de regência das relações entre estes. Nos séculos seguintes, dentre os internacionalistas mais famosos, caberia lembrar: Samuel PUFENDORF (1632-1694) (1.1.2.1.); Cornelius van BYNKERSHOEK (1673-1743) (1.1.2.2.), Christian WOLFF (1679-1754) (1.1.2.3.), que teve como seu mestre Gottfried Wilhelm LEIBNIZ, antes filósofo que internacionalista, inscreve na linha de continuidade intelectual em relação a este, e, por sua vez, seria o mestre para Emer DE VATTEL (1714-1767) (1.1.2.4); J. J. BURLAMAQUI (1694-1748) (1.1.2.5.); G. F. VON MARTENS (1756-1821) (1.1.2.6.). 1.1.2.1. Samuel PUFENDORF (1632-1694) Cronologicamente posterior ao estabelecimento do sistema de Vestfália, Samuel PUFENDORF (1632-1694) inscreve-se, na história do direito internacional, como o mais fiel continuador de GRÓCIO, explicita a obra deste, em sua cadeira na Universidade de Heidelberg. Segundo ACCIOLY193, foi GRÓCIO o “coordenador de todos os princípios e doutrinas, nessa matéria, consagrados nos séculos anteriores, e também o ponto de partida de seu desenvolvimento ulterior”. Contra ou a favor, debruçar-se-ão sobre GRÓCIO todos os autores na área do direito internacional194. Samuel von PUFENDORF não foi exceção. Samuel von PUFENDORF (1632-1694) 195 alinha-se com GRÓCIO na fundamentação do direito internacional baseado na razão e no que se convenciona denominar doutrina do direito das gentes com base no direito natural196, mas com alguns dados específicos (cf. Antonio TRUYOL Y SERRA197, Richard TUCK198 e Istvan HONT199). Esses elementos específicos merecem ser considerados. No direito internacional PUFENDORF segue as grandes linhas de GRÓCIO, mas opõe-se à tese de direito natural de livre comunicação, que este retomara de VITÓRIA, e afirma o princípio da igualdade jurídica dos estados200, implicitamente recebido de HOBBES e a que PUFENDORF conferirá a condição de enunciado basilar do direito internacional201. PUFENDORF acentua o processo que se poderia chamar de “secularização” do direito internacional, encetado por GRÓCIO, afastando ainda mais os laços que ligavam os primórdios do direito internacional à tradição escolástica. Como PUFENDORF ressalta 202, GRÓCIO deve ser cortado de seus predecessores: não pode nem deve ser visto como continuador dos pensadores de fundamentação escolástica 203, mas insere-se em linha que liga GRÓCIO204 a HOBBES e ao próprio PUFENDORF. Enfatiza PUFENDORF dois conceitos que lhe valeram consideráveis críticas, mesmo de seus colegas professores universitários alemães luteranos. Ambos merecem ser retomados. O primeiro foi no sentido de que nenhuma ação humana é, em si, intrinsecamente boa ou má e terá de ser avaliada em seu contexto – ações não teriam qualidades morais inerentes, como têm características físicas que as constituem –, mas antes tem qualidades morais “imputadas” a estas, em decorrência da aplicação a essa ação de regras e parâmetros escolhidos por determinado grupo social para tal fim. O segundo conceito básico foi o de que todo o direito natural pode ser interpretado como meio para buscar a conservação da sociedade – o que parece comparável à visão de HOBBES a respeito do direito natural205. Conserva PUFENDORF a distinção entre direito natural e direito voluntário, e reafirma a necessidade de subordinação deste último ao primeiro, na linha de GRÓCIO. Critica-se PUFENDORF por atribuir lugar quiçá excessivo ao direito natural, identificado este com o conjunto do direito das gentes, decorrente dos ditames da recta ratio, em detrimento do direito positivo206. Dentre as obras de PUFENDORF, com interesse para o direito internacional, cumpre lembrar Elementorum jurisprudentiae universalis libri duo (1660), mas a sua obra principal é De jure naturae et gentium (1672) 207. Nesta última, afirmava PUFENDORF a “a sujeição do legislador à mais alta lei da natureza humana e da razão”. 1.1.2.2. Cornelius van BYNKERSHOEK (1673-1743) Cornelius van BYNKERSHOEK traz visão pragmática e concreta do direito entre estados e das formas de exercício e regulação das suas inter-relações, regidas pelo direito internacional. Concebe-o BYNKERSHOEK208 como direito interestatal; fundamenta geralmente suas posições no costume das nações, no seu tempo209, e no direito romano, mais que no direito natural. Invoca, igualmente, os ditames da justa razão (recta ratio) como fonte, mas esta surge como princípio quando falta ou seja incerto o costume, e vincula-se basicamente ao direito romano. BYNKERSHOEK cristaliza a formulação a respeito do mar territorial210, que permanece até que se alcançasse a sua conceituação211 (Convenção de Genebra, de 1958) e extensão (Convenção das Nações Unidas sobre direito do mar, de 1982): o oceano não pode cair sob domínio de nenhum estado, por não ser suscetível de apropriação; se o alto-mar não pode ser reclamado por nenhum estado, a faixa de mar próxima da costa pode ser reclamada pelo estado costeiro, até onde este possa exercer controle ou comando, o que, segundo BYNKERSHOEK, seria o equivalente ao alcance de tiro de canhão (o que faria, segundo TRUYOL Y SERRA212, a distância percorrida pelo projétil variar conforme a técnica militar), mas foi aceito como critério válido durante mais de duzentos anos. A grande questão tática e estratégica 213, passou a ter regulação que a transforma em norma de direito internacional positivo214. Além da extensão do mar territorial foram igualmente consolidados conceitos como os de zona econômica exclusiva 215 e de plataforma continental216. BYNKERSHOEK, com seu De foro legatorum, foi, ainda, o responsável pela regulamentação da imunidade dos agentes diplomáticos e dos soberanos217, partindo de caso concreto218. Em mais essa matéria, foi situação concreta a norteadora da manifestação219. BYNKERSHOEK basicamente estipulou orientação para os consulentes em consistência com a linha adotada em codificações posteriores do assunto. A matéria viria a ser objeto das bem-sucedidas codificações de Viena, na segunda metade do século XX, com destaque para a Convenção sobre relações diplomáticas, 1961; sobre relações consulares, de 1963; sobre direito dos tratados, de 1969; cumprindo importante papel, apontado por G. E. do NASCIMENTO E SILVA220. Assim como nas Convenções de Viena em matéria de tratados, feitas nos anos seguintes, abordando: direito dos tratados (1969); representação do estado em suas relações com organizações internacionais de vocação universal (1975), sucessão de estados em matéria de tratados (1978); sucessão de estados em matéria de bens, arquivos e dívidas de estado (1983); direito dos tratados entre estados e organizações internacionais ou entre organizações internacionais (1986). 1.1.2.3. Christian WOLFF (1679-1754) Christian WOLFF insere e declara-se discípulo de Gottfried Wilhelm LEIBNIZ221. Este tem seu lugar na história da filosofia e da civilização como filósofo e pensador de vasta gama de interesses. Também merece LEIBNIZ ter reconhecido o seu papel na construção e evolução do direito internacional com seu Codex gentium diplomaticus (publicado em Hannover, em 1693), seguido de suplemento Mantissa codicis juris gentium diplomatici (este publicado em Hannover, em 1700). Além de desencadear o movimento para a coleta e sistematização de tratados internacionais222, a obra de LEIBNIZ continha, na Introdução, estudo aprofundado sobre as relações entre direito natural e direito voluntário, aquele de caráter absoluto, e este de cunho relativo. Não se negligencie a menção, muito embora possa o Codex gentium ser considerado “obra menor, no conjunto da bibliografia, de cunho predominantemente filosófico e matemático” 223 de LEIBNIZ, este autor se faz presente, no direito das gentes, sobretudo por sua influência na formação de sucessivas gerações de autores, por ter sido o mestre de Christian WOLFF, e este, por sua vez, o seria para Emer de VATTEL. Desse modo, justifica-se a menção a LEIBNIZ em Manual de direito internacional. Christian WOLFF 224 coloca-se, modestamente, como filósofo, na qualidade de discípulo de LEIBNIZ. Sua reputação não deixa de ser objeto de controvérsias, mas a contribuição tem dados específicos225 que justificam seja esta apontada 226. L. OLIVE (1904) 227 apontava ter muito cedo WOLFF travado conhecimento com o sistema de DESCARTES e, “fortemente impressionado pelo método do grande filósofo, teria concebido a ideia de levá-lo mais adiante do que o tinha feito DESCARTES, para o domínio das ciências jurídicas, o uso da demonstração matemática” 228. A concepção de WOLFF, a respeito de comunidade mundial, seria a primeira formulação da ideia de que, séculos mais tarde, encontraria sua forma nas tentativas de institucionalização primeiro no contexto da Sociedade das Nações e, mais recentemente, no modelo da Organização das Nações Unidas. Logicamente não se trata de ir, neste, buscar o precedente direto ou a regulação específica, mas, claramente, seria ilustração da dimensão utópica do direito internacional, que exprime algo que não existe ao ser (inicialmente) formulado, mas pode, depois, chegar a ter patamares mais ou menos elevados e precisos de implementação. A ideia de resolver e prevenir litígios internacionais, mediante a ação de liga mundial para, enquanto colegiado, proceder ao exame e decisão a respeito desses conflitos, tem a sua relevância histórica e conceitual. Não pode nem deve ser tirada de WOLFF a concepção de neutralizar conflitos entre estados, mediante a atuação de terceiros, não diretamente envolvidos na controvérsia. A mesma racionalidade orienta o sistema vigente da concepção inicialmente adotada na Sociedade das Nações, e ulteriormente na Organização das Nações Unidas, no sentido de encaminhamento de controvérsias entre estados quer ao Conselho de Segurança, quer à Corte Internacional de Justiça. Ou à arbitragem. Ou à mediação. Dada a natureza intrínseca do sistema internacional, em que as relações entre sujeitos de direito internacional se inscrevem entre iguais — e par in parem non habet jurisdictio –, daí se instaura a necessidade de que terceiro seja intermediador (seja mediação ou outro mecanismo pacífico de solução de controvérsias) ou julgador (quer tribunal arbitral ou tribunal internacional permanente). Como ressalta SERENI (1969) 229, enquanto a revolução é fenômeno não regulado pelos ordenamentos jurídicos internos, nos quais se produza, e, por conseguinte, se encontra juridicamente fora de tais ordenamentos, as relações de força, a que pode dar lugar a ocorrência de crise internacional, entre as quais a guerra, não se encontrariam fora do ordenamento jurídico internacional. Logicamente, aduziria à ponderação de SERENI, observadas as restrições do direito internacional pós-moderno vigente quanto ao uso da força no contexto internacional. Outra contribuição relevante de WOLFF é a da “hipótese primeira”, sobre a qual o direito internacional pode ser assim fundamentado230: seria a comunidade internacional, enquanto tal, e não a vontade individual dos estados. Precedente ilustre, de certo modo, pode-se dizer, partiria da realidade da história, com a presença ideal de entidade imparcial, que, ao menos teoricamente, teria papel de árbitro e mediador, entre os estados e, de outro modo, antecipa o futuro, como viria a comprovar a história, quando surgem, no século XX, primeiro a Sociedade das Nações e depois a ONU. A civitas maxima de WOLFF, enquanto organização de nações, estaria formulada em “quase pacto”, enquanto base de obrigações legais para tal participação pelos estados. Descrevia tal associação mundial como organização de fato, e esta já estaria em funcionamento, e seria a fonte para as daí decorrentes obrigações dos estados231. Pode-se apontar forte base utilitária no pensamento de WOLFF, que marcaria os desenvolvimentos posteriores da escola inglesa do utilitarismo no século seguinte. WOLFF aplicava o conceito de direito internacional tanto para os indivíduos como para os estados. Em relação a uns como a outros, o instinto básico será o de prover à própria subsistência. Empenhar-se na autopreservação e autoaperfeiçoamento232. Nesse impulso básico, pode ser situada, segundo WOLFF, a fonte do direito das gentes. “As sociedades, os povos, as nações, são pessoas jurídicas, que entram em estado de independência natural, mas mesmo assim obrigadas a cumprir umas em relação às outras com os deveres da humanidade e da caridade” 233. A formulação de WOLFF contém aqui o conceito de comitas gentium. WOLFF faz-se importante por suas teses, no direito internacional, com certa relação direta com as teorias de LEIBNIZ, e como mestre de VATTEL. Como filósofo, WOLFF manteve-se bastante tímido, mas a sua obra conserva relevância para o direito internacional pós-moderno. Os homens podem ter direitos uns sobre os outros, mesmo no estado de natureza. Qualquer um que ponha obstáculos ao cumprimento de nossa obrigação natural lesa nosso direito: e vemonos autorizados a empregar, em caso de necessidade, a força para nos preservar de tal lesão. Da mesma forma que a noção de obrigação pode, também, ser deduzida a noção de lei, no sentido de que ao dizer que somos obrigados, admite-se a existência de normas segundo as quais temos de determinar nossos atos. Isso vale, também, no estado de natureza, existindo, assim, portanto, uma lei natural: esta é imutável e necessária, como a própria natureza humana. É verdade que esta pode, também, em certo sentido, ser considerada como emanada da vontade divina, pois a natureza humana tem Deus como autor. Na linha da filosofia de LEIBNIZ, justamente, imbuída do otimismo, característica essencial desse sistema filosófico, resume-se no dever, para o homem, de pôr as suas ações livres em harmonia com as sugestões da natureza, de obedecer à tendência natural, que leva todo ser a se conservar e a se desenvolver. Para WOLFF, da mesma forma como existe direito natural, independentemente de qualquer sociedade constituída, a que se agrega a existência de poder social e do direito civil ao qual este dá nascimento, concilia-se com o direito natural. O direito das gentes repousa sobre os mesmos princípios. Para estabelecer o direito das gentes, aplicar-se-ão às relações entre as nações o mesmo que nas relações interpessoais. As nações devem ser consideradas, em suas relações recíprocas, como as pessoas livres, vivendo em estado de natureza. Daí resulta existir, para as nações, como para os indivíduos, uma lei natural, de onde derivam as mesmas obrigações e os mesmos direitos fundamentais. O sistema de direitos e obrigações constituirá o direito das gentes natural ou necessário. 1.1.2.4. Emer de VATTEL (1714-1767) Emer de VATTEL 234, declara-se discípulo de WOLFF no prefácio de seu livro235. Admite a existência de direito natural e direito voluntário, na linha de WOLFF236. Para V. MAROTTA RANGEL (2004), “o tratado de VATTEL é uma das principais obras escritas no século XVIII” 237, embora se possa questionar qual a importância da inovação de VATTEL, e tenha caráter próprio e relevante, em relação às ideias de seu mestre. Ressalta, sob o prisma doutrinário, que “VATTEL difere dos antecessores, à medida que introduz separação mais nítida entre direito natural e direito positivo, entre moral e direito, contribuindo, de certo modo, para o fortalecimento do voluntarismo jurídico, que até hoje tem infelizmente persistido” 238. Outros filiam VATTEL à linha naturalista do direito internacional239, ou criticam a solidez de sua formação jurídica 240. A. MALLARMÉ (1904) 241 inseria VATTEL na “tradição grociana que, no final do século XVII e começo do XVIII, veio reagir contra a teoria do direito natural, ensinada por PUFENDORF” 242. VATTEL abandona a concepção da civitas maxima de WOLFF e põe seu foco na soberania e nas relações entre os estados, o que vai ao ponto de enfraquecer o fundamento objetivo do direito internacional, na medida em que os estados se fazem os únicos juízes de seus atos, de seus direitos e deveres. A adoção da igualdade soberana dos estados, como critério ordenador das relações entre sujeitos de direito internacional243, tem, entre outras consequências, a de tornar legítima a guerra entre iguais, desde que as formas devidas tenham sido observadas, independentemente das causas244. Em VATTEL há também a preocupação em relação ao “homem honesto e o cidadão” de dar-lhe “armas para defender o bom direito e para compelir aos menos os injustos a respeitarem alguma medida e a manterem-se nos limites da decência” 245. Isso já seria a recompensa para qualquer autor respeitar o direito e compelir os injustos a respeitarem princípios – em qualquer tempo e lugar, inclusive no tempo presente. 1.1.2.5. J. J. BURLAMAQUI (1694-1748) Contemporaneamente, em Genebra, J. J. BURLAMAQUI 246 ensinou, na direta linha do direito da natureza e das gentes, a teoria protestante do direito natural e do direito político. De seus ensinamentos, nasceram suas obras, em que se nota também a influência de Jean de BARBEYRAC, tradutor de GRÓCIO para o francês e sistematizador do direito internacional de seu tempo247, com atuação engajadamente protestante, na fundamentação deste e de seus institutos. O pensamento de Jean-Jacques ROUSSEAU marcou filosofia do direito de BURLAMAQUI, tal como a expõem suas duas principais obras: os Princípios do direito natural (publicados em Genebra, em 1747) 248 e os Princípios do direito político (publicados postumamente em Amsterdã, com data de 1751) 249. BURLAMAQUI entende como lei natural a “lei que Deus impõe aos homens e que estes podem conhecer mediante o exercício de sua razão, considerando com atenção sua natureza e seu estado. O “direito natural é o sistema, a reunião, ou o corpo dessas mesmas leis” e fala, ainda, em “jurisprudência natural, que seria a arte de chegar ao conhecimento das leis da natureza, de desenvolvê-las e aplicá-las às ações humanas” 250. A partir daí são deduzidas as obrigações de aplicar tais leis251 e BURLAMAQUI observa que “a maneira pela qual estabelecemos os fundamentos do direito natural não difere, em nada quanto ao fundo, dos princípios de GRÓCIO: talvez este grande homem tivesse podido desenvolver um pouco melhor as suas ideias, mas deve-se confessar que seus comentadores, dos quais não se pode excetuar PUFENDORF, não compreenderam bem seu pensamento, e o retomaram fora de contexto, pretendendo que a maneira pela qual ele colocava os fundamentos do direito natural se reduzia a um círculo vicioso” 252. Aponta BURLAMAQUI a “necessidade da existência, entre as nações, de alguma lei, que sirva de regra para o comércio que estas têm em conjunto. Ora, essa lei só pode ser a própria lei natural, que então chamamos direito das gentes, ou lei das nações. A lei natural, como bem diz HOBBES, se divide em lei natural do homem e lei natural dos estados; e esta última é o que se chama direito das gentes. Assim o direito natural e o direito das gentes, não são se não a única e mesma coisa, e estes somente diferem por denominação exterior. É preciso assim dizer que o direito das gentes, propriamente assim nomeado e considerado, como lei que emana de superior, não é outro se não o próprio direito natural, aplicado não aos homens, simplesmente considerados como indivíduos, mas aos povos, às nações, aos estados ou a seus chefes, nas relações que estes têm juntos, e nos interesses que estes têm a cuidar entre si” 253. Oportuno e relevante observar como, na exposição de BURLAMAQUI, se coloca o direito internacional como a expressão da norma regendo a convivência dos homens, enquanto povos, nações ou estados, representados por seus chefes: o direito seria inerente aos povos, e os estados e seus chefes seriam o mecanismo ou ferramenta para cuidar de tais interesses – não para os fazer seus, em detrimento dos povos e dos interesses destes. Pode ser sanada, a partir daqui, a distorção por que passou o direito internacional excessivamente estatizado, e transformado em esfera exclusivamente reservada aos estados, como “assuntos de estado” e de chefes de estado e seus corpos de funcionários de estado, em carreiras de estado, e esquecendo-se do homem como fim último e fundamento de todos os direitos e obrigações. Curiosamente o que se quer entender e apresentar como as mais modernas correntes e teorias, no sentido de colocar o homem como centro e fim de todos os ramos do direito, inclusive do direito internacional, são teorias literalmente modernas, no sentido de terem surgido na idade moderna 254: o homem como centro e fim último do direito internacional não é uma novidade. Tiveram seu papel, a seu tempo. Não se pode julgar a questão somente pelos resultados, mas sem negligenciar a necessidade de situá-la em contexto cultural mais amplo, como se pode e deve fazer, ao abordar o direito internacional pós-moderno; pode-se permitir resgatar essa visão e essa dignidade que os estados, em seu afã de ocupar e dominar espaços, ao longo do tempo, solaparam. Aponte-se a crescente “profissionalização” do direito internacional, do final do século XVIII para o seguinte, ganhando também conscientização crescente do contexto histórico em que se inscreveriam tanto as normas de direito internacional como o estudo destas, pela doutrina. 1.1.2.6. Georg-Friedrich Von MARTENS (1756-1821) Georg-Friedrich Von MARTENS coloca, em sua obra, o estudo do direito internacional em perspectiva histórica 255. Para Celso MELLO (2004), teve Von MARTENS o mérito de colocar o elemento histórico no direito internacional, e o estudar através de sua evolução, ao longo dos tempos256. Além de sua importância como autor, também pelo trabalho considerável de sistematizador de tratados e de casos de direito internacional, que desenvolveu e publicou. Para H. BAILBY (1904), “a von MARTENS o direito internacional deve o progresso realizado pelo estudo da história: a evolução das ideias, a sucessão de eventos políticos, a transformação do estado social da Europa, contribuem a definir o caráter e o alcance de numerosos institutos do direito internacional” 257. As obrigações internacionais encontram, enfim, garantia de sua execução, ou seja a sanção, no próprio interesse dos estados. O próprio estado pode ter interesse em não violar as suas obrigações, como indica Von MARTENS, mostrando a ligação ou a solidariedade, cada vez mais estreita entre os povos, e as consequências prejudiciais, decorrentes a qualquer estado, do inadimplemento de suas obrigações. G.-F. Von MARTENS somente admite o recurso ao “direito natural” quando o direito positivo não regular o assunto. Embora Von MARTENS insista na primazia do direito positivo, o direito natural permanece, como referência axiológica, para a crítica deste 258. O direito das gentes, fundado no direito natural, reconhece aos estados direitos fundamentais e configura-se como direito internacional geral e positivo, na medida em que esteja em condições de assegurar a observância de suas normas, inclusive mediante o uso da força. Somente o direito natural pode pretender a universalidade 259. O aspecto no qual Von MARTENS mais se aproxima da corrente positivista parece ser na distinção, a partir deste, introduzida por MOSER, entre o direito das gentes e o direito interno, relativo às relações internacionais (ausseres Staatsrecht), “direito público externo”. Até VON MARTENS pode-se considerar terem ficado colocadas as bases do direito internacional clássico, de caráter nitidamente europeu e voltado antes para a regulação da coexistência e da mútua abstenção. Assim estão colocadas as bases históricas e mencionados brevemente os chamados fundadores do direito internacional. A partir daqui, ainda que sumariamente, caberá considerar as grandes linhas da evolução da disciplina, nos dois séculos seguintes, até o contexto pós-moderno, para tanto considerando os períodos. “De Viena (1815) até Versalhes (1919)” (1.1.3.); “De Versalhes ao contexto presente (1.1.4.); “Perspectivas do direito internacional no século XXI (1.1.5.)”, antes de referir visão de conjunto da evolução do direito internacional (1.1.6). 1.1.3. de Viena (1815) até Versalhes (1919) No fim do século XVIII, a Revolução Francesa 260, mais pelo impacto direto no grande movimento de ideias por ela suscitado, exerce influência sobre os espíritos, que se propagou por toda a Europa, e mesmo além desta 261. As guerras e as conquistas da França revolucionária — continuadas sob Napoleão BONAPARTE —, elemento disruptor do sistema vigente à época, destruíram o sistema criado pelos tratados de Vestfália, e foram pouco propícias ao desenvolvimento do direito internacional, até o Congresso de Viena encetar nova tentativa de regulação internacional. Reação aos acontecimentos da Revolução Francesa e do Império de Napoleão Bonaparte, os princípios de direito internacional, surgidos do Congresso de Viena (1815), basicamente irão reger a ordem internacional até o final da primeira guerra mundial – quando se instaura o sistema regido pelo tratado de Versalhes (1919) e os seus tratados correlatos – nem somente os interesses dinásticos, no esforço de resgate e manutenção do status quo ante, pelas monarquias europeias, não se limitam a consagrar a queda de Napoleão BONAPARTE e restabelecer a velha ordem política na Europa. Conserva-se o legado dos princípios da proibição do tráfico dos negros dos Congressos de Viena (1815) e Aachen (1818) (ou Aix-la-Chapelle), da liberdade de navegação de certos rios internacionais, e da institucionalização da classificação para os agentes diplomáticos. A partir da combinação entre essa política intervencionista, concomitantemente à emancipação das antigas colônias espanholas e portuguesas da América, surge esboço do (que viria a ser) sistema interamericano: leva o então Presidente MONROE, dos Estados Unidos, a proclamar, em fins de 1823, a doutrina que traz o seu nome 262. As tentativas de ordenação de sistema internacional263, com a Santa Aliança e a Tríplice Aliança, colocaram os interesses dinásticos acima dos interesses mais amplos, representaram a reação reacionária, e perduraria, sem mutações substanciais, até Versalhes264, e instauração da Sociedade das Nações, a partir de 1919. A mutação qualitativa viria a partir desse marco. Daí adviria a configuração do “sistema internacional contemporâneo”, como analisa J.-J. ROCHE (1998) 265. O aparecimento do Concerto europeu, após o Congresso de Viena (1815), representou tentativa de organizar a ordem internacional, partindo da ideia de que toda mudança deveria se processar através do consenso266: ordem vista por todos os participantes como parcialmente satisfatória e parcialmente insatisfatória, em que a paz poderia ser mantida por meio da acomodação de interesses. Subjacente às condições políticas de paz pelo equilíbrio da acomodação diplomática, formalmente sustentada por direito internacional da coexistência, emergiu ordem econômica de fato, e foi facilitada pela consolidação do colonialismo267 e pela atuação marcada pela continuidade dos impérios centrais268. O fim do Concerto europeu, decorrência da eclosão da guerra e acarreta o fim dos seus impérios multinacionais; leva à reformulação do sistema internacional que se exprimiria na tentativa de institucionalização internacional, expressada pelo Pacto da Sociedade das Nações, “que criou uma organização internacional, de aspiração universal, que procurou formalmente regular as relações internacionais de acordo com certos princípios. A efetividade desses princípios se viu política e economicamente truncada” 269: Em consequência, não se reuniram condições e recursos de poder suficientes para instaurar ordem pública com a estabilidade daquela outrora imposta pelo concerto europeu270. A construção de sistema internacional da Europa fez-se pela divisão e confrontação de ideias, exemplifica Philippe MOREAU DEFARGES (2003, 2004) 271, que muitas vezes se combinam ou se acrescem às lutas entre estados272: a história da Europa moderna e contemporânea foi marcada por tentativas hegemônicas. Uma por vez, como a casa HABSBURGO, no século XVI, a França de LUIS XIV, os períodos da Revolução Francesa e do Império de NAPOLEÃO, a Alemanha do imperador GUILHERME II e, sobretudo, a Alemanha nazista de HITLER. Essas tentativas parecem querer estabelecer uma monarquia universal, ou seja, unificar o continente sob a sua direção. Cada uma dessas ambições suscita coalização contrária, que, mais ou menos rápido, a desfaz. A paz da Europa não poderia, assim, repousar, exceto com base no equilíbrio de jogo de pesos e contrapesos, entre as potências europeias. Equilíbrio, ordem e paz são considerados indissociavelmente interligados. As fases de equilíbrio, muitas vezes, constituem somente breves intervalos e tréguas frágeis, visto que a última foi o período de 1815-1848. A Europa surgida do Congresso de Viena repousa sobre três elementos: – as monarquias unidas, diante de ameaça comum, os “abomináveis princípios franceses” – como registram os autos da Inconfidência Mineira, ao tentar erradicar-lhes os efeitos, na Colônia – nascidos da Revolução (liberalismo, nacionalismo), hidra sempre pronta a renascer: o que une, então, os reis – sentindo a fragilidade de seus tronos – é mais forte que as rivalidades – ao menos durante algum tempo; – equilíbrio relativo de poder existe então entre as cinco grandes monarquias: Grã-Bretanha, França, Áustria, Prússia e Rússia. Nenhuma, então, em condições de impor sua vontade às outras273; – mecanismos de concertação (sobretudo congressos e conferências) asseguram o ajustamento dos pontos de vista 274: a Europa, então reinante, tem medo. Nenhum dos seus cinco integrantes está, à época, totalmente contaminado pela exaltação nacional (como será a Prússia bismarckiana, na fase de 1862 a 1871). O equilíbrio europeu evoca a prudência de TALLEYRAND ou de METTERNICH, mas, à porta dos salões, rondam as revoluções. A partir de 1860, esse anterior equilíbrio europeu ficou para trás: – de colcha de retalhos política e campo de batalha da Guerra dos Trinta Anos às guerras napoleônicas, a Alemanha consolida-se como estado (1871): colosso demográfico, alcança desenvolvimento econômico espetacular e, no final do século XIX, desafia a potência industrial da Inglaterra, expande-se e projeta nos campos do saber e da ciência, e começa a tentar se expandir além de suas fronteiras – de GUILHERME II a HITLER – com a obsessão em torno do espaço vital (Lebensraum) e as funestas consequências deste anseio; – outro colosso marca o fim do equilíbrio europeu, a Rússia ou, de 1922 a 1990, a União Soviética. Diversamente das demais potências europeias, não foi buscar além-mar seu império colonial, mas constrói-se na continuidade territorial, rumo à Sibéria e Ásia Central. Essa continuidade geográfica e, depois a assunção de novo pacto social, com a revolução marxista-leninista, disfarçam, durante algum tempo, o caráter colonial dessa URSS ao mesmo tempo europeia e asiática, que se quer apresentar como estado novo, aportando a convivência de vasta família de povos, federação em que coabitam as diversidades nacionais, primeira pátria da revolução mundial. A tragédia da segunda guerra mundial faz da União Soviética um dos dois grandes vencedores; – os Estados Unidos da América, outro colosso e grande vencedor do nazifascismo, já eram vistos, desde a primeira guerra mundial, como elementos importantes para o equilíbrio da Europa: sem seu apoio financeiro e depois intervenção militar dos EUA, os impérios centrais teriam vencido a guerra; no conflito seguinte, novamente o poderio econômico e militar dos EUA foram vitais para derrotar a Alemanha hitlerista. Após o conflito de 1914-1918, o projeto de W. WILSON, solapado, na prática, pela falta de apoio do seu próprio país, colocase como a revisão conceitual de tudo o que fora a política europeia, durante séculos: em lugar das manipulações diplomáticas, a tentativa de instauração da justiça, o respeito ao direito à autodeterminação dos povos, a reformulação das bases e dos mecanismos operacionais do sistema internacional. As boas intenções logo atolarão, e esse idealismo se choca com as inquietudes e as desconfianças europeias, que conduzirão ao segundo conflito mundial. A segunda metade do século XIX foi assinalada por vários fatos favoráveis ao progresso do direito internacional, podendo-se mencionar o Congresso de Paris, de 1856; a 1ª Convenção da Cruz Vermelha, em 1864; a Declaração de 1868, contra projéteis explosivos ou inflamáveis; o Congresso de Berlim, de 1878; a Conferência Africana de Berlim, de 1884-1885; a Conferência de Bruxelas, de 1889-1890, contra o tráfico de escravos; a 1ª Conferência Internacional dos Países Americanos, realizada em Washington, de outubro de 1889 a abril de 1890; a 1 ª Conferência da Paz, de Haia, em 1899. Crescente número de especialistas vão consolidando corpo de doutrina de direito internacional275. A contribuição brasileira ao direito internacional no século XIX no campo teórico foi pequena 276, contudo promissora. Se, do ponto de vista doutrinário, a contribuição foi de pouco peso, os Relatórios do Ministério dos Negócios Estrangeiros do BrasilImpério representam importante manancial. As notas e ofícios dos titulares e altos funcionários do Ministério, rebatendo gestões de governos estrangeiros em defesa de interesses descabidos de seus nacionais, reclamações relativas ao tráfico de escravos, pretensões quanto à navegação do Amazonas e outros rios nacionais, o reconhecimento da condição de beligerantes dos estados confederados por ocasião da Guerra de Secessão nos Estados Unidos, podem ser mencionados neste particular. Principal contribuição brasileira ao direito internacional foi a consolidação do princípio do uti possidetis, que sustentou com sucesso ao anular a tese oposta do uti possidetis juris, tal como este estaria refletido, na sucessão de estados, em 1810, defendida pelos países vizinhos na solução das controvérsias fronteiriças277. Dentre os acontecimentos que marcam o final desse período e o início do seguinte, merecem ser citadas: as Conferências Internacionais Americanas278; as Conferências Internacionais da Cruz Vermelha 279; a 2ª Conferência da Paz de Haia, em 1907; a Conferência Naval de Londres (dezembro de 1908 a fevereiro de 1909); a Conferência da Paz de Paris, em 1919; a criação da Sociedade das Nações e da Corte Permanente de Justiça Internacional; a instituição da Academia de Direito Internacional, Haia, cujos cursos têm contribuído enormemente para o progresso do direito internacional. 1.1.4. de Versalhes ao contexto presente Se, de um lado, o direito internacional atinge, no curso do século XIX, seu pleno desenvolvimento, de outro, experimenta sucessivas “crises” ou hipóteses de reformulação. Até então bidimensional, isto é, limitado à terra e ao mar, passa a ser tridimensional280 quando ao conjunto preexistente se agrega a dimensão do direito internacional aeronáutico, desde o início do século XX, e a dimensão do espaço exterior, a partir do final da segunda guerra mundial281, bem como a regulação do direito do mar e dos fundos oceânicos e todo o direito internacional ambiental. Mas o movimento mais relevante faz-se no sentido da “humanização do direito internacional”, de que fala CANÇADO TRINDADE (2006) 282, para resgatar a condição central do ser humano no direito internacional, mediante o surgimento e a consolidação de sistema internacional de proteção dos direitos fundamentais. O tratado de paz entre as potências aliadas e associadas e a Alemanha, e protocolo anexo, assinados em Versalhes, aos 28 de junho de 1919283, foi celebrado entre os Estados Unidos da América, o Império Britânico, França, Itália, Japão (como “principais potências aliadas e associadas”), secundados pela Bélgica, Bolívia, Brasil, China, Cuba, Equador, Grécia, Guatemala, Haiti, Hedjaz, Honduras, Libéria, Nicarágua, Panamá, Peru, Polônia, Portugal, Romênia, Estado Servo-Croata-Sloveno, Sião, Tchecoslováquia e Uruguai (como “potências aliadas e associadas”), de uma parte, e a Alemanha, de outra parte, como “Tratado de paz e protocolo anexo, que foram feitos num único exemplar, depositado nos arquivos do governo da República francesa” 284. Muito se criticou a construção feita após a primeira guerra mundial, atribuindo-se-lhe ora todo o bem, ora todos os males, pelo que veio a seguir. Mas cabe considerar o conteúdo e o alcance do tratado de Versalhes como marco e como momento significativo da história do direito internacional285. Cabe, sobretudo, estudar não somente os acertos, como os erros cometidos, para evitar que estes possam ser novamente incorridos286. Representa o tratado de Versalhes etapa relevante, rumo à institucionalização de sistema internacional, na esteira do que representaram, a seu tempo, os seus precursores, com os tratados de Munster e de Osnabruck, pondo os fundamentos do assim chamado sistema da paz de Vestfália e, a seguir, os congressos de Viena (1815) e de Aix-la-Chapelle, ou Aachen (1818). O sistema de Viena, tal como fora concebido, inicialmente, marco garantidor da estabilidade e dos interesses dinásticos287, ganha outra dimensão e mais durabilidade a partir da construção do “concerto europeu”288, que se esboça e se trata de conservar até a sua derrocada, com a eclosão da primeira guerra mundial e a instauração do novo sistema, com o tratado de Versalhes (1919) e seus correlatos. Este, por sua vez, ao soçobrar, em razão da eclosão da segunda guerra mundial, deixará marcos e marcas que serão, em considerável medida, retomados e reordenados no âmbito do sistema da Organização das Nações Unidas, a partir de 1945. Ensina Adherbal MEIRA MATTOS (2005) 289: “se a integração na União Europeia congregou soberanias para ganhar força e influência, deve a cooperação, na ONU, congregar soberanias para ganhar legitimidade e efetividade. Se hoje, na integração, convivem blocos nos mais variados planos geopolíticos – na Europa, nas Américas, na Ásia e na África –, deve, na cooperação, a ação da ONU perfazer, na racionalidade e na cognição (axiológica e fática), tarefa objetiva e democrática, a fim de assegurar um equilíbrio econômico-social-político-estratégico capaz de enfrentar as sutilezas da complexa e paradoxal Nova Ordem Mundial”. Se de um lado haveria certa descontinuidade entre o sistema interamericano e o sistema político europeu, também se poderia falar em certo grau de continuidade, como aponta Antonio TRUYOL Y SERRA (1965) 290, “contrariamente ao que se produzirá no século XX, a ‘descolonização’ das Américas, entre o fim do século XVIII e início do XIX (exceto no que concerne ao Haiti), foi feita por descendentes dos colonos europeus, em desacordo de interesses e de sentimentos com suas antigas metrópoles. O que quer dizer que as sociedades novas se constituíram a partir da tradição cultural, trazida da Europa, pelas sucessivas vagas de imigrantes. O novo mundo, seja qual for a sua originalidade, em relação ao velho, constituiu-se organicamente a partir deste. Mas a ruptura, que representou a emancipação, teve lugar em contexto de interdependência, em relação à situação europeia. E, com exceção de alguns traços particulares, devidos às circunstâncias históricas, o direito internacional, então em vigor, o ‘direito público da Europa’, foi recebido em seus princípios fundamentais. A isto se pode acrescentar que, com o passar do tempo, os contrastes ao início mais importantes foram sendo atenuados” 291. O legado das Américas, segundo o historiador Pierre CHAUNU (1964) 292, sobretudo na América do Sul, traz à busca, tanto no plano doutrinal como no das instituições, fórmulas jurídicas tendentes à codificação: “não há continente que mais tenha feito para trazer soluções jurídicas aos conflitos internacionais, que tenha estudado com tanto empenho as questões do direito internacional”. No contexto interamericano, enquanto relações internacionais inseridas no interior desse sistema regional, o novo mundo não diferiu substancialmente do velho mundo. Para TRUYOL Y SERRA (1965) 293, os estados no continente tiveram, também, a sua sede de territórios, e seus problemas de fronteiras294, visto que o princípio do uti possidetis nem sempre permitiu levar a composições amigáveis: “conheceram as pretensões megalomaníacas de tiranetes, e no caso da América Latina, cumpre acrescer a hipoteca das pressões decorrentes de interesses exteriores, conjugados aos de certos grupos oligárquicos, que a partir do fim do século XIX, vieram mais e mais dos Estados Unidos, e não somente da Europa. Além do conflito entre os EUA e o México (1845), seis guerras opuseram entre si os estados ibero-americanos, desde a independência, e, dentre estas, a movida pelo Paraguai contra a coalizão dos vizinhos (1865-1870) foi conduzida com violência e acirramento extremos”. Versalhes não pode ser visto como momento isolado, nem como mero capítulo passado ou curiosidade histórica. O sistema que então e nele se esboça influencia, de maneira direta e relevante, o sistema que vem a seguir: a configuração atual exige, para sua compreensão, o “olhar retrospectivo” 295, para a gênese formadora, e tem, no contexto atual, múltiplos traços e elementos que permanecem presentes e atuantes. Tais como: o pacto BriandKellogg, de proscrição da guerra; mais como afirmação de princípio que pelos seus efeitos, a 1ª Conferência para a Codificação Progressiva do Direito Internacional, em Haia, em 1930; a Conferência Interamericana de Consolidação da Paz, realizada em Buenos Aires em dezembro de 1936, outro gesto de boa intenção. O sistema de Versalhes traz os pontos de partida do sistema presente; pode, ademais, ser útil, como lição para evitar seja desencadeada, novamente, a corrida para o abismo, que levou à segunda guerra mundial. Pode esse tratado ser marco de inauguração de nova fase do direito e das relações internacionais, porquanto, a partir deste se começa a fase de direito internacional de cooperação, que sucederia aos séculos precedentes de direito internacional de mera coexistência e mútua abstenção. Pode, igualmente, esse mesmo tratado, ser considerado a semente da catástrofe – por ter contribuído, e não pouco, para a preparação do contexto europeu que desaguaria na segunda guerra mundial: ambas as leituras, e outras mais, podem ser acrescidas, várias delas, em parte, verdadeiras. O pacto da Sociedade das Nações (parte I do tratado) representa a realização do antigo anseio, que remontaria à concepção da civitas maxima de Christian WOLFF, e tantos outros internacionalistas, que propunham a institucionalização das relações internacionais como meio de evitar as guerras entre os estados. Mostrou este, contudo, como distinguia Emmanuel KANT, não ser capaz de trazer a paz, mas somente a suspensão da guerra: criou-se o arcabouço, mas não poucas foram as falhas de implementação, que representariam o fracasso da tentativa, que soçobraria com o desencadear da segunda guerra mundial, em 1939, em exatos vinte anos depois do tratado de Versalhes. Além das condições da paz e das assinaturas dos plenipotenciários, dentre os quais se fazia presente o Brasil296, “a contar da data em que começara a vigorar o presente tratado, o estado de guerra terminará. A partir desse momento, e observadas as disposições do presente tratado, serão restabelecidas as relações oficiais das potências aliadas e associadas com a Alemanha e qualquer dos estados alemães”. O artigo 231 do tratado declarava a responsabilidade da Alemanha e de seus aliados por todos prejuízos causados e todos os danos sofridos pelas potências aliadas e associadas e seus nacionais, em consequência da guerra, que lhes impôs a Alemanha e seus aliados. Essa declaração justificava o pagamento das reparações297. O Pacto Sociedade das Nações, por estar contido no Tratado de Versalhes, ensejou crítica quanto a ter sido colocado no mesmo instrumento o tratado de paz com a Alemanha, e a criação da Sociedade das Nações, na sua própria estipulação298. Esse tratado representa marco não somente da história europeia como geral e da evolução do direito internacional, que encetaria seus esforços para passar a ser menos eurocêntrico e um tanto mais efetiva e amplamente internacional. O Pacto esboça sistema de segurança coletiva. O artigo X continha a ideia do presidente WILSON, no compromisso de “respeitar e manter contra toda agressão externa a integridade territorial e a independência política atual de todos os membros da Sociedade”. O artigo XI 299, por sua vez, esboçava dever legal de solidariedade entre os pactantes: “toda guerra ou ameaça de guerra (...) interessa a toda a Sociedade”. Os artigos XI a XVI continham a expressão das ideias do ministro inglês, Lord Robert CECIL, mas o artigo XIV vai mais longe, com a previsão da criação da Corte Permanente de Justiça Internacional300. A estipulação da resolução jurisdicional de controvérsias entre estados representou avanço institucional e do sistema de regulação da convivência entre sujeitos de direito internacional, mas da mesma forma que ocorrera em relação à Corte Permanente de Arbitragem, criada na Haia em 1899, deixou de ser estipulada a compulsoriedade: os estados somente submeteriam à Corte as controvérsias, em que se vissem envolvidos, quando prévia e expressamente tivessem autorizado o exercício da jurisdição desta em relação àquele estado ou, caso a caso, se autorizassem, especificamente, tal exercício jurisdicional por ocasião da ratificação do tratado. A institucionalização dos mecanismos de solução pacífica de controvérsias interestatais, analisa Lucius CAFLISCH (2001) 301, depois de cem anos, nem permite falar em progresso decisivo nem em fracasso completo: “a impressão que se tem, a respeito da evolução centenária do mecanismo de solução de controvérsias entre Estados, é que a comunidade internacional não soube aproveitar as oportunidades que se apresentaram, sobretudo a partir do final do conflito leste-oeste e da redução das tensões nas relações nortesul” 302. Estes, sem dúvida, são desenvolvimentos maiores e alvissareiros do direito internacional, ocorridos na segunda metade do século XX, que devem assegurar melhoria da implementação do sistema regulador da convivência entre sujeitos de direito internacional. A segunda guerra mundial foi sumamente prejudicial ao direito internacional, bem como à Sociedade das Nações; tanto assim, que o projeto primitivo de Dumbarton Oaks, base da Carta das Nações Unidas, nem mencionava o direito internacional. Seja como for, no pós-guerra e mesmo no decorrer da guerra, surgem inúmeros organismos internacionais, a começar com as Nações Unidas, cuja Carta foi firmada em São Francisco a 26 de junho de 1945. As décadas posteriores à segunda guerra mundial foram influenciadas pela chamada Guerra Fria e pela ameaça de guerra nuclear, fenômenos estes que exerceram influência sobre o direito internacional, 1949 a 1989. Contudo, o final do até então chamado equilíbrio do terror infelizmente não nos traz mundo mais seguro, nem se pauta por patamar mais elevado de observância e aplicação do direito A reformulação do sistema, após 1939-1945, logo cairá no contexto da Guerra Fria: a Europa torna-se o centro do conflito lesteoeste. As conferências de Yalta (4 a 11 de fevereiro de 1945) e, ainda, de Potsdam (17 de julho a 2 de agosto de 1945), entre os aliados Estados Unidos, Grã-Bretanha e URSS, fixam, juntas, os destinos de toda a Europa 303. As sucessivas crises, com relação ao governo da Polônia (1945) e em decorrência do bloqueio de Berlim (1948-1949), marcam o modelo predominante das relações internacionais, para as quatro décadas seguintes. A Guerrra Fria seria a decorrência de confrontação político-militar e ideológica entre duas concepções: – os Estados Unidos sonham com ordem mundial, universalista, fundado na liberdade de comércio e na democracia, governado pelas Nações Unidas, e no seio desta, pelo concerto entre as grandes potências. A Europa deve ser espaço aberto e democrático. A doutrina TRUMAN da contenção (containment) do comunismo, lançada, em março de 1947, engaja o espírito moralista dos Estados Unidos em nova cruzada, contra novo mal; – a União Soviética, arrasada e arruinada pela guerra, viu-se à beira do colapso do sistema interno em razão da invasão alemã, e teme que os EUA, saídos fortalecidos da guerra, aproveitem-se disso. Os territórios, “liberados” pelo Exército vermelho, permanecerão sob o estrito controle deste – até onde puderem alcançar. O conflito ideológico304 exprimir-se-á, do lado ocidental, em dois braços: o econômico, com o plano MARSHALL de reconstrução, lançado em 5 de junho de 1947, e o militar, com a Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN, em 4 de abril de 1949305. Em reação à entrada da então Alemanha “ocidental” na OTAN, em 5 de maio de 1955, formar-se-á aliança defensiva entre a União Soviética e os seus aliados: o espelho, equivalente, será o Pacto de Varsóvia, em 14 de maio de 1955. Esse bloco se manifestará, na era BREJNEV, na concepção da “dupla responsabilidade”: cada partido comunista no poder é responsável, ao mesmo tempo, perante seu povo e perante o movimento internacional. A intervenção não é somente direito, mas se torna dever de intervenção. Com todos os riscos. A ideia da aliança atlântica tenta sobreviver 306 ao fim do conflito leste--oeste 307. Como personagem em busca de autor 308. O laço atlântico perdeu sua evidência? Antes de 1989, quando os desenvolvimentos no leste e centro europeu mudaram o quadro das últimas quatro décadas, este poderia, ainda, parecer a única resposta eficaz contra a ameaça soviética. Após as mutações de 1989309, esse laço permanece, mas parece ter, em boa medida, perdido o sentido que poderia ter tido. A implosão da União Soviética, em 1991, põe fim ao regime de bipolaridade que regulava o mundo desde o final da segunda guerra mundial310. A ideia de nova era, caracterizada pelo primado do direito e não da força, pela solução pacífica de controvérsias, em lugar da anarquia e da violência, pelo respeito do direito internacional dos direitos humanos, tal como foi anunciada, em discursos do então presidente George BUSH, em 1991, viria a ser desmentida por seu filho, na década seguinte. Com a criação da Comissão do Direito Internacional das Nações Unidas (CDI) em 1947, o desenvolvimento do direito internacional entra em nova e importante fase. Como resultado dos trabalhos da CDI, foram assinadas em Viena importantes convenções de codificação do direito internacional311: relações diplomáticas (1961); relações consulares (1963); direito dos tratados (1969), representação de estados em suas relações com organizações internacionais de caráter universal (1975); sucessão de estados em matéria de tratados (1978); sucessão de estados em matéria de seus bens, arquivos e dívidas (1983); e direito dos tratados entre estados e organizações internacionais ou entre organizações internacionais (1986). A estas é necessário acrescentar a Convenção sobre o Direito do Mar, assinada em Montego Bay em 1982, bem extensa e relevante série de convenções firmadas sob a égide das organizações internacionais especializadas, de vocação universal. Outra área que passou a exigir do direito internacional especial atenção foi a da proteção internacional do meio ambiente,312 desde 1972, quando se realizou em Estocolmo a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, com importantíssimo impacto, seguida esta por uma série de tratados e pela criação de organizações especializadas encarregadas dessa proteção. Na sequência de Estocolmo, 1972, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED), ocorrida no Rio de Janeiro em junho de 1992313, e a Rio + 10, realizada em Johannesburgo, em 2002, são marcos dessa crescente, todavia incipiente, conscientização quanto à necessidade de regime efetivo de proteção internacional do meio ambiente, para esta e como responsabilidade desta, em relação às gerações futuras e à manutenção da vida no planeta. Numerosas organizações internacionais de vocação regional314 e sub-regional, além de suas agendas e objetivos internos, têm relevância e se têm ocupado de problemas de direito internacional, com destaque para a União Europeia315, ao lado de outras organizações europeias e interamericanas, com menção expressa da Organização dos Estados Americanos (OEA) 316, e outras317. Acrescem a essa lista a Unidade Africana318 e a Liga Árabe e a Organização de cooperação econômica da Ásia – Pacífico (APEC) 319. A relação de internacionalistas do século XX é enorme, e basta mencionar os nomes de alguns que tiveram maior influência na matéria, na América Latina 320, como outros países321, além do Brasil322. 1.1.5. perspectivas do direito internacional no século XXI E n t r e universalidade e fragmentação, inscreve-se a perspectiva do direito internacional para o século XXI: o anseio pauta-se pela primeira; a realidade impõe seu peso, em relação à segunda. Mas as mutações sempre ocorreram e estão em curso na história: para tanto é preciso adotar a perspectiva da pósmodernidade, para a compreensão do mundo e neste, também, do direito internacional323. A lição de Hugo GRÓCIO, a quem se atribui a paternidade do direito internacional, é clara: o sistema institucional e normativo internacional é falho e limitado, mas é passível de aperfeiçoamento. A constatação das limitações não deve levar ao desânimo, mas, antes, fazer atentar para a necessidade de aperfeiçoamento dos mecanismos institucionais e regulatórios internacionais. Entre o idealismo de KANT e o realismo de HOBBES, o que poderia ser chamado de pragmatismo responsável de GRÓCIO melhor responde ao quadro do mundo atual: pode ser aperfeiçoado. Os progressos alcançados no curso dos últimos cem anos – quando se celebra o centenário da Segunda Conferência de Paz, da Haia, com a participação do Brasil, em 1907 – podem ser o melhor estímulo para dar continuidade à tarefa de regular juridicamente a força bruta, a Realpolitik, os analistas internacionais que somente acreditam nos interesses do mercado e no poder de tomada de decisões (o malfadado decision making power) como único critério de determinação e regulação da realidade. É preciso acreditar no espaço e no papel do direito internacional, como condição de sobrevivência da humanidade. É enfático Christian Tomuschat, no seu curso geral na Haia (1999). Da Guerra Fria, espécie de histeria coletiva, que marcou toda a geração 1949-1989, com engajamentos eivados do fundamentalismo nos dois lados em confronto – e esta visão de mundo, pautada pelo equilíbrio do terror desaparece, sem deixarem de existir os arsenais atômicos, de tal modo que nenhum analista político ou teórico das relações internacionais teria prognosticado –, passamos para o não menos obssessivo aquecimento global, o choque de civilizações pautado pelo fundamentalismo dos dois lados, que impede o diálogo, porque não permite enxergar o direito à existência nem os motivos do outro, a desfocada e mal conduzida guerra ao terrorismo, o tráfico de drogas, o crime organizado e às máfias das mais variadas nacionalidades. Ensina Charles DE VISSCHER (1970) 324 a necessidade da linha divisória entre teorias e realidades em direito internacional, e Celso LAFER (1980) 325 adverte: “o internacionalista é, por definição, um realista” 326. O curto prazo traz muitas razões para descrer do progresso da humanidade, do conhecimento humanista e racional, do aperfeiçoamento do sistema institucional e normativo internacional, da necessidade de regulação internacionalmente eficaz e abrangente para questões intrinsecamente internacionais, para a necessidade premente de estruturação de quadro normativo, que reprima ou elimine o uso das armas proscritas, tais como as químicas, bacteriológicas, e outras, todavia por proscrever, as armas atômicas, e ponha limites ao uso unilateral da força, fora do quadro estrito das ações coletivas da Organização das Nações Unidas, nos termos do Capítulo VII da Carta327. Cumpre atentar para a advertência de V. MAROTTA RANGEL (1980, publ. 1981) 328, no sentido de que a contemporaneidade não pode prescindir do estudo das bases do direito internacional dos tempos precedentes, sob pena de se perder a compreensão do papel e do alcance possível deste, na construção das normas e dos respectivos mecanismos de implementação. Por sua vez, A. A. CANÇADO TRINDADE (2002) 329 lembra que “o direito, em todos os seus ramos, não opera no vácuo. Os instrumentos jurídicos, tanto nacionais como internacionais, porquanto encerram valores, são produto do seu tempo. E se interpretam e se aplicam no tempo. Encontram-se, pois, em constante evolução” 330. E como resposta, propõe CANÇADO TRINDADE (2006) 331 a humanização do direito internacional. Se o grande desafio do direito internacional no século XX foi a extraordinária ampliação de seu âmbito de atuação, a tarefa, não menos ingente, para o século XXI, será a busca dos correspondentes mecanismos de implementação, no sentido já referido, da passagem de direito internacional, que, até o final do século XIX era bidimensional, passa então a ser tridimensional, ocupando-se do espaço ultraterrestre, da lua e dos corpos celestes, dos fundos e do subsolo dos leitos marinhos, visto que em todas essas novas situações foram assinados pela comunidade internacional tratados específicos. A ampliação do leque de questões reconhecidas como intrinseca e inevitavelmente internacionais não se fez acompanhar do desenvolvimento correspondente nem das ferramentas que permitam assegurar a implementação das medidas e efetividade normativa. Simultaneamente ocorre mudança de eixo de conflito, na medida em que, do mundo da Guerra Fria, passamos ao mundo dividido pelo conflito de civilizações e ao recrudescimento dos atentados aos princípios regentes da legalidade internacional. A análise de qualquer sistema, seja este especificamente legal ou cultural, em sua acepção mais ampla, somente revela ao estudioso aquilo que se busca ou aquilo que já se está preparado para descobrir. A compreensão do papel e alcance do direito internacional somente se consolidará na medida em que se tenha conscientização da absoluta impossibilidade e inadequação operacional dos sistemas nacionais, estes isoladamente considerados como unidades autônomas, muitas vezes se não francamente antagônicas, ao menos colidentes, para fazer frente às necessidades do tempo presente. A partir de agora todo provincianismo cultural está superado pela marcha da História, forçando-nos a pensar em termos internacionais, ante a impossibilidade essencial dos direitos nacionais de atenderem a necessidades intrinsecamente internacionais, a pensar em termos universais e forjar parâmetros legais universais. É também agora que a situação histórica do homem no mundo domina a consciência e o dimensionamento da implementação desses direitos se encontra no cerne do pensamento jurídico, ante o risco iminente de extensão da interferência e controle dos estados, diante das liberdades e direitos individuais. Questões como o terrorismo internacional saem dos manuais para voltar às manchetes dos jornais e tenderão a ser questão central dos debates e preocupações, não somente de círculos especializados, nos próximos tempos – isto se sobrevivermos a eles –, como também da imprensa escrita, falada e virtual, além de preocupação e debate em todas as instâncias332. Outras matérias de relevo são a questão da proteção do meio ambiente, da repressão ao tráfico de drogas e crime organizado, da construção de espaços regionais economicamente integrados e da crescente interdependência entre as economais cada vez menos nacionais, sujeitas a variações das quotações internacionais das moedas nacionais, enquanto estas ainda existirem, e os estados que ainda se veem como a unidade básica de conta e operação das relações internacionais. As limitações são conhecidas. Trata-se de fazer valer a necessidade de regulação eficiente das questões internacionais, como meio e modo, e de aprimorar a ordem internacional. E que esta é incompleta e falível já o sabemos desde GRÓCIO, mas, como este acreditava, temos a possibilidade de progressivamente desenvolver estrutura normativa, apta a assegurar mais eficiente regulação das necessidades intrinsecamente internacionais deste mundo, em crescente processo de internacionalização, no sentido de permeabilidade e interpenetração das esferas nacionais, locais internacionais e globais entre si. O que os economistas denominam “globalizaçção” e todos repetem, dizendo-se ser contra ou a favor, sem saber a respeito do que se fala, é simplesmente processo irreversível de mutação dos patamares de criação e circulação da riqueza no mundo333. Não cabe questionar se gostamos ou não: isto em nada alterará o curso do processo, com tendência a crescente aceleração e aprofundamento do chamado “fosso digital” entre países detentores de tecnologia de ponta e os demais que ficarão para trás, literalmente à velocidade da luz. A chamada globalização é fato consumado. Não cabe questionar como veio e como se instaurou. Está presente e temos de levar em conta esse dado essencial da realidade atual. A partir da constatação da inevitablidade desta, talvez possamos baixar as reservas mentais e ver a necessidade de atuar de modo eficiente neste mundo, de responsabilidades compartilhadas, que mudou para sempre e pode deixar para trás os saudosistas de outras eras nacionais. 1.1.6. visão de conjunto da evolução do direito internacional Apresentados, ainda que sumariamente, os principais autores do direito internacional moderno – desde VITÓRIA, até o início do século XIX, com Von MARTENS334 –, ficam, assim, igualmente presentes as correntes de pensamento a que se filiaram – nos duzentos anos, desde o início do século XIX ao início do século atual. Quando mudou o mundo e quanto mudaram os estados, quanto ao número de estados e modos de interagirem estes, é suficientemente óbvio, para não exigir desenvolvimentos específicos335. Mas em sua linha mestra, o direito internacional, ao tempo de Von MARTENS e do Congresso de Viena (1815), era essencial se não exclusivamente europeu. O direito público da Europa (ou jus publicum europaeum) foi a base do direito internacional clássico, tal como permanece em vigor, praticamente até a primeira guerra mundial. O ciclo das guerras da França revolucionária, continuado pelo Império Napoleônico, enseja a partir “do interior” mutação do sistema europeu de estados. Como no caso da crise da cristandade medieval e do aparecimento do próprio sistema, apontava Michel ZIMMERMANN (1933) 336, deveria ser conjugado com o impacto de eventos, vindos “de fora”. Esses conflitos levaram à maior complexidade do sistema, que procurou agregar elementos que permitissem equilíbrio mais complexo, e refletiam o desejo e o empenho em evitar a deflagração de novos conflitos ou ao menos de guerras generalizadas. Assim se estabeleceu o Concerto europeu, em 1815. A este a França derrotada pôde se integrar, já a partir do Congresso de Aachen, em 1818, como primeiro passo de organização da sociedade internacional. Estende-se, progressivamente, esse sistema pelo mundo, mas como projeção do sistema europeu, considera Antonio TRUYOL Y SERRA (1959, 1965) 337. Entre o final do século XVIII e início do século XIX, passará a ser europeu e interamericano, inicialmente mediante extensa ocupação e europeização do continente americano, colonizado a partir das respectivas metrópoles, em proporções que variaram consideravelmente, ao longo do tempo, de região para outra, segundo modalidades em relação com as tradições políticas locais338. O surgimento de sistema interamericano não muda completamente a natureza, mas introduz elementos novos no âmbito internacional. Curiosamente os primeiros autores de direito internacional nas Américas, após a independência, ignoram qualquer elemento especificamente americano, como ocorre com o venezuelano Andrés BELLO, Princípios de derecho de gentes (1832), ou, apesar do nome, com a obra do argentino Carlos CALVO, Derecho internacional teórico y prático de Europa y América (1868, publicado em francês, como Le droit international théorique et pratique, em 1872, e ampliado nas edições subsequentes). Esse elemento será enfatizado por R. F. SEIJAS, El derecho internacional hispano-americano público y privado (Caracas, 1884-1885) e Roque SAENZ PEÑA, cujo Derecho público americano (Buenos Aires, 1905), coletânea de escritos e de discursos, parece réplica do “direito público europeu”. A questão da existência ou não de direito internacional tipicamente americano e quanto ao conteúdo deste será colocada, em toda a sua amplitude, na controvérsia entre o chileno Alejandro ALVAREZ, Le droit international américain: son fondement, sa nature (Paris, 1910), e o brasileiro M. A. de Souza SÁ VIANNA, De la non-existence d’un droit international américain (Rio de Janeiro, 1912), tendo em defesa da tese afirmativa as contribuições de F. J. URRUTIA e acaloradamente de José Maria YEPES, ambos colombianos; e, seguindo a tese negativa, o argentino Daniel ANTOKOLETZ e o salvadorenho José Gustavo GUERRERO339. Depois de consideráveis excessos cometidos pelos partidários de “americanismo engajado”, merece menção o “americanismo crítico”, na linha da avaliação objetiva, desenvolvida pelo internacionalista argentino Juan Carlos PUIG, Les principes du droit international public américain (Paris, 1954). Nessa perspectiva, pode-se admitir a existência de elementos especificamente interamericanos, inseridos no conjunto do direito internacional mais amplo, no seio do qual teria surgido o subsistema regional340.Na linha da tese negativa, destaque-se o mexicano Jorge CASTAÑEDA, México y el orden internacional (México, 1954), segundo o qual, com síntese admirável da questão, pondera que, da ideia panamericana ou “continental americana”, a partir do final do século XIX, passa-se a outra concepção em razão do crescente distanciamento ocorrido entre a América Anglo-Saxã e Latina, desde a situação em que uma e outra se encontravam em relação à Europa, como em razão da diversificação crescente das situações sociais e econômicas. De tal forma que se esvazia de sentido a ideia de “comunidade pan-americana”, e põe-se a necessidade de considerar, antes, uma “comunidade latino-americana”. Isso tampouco tem sido claro, nem viável manejar, nas últimas décadas341. Na segunda metade do século XIX, mais precisamente a partir do Tratado de Paris, de 1856, a Sublime Porta, designação corrente do Império Otomano, é formalmente declarada a partir desse momento como integrante do sistema europeu342, o que até hoje não ficou de todo claro em relação à Turquia. No final do século XIX, o sistema passara a ser europeu-interamericano e oriental, com a rápida inserção do Japão, que escolhe jogar com o Ocidente, usando as armas deste, e de forma mais controversa em relação à China 343. Outros países como a Pérsia (atual Irã) e o Sião (atual Tailândia) eram aceitos como parceiros, embora não totalmente integrados. O estado, seu papel e seus limites, na ordem internacional, continuam a ser tema central. Ao lado deste, surgem e se desenvolvem as organizações internacionais. Mas, sobretudo, a adaptação qualitativa do direito internacional pós-moderno põe-se no progressivo reconhecimento da condição do ser humano como sujeito e objeto de proteção pelo ordenamento jurídico internacional. A evolução da doutrina se explica, em considerável medida, pelas mutações ocorridas na vida internacional, que o direito pretende regular. Assim, o cinismo do voluntarismo positivista, como denominam NGUYEN Quoc Dinh et al (1994) 344, domina boa parte do século XIX, ao pretender descrever o direito “tal como é”, sem levar em conta os fins a que se destina 345. Isso ainda perdura, em determinados grotões intelectuais. Aí se inscreve a chamada adaptação qualitativa do direito internacional. Como refere Malcolm SHAW (2003) 346: “no direito internacional a retomada do direito natural chegou em momento de crescente preocupação com a justiça internacional e a formação das instituições internacionais. Muitas das ideias e princípios do direito internacional atual estão enraizados na noção de direito natural e na relevância de padrões éticos do ordenamento jurídico, tais como os princípios de não agressão e os direitos humanos”. SHAW também adverte quanto ao risco de subverter todo o direito internacional com os assim chamados novos enfoques (new approaches), em relação aos quais é preciso traçar claramente a linha divisória: onde se passa do enfoque tradicionalmente histórico e estudo cronológico, dos princípios e das normas, das instituições e dos procedimentos, para exame de políticas de poder e de capacidade dos estados de influenciar no contexto internacional, chegamos a resultados pessimistas, centrados no poder e nos usos deste, como a força motriz da atividade interestatal. A política de poder solapa e esvazia o direito internacional: não trata das mesmas coisas, não utiliza os mesmos métodos. Não pode ser aceito como equivalente, embora seja moeda corrente entre leitores inadvertidos, conforme examina M. WIGHT (1978) 347 e critica Sandra VOOS (2000) 348. O mundo precisa de regulamentação racional e equitativa não só pelas razões aventadas, desde a Antiguidade, e desenvolvidas, no século XVIII, por KANT (1795) e seus predecessores, com as propostas de paz perpétua, mas porque no sistema global, criado pela tecnologia contemporânea, a ordem mundial é indispensável para a ordem interna das sociedades: tem consciência de terem sido ridículos os autores que propunham a paz perpétua não pelo que propunham, mas por parecerem acreditar que esta pudesse se fazer logo. Até hoje permanece assim. Quando KANT propusera, alguns anos antes, a “ideia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita” (1784), tem consciência clara dos limites: “Como o filósofo não pode pressupor nos homens e seus jogos, tomados em seu conjunto, nenhum propósito racional próprio, ele não tem outra saída senão tentar descobrir, neste curso absurdo das coisas humanas, um propósito da natureza que possibilite todavia uma história segundo um determinado plano da natureza para criaturas que procedem sem um plano próprio. Queremos ver se conseguimos encontrar um fio condutor para tal história e deixar ao encargo da natureza gerar o homem que esteja em condição de escrevê-la segundo esse fio condutor. Assim ela gerou um KEPLER, que, de uma maneira inesperada, submeteu as excêntricas órbitas dos planetas a leis determinadas; e um NEWTON, que explicou essas leis por uma causa natural universal” 349. Concluem, ao cabo de seu extenso e ambicioso “estudo crítico da história”, Hélio JAGUARIBE e colaboradores (2001) 350: a experiência histórica mostra que, em última análise, a ordem mundial pode ser instituída seja por potência hegemônica, como a Pax Romana, seja por regime de consórcio, exercido por grupo de nações dominantes, como no século XIX, ou por duopólio, como nos anos que se seguiram à segunda guerra mundial. Pouco claro e pouco eficaz o quadro atual. É certo que o Tratado de Versalhes abre nova fase para as relações internacionais e para o direito internacional, pois marca a passagem de direito internacional estritamente de coexistência como vigia até esse momento e começa a existir direito internacional de cooperação. A instauração desse direito internacional é processo em curso, em meio ao “triste legado do século XX, de trágicas contradições”, de que nos fala A. A. CANÇADO TRINDADE (2006) 351: “o direito internacional enfrenta hoje, na aurora do século XXI, novas ameaças à paz e à segurança internacionais, em meio a uma profunda crise, que se afigura como uma verdadeira crise de valores na mais ampla escala. Nunca, como nas últimas décadas, tem se constatado tanto progresso na ciência e tecnologia, acompanhado, tragicamente, de tanta destruição e crueldade. Nunca, como em nossos tempos, tem se verificado tantos sinais de prosperidade acompanhados de modo alarmante de tanto aumento das disparidades econômico-sociais e da pobreza crônica e extrema” 352. Não se contempla a obra realizada, mas as bases teriam sido lançadas. Justamente ao direito internacional pós-moderno caberá resgatar a dupla dimensão do alcance teórico-conceitual e da efetividade da implementação. Essa tarefa é enorme e põe-se como exigência para a sobrevivência da humanidade, aponta Christian TOMUSCHAT (1999) 353, ao enfatizar o papel do direito, para evitar que a humanidade soçobre no caos e na anarquia: “pode ser não tenha sido dada resposta definitiva a tal indagação”, porquanto, de um lado, “a humanidade desenvolveu considerável aparato jurídico, para exprimir a conscientização de que estreita cooperação internacional é necessária para desempenhar extenso número de tarefas de dimensões mundiais. Garantir a paz e a segurança internacionais, defender os direitos humanos, bem como a proteção do meio ambiente, estão na linha de frente desses reclamos. Mas também vimos que os mecanismos institucionais estabelecidos para tais fins deixam muito espaço para aperfeiçoamentos. Será o desafio das próximas décadas fortalecer os sistemas existentes de cooperação” 354. Duas linhas principais mereceriam destaque, na medida em que praticamente a totalidade dos autores, como, em considerável extensão, também se alinharão a prática dos estados, por uma ou por outra, ou combinando elementos, de forma nem sempre pautada pela consistência, quer científica, quer operacional: primeiro grupo de autores, com algumas nuances, passível de ser enfeixado sob o enfoque positivista, desgraçadamente, ainda faz escola e se faz ouvir, ao lado das linhas assim chamadas naturalistas ou de direito natural. Transpostos para a linguagem das relações internacionais, seriam os primeiros autores ditos “realistas” e os últimos, ditos “idealistas” – o que serve para demonstrar como e quanto se conserva vivo e presente o debate. A unidade do direito internacional foi também contestada pelos publicistas da América Latina e do Terceiro Mundo, na medida em que lhes foi oposta a desigualdade resultante da potência que os estados industrializados manifestam nas suas relações com os estados em desenvolvimento. Contudo, argumenta A. FAVRE (1974) 355: “o pensamento jurídico europeu, que está nas origens do direito das gentes, foi amplamente tributário do direito romano, bem como da ideia cristã, desse modo universalista. Pense-se em VITÓRIA, em SUAREZ, em GRÓCIO356, em VATTEL, em BLUNTSCHLI. É, ademais, verdade que muitas potências praticaram políticas de dominação que, muitas vezes, estavam longe de serem conformes ao direito das gentes”. Mas todos os novos estados praticamente aceitaram, de maneira global, a ordem jurídica existente: eles prevaleceram-se dos direitos que lhes eram garantidos. Eles cooperam para a codificação do direito das gentes, reconhecendo o valor das regras que tradicionalmente regeram as relações entre estados. A linha de oposição dos estados do Terceiro Mundo e dos estados do então existente “Segundo Mundo” – União Soviética e seus países satélites – dizia respeito sobretudo ao standard de proteção dos estrangeiros. Mas argumenta A. FAVRE (1974) 357: “a espoliação não constitui a formação de direito novo”. Esse standard de proteção internacional dos direitos fundamentais foi anunciado pela Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) e começa a ter dimensão possível de efetividade e de implementação com o Pacto internacional relativo aos direitos civis e políticos (1966). E prossegue com os passos seguintes da evolução de sistema institucional e normativo internacional e regionais de proteção dos direitos fundamentais358. Essa discussão, tanto extensa quanto complexa 359, reflete-se na questão do fundamento do direito internacional e em relação à existência e ao conteúdo de normas cogentes, nesse plano. 1.2 FUNDAMENTO E NORMAS COGENTES DE DIREITO INTERNACIONAL O estudo do fundamento do direito internacional busca explicar a sua obrigatoriedade 360. Trata-se do problema mais complexo da matéria, pois a formulação das regras de direito internacional poderá variar conforme a posição apriorística adotada. Mas, não obstante a importância atribuída à questão pela grande maioria, para vários conceituados autores o estudo do fundamento não faz parte do direito internacional propriamente dito361. Ao longo de toda a história das ideias e das correntes políticas sempre houve complexa relação entre idealismo e realismo, entre o modo como as coisas deveriam ser e o modo como são, e os debates quanto a dever a filosofia do direito incorporar valores éticos ou limitar-se a análise do direito, tal como existe, na sociedade do seu tempo. Clássico estudo na matéria de H. L. A. HART (1961, 1994) 362, ocupado com o esclarecimento do instrumental intelectual geral do pensamento jurídico, mais do que com críticas às normas ou políticas regulatórias363. A matéria surge com o direito internacional, desde os ensinamentos de Francisco de VITÓRIA e Francisco SUÁREZ, caracterizada pela aplicação dos princípios de moral e do direito natural às novas condições da comunidade internacional, em consequência do reconhecimento da personalidade jurídica internacional das comunidades indígenas às quais as normas até então admitidas no caso de uma guerra justa deveriam ser aplicadas. A influência de SUÁREZ sobre GRÓCIO é evidente. Para este, o direito natural, não baseado na vontade divina, tem valor próprio, porquanto “consiste em certos princípios de razão sã (est dictatum rectae rationes), que nos fazem conhecer quando uma ação é moralmente honesta ou desonesta, segundo sua conformidade ou desconformidade com uma natureza razoável e sociável”. Ressalta A. A. CANÇADO TRINDADE (2006) 364: “a recta ratio tem, com efeito, ao longo dos séculos sempre propugnado por um direito das gentes verdadeiramente universal. Definitivamente não se pode visualizar a humanidade como sujeito de direito, a partir da ótica do estado; o que se impõe é reconhecer os limites do estado, a partir da ótica da humanidade” 365. As doutrinas que procuram explicar a razão de ser do direito internacional podem ser filiadas a duas correntes, ou seja, a voluntarista e a naturalista. Para os defensores das doutrinas voluntaristas, ou do direito positivo, a obrigatoriedade do direito internacional decorre da vontade dos próprios estados; para a outra corrente, a obrigatoriedade é baseada em razões objetivas, isto é, acima da vontade dos estados. As diversas correntes da teoria voluntarista baseiam-se ora na ideia de uma vontade coletiva dos estados, ora no consentimento mútuo destes. Dentre as teorias expostas, merece ser mencionada a da autolimitação, desenvolvida por JELLINEK, segundo a qual o direito internacional funda-se na vontade metafísica do estado, que estabelece limitações ao seu poder absoluto. Em outras palavras, o estado obriga-se para consigo próprio. Esta teoria, que contou no Brasil com a aceitação de Clóvis BEVILÁQUA, tem sido criticada, dada a possibilidade de o estado, de momento a outro, modificar a sua posição. Para Antonio Augusto CANÇADO TRINDADE (2002) 366 “já nos anos cinquenta se advertia que o positivismo voluntarista era “claramente impotente” para resolver o problema dos fundamentos e da validade do direito internacional, que só poderia encontrar uma resposta na ideia de uma justiça objetiva. Até mesmo em relação à condição dos estados no ordenamento jurídico internacional, passou a prevalecer o entendimento de que a validade das normas de direito internacional a respeito não dependia do direito interno dos estados; assim, a própria identidade e continuidade do estado (a despeito de mudanças territoriais, ou populacionais, ou normativas) dava testemunho da primazia do direito internacional. Em suma, somente este último podia explicar a prevalência do princípio da identidade e continuidade do estado (independentemente de alterações em seus elementos constitutivos) no ordenamento jurídico internacional” 367. Ainda haveria, contudo, necessidade de desenvolver a percepção da dimensão e alcance do direito internacional, além do que seja acordado como manifestação da vontade dos estados. Como seria ilustrado pela Corte Permanente de Justiça Internacional no julgamento do caso do navio Lótus (1927). Na altura do julgamento do caso do navio Lótus (1927) 368, pela CPJI, o presidente desta era Dionísio ANZILOTTI, cuja visão do direito internacional teria influenciado diretamente a redação do acórdão: “o direito internacional rege as relações entre estados independentes. As regras desse direito, vinculando os estados, procedem, assim, da vontade destes, vontade essa manifestada por meio de convenções ou por meio de usos geralmente aceitos, como consagrando princípios de direito, estabelecidos visando regular a coexistência dessas comunidades independentes ou em vista da busca de objetivos comuns” 369. Dionisio ANZILOTTI 370 foi buscar no princípio pacta sunt servanda a norma fundamental do direito internacional, que este denomina a norma suprema, e critério formal de que decorre a identidade das normas propriamente jurídicas, em relação às que não o são. Segundo ANZILOTTI, a norma tem “valor jurídico absoluto, indemonstrável e serve de critério formal para diferençar as normas internacionais das demais” 371. A ideia do princípio indemonstrável372 tem sido criticada: se não pode ser demonstrado, passa a ser questão de fé, não de conhecimento373. Embora a ideia de princípio indemonstrável tenha sido criticada, é importante salientar que a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 consagrou o princípio em seu artigo 26, nos seguintes termos: “Todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa-fé”. Boa-fé pode ser valor maior a ser preservado374. A Convenção sobre o Direito dos Tratados, ao aceitar a noção do jus cogens em seus artigos 53 e 64, deu outra demonstração de aceitação dos preceitos derivados do direito natural. Com efeito, o artigo 53 declara nulo “o tratado que no momento de sua conclusão conflite com uma norma imperativa de Direito internacional geral”. O artigo 53 ainda dá a seguinte definição de jus cogens como “norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados no seu conjunto, como uma norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por uma norma de Direito Internacional geral da mesma natureza”. A fundamentação do direito internacional, apresentada por Hans KELSEN, de natureza lógica-jurídica, também tem caráter objetivo, como a jusnaturalista. Entende KELSEN ser a comunidade internacional a “ordem superior e comum que torna possível aos Estados se relacionarem” enquanto norma fundamental (Grundnorm). E tal contexto, aduz AGUILAR NAVARRO, seria onde se “coroam, como em uma cúpula, todas as demais formas sociais”. Para Malcolm SHAW (2003), “a fraqueza do sistema de teoria pura de Kelsen se dá pelo fato de apoiar-se primacialmente no conceito de norma fundamental que se sustenta em argumentos não jurídicos. Na verdade, é conceito político, e no Reino Unido, seria provavelmente o princípio da primazia do Parlamento” 375. A crítica de Celso Albuquerque MELLO (2004) faz-se no sentido de que essa teoria “não chega a fundamentar a sociedade internacional, isto é, porque ela existe. Esta doutrina praticamente se limita a constatar que os Estados se relacionam porque existe uma ordem superior, mas não explica por que esta ordem superior se formou e de onde ela se originou” 376. O princípio segundo o qual os acordos tem de ser cumpridos (pacta sunt servanda) é basilar para a ordenação de qualquer sistema de convivência organizada. Tanto mais relevante e necessário em contexto descentralizado, como a sociedade internacional377. Da mesma forma que pactum est servandum, não se pode, tampouco, negligenciar o papel e o alcance do princípio equivalente, segundo o qual o costume tem de ser observado (consuetudo est servanda) e aplicado como a expressão da juridicidade, no plano internacional378. E aí se inscreve o debate quanto ao alcance e o conteúdo respectivo, na delimitação entre a norma escrita e a norma consuetudinária, no direito internacional. O espaço do costume no direito internacional não pode ser esquecido, como ressalva a menção feita no último parágrafo do preâmbulo da Convenção de Viena sobre o direito dos tratados, de 1969: “as regras do direito internacional consuetudinário continuarão a reger as questões não reguladas pelas disposições da presente Convenção”. Da mesma forma, o costume tem seu espaço e seu papel reservados na jurisprudência internacional. No julgamento do caso da Delimitação da fronteira marítima na região do Golfo do Maine (1984), a Corte Internacional de Justiça, mais que apresentar conjunto de normas específicas, apontou: “esse direito compreende, na realidade, conjunto restrito de normas suscetíveis de assegurar a coexistência e a cooperação vital dos membros da comunidade internacional”, às quais cumpre acrescer uma série de normas consuetudinárias, “cuja presença na opinio juris dos estados se prova por meio de indução, partindo da análise de prática suficientemente comprovada e convincente, e não por meio de dedução, partindo de ideias pré-constituídas a priori” 379. As normas imperativas de direito internacional geral representam inovação relevante do direito internacional pósmoderno: sua aceitação representa marco na evolução da disciplina, mas o conceito encontra, todavia, certo nível de resistência por parte de alguns estados. Embora não seja o único, ficava em má companhia o Brasil por não ratificar a Convenção de Viena sobre o direito dos tratados, de 1969, e a posterior Convenção de Viena sobre tratados entre estados e organizações internacionais ou entre organizações internacionais, de 1986, que complementa a Convenção de 1969. A determinação do conteúdo da norma cogente de direito internacional380 é grande questão a ser enfrentada. Segundo Celso Albuquerque MELLO (1980) 381, “este dispositivo tem sido considerado a grande contribuição doutrinária da Convenção de Viena” 382. O Brasil, oficial e governamental, todavia reluta em determinar se é ou não aceitável, para inserção no ordenamento pátrio, o conceito crucial da norma imperativa de direito internacional geral, conforme analisa João Grandino RODAS383, tal como estipulado na Convenção de Viena sobre direito dos tratados: “norma imperativa de direito internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados no seu conjunto, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma de direito internacional geral da mesma natureza” 384. Por meio da ratificação, seria oficialmente sancionado o reconhecimento da existência e operação do conceito, o que faria cair por terra a pretensão de manter circunscrito o direito internacional pós-moderno ao estado que previamente o aceite e sancione como vigente. A partir daí ficará manifesto ser o direito internacional pós-moderno mais amplo e mais estruturado do que pensam os estados. A existência e conteúdo da norma cogente de direito internacional é tanto necessária como difícil de caracterizar, por não se poder identificar exatamente quais elementos de seu conteúdo podem levar a caracterizar determinada norma como cogente. Extensa e relevante é a bibliografia disponível a respeito no direito internacional. Mais que a incursão teórica e doutrinária, resta ver ser esta noção crucial para a determinação do conteúdo e do alcance do direito internacional como possível elemento regulador da sociedade internacional385. Karl ZEMANEK (1997) 386 convive melhor com a ideia: “as normas estipuladas na Convenção de Viena sobre direito dos tratados proibem derrogação de normas imperativas de direito internacional por meio de tratado, assim eliminando a autonomia normal dos estados contratantes na formação de acordos entre estes. Até o ponto em que direito positivo digno de confiança existe a respeito, as normas jus cogens são estritamente convencionais, mas a doutrina admite uso mais amplo destas. E, logicamente, na medida em que se aceite o jus cogens, a lógica impõe que este se estenda também para os atos unilaterais” 387. Giorgio GAJA (1981) 388 estudava o alcance do jus cogens, além da Convenção de Viena sobre direito dos tratados. Não obstante certa manifesta relutância em aceitar o fenômeno, GAJA considera: “pesando os diferentes perigos, pareceria razoável levar em consideração os valores fundamentais na sociedade internacional. Para a determinação de tais valores, as normas cogentes (peremptory norms) fornecem indicação relevante, considerando ser inerente ao conceito de norma cogente que a violação de qualquer obrigação, desta decorrente, é causa de preocupação toda especial (cause of special concern). Assim, o fato de que determinada obrigação seja imposta por norma cogente deveria conferir mais peso, caso determinado estado pretendesse invocar estado de necessidade, para justificar a sua violação” 389. Pierre-Marie DUPUY, em curso geral na Haia (2000, publicado em 2002) 390, avalia a questão do jus cogens no direito internacional pós-moderno: “se se tenta balanço de conjunto do panorama de precedentes, emanados dos órgãos judiciários, arbitrais e outros, a primeira constatação que se impõe é o número já considerável de manifestações e que vem aumentando, especialmente a partir da última década do século XX. Em segundo lugar, quando os referidos órgãos qualificam expressamente determinada regra como imperativa, daí deduzem a consequência de esta não ser passível de revogação. Essa apreciação, inicialmente feita pela própria Convenção de Viena, a partir das condições de validade dos tratados, tem como consequência natural a afirmação da existência de imperatividade normativa, em favor de determinadas regras, vai ganhando corpo em matéria não de questões de validade de tratados, mas de licitude de condutas estatais”. Tudo se passa, na verdade, como se o conteúdo do artigo 53 da Convenção de Viena sobre direito dos tratados fosse interpretado não como criação, mas como a afirmação de constatação, na ordem do direito dos tratados, da existência de estrutura normativa, doravante materialmente hierarquizada, em razão do conteúdo e da importância social das regras substanciais afetadas por essa razão de imperatividade. Daí, a não derrogabilidade aparece como consequência, no plano convencional, da realidade de ordem pública internacional391, afetando todos os campos do direito, mas da qual não é a causa. Em outros termos, o direito dos tratados não é senão o ponto de aplicação do direito imperativo, e este não pode a ele ficar restrito. Se existe hierarquia substancial das normas, daí resultam igualmente consequências no plano da responsabilidade 392, quando a obrigação violada apresenta caráter imperativo. Somente se pode compreender o instituto do jus cogens na medida em que se admita levar em conta a ideologia inspiradora da ratio legis que presidiu a sua formulação, no contexto histórico social em que se deu. Segundo DUPUY (2002) 393 seria este o primeiro foco de atrito essencial entre unidade formal e unidade substancial do ordenamento jurídico internacional: “a questão, mais sociológica que jurídica, torna-se, então, a de saber qual será a medida da pressão social exercida, sobre as instâncias encarregadas da edição ou da interpretação do direito e se esta será suficiente para as manter em determinada direção, ou orientá--las rumo a outra”. No ordenamento jurídico internacional, a diferença de ritmo entre a resposta dos estados e os reclamos das sociedades civis nacionais faz supor que a resistência desses estados à evolução do ordenamento jurídico internacional, com relação ao jus cogens, manter-se-á ainda por algum tempo, na medida em que os estados entendam estar protegendo o tantas vezes apregoado “interesse nacional”, até que as mesmas sociedades civis nacionais façam evoluir a posição dos estados, com relação à essas mesmas questões. Segundo a conjuntura e a análise que os governos fazem a respeito do que seja o interesse nacional e quanto aos meios e modos de proteger tal interesse, verão os estados a proclamar, solenemente, a preeminência desses interesses nacionais ou, ao contrário, a recusarlhes as consequências, senão mesmo a realidade, e podem mesmo chegar a ponto em que busquem mudar-lhe o centro de gravidade. A noção de norma cogente de direito internacional é conceito crucial, mas este ao mesmo tempo permanece problemático, na medida em que seu conteúdo poderá depender de quem afirme o caráter cogente da norma internacional. Aí se estará incorrendo em circularidade? Não, antes se estará tendo em conta os inevitáveis dados caracterizadores do contexto internacional e do papel estatal na gênese, interpretação e aplicação das normas jurídicas internacionais. Em suma, existem parâmetros e estes são indispensáveis, têm de ser aperfeiçoados, mas sempre terão dado político na determinação da medida do seu conteúdo, do seu alcance, do seu caráter vinculante e de sua interpretação e aplicação. O Brasil, como dito, e impõe-se repetir, não ficava em boa companhia por não ter, até a publicação do Decreto n. 7.030/2009, ratificado394 a Convenção de Viena sobre direito dos tratados de 1969, bem como a Convenção de Viena sobre o direito dos tratados entre estados e organizações internacionais ou entre organizações internacionais, de 1986395. Esta lacuna foi sanada, como outras396 ademais foram em passado recente. A expressão da convicção da juridicidade internacional em relação a essas matérias está cristalizada nesses dois textos convencionais e, como tal, pode ser invocada, mesmo em relação a estado que, todavia, não as tenha ratificado. Não se trata somente de detalhe técnico, mas coloca-se o eixo da discussão a respeito do caráter objetivo ou voluntarista do direito internacional, com todas as consequências, decorrentes da filiação, a uma ou outra das correntes. Não são poucas. A aceitação da objetividade do direito internacional exprime que existam e possam existir normas cogentes internacionais, independentemente da expressão da vontade e da aceitação de tais normas pelo estado. Objetivamente, independe de recepção ou ratificação no ordenamento interno. Alinhando-se pela tese oposta, o direito internacional somente se tornaria presente, no ordenamento interno e vinculante em relação ao estado, na ordem externa, na medida exata e condicionado à prévia aceitação desse direito, pelo estado. A vontade do estado determinaria, se não a existência, ao menos a repercussão do direito internacional, em cada sistema político e ordenamento jurídico interno. Logicamente não se pode conceber que direito internacional seja condicionado em sua existência, em sua validade e em sua eficácia à vontade do estado. Mas a extensão da aceitação objetiva do direito internacional pode variar não somente de país a outro, como de momento a outro, no mesmo país, ou nas relações deste, com uns e outros, caracterizando interpretações fragmentárias e conjunturalmente condicionadas. Perigosa flutuação ainda parece ocorrer no Brasil a respeito. Autores de linha clássica e de boa escola, como Pedro Batista MARTINS (s/d original, nova edição 1998) 397, argumentam a necessidade de se ter clara compreensão da necessidade de clara adoção dos conceitos de unidade do direito e da supremacia do direito internacional. Enfatizam a necessidade de preservar, no plano internacional, a vigência e a aplicação de tratado, assinado e ratificado, mesmo quando colida com norma ou decisão judicial interna, T. BUERGENTHAL (1992), T. BUERGENTHAL e H. G. MAIER (1985) 398: “a incapacidade para estado, por razões de ordem constitucional interna, em cumprir obrigações internacionais, decorrentes de tratado, se assemelha às situações de direito interno, nas quais a parte, contratualmente obrigada, se vê impossibilitada ou não quer cumprir as obrigações decorrentes de contrato, e se torna responsável pelas consequências decorrentes do inadimplemento” 399. Pela extensão da aceitação dessas duas Convenções, pode-se afirmar que contém a expressão da convicção da juridicidade de seu conteúdo. A consolidação do conceito de normas imperativas de direito internacional geral e da aceitação deste estão-se fazendo irreversíveis. Os focos de resistência tenderão a ficar isolados. As raízes profundas de tal concepção, sem que seja necessário insistir nessa rubrica, nutrem-se da tradição do direito natural, rejuvenescido pela concepção pós-moderna do direito natural de conteúdo progressivo. Nesse sentido, poder-se-á dizer que as normas imperativas de direito internacional geral vão além do estágio consuetudinário, para atingir patamar mais estável dos princípios gerais do direito internacional400 no contexto pósmoderno. Nesse sentido, foi clara a orientação adotada pela Corte Internacional de Justiça, no Parecer Consultivo, prolatado em 28 de maio de 1951, sobre as reservas à Convenção para a prevenção e a repressão do crime de genocídio (1948) 401, em que teve ocasião de desenvolver o essencial de sua teoria em matéria de efeitos das reservas a tratados internacionais402, que vieram a ser retomados pela Convenção de Viena sobre direito dos tratados: “os princípios, que estão na base da Convenção, são princípios reconhecidos pelas nações civilizadas, como vinculantes para os estados, mesmo fora de qualquer vínculo convencional” 403. A Corte constata que o objeto da Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, de 9 de dezembro de 1948, permite controle específico das reservas: em Convenção como esta, os estados-partes não têm interesses próprios; têm somente o interesse comum de preservar os objetivos superiores que nortearam a adoção da Convenção. Assim, em Convenção dessa natureza, não podem ser invocadas vantagens ou desvantagens para um ou outro estado, tampouco conservar exata proporcionalidade entre direitos e obrigações de cada um dos estados-partes. Não se pode pretender subordinar a criação de quaisquer obrigações internacionais para os estados somente se e na exata medida em que tenha havido prévio e expresso consentimento do estado, em obrigar-se em relação àquele conteúdo normativo positivado. A natureza e a extensão dos princípios têm de ser levados em conta. 1.3 FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL Por fontes do direito internacional entendam-se os documentos ou pronunciamentos de que emanam direitos e deveres das pessoas internacionais configurando os modos formais de constatação do direito internacional. Antes de enumerá-las, convém, contudo, precisar o conceito adotado. Variam os conceitos de fontes, desde Charles de VISSCHER (1933) 404, visto que muitos autores vinculam a sua noção à de fundamento. Para os defensores do direito internacional positivo, direitos e deveres internacionais dos estados somente podem resultar da sua vontade expressa ou tácita. Em outras palavras, só podem existir fontes positivas no sentido de que toda relação jurídica deve ser concebida sob dois aspectos: “um fundamental, racional ou objetivo; e o outro, formal, positivo. No primeiro caso, existe fonte real, que é verdadeira, a fundamental; no segundo caso, existem fontes formais ou positivas, isto é, que dão forma positiva ao direito objetivo, preexistente, e o apresentam sob o aspecto de regras aceitas e sancionadas pelo poder público”. Assim, fonte real seriam os princípios gerais do direito405 e fontes formais, o costume e os tratados. O conteúdo estaria na primeira categoria, e as fontes normais seriam suas respectivas formas de manifestação. Na mesma linha, a jurisprudência internacional e a doutrina “dos juristas mais qualificados das diferentes nações” seriam aplicadas “como meio auxiliar para a determinação das regras de direito”. Ao lado do enunciado das fontes e do papel respectivo de cada uma de suas espécies, coloca-se a questão da ocorrência ou não de hierarquia entre as fontes do direito internacional e qual seria exatamente sua determinação. Sem adentrar os meandros de extensa e histórica controvérsia, antes caberia enumerarmos os meios “para a determinação das regras de direito”, em que se parte das expressões do direito positivado, sejam estas contidas quer em instrumentos escritos (“as convenções internacionais”), quer em norma consuetudinária (“o costume internacional”) – seriam as fontes formais –, antes de se buscar a dedução do direito aplicável a partir dos princípios gerais do direito – enquanto fonte material. Entenda-se ser antes questão de meios de determinação da expressão do consenso entre os estados do que progressão crescente ou decrescente entre tratado, costume e princípios. Não haveria indicação hierárquica entre as fontes formais e materiais, mas enumeração funcional e roteiro operacional para o juiz internacional, a quem compete julgar segundo o direito. Claramente, contudo, cumpre mencionar “as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito”. Assim, como se condiciona a possibilidade de proferir julgamento ex aequo et bono à prévia concordância das partes. Em lugar de extensa enumeração doutrinária 406, convém destacar o Estatuto da Corte Internacional de Justiça, segundo o qual especifica em seu artigo 38 que a função da Corte “é decidir de acordo com o direito internacional as controvérsias que lhe forem submetidas”, passando à relação das fontes – ou mais precisamente os elementos – aplicáveis em suas decisões: a) as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos estados litigantes; b) o costume internacional, como prova de prática geral aceita como sendo o direito; c) os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas; d) e, excepcionalmente, as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito. No parágrafo 2, o Estatuto esclarece que a CIJ tem, ainda, a faculdade de decidir uma questão ex aequo et bono, ou seja, ante a inocorrência de norma expressa, mediante aplicação da equidade, “se as partes com isto concordarem” 407. Teve e tem papel sistematizador, para determinar o que sejam as fontes do direito internacional, o artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça. Como toda classificação, pode esta ensejar críticas. Ao lado das fontes enumeradas pelo Estatuto da CIJ, também serão considerados os atos emanados das organizações internacionais e os atos unilaterais dos estados como fontes do direito internacional. O art. 38 tem sido objeto de inúmeras críticas – dentre as quais a da manutenção da expressão “nações civilizadas” – bem como de interpretações, mas, sem dúvida, conforme esclarece Charles ROUSSEAU, esse texto exerceu influência considerável no direito positivo e sobre o desenvolvimento do direito convencional. O empenho de inúmeros autores em esclarecer que o artigo não estabeleça hierarquia entre as diferentes fontes mencionadas parece- nos de somenos importância. Dentre as críticas feitas, cita-se que o artigo enumera as fontes sem fazer distinção entre as reais ou fundamentais e as formais ou positivas, bem como o fato de incluir na enumeração as fontes secundárias ou acessórias408. Dada a importância das fontes, serão estas estudadas separadamente. Convém examinar, igualmente, dentre as fontes do direito internacional, o papel e o conteúdo da equidade 409. Além do elenco contido no art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, serão, ainda, abordadas as resoluções emanadas das organizações internacionais e os atos unilaterais enquanto fontes do direito internacional. Em vez de nos atermos excessivamente à distinção entre fontes materiais e formais, ou ensaiar eventual hierarquia entre estas, cabe ter presente o papel das diferentes modalidades como mecanismos para permitir a aferição de conteúdo jurídico internacional, ou seja, como surgem e como se consolidam princípios e normas de direito internacional, antes de passar à análise específica das distintas categorias de fontes, iniciando pelo exame do costume como fonte do direito internacional. 1.3.1. costume internacional O costume destaca-se como fonte relevante do direito internacional. O costume internacional, segundo R.-J. DUPUY (1974) 410, como o direito civil, responde espontaneamente às necessidades contraditórias da sociedade dos povos. “Todo direito se forma da maneira que o uso corrente – não de todo apropriado – qualifica de costumeira, ou seja, é produzido primeiro pelos usos e pelas convicções do povo, depois pela jurisprudência, e o é, assim, pelas forças internas, silenciosas, não de modo arbitrário, por um legislador. Esse estado de fato somente foi estabelecido até aqui historicamente; a análise mostrará se deve ser cultivado e desejado”, examina Friedrich Carl von SAVIGNY (1814) 411. O costume internacional teve e tem importância primordial no surgimento e desenvolvimento de novos conteúdos, que se manifestam no contexto internacional, sobretudo em razão da concomitante aceleração da evolução, combinada com o aumento significativo do número de atores internacionais. A doutrina divide-se com relação ao seu alcance e os modos específicos de sua aferição412. M. MENDELSON (1998) 413 começa seu inteiro curso a respeito da formação do direito internacional consuetudinário (customary international law) propondo: “Imagine-se ilha na qual vivem cerca de duzentos clãs, sobre os quais a sorte sorriu de forma bastante desigual. Internamente esses clãs podem ser razoavelmente ordenados, com avô ou grupo de homens idosos – ‘esse mundo é consideravelmente patriarcal’ – presidindo assembleias domésticas, onde cada qual conhece o seu papel, e existem procedimentos consolidados para resolver controvérsias surgidas entre os integrantes das novas gerações. Mas entre os clãs há muito mais desordem. Brigas muitas vezes ocorrem entre vizinhos – normalmente em relação às fronteiras, ou em razão do acesso a recursos compartilhados: e mais ou menos a cada geração, uma briga entre as principais famílias se espalha por toda a ilha, e a paz não será restaurada, até que consideráveis porções desta tenham sido devastadas, e muitos homens, mulheres e crianças mortos, mutilados ou deixados sem teto. Mas os habitantes de nossa ilha não são completamente estúpidos: eles conhecem os caminhos da paz e os amam (até certo ponto), e podem facilmente ver os benefícios recíprocos, que podem decorrer do comércio e outras formas de relações. Assim, essa sociedade somente é semianárquica. Tal sociedade precisa de regras, mas se a taça da paz, ao mesmo tempo em que está meio cheia, está também meio vazia, e os habitantes não conseguem chegar a acordo quanto ao que normalmente seja considerado sistema jurídico ‘adequado’ (‘proper’ legal system), com legislatura, regularmente fazendo regras que obriguem todo mundo, um judiciário com autoridade para resolver quaisquer disputas, e força efetiva centralmente organizada, para assegurar o cumprimento da lei. Em vez disso, eles operam por meio de combinação de acordo e costume. Acordos bilaterais e outros envolvendo alguns tantos clãs são bastante comums; por meio desses acordos, algumas questões de fronteiras são às vezes resolvidos pacificamente, mercadorias são trocadas, e alianças para defesa ou ataque são seladas. Recentemente, quando surgiu problema, envolvendo a ilha inteira, tornou--se prática convocar reunião dos chefes de cada uma das famílias, com a esperança de alcançar acordo que vinculasse a todos. Houve algum sucesso: mas, em muitas questões, houve tanta discórdia que ou não se podia chegar a acordo nenhum, ou, se algum fosse feito, alguns se recusariam a estar obrigados por ele. E, como eu já disse, não existe legislatura. Isso deixa muitas questões sem regulação por meio de acordo, e o que tem por muitos séculos preenchido essa lacuna (de certa forma) é o costume. Durante longos períodos de tempo, todas as espécies de regras se desenvolveram a partir da prática, seja a respeito de como conduzir a guerra, seja sobre a inviolabilidade daqueles tentando negociar a volta da paz, sobre comércio, a divisão dos recursos, e assim por diante. Como surgiram esses costumes? Algumas vezes foi simplesmente porque, confrontados com novo problema, algum clã criativo veio com solução, que pareceu tão atraente para os outros, que eles simplesmente a seguiram. Em outros casos, embora práticas novas fossem instituídas, alguns se mostravam francamente céticos a respeito, ou opunham resistência, e foi somente depois de longo processo de fricção recíproca que se achou solução, com a qual todos (ou quase todos) podiam viver. Nesse processo, nem todos os clãs tiveram o mesmo papel: os mais fortes foram mais ativos, e mais capazes de exercer pressão sobre os mais fracos, para fazê-los entrar na linha. Muito tempo atrás, os habitantes da ilha pensaram que o direito costumeiro deles tinha sido divinamente ordenado, e os padres e eruditos que o expunham, gozavam de grande autoridade. Recentemente, a religião sumiu, e existe muito mais ceticismo. Mas ainda existe a necessidade de ter alguém expondo o que seja o direito costumeiro, porque às vezes acontece uma briga quanto a saber se uma regra existe ou não, e outras vezes, porque os detalhes exatos são pouco claros. Quando isso acontece, os clãs envolvidos podem escolher entre levar a briga para o conselho dos velhos sábios (até aqui só muito raramente alguma mulher) da ilha, buscando a resposta. Embora aos velhos sábios se peça simplesmente para expor como é a lei, e se comportarem aparentemente como se fosse isso que estivessem fazendo, todo mundo sabe que existe espaço considerável para a ‘criatividade’ porque, por definição, se a briga foi levada até eles tem de haver ao menos alguma dúvida sobre a resposta. Normalmente as partes respeitam o julgamento. Mas ir até os velhos sábios é somente voluntário, e muitas vezes um ou os dois litigantes tem tanto medo de perder que nem vão até lá. Assim, os clãs continuam fazendo como se, de acordo com relação a alguns pontos e em desacordo sobre outros, e brigando de tempos em tempos, por causa desses. Algumas vezes, também, especialmente depois de guerra ou outra confusão social, existe a exigência de que os costumes sejam escritos – que foi o que levou a serem escritas as doze tábuas da lei, na antiga Roma – e aqui os codificadores podem ter grande influência, porque quando a lei é incerta, aquele que a escreve tem a escolha significativa, e esse será o texto que, muito provavelmente, vai governar o futuro”. Dificilmente será preciso explicar que a nossa ilha imaginária é a Terra, e que os “cerca de duzentos” clãs são os estados, e, como aponta MENDELSON414, pode “a analogia não ser de todo exata, mas suficiente para os fins a que se destina”. “Pode-se questionar por que comecei com uma estória, de longe lembrando obras de antropologia, ou talvez, o Senhor das moscas (Lord of the flies) de William GOLDING”. Esclarece MENDELSON haver duas razões: a primeira, o desejo de tornar o assunto que, à primeira vista, pode parecer muito seco e técnico, tanto mais vivo, e mostrar que efetivamente há algumas questões fascinantes envolvidas; e, a segunda razão, para colocar o assunto da formação do direito internacional consuetudinário, na sua perspectiva social e legalmente adequada. Adverte MENDELSON415 que a maioria de nós, que estudamos o direito internacional, foi treinada nos diferentes sistemas de direito interno, que é hoje um sistema bastante sofisticado, e podemos ser tentados a construir listas de fontes do direito internacional como se fossem contratos de fretamento marítimo, ou pelo menos constituições escritas, que não são, e a procurar regras precisas, sobre o processo de formação de normas, quando nenhuma existe. Além disso, enquanto os sistemas internos das sociedades modernas são caracterizados por mecanismos altamente centralizados e compulsórios de criação de normas e de aplicação destas, sem mencionar os meios de execução, enquanto a sociedade internacional não é assim. Esta ainda é, em considerável medida, uma sociedade consuetudinária, e embora os seus problemas não sejam, infelizmente, todos tão primitivos – pois muitos são o produto de modernas tecnologias e desenvolvimento social –, seu maquinário, para lidar com os mesmos, é bastante atrasado. Quando se pensa em sistema consuetudinário de formação de normas internacionais, devemos pensar menos no moderno processo legal e mais nos meios das sociedades domésticas costumeiras, que existiram em toda parte, no passado, mas sobrevivem hoje, na maior parte, somente em razão de tolerância dos estados. É preciso voltar a esse ponto, várias vezes, adverte M. MENDELSON, porque o enfoque formalista típico do profissional do direito interno, se aplicado ao direito internacional consuetudinário pode facilmente levar a compreensões erradas e à criação de falsos problemas – como, por exemplo, fazendo leitura excessivamente literal do artigo 38, parágrafo 1º, do Estatuto da Corte Internacional de Justiça. Houve tempo, em passado bastante recente, no qual quem se interessasse pelo direito internacional consuetudinário correria o risco de ser considerado fora de moda, para não dizer até mesmo reacionário. Direito internacional consuetudinário, os estados comunistas e os seus juristas, diziam-nos, tinha sido “criado pelos estados burgueses ocidentais, no exercício de sua hegemonia e para os seus próprios fins”. Isso encontrou eco em certos lugares, no Terceiro Mundo. Os tratados, disseram-nos, eram preferíveis porque respeitavam a igualdade soberana 416: nenhum estado poderia ser obrigado a aceitar um tratado se não o quisesse fazer. Claro que isso era a simplificação excessiva: embora o processo de formação do tratado respeite a igualdade soberana, em sentido formal, este não é imune à política; e, na política do mundo real, os estados absolutamente não são totalmente iguais. Também nos disseram serem os tratados instrumentos superiores para a criação de normas internacionais: enquanto o “costume é lento para se desenvolver e muitas vezes impreciso, em suas prescrições”, tratados poderiam ser produzidos rapidamente, para atender a novas necessidades, e, desse modo, poderiam regular condutas, com apropriado detalhamento. MENDELSON certamente não deseja denegrir o processo de formação de tratados, na verdade, em determinados aspectos, superiores ao costume, para o estabelecimento de regras especificamente reconhecidas como expressão do direito internacional. Mas, algumas vezes, o processo de formação de tratados pode ser bastante lento: prova disso é o tempo que levou até se tornar direito positivo não somente a Convenção sobre Direito do Mar de 1982, mas, igualmente, a controvertida Convenção de Viena sobre direito dos tratados de 1969; e ambas ainda estão longe de serem universalmente aceitas. Às vezes, também, mesmo a precisão dos tratados pode ser desvantagem: os estados podem ficar relutantes (talvez por razões de direito interno) em assinar compromissos específicos, enquanto poderiam estar dispostos a aceitar tacitamente a evolução de costume, de formulação tanto mais vaga. O costume, enquanto fonte do direito internacional, não pode ser esquecido (consuetudo est servanda), nem deixar de ser aplicado como a expressão da juridicidade, no plano internacional, conforme a lição de F. CAPOTORTI (1994) 417, ou, como afirmou a CIJ, no julgamento do caso da Delimitação da fronteira marítima na região do Golfo do Maine (1984) 418. O modo de aferição do costume, na formação do direito internacional, teria se colocado diversamente, desde a segunda guerra mundial, em virtude do surgimento de novos problemas e do aumento no número de membros da comunidade internacional, desejosos de deixar a sua marca, no ordenamento mundial, mediante tratados negociados nos organismos intergovernamentais. O aparecimento de novas situações, criadas na maioria dos casos pelos avanços da tecnologia, exigiu soluções imediatas que não podiam depender de costume, por vezes de formação lenta. Em outras palavras, o costume pôde, as vezes, ser considerado critério insatisfatório e lento para acompanhar a evolução do direito internacional, mas tem seu papel resguardado em razão da estrutura difusa e do funcionamento da sociedade internacional, como significativamente ilustraria a expressa menção, no último parágrafo do preâmbulo da Convenção de Viena sobre direito dos tratados, de 1969, as “regras do direito internacional consuetudinário continuarão a reger as questões não reguladas pelas disposições da presente Convenção”. A principal codificação do direito internacional, em matéria de tratados, ressalva expressamente o papel e o alcance do costume, como fonte do direito, no contexto internacional. O costume é o fruto de usos tradicionais, aceitos durante longo período, tanto assim que o fator tempo era tido como elemento crucial de sua formação. Para Paul REUTER, a regra consuetudinária é o resultado de atos seguidos que constituem precedentes, com ênfase no elemento material “constituído pela repetição durante período bastante prolongado de certos atos”. A Corte Internacional de Justiça teve oportunidade de exprimir seu entendimento a respeito do costume, ao afirmar ser a base deste a prática reiterada, acompanhada da convicção quanto a ser obrigatória essa prática, em razão da existência de norma jurídica, em que “os estados devem ter consciência de se conformarem ao que equivale a uma obrigação jurídica” no julgamento do caso da Plataforma Continental do Mar do Norte (1969) 419, quando também decidiu que “a passagem de apenas um curto período não é óbice à criação de novas regras de direito internacional”. Com o progresso da ciência e da tecnologia, as modificações verificam-se mais rapidamente, com repercussão no conceito de costume. Em outras palavras, o fator tempo, antes exigido para a sua formação, perdeu importância, cedendo à opinio juris, a tal ponto que surge a expressão, antes inusitada, de direito internacional consuetudinário instantâneo (instant customary international law). Sem endossar essa noção, é lícito dizer que, desde que se comprove que determinada “prática é consequente e generalizada, nenhuma duração é requerida (...) uma prática prolongada não é necessária”, como admite Ian BROWNLIE. A importância do costume como fonte, contudo, perdura, pois a codificação do direito internacional, como um todo, ainda está longe de se completar. O costume tem papel específico e constitui fonte necessária de direito internacional. Convém, ainda, considerar que o direito costumeiro em inúmeros campos do direito internacional é satisfatório e não precisa ser codificado, ou seja, seria erro sacrificar o estudo de alguns problemas que estão a exigir solução em seu favor. No caso dos tratados multilaterais, ocorre frequentemente serem os dispositivos codificados o resultado de compromissos, visto nem a CDI nem a própria conferência codificadora terem conseguido adotar regra mais precisa. Em tais casos, os costumes e os trabalhos preparatórios (normalmente referidos como travaux préparatoires) desempenham importante papel interpretativo. É sintomática, nas Convenções de codificação, firmadas em Viena, a adoção da já referida menção, no preâmbulo, quanto ao fato de que “as regras de direito internacional consuetudinário continuarão a reger as questões que não forem reguladas nas disposições da presente Convenção”. Como prova do direito costumeiro, citam-se, atualmente, também os tratados que ainda não tenham entrado em vigor, ou não foram ratificados por determinado estado contra o qual alguma de suas normas tenha sido invocada. O problema é complexo, visto que, na linha de R.R. Baxter, a respeito de Tratados e costume (1970) 420, “em alguns casos poderá ser difícil determinar se um tribunal ao decidir que um tratado reflete o direito internacional consuetudinário em determinado momento queria dizer que o tratado, desde o começo, era declaratório do direito internacional consuetudinário, ou se o tratado, com o correr do tempo, e com a aceitação geral de países não partes no mesmo, passou a integrar o direito internacional geral”. A doutrina, baseada na decisão da Corte Internacional de Justiça, a respeito da Plataforma Continental do Mar do Norte, de 1969, reconhece a importância das grandes convenções multilaterais não ratificadas como fonte do direito costumeiro. Após o costume, cabe considerar o papel e alcance dos tratados, dos princípios gerais, e das demais fontes do direito internacional. 1.3.2. tratado A Convenção de Viena sobre direito dos tratados, assinada em 1969, internacionalmente em vigor desde 1980, é uma das mais importantes normas do direito internacional, e nesta as regras costumeiras sobre a matéria foram codificadas em documento quase perfeito. Evidência adicional da primazia do costume como fonte do direito internacional: as codificações bem-sucedidas normalmente o são, por refletirem adequadamente o que já era aceito como expressão da juridicidade, no plano internacional. A codificação exprimiria o que consuetudinariamente já era considerado legalmente válido, conforme A. MERCADANTE (1996) 421 e A. P. CACHAPUZ DE MEDEIROS (1995) 422. A Convenção de 1969 foi complementada por outra, a Convenção sobre o Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais, de 1986, cujo objetivo foi precisamente o de reconhecer o direito das organizações internacionais de firmar tratados e convenções. Em razão da importância dos tratados, enquanto fontes do direito internacional, como tal reconhecidas em geral423, bem como entre nós424, aspectos distintos serão, sucessivamente, abordados nas seções seguintes: o conceito, a terminologia e a classificação dos tratados (seção 1.3.2.1), as condições de validade dos tratados (seção 1.3.2.2); efeitos em relação a terceiros estados (seção 1.3.2.3), ratificação, adesão e aceitação (seção 1.3.2.4); registro e publicação (seção 1.3.2.5), interpretação (seção1.3.2.6); tratados sucessivos sobre a mesma matéria (seção 1.3.2.7); e, finalmente, nulidade, extinção e suspensão de aplicação (seção 1.3.2.8), antes de passar ao exame dos princípios gerais do direito enquanto fonte de direito internacional. 1.3.2.1. conceito, terminologia e classificação de tratado Por tratado entende-se o ato jurídico por meio do qual se manifesta o acordo de vontades entre dois ou mais sujeitos de direito internacional. As Convenções de Viena sobre direito dos tratados de 1969 e de 1986 tiveram o grande mérito de estabelecer que o direito de firmar tratados deixou de ser atributo exclusivo dos estados, e pode ser exercido também pelas demais pessoas internacionais, sobretudo as organizações internacionais. Por meio da Convenção de 1986 ficou claramente estipulado como tal direito pode ser exercido por sujeitos do direito internacional, não somente como já fizera a Convenção de 1969, em relação aos estados, mas especificamente para as organizações intergovernamentais. O direito da Cruz Vermelha Internacional nesse particular tem sido lembrado em mais de uma oportunidade. Outro ponto importante, consolidado pelas duas convenções, no tocante ao uso da terminologia, se refere-se a tratado como acordo regido pelo direito internacional, “qualquer que seja a sua denominação”. Em outras palavras, tratado é a expressão genérica. São inúmeras as denominações utilizadas conforme a sua forma, o seu conteúdo, o seu objeto ou o seu fim, citando-se as seguintes: convenção, protocolo, convênio, declaração, modus vivendi, protocolo, ajuste, compromisso etc., além das concordatas, que são os atos sobre assuntos religiosos celebrados pela Santa Sé com os estados que têm cidadãos católicos. Em todas essas denominações, o dado que se enfatiza é a expressão do acordo de vontades, estipulando direitos e obrigações, entre sujeitos de direito internacional. “Texto constitucional da sociedade internacional” – na expressão de Vicente Marotta RANGEL (1954) 425 –, o tratado hierarquicamente mais importante é a Carta, expressão utilizada no tocante às Nações Unidas426 e à Organização dos Estados Americanos427. A palavra Estatuto, outrora sem maior expressão, é a que se nos depara em relação à Corte Internacional de Justiça. A palavra convenção tem sido utilizada nos principais tratados multilaterais, como os de codificação assinados, dentre outros, em Viena ou na Haia. Várias classificações têm sido utilizadas para os tratados. A mais simples é a que os divide conforme o número de partes contratantes, ou seja, em bilaterais (quando celebrado entre duas partes) ou multilaterais, quando as partes são mais numerosas. A melhor classificação teria em vista a natureza jurídica do ato. GRÓCIO, na construção de sua fundamentação428, faz a distinção entre direito natural e direito positivo, “termos que os helenistas costumam traduzir como deveres o primeiro e mandamentos o segundo” 429. Refere a distinção feita por Moisés MAIMONIDES (1135-1204) 430, entre direito natural (Mitsvoth) e direito positivo (Khukkim) 431. Aí se inscreve o limite objetivo entre o que é passível de acordo entre os estados, enquanto outras matérias, por sua natureza, não comportariam derrogação – mesmo ante a ocorrência de acordo formalizado em sentido diverso – em razão de sua natureza de normas imperativas de direito internacional geral, que não podem ser modificadas senão por outras normas de natureza equivalente. Esse é o tópico central de toda a disciplina. Pierre-Marie DUPUY, em seu Manual (2004) 432, dentre os modos tradicionais de formação do direito internacional a respeito da teoria das fontes formais, observa: “na concepção do positivismo voluntarista clássico, na origem da sistematização da teoria das fontes do direito internacional, esta apresenta duas características. Por definição restringe-se ao estudo das fontes formais, ou seja, dos procedimentos técnicos de criação e de validação das normas jurídicas, com exclusão do exame dos fundamentos éticos, das causas sociais ou dos fins políticos que persiga a referida norma (fontes e finalidades materiais). É, em seguida, preponderante na análise do fenômeno jurídico, uma vez que a conformidade nos processos de criação da norma, segundo os procedimentos legais de sua constituição, que determina a validade e, portanto, a oponibilidade dessa norma aos sujeitos de direito. Aplicada à ordem internacional, essa concepção tem o grande mérito de isolar o direito da política e permitir a sua análise sistemática” 433. O direito – e o direito internacional como os outros ramos – é antes de tudo técnica de regulação social, voluntariamente formalizada, por razões de eficácia, de factibilidade, de segurança, que se denomina justamente a “segurança jurídica”. Essa definição, adverte P.-M. DUPUY em seu Curso geral na Haia (2002) 434, não é própria do termo, dentre os sistemas jurídicos, cujo alcance é internacional. Explica também 435 o parentesco evidente e as semelhanças numerosas que podem ser encontradas entre a técnica do direito internacional e aquelas dos direitos internos. Que se tome, por exemplo, a matéria do direito dos tratados e os paralelos que no estudo destes se faz com o direito civil, especialmente em matéria de contratos. Ainda quanto ao aspecto da natureza jurídica, a doutrina, sobretudo de língua alemã, no século XIX e início do XX, ainda propunha a divisão em tratados-contratos e tratados-leis ou tratadosnormativos, em que os tratados-leis seriam, em geral, os celebrados entre muitos estados com o objetivo de fixar normas de direito internacional (as convenções multilaterais como as de Viena seriam exemplos perfeitos desse tipo de tratado). Seguindo essa classificação ultrapassada, os tratados-contratos procurariam regular interesses recíprocos dos estados, isto é, regular interesses, geralmente de natureza bilateral. Contudo, existem diversos exemplos de tratados multilaterais ou de tratados multilaterais restritos436. Nada impede que um tratado reúna as duas qualidades, como pode suceder nos tratados de paz ou de fronteiras. Os tratados-contratos podem ser executados ou executórios. Os primeiros, também chamados transitórios ou de efeitos limitados, são os que devem ser logo executados e que, levados a efeito, dispõem sobre a matéria permanentemente, uma vez por todas, como ocorre nos tratados de cessão ou de permuta de territórios. Os tratados executórios, ou permanentes ou de efeitos sucessivos, são os que preveem atos a serem executados regularmente, toda vez que se apresentem as condições necessárias, como nos tratados de comércio e nos de extradição. Dentre os tratados-normativos citam-se os de criação de uniões internacionais administrativas, que exercem importante papel na vida internacional contemporânea, como é o caso da União Postal Internacional, da União Internacional para a Proteção da Propriedade Internacional, da Organização Mundial de Saúde e da Organização Mundial de Meteorologia (refs. no item 3.1.2.). Os tratados são, geralmente, instrumentos escritos, sendo raros os exemplos modernos em contrário. Embora a Convenção de 1969 não mencione os tratados não escritos, esclarece que tal silêncio não os prejudicará, tampouco prejudicará as normas consuetudinárias, quer se encontrem estas escritas ou não. 1.3.2.2. condição de validade do tratado Para que um tratado seja considerado válido, é necessário que as partes (estados ou organizações internacionais) tenham capacidade para tal (1.3.2.2.1.); que os agentes estejam habilitados (1.3.2.2.2.); que haja consentimento mútuo (1.3.2.2.3.); e que o objeto do tratado seja lícito e possível (1.3.2.2.4.). A Convenção de Viena sobre direito dos tratados, de 1969, em seu artigo 26, prevê que “todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido de boa-fé”. Seguindo-se-lhe o artigo 27, “uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno, para justificar o inadimplemento de um tratado”, sem prejuízo do disposto no artigo 46 437. A primazia do direito internacional, punha-se como construção jurisprudencial (em 1928), se estipula como direito internacional positivo, na Convenção de Viena sobre direito dos tratados (1969). Nesta se exclui a possibilidade de qualquer estado se eximir de cumprir obrigação internacional, alegando disposições de seu direito interno438. Foi encaminhado à Corte Permanente de Justiça Internacional pedido de parecer a respeito de como conciliar a situação, ante a ocorrência de conflito entre norma interna de qualquer dos países e o conteúdo da Convenção de Neuilly, entre Bulgária e Grécia, de 27 de novembro de 1919. A Corte, no parecer de 17 de janeiro de 1930, declarou seu entendimento a respeito. Em caso de conflito entre disposição de direito interno e outra, contida na Convenção de Neuilly, entre Bulgária e Grécia, de 27 de novembro de 1919, prevaleceria a norma de direito internacional: respondendo à questão formulada pelo governo grego, em 1929, a Corte declara “ser princípio geralmente aceito do direito internacional que, nas relações entre estados, partes contratantes de tratado, os dispositivos do direito interno não podem prevalecer sobre os do tratado”439. Muito antes da positivação do preceito, em artigo da Convenção de Viena sobre direito dos tratados (1969) 440. O mundo mudou consideravelmente, e suas ferramentas de regulação e de ordenação têm de se fazer de modo consentâneo à realidade em que se inscrevem. Mas não serão os estados a empreender tais mutações no direito internacional pós-moderno, pois o dinamismo na renovação do direito internacional, no contexto pósmoderno, tem vindo dos agentes não estatais no plano internacional, como aponta K. ZEMANEK (1997) 441: ao menos não vem a ocorrer por iniciativa dos estados, mas se fazem aceitar por estes, na medida em que pressionados pela sociedade civil, nos planos interno e internacional442. 1.3.2.2.1. capacidade das partes contratantes A Convenção de Viena sobre direito dos tratados, de 1969, estipula com singela concisão, em seu art. 6º: “todo estado tem capacidade para concluir tratados”. A doutrina tradicional, baseada na prática dos estados, ensinava que apenas os estados soberanos tinham o direito de assinar tratados. Isso se tornou obsoleto. Quando em 1924 o Governo do Brasil informou o SecretárioGeral da Sociedade das Nações de sua intenção de criar em Genebra uma representação permanente a ser dirigida por um Embaixador, tal decisão trazia, in statu emergente, o eventual direito da Sociedade das Nações de firmar tratados. A questão chegou a ser suscitada mas só foi com a Carta das Nações Unidas que passou a ter aceitação, embora de maneira tímida no início. Atualmente, não padece a menor dúvida a respeito, tanto assim que a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais de 1986 trata especificamente da questão. 1.3.2.2.2. habilitação dos agentes Os representantes de um estado, para a adoção ou autenticação do texto de um tratado, ou para expressar o consentimento do estado em obrigar-se a suas disposições demonstram a sua capacidade mediante a apresentação dos plenos poderes. O artigo 7º da Convenção de 1969, espelhando tendência no sentido de simplificar as formalidades na matéria, diz que os plenos poderes podem ser dispensados em certas circunstâncias. Hoje em dia, a apresentação de plenos poderes é dispensada no caso dos chefes de estado ou de governo e dos ministros das relações exteriores. A carta de plenos poderes deverá ser firmada pelo chefe de estado ou pelo ministro das relações exteriores. 1.3.2.2.3. consentimento mútuo O tratado é acordo de vontades e, como tal, a adoção de seu texto efetua-se pelo consentimento de todos os estados que participam na sua elaboração. No caso dos tratados multilaterais, negociados numa conferência internacional, a adoção do texto efetua-se pela maioria de dois terços dos estados presentes e votantes, a não ser que, pela mesma maioria, decidam adotar regra diversa. A Convenção de Viena sobre direito dos tratados, de 1969, estipula em seu art. 11 que “o consentimento de um Estado em obrigar-se por um tratado pode manifestar-se pela assinatura, troca dos instrumentos constitutivos do tratado, ratificação, aceitação, aprovação ou adesão, ou por quaisquer outros meios, se assim acordado”, seguindo-se-lhes, nos artigos subsequentes, as seguintes modalidades de manifestação do consentimento: art. 12, “o consentimento de um estado em obrigar-se por um tratado manifesta-se pela assinatura do representante desse estado”, com as respectivas hipóteses; art. 13, “o consentimento dos estados em se obrigarem por um tratado, constituído por instrumentos trocados entre eles, manifesta-se por essa troca”, com as respectivas hipóteses; art. 14, “ratificação”; art. 15, “adesão”; e a caracterização temporal, especificada no art. 16, “a não ser que o tratado disponha diversamente, os instrumentos de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão estabelecem o consentimento de um estado em obrigar-se por um tratado”; art. 17, “o consentimento de um estado em obrigarse por parte de um tratado só produz efeito se o tratado o permitir ou se outros estados contratantes nisso acordarem”, sem prejuízo dos artigos 19 a 23, que regulam “reservas” a tratado; e o art. 18, por sua vez, estipula as hipóteses em que “um estado é obrigado a abster-se da prática de atos que frustrariam o objeto e a finalidade de um tratado”. Os princípios de direito civil relativos aos vícios de consentimento não podem ter a mesma aplicação em direito internacional, visto existir em natureza e funcionamento diversos no ordenamento internacional bem como interesse superior da comunidade internacional de que os tratados sejam respeitados como expressão não somente de pacto entre partes, mas também de lei, no contexto internacional. A Convenção de Viena de 1969, seguindo a orientação da CDI, ocupa-se dos vícios (erro, dolo, coação etc.) como motivos de nulidade. No caso de coação exercida contra representante de um estado, a Convenção de Viena estabelece, em seu artigo 51, que o tratado “não produz efeito jurídico” 443. Na prática, em tal hipótese, o estado que este representa pode deixar de ratificar o tratado ou contestar a sua validade. 1.3.2.2.4. objeto lícito e possível A formação do vínculo legal pressupõe a licitude e a possibilidade do objeto do consenso de vontades. Em direito internacional, como ademais em direito interno, só se deve visar coisa materialmente possível e permitida pelo direito e pela moral. Na prática, as hipóteses, quer de ilegalidade, quer de impossibilidade, são raras. Exemplo histórico e notório de objeto não lícito foi o tratado de Munique de 1938, por meio do qual se fez a partilha da então Tchecoslováquia, sem sequer ter contado com a assinatura e participação do principal interessado e objeto da deliberação444. Dentre questionamentos no tocante à possibilidade, cumpre indagar até que ponto se reveste de qualquer efetividade a pretensão de tratado da Lua e dos corpos celestes, por meio do qual são estes declarados patrimônio comum da humanidade: entende-se o propósito norteador da adoção do dispositivo – porquanto a preocupação era no sentido de evitar a militarização do espaço –, mas carece de qualquer conteúdo efetivo. 1.3.2.3. efeitos em relação a terceiros Os tratados, em princípio, produzem efeitos entre as partes contratantes; sendo-lhes de cumprimento obrigatório, desde que tenham entrado em vigor. O artigo 34 das Convenções de Viena consigna essa regra ao estipular que “tratado não cria nem obrigações nem direitos para um terceiro estado sem o seu consentimento”. A Corte Permanente de Justiça Internacional, no caso da fábrica de Chorzow, consagrou essa regra em 1926445, ao declarar que “um tratado só faz lei entre os estados que nele são parte”. Esse princípio, que decorre, diretamente, da soberania dos estados e da autonomia da vontade, aplica-se a todos os sujeitos dotados de personalidade internacional; portanto, igualmente às organizações internacionais, com as especificidades apontadas. A regra res inter alios acta aliis neque nocere neque prodesse potest446, contudo, sofre algumas exceções, reconhecidas pelas Convenções de Viena, de 1969 e 1986. Os artigos 34 a 38 regulam questões relativas a tratados e terceiros estados, cuja regra geral, conforme o art. 34, é a ausência de efeitos em relação a terceiros – “um tratado não cria obrigações nem direitos para um terceiro estado, sem o seu consentimento” –, mas, a seguir, são especificadas as hipóteses de tais efeitos: art. 35, “uma obrigação nasce para um terceiro estado de uma disposição de um tratado se as partes no tratado tiverem a intenção de criar a obrigação por meio dessa disposição e o terceiro estado aceitar expressamente, por escrito, essa obrigação”; art. 36, “um direito nasce para um terceiro estado de uma disposição de um tratado se as partes no tratado tiverem a intenção de conferir, por meio dessa disposição, esse direito quer a um terceiro estado, quer a um grupo de estados a que pertença, quer a todos os estados, e o terceiro estado nisso consentir”, em que se presume o consentimento do estado até indicação em contrário, a menos que o tratado disponha diversamente; art. 37, “qualquer obrigação que tiver nascido para um terceiro estado (...) só poderá ser revogada com o consentimento das partes no tratado e do terceiro estado, salvo se ficar estabelecido que elas haviam acordado diversamente”. O art. 38, por sua vez, prevê: “nada nos artigos 34 a 37 impede que uma regra prevista em um tratado se torne obrigatória para terceiros estados, como regra consuetudinária de direito internacional, reconhecida como tal”. Assim, normas de direito internacional geral prevalecem mesmo diante da ocorrência de estipulação diversa em acordo. Um tratado não pode ser fonte nem de direitos nem de obrigações para terceiros. Isso não impede, porém, que lhes possa acarretar consequências: 1º) se nocivas, o estado lesado tem o direito de protestar e de procurar assegurar os seus direitos, bem como o de pedir reparações; se, entretanto, o tratado não viola direitos de estado não contratante e é apenas prejudicial a seus interesses, ou lhe causa dano legal, ou antes damnum sine injuria, o estado lesado poderá reclamar diplomaticamente contra o fato, mas contra o mesmo não terá recurso jurídico; 2º) caso sejam as consequências favoráveis para estados que do tratado não participem, ou que os contratantes, por manifestação de vontade expressa, concedam direito ou privilégio a terceiros. A bem dizer, essa é a única hipótese de exceção ao princípio de que o tratado só produz efeitos entre as partes contratantes. Dentre as exceções admitidas, no sentido de que a prática internacional tem fornecido numerosos exemplos, normalmente se reconhece que o estado, beneficiário da estipulação de tratados, do qual não é parte contratante, não adquire, ipso facto, o direito de exigir a sua execução, e as partes contratantes conservam a prerrogativa de modificar esse tratado ou de lhe pôr termo pela forma que tiverem acordado. Está claro que, se a manifestação de vontade de terceiro estado encontra-se com a vontade expressa das partes contratantes, no sentido de estas assumirem as obrigações correspondentes aos direitos ou privilégios concedidos ou reconhecidos ao primeiro, o caso será diferente. Nessa hipótese, todavia, o direito de exigir a execução da estipulação que lhe é favorável surge para o terceiro estado não da própria estipulação, mas desse acordo de vontades. É admissível que, implícita ou explicitamente, as partes contratantes concordem em assumir, em relação a terceiro estado, a obrigação de lhe reconhecer a faculdade de exprimir vontade correspondente à sua e, por conseguinte, de adquirir direito às vantagens ou privilégios conferidos pelo tratado. 1.3.2.4. ratificação, adesão e aceitação O artigo 11 da Convenção sobre o direito dos tratados estipula que “o consentimento de um estado em obrigar-se por um tratado pode manifestar-se pela assinatura, troca dos instrumentos constitutivos do tratado, ratificação, aceitação, aprovação ou adesão, ou por quaisquer outros meios, se assim for acordado”. A Convenção inovou nesse particular, pois, além de admitir a assinatura como meio de qualquer estado se obrigar por tratado, menciona algumas outras modalidades, levando em consideração certas peculiaridades de determinados países. Quanto à assinatura, a prática internacional admitia que alguns tratados de somenos importância não exigissem a ratificação; a nova orientação, contudo, estende a regra a todos os tipos de tratados, tendo em vista a praxe adotada entre os países da União Europeia. A ratificação é o ato administrativo mediante o qual o chefe de estado confirma tratado firmado em seu nome ou em nome do estado, declarando aceito o que foi convencionado pelo agente signatário. Geralmente, só ocorre a ratificação depois que o tratado foi aprovado pelo Parlamento, a exemplo do que ocorre no Brasil, onde essa faculdade é do Congresso Nacional. No passado, muitos autores eram de opinião que a troca de ratificações ou o seu depósito era o ato que dava força obrigatória ao tratado. Em outras palavras, antes de ratificado, o tratado era tido, por eles, como mera promessa condicional. Embora o tratado só entre em vigor após a sua ratificação, todo estado deve abster-se da prática de qualquer ato capaz de frustrar o seu objeto e finalidade (art. 18). A ratificação deixou de ter importância anterior, tanto assim que sua necessidade só existe se o próprio tratado a estipular. A dispensa da ratificação ocorre quando o próprio tratado assim disponha; nos acordos celebrados para cumprimento ou interpretação de tratado devidamente ratificado; nos acordos sobre assuntos puramente administrativos, que preveem eventuais modificações, como no caso de acordos de transporte aéreo; nos modus vivendi, que têm por finalidade deixar as coisas no estado em que se acham ou estabelecer simples bases para negociações futuras. Nos tratados sobre o meio ambiente tem surgido a prática de assinar tratados-base (umbrella treaties), que traçam as grandes linhas e que devem ser completados por protocolos ou pela modificação de anexos em que a ratificação pode ser dispensada. Seja como for, pode admitir-se razoavelmente que, quando o compromisso verse sobre matéria executiva, não há razão para que este seja submetido ao poder legislativo. Isso tem sido reconhecido, desde muito, por exemplo, nos Estados Unidos, onde a prática dos acordos executivos já recebeu a consagração da própria Suprema Corte, apesar do que dispõe a Constituição americana em relação aos tratados. Se, entretanto, o acordo ou tratado prevê sua própria ratificação, está claro que este deve submeter-se às formalidades constitucionais estabelecidas para esse fim. Isso não impede, contudo, que qualquer dos signatários se recuse, por qualquer motivo, a ratificá-lo, ainda que para tanto tenha sido autorizado pelo órgão competente. O problema das reservas a tratados bi ou multilaterais tem sido um dos mais complexos em direito internacional. Durante muito tempo a doutrina era no sentido de que um tratado só podia ser ratificado tal qual foi assinado: ou deveria ser aprovado integralmente, ou rejeitado. A Assembleia da Sociedade das Nações, em resolução adotada a 25 de setembro de 1931, decidiu que uma reserva só poderá ser admitida por ocasião da ratificação de tratado, com o assentimento de todos os demais estados signatários, ou quando o texto do tratado previr tal reserva. O problema das reservas a tratados multilaterais agravou-se com as Nações Unidas e o aumento dos estados-membros da comunidade internacional, e constatou-se que a antiga regra tornarase inexequível. Em 1951, a CIJ foi chamada a opinar sobre as reservas formuladas à Convenção sobre genocídio, e em seu parecer manifestou-se no sentido de que um estado, parte numa convenção, tem o direito de objetar às reservas que considere incompatíveis com o objeto e a finalidade da citada convenção e considerar o estado que formulou as reservas como não vinculado à Convenção. Criou-se com esse parecer a tese da compatibilidade, que seria acolhida na Convenção sobre o Direito dos Tratados , de 1969, em seu artigo 19 nos seguintes termos: “Um estado pode, ao assinar, ratificar, aceitar, aprovar um tratado ou a ele aderir, formular uma reserva, a não ser que: a) a reserva seja proibida pelo tratado; b) o tratado disponha que só possam ser formuladas determinadas reservas, entre as quais não se inclui a reserva em pauta; ou c) nos casos que sejam previstos nas alíneas a e b a reserva seja incompatível com o objeto e a finalidade do tratado”. O direito internacional não prescreve a forma que deve ter a ratificação. Daí alguns autores admitirem que ela seja tácita, contanto que se evidencie por atos inequívocos, como, por exemplo, um começo de execução. Em geral, porém, a ratificação é concedida por meio de documento, a que se dá o nome de carta de ratificação, assinado pelo chefe de estado e referendado pelo ministro das relações exteriores. Tal documento contém a promessa de que o tratado será cumprido inviolavelmente. Quase sempre, é nele transcrito o texto integral do tratado. Mas nada impede — e é o que às vezes sucede — que dele constem apenas o título, o preâmbulo, a data e as assinaturas do tratado, ou isso e mais o primeiro e o último artigos. De fato, o que importa é a referência clara e inequívoca ao ato que se quer ratificar. Na realidade é a expressão do consentimento, não propriamente a ratificação, isto é, o ato de firmar e selar a carta de ratificação, que dá vigor ao tratado. O que o torna perfeito e acabado é a troca de tal instrumento contra outro idêntico, da outra parte contratante, ou o seu depósito no lugar para isto indicado no próprio tratado. Aliás, o simples depósito, às vezes, não basta para o aludido resultado. Com efeito, o depósito é exigido, geralmente, para tratados multilaterais, e estes requerem quase sempre certo número de depósitos, se não o de todas as partes contratantes, para sua entrada em vigor. A operação da troca de ratificações, usada para os tratados bilaterais, consiste na permuta das respectivas cartas de ratificação de cada parte contratante. Efetua-se, de ordinário, com alguma solenidade, no ministério das relações exteriores de um dos dois estados contratantes, designado previamente no instrumento original do tratado. Às vezes, porém, realiza-se na capital de terceiro estado, para esse fim escolhida, por acordo mútuo. Uma ata ou protocolo, lavrado em dois exemplares, nos respectivos idiomas dos dois contratantes ou num terceiro (geralmente, o inglês, como também o francês, da mesma forma que, outrora, o latim), consigna a troca dos documentos e é assinado e selado pelos plenipotenciários especialmente designados para a troca. São estes, quase sempre, o ministro das relações exteriores da parte contratante em cuja capital se efetua a cerimônia e o agente diplomático da outra parte acreditado no lugar. Quando se trata de tratados multilaterais, adota-se, conforme dissemos, o processo do depósito das ratificações. Estas são enviadas ao governo de estado previamente determinado, e que é geralmente o do estado onde o tratado foi assinado. Tal governo recebe e guarda nos seus arquivos os instrumentos recebidos e comunica o depósito aos demais contratantes. Às vezes, é fixada data para o primeiro depósito de ratificações, depois de reunido certo número destas, a fim de que o tratado, em seguida, comece imediatamente a vigorar entre as partes que o tiverem ratificado. Nos tratados multilaterais celebrados sob os auspícios das Nações Unidas ou da Organização dos Estados Americanos, estipula-se geralmente que eles serão depositados na sede da organização, cabendo-lhe cumprir todas as funções do depositário, como informar as partes contratantes do recebimento de assinaturas e adesões, da entrada em vigor do tratado quando este reunir o número de ratificações ou adesões necessárias etc. Ao tempo da Sociedade das Nações, cominava-se de nulidade o tratado, celebrado entre os seus estados-membros, que junto a esta não fosse registrado. No atual sistema da ONU a “sanção” decorrente da falta de registro será a inoponibilidade das disposições do referido instrumento, em relação à ONU e, sobretudo, à Corte Internacional de Justiça. Apenas os estados que assinaram qualquer tratado multilateral devem ratificá-lo; no caso de países que posteriormente desejarem ser parte nele, o recurso é a adesão ou a aceitação. Alguns autores buscavam diferenciar a adesão da aceitação, mas hoje em dia devem ser consideradas sinônimos. A exemplo do que ocorre com os tratados assinados, a adesão ou a aceitação é feita junto à organização ou ao estado depositário. 1.3.2.5. registro e publicação A Carta das Nações Unidas determina, em seu artigo 102, que todo tratado ou acordo internacional concluído por qualquer Membro deverá, logo que possível, ser registrado no Secretariado e por este publicado, acrescentando que nenhuma parte num tratado não registrado poderá invocá-lo perante qualquer órgão das Nações Unidas. A Convenção de Viena endossou esta regra (art. 80), com duas pequenas modificações que em nada alteram o seu espírito, mas, ao contrário, o completam. Assim, o parágrafo segundo acrescenta que a designação de depositário constitui autorização para este praticar o registro, com isto eliminando pequena dúvida. O artigo também evita falar em membro das Nações Unidas, visto que a obrigatoriedade do registro também incumbe a qualquer organização que eventualmente assine tratado. A Convenção sobre o Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais regula a matéria nos mesmos exatos termos. Para fins equivalentes. O artigo 102 da Carta das Nações Unidas repetiu nesse particular o artigo 18 do Pacto da Sociedade das Nações, que também previa que “nenhum desses tratados ou compromissos internacionais será obrigatório antes de ter sido registrado”, dispositivo que deu lugar a muita controvérsia na época. A Convenção de Havana sobre tratados (1928) em seu artigo 4 também estipulou a obrigatoriedade de tal publicidade, mas acrescentava que a omissão no seu cumprimento “não prejudicará a vigência dos tratados, nem a exigibilidade das obrigações neles contidas”. Essa interpretação já não pode ser acolhida. 1.3.2.6. interpretação As Convenções de 1969 e de 1986 ocupam-se da interpretação de tratados nos artigos 31 a 33, que estipulam como regra geral que todo tratado deve ser interpretado de boa-fé. Diante de algumas interpretações abusivas, convém lembrar um princípio que se tornou axiomático, ou seja, que “não é permitido interpretar o que não tem necessidade de interpretação”. É frequente a inclusão em tratados multilaterais de cláusula de que não serão permitidas reservas a eles, o que não tem impedido que alguns estados, ao ratificar tratado, tenham feito declaração interpretativa que consiste numa verdadeira negação de um dentre os princípios básicos do tratado. A regra básica de interpretação põe-se no sentido de que todo “tratado deve ser interpretado de boa-fé, segundo o sentido comum atribuível aos termos do tratado em seu contexto e à luz de seu objeto e finalidade” (art. 31). Na interpretação leva-se em consideração não só o texto, mas também o preâmbulo e os anexos, bem como qualquer acordo feito entre as partes, por ocasião da conclusão do tratado, ou, posteriormente, quanto à sua interpretação. Com referência a esse acordo prévio, é possível que haja dúvidas sobre se pode ou não ser em forma não escrita. Pode-se recorrer aos trabalhos preparatórios da elaboração dos tratados — os travaux préparatoires — se o texto deixa o sentido ambíguo ou obscuro ou se conduz a resultado manifestamente absurdo ou desarrazoado. Convém salientar, no tocante a grandes convenções multilaterais de codificação, como as firmadas em Viena, que a documentação existente esclarece frequentemente o sentido de artigo. Embora os travaux préparatoires sejam considerados meios suplementares de interpretação, podem, às vezes, ser equiparados a acordo prévio entre as partes quanto ao sentido a ser dado a determinado trecho ou vocábulo, ou esclarecer os motivos que levaram, durante a negociação do dispositivo, a ser adotada a redação que veio a prevalecer, em detrimento de outras possíveis, como elemento norteador de interpretação futura. Os tratados devem ser interpretados como um todo, cujas partes se completam umas às outras. Um termo será entendido em sentido especial se estiver estabelecido que essa era a intenção das partes. Nesse particular, convém lembrar que principalmente nos tratados de natureza específica a praxe é incluir no início glossário, listando as expressões utilizadas e o sentido destas em relação ao tratado. Se num tratado bilateral redigido em duas línguas houver discrepância entre os dois textos que fazem fé, cada parte contratante é obrigada apenas pelo texto em sua própria língua, salvo disposição expressa em contrário. Com o objetivo de evitar semelhantes discrepâncias é comum a escolha de terceira língua que fará fé. A questão poderá tornar-se mais complexa no caso dos tratados multilaterais firmados sob os auspícios das Nações Unidas, em que diversas línguas podem fazer fé, como é o caso da Convenção sobre o direito dos tratados que menciona o chinês, o espanhol, o francês, o inglês e o russo, visto que a Convenção de 1986 menciona ainda o árabe. A Convenção sobre o direito dos tratados adota norma interpretativa que, infelizmente, não pode ser considerada satisfatória, porquanto simplesmente “presume que os termos do tratado têm o mesmo sentido nos diversos textos autênticos”, o que, certamente, é desejável, mas pode nem sempre ser efetivamente alcançado. 1.3.2.7. tratados sucessivos sobre a mesma matéria A aplicação de tratados sucessivos sobre a mesma matéria é problema dos mais complexos, quiçá mais confusos, na área do direito dos tratados, tanto assim que são poucos os autores447 que dela se ocupam, e, quando o fazem, geralmente, dentre os modos de extinção de tratados. A CDI ocupou-se dos tratados sucessivos de 1953 a 1966 sob cinco ângulos distintos e acabou adotando o artigo 30 da Convenção de 1969, que seria repetido na Convenção de 1986. No caso de tratados bilaterais, a rigor não se pode falar em conflito mesmo quando os seus dispositivos parecem ser incompatíveis: tratando-se de questão de interpretação em que a boafé deve prevalecer. A dificuldade aumenta se um tratado bilateral entra em conflito com outro multilateral, ou no caso de conflito entre dois tratados multilaterais, em que a complexidade aumenta. Várias soluções têm sido apresentadas, a começar com a tese da lex prior, defendida por H. GRÓCIO, no século XVII, e que contou com a aceitação da CDI em 1953, tomada por base em projeto de H. LAUTERPACHT. A tese contrária, da lex posterior, pode ser acolhida em alguns casos restritos, conforme ocorre no parágrafo 3 do artigo 30. Apesar de favorável à lex prior, GRÓCIO era de opinião que, no caso de existir tratado específico — a lex speciales —, ele deve ser preferido: lex specialis derogat generali. Com a Sociedade das Nações, surgiu a consciência de que se deveria transpor para o direito internacional a regra de direito interno que reconhece a superioridade legal dos dispositivos constitucionais. Hoje em dia já não se discute a prioridade da Carta das Nações Unidas tida como a lei mais alta (higher law). A Carta das Nações Unidas é clara: “No caso de conflito entre as obrigações dos membros das Nações Unidas em virtude da presente Carta e as obrigações resultantes de qualquer outro acordo internacional, prevalecerão as obrigações assumidas em virtude da presente Carta” (art. 103). A Convenção de 1969, ao reconhecer no artigo 53 a existência em direito internacional de normas de direito cogente (jus cogens), estabelece ser nulo o tratado que conflite com norma imperativa de direito internacional geral. O jus cogens e a Carta das Nações Unidas são hierarquicamente superiores aos demais tratados, mas por motivos diferentes. É errado considerar todos os artigos da Carta como sendo de jus cogens, visto que alguns podem ser modificados pela vontade das partes (jus dispositivum). Seja como for, ocorrendo incompatibilidade entre os textos de dois tratados, a solução não consiste em considerar um deles como nulo, visto que por meio de interpretação judiciosa e de boa-fé é possível na maioria dos casos demonstrar que os dois textos podem ser mantidos. 1.3.2.8. nulidade, extinção e suspensão de aplicação O artigos relativos à nulidade, extinção e suspensão de aplicação de tratados foram considerados os mais delicados e os de mais difícil aceitação pela Conferência de 1968-1969, tanto assim que a Convenção se ocupa extensamente da matéria nos artigos 42 até 72. Ocorreu verdadeira evolução no modo de encarar algumas situações, como, por exemplo, as noções de erro, dolo e coação, antes abordados pela doutrina sob a rubrica condições de validade dos tratados e que na Convenção passaram a ser estudados como condições de nulidade. Houve, da parte de diversas delegações africanas e asiáticas, a preocupação de incluir na Convenção regras que poderiam ser eventualmente invocadas com o objetivo de anular situações por elas consideradas como obtidas em violação ao direito internacional. A proposta, do Brasil e da Suécia, que acabou sendo acolhida, como artigo 4, tinha dentre os seus objetivos fazer com que tais regras não tivessem efeito retroativo. Seja como for, contrariamente à orientação da doutrina, as Convenções de 1969 e 1986 tratam, separadamente, a nulidade da extinção e da suspensão da aplicação de tratado. A nulidade ocorre em virtude de erro, dolo, corrupção do representante do estado, coerção exercida sobre o referido representante e coerção decorrente de ameaça ou emprego de força, além da adoção de tratado com desconhecimento do jus cogens. O erro ou o dolo capazes de viciar o consentimento na ordem interna são habitualmente excluídos, quando se trata de acordos internacionais, porque, segundo se alega, as partes contratantes, na ordem externa, costumam operar com grandes precauções, com perfeito conhecimento de causa. Tem-se admitido com frequência que erro de fato possa ocorrer, em caso de fronteira. Foi o argumento apresentado pela Argentina e pela França, mas sem sucesso, para modificar os respectivos limites com o Brasil. O artigo 51 menciona a coação como causa de nulidade, embora seja difícil prová-la. Ocorre principalmente nos tratados de paz. HITLER, em mais de uma oportunidade, alegou que houvera coação quando da assinatura do Tratado de Versalhes, que pôs fim à primeira guerra mundial. Isso parece duvidoso. Nesse sentido, seria antes exemplo de coação o Acordo de Munique de 1938, relativo à cessão da região dos sudetos (Sudetenland) na antiga Tchecoslováquia, a tal ponto que este foi declarado nulo pela Grã-Bretanha e pela França em 1942. O artigo 52 estipula ser “nulo o tratado cuja conclusão foi obtida pela ameaça ou com o emprego da força em violação dos princípios de direito internacional incorporados na Carta das Nações Unidas”. Foi esse dispositivo dos mais controvertidos, visto que algumas delegações defenderam a extensão do artigo a fim de nele serem incluídas as pressões políticas e econômicas. A adoção da frase final “direito internacional incorporado na Carta das Nações Unidas” permitiu a sua aceitação. O artigo 53 relativo ao jus cogens, como causa de nulidade, representa avanço conceitual relevante do direito internacional, embora aceito com muita cautela pela Conferência, sob a alegação de que a seus verdadeiros limites ainda hoje não se acham esclarecidos, e a suposta tendência de considerar como jus cogens regras que não poderiam ser tidas como tal. A matéria comporta cuidadosa consideração448. Para Jean-Paul JACQUÉ (1991) 449, a teoria do ato jurídico, mesmo em se tratando de noção comum aos diferentes sistemas jurídicos, não pode ser captada in abstracto, mas se insere em determinada ordem jurídica. A questão não é se a manifestação de vontade pode acarretar consequências jurídicas, exceto se for isso inscrito no subjetivismo total, em razão das suas características próprias, mas porque a ordem jurídica lhe atribui essa faculdade: para tomar o exemplo do tratado, o encontro de vontades somente produz efeitos jurídicos porque a norma pacta sunt servanda lhe reconhece essa aptidão para criar tais efeitos. Isso, muitas vezes, é esquecido em direito internacional, na medida em que o voluntarismo reinante contribui a reverenciar a vontade estatal. A aparição da noção de norma de jus cogens veio mostrar, como parece evidente, que mesmo a vontade dos estados tem de encontrar limites, e que os estados não poderiam atribuir quaisquer efeitos a determinado tratado sendo problema de validade: “para que determinado ato jurídico possa cumprir a sua função, é preciso que tire sua validade formal e material da ordem jurídica existente. Não existe teoria dos atos, sem teoria da validade” 450. Mas, adverte, passa-se insensivelmente do ato à norma e é difícil evitar esse deslize, em razão do próprio vocabulário utilizado: “o termo tratado é simultaneamente utilizado para designar o documento redigido no curso de negociações e o objeto do documento, que é a norma por este criada”. As causas de extinção previstas pela Convenção correspondem, de modo geral, aos modos de extinção enumerados pela doutrina, ou seja: 1) a execução integral do tratado; 2) a expiração do prazo convencionado; 3) a verificação de condição resolutória, prevista expressamente; 4) acordo mútuo entre as partes; 5) a renúncia unilateral, por parte do estado ao qual o tratado beneficia de modo exclusivo; 6) a impossibilidade de execução; 7) a denúncia, admitida expressa ou tacitamente pelo próprio tratado; 8) a inexecução do tratado, por uma das partes contratantes; 9) a guerra sobrevinda entre as partes contratantes; e 10) a prescrição liberatória. Ainda cabe mencionar a denúncia unilateral, na hipótese de modificação fundamental das circunstâncias que deram origem ao tratado. É a aplicação do princípio rebus sic stantibus, que se considera ponderável, mas, em conclusão, julgamos não ser exata a teoria de que todo tratado traz subentendida a dita cláusula e, por isso, poderá ser denunciado unilateralmente à vontade da parte que dele se queira libertar, uma vez que considere modificadas as circunstâncias em que o tratado foi celebrado. A regra rebus sic stantibus acha-se codificada no artigo 62 da Convenção, sendo de notar que a CDI ao aceitá-la agiu com cautela, tanto assim que o artigo é redigido de forma negativa. Cabe, a seguir, considerar os princípios gerais do direito e as demais fontes de direito internacional. 1.3.3. princípios gerais do direito Dentre as fontes do direito internacional, enumeradas pelo Estatuto da CIJ, os princípios gerais do direito, se considerados enquanto fonte formal, seriam os mais vagos, os de mais difícil caracterização, com consideráveis variações, desde autores451 que negam o seu valor, enquanto outros julgam que se trata, em última análise, de aspecto do costume internacional, ao passo que, considerados como fonte real, constituem o eixo de valores e princípios que poderá nortear a consolidação e a interpretação das normas, por serem a fonte verdadeira ou fundamental, e a que pode fornecer elementos para a interpretação dos tratados e dos costumes, as duas grandes fontes incontestadas do direito internacional positivo, enquanto fontes formais ou positivas. Para o Comitê de Juristas que elaborou o projeto de Estatuto da CPJI, os princípios gerais do direito seriam aqueles aceitos pelos estados in foro domestico. A transposição de princípios e normas dos direitos internos452 para o direito internacional comporta desenvolvimentos específicos, em função das mutações do contexto institucional e normativo do direito internacional. Nesse sentido, Georges RIPERT (1933) 453 examinava “as normas de direito civil aplicáveis às relações internacionais” como “contribuição ao estudo dos princípios gerais do direito, visados no Estatuto da Corte Permanente de Justiça Internacional” 454: “o direito internacional não consiste somente na observância dos tratados. Além dessa ordem jurídica convencional, existe ordem jurídica comum”, estabelecida por razões de justiça e de utilidade, que tem tanto às vezes mais valor na sociedade dos estados que na sociedade dos homens455. O progresso do direito internacional, segundo RIPERT, está ligado a essa aplicação pelo juiz dos princípios do direito, o que é seguramente difícil, pois o juiz internacional parece assim criar a norma que todavia não existe. Existe desconfiança em relação a essa obra criadora e prudência necessária por parte das jurisdições internacionais. Mas pode-se ver qual é o futuro reservado à competência e ao poder dessas jurisdições, se estas se empenharem, deliberadamente, em estatuir, mesmo nos casos em que a convenção e o costume sejam mudos, para impor aos estados, que comparecem diante destas, o respeito de princípios, geralmente admitidos. Fazer apelo a tais princípios significa assegurar o progresso indefinido do direito internacional. No quadro de sociedade internacional, apontava C. BILFINGER (1938) 456, a rarefação normativa, como então, em tempos de ascensão do nazi-fascismo, se exacerbava, o que conferiria aos princípios gerais caráter indispensável, do que dependeria a função de tais ficções. No contexto pós-moderno, não mais se padece de falta de normas, mas cabe proceder à reorientação de todo o foco do sistema internacional, na linha de E. ROUCOUNNAS (2002) 457, no sentido de conjunto de princípios, para acolher o ser humano como eixo do direito internacional. Por ocasião da Conferência de São Francisco, a opinião generalizada era de que o artigo 38 do Estatuto da CPJI deveria ser mantido, mas com o acréscimo da frase “decidir de acordo com o direito internacional”. Felizmente, a ideia não foi acolhida, visto que o objetivo da inclusão dos princípios gerais do direito foi precisamente ampliar o campo de ação a que o juiz pode recorrer. A partir dos direitos internos, deparamo-nos com princípios gerais do direito que poderão igualmente vir a informar o direito internacional. O Comitê de Juristas, ao incluir os princípios gerais do direito dentre as normas a serem aplicadas pela Corte Permanente de Justiça Internacional, tinha em mente que, mesmo se as normas constantes dos tratados e do costume silenciassem a respeito de caso em julgamento, a Corte seria obrigada a pronunciar-se, isto é, não poderia eximir-se de julgar e declarar a inexistência de norma específica (non liquet), conforme analisam G. FITZMAURICE (1974 e 1957) 458, G. RIPERT (1933) 459 e D. ANZILOTTI (1912, ed. 1999) 460. Segundo ANZILOTTI, a menção aos princípios gerais “foi ditada pelo cuidado de evitar que a Corte pudesse se encontrar na situação de rejeitar uma demanda por meio de non liquet, por falta de normas jurídicas aplicáveis, o que demonstraria, antes de tudo, que se pretendeu levar até o último limite a produtividade das fontes, se assim se pode dizer”. Desse modo, entende ANZILOTTI, haveria remissão, primeiro, aos princípios gerais da ordem jurídica internacional e, segundo, aos “princípios universalmente admitidos na legislação dos povos civilizados: uma espécie de, como bem se disse, novissimum ius gentium, no sentido clássico, quasi quo iure omnes gentes utuntur (Inst. I, 1). Os princípios geralmente admitidos nas legislações dos povos civilizados foram, em sua maior parte, aceitos, tacitamente, também na ordem internacional, e a Corte os aplica enquanto tais” 461. O Comitê de Juristas era da opinião de que não se estava inovando na matéria, visto que tribunais internacionais e domésticos, frequentemente, recorriam aos princípios gerais do direito. É interessante assinalar que o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro espelha esta orientação: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito”. Oscar TENÓRIO (1944) 462, ao analisar o citado dispositivo, esclarece que “Qualquer pleito terá do juiz uma sentença mesmo quando na lei não encontrar ele a solução”, e explica: “Realizará o magistrado o processo de integração do direito, a que se tem chamado de preenchimento das lacunas da lei”. A CIJ, como fizera anteriormente a sua predecessora, a CPJI, tem agido com muita cautela a respeito. Podem ser mencionadas decisões ou pareceres em que, evitando mencionar o artigo 38, e sem utilizar a expressão princípios gerais de direito, a Corte preferiu falar em princípios gerais, bem estabelecidos, ou geralmente reconhecidos. Seja como for, uma vez aceitos pela “opinio juris”, os princípios gerais de direito assumem as características de costume. É de lamentar que do Estatuto da CIJ não se tenha expurgado a referência aos princípios “reconhecidos pelas nações civilizadas”, por se tratar de anacronismo, “politicamente incorreto”, que lembra o período anterior à primeira guerra mundial, quando o direito internacional, de inspiração eurocêntrica, ainda padecia da pretensão da projeção civilizadora, em relação ao resto do mundo. Em outras palavras, não se pode admitir que as leis de qualquer Membro das Nações Unidas sejam inaceitáveis; o ideal teria sido a eliminação pura e simples da frase. De outro modo, poder-se-ia compreender o dispositivo como a expressão de conteúdo mínimo compartilhado, por parte de todos os sistemas nacionais, que aceitem os imperativos básicos da convivência organizada, como norteadores da conduta dos sujeitos internacionais. Isso torna aceitável a formulação. Georges RIPERT (1933) 463 indaga o que seria princípio geral. É uma norma, mas norma geral e importante, que comanda outras. O princípio é norma, pois este é direção de conduta: “os princípios de direito são as normas essenciais sobre as quais se fundam as normas secundárias de aplicação e de técnica”. Enfatiza a necessidade de bem distinguir os princípios gerais em relação ao conteúdo da equidade 464 , do direito natural465 e da (justa ou reta) razão466. Indaga, igualmente, de onde tais princípios tiram sua força. Responde RIPERT ser esta questão que deve permanecer sem resposta, porquanto a solução pressupõe que se tome partido em relação ao fundamento do direito: “Que esse fundamento seja moral ou sociológico, que esse direito seja revelado, imposto, aceito, pouco importa; basta que se constate a existência da norma, não é necessário dar-lhe justificação. É provável que a norma seja justificada pela justiça, pela razão, pela utilidade prática, uma vez que tantos países a aceitaram. Mas o juiz não tem de examinar os motivos que a justificam. Ele não julga a lei, ele a faz aplicar. Quando o juiz internacional constatar a existência de princípio jurídico, na legislação das principais nações civilizadas, ele terá a obrigação de fazer respeitar esse princípio” 467. A referência aos princípios gerais do direito tem se mantido como útil e necessária, apesar de os limites de sua utilização todavia não se encontrarem claramente abordados e definidos. Pode a remissão a esse conceito causar algum constrangimento àqueles que tenham do direito visão estrita, quiçá excessivamente positivista, mas tem seu alcance e seu conteúdo, pode e deve ser conservada como canal de busca das ideias basilares e conceitos formadores do ordenamento jurídico e de construção progressiva de ordenamento internacional, passível de aperfeiçoamento, mesmo ante a inocorrência de norma específica, passível de aplicação direta e imediata, ao caso que concretamente tenha de ser julgado. O dado não é novo. Nesse sentido, M. BOURQUIN (1931) 468 ressalta a existência de semelhanças, quer entre os códigos europeus do século XIX, quer nos costumes compendiados no século XVI, e que se pode encontrar tanto direito comum legislado como direito comum consuetudinário, constituindo “fundo comum”, que não se confunde com o direito natural. A constatação de sua existência não implica qualquer julgamento quanto ao seu valor. A coincidência das regras jurídicas é considerada sinal revelador de uma norma 469. Também Georg SCHWARZENBERGER (1955) 470, Charles ROUSSEAU (1958, 1948) 471, Max SORENSEN (1960) 472, Paul REUTER (1961) 473 e Robert JENNINGS (1967) 474 apontam o papel e a extensão dos “princípios” no direito internacional público. E. A. WALSH (1935) 475 colaciona o papel dos “princípios fundamentais da vida internacional” e G. D. TASSITCH (1938) 476, as bases da “consciência jurídica internacional”. A mesma linha conceitual aí se coloca. J. RAY (1934) 477 abordava, na Haia, a questão do “conflito entre princípios abstratos e estipulações convencionais”: o que pressupõe o jus cogens – mesmo que à época, não se lhe atribuísse tal denominação, como o burguês fidalgo de MOLIÈRE, pode-se falar prosa, mesmo sem ter consciência disso. A questão, simplesmente, tornou-se mais claramente colocada, após a inserção do conceito de jus cogens no direito internacional positivo. A. GOMEZ ROBLEDO (1981) 478, após a entrada em vigor (1980) da Convenção de Viena sobre direito dos tratados (1969), mostra que o não tinha sido por esta iniciado, mas remonta a conceito, esboçado no direito romano e posto no direito internacional, já por Francisco de VITÓRIA, na Relectio479 sobre o poder civil (1528) 480. Cabe, a seguir, passar ao exame da jurisprudência como fonte do direito internacional. 1.3.4. jurisprudência como fonte do direito internacional O artigo 38 do Estatuto da CIJ estipula que, em suas decisões, a Corte poderá recorrer como meio auxiliar às decisões judiciárias e à doutrina dos autores mais qualificados. Esta disposição espelha, a exemplo do que foi dito, no tocante aos princípios gerais do direito, a preocupação do Comitê de Juristas encarregado da elaboração do Estatuto de dar à Corte a possibilidade de encontrar regras capazes de permitir uma solução para todos os casos que lhe fossem submetidos, isto é, evitar o non liquet, como ressalta G. FITZMAURICE (1974) 481, mesmo que somente parte da resposta seja dada para a solução de determinado caso482. Na apreciação dessas fontes, também chamadas acessórias ou auxiliares, é importante ter em mente a época da elaboração do Estatuto, 1920, e a evolução verificada de então para cá 483. Sob esse ângulo, é lícito afirmar que, se a redação do artigo 38 do Estatuto tivesse levado em consideração as evoluções verificadas, inclusive pelos julgamentos da Corte Internacional de Justiça, a relação das fontes e a ordem de sua aplicação seriam outras. Em outras palavras, da relação constariam as resoluções das organizações internacionais e as declarações unilaterais; a jurisprudência poderia figurar até em segundo lugar, não obstante o disposto no artigo 59, segundo o qual as decisões da Corte somente são obrigatórias para as partes litigantes “a respeito do caso em questão”, isto é, a decisão não deve influir em casos futuros quando, sabidamente, a CIJ evita tomar decisões que possam ser consideradas contraditórias e faz referências sistemáticas aos seus precedentes, com menção a “jurisprudência constante”. O artigo 38, alínea d, fala em “decisões judiciárias”, isto é, da jurisprudência, como expressão ampla, destinada a cobrir as decisões dos tribunais internacionais, dos tribunais arbitrais internacionais, dos tribunais nacionais, bem como as decisões dos tribunais de determinadas organizações internacionais484.Tal enumeração, contudo, daria noção equivocada a respeito do peso relativo das decisões emanadas dos vários tipos de tribunais; em outras palavras, não se podem colocar em pé de igualdade as decisões da CIJ com as dos tribunais administrativos internacionais, dos tribunais nacionais ou de arbitragem. A hierarquia entre estes será de ordem material. A importância das sentenças da CIJ não é contestada; as sentenças dos tribunais domésticos pesam no direito dos países do common law, mas não, em equivalente extensão, nos demais sistemas; quanto às decisões arbitrais, constata-se que, na maioria dos casos, considerações que não as jurídicas têm pesado na balança: podem consistir, sobretudo, na solução de determinado caso, mas não necessariamente na solução jurídica deste. As sentenças da CIJ, ao interpretarem tratados ou esclarecerem o verdadeiro conteúdo dos costumes internacionais e dos princípios gerais do direito, contribuem para eliminar incertezas, porventura existentes no direito internacional, a ponto de a Comissão de Direito Internacional haver recorrido a estas em seus projetos de codificação, a fim de cobrir eventuais lacunas ou atualizar determinada regra jurídica. Para Moustapha SOURANG (1991) 485: “o direito internacional positivo, especialmente no artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, confere autoridade particular à jurisprudência, considerada como meio de determinação do direito. A doutrina estima que a autoridade assim reconhecida à jurisprudência internacional encontra a sua justificação nas garantias que são geralmente asseguradas pelos procedimentos jurisdicionais, e pela composição entre instâncias jurisdicionais internacionais”. Alguns autores argumentam que as decisões da CIJ devem ser equiparadas às fontes formais, não mais se justificando a sua equiparação com as dos demais tribunais internacionais ou nacionais. A questão é controvertida, uma vez que a maioria alega que os termos do art. 38 não podem suscitar dúvida, ou seja, a jurisprudência constitui “meio auxiliar” (subsidiary means, na versão inglesa). Em outras palavras, cabe à Corte aplicar a lei e não fazê-la. Outros autores, como PASTOR RIDRUEJO, lembram-nos que, não obstante os termos do Estatuto, é importante levar em conta a atuação da CIJ e não aqueles: “que a Corte se apega a sua jurisprudência como autêntica fonte do direito, dado não ver inconveniente em aplicar regras por esta elaboradas, que invoca não como princípios gerais do direito, costumes ou convenções, mas como a sua própria jurisprudência”. Em tal sentido, parece-nos acertada a opinião de Humphrey WALDOCK ao argumentar que é pouco provável que o Comitê de Juristas entregue a tribunal totalmente novo e sem precedentes autoridade explícita para estabelecer direito aplicável a todos os estados. O fato é que a tendência da CIJ tem sido cada vez mais no sentido de se guiar pela sua própria jurisprudência, evitando em seus julgamentos afastar-se de decisões anteriores, a ponto de levar as partes a recorrerem cada vez mais aos precedentes. Nesse sentido, desempenharia a Corte a sua missão de aplicar o direito internacional, na medida em que confere estabilidade e previsibilidade ao conteúdo de sua própria jurisprudência. O que foi dito em relação à jurisprudência da CIJ se aplica, mutatis mutandis, às decisões dos demais tribunais internacionais, e dos tribunais regionais, como é o caso das Cortes europeia e interamericana dos direitos humanos486. A construção do direito internacional, no contexto pósmoderno, tem marcos intrinsecamente internacionais específicos, e estes constituem as ferramentas básicas de trabalho, para os profissionais da área: ninguém pode estudar e pretender conhecer direito internacional sem manejar as bases da jurisprudência internacional (especialmente da Corte Internacional de Justiça, sua predecessora, a Corte Permanente de Justiça Internacional, e da Corte Permanente de Arbitragem) 487. Dentre julgados emanados dos tribunais internacionais, além do destaque inevitável para a Corte Internacional de Justiça e a sua predecessora, a Corte Permanente de Justiça Internacional, ao lado destas permanece a mais que centenária Corte Permanente de Arbitragem, somando-se-lhes outros tribunais internacionais, como os referidos Tribunal Internacional do Mar, o Tribunal Penal Internacional, bem como os Tribunais penais internacionais ad hoc (desde Nuremberg e Tóquio até Ruanda e ex-Iugoslávia), e os tribunais regionais, tais como as Cortes Europeia e Interamericana de direitos humanos (e equivalentes de outras regiões). Apontava RODRIGO OCTÁVIO os resultados da Haia, em 1907, em que “a rigidez dos princípios da soberania estatal e da igualdade dos estados impediu se estabelecesse a arbitragem obrigatória e se criasse uma Corte Internacional de Justiça”, com o espírito novo dos trabalhos de Paris, 1919 e posteriores até 1928, na aceitação de restrições à soberania 488. Na base da solidariedade proposta por Clóvis BEVILÁQUA (1910 e 1939), este passa, adiante, a mostrar todas as grandes e justas reformas, do clássico direito das gentes, a começar pela jurisdição internacional obrigatória, com a Corte da Haia 489. Após falar na “derrocada dos princípios rígidos da soberania nacional e da igualdade dos estados” exclamava RODRIGO OCTÁVIO: “era mister, para o bem da humanidade, assentar as relações dos estados em terreno mais humano, mais democrático, mais espiritual, procurando-se orientar e desenvolver a vida internacional, sob a inspiração de sentimentos menos intolerantes, menos interesseiros, menos egoísticos, para a fraternidade, para a solidariedade, para a cooperação” 490. O debate, apesar de histórico, não está encerrado, na medida em que o direito internacional, no contexto pós-moderno, há de se implementar, como já apontava Oscar SCHACHTER (1982) 491. V. MAROTTA RANGEL (1994) 492 indagava a respeito da “efetividade da justiça nas relações internacionais”. Esse dilema legitimidade efetividade estará sempre presente 493. Pode ainda parecer remota, mas há de se conceber, na linha de G. FITZMAURICE (1957) 494, a ordenação da sociedade internacional sob o ponto de vista da regência legal (rule of law). Não somente do ponto de vista dos princípios gerais do direito. Seria esta, em Jessé S. REEVES (1924) 495, a ideia de “comunidade internacional” 496. A ordenação legal de qualquer sociedade resulta da determinação de sua concepção global na elaboração e formulação dos conceitos basilares. A sociedade internacional pode carecer de estruturas institucionais, mas não de formulações teorizantes, de valor e de alcances variáveis497 a seu respeito. A jurisprudência como fonte do direito internacional acompanha as mudanças por que passa a sociedade internacional, e a solução de controvérsias entre estados, objeto de tópico específico, passa de mecanismo essencialmente bilateral para contexto mais e mais frequentemente multilateral: isso se reflete em Resolução do Instituto de direito internacional a respeito da solução judiciária e arbitral de controvérsias internacionais com mais de dois estados (Berlim, 1999) 498. A Resolução de Berlim (1999) estipula conjunto de princípios499: – o primeiro, necessariamente, no sentido de ser o consentimento dos estados o fundamento da competência das cortes e tribunais internacionais; daí resulta a impossibilidade de se pronunciar, qualquer corte ou tribunal internacional, sobre controvérsia que implique mais de dois estados, sem o consentimento de todos os demais. A ausência de tal consentimento impede de chegar à solução deste, ou permitirá somente sua composição parcial; – os dispositivos, ao regularem a competência e o procedimento, figurando nos estatutos e nos regulamentos das cortes e tribunais internacionais, apresentam, frequentemente, características específicas e únicas. Por esse motivo, a interpretação dos textos pertinentes constitui o ponto de partida do exame de qualquer caso, inclusive daqueles contando mais de dois estados. Contudo, é possível deduzir alguns princípios gerais e alinhar dispositivos similares a respeito da intervenção e outros modos de participação de terceiros; – os princípios gerais e as normas relativas à participação de terceiros estados, válidas perante a Corte Internacional de Justiça, podem também ser aplicadas, na medida em que sejam apropriadas às circunstâncias do caso, perante outras cortes ou tribunais internacionais. Quando dois ou mais estados tiverem interesses jurídicos idênticos ou similares, em determinada controvérsia, estes devem examinar a possibilidade de agir conjuntamente perante a corte ou o tribunal internacional competente. Qualquer pedido unilateral nesse sentido, emanado de um ou mais de um estado, e dirigido contra mais de um estado reclamado, exige, em princípio, a introdução de instâncias paralelas e distintas, exceto quando um acordo prévio, em sentido contrário, ocorra entre os estado implicados no caso. Sob reserva dos instrumentos jurídicos pertinentes, a corte ou o tribunal pode, à luz de todas as circunstâncias, determinar a junção de casos ou a organização de procedimentos comuns. A corte ou o tribunal deverá, para assegurar o respeito das exigências de caráter equitativo do procedimento, determinar quais efeitos produzirá a junção dos casos, ou mesmo sem a ocorrência de junção formal, na organização de procedimentos comuns. O Estatuto da Corte Internacional de Justiça estipula, em seu artigo 62: “quando um estado entender que a decisão de uma causa é suscetível de comprometer um interesse seu, de ordem jurídica, esse estado poderá solicitar à Corte permissão para intervir em tal causa” e “a Corte decidirá sobre esse pedido”. A intervenção, em virtude do artigo 62 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça ou de textos similares de outros estatutos, exige que o estado interveniente tenha interesse jurídico em fazê-lo. Isso significa que os direitos ou obrigações do referido estado, decorrentes do direito internacional público, são suscetíveis de ser afetados pela decisão. A corte ou o tribunal deverá decidir segundo as circunstâncias do caso, se referido estado pode se prevalecer de tal interesse, e se a decisão a ser proferida afetará ou não esse interesse: se a corte ou tribunal constata a existência do interesse jurídico, o estado, autor da solicitação, deverá ser admitido no procedimento, a título de interveniente. Em matéria de intervenção de terceiros, sob reserva dos dispositivos específicos, dos instrumentos, regulando o funcionamento da corte ou do tribunal, as duas principais formas de intervenção de terceiros são: a) intervenção por estado terceiro, que estime em relação a determinada controvérsia que interesse jurídico seu poderá ser afetado; ou b) intervenção de terceiros estados, em controvérsia que diga respeito à interpretação de tratado multilateral de que estes também são partes. A intervenção de terceiro estado não o torna, somente por esse motivo, parte do caso. As partes e os terceiros intervenientes têm posições e papéis distintos que não podem ser juntos sem que ocorra acordo a respeito. A segunda modalidade de intervenção de terceiros estados é regulada pelo artigo 63 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça: “quando se tratar de interpretação de uma convenção, da qual forem partes outros estados, além dos litigantes, o escrivão notificará imediatamente todos os estados interessados” e “cada estado assim notificado terá o direito de intervir no processo, mas, se usar deste direito, a interpretação dada pela sentença será igualmente obrigatória para ele”. Consequências da intervenção, nos casos em que se trate de questão de interpretação de tratado multilateral500, são expressamente enunciadas pelos textos pertinentes: se o terceiro interveniente for estado que tenha ratificado o tratado, assegura-selhe o direito de intervir e de participar do procedimento, mas tanto as partes principais na controvérsia como os terceiros intervenientes ficarão vinculados pela interpretação que for dada pela corte ou pelo tribunal àqueles dispositivos do tratado multilateral, objeto da questão. A intervenção não exige a existência de vínculo jurisdicional entre as partes na controvérsia e o terceiro estado interveniente, em conformidade com os dispositivos do Estatuto da Corte Internacional de Justiça e os dispositivos similares, uma vez que outros textos pertinentes permitem a intervenção. J.-P. QUÉNEUDEC (1995) 501, em continuidade ao trabalho de L. CAVARÉ (ed. atualizada, 1967 e 1969) 502, dedica inteiro curso na Haia ao exame da noção de estado interessado em direito internacional503. J. A. FROWEIN (1994) 504 considerara ano antes, na Haia, as “reações por estado não diretamente afetado, em razão de violações do direito internacional público” 505. Essas modalidades de reação por parte de estado não diretamente afetado por violação de norma de direito internacional público, praticamente inexistentes até 1970, pressupõem a existência de interesses e de valores comuns cuja preservação e aplicação incumbem e interessam igualmente a todos os estados. Cabe, a seguir, considerar o papel da doutrina enquanto fonte do direito internacional506. 1.3.5. papel da doutrina no direito internacional Nos primórdios do direito internacional, na sua fase de formação, a opinião dos juristas mais categorizados, como Hugo GRÓCIO, Cornelis van BYNKERSHOEK, Alberico GENTILI e Emer de VATTEL, dentre outros, supriu as lacunas existentes, recorrendo às mais variadas fontes, como o direito romano. Acresça-se a isto o trabalho pioneiro de juristas como BLUNTSCHLI e FIORE, que muito influíram na obra de codificação do direito internacional507. A comparação do projeto de Código de Direito Internacional de Epitácio PESSOA com as Convenções firmadas em Havana em 1928 mostra claramente a sua influência nos textos então aprovados, muito embora tenha sido negligenciada a importância da contribuição brasileira 508. Tampouco pode ser ignorado o papel fundamental do Instituto de direito internacional, cujas resoluções nortearam os rumos da evolução da matéria, desde a sua criação, em 1873. Muito mais do que em outras áreas do direito, a doutrina tem papel relevante a desempenhar. Mais do que nas obras de autores individualmente considerados, ou em obras coletivas, é preciso ter em mente e sempre levar em consideração, ao estudar e refletir a respeito de temas de direito internacional, no contexto pós-moderno, especificamente, todo o conjunto da atuação sistematizadora do Instituto de direito internacional, desde 1873509, representando legado conciso, cuidadosamente elaborado, pelos melhores especialistas do mundo na matéria, com a vantagem de integrarem o prestigioso colegiado, por suas competências profissionais e acadêmicas pessoais, não vinculados, como representantes estatais ou governamentais, a posições políticas destes. As resoluções e os votos do Instituto de direito internacional, muitas vezes simplesmente referido como o Institut, são súmulas de princípios do direito internacional. Podem, ademais, influenciar diretamente a formulação de normas e a redação de tratados. Refletem, muitas vezes, o momento (histórico) e contexto (cultural) em que foram elaboradas, o que justifica sejam às vezes os temas retomados, nas respectivas formulações, especialmente quando transcorram várias décadas ou ocorram mudanças culturais e políticas, de caráter substancial, no contexto internacional. Os trabalhos apresentados pela Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas também devem figurar como contribuições doutrinárias até o momento em que as regras propostas são aceitas em conferência internacional, quando passarão a constituir direito internacional convencional. O papel da doutrina pode ter diminuído, e hoje verifica-se que a sua inclusão no Estatuto da CIJ tem sido contestada 510. A própria Corte, em seus julgamentos, tem evitado mencionar as opiniões dos juristas; mas, em compensação, nas exposições dos governos e nos votos em separado, o recurso à doutrina é frequente, o que dá ideia de seu valor 511. Parêntese de ordem técnica deve ser aberto no tocante aos pareceres dos consultores jurídicos dos ministérios das relações exteriores: embora subscritos por eminentes juristas, devem ser apreciados com cautela, pois espelham quase sempre a opinião do respectivo governo. Além do mais, podem ser, a longo prazo, contraproducentes, o que ocorre quando outros governos invocam tais pareceres para defender posições contrárias ao governo do respectivo titular. O cotejo das práticas nacionais constitui modo de aferir a interpretação e a aplicação das normas internacionais, por parte dos governos, e especificamente dos ministérios ou secretarias responsáveis pela condução da política externa do estado. Não se pode ignorar a importância de interpretação doutrinária judiciosa em que o autor desenvolve normas consuetudinárias ou mesmo textos convencionais que podem carecer de clareza. Na verdade, o autor simplesmente dá ênfase a regra de direito internacional existente, formulando-a de maneira a atender a determinada situação. Mesmo quando, tendo em vista situações novas, decorrentes, por exemplo, de situações criadas pelos avanços da ciência e tecnologia, formula regra recorrendo à analogia, a sua atuação é perfeitamente válida. É óbvio que tese totalmente contrária ao direito internacional e ao bom-senso não pode ser levada em consideração. 1.3.6. equidade como fonte de direito internacional Dentre as fontes do direito internacional, a equidade suscita ao mesmo tempo as maiores indagações, quanto à sua extensão e conteúdo possíveis, como em relação às suas aplicações práticas. Não obstante seja apontada como “conceito abstrato” ou de escassa utilização prática, não se pode negligenciar o seu conteúdo e sua dimensão, como elemento essencial, para a determinação do conteúdo jurídico, ante a ausência ou inocorrência de manifestações, provenientes de outras fontes do direito internacional. Nesse sentido, A. GENTILI (1598), A. FAVRE (1974), V. MAROTTA RANGEL (1989) e, em sentido crítico, G. RIPERT (1933) 512. A norma ex aequo et bono, mencionada expressamente no Estatuto, é ponto dos mais importantes e, na opinião da grande maioria dos juristas, corresponde à equidade, o equity do direito anglo-saxão. Dizer que o conceito de equidade 513 é dos mais controvertidos em direito internacional514, bem como na própria jurisprudência internacional, não exclui a necessidade de este, como refere MAROTTA RANGEL (1989), encontrar o equilíbrio entre a certeza do direito e o conteúdo da justiça. Antes de mais nada, embora de forte influência anglosaxônica, o princípio em referência não deve ser confundido com o equity dos tribunais ingleses e norte-americanos515. Recorrendo ao direito romano, verifica-se que a função da equidade pode ser a de adaptação ao direito existente (infra legem), na hipótese de a lei não ser suficientemente clara (praeter legem), ou a de afastar o direito positivo a critério do juiz (contra legem) 516. Embora a CIJ nunca tenha sido formalmente convidada a proferir decisão ex aequo et bono, já teve ensejo, em mais de uma oportunidade, de fazer referência à equidade: – no caso da plataforma continental do Mar do norte (1969), depois de afastar o conceito tradicional de equidistância como método para delimitar a plataforma continental, afirma a Corte: “a delimitação deve ser feita por meio de acordo, conforme princípios equitativos, e levando em consideração as circunstâncias pertinentes” – seria este, para A. FAVRE (1974) 517, exemplo de decisão ex aequo et bono, embora isso seja negado pela Corte; – no caso do estreito de Corfu (1949), apela a Corte à equidade para avaliar o dano causado pela Albânia à GrãBretanha; – ainda ao tempo da Corte permanente de justiça internacional518, esta considerou que se determinada cláusula estipula fim equitativo, não deve ser interpretada com excessiva rigidez. Essa dimensão da equidade é examinada por K. STRUPP (1930) 519 e M. HABICHT (1934) 520. Recentemente, i.a., retomam o tema E. LAUTERPACHT (1991) 521 e P. WEIL (1992) 522. A equidade em direito internacional é meio supletivo que visa ao preenchimento de lacunas do direito positivo. Conforme previsto no Estatuto da CIJ, o recurso à equidade não pode ser subentendido: deve ser aceito pelas partes. O Instituto de Direito Internacional teve ensejo de abordar a equidade em diversas manifestações: – em relação à matéria da sucessão de estados (Vancouver, 2001), da qual foi relator Georg RESS, menciona-a em várias passagens, como meio necessário para preservar a justiça, em meio a processo de sucessão de estados: no art. 5º, ao regular as obrigações dos estados, durante período de transição: “levar em consideração, na medida do possível, os interesses dos estados e as exigências da boa-fé e da equidade”; no art. 9º, na “correlação entre proporção dos bens e dívidas na repartição e a equidade”; no art. 9º, par. 2: “em todas as categorias de sucessão, a equidade exige que não haja diferença substancial entre o resultado da repartição dos bens e o da repartição das dívidas; no art. 16, par. 3: se a divisão entre bens e dívidas leva a resultado inadequado, este tem de ser corrigido mediante equidade; no art. 16, par. 4: em aplicação do princípio da equidade, exclui-se tomar em consideração a origem financeira dos bens, ou a origem física, sejam estes móveis ou imóveis; no art. 28, par. 2: a repartição de dívida, segundo equidade, deve levar em consideração a passagem dos bens (objetos e instalações) ligados à dívida, bem como lucro gerado pelos bens para o estado sucessor no território do qual estão situados523; – em matéria da responsabilidade de direito internacional, por dano ambiental (Estrasburgo, 1997), cujo relator foi Francisco ORREGO VICUÑA, considera o Instituto os vínculos novos em direito internacional do meio ambiente, com os conceitos de equidade entre gerações expressos por meio dos princípios, de precaução, de desenvolvimento sustentável, de segurança ambiental e os direitos do homem, da responsabilidade compartilhada, porém diferenciada, e novamente menciona, no art. 25, a equidade intergeracional524; – na recomendação a respeito da utilização de águas internacionais não marítimas (além da navegação) (Salzburgo, 1961), de que foi relator J. ANDRASSY, de acordo com o art. 3º, em caso de desacordo quanto à utilização, far-se-á a solução com base na equidade, em consideração das necessidades respectivas e outras circunstâncias do caso525; – na resolução a respeito da arbitragem em direito internacional privado (Amsterdam, 1957), da qual foi relator E. SZÁSZY, segundo o art. 11, na medida em que seja autorizado pela lei da sede do tribunal arbitral, as partes podem dar ao árbitro poder de julgar conforme a equidade; – ao adotar como foco a competência do juiz internacional, em matéria de equidade, em sua sessão de Luxemburgo (1937), em que salientou “o papel da equidade na obra do juiz internacional” e formulou o parecer: 1. “a equidade é normalmente inerente à sã aplicação do direito, e o juiz internacional, como o juiz interno, deve, no desempenho das suas funções, levá-la em consideração, na medida compatível, com o respeito do direito existente”; e 2. “o juiz internacional somente pode se inspirar na equidade, para prolatar sentença, sem estar vinculado pelo direito vigente, mediante autorização expressa das partes, para esse fim” 526; – no Manual das leis da guerra (Oxford, 1880), de que foi relator Gustave MOYNIER, em que retoma e sistematiza manifestações anteriores do Instituto, a respeito do tema e, em seu art. 84, estipula: “as represálias são exceção dolorosa ao princípio geral da equidade, de que o inocente não deve sofrer pelo culpado”; – no exame da Declaração de Bruxelas de 1874 (Haia, 1875), de que foi relator Gustave ROLIN-JACQUEMYNS, a respeito das leis e costumes de guerra, depois de observar ser lamentável o papel que a guerra desempenha na história da humanidade, ao mesmo tempo que considera pouco provável poder afastá-la totalmente da vida internacional, registrava no item IX: “represálias são exceção dolorosa, mas inevitável, em certos casos, ao princípio geral de equidade, segundo o qual o inocente não deve sofrer pelo culpado”. Dentre os defensores da linha positivista, ressalta M. CHEMILLIER-GENDREAU (1991) 527 a resistência à aceitação da equidade como fonte do direito internacional, e afirma ser este “conceito ideológico, necessário ao direito”, justamente no papel de princípio: “as dificuldades da doutrina são confissão a respeito da verdadeira natureza do direito. Se é preciso corrigi-lo, por meio de princípios equitativos, isso quer dizer que o direito, em sua formulação original, não é equitativo. A partir daí não mais se pode dizer que a norma realiza a justiça, ao formular obrigações de comportamento, para os diferentes sujeitos de direito, apesar das apresentações feitas, em relação ao direito divino, ao direito natural e ao direito da solidariedade social” 528. Seja como for, embora controvertida, a equidade tem tido aceitação cada vez maior, com o objetivo de garantir decisões pautadas nos conceitos de justiça e ética. Estes valores maiores, de caráter constitucional, inclusive para a sociedade internacional, não podem ser negligenciados como vagos e dotados de conteúdo pouco preciso. 1.3.7. resoluções emanadas das organizações internacionais como fonte do direito internacional No estudo das fontes do direito internacional, referência especial deve ser feita às resoluções de organizações internacionais. M. SIBERT (1934) 529, já o fazia, e H. Thierry 530 estuda-as em relação às conferências internacionais, com especial ênfase nas resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU), cuja importância no desenvolvimento do direito internacional não pode ser ignorada. As resoluções não figuram expressamente na enumeração do artigo 38 do Estatuto da Corte, mas de longa data se reconhece que podem ser invocadas como eventual manifestação do costume. A importância das resoluções e declarações tem sido analisada pela doutrina, mas na prática é difícil estabelecer regras genéricas, capazes de abranger todas as hipóteses. Durante as discussões em São Francisco, aventou-se a possibilidade de dar à Assembleia Geral funções legislativas, mas a iniciativa não logrou aceitação, o que não tem impedido a tentativa de alguns membros, por meio da aprovação de declarações, de atribuir erroneamente valor normativo a estas. Na análise das recomendações é necessário distinguir entre duas hipóteses: ou a regra existia, antes da intervenção das Nações Unidas, e a ação da Assembleia Geral equivale a reconhecimento dessa regra pela organização ou então a regra ainda não existia, e a resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas como tal não obriga os estados-membros. Em compensação, ela exerce certa pressão política sobre os estados; se estes se conformarem com a pressão, uma prática pode desenvolver-se e resultar depois de algum tempo na consciência de que existe obrigação jurídica, que pode dar origem ao nascimento de costume. Tem-se atribuído especial importância à prática seguida de invocar repetidamente na AGNU determinadas resoluções. Não há dúvida de que a pressão política poderá acabar por criar opinio juris, surgindo daí costume legal. Mas a repetição só terá essa consequência se esta corresponder ao sentimento da maioria dos membros da organização. A repetição não é necessária quando se tratar de nova situação, provocada na maioria dos casos pela ciência e pela tecnologia, que está a exigir solução rápida. Em tais casos, tem-se verificado que a resolução é seguida pela adoção de convenção, que incorpora as regras nela acolhidas531. Para a determinação do conteúdo e da possibilidade de criação de norma vinculante da conduta de sujeito de direito internacional será necessário considerar a intenção de vincular-se por aquela declaração, permitindo caracterizar a declaração como compromisso jurídico. Esse é todo o dilema e a controvérsia em torno do conceito e do conteúdo da soft law. O fenômeno pode ser ilustrado pela Ata Final de Helsinki. Constitui ou não um tratado? Sabe-se que a resposta negativa resulta, ainda nesse caso, da ausência de vontade das partes em se vincularem, ao menos no plano jurídico, tal como esta se manifestou por diversos indícios, dentre os quais a recusa em fazer registrar a ata final. A teoria dos atos jurídicos em direito internacional permitiria determinar, com maior clareza, o que se inscreve no âmbito jurídico e o que escapa deste, bem como pode contribuir para responder às questões, frequentemente colocadas a respeito da pertinência jurídica dessas noções vagas e imprecisas, que estão em voga no direito internacional pós-moderno, tal como a de soft law. Podem ser necessárias, mas continuam pouco claras, quer quanto ao conteúdo, quer quanto aos efeitos: podem ser justificadas enquanto tentativas de explicações que tentam sistematizar a realidade. Na teoria dos atos jurídicos, Paul REUTER (1961) 532 enfatizava “não ser o direito somente produto da vida social, mas, igualmente, o fruto de esforço de reflexão, em que se trata de ordenar os dados, assim recolhidos, em conjunto coerente e tão lógico quanto possível. É o aspecto sistemático do direito internacional, simultaneamente mais importante e mais delicado que o dos direitos nacionais” 533. Para Jean-Paul JACQUÉ (1991) 534, a teoria do ato jurídico, mesmo em se tratando de noção comum aos diferentes sistemas jurídicos, não pode ser captada in abstracto, mas insere-se em determinada ordem jurídica. Se uma manifestação de vontade pode acarretar consequências jurídicas, não se trata, exceto se for isso inscrito no subjetivismo total, em razão das suas características próprias, mas porque a ordem jurídica lhe atribui essa faculdade: para tomar o exemplo do tratado, o encontro de vontades somente produz efeitos jurídicos porque a norma pacta sunt servanda lhe reconhece essa aptidão para criar tais efeitos. Isso muitas vezes é esquecido, em direito internacional, na medida em que o voluntarismo reinante contribui a reverenciar a vontade estatal. A aparição da noção de norma de jus cogens veio mostrar, como parece evidente, que mesmo a vontade dos estados tem de encontrar limites, e que os estados não poderiam atribuir quaisquer efeitos a determinado tratado. Esse é problema de validade, pois, “para que determinado ato jurídico possa cumprir a sua função, é preciso que tire sua validade formal e material da ordem jurídica existente. Não existe teoria dos atos, sem teoria da validade” 535. Mas adverte que se passa, insensivelmente, do ato à norma, e é difícil evitar esse deslize, em razão do próprio vocabulário utilizado: “o termo tratado é simultaneamente utilizado para designar o documento, redigido no curso de negociações, e o objeto do documento, que é a norma por este criada”. Há de se observar a distinção entre o conteúdo e o objeto continente 536. Hans KELSEN (1953) 537 colocara com clareza a distinção entre ato e norma no seu curso geral: “quando dizemos do tratado ser este fonte de direito, temos em vista o ato, criador do direito, o procedimento segundo o qual as normas convencionais são criadas. Mas quando dizemos que tratado foi celebrado, ou então que em razão de um tratado tal estado têm tais obrigações ou tais direitos, temos em vista as normas criadas por procedimento, cujo elemento essencial é o estabelecimento de acordo de vontades. É importante distinguir, claramente, entre o tratado designando ato criador de direito, e o tratado, designando a norma criada por tal ato, pois a confusão dos dois significados da palavra tratado é a fonte de numerosos erros e mal entendidos, na teoria tradicional do tratado” 538. Essa visão das coisas conduz à rejeição de qualquer doutrina que desconheça o concurso de componente de ordem moral – a justiça – na constituição da norma jurídica. Ora, a noção da justiça é de ordem universal. Doutrina errônea pode negligenciá-la ou afastá-la; esta se impõe na prática, embora às vezes travestida, adverte A. FAVRE (1974), na linha de G. Van der MOLLEN (1958), Ch. ROUSSEAU (1964), Ch. De VISSCHER (1970) e O. J. LISSITZIN (1965) 539. Certo é importar que o direito seja justo, ou seja, conforme à razão e à natureza das coisas. Existem matérias em que a relação entre a norma e o fato se impõe espontaneamente (por exemplo, no direito aeroespacial) 540, e outras que são de caráter muito técnico e, normalmente, não exigem recurso direto às normas de conduta moral (por exemplo, o telégrafo e, a partir deste, todos os desenvolvimentos ulteriores nos meios de comunicação, inclusive eletrônicos). Estas podem ser vistas e mantidas como conjuntos de normas “técnicas”. Em todas as questões centrais, fundamentais ou vitais, como se prefira denominá-las, o acordo geral sobre os princípios é indispensável, na falta do que as mais belas regras jurídicas não passarão de enunciados destituídos de eficácia. Aí se põem os limites da implementação do direito internacional541. Em matéria de proteção internacional dos direitos fundamentais quanto se pode dizer esteja efetivamente assegurada a aplicação da Declaração Universal de 1948 e do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966, para a proteção desses direitos? O que significa, para alguns, a norma de não ingerência nos assuntos internos dos estados? A causa principal da ONU não está justamente no fato de que alguns estados a veem como instrumento a serviço de sua política nacional? Ignora-se que a ação tendente à promoção do Terceiro Mundo seja freada não somente por interesses, mas também por questões ideológicas, em que a substituição dos conceitos da Guerra Fria – como ainda expunham R. H. CARPENTER Jr. e L. N. ORLOV, em 1990 542 –, pelos do atual conflito de civilizações pouco ou nada alteram as consequências práticas de tal imobilismo, alimentado pelas propagandas ideológicas conflitantes? Não se vê ser a falta de acordo sobre valores éticos que refreou o avanço das tentativas de controle sobre armamentos? Em suma, para A. FAVRE, “os graves problemas do direito da guerra e da paz somente podem ser resolvidos mediante o mesmo espírito de justiça. Direito das gentes mundial somente pode ser edificado sobre lei moral universal” 543. São justamente esses valores universais que batem em retirada ante as iniciativas norteadas por políticas de poder e de dominação. Algumas lições podem ser tiradas do tempo da assim chamada “Guerra Fria” (1949-1989) para compreender o que vêm em curso a partir deste tempo presente 544. Mais que as ideologias, consideram Daniel BELL (1960, ed. 1980) 545, F. M. WATKINS e I. KRAMNICK (1979, ed. 1981) 546 e Celso D. de Albuquerque MELLO (1984, publ. 1985) 547 o papel e o peso da divisão do mundo em blocos e dos alinhamentos automáticos, no interior destes, durante as décadas da Guerra Fria: “a sociedade internacional após a segunda guerra mundial apresenta algumas constantes e outras variáveis”, em que “dentro de uma visão política podemos dizer que ela apresenta dois cortes, ou seja, um vertical e outro horizontal, isto é, o leste-oeste 548 e o norte-sul” 549: “no direito internacional este conflito não vai ter maior repercussão. Fala-se em direito internacional capitalista e direito internacional socialista, contudo nenhuma codificação essencial é consagrada na ordem jurídica, a não ser a condenação ao colonialismo e a consequente afirmação do direito de autodeterminação, que jamais foi estendida 550 de modo pleno pelos líderes dos dois grandes blocos e seus aliados”. “O norte-sul é o conflito que maior número de modificações tem trazido ao direito internacional público. Este jamais esteve em vias de sofrer uma transformação tão profunda quanto no momento atual”. Observava ainda C. D. A. MELLO (1984, publ. 1985): “os doutrinadores dos países ricos que receiam o ‘caos’, costumam rotular o momento com que nos defrontamos de crise do direito internacional. Enquanto que, para os internacionalistas com uma visão do terceiro mundo, o “caos” era o direito internacional clássico, que sempre permitiu a dominação e a expropriação dos pobres pelos ricos” 551. Lucidamente 552, embora ainda durante o período de vigência modelo, C.D.A. MELLO apontava as fissuras e as inconsistências553, pois, segundo o autor, “a luta contra o desse colonialismo, que todo o Terceiro Mundo apoiou, sempre teve para os supergrandes uma razão fundamental: afastar a Grã-Bretanha e a França da posição de grandes potências; ou ainda, continuariam grandes potências, mas não seriam supergrandes. A diferença ideológica entre os blocos capitalista e socialista não vai se manifestar no direito internacional, sendo suficiente recordar que os Estados Unidos da América aceitaram um tratado afirmando que o princípio da coexistência pacífica é um dos princípios fundamentais das relações internacionais contemporâneas554, bem como que a mais recente obra de direito internacional público, publicada na União Soviética e divulgada no Ocidente, coordenada pelo professor TUNKIN555, afirma que o direito internacional público não tem ideologia, e que ele é simplesmente formado por normas de conduta, e que para ele existir não é necessário que haja comunhão ideológica” 556. “Façamos um estudo desta matéria. É de se notar que ela é uma consequência da descolonização, ou seja, de acederem à independência países afro-asiáticos com líderes que têm uma cultura não cristã-ocidental e capitalista. O direito internacional que estes países encontraram regendo a sociedade internacional não atendia aos seus interesses.” Por isso, segundo apontava C. D. A. MELLO, “reivindicações são formuladas, especialmente nas organizações internacionais e dentro delas, na Assembleia, ou Conferência, isto é, no órgão onde há uma igualdade entre os membros e onde todos os estados estão representados. Eles são o Terceiro Mundo que, como já foi assinalado do ‘terceiro estado’ da Revolução francesa, reivindicam o direito de participar nas decisões, que vão reger as relações internacionais”. “De qualquer modo, é necessário assinalar que nem sempre há, por parte do denominado Terceiro Mundo reivindicações uniformes e homogêneas. Pelo contrário, devido à multiplicidade de ideologias, sistemas políticos e econômicos, eles não formam um bloco unido, isto é, que possa exercer uma pressão eficaz. Em consequência, há uma politização do direito internacional, devido ao afrontamento entre os dois direito internacional, o clássico e o novo. Significa isso que está morrendo o direito internacional sem que surja um novo. O Terceiro Mundo domina as comissões que elaboram o direito internacional, como a Comissão de Direito Internacional, a Comissão de Direito Comercial Internacional, o Comitê do Fundo dos Mares e UNCTADs. É de se observar que tais comissões não têm o poder de decidir, no sentido jurídico, isto é, de aprovar normas que serão obrigatórias. Assim, o método utilizado por tais países tem sido a aprovação de declarações, recomendações, as quais têm um valor político e moral. Acresce, ainda, que elas dão legitimidade às reivindicações desses estados, ou, talvez, venham a se transformar, no futuro, em costume internacional. O velho problema do direito internacional, que não desenvolveu critérios precisos para distinguir o jurídico do não jurídico, é agravado no atual momento histórico” 557. Justamente não é o dado menos interessante do direito internacional o fato de este comportar grande número de questões controvertidas. Agregue-se a isso seu período de transição vivido, também como período de experimentação, mostrando o direito internacional em ação nas instituições e nos mecanismos de implementação: a ênfase na atuação da Corte Internacional de Justiça, da sistematização do Instituto de Direito Internacional e da reflexão da doutrina. A sistematização das práticas dos estados muitas vezes dependerá das amostragens feitas pelos seus representantes nacionais558. Caberá, inexoravelmente, indagar: até que ponto tais não serão seletivas?559. A convivência entre o velho e o novo modelos de ordenação da convivência entre estados nem sempre é pacífica. Simultaneamente há recorrências ou avanços, seja em sentido positivo, rumo a institucionalização crescente, que poderia levar de direito internacional da cooperação para direito internacional da integração; seja em sentido negativo, tendendo a negar os pressupostos e a validade de qualquer regulação legal da convivência entre unidades políticas soberanas, reduzindo a interação entre estados às relações de força e equilíbrio de terror, baseado na ameaça e no uso da força. Falar em direito internacional pós-moderno, e da condição deste entre técnica, espírito e utopia visa, justamente, situar essa dimensão intrinsecamente internacional, inexoravelmente presente no mundo interdependente, e os modos possíveis de ordenação da convivência entre os estados. Entre o progresso possível, para patamares de regulação institucional e normativa internacional, mais abrangente e mais vinculante, e as recorrências dos modelos os mais primitivos, encontra-se, hoje, o mundo: esta é a crise da pósmodernidade e ai se há de inscrever o papel e a atuação do direito internacional pós-moderno. Antonio CASSESE (1984) 560 fala em quatro grandes problemáticas do direito internacional pós-moderno: (I) as divisões existentes no seio da comunidade internacional, nos planos ideológico, político e econômico, com os seus reflexos no campo do direito: isso configura o caráter não homogêneo da atual comunidade internacional e do direito que a regula – pode ter terminado a Guerra Fria 561, mas permanecem as divisões, com formulação diversa, mas não menos marcantes; (II) coexistência nessa comunidade internacional de dois grandes modelos político-normativos, compreendendo a formatação inicial das origens da sociedade internacional, o “modelo de Vestfália” (1648) permanece intocado até a primeira e conserva elementos até a segunda guerra mundial, e o atualmente afirmado “modelo da Carta da ONU” 562; (III) papel do direito na comunidade internacional: quanto pesam os preceitos jurídicos, nas decisões dos estados? Até que ponto todo o riquíssimo instrumental de normas e de instituições jurídicas atualmente existentes guia efetivamente a conduta dos sujeitos? (IV) contraste entre os velhos e os novos “atores” da comunidade internacional: uma vez que os estados soberanos ainda são os protagonistas, pode-se dizer que os indivíduos, os povos e as organizações internacionais conseguiram desempenhar algum “papel relevante”? Em caso afirmativo, será este tão somente o de “coadjuvantes”? A comunidade internacional é, ainda, regida somente pelos “governantes”, ou os “governados” doravante têm algo a dizer e a ser ouvidos? A construção do quadro jurídico, regulador do contexto internacional, tem essa combinação, entre técnica e espírito, permanentemente testada, até os limites da viabilidade do modelo. A adequação desses dados terá de ser aferida empiricamente. Agregada aos dois dados precedentes, a dimensão da utopia 563. Os atos emanados das organizações internacionais, como fontes do direito internacional, inscrevem-se nessa dimensão de mutação de paradigma de atuação do direito internacional pósmoderno. A exata configuração de sua extensão e de sua aplicação como fonte de direito internacional ainda tem de ser consolidadas. 1.3.8. atos unilaterais dos estados como fonte de direito internacional Sob diversas modalidades, os atos unilaterais dos estados são frequentes na vida internacional. Sua forma, seu conteúdo e seus objetivos podem ser extremamente variados, como ressalta Krzy sztof SKUBISZEWSKI (1991) 564. A diversidade dos atos unilaterais e das modalidades de sua realização constituem fenômeno consentâneo com a estrutura e o funcionamento da sociedade internacional, em seu estágio atual de institucionalização. Significativo referir, ainda que de forma sucinta, o papel e alcance dos atos unilaterais e a possível obrigatoriedade destes em direito internacional, como abordam G. BISCOTTINI (1951), J. DEHAUSSY (1965), E. SUY (1960), G. VENTURINI (1964) e E. ZOLLER (1977) 565, em relação à questão do estado como sujeito e objeto do direito internacional. Bem ilustrariam a questão dos atos unilaterais dos estados, dentre outros, os casos do Estatuto Jurídico da Groenlândia Oriental (1933) 566, na Corte permanente de Justiça Internacional, e o dos testes nucleares franceses (1974) 567, na Corte Internacional de Justiça. Dada a natureza do direito internacional e o processo de formação de suas regras, torna-se relevante abordar várias faces dos atos jurídicos unilaterais, seus critérios de validade e quando são efetivamente internacionais. Diversas interpretações são possíveis quanto ao ato unilateral e especificamente em relação à promessa no direito internacional. No caso do Estatuto Jurídico da Groenlândia Oriental (1933) 568, a Dinamarca, em oposição à pretensão norueguesa de ocupar a faixa costeira do litoral oriental da Groenlândia, argumenta a soberania exercida de longa data e manifestada de diversos modos, inclusive com expressa aceitação em declaração do ministro norueguês Ihlen, em 22 de julho de 1919. Tendo a Noruega interesse em consolidar sua posição de soberana em relação ao arquipélago do Spitzberg, em abril de 1919, obtém esse país declaração do governo dinamarquês no sentido de que este não manifestaria objeção nem se oporia às aspirações norueguesas, a ponto de a Dinamarca não ter no Spitzberg qualquer interesse conflitante com a Noruega. Em julho de 1919, na altura em que a Comissão da Conferência de Paz iria examinar a questão relativa ao Spitzberg, a Dinamarca reitera não ter qualquer objeção às pretensões norueguesas. Fazendo conhecer tal declaração ao ministro das Relações Exteriores da Noruega, Sr. Ihlen, em Cristiânia, hoje Oslo, o ministro dinamarquês deveria assinalar: (I) “que o governo dinamarquês, desde certo tempo, buscava obter o reconhecimento, pelo conjunto das potências interessadas, da soberania da Dinamarca sobre toda a Groenlândia e da intenção de colocar tal questão, perante a referida comissão” (da Conferência de Paz, em Paris); (II) “que o governo dos Estados Unidos da América tinha feito declaração segundo a qual este não se oporia a que o governo dinamarquês estendesse a sua soberania, bem como seus interesses políticos e econômicos, ao conjunto da Groenlândia”; (III) que entendimentos visando declarações semelhantes eram conduzidas pela Dinamarca junto às quatro principais potências aliadas e associadas; e (IV) “que o governo dinamarquês acreditava poder contar que tal extensão tampouco encontraria dificuldades por parte do governo norueguês” 569, conforme entendimento expresso em memorando de 18 de janeiro de 1921, dirigido pelo governo dinamarquês ao governo norueguês, e entregue pela legação dinamarquesa, em Cristiânia. Além de retomar a questão do Spitzberg, e das garantias dadas em 1919 pela Dinamarca de que esta não se oporia às pretensões norueguesas sobre tal região. Quanto ao fato de que a Dinamarca buscava assegurar que a extensão da soberania dinamarquesa sobre o conjunto da Groenlândia não encontraria dificuldades por parte da Noruega. O memorando contém referência à declaração do ministro IHLEN, mas indica que essa declaração fora puramente verbal, e a Dinamarca desejaria receber confirmação por escrito. O documento concluía pedindo declaração escrita, constatando que o governo norueguês reconhecia a soberania dinamarquesa sobre toda a Groenlândia. Os advogados dinamarqueses invocaram a declaração Ihlen para alegar que teria ocorrido reconhecimento da soberania dinamarquesa, existente sobre a Groenlândia. A Corte declarou não poder aceitar essa interpretação570 sem levar em conta as circunstâncias e o contexto em que estariam inscritos os entendimentos em curso entre os dois governos. Mais adiante, a Corte Permanente de Justiça Internacional deduziu o que considerava ser o caráter incondicional e definitivo dessa declaração571: “decorre do compromisso, implicado dos termos da declaração do Ministro Ihlen, de 22 de julho de 1919, encontrar-se a Noruega na obrigação de não contestar a soberania dinamarquesa sobre o conjunto da Groenlândia, e, a fortiori, de abster-se de ocupar parte da Groenlândia” 572. A decisão da Corte Internacional de Justiça nos casos dos Testes Nucleares Franceses (1974) 573 não foi apta a ensejar retomada de atenção para os atos jurídicos unilaterais estatais, e o estudo dos atos das organizações internacionais não foi situado, exceto por raros autores, em contexto mais amplo que o âmbito específico daquelas organizações574. Contudo, a controvérsia sobre o valor jurídico das resoluções das organizações internacionais ou as discussões sobre as diferenças entre resoluções e convenções amplamente abriram o caminho para reflexão mais ampla. Em se tratando de ordenamento jurídico como o internacional, no qual tem a vontade papel primordial, a reflexão sobre o ato jurídico é determinante, porquanto o estudo dos atos dá-se com a análise dos instrumentos por meio dos quais o direito positivo permite à vontade dos sujeitos de direito internacional ser criadora, e produzir efeitos jurídicos. Assim, para J.-P. JACQUÉ, desenvolver uma teoria dos atos seria buscar os meios de isolar, em meio à massa de comportamentos imputáveis aos sujeitos de direito internacional, quais comportamentos se inscrevem no direito internacional, e quais podem produzir efeitos jurídicos575. A adoção das regras normativas internacionais em boa medida pauta-se pela avaliação da sua conveniência e oportunidade. Os estados, em boa medida, servem--se das regras internacionais, na medida em que estas lhes convenham, mas mostram-se muito propensos a descartá-las ou limitar-lhes a incidência, na medida em que lhes pareça atentarem as regras de direito internacional contra as suas prerrogativas de estado, ciosamente “soberano e independente”. Segundo Hans MORGENTHAU (1958) 576, o direito internacional não teria desenvolvido critério para distinguir, de modo objetivo, as regras de direito internacional que sejam e as que pareçam ser válidas, de modo que Aga KHAN contrapõe a esse entendimento (1985) 577 as bases éticas para o direito e a sociedade. Cumpre constatar quanto lutaram os estados em nome da soberania, cujo futuro analisa J. K. BLEIMAIER (1993) 578, da independência, da não ingerência nos assuntos internos, para não falar das mais cruentas e tantas vezes efêmeras empreitadas579 em nome de conquista e manutenção de território580 e recursos os mais variados, de cursos d’água a jazidas minerais e petróleo, ao longo da história, tudo isso em nome de pretensões hegemônicas mais ou menos superadas, em mais ou menos longos intervalos de tempo. Boa parte desta história é a história dos estados, e esta não prima pela beleza nem pelo equilíbrio. Mas à humanidade como um todo cabia pagar pelos desmandos dos estados. Curiosamente, o mundo atual mostra-nos quadro diverso, na medida em que vem mudando de forma rápida a configuração do contexto internacional, onde, todavia, sem se poder saber qual modelo virá ser configurado para o futuro, pode-se ver passarmos para contexto internacional menos estruturalmente marcado pela estatalidade das relações internacionais. Tanto lutaram os estados uns com os outros para se verem desalojados de seu papel de primazia, não uns estados por outros, mas por forças não estatais, que atuam de modo cada vez mais marcante no contexto internacional. Na busca do fundamento do direito internacional581 pósmoderno, há de se fazer a determinação dos sujeitos sobre cuja atuação essas normas deverão regular. São evidentes a necessidade de regular a vida internacional e os parâmetros, considerados válidos e aceitáveis, para a interação entre os sujeitos de direito internacional. A liberdade dos estados tem limites, colocados pelas normas de direito internacional, mas estes conservam considerável extensão de discricionariedade de ação, sem incorrer em ilícito internacional. Nesse vasto domínio, podem eles agir conforme as suas políticas nacionais, e adotar, unilateralmente, decisões que terão impacto sobre as suas relações com outros estados. Daí a importância dos atos unilaterais no funcionamento da sociedade internacional. 1.4 CODIFICAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL No século XIX ocorrem as primeiras importantes tentativas de codificação do direito internacional, sobressaindo nesse particular os projetos de Fliore e de Bluntschli. Em 1902, graças à proposta de José Higino, na Conferência Internacional Interamericana, realizada na Cidade do México, teve início o trabalho de codificação interamericano. O movimento foi coroado de êxito, tanto assim que em 1928 foram assinadas em Havana a Convenção sobre Direito Internacional Privado (o Código Bustamante), bem como diversas convenções de direito internacional, todas elas baseadas no projeto elaborado por Epitácio PESSOA. O desenvolvimento do direito internacional foi uma das preocupações da Sociedade das Nações (SdN), que criou em 1924 a comissão de peritos, esta encarregada de verificar o que poderia ser feito no campo da codificação. Diversos projetos foram preparados e, em 1930, reuniu-se na Haia a Primeira Conferência de Codificação do Direito Internacional, quando três tópicos foram abordados: conflitos de nacionalidade; águas territoriais; e responsabilidade por danos a bens de estrangeiros. Foi, contudo, tentativa prematura, tanto assim que a conferência foi considerada um fracasso, embora a Convenção sobre Conflitos de Nacionalidade (ratificada pelo Brasil) tenha sido assinada. A segunda guerra mundial marcou o fim da SdN e a transição desta para o sistema da Organização das Nações Unidas. O projeto de Dumbarton Oaks, que serviu de base à elaboração da Carta das Nações Unidas, silencia quanto ao direito internacional, mas durante a Conferência de São Francisco, de 1945, referência ao direito internacional foi incluída graças às pequenas potências. A Carta, ao enumerar as atribuições da Assembleia Geral, dispõe no artigo 13 o seguinte: “promover a cooperação internacional no terreno político e incentivar o desenvolvimento progressivo do direito internacional e a sua codificação”. O passo seguinte foi a criação da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas (CDI) com o objetivo duplo de tratar da codificação do direito internacional e de seu desenvolvimento progressivo. Os primeiros anos da CDI foram tumultuados pela Guerra Fria e com recomendações da Assembleia Geral em que as preocupações políticas criaram numerosos e relevantes obstáculos ao seu funcionamento. Charles de VISSCHER, antigo juiz da CIJ, escrevia em 1955 que “hoje em dia as possibilidades de uma codificação do direito internacional num ambiente universal são nulas. O abismo entre as concepções jurídicas que se defrontam no seio da AGNU, mesmo no tocante aos problemas mais fundamentais, é tal que toda nova iniciativa dessa espécie deve ser considerada perigosa para o progresso do direito internacional”. Do mundo da Guerra Fria, passamos ao mundo dividido pelo conflito de civilizações, tornando igualmente questionável a viabilidade e alcance de tentativas de codificação de caráter universal. Ao mesmo tempo, a consolidação de bases comuns mais que nunca se faz necessária, para evitar o acirramento dos conflitos e agravamento das tensões internacionais. Os fatos, contudo, vieram demonstrar que o pessimismo não se justificava, pois, num primeiro estágio, com a criação da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas (CDI), teve início fase altamente produtiva, de que resultou uma série de importantes convenções, a maioria assinada em Viena, bem como a Convenção sobre o Direito do Mar de Montego Bay , em 1982582. Condicionada pela multiplicação do número de sujeitos e vertiginosa ampliação temática, na história do direito internacional do século XX e início deste, ao menos três vertentes podem ser destacadas: – consideráveis realizações de consolidação e de codificação internacional, como ilustrariam o direito do mar, o direito aeroespacial, e todas as grandes codificações alcançadas; ao lado de – legado problemático de temas, como a dificuldade em coibir o uso unilateral da força e assegurar a efetividade da norma internacional, para o conjunto dos estados, onde avanços ocorreram, mas o saldo ainda é questionável; e – (terceira) vertente de temas e áreas em que, todavia, se constroem as normas, e as situações não se acham consolidadas, como seria exemplo a sucessão de estados. Entre as situações consolidadas, como em relação à primeira vertente e à segunda, em que a realidade impõe tão claramente limites a qualquer pretensão de regulação jurídica internacional, será justamente na terceira vertente na qual podem ser alcançados progressos, na medida em que se consolidem normas e procedimentos. Justamente em relação a tal vertente temática (work in progress) pode exercitar-se de modo construtivo a reflexão teórica e, quiçá, contribuir, de modo válido583. 1.4.1. Convenção de Viena sobre relações diplomáticas (1961) A Convenção de Viena sobre relações diplomáticas, de 1961, pode ser considerada um dos mais bem-sucedidos exemplos de codificação do direito internacional. Vários fatores contribuíram para isso, sobressaindo a circunstância de o direito costumeiro a respeito já haver atingido um alto grau de consolidação. É sintomático que algumas das regras básicas codificadas em 1961 não provocaram maiores debates, tal a convicção dos delegados de que o projeto elaborado pela CDI correspondia ao direito existente 584. Dentre as modificações substanciais feitas, cumpre mencionar a reação da Conferência à orientação liberal acolhida pela CDI no tocante aos beneficiários das prerrogativas diplomáticas e ao conceito amplo dado à noção de liberdade de comunicação quanto à utilização de aparelhos radiofônicos. A incumbência mais importante da Conferência de 1961 foi a de determinar as prerrogativas e imunidades diplomáticas, havendose verificado um inesperado consenso quanto a sua enumeração e mesmo em relação a sua abrangência. As divergências surgiram na determinação dos beneficiários, pois, ao passo que as grandes potências se batiam pela concessão ao pessoal administrativo e técnico e às suas famílias dos mesmos privilégios e imunidades reconhecidos aos agentes diplomáticos, a maioria das delegações foi contrária a semelhante orientação, que iria colocar número excessivo de pessoas em situação privilegiada em relação ao direito local. O artigo 37 da Convenção espelha uma emenda brasileira no sentido de incluir o pessoal administrativo e técnico numa categoria à parte, à qual se reconhece imunidade de jurisdição penal, uma relativa imunidade de jurisdição civil e administrativa, e isenção alfandegária para os objetos destinados à primeira instalação585. O projeto da CDI estipulava que “a missão poderá empregar todos os meios de comunicação adequados, inclusive correios diplomáticos e mensagens em código ou cifra”. Os termos vagos do projeto davam ao estado estrangeiro o direito de livre uso das estações de rádio, fórmula esta que provocou forte reação da maioria. O texto, finalmente aprovado, condiciona a instalação e a utilização de uma emissora de rádio ao consentimento das autoridades locais. Não obstante os termos claros da Convenção, constata-se que, na prática, esse dispositivo não é respeitado. Na versão inglesa da Convenção, utilizaram-se as expressões sending State e receiving State, expressões cômodas, mas de difícil tradução, inclusive para o francês e o espanhol, duas das línguas oficiais. Por insistência de Gilberto AMADO, a versão brasileira passou a falar em estado acreditante e estado acreditado, expressões que na prática vêm sendo abandonadas, por darem lugar a confusão. A Convenção de 1961 veio consolidar a tendência no sentido do deslocamento da principal responsabilidade diplomática da figura do chefe da missão para a embaixada ou legação, entendida em seu conjunto. De acordo com essa nova filosofia, a expressão agente diplomático perdeu o conceito que lhe era dado: deixou de se referir apenas ao chefe de missão, e passou a abranger todo o pessoal diplomático desta. 1.4.2. Convenção de Viena sobre relações consulares (1963) A assinatura da Convenção de 1961 preparou o caminho para a Conferência sobre relações consulares, que se reuniu dois anos depois, de 4 de março a 24 de abril, em Viena. É impossível desassociar as duas conferências, tanto assim que a CDI, ao elaborar o seu projeto definitivo sobre relações consulares, teve de decidir se continuaria com a orientação seguida no anteprojeto anterior ou se, mesmo discordando em algumas regras da Convenção de 1961, adaptaria o projeto a ele. Acabou por trilhar esta orientação. A adoção da Convenção sobre Relações Diplomáticas como que tornava automática a assinatura da Convenção sobre Relações Consulares, mas, ao passo que na primeira a CDI tivera diante de si uma série de regras relativamente claras e com aceitação generalizada, na segunda o panorama era menos nítido, pois, além do direito internacional costumeiro, a CDI tinha de examinar inúmeras convenções bilaterais, leis internas e usos diversos com o objetivo de preencher os vácuos existentes. O fato é que, ao passo que a Convenção sobre Relações Diplomáticas consta de 53 artigos, a Consular tem 79. Uma das tarefas mais árduas da Conferência foi a de determinar as atribuições consulares. Para algumas delegações a solução seria adotar artigo nos moldes da Convenção de Havana sobre Cônsules, segundo a qual “os cônsules exercerão as atribuições que lhes confere a lei do seu Estado, sem detrimento da legislação do Estado onde desempenham as suas funções”. A outra solução favorece a enumeração detalhada das funções, mas a dificuldade consiste precisamente em saber quais as que merecem ser mencionadas. A solução proposta pela CDI e aceita pela Conferência consiste numa definição geral, complementada pela enumeração exemplificativa, mas não exaustiva, das principais atribuições consulares. O artigo 5 ainda estabelece que outras funções podem ser exercidas, desde que não proibidas pelo estado local ou previstas expressamente em tratado em vigor entre as partes. A determinação da condição jurídica dos cônsules honorários foi difícil não só em virtude da quase inexistência de uma prática generalizada e de opiniões doutrinárias, mas principalmente em decorrência das posições distintas dos países possuidores de grandes marinhas mercantes. Países como a Suécia, a Noruega, a Dinamarca, a Grécia e os Países Baixos, possuidores de importantes marinhas mercantes e que necessitam de pessoas capazes e de certa projeção local em todos os portos, possuem serviços consulares muito bem organizados, mas na base de cônsules honorários. Como o título de cônsul traz consigo determinadas vantagens, além da projeção local, razão por que muitos países buscam restringir o número de beneficiários dos privilégios consulares, verificou-se uma tendência desses países de ser mantido o statu quo. A Convenção adotou alguns artigos assimilativos, em que os privilégios e as imunidades dos cônsules honorários e das repartições por eles chefiadas são análogas às dos cônsules de carreira. Os artigos que reconhecem privilégios e imunidades menos extensas são os discriminatórios. 1.4.3. Convenção de Viena sobre direito dos tratados (1969) A exemplo das Convenções de Viena sobre relações diplomáticas (1961) e consulares (1963), a Convenção de Viena sobre direito dos tratados representa marco relevante e progresso significativo na história da codificação do direito internacional. Mas enquanto na primeira já existia o consenso, que o texto convencional bem soube refletir, e na segunda pôde esse consenso ser construído a partir da prática extensa, mas menos uniforme, dada a diversidade das fontes de regulação e das facetas da atuação consular, no caso da Convenção de Viena sobre direito dos tratados (1969, internacionalmente em vigor desde 1980), a construção do direito internacional em relação à matéria nesta regulada não se fez sem suscitar controvérsias conceituais importantes, como estas, ademais, perduram. Muitos dos dispositivos convencionais já foram examinados ao serem abordados os tratados (cf. supra 1.3.2) e, antes, a questão do conteúdo e do reconhecimento do jus cogens (cf. 1.2 supra). Em relação a ambos já foram feitas remissões a alguns itens relevantes da extensa bibliografia disponível a respeito do tema. Cabe, aqui, somente, considerar a Convenção de Viena sobre direito dos tratados, do ponto de vista, e na sequência dos marcos relevantes, do processo de codificação e do desenvolvimento progressivo do direito internacional, que, posteriormente, terá a sua continuação na Convenção de Viena sobre direito dos tratados entre estados e organizações internacionais ou entre organizações internacionais (1986), também referida como “Viena II” (analisada no item 1.4.7, a seguir). A Convenção de Viena sobre direito dos tratados (1969) aponta o “papel fundamental dos tratados, na história das relações internacionais”, reconhece a importância, cada vez maior, dos tratados, como fonte de direito internacional, e como meio de desenvolver a cooperação pacífica entre as nações, quaisquer que sejam os seus sistemas constitucionais e sociais. Os princípios do livre consentimento e da boa-fé, bem como a norma pacta sunt servanda são universalmente reconhecidos. As controvérsias relativas aos tratados, tais como outras controvérsias internacionais, devem ser solucionadas por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional. Nesse propósito se exprimiria a determinação, das Nações Unidas, em criar condições necessárias à manutenção da justiça e do respeito às obrigações decorrentes dos tratados. Esta Convenção ordena o conjunto da matéria dos tratados entre estados (cf. art. 1º), e o fato de não se aplicar a acordos internacionais concluídos entre estados e outros sujeitos de direito internacional, ou entre estes outros sujeitos do direito internacional, ou a acordos internacionais que não sejam concluídos por escrito, não prejudicará (cf. art. 3º): a eficácia jurídica desses acordos, a aplicação a esses acordos de quaisquer regras enunciadas na presente Convenção às quais estariam sujeitos em virtude do direito internacional, independentemente da Convenção, tampouco a aplicação da Convenção, nas relações entre estados, regulados em acordos internacionais em que sejam igualmente partes outros sujeitos do direito internacional. Será esta Convenção (cf. art. 5º) aplicável a todo tratado que seja o instrumento constitutivo de organização internacional e a todo tratado, adotado no âmbito de uma organização internacional, sem prejuízo de quaisquer normas relevantes da organização586. Outro tópico, igualmente referido, é a questão dos efeitos dos tratados em relação a terceiros estados. “Não inovou sobre o que já se havia antes entendido como norma costumeira, fundada sobre o mais elementar bom-senso”, aponta F. REZEK (2006) 587: “o tratado obriga os estados que manifestaram, em definitivo, seu consentimento, não outros. Pacta sunt servanda, a norma básica do direito dos tratados, visa às soberanias que pactuaram livremente, e tão só àquelas. O terceiro, em relação a certo tratado, assim entendido todo sujeito de direito internacional que nele não seja parte, tem em prol de sua desobrigação a máxima res inter alios acta nec nocere nec prodere potest: o que foi combinado entre outros, a mim não me constrange nem me aproveita” 588. Enunciada a regra geral, a seguir vêm as exceções a esta. Obviamente haverá, como ademais, já se referiu, situações nas quais terceiros indeterminados estarão vinculados em decorrência de matéria pactuada entre terceiros589: uma das quais, situação evidente, a Convenção de Viena sobre direito dos tratados (1969) nem sequer se ocupa, porquanto, às vezes, todo o conjunto da sociedade internacional pode encontrar-se, de algum modo, e sem qualquer manifestação de vontade aquiescente, obrigado pela res inter alios acta, quando um tratado cria ou modifica certa situação jurídica objetiva, formalizando, por exemplo, uma cessão territorial, ou redesenhando a linha de fronteira entre dois países, este produz sobre terceiros em geral um efeito que mais obriga que favorece: “cuida-se de tomar conhecimento da nova situação e de agir em sua conformidade, ainda que apenas para manter em dia o conhecimento da cartografia e portanto da realidade jurídica, na definição da soberania, incidente sobre determinados espaços em dado momento histórico590”. O artigo 35 da Convenção de Viena sobre direito dos tratados cuida, entretanto, de outra espécie de cenário, aquele em que o terceiro é bem definido e em que parecem claras as obrigações por ele assumidas: “tratados que criam obrigações para terceiros estados. Uma obrigação nasce para um terceiro estado de uma disposição de um tratado se as partes nesse tratado tiverem a intenção de criar a obrigação por meio dessa disposição e o terceiro estado aceitar expressamente por escrito esta obrigação”. Adequadamente, cabe indagar: “se o estado terceiro aceita expressamente por escrito obrigações resultantes de um tratado, ele é de fato um terceiro, ou é uma parte, diferenciada das partes originais apenas pela ocasião e pela forma ritual da expressão de seu consentimento?”. O terceiro, de que fala o art. 35, não se confunde, em absoluto, com as partes: “ele é efetivamente obrigado, pelo fato de haver consentido, mas ordinariamente – se assim se pode dizer a respeito de situações não muito comuns – suas obrigações não têm a mesma natureza daquelas dos estados contratantes. São obrigações inconfundíveis com a essência dos deveres recíprocos assumidos pelas partes, visto que consistem num ofício típico de tertius, o de assegurar às partes certa forma de apoio adjetivo, de apoio instrumental” 591. A Convenção de Viena sobre direito dos tratados (1969) teve e tem importância não somente pela adequada regulação da importante matéria que constitui o seu objeto – a regulação dos tratados, celebrados por meio de instrumento escrito, no âmbito interestatal – como também configura etapa relevante no desenvolvimento progressivo da ordem jurídica internacional. O enunciado a respeito das normas cogentes de direito internacional geral (jus cogens), como assinalado, vai além da formulação de viés voluntarista, para aceder ao patamar de reconhecimento de direitos e de obrigações, por natureza, inderrogáveis, contidos no direito internacional pós-moderno e da necessidade destes, como dados basilares para a ordenação dessa comunidade, não somente de estados, mas, progressivamente, abrangendo os demais sujeitos de direito internacional, tais como as organizações internacionais – na forma específica que o virá a fazer a Convenção de 1986 (cfr., a seguir 1.4.7 e, todavia, ainda está por fazer, em relação ao ser humano como sujeito de direito internacional (tal como se abordará na parte 4 infra). 1.4.4. Convenção de Viena sobre a representação de estados nas suas relações com organizações internacionais de caráter universal (1975) A Convenção sobre Relações entre Estados e Organizações Internacionais também teve sua origem nos debates da CDI sobre relações diplomáticas. Foi lembrado à Comissão em 1958 que o desenvolvimento das organizações internacionais aumentara o número e o escopo dos problemas legais e que estes só haviam sido resolvidos parcialmente por intermédio de convenções sobre os privilégios e as imunidades das organizações internacionais592. Em 1959, Abdullah El-Erian foi escolhido como relator especial, mas só em 1971 a CDI elaborou o esboço final, constante de 82 artigos, divididos em quatro partes: Introdução, Missões junto a organizações internacionais, Delegações enviadas a órgãos ou a conferências e Dispositivos gerais. Posteriormente, as conclusões preliminares do relator sobre observadores a conferências internacionais foram, igualmente, submetidas à Conferência, muito embora a CDI não tivesse adotado uma posição definitiva a respeito. Novamente, a Conferência foi realizada em Viena, de 4 de fevereiro a 14 de março de 1975, e esta apresentou algumas características que a distinguiram das demais. Antes de mais nada, pela primeira vez consolidou-se uma prática nociva, ou seja, o voto em bloco, e note-se que a iniciativa não partiu dos países em desenvolvimento, mas sim dos países europeus. Em 1975, as duas correntes que se defrontaram não tinham relação com a Guerra Fria, ou seja, de um lado os países onde havia uma ou mais organizações internacionais — os host States — e, do outro, os demais, ou seja, a quase totalidade dos países em desenvolvimento e os países socialistas. Embora o projeto da CDI fosse considerado razoavelmente satisfatório, verificou-se desde o início o empenho dos host States em modificar grande número dos dispositivos por meio de um trabalho conjunto consolidado por ocasião da votação. Essa tática permitiu àqueles estados algumas vantagens iniciais, mas aos poucos as demais delegações organizaram-se com o objetivo de defender o projeto da CDI, e reverteu-se a situação. Os estados-sede apresentaram emenda que lhes daria o direito de declarar um delegado pessoa non grata, tese esta contrária à prática internacional. Mais tarde também houve a tentativa de incluir regras que propiciassem ao estado-sede o direito de exigir a retirada de um delegado. Como consequência das divergências verificadas e também devido ao pouco tempo de que a Conferência dispunha, o projeto de artigo 54, que previa a inviolabilidade da sede da delegação, não logrou os dois terços necessários, criando uma lacuna na Convenção. Paradoxalmente, a Conferência aprovou o artigo 59, vindo a reconhecer a inviolabilidade da residência particular do chefe da delegação e dos demais funcionários diplomáticos, bem como de seus bens. Segundo regra curiosa que foi adotada pelo artigo 90, depois da entrada em vigor da Convenção, o órgão competente de uma organização internacional poderia adotar uma decisão visando à implementação de alguns de seus dispositivos. Uma das dúvidas enfrentadas pela CDI foi a de determinar quais organizações seriam cobertas pela Convenção. O projeto finalmente adotado, pertinente a organizações de caráter universal, excluiu as organizações regionais. Em 1975, foi submetida à Conferência emenda visando à inclusão das organizações regionais, mas a maioria optou pelo texto da CDI. É importante salientar que a Convenção sobre a representação de estados nas suas relações com Organizações Internacionais de caráter universal ainda não entrou em vigor, visto que ainda não foram depositados os 35 instrumentos de ratificação ou acessão. 1.4.5. Convenção sobre missões especiais (1969) Ao abordar a questão das missões diplomáticas, a CDI concluiu que paralelamente à diplomacia tradicional havia a diplom a c ia ad hoc, que tratava de enviados itinerantes, das conferências diplomáticas e das missões especiais, enviados a outros estados, com objetivos específicos, ou por tempo limitado593. Tradicionalmente tratamento especial sempre foi concedido às missões especiais. Contrariam ente à prática anterior, a AGNU decidiu que o projeto da CDI não seria submetido a uma conferência específica, mas seria examinado pela própria Assembleia, e em 1968 e 1969 coube ao Sexto Comitê considerar o “Esboço de Convenção sobre Missões Especiais”. A entrega ao Sexto Comitê dos artigos propostos, para examiná-los e debatê-los, foi considerada experiência negativa, que não deveria repetir-se. A Convenção sobre missões especiais, que foi dotada pela AGNU, em Nova York594, em16 de dezembro de 1969, entra em vigor em 21 de junho de 1985 595: Nesta, por missão especial se entende “missão temporária, representando o estado, enviada por um a outro estado, com o consentimento deste, e com o·objetivo de tratar de questões específicas ou de executar função específica” 596. A Convenção é aceitável, embora não tenha merecido acolhida calorosa, na prática – porquanto, somente entra em vigor em 1985 – nem foi calorosa a acolhida, por parte da doutrina, pois recebeu, no conjunto, pouca atenção. Da mesma forma que ocorre em relação à missão diplomática, a missão especial será chefiada pelo denominado “head of a special mission”, como “a pessoa, encarregada pelo estado que envia a missão, para atuar nessa capacidade”, enquanto o representante (denominado “representative of the sending State in the special mission”) é qualquer “pessoa à qual o estado, que envia a missão, conferiu tal capacidade”, e os membros da missão especial (denominados “members of a special mission”) compreendem o chefe da missão especial, os representantes do estado que envia, bem como os demais funcionários, integrantes da missão especial, com a especificação ulterior, no sentido de que os membros do staff da missão especial (“members of the staff of the special mission”) serem os membros do corpo diplomático, o pessoal administrativo e técnico, bem como o pessoal de serviço, da missão especial. Cumpre observar a distinção entre os membros do pessoal diplomático da missão, como os detentores de status diplomático, para os fins da missão especial, e os membros do pessoal administrativo e técnico, como os integrantes de missão especial, empregados no serviço administrativo e técnico das missões especiais. Por sua vez, os “membros do corpo de serviço” são os integrantes do staff das missões especiais, empregados no trabalho doméstico, ou tarefas similares, e os funcionários particulares (denominados “private staff”) são as pessoas empregadas, exclusivamente, no serviço particular dos membros da missão especial. O consentimento recíproco e, igualmente, a base sobre a qual repousa o fato de enviar e de receber missões especiais597, bem como a determinação das funções desta 598. Ou o fato de ser cumulativamente enviada a dois ou mais estados a mesma missão especial, ou de ser enviada missão especial conjunta, por dois ou mais estados, a terceiro estado599. A inexistência de relações diplomáticas ou consulares não constitui impedimento para ser enviada missão especial600. Observado o disposto nos artigos 8º, 10, 11 e 12 da Convenção sobre missões especiais (1969), é livre a nomeação de integrantes da missão especial, depois de terem sido informados, ao estado ao qual esta se dirigirá, todos os dados necessários, a respeito do tamanho e da composição da missão especial, particularmente os nomes e as qualificações das pessoas que pretende nomear. O estado, ao qual é dirigida a missão especial, poderá recusar-se a recebê-la, caso considere não razoáveis o seu tamanho e a sua composição, em razão das circunstâncias e condições, do estado que recebe a missão especial, bem como das necessidades daquela missão especificamente considerada. Poderá, igualmente, declinar como persona non grata, e recusar-se a aceitar qualquer pessoa, como membro da missão especial601. O início das funções da missão especial tem lugar quando esta ingressa em contato oficial com o ministério das relações exteriores, ou qualquer outro órgão, do estado que a recebe, tal como acordado602. Tal início das funções da missão especial não dependerá de apresentação, pela representação diplomática permanente acreditada no estado que a recebe, tampouco da apresentação de credenciais ou plenos poderes, nos termos do art. 13 da mesma Convenção (1969). A capacidade de atuar em nome da missão especial, prevê o artigo 14, poderá ser atribuída ao chefe desta, ou a qualquer dos seus integrantes, designado, pelo estado que envia, como capacitado a atuar, em nome da missão especial, e a dirigir comunicações, ao estado que a recebe. O mesmo se dá no tocante às comunicações, emanadas do estado, que recebe a missão especial. As matérias de precedência, de sede da missão especial, da realização de reuniões, pela missão especial, no território de terceiro estado, bem como do uso dos símbolos nacionais, pela missão especial, são reguladas pelos artigos 16 a 19 da Convenção (1969). Conforme prevê o artigo 21, a condição de chefe de estado e outras pessoas de alta posição governamental, integrantes de determinada missão especial, conferirá a estes o reconhecimento das imunidades, dos privilégios e do tratamento, habitualmente dispensado, a tais pessoas, em visitas oficiais. O término das funções da missão especial pode dar-se, inter alia, por meio de: (a) acordo dos estados interessados; (b) ter sido completada a tarefa da missão especial; (c) ter expirado o prazo assinalado, para a duração da missão especial, exceto se for este, expressamente, prorrogado; (d) notificação do estado que envia, quanto a encerrar ou chamar de volta a missão especial; (e) notificação do estado receptor, quanto a considerar este como terminada a missão especial. A ruptura de relações diplomáticas ou consulares, entre o estado que envia e o que recebe a missão especial, não acarreta, necessariamente, o término das missões especiais, existentes na data em que se dê referida ruptura de relações diplomáticas ou consulares. Da mesma forma que ocorre em relação às missões diplomáticas e consulares, o estado, que recebe a missão especial, deverá acordar a esta os meios necessários para o desempenho de suas funções, levando em conta a natureza e a tarefa da missão especial, inclusive assistir os seus integrantes, para conseguir instalações, bem como acomodações adequadas, para os seus integrantes. Aí se inscrevem tanto as habituais concessões de isenção fiscal603, bem como o reconhecimento da inviolabilidade das instalações, dos arquivos e dos documentos da missão especial, bem como a liberdade de locomoção e de comunicação, para todos os fins oficiais da missão especial, nos termos dos artigos 25 a 28 da Convenção (1969), inclusive referente ao malote diplomático. Além da inviolabilidade pessoal dos integrantes da missão especial, e das acomodações privadas destes, estipulam os artigos 29 e 30 da Convenção (1969), inclusive no tocante às imunidades de jurisdição, prevista no artigo 31, e em relação à aplicação da legislação em matéria de seguridade social, nos termos do artigo 32, bem como quaisquer tributos e contribuições fiscais de qualquer natureza, nos termos do artigo 33. Durante o trânsito, através do território de terceiros estados aplicam-se as disposições específicas604. Aos integrantes de missão especial é, igualmente, assegurada a isenção de prestação de serviços pessoais, conforme prevê o artigo 34, bem como do pagamento de impostos de importação e de inspeção de bagagens (art. 35). As mesmas imunidades e tratamento se conferem aos integrantes do pessoal administrativo e técnico (art. 36), pessoal de serviço (art. 37) e empregados particulares (art. 38) da missão especial, no tocante aos atos praticados no exercício de suas funções. Os membros das famílias dos representantes do estado, que envia a missão especial, receberão o mesmo tratamento (estipulado nos artigos 35 a 38 da Convenção de 1969), quando estiverem na companhia dos integrantes desta missão especial, exceto se forem nacionais, ou residentes permanentes, do estado que a recebe (arts. 39 e 40). A duração dos privilégios e das imunidades, pela própria natureza da missão especial, será temporalmente limitada, nos termos do artigo 44 da Convenção (1969). Poderá cessar, ao término das funções. Conforme estipula o artigo 45, deverá ser facultada a saída dos integrantes e a remoção dos objetos da missão especial, ao término desta 605. É possível a renúncia à imunidade, por parte do estado que envia, desde que esta se formule, sempre, de maneira expressa 606. A contrapartida ao reconhecimento da imunidade se exprime na obrigação de respeitar leis e regulamentos do país que recebe a missão especial, não interferir nos assuntos internos do estado, nem utilizar as instalações de maneira incompatível com as funções da missão especial, inclusive no tocante a não serem praticados atos de natureza profissional ou comercial, visando lucro pessoal, pelos representantes, diplomáticos e administrativos, do estado, que envia a missão especial. No tocante à propriedade de membro da missão especial ou de membro da família, em caso de falecimento, prevê o artigo 44 da Convenção (1969), exceto se o de cujus fosse nacional ou residente permanente do estado que a recebe, este permitirá a retirada da propriedade mobiliária, com exceção, ainda, de bem adquirido no país, cuja exportação fosse proibida à época do falecimento. Não serão cobrados tributos sobre a referida sucessão607. Existe dever de não discriminação de tratamento entre integrantes de diferentes missões especiais, por parte do estado que recebe, estipulado pelo artigo 49 da Convenção (1969) 608. Tópicos relativos à ratificação (art. 51), à acessão (art. 52), à entrada em vigor (art. 53), às notificações ao depositário (art. 54) não discrepam da praxe habitual, tal como estipuladas pelas Convenções sobre relações diplomáticas (1961) e consulares (1963) e demais Convenções de codificação do direito internacional. A questão dos textos autênticos se faz segundo as línguas oficiais da ONU, conforme se aplica às Convenções desta emanadas. 1.4.6. Convenções de Viena sobre sucessão de estados (1978 e 1983) Duas conferências foram realizadas em Viena sobre a sucessão de estados: a primeira em 1977-1978 e a segunda em 1983. A questão da sucessão de estados foi incluída na primeira agenda da Comissão de Direito Internacional (CDI), mas não como assunto prioritário. Diante do aumento no número de novos estados e em face do peso na votação na Assembleia Geral do bloco afro-asiático, a CDI foi convidada a iniciar o estudo do problema em profundidade. Um subcomitê, presidido por Manfred Lachs, opinou no sentido de que a Comissão deveria abordar três tópicos, ou seja, a sucessão em matéria de tratados, a sucessão em outras matérias que não os tratados e a participação nas organizações internacionais. A CDI em consequência indicou Sir Humphrey Waldock, como relator para a sucessão em matéria de tratados e o professor Mohammed Bedjaoui para os assuntos outros que não os tratados, mais tarde limitados à sucessão em matéria de bens, de arquivos e de dívidas. Sir Humphrey Waldock tinha a seu favor a circunstância de haver sido o relator das negociações que resultaram na bemsucedida Convenção sobre o direito dos tratados de 1969. A M. Bedjaoui coube tarefa mais ingrata, não facilitada pelas ideias que enunciou logo em seu primeiro relatório, como, por exemplo, que se deveria dar prioridade à sucessão resultante da eliminação do colonialismo, ao contrário do tipo tradicional; que os esforços não se deveriam limitar à codificação de textos em desuso, e muito menos daqueles textos que se haviam tornado letra morta, visto que isto não seria reflexo da prática internacional atual; e, também, que, como a descolonização era fenômeno que deveria evoluir rapidamente, a CDI não se deveria preocupar com soluções abortivas ou precárias. Foi ainda mais longe ao afirmar que as resoluções sobre autodeterminação e colonialismo da Assembleia Geral das Nações Unidas eram de cumprimento obrigatório pela Comissão e deveriam orientar os seus trabalhos. Embora se trate de questão sumamente complexa, houve no passado tentativas de formular regras genéricas sobre a sucessão capazes de solucionar as questões supervenientes. As Convenções de Viena seguiram a tendência mais generalizada, ou seja, a de rejeitar a noção de sucessão; a questão é de soberania sobre o território609: os direitos do estado sucessor decorrem do direito internacional, e com a extinção do estado ocorre uma tábula rasa. É preferível analisar separadamente as várias hipóteses de sucessão, tendo em vista os problemas desta decorrentes, como em matéria de tratados, de bens, de arquivos, de dívidas, da legislação e da nacionalidade, bem como as consequências do surgimento de novo estado e a situação deste em face das organizações internacionais. As duas Convenções de Viena adotaram outra orientação ao examinarem separadamente cinco hipóteses: a) transferência de parte do estado, sem que isto afete a personalidade dos dois estados, ou seja, ambos continuam a existir; b) surgimento de estado de independência recente (newly independent States); c) união de estados; d) separação de parte ou de partes de um estado, com a consequente formação de novo estado; e) dissolução de estado. Ressalta José Antonio PASTOR RIDRUEJO em seu curso geral na Haia (1998) 610 “a sucessão de estados: “tema clássico, com certeza, mas que foi preciso atualizar nesta última década do século XX, depois dos eventos ocorridos na região da Europa Central e Oriental” 611. A prática recente mostrou a diversidade dos desdobramentos possíveis do tema, bem como evidenciou o escasso interesse que se demonstrara, durante a negociação e celebração das duas Convenções de Viena (1978 e 1983), considerando serem estes temas do passado, que teriam ficado superados pelo fim do ciclo da descolonização afro-asiática. No entanto, mostraram-se atuais e necessários diante do fim da guerra fria e da reformulação do mapa da Europa, permitindo-se “guiar os estados interessados, tanto em suas negociações como na elaboração de legislação, em caso de ausência de dispositivos contidos em tratados” 612. Tudo isso levou à retomada do tema, pela CDI, inscrevendo, em sua ordem do dia, em 1993, a questão da nacionalidade das pessoas físicas em caso de sucessão de estados613. Aí se inscreve vertente da temática da sucessão de estados com consequências diretas sobre direitos fundamentais do homem, ou seja, evidência adicional da pertinência e da relevância, como da atualidade e da necessidade do tema. O tema da sucessão de estados em direito internacional permite, justamente, examinar a intersecção entre as bases consolidadas do direito internacional clássico, estas abaladas pelos desenvolvimentos do contexto internacional desde a independência das ex-colônias das Américas entre o final do século XVIII (Estados Unidos) e o início do século XIX (entre 1810 e 1825, o conjunto das ex-colônias espanholas na América Latina e o Brasil), bem como das supervenientes mudanças subsequentes à primeira guerra mundial, e, como marcos da pós-modernidade, dois grupos de casos das últimas décadas, na descolonização, posteriormente à segunda guerra mundial, mas, sobretudo, nos últimos vinte anos. A explicação dos fenômenos já traz desafios. Ressalta V.-D. DEGAN (1996) 614: “sob o termo “sucessão de estados” poder-se-ia facilmente compreender conjunto ou mesmo sistema de normas jurídicas, regentes das consequências das mutações territoriais. Contudo, para as diferentes causas que serão debatidas, não existe todavia tal sistema completo de normas jurídicas, ainda que de lege ferenda. É, assim, mais preciso dizer que a sucessão de estados é uma situação (ou nova situação) à qual se aplicam as normas já existentes do direito internacional geral. Esse direito geral é, outrossim, demasiadamente pobre em normas específicas, para resolver antecipadamente os problemas de sucessão de estados, que podem surgir da prática”615. Em suma, poucas normas consuetudinárias do direito internacional geral apareceram, para reger os problemas específicos da sucessão de estados. Quase todas as que se tornaram suficientemente generalizadas, na prática anterior, e em relação às que se poderia pretender terem sido aceitas como a expressão do direito (communis opinio juris), nessa matéria, tem o caráter de jus dispositivum. Estas normas, em sua maioria, reportam-se a diferentes acordos das partes interessadas616. A sucessão de estados, em absoluto, não se limita à sucessão em matéria de tratados, tampouco à sucessão em matéria de bens, arquivos e dívidas de estado. Cada uma dessas matérias foi objeto de tentativas de codificação, nas Convenções de Viena (de 1978 e 1983) 617, mas espraiou-se, por outros campos, ainda que pertinentes ao tema, quer formalmente incluídos ou não. No entanto, essa questão tem de ser resolvida, assim como a já mencionada dimensão do tema em direito humano fundamental, com as questões de nacionalidade dos habitantes dos territórios transferidos de uma soberania para outra, e também em relação aos direitos adquiridos de particulares, em caso de sucessão de estado – com entendimento jurisprudencial, emanado da Corte permanente de justiça internacional, no sentido afirmativo –, bem como para os contratos e as dívidas privadas, a sucessão em matéria de atos administrativos, legislativos e judiciais do estado predecessor, além da sucessão quanto à participação nas organizações internacionais. O escasso sucesso alcançado pela primeira das duas tentativas de codificação, na Convenção de Viena de 1978 e, todavia, nem sequer em vigor, no caso da Convenção de 1983, segundo PASTOR RIDRUEJO (1998) 618, pode ser explicado pelo sentimento geral de que “essencialmente a sucessão de estados era fenômeno que pertencia ao passado, mais que ao futuro”, onde“o fim da Guerra Fria e a remodelação do mapa da Europa, daí decorrente – ou seja, o aparecimento de novos casos de sucessão de estados – sequer poderiam ser imaginados”. Ante o fato de que, logo adiante, os problemas de sucessão de estados tornaram-se abundantes e complexos, e codificação aceita de modo abrangente teria sido extremamente útil, a questão pôs-se quanto a saber se os instrumentos em questão constituíam caso de codificação fracassada (codification ratée), como indaga PASTOR RIDRUEJO. Dito de outra forma, essas convenções tiveram alguma influência na resolução desses problemas? Entende o autor “ser possível afirmar que o fracasso das Convenções de Viena de 1978 e de 1983 foi somente fracasso relativo. Isso porque referidas convenções demonstraram ter certa utilidade, a ponto de terem sido invocadas na prática diplomática” 619. Claramente não se poderia afirmar que essas duas Convenções integrariam o que se pode chamar de expressão do direito internacional geral, muito embora alguns de seus dispositivos fossem expressões de normas consuetudinárias de caráter geral. Como se constatou a seguir, alguns dispositivos dessas convenções somente codificaram normas que já contavam consagração consuetudinária e, sem qualquer margem para dúvida, referidas normas são aplicáveis como direito positivo. No plano dos princípios gerais, a construção da Convenção de 1978 põe-se no sentido da continuidade dos tratados, princípio este que tem a vantagem de evitar os vazios convencionais e favorecer valor tão importante quanto o da estabilidade das relações convencionais. Em suma, a segurança jurídica. É, assim, esse princípio inteiramente razoável, que, como se pôde constatar, inspirou a maioria das soluções, aceitas pelos estados interessados nos casos da década de noventa. Por sua vez, a Convenção de 1983 consagra o princípio geral da divisão equitativa dos bens do estado predecessor entre os estados sucessores, princípio este invocado e aplicado tanto pela República Checa e Eslováquia como pelos estados da ex-União Soviética e da ex-Iugoslávia. No entanto, a prática, relativa à sucessão em matéria de bens e de dívidas, mostra que essa Convenção contém muitas normas geradas pelo “desenvolvimento progressivo”, mas que, todavia, não se tornaram costume internacional. Somente alguns princípios gerais parecem ter encontrado aceitação, na busca do equilíbrio entre conceitos teóricos e questões práticas, como apontam Stefan OETER (1995) 620 e Karl ZEMANEK (1997) 621. A Corte Internacional de Justiça não parece considerar a Convenção de Viena de 1978 como codificação fracassada porquanto, no julgamento do caso do projeto GabcikovoNagymaros, em 1997, ante a invocação pela Eslováquia de dois dispositivos da Convenção de 1978 como expressão do direito internacional consuetudinário de caráter geral, a saber, o artigo 34, que confirmaria o princípio da continuidade dos tratados, em caso de dissolução de estados, e o artigo 12, relativo aos tratados ditos locais ou territoriais, a Corte não se manifestou a respeito do artigo 34, mas declarou que o artigo 12 traduzia norma de direito internacional consuetudinário622. No estudo das questões decorrentes de sucessão de estados, ressalta Daniel O’CONNELL (1970) 623 o ponto central quanto à necessidade de foco especificamente jurídico para o tratamento do tema 624. As duas Convenções de Viena (1978 e 1983) foram, desde logo, úteis para a definição do fenômeno625, na medida em que a expressão sucessão de estado entende-se como: “substituição de um estado por outro na responsabilidade das relações internacionais de determinado território”,626 e igualmente consolidaram a terminologia de “estado predecessor” e identificáveis em todas essas situações. “estado sucessor”, 1.4.7. Convenção de Viena sobre o direito dos tratados de organizações internacionais (1986) A assinatura em 21 de março de 1986 da Convenção de Viena sobre o direito dos tratados entre estados e organizações internacionais ou entre organizações internacionais constituiu mais um importante passo na codificação do direito internacional. A importância da Convenção (denominada Viena-II) reside principalmente na circunstância de esta haver recebido quase total aceitação das delegações presentes à Conferência, a ponto de contrastar com o verdadeiro fracasso da Conferência de 1983. A CDI iniciou o estudo do direito dos tratados de organizações internacionais em 1950. Embora a maioria dos membros da CDI fosse favorável a reconhecer o direito das organizações internacionais nesse particular, a opinião que finalmente prevaleceu foi de que seria conveniente aguardar a evolução da matéria diante da pobreza da prática internacional a respeito. Apesar das tentativas de incluir a questão na sua agenda, a CDI só passou a dar prioridade à questão em 1971, quando Paul REUTER foi escolhido como relator especial. Este apresentou onze relatórios. Problema delicado que se enfrentou foi o de determinar a eventual modificação, para melhor, de artigos da Convenção de 1969. A Conferência de 1986 também endossou a orientação da CDI no sentido de evitar referências à Convenção de 1969, prática esta capaz de suscitar dificuldades legais no futuro. Diante da crise financeira da ONU, a AGNU decidiu que apenas os artigos capazes de suscitar dúvidas de substância seriam debatidos; nos demais, os textos constantes da Convenção de 1969 seriam pura e simplesmente enviados ao Comitê de Redação, que poderia fazer as modificações de estilo necessárias. O problema central que a Conferência teve de enfrentar, a exemplo do que ocorrera na CDI, foi a determinação da capacidade das organizações internacionais de firmar tratados. Para a maioria das delegações, bem como da doutrina, uma vez reconhecida a personalidade internacional de uma organização internacional, dela decorre o direito de negociar e de firmar tratados. A tese oposta, defendida pelos países que compunham o então chamado bloco socialista, era de que a capacidade das organizações de firmar tratados decorria do respectivo ato constitutivo ou das leis básicas da organização. A CDI acabou por adotar no artigo 6 uma fórmula de compromisso baseada nas duas teses627. A Comissão em seus comentários ao artigo também esclareceu que ele “era o resultado de compromisso baseado principalmente na constatação de que este artigo de forma alguma poderá ser considerado como tendo o objetivo ou o efeito de decidir a questão do status de organizações internacionais em direito internacional”. 1.4.8. Convenção das Nações Unidas sobre direito do mar (1982) A Convenção sobre o Direito do Mar, assinada em Montego Bay, em 10 de dezembro de 1982, merece ser estudada separadamente, pois, ao contrário das convenções mencionadas anteriormente, não foi o resultado de anteprojeto da CDI, mas de nove anos de reuniões de delegados de todo o mundo em Genebra, Nova York, Caracas e Kingston, na Jamaica. É bem verdade que os responsáveis pela elaboração da Convenção de 1982 repetiram quase ipsis verbis as Convenções de 1958 sobre o Mar Territorial e sobre o Alto-Mar. Em outras palavras, a principal preocupação da maioria das delegações não era de cunho legal, mas sim político e econômico. A convocação da Terceira Conferência sobre o Direito do Mar nasceu de discurso pronunciado por Arvid Pardo, Delegado de Malta à Assembleia Geral das Nações Unidas de 1967, em que abordou os últimos progressos verificados em relação à exploração dos mares, principalmente dos fundos dos oceanos, de onde, ao que tudo indicava, seria possível extrair quantidades fantásticas de minérios, sobretudo nódulos de manganês, níquel, cobre e ferro, além de outros minérios em menores quantidades, além do potencial do subsolo dos fundos marinhos em matéria de petróleo e gás natural. O pronunciamento de Arvid Pardo foi recebido com entusiasmo pelos países em desenvolvimento, animados com a possibilidade de poderem participar da exploração dessas riquezas, desde que conseguissem evitar que as grandes potências monopolizassem a sua exploração. Em 1970, foi aprovada uma resolução declarando que a Área passaria a constituir patrimônio comum da humanidade. A atenção da UNCLOS (a United Nations Conference on the Law of the Seas) concentrou-se em três grandes tópicos: a exploração do fundo dos mares e de seu subsolo, a extensão dos limites marítimos dos estados costeiros e a determinação dos direitos dos estados sem litoral marítimo e os dos estados geograficamente desfavorecidos. Mas cedo constatou-se que a sorte da Conferência giraria em torno da exploração dos fundos marinhos, visto que os outros dois tópicos seriam equacionados de conformidade com a solução dada à questão dos fundos. A fim de evitar que a Conferência acabasse por adotar uma convenção aceitável por uma maioria ocasional, ficou decidido que ela seria adotada por consenso, isto é, mediante a aceitação de todas as delegações, processo este que resultou na lentidão de seus trabalhos. A Convenção de 1982 tem sido considerada por muitos como o mais importante tratado de codificação do direito internacional, muito embora as críticas sejam numerosas, tanto assim que já se cogita na busca de regras alternativas aceitáveis pelas principais potências industriais no concernente à exploração dos fundos marinhos628. 1.4.9. Convenções sobre assuntos científicos, tecnológicos e sobre o meio ambiente Na relação das convenções multilaterais de codificação do direito internacional é ainda necessário mencionar uma série de atos que vieram codificar normas criadas para regulamentar internacionalmente problemas surgidos em decorrência dos progressos realizados pela ciência e pela tecnologia. Dadas as características, essencialmente técnicas, dessas convenções, a sua elaboração não foi entregue à CDI, mas a grupos de especialistas, em muitos casos vinculados a determinada organização especializada, como o PNUMA, a FAO ou a UNESCO. No período posterior a 1945, o direito internacional, até então tridimensional, isto é, versava sobre a terra, o mar e o espaço aéreo, passa, em virtude dos progressos verificados, a se ocupar do espaço ultraterrestre, dos fundos marinhos e do respectivo subsolo e da Antártica. Na relação dos tratados que vieram atender a essas novas situações, cumpre mencionar, a título exemplificativo, o Tratado sobre Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Cósmico, inclusive a Lua e Demais Corpos Celestes (1967), o Tratado Proibindo Experiências (testes) com Armas Nucleares na Atmosfera, no Espaço Cósmico e Debaixo D’água (1963), o Tratado sobre a Proibição da Colocação de Armas Nucleares e outras Armas de Destruição Maciça no Fundo do Mar e no Leito do Oceano e seu Subsolo (1971) e o Tratado da Antártica de 1959. Por sua vez, a Convenção sobre o Direito do Mar de 1982 ocupa-se do leito do mar, dos fundos marinhos e seu subsolo além dos limites da jurisdição nacional. As convenções destinadas à proteção do meio ambiente também figuraram dentre os atos surgidos em decorrência da evolução da ciência e da tecnologia. São inúmeras, e basta mencionar as mais importantes, tais como, as duas convenções firmadas por ocasião da Conferência do Rio de Janeiro de 1992, sobre Mudança de Clima e sobre Diversidade Biológica, bem como a Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio (1985) e o Protocolo de Montreal sobre Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio (1987), a Convenção de Basileia sobre o Controle dos Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Nocivos e sua Colocação (1989), a Convenção para a Prevenção da Poluição Marinha pelo Alijamento de Dejetos e outras Matérias (1972), a Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e da Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (1973), a Convenção sobre as Zonas Úmidas de Importância Internacional (1971) – particularmente como hábitat das aves aquáticas – e o Tratado de Cooperação Amazônica (1978). Cabe, a seguir, examinar a questão das relações entre o direito internacional e o direito interno. 1.5 RELAÇÕES DO DIREITO INTERNACIONAL COM O DIREITO INTERNO Assinado e ratificado pelos estados, o tratado tem seu conteúdo inserido nos respectivos direitos internos. Essa matéria suscita a problemática do relacionamento entre o direito interno e o direito internacional, o que, por si, comportaria extensas considerações629 de caráter monográfico, aqui brevemente assinaladas, das quais mais extensos desenvolvimentos não seriam cabíveis em Manual. Em razão de serem as normas brasileiras omissas a respeito, ou, ainda, incipientes, para oferecer soluções, existe e tem de ser levado em conta o contexto de direito internacional geral, em que se inscrevem também tais tratados – quer se denomine direito internacional cogente, direito internacional geral ou consuetudinário, ou direito internacional simplesmente –, na medida em que a conduta dos estados será elemento essencial para a formação e a aplicação das normas. Tal conduta se exprime seja por atos ou omissões, por meio das quais os estados, expressa ou tacitamente, afirmem, reconheçam ou neguem direitos, deveres e reclamações. Foge ao escopo deste Manual analisar todas as doutrinas surgidas para explicar as relações do direito internacional com o direito interno, mesmo sabendo que se trata de problema dos mais delicados e controvertidos, pois o fundamento atribuído ao direito internacional influi decisivamente na posição eventualmente adotada. No campo da doutrina, duas grandes correntes buscam demonstrar o que as normas internacionais e as internas têm em comum e, ao mesmo tempo, se e como podem funcionar separadamente. A dificuldade do juiz, diante de caso concreto, consiste em optar por uma das duas, em caso de conflito entre o direito interno e o direito internacional ou, melhor dito, entre lei interna e tratado em vigor. E aqui se verifica ser o enfoque eventualmente dado por juiz nacional não necessariamente o mesmo de tribunal internacional. A primeira pergunta consiste em saber se o direito internacional e o direito interno são dois ordenamentos independentes, estanques, ou dois ramos de mesmo sistema jurídico. A primeira solução é defendida pelos partidários da tese monista, ao passo que a tese oposta é denominada dualista. Para os defensores da doutrina dualista, direito internacional e direito interno seriam dois sistemas distintos, dois sistemas independentes e separados, que não se confundem. Salientam que num caso se trata de relações entre estados, enquanto, no outro, as regras visam à regulamentação das relações entre indivíduos. Outro argumento é que o direito internacional depende da vontade comum de vários estados, ao passo que os direitos internos dependem da vontade unilateral do estado. Em consequência, o direito internacional não criaria obrigações para o indivíduo, a não ser que as suas normas se vissem transformadas em direito interno. Mas é na explicação do fenômeno da transformação que os defensores do dualismo mostram a debilidade de seu raciocínio, que, além do mais, não leva em conta a importância do costume. A doutrina monista não parte do princípio da vontade dos estados, mas sim de norma superior, pois o direito é um só, quer se apresente nas relações de um estado, quer nas relações internacionais. Aceita a tese fundamental de que o direito é um só, os defensores da doutrina monista enveredam por dois caminhos opostos: para uns, em caso de dúvida, prevalece o direito internacional: é a tese do primado do direito internacional; já os outros defendem a tese do primado do direito interno. Convém examinar cada uma destas. Para KELSEN, do ponto de vista científico, os dois sistemas são igualmente aceitáveis, ou seja, uma norma qualquer pode ser aceita como ponto de partida do sistema total; mas a seu ver a tese do primado do direito internacional deve ser acolhida por motivos práticos. Ou se poderia sustentar como imperativo de ordenação da convivência internacional. A jurisprudência internacional tem sido invariável ao reconhecer a primazia do direito internacional. O caráter preeminente do direito internacional foi declarado, em parecer de 1930, pela Corte Permanente de Justiça Internacional, nestes termos: “É princípio geralmente reconhecido, do direito internacional, que, nas relações entre potências contratantes de tratado, as disposições de lei interna não podem prevalecer sobre as do tratado”. A matéria põe-se como questão de preservação das bases da convivência internacional e tem de ser considerada em sua dimensão externa – na interação entre sujeitos de direito internacional – e não somente como questão administrativa interna de cada estado. A Convenção de Viena sobre o direito dos tratados adota, em seu artigo 27, a mesma regra: “Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado”. Na prática, verifica-se que as regras constantes de tratado aprovado e ratificado substituem a lei interna; segundo o mesmo critério, lei interna posterior não pode substituir tratado, aprovado pelo legislativo e ratificado pelo executivo. Conforme alerta REZEK (2005) 630, a dificuldade surge no tocante a conflito entre tratado e texto constitucional631. A Convenção de Viena sobre o direito dos tratados (1969) prevê essa possibilidade, depois de estipular que nenhum estado pode invocar, após obrigar-se por tratado, como causa de sua nulidade o fato de este ter violado disposição de seu direito interno, a não ser que essa manifestação de vontade “diga respeito a uma regra de seu direito interno de importância fundamental” (art. 46). Charles Rousseau, também, lembra que numerosas constituições estipulam que os tratados concluídos de forma irregular do ponto de vista do direito interno carecem de valor em direito internacional. Os tribunais brasileiros trataram da questão diversas vezes, e, como nesse tema a legislação brasileira nada esclarece, a jurisprudência teve papel fundamental no posicionamento adotado no País, especialmente no que tange ao entendimento das teorias monistas e dualistas. No Brasil, as duas teorias acima descritas não foram aplicadas na sua forma pura, ganhando interpretações que lhes descaracterizaram o sentido original, cunhando-se, ainda, novas expressões para designar suas modalidades, a saber: dualismo extremado e moderado e monismo radical e moderado. Nas suas modalidades moderadas, tanto do monismo quanto do dualismo, em verdade subverteram-se ambas as teorias, por terem sido suprimidas etapas que as integravam de forma essencial. O dualismo dividiu-se em radical, em que há necessidade de edição de lei distinta para a incorporação do tratado à ordem jurídica nacional, na forma original proposta por C. H. TRIEPEL (1923) 632, e em dualismo moderado, no qual a incorporação prescindiria de lei, embora se faça mediante procedimento complexo, com aprovação congressional e promulgação executiva. No sistema brasileiro, o monismo encontra, igualmente, duas vertentes: radical e moderado. O radical pregaria a primazia do tratado sobre a ordem jurídica interna, e o moderado procederia à equiparação hierárquica do tratado à lei ordinária, subordinando-o à Constituição e à aplicação do critério cronológico, em caso de conflito com norma superveniente. Todavia, note-se que o monismo moderado, tal como se aplica no Brasil, representa o segundo momento do dualismo, quando a norma já incorporada poderá ou não colidir com a norma interna. Isso é falso problema, porque a norma incorporada segundo o sistema dualista, ao entrar no ordenamento jurídico, passa a pertencer a este e enquadrar-se nas hipóteses de análise pertinente às demais leis. Desta forma, identificam-se, claramente, momentos distintos com relação a discussão entre fontes de origem internacional – tratados – e fontes de origem interna – as leis. O primeiro momento diz respeito à incorporação das fontes internacionais ao ordenamento jurídico interno. O segundo diz respeito a sua posição hierárquica nesse ordenamento – e somente se passa para esse segundo momento se as normas internacionais já estiverem incorporadas —, quando então perguntar-se-á se são superiores à norma interna ou equiparadas no mesmo nível da legislação interna. Ao se estabelecer a necessidade imperiosa de incorporação, independentemente da posição que assumirá posteriormente a norma, adota o direito brasileiro certa forma de dualismo, na modalidade moderada. Somente depois de incorporadas ao ordenamento jurídico interno, podem as normas de origem internacional criar direitos e deveres para os particulares, ainda que antes disso tenha o estado em relação aos seus cocontratantes assumido suas obrigações no plano internacional, por ratificação e depósito do instrumento próprio. Na década de 1970, com a decisão do STF, no RE 71.154, pôde-se distinguir claramente os dois momentos aludidos acima. Só se passou a discutir a hierarquia do tratado em face da lei, depois de considerá-lo internalizado. Posteriormente, esse acórdão serviu de base para o proferido na Carta Rogatória 8.279, em que o Ministro Celso de Mello explicita a adoção do dualismo moderado. O que seja e como opera este permanece pouco claro. O STF, ao decidir o RE 80.004, teve esse julgado, classificado pela doutrina, como exemplo de monismo moderado, momento, inclusive, do surgimento dessa terminologia. Nesse caso, decidiu o STF que lei interna superveniente poderá afetar tratado em vigor, com exceção daqueles referentes a matéria tributária, em face do que dispõe o art. 98 do CTN. Passando o tratado a integrar a legislação interna, depois de sua incorporação, encontra-se este em igualdade de condições às demais leis, e todas as incoerências que apresentar serão analisadas da mesma forma que aquelas surgidas em relação às demais leis. No sentido de oportuna e indispensável reorientação da jurisprudência brasileira, cumpre assinalar o voto do Min. Gilmar MENDES no RE 466.343-1 SP, em que assinala a importância das mudanças decorrentes da Constituição de 1988: “a mudança constitucional ao menos acena para a insuficiência da tese da legalidade ordinária dos tratados e convenções, já ratificados pelo Brasil, a qual tem sido preconizada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, desde o remoto julgamento do RE 80.004-SE”. Depois de citar vários precedentes, cuja orientação a mesma se mantivera, conclui: “É preciso ponderar, no entanto, se, no contexto atual, em que se pode observar a abertura cada vez maior do estado constitucional a ordens jurídicas supranacionais de proteção de direitos humanos, essa jurisprudência não teria se tornado completamente defasada”, pois “tudo indica, portanto, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, sem sombra de dúvidas, tem de ser revisitada criticamente”. Aponta o magistrado, no mesmo voto, a consequência direta de tal construção pretoriana: “Importante deixar claro, também, que a tese da legalidade ordinária, na medida em que permite ao estado brasileiro, ao fim e ao cabo, o descumprimento unilateral de um acordo internacional, vai de encontro aos princípios internacionais fixados pela Convenção de Viena sobre o direito dos tratados de 1969, a qual, em seu art. 27, determina que nenhum estado pactuante ‘pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado’ 633.” No direito brasileiro, em matéria de relação entre direito internacional e direito interno, ou conflito entre fontes, poderia ser, assim, sanado o anterior descompasso entre a doutrina, alinhada pela concepção do monismo kelseniano, segundo a qual o tratado sempre prevalece sobre a lei interna, ainda que se trate da Constituição, e a desconcertante mudança de orientação da jurisprudência pátria, durante certo lapso de tempo, durante o qual se veio, por caminhos tortuosos, equiparar o tratado à lei interna. Surpreendentemente, uma vez equiparado à lei interna, ficaria sujeito o tratado a modificações, em razão de alterações posteriores do ordenamento nacional, o que configura aberração, por privar a norma de direito internacional positivo de seu sentido e alcance normativo internacionais, ao mesmo tempo que se poderia configurar o descumprimento de obrigação internacional pelo estado brasileiro, na condição de parte contratante de obrigação de direito internacional, em relação aos demais signatários desse tratado. Nesse sentido, Clóvis BEVILÁQUA (1939) 634 partia da formulação do tratado enquanto “ato jurídico em que dois ou mais estados concordam sobre a criação, modificação ou extinção de algum direito”. Ressaltava este, ainda, que “os tratados, regularmente contraídos, devem ser, fielmente, observados pelos estados, que os celebraram”, sem prejuízo da distinção entre tratados normativos, em que os primeiros se propõem a fixar normas de direito internacional, sendo obrigatórios para os estados que os celebraram ou a eles aderiram, na exata medida em que “são actos de feição legislativa, dando forma a regras de direito, que, reflectindo-se na consciência jurídica dos outros povos, tendem sempre a dilatar a sua esphera de acção ao conjunto da sociedade dos estados”, enquanto os tratados contratuaes teriam por fim regular os interesses recíprocos dos estados, de modo concreto. Alinhando-se pela necessidade do reconhecimento da primazia do tratado, pondera BEVILÁQUA que “a validade dos tratados independe das mudanças constitucionais que sofrem os estados contratantes”, e “o estado não pode, por declaração unilateral, eximir-se das obrigações impostas por tratado”, ressalvando tão somente as hipóteses de tratado celebrado “sob a condição expressa, ou claramente subentendida, de que perdure o estado de coisas, que lhes deu causa (rebus sic stantibus)”, mediante a denúncia ou em razão de descumprimento das obrigações resultantes de tratado, por outra parte contratante: “a inexecução do tratado, por uma das partes contratantes, autoriza a outra à resilição”. Na mesma linha, Haroldo VALLADÃO (1980 e 1966) 635 pondera: “em face do monismo jurídico, nos termos em que o aceitamos (...) as normas internacionais prevalecem sobre as normas internas”. E frisa: “ademais a norma internacional tem sua forma própria de revogação, a denúncia, só pode ser alterada por outra, de categoria igual ou superior, internacional ou supranacional, e jamais pela inferior, interna ou nacional”. Com nuance em relação a alterações constitucionais supervenientes, segundo Oscar TENÓRIO (1976) 636 “o princípio reinante no direito público brasileiro, o da supremacia da Constituição, cria dificuldades na ordem internacional, a propósito da vigência dos tratados”, visto que este procura conferir caráter de orientação juridicamente sustentável a tal tendência, diversamente de outros países: “enquanto se generaliza entre os internacionalistas europeus o preceito de que as mudanças constitucionais, seja qual for a sua origem, não invalidam os tratados, o princípio da supremacia constitucional no Brasil induz à aceitação da tese adversa”, com solução de praticidade e alcance duvidosos, ao observar o direito pátrio, “a posição do tratado é de validade enquanto não colidir com a ordem estabelecida pela Constituição. Sua existência normativa é de completa autonomia diante das leis ordinárias”. Condena o internacionalista a ainda mais controvertida e problemática orientação tendente à equiparação entre o tratado e a lei interna, qualificando-a como “equívoco de raciocínio” 637. Jacob DOLINGER (1993, 1994) 638, depois de referir os exemplos de Constituições estrangeiras, tais como as da Áustria, Alemanha, Holanda, França e Estados Unidos, observa: “diverge nossa doutrina sobre o eventual conflito entre tratado e Constituição”. Ao elencar posições, o autor deixa transparecer certo desconforto, sem formular crítica, diante da orientação da jurisprudência. Ainda DOLINGER, em estudo monográfico a respeito do tema do tratamento jurisprudencial dispensado pela Suprema Corte brasileira aos conflitos entre o direito interno e o direito internacional (1993), situa a evolução da jurisprudência emanada do Supremo Tribunal Federal, que aplica a norma superveniente (the later in time rule) com algumas exceções relevantes, em matéria de tratados de comércio, matéria tributária e em casos de extradição, Além disso o Tribunal confere importância à distinção clássica entre tratados-lei e tratados-contrato, cujas exceções são combinadas com distinções entre normas legais genéricas e específicas e entre relações jurídicas internas e relações jurídicas internacionais. Não se pode acompanhar a ponderação pragmática de F. REZEK (2005) 639: “recorde-se, de início, que o primado do direito das gentes sobre o direito nacional do Estado soberano é, ainda hoje, uma posição doutrinária. Não há, em direito internacional positivo, norma assecuratória de tal primado. Descentralizada, a sociedade internacional contemporânea vê cada um de seus integrantes ditar, no que lhe concerne, as regras de composição entre o direito internacional e o de produção doméstica”. E coloca-se inevitavelmente o obstáculo de natureza constitucional: “para o estado soberano, a constituição nacional, vértice do ordenamento jurídico, é a sede de determinação da estatura da norma expressa em tratado. Dificilmente uma dessas leis nacionais desprezaria, neste momento histórico, o ideal de segurança e estabilidade da ordem jurídica a ponto de sobpor-se, a si mesma, ao produto normativo de compromissos exteriores do estado. Assim, posto o primado da constituição em confronto com a norma pacta sunt servanda, é corrente que se preserve a autoridade da lei fundamental do estado, ainda que isto signifique a prática de um ilícito, pelo qual, no plano externo, deve aquele responder”. Finalmente aduz: “embora sem emprego de linguagem direta, a Constituição brasileira deixa claro que os tratados se encontram aqui sujeitos ao controle de constitucionalidade, a exemplo dos demais componentes infraconstitucionais do ordenamento jurídico”. Em relação à norma infraconstitucional, não colocada em dúvida a prevalência dos tratados sobre leis internas anteriores à sua promulgação, colocou-se divisão da doutrina e a oscilação da jurisprudência em relação à norma interna superveniente. Segundo ensinamento de V. MAROTTA RANGEL (1960, 1967) 640, partidário do primado da norma internacional, este enumera, dentre autores de idêntico pensamento, como Pedro LESSA, Vicente RÁO, Carlos MAXIMILIANO e Ph. AZEVEDO: “quando ainda ministro do Supremo Tribunal Federal”, publicou “comentário demonstrativo da convicção unânime da corte, àquela época, quanto à prevalência dos tratados sobre o direito interno infraconstitucional” (1945) 641. A respeito do julgamento do RE 80.004, “em que decidiu (a Suprema Corte Brasileira) pela validade de um decreto-lei de 1969 que continha uma regra contrária à Convenção de Genebra sobre letras de câmbio e notas promissórias”, observa J. DOLINGER (1993) 642: “o acordão é muito longo e apresenta a inusitada característica de conter sete votos justificados com ampla argumentação, cada um com orientação própria (...) devendo merecer a atenção dos estudiosos, mesmo dos que discordam de sua conclusão”. J. C. de MAGALHÃES643 posiciona-se de forma crítica sobre essa decisão, ao mencionar a “posição de recuo do Supremo à aceitação da prevalência do direito internacional, tal como esposada por Xavier de ALBUQUERQUE que, significativamente, foi o único que invocou precedentes da Corte naquele sentido, anotados por Haroldo VALLADÃO”. E prossegue: “afastando-se da orientação anterior, não atentaram aqueles ministros para a problemática da responsabilidade do Estado na ordem internacional”. O tratado é norma internacional com efeitos não somente em relação à ordem jurídica interna do estado contratante, mas vinculao, igualmente, enquanto sujeito de direito internacional, em relação ao conteúdo do tratado, até que este seja extinto ou denunciado aos demais estados contratantes. Cumpre advertir que a própria lei constitucional não pode isentar o estado de responsabilidade por violação de seus deveres internacionais, e lembrar decisão de 1932, emanada da Corte Permanente de Justiça Internacional, em que esta decide que “um estado não pode invocar contra outro Estado sua própria constituição para se esquivar a obrigações que lhe incumbem em virtude do direito internacional ou de tratados vigentes”, sendo inclusive cabível cogitar-se a caracterização da responsabilidade internacional do estado, cf. C. D. de A. MELLO (1995) 644 e H. ACCIOLY (1959), resultante de atos dos seus juízes ou tribunais nacionais645. Categórica condenação do tratamento jurisprudencial da matéria no Brasil, observava Celso D. de A. MELLO (1994) 646: “houve no Brasil verdadeiro retrocesso no Recurso Extraordinário n. 80.004, decidido em 1978, em que o STF decidiu que a lei revoga tratado anterior. Esta decisão viola também a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (1969) que não admite o término de tratado por mudança de direito superveniente”. A matéria das relações entre direito interno e direito internacional, como foco central de análise, comportaria, em si e por si, múltiplos desenvolvimentos, não se tratando, aqui, de historiar extensamente e em seus desdobramentos647, seja a jurisprudência seja a doutrina nacional nessa matéria. Os elementos acima referidos posicionam a indefinição da reflexão jurídica nacional em relação ao conteúdo, alcance e aplicação do direito internacional. Cabe ter presente que o capítulo das relações entre o direito interno e o direito internacional permite ilustrar, como dito, o descompasso entre a doutrina e sua aplicação pelos tribunais. Ainda que seja esta última criticável, traduz-se como a expressão concreta do direito pátrio nesse campo e, de outro lado, a necessidade de mudança estrutural se cogitarmos a necessidade de revisão do conceito de soberania, em contextos específicos de integração, mas sobretudo, ante os imperativos de ordenação da convivência internacional. Justamente o posicionamento restritivo e conservador do direito brasileiro em matéria das relações entre direito interno e direito internacional, a partir da construção jurisprudencial, ilustra as dificuldades e a necessidade de profunda reformulação, para que possa ser alcançado grau suficientemente alto de aceitação da primazia do direito internacional, a ponto de permitir a efetividade da norma internacional e a automaticidade da sua aplicação no direito interno. Há de se ter presente essa controvérsia não somente quanto aos seus aspectos técnicos, mas como pano de fundo e caldo cultural para determinar a extensão prática e conceitual, exigida pela busca de inserção competitiva do Brasil no contexto internacional. Bem como no sentido de refletir, adequadamente, na ordem jurídica interna, as mutações qualitativas já ocorridas no sentido da proteção internacional dos direitos fundamentais. Diversamente do que sustentaram com acerto durante décadas a jurisprudência e a doutrina nacional no sentido de que não se poderia opor lei interna, ainda que de nível constitucional, como fundamento para o descumprimento de obrigação internacional decorrente de tratado, projeta-se a controvérsia resultante do advento de lei interna: como problematicamente ilustra o julgamento do RE 80.004 pelo Supremo Tribunal Federal648, adviria a revogação de norma de direito internacional positivo por lei interna superveniente? Enquanto se aguarda afirme-se, de modo inequívoco, a reorientação da jurisprudência brasileira 649, cumpre assinalar a importância e a oportunidade do voto do Min. Gilmar MENDES no RE 466.343-1 SP, anteriormente mencionado. Francisco REZEK (1997) 650, em conferência sobre o sistema jurídico do MERCOSUL, ao referir-se ao Protocolo de Medidas Cautelares, claramente coloca o problema quando diz que a incorporação do direito do Mercosul é realizada pela mecânica clássica, o conhecido fenômeno da recepção. Esclarece não haver, no sistema brasileiro, regras de conflito capazes de privilegiar o direito integracionista. E ante a inexistência de norma constitucional como a francesa — que permita a prevalência do tratado sobre a lei interna –, não podem os juízes inventá-la, devendo prestigiar a última palavra do Congresso. A Emenda Constitucional n. 45 (2004) altera, parcialmente, a situação. Como aponta Carmen TIBÚRCIO (2006) 651. O art. 5º da Constituição ganha novo parágrafo, uma vez que confere expressamente status constitucional aos tratados relativos aos direitos humanos652. A doutrina, com destaque para Antonio Augusto Cançado TRINDADE (2002) 653, sempre insistiu este em dar aos tratados de direitos humanos status superior ao dos demais, e, em relação ao sistema jurídico nacional, equiparava-os à posição de emenda constitucional, cf. art. 5º, § 2º, da Constituição. O mesmo autor havia feito essa proposta à época da Assembleia Nacional Constituinte. Todavia, o texto final adotou apenas parte dela no § 2º do art. 5º. Isso gerou acaloradas discussões sobre o status das normas de direito fundamental na hierarquia do ordenamento jurídico nacional. O STF, ao analisar a melhor exegese do art. 5 º, § 2º, nos casos em que se discutia o conflito entre o Pacto de São José e a Constituição, optou pela interpretação que confere a esta última a primazia 654. Após a EC n. 45, para que esses tratados tenham status de emenda constitucional, precisariam passar por processo de incorporação diferente dos demais, com quorum qualificado de votação. Desde a EC n. 45 há nova classe de tratados alçados a patamar constitucional, a critério do Poder Executivo, na medida em que a este cabe definir qual procedimento envia ao Congresso cada novo tratado, respeitados os requisitos de aprovação (quorum especial e votação em dois turnos). Situação todavia não esclarecida diz respeito aos tratados adotados antes da EC n. 45, especialmente quanto ao seu status atual de lei ordinária. Não há como presumir equivalência em relação a emenda constitucional para aqueles anteriormente internalizados, porquanto o novo § 3º faz a respeito expressa distinção. A questão da promulgação é outro ponto de interrogação, uma vez que as emendas constitucionais não são promulgadas pelo Chefe do Executivo, mas pelo Congresso. Ante a ausência da promulgação, resta saber como o Chefe do Executivo procederá à ratificação do tratado. A ratificação constitui ato imprescindível para determinar o início da vigência, vinculando o Estado brasileiro no plano internacional. Somente o Presidente da República tem o poder de celebrar tratados, de forma que se inclui a comunicação aos demais países da aceitação interna. Não se coaduna com a separação dos poderes, essencial em estado de direito, passar essa função ao Congresso, que não mantém relações diplomáticas nem representa o País no exterior. Constata-se que a EC n. 45 deixou esse ponto em aberto655. Outro aspecto da normativa dos tratados sem resposta, na nova sistemática, diz respeito a sua denúncia. Tem sido corrente, embora sem base legal adequadamente configurada, a possibilidade do Poder Executivo de renunciar aos tratados sem intervenção do Legislativo. Além disso, segundo a nova sistemática, no que se refere aos tratados em matéria de direitos humanos incorporados com status de emenda constitucional, sua derrogação só poderia ser feita por emenda constitucional. A diferença estabelecida pelo legislador entre os tratados de qualquer natureza e os que versem sobre direitos humanos só vai surtir efeito quando ocorrer caso concreto, o que pode demorar porquanto o Brasil internalizou a maior parte dos tratados de direitos humanos existentes. Por outro lado, certamente os tribunais superiores virão cuidar do tema no que diz respeito ao efeito retroativo, para dar o mesmo patamar aos tratados internalizados anteriormente. Fator digno de nota é o de que no vasto universo dos tratados de direitos humanos já internalizados, apenas a questão da prisão civil e do duplo grau de jurisdição foi enfrentada pelos tribunais. Isto porque a maior parte desses tratados compõe-se de princípios e normas programáticas cujo teor de generalidade, ante a existência de normas internas similares, faz com que haja poucos conflitos com leis internas, mas situação em que aqueles complementam estas. Indissociavelmente acoplado ao sistema jurídico e institucional interno estão as obrigações internacionais dos estados, sejam estas decorrentes de tratados e convenções internacionais, como estipula o texto constitucional brasileiro em seu artigo 5º, § 2º, sejam em razão de normas cogentes de direito internacional geral. Desse modo, não por mera cortesia ou conveniência como pressupunha o conceito de comitas gentium herdado de outras eras, mas em decorrência de obrigação jurídica internacional, deve o Brasil aplicar internamente, inserindo em seu ordenamento, as normas contidas em tratados. A estrita observância de tratados, não sujeitos a alteração pela lei interna posterior, impõe-se como corolário lógico e imperativo jurídico, sob pena de esvaziar o processo de institucionalização do direito internacional e de construção de seu conteúdo, devendo tanto a legislação quanto a jurisprudência internas observarem tais preceitos. Em contraste com a concepção nacionalista das relações entre o estado e o mundo, a visão internacionalista insere o estado em sociedade de estados, que abrange todo o globo, e de que todos os estados fazem parte. A própria noção de sociedade internacional, enquanto entidade, superior a cada um de seus integrantes, situa cada estado, particularmente considerado, em relação ao todo. O império da lei limita a soberania, submetendo o estado, em sua atuação, à legalidade internacional, na ação restritiva resultante das obrigações deste em relação à sociedade. A matéria das relações entre direito interno e direito internacional não pode ser concebida como tópico isolado da disciplina, mas há de inscrever-se em enfoque mais amplo. Acompanhando James L. BRIERLY (1936 e 1928) 656, o direito somente existe numa sociedade, e esta não pode existir sem um sistema jurídico que regule as relações entre seus membros. Ao falar em “direito internacional” partimos do pressuposto da existência de “sociedade de nações” e da suposição de que o conjunto do mundo constitua, nesse sentido, uma única sociedade ou comunidade. O caráter do direito internacional é necessariamente determinado no interior da sociedade, onde este opera, e um não pode ser compreendido sem o outro. A clássica linha divisória entre direito interno e direito internacional657, resultante dos limites do fenômeno federativo658, articula-se menos em relação ao estado do que em relação ao indivíduo. É por isso que se pode dizer somente existir única ordem jurídica 659. Admitida essa premissa, fica mais clara a compreensão de que o direito internacional não mais se coloca, em contexto pósmoderno, do modo tão “internacional”, como o via a doutrina clássica. E talvez se possa aposentar o dualismo como visão de dicotomia entre uma ordem interna e outra ordem estanque, esta internacional, cuja concepção está superada pela evolução do direito internacional no contexto pós-moderno. Pode a reflexão sobre o papel histórico, que a poderia ter, no passado, desempenhado o dualismo no contexto da Alemanha e da Itália do final do século XIX e início do século XX, ensejar a superação da visão e da aplicação deste – embora sob a suposta forma mitigada de dualismo moderado, tal como se anunciava não faz muito – e ensejar revisão do corte epistemológico entre conceitos universais e expedientes específicos no Brasil, preparando o caminho para adoção mais ampla e mais adequada implementação do direito internacional em nosso ordenamento e na ordenação das relações do estado brasileiro com os seus pares, na ordem externa, bem como em relação aos demais agentes (não estatais) internacionais. A regulação das relações de convivência entre iguais é o drama e a especificidade do direito internacional. As teorias que visam determinar o fundamento do direito internacional e o seu funcionamento estão ligadas a tal dado. A caracterização de regras internacionalmente válidas e aceitas como tais é precedida pela caracterização da sociedade internacional: o que é a sociedade internacional, como esta se estrutura, quais são os sujeitos e, somente a seguir, quais as regras que norteiam a convivência entre sujeitos de direito internacional660. Ao lado dessa visão, a percepção das mutações, em curso no contexto pós-moderno, deverá ensejar visões simultaneamente mais abrangentes e mais flexíveis, a respeito do direito internacional e do papel deste como regulador do contexto internacional. Mudou o mundo; resta adaptar de modo consequente seus instrumentos reguladores. 1.6 SUJEITOS DE DIREITO INTERNACIONAL E ATORES DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS Sujeito do direito internacional é entidade jurídica que goza de direitos e deveres no plano internacional, com capacidade para exercê-los. Enfatiza J. A. PASTOR RIDRUEJO (1998) 661 “se o direito internacional se construiu, no passado, sobre uma sociedade de estados soberanos, aspira este hoje a se fundar sobre comunidade de seres humanos”. No direito internacional clássico, o sujeito por excelência do direito internacional, embora não mais se possa sustentar ser o único, era o estado, tal como se definia a partir de seu ordenamento interno. São também sujeitos de direito internacional as organizações internacionais enquanto associações de estados, ao lado do reconhecimento progressivo da condição internacional do ser humano. Participam das relações internacionais e atuam no contexto internacional, além dos estados e das organizações intergovernamentais, também as organizações não governamentais, as sociedades transnacionais, os rebeldes, os beligerantes, os povos, os movimentos de liberação nacional e mesmo os seres humanos, estejam de um modo ou de outro organizados, como expressão do que se vem chamar de sociedade civil internacional. Estipula o direito internacional conjunto de princípios e normas a respeito de como os estados devem se comportar. Assim se exprime a convicção quanto à juridicidade e à necessidade do direito internacional pós-moderno, como instrumento de regulação do sistema internacional, seja este o interestatal, tal como nos legou o direito internacional clássico, seja em relação aos novos atores e agentes, em relação aos quais se começa a delinear a configuração do equivalente internacional da “sociedade civil”, e tentativamente refere-se como a “sociedade civil internacional” 662 ou a kantiana “sociedade civil universal”, embora ainda seja pouco claro o que seja e como atue. Essa fragmentação e esse aumento do número de agentes caracterizam o tempo (histórico) e contexto (cultural) que se denomina pós-moderno663. A essa base do direito internacional clássico ainda deve acrescer-se o surdo rumor da atuação, todavia incipiente, mas que não mais pode ser ignorada, do que se poderia chamar “sociedade civil internacional”. Aos autores tradicionais, que tinham visão estritamente estatizante do direito internacional, repugna admitir o papel crescente desses atores não estatais, cada vez mais presentes e marcando seus reclamos, a cada momento, adverte P.-M. DUPUY (2004) 664. Para preservar a ideia de unidade desse direito internacional tradicional, criado à imagem e semelhança dos estados, e mantido na medida em que estes o aceitam e reconhecem diante das mudanças do contexto presente, recorre P.-M. DUPUY (2000, publ. 2002) 665 à imagem de dois eixos em torno dos quais essa ordem constituiria a sua unidade: um, formal, e o outro, substancial. Daí resulta certo número de tensões e contradições que alimentam a dinâmica própria do direito internacional deste início de século XXI. Não se pode esquecer que esse modelo de direito internacional, totalmente criado e controlado pelos estados, não mais responde à realidade nem leva em consideração o contexto pósmoderno em que a correspondente evolução do direito internacional se terá de construir 666. O fenômeno de ruptura e renovação aconteceu em outras épocas, nos seus respectivos contextos históricos e culturais. O quadro institucional e normativo internacional, existente há séculos, tornou-se consideravelmente mais extenso (pelo aumento do número de participantes tradicionais do sistema) e mais complexo (pela multiplicação da presença e da influência de todo o conjunto de atores e agentes não estatais, no sistema internacional, cuja existência e efeitos da ação não mais se podem negar). Estes são dados da pós-modernidade em direito internacional, como apontam L. BOISSON DE CHAZOURNES e Rostane MEHDI (2003) ou Habib GHERARI e Sandra SZUREK (2005) 667, que chegam a falar em “privatização do direito internacional”. A noção da capacidade efetiva de exercício de direitos e obrigações como atributiva de personalidade internacional foi definida com clareza pela CIJ em 1949668, ao declarar que era sujeito do direito internacional a organização que “tem capacidade de ser titular de direitos e deveres internacionais e que esta tem a capacidade de fazer prevalecer os seus direitos através de reclamação internacional”. Nesse parecer de 1949 foi relevante a distinção feita pela Corte Internacional de Justiça no sentido de que “os sujeitos de direito, em determinado sistema jurídico não são necessariamente idênticos, quanto à sua natureza ou à extensão de seus direitos: sua natureza depende das necessidades da comunidade”. Hans KELSEN (1932) 669 identificava a pessoa com o conjunto de normas jurídicas que lhe atribuíam direitos e obrigações, e fazia a distinção entre sujeitos diretos e indiretos. Analisando o domínio de validade pessoal do direito internacional, considerava ser a tese – aceita pela maioria dos teóricos, de que somente os estados são sujeitos do direito internacional – como “teoricamente falsa e mesmo se retificada teoricamente (...) permanece contrária ao direito positivo” 670, e se debruçava sobre os direitos subjetivos e as obrigações dos indivíduos no direito internacional. O direito internacional, escrevia KELSEN, tinha como sujeitos os estados, “ou seja os indivíduos, de modo indireto ou mediato e, excepcionalmente, os indivíduos, também de modo direto ou imediato” 671. Alfred VERDROSS (1929) 672, a respeito de “membros de pleno direito da comunidade internacional” e de “simples sujeitos do direito das gentes”, concluía que “os indivíduos de forma alguma são membros da comunidade internacional”, pois indicava: “simples constatatação sobre o direito positivo atual”, ordinariamente mais que sujeitos, seriam objetos protegidos, e o direito internacional em vigor somente se dirigiria aos indivíduos indiretamente, “por meio do direito interno” 673. Nicolas POLITIS (1925) 674 destacava: “o que chamamos direito internacional não poderia ser outra coisa que o conjunto de regras que regem as relações dos homens, pertecentes a diversos grupamentos políticos”.675 E, acrescentava POLITIS (1927): “a maioria dos autores se recusa reconhecer aos interesses individuais o título direto para a aplicação do direito internacional. Mas tais resistências são impotentes contra as realidades da vida” 676. Jean SPIROPOULOS (1929) 677 declarava: “a posição do indivíduo na vida jurídica internacional é, na hora atual, dos problemas mais discutidos em nossa disciplina”. Isso continua verdadeiro e objeto de controvérsia. A convivência do ser humano, além e ao lado do plano de seus elementos de conexão com determinado estado e com determinado ordenamento jurídico nacional, traz componente novo, cuja expressão ainda se busca institucionalizar, mas que reflete a importância e a extensão das mudanças em curso. E estas terão de acomodar o ser humano, no plano internacional, sob formas todavia não experimentadas. 1.6.1. do direito internacional clássico ao reconhecimento progressivo de outros sujeitos Dois enfoques existem na determinação dos sujeitos do direito internacional: a clássica, que em sua concepção original atribuía a noção de sujeito do direito internacional apenas aos estados; e a individualista, realista ou pós-moderna, para a qual o destinatário do direito internacional, como, aliás, de todos os ramos do direito, só pode ser o indivíduo. Durante cerca de 300 anos, o direito internacional ocupava-se exclusivamente dos estados678. Esse seria o “modelo de Vestfália” (1648), que se mantém em Viena (1815) e prossegue até Versalhes (1919), mas nessa altura se dá a introdução de elementos novos, com o surgimento e a difusão das organizações internacionais679 e crescente atuação destas nos mais variados campos da vida internacional. Atualmente, a personalidade internacional das Nações Unidas e das organizações intergovernamentais, em geral, não é contestada, mas na ocasião em que foi criada a Sociedade das Nações (SdN) a doutrina relutou em lhe reconhecer a qualidade de pessoa internacional – tanto assim que SIOTTO PINTOR reagiu com ceticismo à iniciativa brasileira de nomear, em 1924, um representante permanente junto à organização. Paul FAUCHILLE ponderou no sentido de que, embora a SdN não fosse um superestado, era com efeito um sujeito do direito internacional. Outras entidades eram mencionadas, como, por exemplo, os movimentos de libertação internacional, os domínios britânicos (dominions) antes de serem reconhecidos como estados independentes680. Dentre os sujeitos de direito internacional, cumpre citar e preservar o papel crescente do indivíduo não como sujeito indireto de direitos e deveres internacionais, mas como sujeito direto. Isso começa a se colocar a partir da responsabilidade penal internacional, e se estende, progressivamente, a outros campos do direito internacional pós-moderno. Cabe, contudo, enfatizar os valores construtivos que se contrapõem aos não valores da guerra e toda a gama de violência da pobreza e da repressão. Na linha de L. GROSS (1967), propõe R. A. FALK (1969) 681 cinco valores: (I) a minimização da violência, (II) a proteção e a promoção dos direitos do homem e dos povos; (III) as transferências de recursos e de riquezas dos países ricos aos pobres; (IV) a participação equitativa das várias culturas, regiões e ideologias em sistema mundial, de base equilibrada em relação aos povos do mundo; (V) o desenvolvimento de instituições internacionais e supranacionais. É preciso resistir à tentação de tentar manipular e engessar a realidade, para poder melhor enquadrá-la nas categorias teóricas desejadas. A realidade se intromete continuamente, e não pode ser negligenciada. Por isso se exprime sempre a inserção do direito internacional pós-moderno no tempo histórico e contexto cultural. A referência a KELSEN (1951) mostra exatamente sua adaptação de modelos de “teoria pura” para a vida do direito e a adaptação “material” deste, mesmo sem haver exata observância de dispostivos, na medida em que possa haver consistência entre os meios utilizados e os objetivos que formaram e informaram aquele sistema jurídico. A necessidade de adaptação – do modelo da ONU à realidade internacional – foi percebido e avaliado por KELSEN e reflete-se até o momento presente 682 em sucessivas retomadas da discussão a respeito do tema. Em boa medida, todavia, inconclusivas, pois o equilíbrio de forças, que poderia permitir a reformulação da regulamentação do sistema, não foi, todavia, alcançado. A caracterização da condição de sujeito de direito internacional teve considerável evolução nas últimas décadas. Ponto central dessa evolução é a condição do indivíduo, no plano internacional683. 1 Para R. REDSLOB, “a diplomacia é tão antiga como as nações” e “é tão antiga como o mundo e só desaparecerá com ele”, segundo MAULDE LA CLAVIÈRE. 2 V. Fundamentos (2008) (esp. item VI, “Direito, história e cultura”, p. 489-615). 3 Nessa ocasião deu-se a assinatura de tratado entre EANATUM, que era o soberano da cidade de Lagash, e a cidade de Ouma, da qual EANATUM tinha respondido ao ataque — este poderia, assim, considerar-se no direito de defesa, em reação a ataque sofrido. Este tratado foi redigido em língua suméria.O mesmo encontra-se atestado por “Estela”, descoberta no início do século XX, tratado este sancionado e colocado sob a invocação das principais divindades do país e garantido por terceiro parceiro, MESILIM, rei de Kish, na Acádia, príncipe esse que estendera sua dominação em Sumer, e restabelecera a paz, entre as cidades rivais. A respeito v. tb. A. TRUYOL Y SERRA, Génèse et structure de la société internationale (RCADI, 1959, t. 96, p. 553-642) e L’expansion de la société internationale au XIXe et XXe siècles (RCADI, 1965, t. 116, p. 89-179) e Histoire du droit international public (Paris: Economica, 1995). 4 D. GAURIER (2005, p. 8): “O primeiro apresentou teoria da sociedade internacional, fundada na sociabilidade universal, a propósito dos problemas morais, que suscitava a colonização espanhola das Índias. O segundo, impregnado de teologia protestante, colocava, já em 1609, o princípio da liberdade de navegação dos mares, que o inglês SELDEN viria logo depois contradizer; GRÓCIO consagra, com sua obra principal, De jure belli ac pacis, o nascimento de verdadeira formulação da matéria, no plano do enfoque jurídico, mesmo se é difícil fazer, dessa obra que abrange tudo, monumento como tal do direito internacional”. 5 Stephan VEROSTA (op. cit., p. 496-498). 6 Stephan VEROSTA (op. cit., p. 500-1): “Traditional historical maps are highly misleading; they show the Roman and Persian Empires as centralised unitarian states. In reality, each of the two Empires constituted a rather complex commonwealth of nations, states, city-states and cities”. 7 Stephan VEROSTA (op. cit., loc. cit.): “The Romans had to realize very soon that the domination of the whole world was beyond the Empire’s powers”. Com parceiros considerados iguais eram celebrados tratados de amizade ou neutralidade (amicitia) e alianças defensivas (foedus). Alguns tratados constituíam formas variadas de dependência (deditio in fidem, clientela), mais ou menos correspondentes aos pactos de vassalagem e protetorado do direito internacional moderno, ou constituíam submissão à autoridade de Roma (deditio). 8 J. B. WHITTON, La règle “pacta sunt servanda” (RCADI, 1934, t. 49, p. 147-276). 9 M. ZIMMERMANN, La crise de l’organisation internationale à la fin du moyen âge (RCADI, 1933, t. 44, p. 315-438). 10 M. ZIMMERMANN (op. cit., 1933, p. 319 e, a seguir, p. 320): Si l’on analyse les données historiques, il n’y a pas de doute qu’une organisation internationale très différenciée s’établit au Moyen Âge, que l’organe suprême de cette organisation avait une compétence nette, qu’il pouvait créer des normes juridiques nouvelles et abolir la coutume, qu’il exerçait un pouvoir judiciaire et qu’il disposait d’un pouvoir exécutif”. 11 A. TRUYOL Y SERRA (op. cit., 1965, p. 95 e, a seguir, p. 96-7): “Sur le plan international, la mutation consiste dans dans le passage d’une pluralité de sociétés internationales particulières ou régionales, à une société internationale unique, à l’échelle de la planète”. 12 Nesse sentido, para TRUYOL Y SERRA (op. cit., 1965, p. 97-8), caberia “rechercher les changements du monde international qui résultent essentiellement de cette expansion”, “pour comprendre en profondeur la crise du droit international, que nous entreprendrons nos démarches d’histoire sociale et politique (...) cette expansion nous expliquera les vicissitudes du droit international à notre époque”, porquanto “la crise du droit international ne fait que réfléter sur le plan normatif, la mutation sociale et politique de la société internationale, à son tour, un aspect de la mutation de l’humanité contemporaine”. 13 A. TRUYOL Y SERRA (op. cit., 1965, p. 111) a respeito do “concerto europeu”: “suffise de rappeler qu’il a été le premier pas, timide à vrai dire (mais pouvait-on aller d’emblée au-delà, et d’ailleurs certaines formules actuelles d’union européenne vontelles beaucoup plus loin?), vers une organisation de la société internationale. Le mot ‘concert’ a sans aucun doute un sens plus précis de l’unité d’action que ‘système’. On sait que le moyen auquel ont eu recours fut la réunion fréquente de congrès (‘système de scongrès’). On sait aussi que son échec à partir du dernier tiers du XIXe Siècle, après les changements introduits dans la carte politique de l’Europe par le principe des nationalités (...), puis par l’avènement de l’impérialisme et des rivalités coloniales à une échelle véritablement mondiale, dont nous verrons également les conséquences (...), devait déboucher sur la ‘paix armée’ et la première guerre mondiale”. 14 A. TRUYOL Y SERRA (op. cit., 1965, p. 114). 15 William E. RAPPARD, Vues retrospectives sur la Société des Nations (RCADI, 1947, t. 71, p. 111-226). 16 A. SANTOS DUMONT, Dans l’air (Paris: Eugène Fasquelle, 1904); João Luiz MUSA, Alberto Santos-Dumont: eu naveguei pelo ar (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001); Alcy CHEUICHE, Nos céus de Paris: o romance da vida de Santos Dumont (Porto Alegre: L&PM, 2001). 17 G. E. do NASCIMENTO E SILVA nunca se omitia em defender o papel do pioneiro brasileiro da aviação, Santos Dumont, por ter sido o primeiro em fazer voo com ponto determinado de partida e de chegada, depois de percorrer percurso igualmente determinado, com o 14-Bis, em 1906, enquanto os irmãos Wright, com o Kitty Hawk, em 1903, descendo ladeira abaixo, frisava Nascimento e Silva, não mais teriam feito que comprovar a lei da gravidade. 18 Em seu grandioso estudo, mostra a continuidade e o encadeamento da história humana como um todo. Arnold Joseph TOYN BEE, A study of History (abridgement by D. C. SOMMERWELL, London – New York – Toronto: Oxford U.P., v. 1-6, 1949, v. 7-10, 1957, v. 11 e 12 “Reconsiderations” x+740 p., 1961). 19 Antonio GÓMEZ ROBLEDO, Le jus cogens international: sa génèse, sa nature, ses fonctions (RCADI, 1981, t. 172, p. 9217, cit. p. 50): “Le droit intertemporel, comme on l’a vu dans le cas du Sahara occidental, a eu un rôle très important dans la formation du nouveau droit de la décolonisation en ce qui concerne, par exemple, la caducité des droits qu’aurait pû avoir auparavant, la puissance coloniale”. 20 Hugo GRÓCIO, Direito da guerra e da paz (Unijuí. Livro I, Cap. I, n. IX, “O direito é definido como regra e se divide em direito natural e direito voluntário”, p. 78-9). 21 Hugo GRÓCIO (op. cit., loc. cit.), cf. referido, vai buscar em Moisés MAIMONIDES a distinção entre “direito natural” e “direito positivo”. 22 Moisés MAIMONIDE, Le guide des égarés (traduit de l’arabe par Salomon MUNK, préf. de Claude BIRMAN) suivi Le traité des huit chapitres (traduit de l’arabe par Jules WOLF, préf. Franklin RAUSKY, nouv. éd. révue par Charles MOPSICK, Paris: Verdier, © 1979, impr. 1996). 23 Moisés MAIMONIDES, Le guide des égarés (Livro III, Cap. XXVI, “Les commandements et leur sens”, p. 502-505, cit. p. 503504). 24 A. A. CANÇADO TRINDADE (op. cit., 2002, p. 1087). 25 Emer de VATTEL, O direito das gentes (pref. e trad. de Vicente Marotta RANGEL, Brasília: Ed. UnB / IPRI, 2004, I.III. par. 35, p. 30). 26 Emer de VATTEL (op. vel ed. cit., “Preliminaries: ideia e princípios gerais do direito das gentes”, pars. 7 a 9): “Usamos o termo direito das gentes necessário para aquele direito das gentes que consiste na aplicação do direito natural às Nações. Ele é necessário porque as Nações são absolutamente obrigadas a respeitá-lo. Esse direito contém os preceitos que a lei natural confere aos estados, os quais não estão menos obrigados a ela que os particulares, porque os estados são compostos de homens e as deliberações são tomadas por homens e porque a lei da natureza obriga todos os homens a terem capacidade para agir”. (...) “o direito das gentes necessário consiste em aplicar o direito natural aos estados, e desde que o direito natural é imutável por estar baseado na natureza das cousas e particularmente na natureza do homem, conclui-se que o direito das gentes necessário é imutável. Desde que esse direito é imutável e as obrigações que ele impõe são necessárias e indispensáveis, as Nações não podem alterá-lo por acordo, nem dele se eximir por elas próprias ou por via de reciprocidade”. 27 E. de VATTEL (op. vel ed. cit., I.XXIII, par. 283, p. 180-181). V. tb.: Jochen Abr. FROWEIN, Reactions by not directly affected states to breaches of public international law (RCADI, 1994, t. 248, p. 345-438, “Introduction”, p. 353-354): “up to about 1970 there was hardly any disagreement that international law, as far as violations or countermeasures were concerned, operated in a bilateral relationship between a state violating international law and a victim-state, this view started to alter around 1970. We shall be concerned with the possibilities for states not directly the victims of a violation to take some reaction against it. (…) / With notions such as the ‘community of states’ or ‘obligation existing erga omnes’, in other words against the community of states and all states being members of that community, it is possible to widen what used to be the bilateral relationship into a relationship between the violator and all other states. In our context we shall use the notion ‘not directly affected states’ to circumscribe first of all those states which are not the ones against whose territory, citizens or other rights and interests the act by the violator is directed. Where the violator does not act against any state at all but against what may be considered a right of the community of states or a common interest, but also where individual human rights are violated we shall also use the notion “not directly affected states’. / We prefer the notion of ‘reaction’ to the more technical notion of “countermeasures’. We shall include reactions below the threshold of real countermeasures and will also deal with the reaction to the use of force, particularly selfdefence, which is not normally seem as a countermeasure. As far as countermeasures are concerned we shall deal with retortions as well as with reprisals”. 28 A. A. CANÇADO TRINDADE, Os rumos do direito internacional contemporâneo (op. cit., 2002, p. 1088): “advertir para a manifesta incompatibilidade com o conceito de jus cogens da concepção voluntarista do direito internacional, que não é capaz sequer de explicar a formação de regras do direito internacional geral. Tal concepção tampouco explica a incidência de elementos independentes do livre arbítrio dos Estados, no processo de formação do direito internacional contemporâneo”. 29 A respeito do jus cogens e seus desdobramentos: Levan ALEXIDZE, Legal nature of jus cogens in contemporary international law (RCADI, 1981, t. 172, p. 219 e s.); Eduardo C. BAPTISTA, Ius cogens em direito internacional (Lisboa: Lex, 1997); I. BROWNLIE, Principles of public international law (Oxford: Clarendon Press, 4th. ed., 1990, reprinted 1995, Cap. XXII, “Some incidents of illegality and the concept of jus cogens”, p. 509-517, esp. 512-515); CARNEGIE Endowment for International Peace (ed.), The concept of jus cogens in public international law (conference of Lagonissi, 1966, papers and proceedings, Genebra, 1967); Francesco CAPOTORTI, Cours général de droit international public (RCADI, 1994, t. 248, p. 9-344, esp. cap. VIII, item 4, “la violence par rapport aux traités. Les traités en conflit avec le jus cogens”, p. 182 e s.); J. A. CARRILLO SALCEDO, Droit international et souveraineté des états: cours général de droit international public (RCADI, 1996, t. 257, p. 135 e s.); P. CASELLA, Fundamentos (2008, esp. Cap. IX, “Fundamentos e norma cogente de direito internacional”, p. 727-783); B. CONFORTI, Cours général de droit international public (RCADI, 1988, t. 212, p. 129 e s.); M. DIEZ DE VELASCO, Instituciones de derecho internacional público (Madri: Tecnos, 10a. ed., 1994, esp. “La dimensión normativa del sistema internacional”, p. 73-83 etc.); T. O. ELIAS, Problems concerning the validity of treaties (RCADI, 1971, t. 134, p. 388); Giorgio GAJA, “Jus cogens” beyond the Vienna Convention (RCADI, 1981, t. 172, p. 271 e s.); Antonio GOMEZ-ROBLEDO, Le jus cogens international: sa génèse, sa structure, ses fonctions (RCADI, 1981, t. 172, p. 9 e s.); Jean-Paul JACQUÉ, Acte et norme en droit international public (RCADI, 1991, t. 227, p. 357-417); Robert JENNINGS, “Les traités” (in Droit international: bilan et perspectives, org. M. BEDJAOUI, Paris: Pedone / UNESCO, 1991, v. I., p. 143-186, esp. par. 6, “Jus cogens”, p. 169-173); Robert KOLB, Théorie du ius cogens international: essai de relecture du concept (Paris: PUF / publ. IUHEI, Genebra, 2001); Manfred LACHS, General course on public international law (RCADI, 1980, t. 169, p. 202 e s.); H. MOSLER, The international society as a legal community (RCADI, 1974, t. 149, p. 148-50); McNAIR, The law of treaties (Oxford, 1961, p. 213); G. E. do NASCIMENTO E SILVA, Le facteur temp et les traités (RCADI, 1977, v. 154, p. 253-255); Rafael Nieto NAVIA, El derecho imperativo ( jus cogens) en el derecho internacional, in Universitas, Bogotá, 1977, v. 62; S. REISENFELD, “Jus dispositivum” and “jus cogens” (AJIL, 1966, v. 60, p. 511); J. G. RODAS, “Jus cogens” em direito internacional (Rev. FDUSP, 1974, v. 69, p. 125 e s.); J. G. RODAS, Alguns problemas de direito dos tratados relacionados com o direito internacional à luz da Convenção de Viena (tese de doutoramento em direito internacional, São Paulo: FDUSP, 1973); Ch. ROUSSEAU (cit. 1, p. 130-131); G. SCHWARZENBERG, International law and order (Londres, 1971, p. 27-56); Egon SSCHWELB, Some aspects of international “jus cogens” (AJIL, 1957, v. 61, p. 946); Ignaz SEIDL-HOHENVELDERN, International economic soft-law (RCADI, 1979, t. 163, p. 165-246); Malcolm N. SHAW, Genocide and international law (in coletânea em honra de Shabtai ROSENNE, Dordrecht, 1988, p. 800); G. TUNKIN, International law in the international system (RCADI, 1975, v. 147, p. 98); Alfred VERDROSS, “Jus dispositivum” and “jus cogens” in international law (AJIL, 1966, v. 60, p. 55 e s.); Michel VIRALLY, Réflexions sur le “jus cogens” (AFDI, 1966, t. 12, p. 5 s.); Ch. de VISSCHER, Positivisme et “jus cogens” (RGDIP, 1971, t. 75, p. 5 e s.); Ch. de VISSCHER, Cours général de droit international public (RCADI, 1972, t. 136, p. 102 e s.). 30 Instituto de Direito Internacional, La compétence universelle en matière pénale à l’égard du crime de génocide, des crimes contre l’humanité et des crimes de guerre / Universal criminal jurisdiction with regard to the crime of genocide, crimes against humanity and war crimes (resolução adotada na sessão de Cracóvia, em 25 de agosto de 2005), teve como relator Christian TOMUSCHAT. Nesta Resolução se refere o IDI aos valores fundamentais da comunidade internacional violados por crimes internacionais graves, tais como definidos pelo direito internacional (crimes internationais), e assinala que a competência universal tem por objeto proteger esses valores, em particular a vida humana, a dignidade humana e a integridade física. O propósito é o de contribuir à prevenção e à repressão de tais crimes, visando por termo à impunidade, que pode resultar, particularmente, na falta de vontade ou na incapacidade de autoridades estatais tomarem as medidas necessárias para processar e punir tais crimes. 31 A. A. CANÇADO TRINDADE, Os rumos do direito internacional contemporâneo (op. cit., 2002, p. 1089): “Evolução doutrinal – devida sobretudo à consciência jurídica universal – aponta na direção da consagração de obrigações erga omnes, devidas à comunidade internacional como um todo”. 32 Gilberto BERCOVICI, Desigualdades regionais, estado e constituição (São Paulo: Max Limonad, 2003) desenvolve análise na perspectiva de direito interno, mas permite a contraposição para contexto de relações internacionais. 33 Objeto de tópico específico. V. Gaetano ARANGIO-RUIZ, Le domaine réservé: l’organisation internationale et le rapport entre droit international et droit interne (RCADI, 1990, t. 225, p. 9-484). 34 IDI, Resolução de Santiago de Compostela, adotada em 13 de setembro de 1989, Artigo 6º: Os dispositivos da presente Resolução se aplicam, sem prejuízo dos procedimentos instituídos em matéria de direitos do homem, nos termos ou em virtude de instrumentos constitutivos e das convenções da Organização das Nações Unidas e das instituições especializadas ou regionais. 35 IDI, Resolução de Santiago de Compostela, adotada em 13 de setembro de 1989, Artigo 7º: O reforço dos métodos e procedimentos internacionais, especialmente dos métodos e dos procedimentos das organizações internacionais, visando prevenir, reprimir e eliminar as violações dos direitos do homem, é altamente desejável. 36 O Instituto de direito internacional adotou, por meio da 9ª Comissão, em 25 de agosto de 2005, Resolução a respeito da diversidade cultural e questões de ordem pública em direito internacional privado, em matéria de família, tendo como Relator Paul LAGARDE: différences culturelles et ordre public en droit international privé de la famille / cultural differences and ordre public in family private international law (o texto francês sendo original e o inglês, uma tradução). 37 Maurizio RAGAZZI, The concept of international obligations erga omnes (Oxford: Clarendon Press, 1997). 38 M. RAGAZZI (op. cit., 1997, p. 72): “are meant to protect the common interests of states and basic moral values”. 39 Instituto de direito internacional, Les obligations et les droits erga omnes en droit international / Obligations and rights erga omnes in international law (“Le texte anglais fait foi. Le texte français est une traduction”. Adotada em 27 de agosto de 2005, 5a. Comissão, teve como relator Giorgio GAJA). 40 W. KOMARNICKI, La définition de l’agresseur dans le droit international moderne (RCADI, 1949, t. 75, p. 1-114) ; Yoram DINSTEIN, Guerra, agressão e legítima defesa (do original W ar, aggression and self-defence, 1988, 1994, 2001, trad. Mauro R. De Mello, Barueri: Manole, 3. ed., 2004. 41 A respeito da Convenção para a prevenção e a repressão do crime de genocídio, de 9 de dezembro de 1948, v. o parecer consultivo da Corte Internacional de Justiça, prolatado em 28 de maio de 1951, sobre a eficácia e os limites para a adoção de reservas a essa convenção. V. tb. Fundamentos (item I, “Construção do direito internacional e contexto pós-moderno”, e, item IX, “Fundamento e norma cogente de direito internacional”). O Instituto de direito internacional na sessão de Cracóvia, em 2005 adotou Resolução a respeito da competência universal em matéria penal, com relação aos crimes de genocídio, de crimes contra a humanidade e de crimes de guerra (Universal criminal jurisdiction with regard to the crime of genocide, crimes against humanity and war crimes / Le texte anglais fait foi. Le texte français est une traduction), 17ª Comissão, teve como Relator Christian TOMUSCHAT); v. tb. Dalmo de Abreu DALLARI, O genocídio repensado (in Direito e comércio internacional: tendências e perspectivas: estudos em homenagem ao prof. Irineu STRENGER, org. L.O. BAPTISTA, H. M. HUCK e P. B. CASELLA, São Paulo: LTr, 1994, p. 463-477); Victoria ABELLÁN HONRUBIA, La responsabilité internationale de l’individu (RCADI, 1999, t. 280, p. 135-428, esp. Cap. V, item II, “Crime de génocide”, p. 320-331, cit. p. 326): “Il convient d’observer une certaine tendance du Triibunal pour l’ex-Yougoslavie et de la pratique étatique à élargir la notion de génocide à d’autres cas non expressément pris en considération par la qualification internationale; tendance, d’autre part, bien accueillie par certains secteurs de l’opinion publique internationale”. 42 J. DUMAS, La sauvegarde internationale des droits de l’homme (RCADI, 1937, t. 59, p. 1-98). 43 G. ABI-SAAB, W ars of national liberation in the Geneva Conventions and Protocols (RCADI, 1979, t. 165, p. 353445). 44 Disponível em: http://www.icj-cij.org/icjwww/idecisions.htm. 45 Geoffrey C. GUNN, Complicity in Genocide: report to the East Timor “Truth Commission” on International Actors (Macau: Tipografia Macau-Hong Kong / Geoffrey C. Gunn, 2006). 46 J.-A. CARRILLO SALCEDO, Droit international et souveraineté des états: cours général de droit international public (RCADI, 1996, t. 257, p. 35-222, esp. p. 67-70). 47 V. Nelson F. de CARVALHO, no ensaio Arqueologia do consenso ( i n Direito e comércio internacional: tendências e perspectivas — estudos em homenagem ao prof. Irineu STRENGER, org. L. O. BAPTISTA, H. M HUCK e P. B. CASELLA, São Paulo: LTr, 1994, p. 353-406). 48 A respeito da configuração de obrigação erga omnes, manifestase a Corte Internacional de Justiça no Parecer sobre as consequências jurídicas da construção do muro nos territórios palestinos ocupados, prolatado em 9 de julho de 2004. Cfr. tb. V. MAROTTA RANGEL, L’avis consutltatif du 9 juillet 2004 et l’antinomie entre volontarisme et solidarisme (in International law and the use of force at the turn of centuries: essays in honour of Vladimir-Djuro DEGAN, Rijeka: Fac. of Law, Univ. of Rijeka, 2005, Cap. 10, p. 199-205); e o já ref. M. RAGAZZI, The concept of international obligations erga omnes (Oxford: Clarendon Press, 1997). 49 O Instituto de direito internacional adotou, por meio da 17ª Comissão, em 26 de agosto de 2005, Resolução sobre competência universal em matéria penal, com relação aos crimes de genocídio, de crimes contra a humanidade e de crimes de guerra (Universal criminal jurisdiction with regard to the crime of genocide, crimes against humanity and war crimes / Le texte anglais fait foi. Le texte français est une traduction), e teve como relator Christian TOMUSCHAT. 50 Cfr. tb. Michael C. PRYLES, Tort and related obligations in private international law (RCADI, 1991, t. 227, p. 9-206). 51 Jean-Paul JACQUÉ, Acte et norme en droit international public (RCADI, 1991, t. 227, p. 357-417). 52 P. JACQUÉ (op. cit., 1991, p. 369-370). 53 M. MENDELSON enceta seu curso na Haia, The formation of customary international law (RCADI, 1998, t. 272, p. 155-410), com a narração da formação da sociedade internacional, como se fosse romance a respeito da pré-história. 54 O marco de mutação qualitativa teria ocorrido somente com o início da institucionalização dos meios pacíficos de solução de controvérsias interestatais, com destaque para as Conferências de Paz da Haia de 1899 e 1907, também como “tentativas de favorecer certa centralização” do até então difuso e não institucionalizado sistema internacional. V. L. CAFLISCH, Cent ans de règlement pacifique des différends interétatiques (RCADI, 2001, t. 288, p. 245-467, cit., p. 260-1). 55 Ernst CASSIRER, Ensaio sobre o homem: introdução a uma filosofia da cultura humana (do original An essay on man: an introduction to a philosophy of human culture, 1944, 1972, trad. Tomás Rosa BUENO, 1. ed., bras. 1994, 3ª tir., 2001, esp. parte II, “O homem e a cultura”, p. 105-372, prefácio de E. CASSIRER, p. 1-5, cit., p. 2): “Um de meus objetivos mais importantes foi o de convencê-lo [o leitor] de que todos os temas tratados neste livro são apenas, afinal, um único tema. São caminhos diferentes que levam ao mesmo centro – e, a meu modo de ver, cabe a uma filosofia da cultura descobrir e determinar esse centro”. 56 E. CASSIRER (op. cit., 1944, ed. 2001, Cap. VI, “A definição do homem nos termos da cultura humana”, p. 107-120, cit. p. 108) e prossegue: “É claro que essas atividades, em sua evolução histórica, estão intimamente ligadas ao desenvolvimento do estado; em muitos aspectos, elas dependem das formas de vida política. No entanto, embora não possuam uma existência histórica separada, têm mesmo assim um propósito e um valor próprios”. 57 Stephan VEROSTA, International Law in Europe and W estern Asia between 100 and 650 A.D. (RCADI, 1952, t. 80, p. 485-620, “Introduction”, p. 494, nota 7). 58 No caput do item 1. Desenvolvimento histórico e fundamento, supra. 59 J. B. WHITTON, La règle pacta sunt servanda (RCADI, 1934, t. 49, p. 147-276). 60 Teresa NEGREIROS, Fundamentos para uma interpretação constitucional do princípio da boa-fé (Pref. M. C. B. de MORAES, Rio de Janeiro: Renovar / bilbioteca de teses, 1998, “Introdução”, p. 1-23, cit. p. 1-2): “A boa-fé é uma noção jurídica tão antiga quanto obscura. Tais características parecem justificar-se reciprocamente. Com efeito, a ancestralidade da boa-fé – cujas origens já se delineiam na tradição jurídica romana – pode ser associada à ancestralidadede do próprio direito, como forma de organização social, na medida em que a ideia de uma conduta leal e confiável – substrato da boa-fé – integra a essência do direito, sua dupla fundamentação de viabilizar a justiça e a segurança das relações intersubjetivas. A conexão assim vislumbrada, entre a ideia de direito e o conteúdo ético evocado pela boa-fé implica, numa perspectiva de assimilações mútuas, que a conceituação desta reflita a conceituação daquele. Sob esse aspecto, portanto, as tantas dificuldades em conceituar a boa-fé – chamada, também por isso, de une mer sans rivages — revelam apenas um pequeno córrego que aflui ao grande oceano, pressuposto pela eterna questão acerca do que seja o conteúdo (mínimo) do direito”; cita Simone DAVID-CONSTANT, La bonne foi: une mer sans rivages (in Bonne foi: Actes du colloque organisé le 30 mars par la Conférence libre du jeune barreau de Liège, A.S.B.L., Liège: Éditions du jeune barreau de Liège, 1990, p. 7). 61 Robert KOLB, La bonne foi en droit international public: contribution à l’étude des principes généraux du droit (Paris: PUF / publ. IUHEI, 2000); Elizabeth ZOLLER, La bonne foi en droit international public (Paris: Pedone, 1977); Suzanne BASTID, Mutations politiques et traités: le cas de la Chine (in La communauté internationale: Mélanges offerts à Charles ROUSSEAU, Paris: Pedone, 1974, p. 1-15, cit. p. 15): “La notion de continuité de l’état ne s’adapte pas à tous les problèmes issus, pour les traités, des mutations politiques”. 62 E. REALE, Le droit d’asile (RCADI, 1938, t. 63, p. 469-602); Adherbal MEIRA MATTOS, Direito internacional público (Rio de Janeiro: Renovar, 2. ed., 2002, Cap. 14, “Direito de asilo”, com distinção entre “asilo político” e “asilo diplomático”, p. 285-295). 63 Stephan VEROSTA (op. cit., 1952, “Introduction” p. 491): “There is no doubt that from the earliest periods of international relations between sovereign political units such a body of rules of a general law of nations can be traced showing all the basic characteristics of international law”. 64 Nesse sentido, em lugar de controvérsias infrutíferas a respeito do marco temporal inicial da disciplina, pode-se ter a consciência de que o direito internacional, como toda obra humana, se faz no tempo e é produto do tempo (história) e meio (cultura) em que se cria e se desenvolve, em perspectiva pósmoderna, e mais abrangente. V. Fundamentos (2008, esp. item V, “Direito internacional e duração”, p. 445-487 e VI, “Direito, história e cultura”, p. 489-615). 65 Stephan VEROSTA (op. cit., 1952, p. 494 s.): “Among these treaties, the convention of peace and alliance between RAMSES II and HATTUSILI II of 1279 b.C. is particularly important; it is written in Accadian, the language of diplomacy and international instruments of that period”. 66 Josep BLANES Sala, Noção e instituições de direito internacional na Grécia clássica (São Paulo: FDUSP, mestrado em direito internacional, 1993); G. TÉNÉKIDÈS, Droit international et communautés fédérales dans la Grèce des cités (RCADI, 1956, t. 90, p. 469-652). A perspectiva pôde ser ampliada, pelo mesmo TÉNÉKIDÈS, em outro curso na Haia, Régimes internes et organisation internationale (RCADI, 1963, t. 110, p. 271-418). 67 V. Fundamentos (item VII, “Eunomia internacional”, p. 617-666); G. TÉNÉKIDÈS, Droit international et communautés fédérales dans la Grèce des cités (1956, p. 469-652). 68 Ernest BARKER, nos ensaios do volume, Church, state and education (1st. publ., 1930; “American edition, with a new preface by the Author”, Ann Arbor: Univ. of Michigan Press, 1957, especificamente Cap. I, “the roman conception of empire”, p. 1-43). V. tb. seu Teoria política grega: Platão e seus predecessores (do original inglês Greek political theory, ed. inglesa Londres: MEthuen & Co., 1977, trad. Sérgio BATH, Brasília: Ed. UnB, 1978). 69 Ernest BARKER (op. cit., ed. 1957, cap. cit.): “The legal genius of Roman citizens – with their conceptions of imperium, and provincia, potestas and maiestas – which gave to the Empire the framework and structure of its institutions. But the ideas on which it rested – the ideas which made it more than a structure, and gave it a root in the minds of men – were ideas which had germinated in the East. Any permanent society must rest on a body of belief and on the social will which such a body of belief creates”. 70 BARKER (op. cit., p. 22-25): “The development of a common law for the empire acompanied, as it helped to promote, the development of a common citizenship. (…) If we look at the origin of this system, we shall call it the praetor’s law, or ius praetorium; if we look at the area of its application, we shall call it the general law, or ius gentium”. (…) “This simple and universal law, thus formulated by the praetors, became connected with the conception of a law of nature. It is quite possible that the Roman lawyers realized the “natural” character of the ius gentium even before they were imbued with Stoic philosophy; it is certain that, as they came to understand the Stoic conception of a universal law of nature, they came to regard the ius gentium as a close approximation to that conception; and though it was never universally or completely identified with the law of nature, it was at any rate regarded as the concrete expression of such a law in actual human society – less perfect in that it denied equality and recognized slavery; but more serviceable, because it was actually formulated and administered in courts”. 71 BARKER (op. cit., p. 24-25): “As a school of jurisconsults arose at Rome, the practical application of the ius gentium in the praetor’s court was supplemented by scientific inquiry; and from the second century b.C. a body of trained jurists applied their skill to elucidate and develop its implications. The majesty of the ius gentium was recognized – and at the same time its growth was stopped – when HADRIAN (…) caused the jurist SALVIUS JULIANUS to codify the praetorian edict in a fixed and final form. By this time, the work had been done: the city-law of Rome had been expanded to meet the needs of the new Mediterranean state: a ius gentium regarded as valid for all free men everywhere (this is the meaning of gentium), and assuming an ideal aspect by its close connexion with the law of nature – a connexion which helped to ameliorate the lot even of the slave – was co-extensive with the whole empire”. 72 V. Fundamentos (2008) (item I, “Construção do direito internacional e contexto pós-moderno”, p. 55-171, cit. p. 121-2). 73 Ernest BARKER (op. cit., loc. cit.): “If the expansion of the ius gentium was stopped by its codification, there was another source ready and able to provide a law no less universal. The emperors had the power of issuing “rescripts” in answer to any inquiry or petition; and these rescripts, if they dealt largely with matter of administration, were also concerned with matter of law” (…). “Valid for the whole empire, by virtue of their origin, they continued and completed the formation of a single law for the Mediterranean world”. 74 Vincenzo ARANGIO-RUIZ, Storia del diritto romano (Nápoles: Eugenio Jovene, 7. ed., “Riveduta, con note aggiunte”, 1977, esp. Caps. XIV, “ Leges et iura nel travaglio postclassico”, p. 353-375, e XVI, “Le fonti giuridiche bizantine”, p. 398-404) enfocando as codificações feitas no final do Império romano do ocidente: o Codex Theodosianus (439), o Edito de TEODORICO, rei dos Ostrogodos, publicado por volta do ano 500, a Lex romana wisigothorum, elaborada por juristas de cultura romana, aprovada em 506, em reunião de bispos e notáveis romanos, também sancionada e promulgada pelo rei ALARICO, donde o fato de também ser conhecida como Breviarium Alarici ou Alaricianum. 75 Afonso Arinos de MELO FRANCO, Amor a Roma (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982). 76 Ernest BARKER (ed. 1957, esp. no tb. já ref. Cap. II, “The unity of mediaeval civilization”, p. 44-71). 77 Roma, porém, havia concorrido para o conhecimento mútuo dos povos e para que esses se habituassem a relações pacíficas normais, de maneira que, após o desmembramento do império romano, era natural que pudessem surgir e desenvolver-se relações internacionais e, concomitantemente, um direito internacional. 78 Philippe NEMO, Qu’est-ce que l’Occident? (Paris: PUF / Quadrige, 2004). 79 Ph. NEMO (op. cit., “Introduction”, p. 5-10, cit. p. 5): “Les circonstances géopolitiques d’aujourd’hui appellent peut-être à leur tour quelque chose comme un discours à la nation occidentale”. 80 Stephan VEROSTA (op. cit., loc. cit.): “Embassies and envoys were not only inviolable, but enjoyed privileges and immunities; so did the heads of state on official visits to another state. The conclusion of treaties was operated by the exchange of signed and sealed documents of ratification and authenticated copies of the agreed text in the other Empire’s official language. Commercial relations between the two Empires (Roman and Persian) and other subjects of international law of the period not only existed but were regulated by treaties; merchants, for instance, had to use certain roads and certain emporia. Treaties guaranteed religious minorities the exercise of their faith. The allies of the two Empires were included in the treaties and participated in its benefits and obligations. Disputes arising between the two nations were to be decided by courts of arbitration”. 81 Henri PIRENNE, Mahomet et Charlemagne (1936), seguido de Bruce LYON, le débat historique sur la fin du monde antique et le début du moyen âge, André GUILLOU, Byzance et la genèse de l’europe occidentale; Francesco GABRIELI, Effets et influences de l’Islam sur l’europe occidentale; Heiko STEUER, De Théodoric le grand à Charlemagne (trad. Hélène SEYRÈS, Milão: Jaca Book, © 1986, 1. ed. francesa, 1987); Jean FLORI, Guerre Sainte, jihad, croisade: violence et religion dans le christianisme et l’islam (Paris: Sevil, 2002); Gilles KEPEL, Jihad: expansão e declínio do Islamismo (© 2003, trad. Laís ANDRADE, Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Ed., 2003). 82 Henri PIRENNE (op. cit., “Conclusion”, p. 131-132): “Malgré les troubles et les pertes qui en ont résulté, il n’apparaît de principes nouveaux, ni dans l’ordre économique, ni dans l’ordre social, ni dans la situation linguistique, ni dans les institutions. Ce qui subsiste de civilisation est méditerranéen. C’est aux bords de la mer que se conserve la culture e et c’est là que sortent les nouveautés: monachisme, conversion des anglo-saxons, art barbare etc. / L’Orient est le facteur fécondant; Constantinople, le centre du monde. En 600, le monde n’a pas pris une physionomie qualitativement différente de celle qu’il avait pris en 400. 83 Fernand BRAUDEL, La méditerranée et le monde méditerranéen à l’époque de Philippe II (Paris: Armand Colin, © 1966, impr. 1987, 2 v.); Fernand BRAUDEL, Écrits sur l’histoire (Paris: Flammarion/Champs, © 1969, impr. 1984); Fernand BRAUDEL (coord.), La méditerranée: espace et histoire (Paris: Flammarion/Champs, 1977, impr. 1985); Fernand BRAUDEL e Georges DUBY (coord.), La méditerranée: les hommes et l’héritage (Paris: Flammarion/Champs, 1977, impr. 1986); Georges DUBY, L’Europe au moyen âge (Paris: Flammarion/Champs, 1981, impr. 1984); An 1000 – an 2000: sur les traces de nos peurs (Paris: Textuel, 1995); Henri FOCILLON, L’an mil (Paris: Denoel, 1984); Norman F. CANTOR, The civilization of the middle ages (New York: Harper, 1993). 84 Maurice LOMBARD, L’Islam dans sa première grandeur (VIIIXI siècle) (préf. de Hichem DJAÏT, Paris: Flammarion/Champs, © 1971, impr. 1980); Edmond RABBATH, L’orient chrétien à la veille de l’Islam (Beirute: Publ. de l’Univ. Libanaise, 1980, “Introduction”, p. 9-11), enfatiza: “Byzance, qui continuait Rome, gardait la maîtrise de la preque totalité du bassin méditerranéen”. No século VII, o Islão vem destruir o império milenar dos persas, tomar as províncias semíticas de Bizâncio, e arranca o Oriente da ordem fundada por Roma e o Cristianismo. 85 Contrariamente à célebre tese de Henri PIRENNE, afirma Maurice LOMBARD (op. cit., p. 19-20): “Si les invasions germaniques ont précipité le déclin de l’Occident, les invasions musulmanes ont provoqué la relance de sa civilisation. Bref, le problème posé en Occident à propos de l’arrivée des barbares, de la continuité ou de la régression économique, doit être tranché, dans le cas de la conquête arabe, sur l’ensemble du domaine musulman, par l’affirmation non seulement de toute absence de coupure, mais plus encore, d’un prodigieux éssor”. 86 Henri PIRENNE (op. cit., loc. cit.): “La Méditerranée occidentale, devenue un lac musulman, cesse d’être la voie des échanges et des idées qu’elle n’avait cessée d’être jusqu’alors”. 87 Jacques LE GOFF com a colaboração de Jean-Maurice de MONTREMY, Em busca da Idade Média (trad. Marcos de CASTRO, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005). Obra de divulgação recente e de utilidade para a compreensão das transformações ocorridas durante o período que, inadequadamente, ainda se vê referido como “idade das trevas”. 88 Stephan VEROSTA (op. cit.) mostra as relações entre os impérios persa e romano (Caps. I, III e VI), as relações entre os dois impérios e os estados, cidades-estado e tribos das fronteiras norte e sul (Caps. II e V), o estatuto da Armênia como estado-tampão entre os dois impérios (Cap. III), e as relações entre os dois impérios e os hunos, entre os quais os hunos europeus constituiram poderosa terceira força, na Europa entre 380 e 460 a.D. (Cap. IV). 89 Stephan VEROSTA (op. cit., “Conclusion”, p. 612-613): “There is always continuity in history. The continuity in the history of international law was assured by the East Roman or Byzantine Empire. The West Roman Empire was replaced by a system of new West-European states from a.D. 450 onwards, which later split into many territorial and feudal units and city-states, a Christian family of sovereign political units and states. The Persian Empire was replaced by the Arabs who, by annexing the Eastern and the North-African shore of the Mediterranean had brought the period of later antiquity, based on the unity of the Mediterranean area, to an end, and with it a period in the history of the Law of Nations. The re-hellenized East-Roman or Byzantine Empire remained in full political and cultural continuity as the depositary heir of the Law of Nations developed between 100 and 650 a.D. in Roman-Persian relations. Establishing coexistence and international relations with the West-Asian power of the Caliphate and its Islamic successor states and with the new state-system of Western Europe, the East-Roman or Byzantine Empire transmitted to the West-European and to the West-Asian states, to East and West as seen from Constantinople, a part of the tenor and much of the forms of the Law of Nations elaborated by Europe and Western Asia in later antiquity”. 90 Edouard PERROY, Jeannine AUBOYER, Claude CAHEN, Georges DUBY e Michel MOLLAT, A Idade Média (trad. J. GUINZBURG e Vítor RAMOS, São Paulo: Difel, 4. ed., 1974, História Geral das Civilizações, v. 6, 7 e 8, cit., v. 7, p. 148): “na segunda metade do século XII, o renascimento do direito romano, os contatos mais estreitos com Bizâncio, a própria personalidade de Frederico Barba-Roxa fortaleceram singularmente a ideia imperial. Confundida agora com a realeza alemã, embora a sagração pelo Papa tendesse a tornar-se uma simples formalidade ritual e os príncipes da Germânia julgassem eleger verdadeiramente o Imperador, ligado mais solidamente à tradição carolíngia, como manifestara com brilho, em 1165, a canonização de Carlos Magno, centrado em Aquisgrana e as regiões renanas, o Império apresentava-se, entretanto, como o prolongamento direto do imperium romanorum, cuja majestade única e caráter sagrado os juristas de Bolonha exaltavam”. 91 Justamente nessa mesma época de exacerbação do poder político e temporal da Igreja, como iniciativa política, na Europa, a partir do século XIII, curiosamente, quando, igualmente, se insere o prostrar-se de joelhos, durante a celebração da missa, e se encetam as perseguições contra judeus, heréticos e homossexuais. A respeito, v. John BOSWELL, Christianity, social tolerance and homosexuality (Chicago: Chicago U.P., 1980, edition 1981), cf. item IV, “Direito internacional e duração”. 92 Edouard PERROY, Jeannine AUBOYER, Claude CAHEN, Georges DUBY e Michel MOLLAT, A Idade Média (trad. J. GUINZBURG e Vítor RAMOS, São Paulo: Difel, 4. ed., 1974, História Geral das Civilizações, v. 6, 7 e 8, cit., v. 7, p. 149). 93 Prosseguem Edouard PERROY et al., A Idade Média (v. 7, p. 149-151): “Esse esboroamento rompeu a união que ligava a Itália à Alemanha, cavou profunda depressão política entre as regiões, que estiveram diretamente submetidas ao Imperador, entregando-as, em contraste com os reinos coerentes do ocidente europeu, à fragmentação e às rivalidades”. Sobretudo na Itália e Alemanha, a fragmentação do espaço, antes imperialmente organizado, em múltiplas unidades políticas e poderes concorrentes, perdurará até a metade do século XIX, e explica a particular virulência do nacionalismo italiano e alemão, que foram causa de consideráveis estragos na história europeia e mundial, no final do séculos XIX e primeira metade do século XX. 94 Edouard PERROY et al., A Idade Média (v. 7, p. 151). 95 São BERNARDO, abade de Clairvaux e doutor da Igreja (10901153), no seu La Consideration au pape Eugène III (1145), denuncia com veemência os abusos cometidos por Roma, ao mesmo tempo em que oferece ao papa a fórmula de mediação. V. Pierre PIERRARD, Dictionnaire des prénoms et des saints (Paris: Larousse, 1974, p. 40-41). 96 Edouard PERROY et al., A Idade Média (v. 7, p. 151): “De fato, a cristandade unida da época feudal, das primeiras cruzadas, fracionara-se definitivamente. E este próprio fracionamento, o reforço das potências laicas de um lado, e de outro o desenvolvimento econômico, o crescente poder do dinheiro e a consecutiva transformação dos costumes, acarretavam desde a metade do século XII, o mal estar cada vez mais penoso, no interior da Igreja”. 97 Louis E. Le FUR, Le développement historique du droit international: de l’anarchie internationale à une communauté internationale organisée (RCADI, 1932, t. 41, p. 501-602), b/c do mesmo Le FUR, tb. seu curso Règles générales du droit de la paix (RCADI, 1935, t. 54, p. 1-308). 98 Seria excessivo ver a pretensão de reedição dessa concepção primária de ordenação do sistema mundial, em torno de único eixo? Na política externa dos Estados Unidos da era BUSH Jr., de modo bastante simplista, o paralelo não deixa de estar esboçado, quando se cotejam declarações oficiais deste e da Secretária de Estado, Condoleeza Rice. Mais que simplesmente primus inter pares, seria a hegemonia norte-americana o eixo central de ordenação do sistema visto a partir de Washington? Séculos atrás, já se mostrou, insustentável teoricamente, e inviável na prática, a pretensão de tal modelo. 99 Michel ZIMMERMANN, La crise de l’organisation internationale à la fin du Moyen Âge (RCADI, 1933, t. 44, p. 315-437). 100 M. ZIMMERMANN (op. cit., Chap. III, p. 352-368, cit., par. 14, p. 360-361): “Le pape attribue aux rois de Castille, d’Aragon et de Portugal des terres qu’ils vont conquérir sur les infidèles. Le pape Grégoire VII décide que le pays anglais a commis un crime en ne payant pas régulièrement les dîmes dues à l’église, et il reconnaît par l’envoi d’un étendard bénit le droit de Guillaume de Normandie de s’approprier l’Angleterre. On a discuté longtemps pour savoir si le pape Adrien IV avait fait la donation de l’Irlande aux rois d’Angleterre. Il s’agit plutôt dans ce cas du même acte juridique: le peuple irlandais n’observait pas les devoirs dûs à l’église et le pape reconnaît le droit de l’Angleterre d’asservir l’Irlande. Le pape dispose des terres conquises en Europe aux païens (Prussiens, Lithuaniens) ou aux infidèles (arabes). La terre sainte surtout a un statut spécial au point de vue juridique. Cette terre ne peut être annexée par aucun pays participant aux croisades, les petites principautés y établies sont sous la suzeraineté du pape seul”. 101 Manlio UDINA, La succession des états quant aux obligations internationales autres que les dettes publiques (RCADI, 1933, t. 44, p. 665-774). 102 Karl ZEMANEK, State succession after decolonization (RCADI, 1965, t. 116, p. 181-300); deste, v. tb.: The legal foundations of the international system: general course on public international law (RCADI, 1997, t. 266, p. 9-335); Österreichs Neutralität und die GASP (Vortrag vor dem EuropaInstitut der Universität des Saarlandes, Saarbrucken, den 17 Januar 1995, Vorträge, Reden u. Berichte aus dem EuropaInstitut – Sektion Rechtswissenschaft, v. 315, p. 1-20); What is “state practice” and who makes it? (in Festschrift fur Rudolf BERNHARDT, Berlim: Springer Verlag, 1995, p. 289). 103 Vladimir-Djuro DEGAN, On state succession (in Dimensão internacional do direito: estudos em homenagem a G. E. do NASCIMENTO E SILVA , org. P. B. CASELLA, São Paulo: LTr, 2000, p. 118-140); deste, v. tb.: Création et disparition de l’état (à la lumière du démembrement de trois fédérations multiethniques en Europe) (RCADI, 1999, t. 279, p. 195-375); Some objective features in international law (in Essays in honour of Krystof Skubiszewski, edited by Gerzy Makarczyk, Haia: Kluwer Law International, 1996, p. 123-146); La succession d’états en matière de traités et les états nouveaux (AFDI, 1996, t. XLII, Paris: CNRS Ed., p. 206-227); L’affirmation des principes du droit naturel par la Révolution française (AFDI, 1989, vol. XXV, p. 99-116). 104 Edward McWHINNEY, Self-determination of peoples and pluralethnic states (secession and state succession and the alternative federal option) (RCADI, 2002, t. 294, p. 167-264). 105 Instituto de Direito Internacional, sessão de Vancouver, 2001, 7 ª Comissão, relator Georg Ress, La succession d’Etats en matière de biens et de dettes (Le texte français fait foi. Le texte anglais est une traduction). Adotada em 26 de agosto de 2001. Antes abordara o IDI a questão da sucessão de estados: na sessão de Siena, 1952 (Resolução n. 1) e na sessão de Bruxelas, 1936 (também a respeito da sucessão de estados). 106 Em curso de revisão à medida que simultaneamente se amplia geograficamente e aprofunda-se operacionalmente o processo de integração regional na Europa, que não por acaso suscita tantas resistências, por parte daqueles todavia apegados a concepções tradicionais da soberania do estado e funcionamento de sistema internacional preponderantemente estatal. Do funcionamento de sistema com ênfase no bloco regional e neutralizando a carga das identidades e heranças nacionais poderia se consolidar Europa mais ampla e mais vasta, com a possibilidade concreta de ser eixo de equilíbrio do sistema internacional presente. A recusa, ao menos momentânea, em 2005, dos eleitores franceses e dos Países Baixos, vem atrasar a implantação desse novo modelo de Europa, afirmando o interesse em conservar o modelo anterior. 107 Jean BODIN, Les six livres de la République (ed. orig. Paris: Jacques Du Puys, 1576, esta edição segue a 10ª ed., publicada em Lyon: Gabriel Cartier, em 1593, reimpressa em 1594, Corpus des oeuvres de philosophie en langue française, Paris: Fayard, 1986, 6 v.). 108 Jean BODIN (op. cit., livro I, Cap. 5, p. 91): “il ne faut mesurer la loy de nature aux actions des hommes”. 109 A. GARDOT, Jean Bodin: sa place parmi les fondateurs du droit international (RCADI, 1934, t. 50, p. 545-748). 110 Mireille DELMAS-MARTY, Vers un droit commun de l’humanité (entretien mené par Philippe PETIT, Paris: textuel, 1995, para a primeira edição 2005 para a segunda edição). 111 M. DELMAS-MARTY (op. cit., 2005, p. 64-65): “Au XVIe siècle encore, BODIN publie un Exposé du droit universel. Il fait référence au droit romain, mais pour le placer sur le même plan que les autres sources du droit. (...) Désormais, pour construire un droit universel, il faudra partir du droit comparé”. 112 Dentre essas coleções, as mais famosas: 1º) as Leis de Rhodes, de data desconhecida, mas que se supõe remontarem ao século VII; 2º) a Tabula Amalfitana, do século X ou XI; 3º) as Leis de Oléron, do século XII; 4º) as Leis de Wisby, do século XIII ou XIV; e 5º) especialmente, o Consolato del Mare, elaborado em Barcelona, segundo alguns, nas proximidades do ano 1300, segundo outros, nos meados do século XIV. Data também da mesma época a constituição de ligas de cidades comerciais, para proteção do comércio e dos cidadãos, ligas das quais a mais importante foi a hanseática, que durou do meio do século XIII ao meio do século XV. 113 A respeito da passagem do GATT (1947) para o GATT (1994) no âmbito do conjunto da Organização Mundial do Comércio (OMC), v., infra, 3.1.2.1. e extensa literatura especializada a respeito. 114 Clássica a respeito, a incontroversa obra-prima do historiador holandês J. HUIZINGA (1872-1945), O outono da Idade Média (1919; 5. ed. holandesa, 1941), traduzido para o alemão (1923), inglês (1924), sueco (1927), espanhol (1930), francês (1932), húngaro (1937), italiano (1940), finlandês (1951), japonês (1958), polonês (1961) e português (1962), faz magistral “estudo das formas de vida e do espírito nos séculos XIV e XV na França e nos Países Baixos”, mostra o fim de uma era o início de outra, a partir das mudanças ocorridas nas artes plásticas e na literatura, como reflexos das mudanças em curso na sociedade. 115 Michel ROUCHE, Les racines de l’Europe: les sociétés du haut moyen âge 568-888 (Paris: Fayard, 2003). 116 Em sentido crítico dos mecanismos de conquista colonial coloca-se o contemporâneo Frei Bartolomeu de Las Casas, Historia de las indias (edición de Agustín MILLARES Carlo y estudio preliminar de Lewis HANKE, Mexico: FCE, 1951, 2. ed., 1965, 4ª reimpr. 1995, 3 v.). 117 Stephan VEROSTA, no seu curso International Law in Europe and W estern Asia between 100 and 650 A.D. (RCADI, 1952, t. 80, pp.485-620, cit. p. 492): “While the age of Reformation gave birth to the science of the law of nations, the age of Enlightenment introduced the history of the law of nations as a new science”. 118 Tobias BARRETO, na conferência “ideia do direito” (no volume Estudos de direito, Campinas: Bookseller, 2000, p. 151-159, cit. p. 153-154): “Nos dias que atravessamos, a esta hora do nosso desenvolvimento, quem como vós, senhores doutores, mesmo à custa de trabalho e sacrifício, é graduado em ciências jurídicas e sociais, vê-assaltado, como Dante diante da loba, por uma questão sombria e importuna. / É a seguinte: existe realmente, temos nós realmente um grupo de ciências de tal natureza? Em face do avanço imenso que levam todos os outros ramos de conhecimentos humanos, não soa como uma ironia falar de uma ciência jurídica, falar de uma ciência social, quando nem uma nem outra estão no caso de satisfazer as exigências de um verdadeiro sistema científico? A questão é séria, senhores doutores, e tão séria, que a mesma consciência, a mais lúcida consciência do próprio merecimento, deixa-se absorver e apagar pelo sentimento da dubiedade do título que se recebe”. 119 “Ridículos podem soar, não pelo que dizem, intrinsecamente bom e desejável, mas por parecerem pretender que isto se alcançaria brevemente” Isso deveria ser lembrado com mais ênfase em nossos dias! 120 Immanuel KANT, Ideia de história universal de ponto de vista cosmopolita (do original Idee zu einer allgemeinen Geschichte in weltburgerlicher Absicht, 1784, org. Ricardo R. Terra, trad. Rodrigo Naves e Ricardo R. TERRA, São Paulo: Martins Fontes, 2. ed., 2004). 121 Sérgio VIEIRA DE MELLO, História filosófica e história real: atualidade do pensamento político de KANT (“aula inaugural no Geneve International Peace Research Institute, em 1999”, precedido de Celso LAFER, KANT e a razão abrangente da humanidade no percurso de Sérgio VIEIRA DE MELLO, p. 27-34, in Pensamento e memória: textos escolhidos, org. Jacques MARCOVITCH, São Paulo: EDUSP/Saraiva/Fundação BUNGE, 2004, p. 35-60, cit. p. 38-39): “Vamos analisar em primeiro lugar Ideia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita, obra na qual já se cristaliza o essencial do pensamento que KANT sistematizaria mais adiante. Convém lembrar o que é ideia para KANT, o sentido que ele próprio dá a esse termo. Ideia não é somente aquilo que não deriva dos sentidos, mas algo que supera até os conceitos do entendimento, uma vez que nada se pode achar na experiência que seja uma ilustração dessa Ideia. É, portanto, nesse sentido, a um só tempo irreal e necessário, que é preciso entender a universalidade da História prisma cosmopolítico. Essa ideia surgiu cinco antes da Revolução francesa. Ao falar da “simpatia de aspiração” que, em vários lugares, havia acompanhado o desenvolvimento dessa revolução, KANT disse que ela testemunhava a existência de uma sensibilidade moral universal, ativada pelo catalisador em que se constitui o acontecimento político no sentido pleno e intenso do termo”. 122 Emmanuel Le Roy LADURIE, O estado monárquico 14601610 (do original L’état royal de Louis XI à Henri IV, 1987, trad. Lúcia Maria MACHADO, São Paulo: Cia. das Letras, 1994) enfatiza a importância da compreensão do período moderno, pós-medieval e pré-contemporâneo. 123 Ramon HERNANDEZ, Un español en la ONU: Francisco de Vitoria (Madri: Biblioteca de Autores Cristianos, 1977, esp. parte primeira, “Biografia de VITORIA”, Cap. IV, “Salamanca: cátedra de la inmortalidad”, p. 50-63, cit. p. 60): “Francisco de VITORIA comenzó su enseñanza en Salamanca el dia de San Lucas, 18 de octubre de 1526”. 124 V. tb. Fundamentos (2008), item VIII, “Questão e discurso do fundamento do direito internacional”; Anthony PAGDEN, Dispossessing the barbarian: the language of Spanish Thomism and the debate over the property rights of the American Indians (in Anthony PAGDEN , The languages of political theory in Early Modern Europe, Cambridge: UP, © 1987, pb. ed. 1990, p. 78-98). 125 J. BARTHÉLEMY, François de Vitoria (in Les fondateurs du droit international: leurs oeuvres, leurs doctrines, avec une introduction de A. PILLET, Paris: V. Giard & E. Brière, 1904, p. 1-36, cit. p. 4). 126 F. de VITORIA, na já citada passagem do De potestate civili: “o direito das gentes não tem somente força de pacto ou de convenção entre os homens, mas possui, igualmente, força de lei. O mundo inteiro, na verdade, que, de certo modo, constitui uma república, tem o poder de levar leis justas e ordenadas para o bem de todos, tais como são as do direito das gentes. Consequentemente, quando se trata de questões graves, nenhum estado pode se considerar desvinculado do direito das gentes, pois este é colocado pela autoridade do mundo inteiro”. 127 Francisco de VITÓRIA, relectio sobre o poder civil, no volume Political writings (edited by Anthony PAGDEN e Jeremy LAWRANCE, “Cambridge texts in the history of political thought”, Cambridge: UP, © 1991, 1st. publ., 1991, p. 1-44); ou nas edições: Leçons sur le pouvoir politique (intr., trad. et notes par M. BARBIER, Paris: Vrin, 1980) e Obras: relectiones teológicas (ed. crítica, versão espanhola, intr. geral Pe. Teófilo URDANOZ (OP.), Madri: BAC, 1960); comentários e análises em: A. TRUYOL Y SERRA, La conception de la paix chez VITORIA / la présente édition est la reprise de deux articles parus dans les “Recueils de la société Jean BODIN pour l’histoire comparative des institutions”, tome XV, “La paix”, deuxième partie, Bruxelles: Éditions de la Librairie Encyclopédique, 1961, avec Paul FORIERS, L’organisation de la paix chez GROTIUS et l’école de droit naturel (Paris: Vrin, 1987); C. BARCIA-TRELLES, Francisco de Vitoria et l’école moderne du droit international (RCADI, 1927, t. 17, p. 109342); J. MOREAU-REIBEL, Le droit de société interhumaine et le “jus gentium”: essai sur les origines et le développement des notions jusqu’à Grotius (RCADI, 1950, t. 77, p. 481-598); A. HERRERO-RUBIO, Le droit des gens dans l’Espagne du xviiie siècle (RCADI, 1952, t. 81, p. 309450). 128 J. RAY, Des conflits entre principes abstraits et stipulations conventionnelles (RCADI, 1934, t. 48, p. 631708). 129 A. GOMEZ ROBLEDO, em seu já ref. curso, Le jus cogens international: sa génèse, sa nature, ses fonctions (RCADI, 1981, t. 172, p. 9-217). 130 J. BARTHÉLEMY, François de Vitoria (in Les fondateurs du droit international: leurs oeuvres, leurs doctrines, avec une introduction de A. PILLET, Paris: V. Giard & E. Brière, 1904, p. 1-36). 131 Institutionum sive elementorum (recognovit Paulus KRUEGER, in Corpus Iuris Civilis, volumem primum, Dublin / Zurich: Weidmann, impr. 1973, liber primum, II, “De iure naturali et gentium et civili”: “Ius naturale est quod natura omnia animalia docuit, nam ius istud non humani generis proprium est, sed omnium animalium, quae in caelo, quae in terra, quae in mari nascuntur (...) Ius autem civile vel gentium ita dividitur: omnes populi, qui legibus et moribus reguntur, partin suo proprio, partin communi omnium hominum iure utuntur; nam quod quisque populus ipse sibi ius constituit, id ipsius proprium civitatis est vocaturque ius civile, quasi ius proprium ipsius civitatis; quod vero naturalis ratio inter omnes hominis constituit, id apud omnes populos peraeque custoditur vocaturque ius gentium, quasi quo iure omnes gentes utuntur, et populos itaque Romanus partin suo proprio, partin communi omnium hominem iure utitur, quae singula qualia sunt, suis locis proponemus”. 132 J. BARTHÉLEMY (op. cit., 1904, p. 7): “On peut dire, par conséquent que c’est chez VITORIA que l’on trouve pour la première fois le terme de jus inter gentes. Le terme est remarquable: ce qui l’est encore plus, c’est l’idée à laquelle il correspond, c’est la notion que présente VITORIA de ce jus inter gentes, du lien juridique qu’il établit, entre nations, ou plutôt de la société juridique internationale dont il est l’expression”. 133 V. , infra, item 5.1., “Evolução do território no direito internacional”. 134 Francisco de VITORIA, Political writings (edited by Anthony PAGDEN e Jeremy LAWRANCE, “Cambridge texts in the history of political thought”, Cambridge: UP, © 1991, 1 st. publ., 1991, “On civil power”, De potestate ciuili (1528), p. 1-44), a mais antiga das Relectiones de VITORIA a ser conservada, e provavelmente a segunda mais antiga, depois deste ter assumido a cátedra de teologia em Salamanca em 7 de setembro de 1526. 135 J. BARTHÉLEMY, François de Vitoria (in Les fondateurs du droit international: leurs oeuvres, leurs doctrines, avec une introduction de A. PILLET, Paris: V. Giard & E. Brière, 1904, p. 1-36, cit. p. 1): “Il était espagnol, contemporain de CHARLESQUINT; il appartenait à l’ordre de Saint DOMINIQUE. Cette nationalité, cette époque, cette condition ne sont pas indifférentes; elles aideront à comprendre pourquoi certaines questions internationales sont traitées dans l’oeuvre de VITORIA, à quel point de vue, un peu particulier, elles sont examinées, dans quel esprit et suivant quelle méthode elles sont résolues”. 136 J. BARTHÉLEMY (op. cit., 1904, p. 3): “La constitution de cet empire soulevait le problème de la légitimité des acquisitions territoriales; la découverte, encore récente, de l’Amérique, provoquait une théorie de l’occupation internationale. / D’autre part, cette situation exceptionnelle dans le monde ne pouvait être conservée que par les armes. La première puissance politique de l’Europe devait en être aussi la première puissance militaire. C’était donc en Espagne que devait se faire sentir avec le plus d’intensité le besoin de fixer, dans la mesure du possible, les règles de morale et de justice sur le droit de la guerre et la conduite des hostilités”. 137 Antonio GOMEZ ROBLEDO, em seu já ref. Le jus cogens international: sa génèse, sa nature, ses fonctions (RCADI, 1981, t. 172, p. 9-217; cit. p. 24-25): “Pour commencer avec Francisco de VITORIA, père et fondateur du droit international moderne, à qui personne aujourd’hui ne nie ce titre là, nous avons en premier lieu son affirmation catégorique, selon laquelle le droit des gens est du droit naturel ou bien dérive du droit naturel: “ex iure gentium, quod vel est ius naturale, vel derivatur ex iure naturali’. (...) Mais à côté de ce ius cogens naturel ou nécessaire, il existe chez VITORIA un ius cogens positif ou volontaire, et dont la violation n’est pas plus licite, car il a été promulgué, comme nous le dirions aujourd’hui, par la communauté internationale dans son ensemble”. 138 V. John W. O’MALLEY, Os primeiros jesuítas (do original The first Jesuits, © 1993, trad. Domingos Armando DONIDA, São Leopoldo / Bauru: Ed. Unisinos / EDUSC, 2004, cit. p. 388), considera a influência de FRANCISCO DE TOLEDO, quando este começa a ensinar no Colégio Romano, em 1559, traz consigo, “da Universidade de Salamanca a tradição da renovação brilhante de TOMÁS DE AQUINO, iniciada lá no começo do século XVI, por FRANCISCO DE VITÓRIA, DOMINGOS DE SOTO e outros”. 139 Constava das edições anteriores: “de quem um internacionalista nosso contemporâneo disse que, ‘por sua lógica penetrante, sua clareza e suas considerações filosóficas, ultrapassou VITÓRIA’”. 140 V. tb. Fundamentos (2008), item VIII, “Questão e discurso do fundamento do direito internacional”. 141 L. ROLLAND, Suarez (in Les fondateurs du droit international: leurs oeuvres, leurs doctrines, avec une introduction de A. PILLET, Paris: V. Giard & E. Brière, 1904, p. 95-124): “A propos des prétentions du roi d’Angleterre, JACQUES I, SUAREZ composa, en 1613, une Defensio fidei adversus regem Angliae. L’ouvrage fut jugé, en Angleterre et en France, comme attentatoire à l’autorité des souverains. Il valut à son auteur, de la part du pape BENOÎT XIV, le titre de doctor eximius”. 142 L. ROLLAND, Suarez (op. cit., p. 96-97): “Voilà toute l’oeuvre de droit international dont nous avons à nous occuper. Ce ne semble évidemment que peu de chose. Qu’est-ce qu’une quinzaine de chapitres? Nous verrons à la fin de cette étude ce qu’il faut en penser, quel jugement il convient de porter. Pour l’instant quelques mots sur la méthode de notre auteur nous semblent nécessaires”. 143 Franciso SUAREZ (S.J.), De legibus / Tratado de las leyes e de Dios legislador en diez libros (facsimilar da editio princeps, Coimbra, 1612 / versão espanhola de J. R. EGUILOR Muñozguren (S.J.), intr. geral Luis VELA Sanchez (S.J.), Madri: Instituto de Estudios Políticos, 1967-1968). 144 F. SUAREZ, De legibus (Livro I, cap. III, n. 9 e livro II, Caps. V e seguintes): Antes de mais nada, cumpre saber, que é o direito natural? O que é a lei natural? A lei natural é a que se nos faz conhecer pela luz natural da razão; essa luz nos permite distinguir o bem e o mal, ou seja, o que é ou não conforme à nossa natureza racional. A lei natural comanda-nos fazer o que é bom, e evitar o que é mal, não porque esse bem e esse mal sejam, assim, por esta determinados, mas porque neles mesmos estão o bem e o mal. Essa lei é a mesma para todos os homens e em todos os tempos; ela tem Deus como seu autor. É o conjunto das leis naturais que constitui o direito natural; v. L. ROLLAND (op. cit., p. 99-104). 145 Assim chega SUAREZ ao direito das gentes: se por direito se entende a aptidão para fazer ou deixar de fazer alguma coisa, o direito das gentes é o que resulta dos usos comuns das nações, tal como o direito de livremente circular nas rotas. Mas se, ao falar em direito, se concebe conjunto de normas, a questão permanece inteira: que é o direito das gentes? É exatamente essa indagação que coloca SUAREZ, aplicando a formação escolástica e a construção do raciocínio, a partir de silogismos. O método para responder a essa indagação consiste em saber qual critério pode ser adotado para distinguir o jus naturale do jus gentium. Pode-se tomar o termo jus gentium em dois sentidos distintos: o direito é, antes e acima de tudo, aquilo que todos os povos e todas as nações devem observar em suas relações recíprocas; e, em seguida, é aquele que cada comunidade política observa para si, e que é mais ou menos o mesmo em todas elas. 146 F. SUAREZ, De legibus (Livro II, Cap. XIX, n. 8). 147 L. ROLLAND (op. cit., 1904, p. 101-102): “Voilà le principe, la base de la théorie de SUAREZ. Tout le reste est fort simple et n’a pas grand besoin d’explications. Ce jus gentium, ainsi défini, il est commun à tous. Ce sont l’usage et la tradition qui l’ont introduit, si on veut en parler dans la première acception, ce qui explique qu’il ne soir pas écrit. Il, si on le prend dans le second sens, tellement proche du droit naturel et en telle concordance avec lui qu’il se trouve comme lui être généralement admis”. Não é, ademais, a única dimensão comum ao direito das gentes e ao direito natural: um e outro são comuns a todos os homens e, ao mesmo tempo, são próprios destes; um e outro contêm ordens, proibições e permissões; os preceitos de um parecem ter sido introduzidos como os do outro, mais pela força das coisas que pela vontade humana; os preceitos de ambos devem respeitar a equidade e a justiça. O direito das gentes distingue-se, contudo, do direito natural não por ser próprio aos homens. O último aplica-se igualmente aos outros seres vivos, destituídos de razão (na verdade, tanto o direito natural como o das gentes são próprios dos seres humanos, De Legibus, Livro II, Cap. XVII, n. 3 e s.), nem porque seja conhecido menos facilmente (o direito das gentes contém critérios introduzidos pelo homem, para reger a comunidade humana, diversamente do direito natural, que não contém os frutos de ação semelhante, De Legibus, Livro II, Cap. XVII, n.8) nem por ser este necessário, para que tenha sentido, que exista sociedade humana, ou que se faça qualquer outra suposição – existem normas de direito natural que, para ter alcance, necessitam de tal suposição, cf. De legibus, Livro II, Cap. XIX, n. 3 e Cap. XX, n. 9), tampouco porque este somente possa conter permissões, nunca ordens nem proibições (cf. já ref., De Legibus, Livro II Cap. XIX, n. 9). Eis, contudo, algumas diferenças essenciais: inversamente do que ocorre com o direito natural, o que o jus gentium ordena não é o bem, o que este proíbe não é o mal, exceto porque assim se ordena ou se proíbe – esse direito, assim, nem é imutável nem universal como o é o direito natural. O jus gentium é o intermediário entre o direito natural e o direito humano positivo, mas nem se confunde com o primeiro nem com o segundo. Não é o direito de único estado, mas o de muitos. Não é direito escrito, tendo sido constituído pelos hábitos e pelos usos de uma única nação. É, enfim, menos facilmente modificável que o direito civil. 148 A definição é clara: qual o fundamento do direito das gentes, tomado quer num quer no outro sentido? Enquanto considerado como o conjunto das normas que regem as relações entre os estados, entre si, o jus gentium está baseado na existência de espécie de sociedade entre os estados. O fundamento e a razão de ser desse direito, segundo SUAREZ, é este: o gênero humano, embora dividido em grande número de reinos e de impérios, tem, contudo, certa unidade não somente especificamente pelo gênero, mas, igualmente, de natureza quase política e moral. A comunidade política, por perfeita que possa ser, não pode, com efeito, bastar-se a si mesma, pois tem necessidade de estabelecer relações com as demais e, desse modo, determinadas normas jurídicas foram sendo introduzidas. No segundo sentido, jus gentium é o conjunto das normas admitidas pela quase totalidade dos estados. Essas foram como tal adotadas, não mediante relações mútuas, mas em razão da conveniência particular de cada estado. 149 F. SUAREZ, De legibus (Livro II, Cap. XIX, n. 9). 150 L. ROLLAND (op. cit., 1904, Cap. II, p. 105-117): inicialmente, o que SUAREZ entende por guerra? Eis a sua definição: guerra é a luta externa, que se opõe à paz com o estrangeiro, elevando-se entre dois príncipes ou duas repúblicas. 151 F. SUAREZ, De charitate (Livro XIII, praemium). 152 L. ROLLAND (op. cit., p. 105-106): “Rien à dire sur cette définition. Elle est à peu près celle admise par tous les auteurs. Remarquons cependant que SUAREZ distingue soigneusement la guerre, au sens propre du mot, à laquelle s’applique la définition donnée, de la guerre privée. Quand une lutte s’élève entre un prince et la nation, ou entre les citoyens et l’état, c’est une sédition. Quand elle a lieu entre deux particuliers, c’est une rixe ou un duel. Entre elles, ajoute-t-il, la différence est plus dans la matière que dans la forme. C’est fort exact, il n’en réserve pas moins le nom de guerre à la lutte entre états. / Il faut aller plus avant. Toute guerre, dans l’esprit de SUAREZ, suppose un litige s’élevant entre deux états. Ce litige est semblable à celui qui s’élève entre deux particuliers. Mais deux particuliers ont un juge pour trancher le différend, donner tort à l’un, raison à l’autre. Ici, il n’y a pas de juge suprême. Les deux parties en désaccord sont en effet souveraines et ce qui caractérise précisément la souveraineté, c’est la possession d’un tribunal dont on ne puisse pas appeler. A chacune des deux parties, il appartient dès lors, de se faire justice à elle-même. La guerre se trouve être le seul moyen de faire sortir le droit. C’est là un point important du système. Il en résulte que SUAREZ, chose curieuse, ne semble pas imaginer que l’issue de la guerre puisse être favorable à la partie qui est dans son tort. Voilà l’idée qui est à la base de tous les développements”. 153 Existem, evidentemente, guerras por causas justas, mas esta somente pode estar com um dos lados no conflito, estando o outro lado necessariamente errado. Este deveria se submeter; se não o faz, assemelha-se a um culpado. Seu adversário exerceria espécie de jurisdição. Daí se depreende a conclusão: em razão do prejuízo causado, o vencido de certo modo cai sob a autoridade e a jurisdição do vencedor. 154 F. SUAREZ, De charitate (Livro XIII, Seção I). 155 L. ROLLAND (op. cit., p. 96 e, a seguir, p. 107-108) observa, com certa maldosa ironia: “N’est-ce pas à propos d’elle que M. NYS a dit, d’une façon un peu imprécise d’ailleurs, que la charité chrétienne illumine les écrits de SUAREZ?”. Cita NYS, Le droit de la guerre et les précuseurs de Grotius (s/refs. adicionais). “Voilà la notion générale de SUAREZ sur la guerre. La guerre c’est avant tout un moyen d’appliquer le droit, de faire triompher le juste et de punir l’injuste. C’est avant tout un moyen de rétablir la justice. Il faudra, donc, en étudiant le droit de la guerre, toujours chercher à déterminer ce que la justice commande ou défend. Pour ce théologien, c’est là le point fondamental. Telle chose est injuste, donc elle est interdite; que si elle est accomplie cependant, il faudra réparer le préjudice causé. L’injustice entraîne pour celui qui l’a commise l’obligation de restituer. Cette dernière idée, nous la rencontrerons presque à chaque instant dans les développments de notre auteur. / Il n’y a pas d’ailleurs à ne s’occuper que de ce qui est commandé ou défendu par la justice. Il faut aussi voir ce qu’ordonne ou défend la charité. Qu’on n’oublie pas, en effet, que c’est dans un traité consacré à la vertu de charité que SUAREZ parle du droit de la guerre”. Poder-se-ia objetar que isso, entre particulares, muito embora não de modo absoluto, ao menos com mais frequência que entre estados! 156 Dominique GAURIER, Histoire de droit internacional (Rennes: PUR, 2005, esp. Ch. IV, “Les grandes figures fondatrices du droit international: les hommes et leurs oeuvres”, p. 143-208) enumera todos os que se encontraram em tal situação. A questão se coloca em relação a determinar até quando a permanência nessa lista de proscrição de leituras terá sido vinculante para os fiéis católicos? 157 René-Jean DUPUY, La clôture du système international: la cité terrestre (Paris: 1989, p. 115): “Le droit à la différence. Son apparition est le signe d’une transformation radicale dans la perception de l’humanité”. 158 Em nossos tempos pós-modernos, os intolerantes nem sempre utilizam fogueiras em sentido literal. Também podem ser acionadas fogueiras em sentido figurado, como propõe alguns exemplos, no seu instigante ensaio sobre o “terrorismo intelectual”, Jean SÉVILLIA, Le terrorisme intellectuel: de 1945 à nos jours (Paris: Perrin, 2000). 159 Sem chegar ao ponto em que foram colocados Galileu GALILEI ou ainda mais Giordano BRUNO, havia visão eclesiástica predeterminada do mundo, posta em xeque pelas novas doutrinas e autores do dreito internacional. Em outros campos do conhecimento, o papel de sábios como Johannes KEPLER, Nicolau COPÉRNICO e outros, na consolidação do novo enfoque, levou às ciências modernas. 160 As questões políticas, no seu tempo, colocaram em campos opostos os defensores da visão internacionalista do mundo em relação à opinião oficial da Igreja Católica. Os argumentos de autoridade sufocariam a busca da verdade: a dúvida racional contribuiu mais para o progresso da humanidade do que as categóricas afirmações da fé e das realizações. Se tivesse prevalecido tal visão, não obstante os primeiros “internacionalistas”, como VITÓRIA e SUAREZ, de que modo e segundo qual modelo se poderia ter construído a disciplina de regulação da convivência entre unidades políticas do tempo? O modelo que vigera durante a Idade Média, embora nominalmente orientado entre a primazia do papado e a interferência do sacro Império Romano Germânico, que poderia nunca ter mantido total efetividade, rompera-se com as sucessivas levas da reforma, a partir de 1516, e nunca mais se recomporia. 161 Dominique GAURIER (op. cit., Cap. IV, p. 157): “En 1579, GENTILI et son père, poursuivis par l’Inquisition comme hérétiques furent finalement condamnés à Rome en 1581 à la prison perpétuelle et à la confiscation des biens. Mais les deux hommes parvinrent à s’échapper, dès 1579, et Alberico se fixa à Laybach, dans la Carniole. Face à une nouvelle vague de persécution, Alberico dut partir en Angleterre, rejoint par son père. Il reçut là un accueil bienveillant, protégé ainsi que plusieurs autres Italiens adeptes de la Réforme par ELISABETH. C’est ainsi qu’il put rencontrer Giordano BRUNO, ancien dominicain passé à la Réforme qui, rentrant imprudemment en Italie, sera saisi par l’Inquisition à Venise et conduit à Rome pour y être brûlé comme hérétique en violateur de ses voeux en 1600”. 162 V. tb. Fundamentos (2008), item VIII, “Questão e discurso do fundamento do direito internacional”. 163 Alberico GENTILI, Direito de guerra (do original De jure belli libri tres, trad. Ciro MIORANZA, intr. Diego PANIZZA, Ijuí: Ed. Unijuí, 2004). 164 A. GENTILI (op. cit., 1598, ed. 2004, Livro I, Cap. III, n. 2, p. 67, e prossegue, id., n. 3, p. 67-68): “Pergunta-se: por que FILIPE, rei da Espanha, não quis contender em juízo sobre suas pretensões em relação ao reino de Portugal com nenhum daqueles que as contestava? Não pergunto por que recusava como juiz o pontifice romano que, contudo, de direito, parecia que tivesse de ser o juiz. FILIPE, como a história constata, não quis acrescentar aos antigos um exemplo novo que reforçasse no papa o arbítrio sobre os reinos. Falo dos árbitros que os príncipes aceitam espontaneamente. É motivo de riso o que se lê naquela história, em que, em semelhantes questões de príncipes, não se deve recorrer a jurisconsultos, uma vez que os temas de direito das gentes não podem ser regulados com as sutilezas e a ficção do direito civil justiniano, sabendo-se que este foi composto e disposto pelos imperadores somente para os cidadãos privados. Assim pensaram mestres ilustres em questões antigas, não somente leguleios do povo, na questão de quem deveria suceder no reino de Portugal porque, diziam, sobre este caso de representação dos parentes para os FARNESE ou para outros contra FILIPE, nada se encontra nas leis de JUSTINIANO e, portanto, não podemos definir hoje essas controvérsias como não podiam ser definidas então, quando este direito não era conhecido. Desse modo, consta, é que raciocinavam os partidários de FILIPE e, como disse, fazem rir”. 165 A. GENTILI (op. cit., 1598, ed. 2004, Livro e Cap. cit., p. 68-69): “O quê? Não convém aos príncipes aqueles preceitos dos livros de JUSTINIANO: viver honestamente, não ofender os outros, dar a cada um o que lhe pertence, proteger os filhos, rechaçar a agressão, reconhecer-se parente de todos os homens, conservar o comércio e outros preceitos similares que estão contidos naqueles livros e que são praticamente sua coisa mais importante? Esses preceitos são também de direito das gentes e da guerra”. 166 Antoine FAVRE, Principes du droit des gens (Fribourg: Libr. de Droit et de Jurisprudence / Éd. Interuniv., 1974, item 18, n. III, “Equité”, p. 292-294): “La notion d’equité déborde le domaine du droit. Elle comporte des acceptions différentes qu’il faut définir. ARISTOTE divisait la vertu politique en justice légale, qui est conventionnelle et variable, et justice naturelle, qui ne dépend ni des opinions ni des décrets des hommes et a pour caractère d’être universelle et immuable. Sur cette distinction il a fonde la théorie de l’equité. L’equité consiste à invoquer la justice naturelle contre les rigueurs de la loi. ‘L’équitable, bien qu’il soit juste, n’est pas seulement conforme à la loi, mais il est plutôt une modification avantageuse du juste, qui est rigoureusement légal. Ce qui rend la loi insuffisante c’est sa généralité. L’equité remédie l’inconvénient qui naît de la généralité de la loi’”. Vicente Marotta RANGEL, L’equité en droit international: des développements récents (Tessaloniki: Aristoteleio Panepistimio “Nomos”, “Anatypo”: separata, 1989, p. 937-950, cit., p. 937): “Le cours de l’histoire se signale par la difficulté d’harmoniser les objectifs du droit correspondant à deux nécessités de l’esprit humain: la certitude et la justice. La certitude est atteinte surtour par la loi; la justice par l’application de la loi à des situations concrètes. Il est vrai qu’en général on identifie le juste avec l’application de la loi; mais il y a des lois qui ne sont pas justes ou ne s’appliquent pas, d’une façon satisfaisante, à une situation concrète. L’equité signifie l’apport correctif permettant l’identification de la certitude à la justice”. 167 A. GENTILI (op. cit., 1598, ed. 2004, Parte e Cap. cit., p. 70-71): “Tinham mesmo razão os partidários de FILIPE quando diziam que entre as leis de Justiniano há uma que diz (e é uma daquelas que faz para nós) que não se deve comprometer coisas sobre as quais não incide dúvida. Era falso, contudo, o que logo depois acrescentavam, que a causa de FILIPE não era dúbia e que era unânime a opinião de todos os doutores sobre ela. Como de todos? Cujas não esteve a favor de Catarina de Medici? Contra Filipe não estiveram os coimbrianos? E, para não falar de outros, aqueles três esplendores do mundo inteiro, a Academia de Perúgia, aquela de Bolonha, aquela de Pádua, não discutiram, não responderam a favor de FARNESE? Suas respostas estão abertas ao público. Mas não pesquisamos isso no presente. / Em favor de FILIPE se poderia talvez dizer (e isso vem ao encontro do tema que estudamos) o que lemos que foi respondido aos habitantes de Corcira que, como se faz para provocar uma discussão pacífica, é preciso começar por deixar aquilo de que se ocupou, a fim de que sejam iguais as condições daqueles que devem julgar. O próprio rei respondia, não faz muitos anos, que não queria depor as armas porque nesse momento lhe teria escapado a ocasião que se lhe oferecia, não estando à espera dela”. 168 A. GENTILI (op. cit., 1598, ed. 2004, id., p. 72): “Por isso concluo que, se não houver necessidade, a guerra não pode ser justa, porquanto deve ser provocada pela necessidade. Com um compromisso voluntário deve-se antes de tudo discutir, e com a razão natural, que é árbitro, como diz SÈNECA (Epistula 67), do bem e do mal, e com as outras espécies de razão que foram mencionadas anteriormente. Diversamente se poderia dizer que desconfia de seu direito pleno quem evita o julgamento”. 169 A. GENTILI (op. cit., 1598, ed. 2004, Livro III, Cap. XIII, “Do estabelecimento da paz em vista do futuro”, p. 518-527): “Já descrevi o suficiente sobre aquelas coisas que podem ser feitas pelo vencedor para punir as injúrias passadas (ulciscendo praeterita), e também sobre as que dizem respeito ao futuro. Em relação a estas últimas, contudo, o discurso não pode, ainda, ser considerado completo. Duas coisas importantes devem ser asseguradas pela pena (ultio): a satisfação da injúria e a segurança para o futuro. Por isso a pena contém também em si a vingança (vindictam). De fato, os gramáticos ensinam que a pena tem relação com as coisas passadas e é por isso que Marte é chamado de punidor (ultor); e para impedir as futuras, recorre-se à vingança”. 170 A. GENTILI (op. cit., 1598, ed. 2004, Livro III, Cap. XIII, p. 519): “Como pode a paz ser perpétua?” AGOSTINHO (Epistulae, 202) responde: “Ao punir as injúrias passadas alimentamos o ódio e o desdém; provemos para o futuro, usando de misericórdia”. Entre as sentenças de EPICTETO há esta: Paz é liberdade tranquila. Esta é, portanto, a única e segura regra que, tanto no punir, no vingar-se, quanto no ditar as condições da paz, reflete a equidade. Porque aquele que fosse ofendido além do justo não repousaria nunca e alimentaria o desejo de vingança e aquele que fosse oprimido por leis desapiedadas ficaria sob aquele peso até que desaparecesse a necessidade de obedecer. / ‘Esta paz foi imposta pela necessidade e por isso não é de se esperar que seja perpétua’. Assim escreveu o grande historiador (Paulo Emílio, 1) e o fez muito bem, porque as coisas feitas por força logo desaparecem, como foi dito pelos legados romanos, segundo se pode ler em DIONÍSIO (livro 8) e como ensina a todos o intelecto natural e como demonstra a experiência, mestra de todas as coisas”. 171 P. B. CASELLA, Tratado de Versalhes na história do direito internacional, texto integral em português, com introdução, São Paulo: Quartier Latin, 2007. 172 A. GENTILI (op. cit., 1598, ed. 2004, livro e cap. cit., p. 519-520): “Um embaixador dos privernatos ousou responder assim aos romanos: ‘se vós nos concederdes uma boa paz, a tereis fiel e perpétua; se não for boa, não a tereis nem longa nem duradoura’ (TITO LÍVIO, Ad urbe condita, 8). ‘A paz será duradoura quando os contratantes forem iguais’, disse EPAMINONDAS (PLUTARCO, em Agesilau). SÊNECA (Epistulae, 30) diz: ‘parte principal da equidade, a igualdade’. Deve-se entender igualdade geométrica que não é igual, de fato, à aritmética, mas deve ser tal o respeito às pessoas que exija atribuir a cada um segundo o seu grau e mérito, (...), “pode-se perguntar se é equitativo aquilo que é útil ao mais forte e responde-se que não é”. 173 A. GENTILI (op. cit., 1598, ed. 2004, livro e cap. cit., n. 4, p. 520521): “DEMÓSTENES afirmou que os méritos de um orador estão todos em colocar bem as coisas. Muitas vezes ocorre que uma só coisa compreende todas as outras.Tal é para nós a utilidade comum, isto é a conservação da paz, sendo coisa útil aos vencidos não menos que aos vencedores que a paz seja conservada. Todas as outras coisas que não estão dirigidas à vantagem comum e que costumam ser realizadas para confirmar a paz, provam ser um vínculo muito fraco para solidificar uma amizade mal firmada. Por isso é que em todos subsiste este pensamento, o de dever-se acomodar às presentes condições e com prudente adulação secundar a inconstância das coisas e nada mais olhando, senão à própria comodidade, entram em novas ligas, destacam-se das antigas e querem, por todos os meios, aumentar o seu império e poder”. 174 A. GENTILI (op. cit., 1598, ed. 2004, Livro e Cap. cit., n. 7, p. 527): “Ao arbítrio do juiz está tudo aquilo que se refere a cauções e aqui o juiz é o vencedor. Este, de acordo com a qualidade das pessoas, do perigo e dos lugares, deve estabelecer quais valem a pena assegurar e quais não. Concordam com isso todos os nossos. Mesmo que se tenha necessitado recorrer ao máximo e extremo remédio, nem por isso se poderia dizer que não foi observada moderação, se nenhum outro expediente era eficaz”. 175 Georges SCELLE, Richard Zouch (1590-1660) (in Les fondateurs du droit international public: leurs oeuvres, leurs doctrines, avec une introduction de Antoine PILLET, Paris: V. Giard & E. Brière, 1904, p. 269-330). 176 Além de atuar como juiz na Corte do Almirantado, foi o autor do Juris et judicii fecialis, sive juris inter gentes et queaestionum de eodem explicatio, publicado em 1650, considerado o primeiro manual de direito internacional, propriamente dito. 177 G. SCELLE, a respeito de Richard ZOUCH (op. cit., 1904, p. 269): “Parmi les internationalistes du xvii.e siècle, l’anglais ZOUCH est l’un des plus et l’un des moins connus. Des plus connus, si c’est l’être que d’avoir son nom partout cité, dans les manuels et dans les livres de vulgarisation, comme celui d’un des pères de la science du droit des gens; et des moins connus si l’on exige des renseignements plus précis sur son oeuvre, l’influence de ses écrits, la nature de son talent et les raisons de sa célébrité”. 178 Celso D. de Albuquerque MELLO, Curso de direito internacional público (Rio de Janeiro: Renovar, 15. ed., 2004, v. I, p. 178). 179 Malcolm N. SHAW, International Law (Cambridge: Grotius Publications, 3. ed., 1991, p. 24): “One of the principal initiators of the positivist school was Richard ZOUCHE (1590-1660), who lived at the same time as PUFENDORF, but in England. While completely dismissing Natural Law he paid scant regard to the traditional doctrines. His concern was with specific situations and his book contains many examples from the recent past. He elevated the law of peace above a systematic consideration of the law of war and eschewed theoretical expositions”. 180 Como, ademais, ocorrerá, também, em relação a Cornelis van BYNKERSHOEK e Emer de VATTEL, questionando-se quanto tinha de positivista cada um deles, ou antes, por enfatizarem os precedentes e o papel da prática, como evidência de observância e cumprimento das normas e não como fundamento desta, somente em decorrência da prática dos estados. 181 Urban G. WHITAKER Jr., em seu Politics and Power: a text in international law (New York: Harper & Row, 1964, p. 32-33): “Whether ZOUCHE can be called a positivist is a matter of some dispute among modern writers. NUSSBAUM says that ‘the characterization as a positivist can unhesitatingly be applied’ to him. BRIERLY says that ZOUCHE is ‘sometimes regarded as a precursor of the ‘positive’ school’. GOULD remarks that he has always been regarded as the first ‘positivist’. NUSSBAUM further says that, ‘of the traditional natural law doctrine his [ZOUCHE’s] book shows practically no mark’. But SVARLIEN notes that ‘though ZOUCHE did not abandon the law of nature as a basis for international law, he nevertheless emphasized the precedents which had been established in the intercourse of states and saw in these the stuff of which the law of nations is made’. (...) Wherever we place ZOUCHE in relation to this modern argument, it is clear that his emphasis on the role of practice as an indication of law marks him as an important positivist thinker”. A base da argumentação é correta; a conclusão, duvidosa. 182 No caso do Paquete Habana, a Corte Suprema dos Estados Unidos da América decide (The Paquete Habana, The Lola, United States Supreme Court, 1900, 175 U.S. 677): “It is of force not because it was prescribed by any supreme power, but because it has been generally accepted as a rule of conduct”. 183 Texto caso ( The Paquete Habana, The Lola, United States Supreme Court, 1900, 175 U.S. 677) tb. reproduzido in Urban WHITAKER, Politics and Power (op. cit., 1964, p. 77-94, cit. p. 77) onde este observa, em nota introdutória a respeito: “it is the classic statement on the development of custom as international law”; v. tb. Maurice MENDELSON, The formation of customary international law (RCADI, 1998, t. 272, p. 155-410). 184 Nelson F. de CARVALHO, Arqueologia do consenso (in Direito e comércio internacional: tendências e perspectivas; estudos em homenagem ao prof. Irineu STRENGER, org. L. O. BAPTISTA, H. M HUCK e P. B. CASELLA, São Paulo: LTr, 1994, p. 353-406, cit. p. 357): “examinaremos a função do consenso num texto definido (De jure belli ac pacis), num autor determinado (Hugo GROTIUS), num momento histórico específico (a passagem dos séculos XVI/XVII), (estas particularizações metodológicas serão discutidas mais adiante)”. 185 Miguel REALE, Horizontes do direito e da história (São Paulo: Saraiva, 1977) considera ter sido o De jure belli ac pacis de Hugo GRÓCIO o primeiro livro de filosofia do direito, na história: a partir de GRÓCIO, pode-se falar a respeito de filosofia do direito, no sentido moderno do termo. Antes dele, não se poderia falar em filosofia do direito, em sentido próprio, pois é com seu livro que se apresenta o primeiro tratado de direito natural ou, melhor dizendo, o primeiro tratado autônomo de filosofia do direito: “Constituídos os estados modernos, cada um deles sobre uma base nacional distinta, e abandonada a concepção medieval de um poder superior pertencente à Igreja ou ao Império, tornou-se necessário um fundamento novo para a ordem positiva. / Não se tratando mais de procurar a explicação última do direito em uma concepção religiosa, em uma explicação de ordem teológica, como fizera a escolástica, nem de sustentar a doutrina já superada, que apresentava o poder dos reis como poder derivado de uma fictícia autoridade imperial. / Surgiu, assim, a escola do direito natural procurando fundamento eminentemente humano e terreno para o direito e o estado”. 186 Giorgio DEL VECCHIO, La société des nations au point de vue de la philosophie du droit international (RCADI, 1931, t. 38, p. 541-650). 187 Cf. referido, vai buscar em Moisés MAIMONIDES a distinção entre “direito natural” e “direito positivo”. 188 Hugo GRÓCIO, Traité du pouvoir du magistrat politique sur les choses sacrées (do original em latim De imperio summarum potestatum circa sacra, 1614, edição fac-similar da edição publicada anonimamente em Paris, em 1751, com falsa menção a Londres, na página de rosto, trad. de Charles Armand L’Escalopier de NOURAR, présentation de Vincent GUILLAUME, Caen: Publications de l’Univ. de Caen, 1991). No Cap. I “Le pouvoir du magistrat politique s’étend sur les choses sacrées” (p. 1-33, observa, p. 3): “Je prends ici le pouvoir dans une signification plus étendue; ce n’est pas en ce qu’il est opposé à la juridiction, mais en ce qu’il la renferme, & qu’il est le droit de commander, de permettre et de défendre”. 189 Frederic HOFFET, Psychanalyse de l’Alsace (texte de 1951, augmenté d’une préface de l’auteur et d’un avant-propos de Germain MULLER, Colmar: Editions Alsatia, 1973), mostra como a paz em 1648 traz o marco da crise e instaura institucionalmente a dualidade na Alsácia, com a passagem desta, em decorrência de acordo, para a França. A partir desse momento, insere-se na Alsácia o esforço de LUÍS XIV de integrá-la ao reino e esfera cultural e linguística francesas, depois de séculos de quase total integração da região entre os povos do império germânico, não somente da futura Alemanha, propriamente dita, como dos holandeses e flamengos, e dos suíços de língua alemã. 190 Com a assim chamada, faute de mieux, confrontação de civilizações, v. Samuel HUNTINGTON, The clash of civilizations and the remaking of world order (Londres: Simon & Schuster, 1998), antes publicado como artigo, The clash of civilizations (Foreign Affairs, 1993, 72, n. 3, p. 22 e s.), bem como The West unique, not universal (Foreign Affairs, 1996, 75, n. 6, p. 28 e s.). Contraposição interessante, v. Octávio IANNI, A sociedade global (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 5. ed., 1997). 191 Johan Wilhelm NEWMAYR VON RAMSLA estuda a questão da neutralidade em seu Von der Neutralitet und Assistenz oder Unpartheyligkeit vnd Partheyligkeit in KriegsZeiten sonderbarer Tractat oder Handlung (Erfurt: J. Birckner, 1620). 192 Naquele século, além de GRÓCIO, figuram entre os internacionalistas de mais renome: Richard ZOUCH; Samuel PUFFENDORF; John SELDEN; Frei Seraphim DE FREITAS, autor do De Justo Imperio Lusitanorum Asiatico. A respeito da controvérsia entre GRÓCIO e Frei Seraphim de FREITAS, v. Sérgio BUARQUE DE HOLANDA, Visão do paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil (São Paulo: Nacional / Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia, 3. ed., 1977). 193 H. ACCIOLY, Tratado (2. ed., 1956, v. I, Cap. II, loc. cit., parágrafo 80). 194 Sem esquecer da atuação de Hugo GRÓCIO em outros setores, como humanista, filósofo, teólogo, músico, astrônomo, poeta e historiador, deixa obras nesses campos do saber, além da teoria e da prática do direito e das relações internacionais, como ilustra seu Traité du pouvoir du magistrat politique sur les choses sacrées (do original em latim De imperio summarum potestatum circa sacra, edição fac-similar da edição publicada anonimamente em Paris, em 1751, com falsa menção a Londres, na página de rosto, trad. Charles Armand L’Escalopier de NOURAR, présentation de Vincent GUILLAUME, Caen: Publications de l’Univ. de Caen, 1991). 195 P. AVRIL, Pufendorf (in Les fondateurs du droit international public: leurs oeuvres, leurs doctrines, avec une introduction de A. PILLET, Paris: V. Giard & E. Brière, 1904, p. 331-383). 196 Samuel von PUFENDORF tem sua obra principal De jure naturae et gentium (publicada em Lund, 1672), da qual o tratado De officio hominis et civis iuxta legem naturalem (publicado em Lund, 1673) constitui versão resumida, Les devoirs de l’homme et du citoyen – tels qu’ils sont prescrits par la loi naturelle (traduit du latin par Jean BARBEYRAC, Londres: Chez Jean Nourse, 1712, 2 v., edição fac-similar Caen: Centre de Philosophie Politique et Juridique, capa 1984 / p. rosto 1989, 2 v.). 197 Antonio TRUYOL y Serra, no seu Histoire du droit international public (Paris: Economica, 1995, p. 86-88): “En tant que luthérien, il [PUFENDORF] n’ignore évidemment pas l’existence d’un ordre divin révélé pour la direction de la conduite humaine; mais il le différentie clairement de l’ordre fondé sur la raison, notamment en ce qui concerne la vie en société. Quant au droit des gens, PUFENDORF doit plus à HOBBES qu’à GROTIUS”. 198 V. Richard TUCK, The “modern” theory of natural law (in The languages of political theory in Early Modern Europe, ed. by A. PAGDEN, Cambridge: UP, 1987, pb. editorial 1990, p. 99119). 199 Istvan HONT mostra como e quanto PUFENDORF teria contribuído com fundamentos para a formulação da teoria da sociedade comercial em Adam SMITH e da concepção deste a respeito da “Age of Commerce”, como o quarto e decisivo estágio do desenvolvimento social da humanidade, no ensaio The language of sociability and commerce: Samuel Pufendorf and the theoretical foundations of the “four-stages theory” (no volume The languages of political theory in Early Modern Europe (edited by) Anthony PAGDEN, Cambridge: Univ. Press, © 1987, pb. edition 1990, p. 253-276, cit. p. 253-4): “The intimate continuity between earlier natural law theories of property and [Adam] SMITH’s four stage theory of history does not need elaborate demonstration”. V. Adam SMITH, Inquérito sobre a natureza e as causas da riqueza das nações (do original An Inquiry into the nature and causes of the wealth of nations, 6 ed., Londres: Methuen & Co., pref. de Hermes dos SANTOS, trad. e notas de Teodora CARDOSO e Luís Cristovão de AGUIAR, Lisboa: Fundação C. GULBENKIAN, 1993, 2 v.), este é sempre lembrado pelo seu mais conhecido título, mas esquecem-se outros. 200 J. B. SCOTT, Le principe de l’égalité juridique dans les rapports internationaux (RCADI, 1932, t. 42, p. 467-630). R. P. ANAND, Sovereign equality of states in international law (RCADI, 1986, t. 197, p. 9-228); sobre “direito à igualdade (2.5.2) como tópico dentre direitos e deveres dos estados (2.5), v. infra. 201 Celso D. de Albuquerque MELLO, Aspectos gerais do direito internacional público contemporâneo (XI Curso de derecho internacional, Rio de Janeiro, “organizado por el Comitê jurídico interamericano, con la cooperación de la Secretaria general de la OEA, en agosto de 1984”, Washington: OEA — Secretaria General, 1985, p. 3-27, “Princípio da igualdade”, p. 14-15): “Este princípio tem, segundo doutrinadores, a sua origem na Paz de Westfália (1648) onde se consagrou a igualdade das religiões. Na doutrina, entre os denominados ‘fundadores do direito internacional’, o princípio da igualdade foi defendido por Samuel PUFENDORF e Emeric De VATTEL. Entretanto, somente no século XIX, com a universalização do direito internacional, que o princípio da igualdade foi consagrado. Porém o que sempre se defendeu foi a igualdade da Revolução Francesa, isto é uma igualdade abstrata, que não levava em consideração a condição econômica concreta. Ela defendia a existência de uma igualdade natural, mas não era contra a desigualdade advinda da própria vida social. Esta sempre foi tradicionalmente a posição do direito internacional público, sendo que na segunda conferência de paz da Haia, o representante do Brasil precisou defender a igualdade entre pequena e grande potência. Na Carta da Organização das Nações Unidas ainda vamos encontrar a noção de ‘grandes’, ou seja, dos membros permanentes do Conselho de segurança. O direito internacional público explica de modo jurídico o que só tem razão na política. O direito internacional público, a fim de não ser posto de lado, passa a observar qualquer realidade política e procura não apenas explicá-la, mas também justificá-la, dando-lhe, assim, legitimidade. A igualdade, desde que a sociedade internacional deixou de ser eurocêntrica, transformou-se em verdadeira ficção. Essa ficção, aplicada nas relações internacionais econômicas, beneficia sempre os países ricos. A igualdade jurídica só pode existir se nós reconhecemos a existência de uma desigualdade econômica e que ela deve ser compensada. É de se recordar que, em 1923, em parecer consultivo da CPJI (sobre questões relativas a colonos alemães nos territórios cedidos pela Alemanha à Polônia) dizia: ‘é necessário que haja uma igualdade de fato e não somente uma igualdade jurídica formal’. De um modo geral, o que afirmamos acima veio a ser aplicado quando se reivindicou o princípio da não reciprocidade nas relações comerciais entre países ricos e pobres, como, por exemplo, na cláusula de nação mais favorecida. Esta tese foi consagrada em protocolo que modifica o acordo do GATT em 1965. Podemos mencionar, ainda, como aplicação da não reciprocidade, o sistema geral de preferências, reivindicado pelos países pobres, com respeito aos ricos em suas relações econômicas, defendido na Conferência das Nações Unidas sobre comércio e desenvolvimento, e consagrado por alguns países como, por exemplo, o Japão, ou ainda pela CEE (Convenção de Lomé, 1975)”. 202 Samuel von PUFENDORF rebate as críticas contra suas duas obras de 1672 e 1673 e desenvolve seus argumentos no Specimen controversiarum circa ius naturale ipsi nuper motarum (publicado em Uppsala, 1678). 203 PUFENDORF, no primeiro capítulo, intitulado “a origem e o desenvolvimento do estudo do direito natural” do Specimen controversiarum circa ius naturale ipsi nuper motarum (1678, p. 1-26, cit. p. 10), enfatiza que ninguém, antes de GRÓCIO, tinha produzido obra sem contaminação de teorias de autores anteriores: “Accinxit porro sese Grotius ad moliendum opus, in quo nulla priorum vestigia ipsum regebant”. 204 GRÓCIO destaca o direito natural do direito positivo e os coloca nessa ordem. Como referi, GRÓCIO, nessa passagem do De iure belli ac pacis, fundamenta seu raciocínio a partir da distinção feita por Moisés MAIMONIDES no Guia dos perplexos. 205 Richard TUCK, The “modern” theory of natural law (1987, ensaio cit., p. 106): “The ‘highest principle’ upon which PUFENDORF called was the will of God; it was only because all men believed in a God who had power over them, that they felt obliged to do something which they might not otherwise choose to do. (...) PUFENDORF believed that we determine what it is that God wills us to do, by considering what is in our best, longterm interest: we know what God wishes to be preserved, and therefore we know that we are obliged to do whatever is necessary for our preservation. (...) PUFENDORF always emphasised that the contents of the law was the important issue (...). As PUFENDORF said, the problem was to determine what was morally right”. 206 NGUYEN Quoc Dinh, P. DAILLIER e A. PELLET, Droit international public (Paris: LGDJ, 5. ed., 1994, par. 25, p. 55); Celso D. de A. MELLO, Curso (Rio de Janeiro: Renovar, 15. ed., 2004, v. I, par. 58, p. 178); A. A. CANÇADO TRINDADE, A “recta ratio” nos fundamentos do “jus gentium” como direito internacional da humanidade (in A humanização do direito internacional, Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 3-29, cit. p. 12). 207 Samuel PUFENDORF, De jure naturae et gentium libri octo (edited by C. H.OLDFATHER & W. A. OLDFATHER, Buffalo, N.Y.: W. S. Hein, reimpr., 1995), também disponível em edição brasileira, Do direito natural e das gentes (prefácio Tércio Sampaio FERRAZ Jr., Brasília: Clássicos IPRI / UnB). 208 J. DELPECH, Bynkershoek (1673-1743) (in Les fondateurs du droit international public: leurs oeuvres, leurs doctrines, avec une introduction de A. PILLET, Paris: V. Giard & E. Brière, 1904, p. 385-446). 209 Antonio TRUYOL Y SERRA, Histoire du droit international public (Paris: Economica, 1995, p. 84-85): “Il se réfère également aux dispositions internes des États-généraux des Provinces-Unies, et les précédents sont pris de préférencedans le passé récent. L’arrière-fond judiciaire se révèle dans la logique du raisonnement, la lucidité de l’approche et la vigueur de l’expression, non exempte de brusquerie”. 210 Cornelius van BYNKERSHOEK, De dominio maris dissertatio (1702), partindo de análise dos fatos, conclui, como GRÓCIO, um século antes, no Mare liberum, pela liberdade da navegação dos oceanos. 211 Benedetto CONFORTI, no seu Il regime giuridico dei mari: contributo alla ricostruzione dei principi generali (Napoli: Eugenio Jovene, 1957), ainda estuda a matéria em contexto anterior às Convenções de Genebra de 1958. 212 Histoire du droit international public (op. cit., 1995, loc. cit.): “BYNKERSHOEK a consacré une attention particulière à la neutralité, notamment sur mer. Il interprète les décrets du gouvernement des Provinces-Unies dans le sens de l’effectivité du blocus et de la légitimité de la prise du navire et de la cargaison en cas de tentative de rupture du blocus”. 213 Peter PADFIELD estuda a questão em seu Maritime supremacy and the opening of the W estern mind: naval campaigns that shaped the modern world 1588-1782 (Londres: Random House, © 1999, publ. 2000). 214 Prosper WEIL, dentre outros, analisa a extensão e relevância dos progressos alcançados no seu Perspectives du droit de la délimitation maritime (Paris: Pédone, 1988). 215 Francisco ORREGO-VICUÑA, La zona económica exclusiva: regimen y naturaleza jurídica en el derecho internacional (Santiago: Edtrl. Jurídica de Chile, 1991); Beltrer GAR R E- C OPELLO, La zona económica exclusiva (Montevideo: Univ. de la República / Dir. Gral. de Extension Univ., 1987). 216 V. Vicente Marotta RANGEL, A experiência da Conferência da ONU e a Convenção sobre direito do mar, no volume Questões importantes referentes ao mar, sob a coord. de Georgette Nacarato NAZO (São Paulo: Soamar – Sociedade dos Amigos da Marinha, 1996, p. 11-18 et al.). 217 Cornelius van BYNKERSHOEK, De foro legatorum singularis (Leyden, 1721). 218 Antonio TRUYOL Y SERRA, Histoire du droit international public (Paris: Economica, 1995, p. 85): “Le cas qui est à l’origine de la monographie touchait à l’immunité de la juridiction civile. Le comte de FLOHZ, ministre du duc de HOLSTEIN près des États-généraux des Provinces-Unies avait été décrété de saisie par la Cour Suprême de la province de Hollande pour paiement d’une dette qu’il avait contractée comme négociant. Sauf exception des crimes contre la sûrété de l’État, BYNKERSHOEK admet l’immunité de la juridiction criminelle. Quant à l’immunité de la juridiction civile, il la restreint pour les biens qui ne sont pas attachés à la personne de l’ambassadeur, de telle sorte qu’il peut sans eux exercer ses fonctions, et à plus forte raison, s’il les consacre au commerce. Par ailleurs, l’ambassadeur, expressément autorisé par son souverain, peut renoncer à l’immunité de juridiction, et le souverain territorial, avant de donner l’agrément au ministre étranger, limiter son droit à l’immunité”. 219 J. DELPECH, Bynkershoek (1673-1743) (in Les fondateurs du droit international public: leurs oeuvres, leurs doctrines, avec une introduction de A. PILLET, Paris: V. Giard & E. Brière, 1904, p. 385-446, cit. p. 401): “Le De foro legatorum fut un ouvrage de circonstance, dont BARBEYRAC dit qu’‘il est le seul avantage qui soit revenu au public à l’occasion d’un négoce, le plus ruineux qui ait jamais été inventé’. Sa portée doctrinale est demeurée cependant trés grande”. 220 Observa G. E. do NASCIMENTO E SILVA, Convenção sobre relações diplomáticas (Rio de Janeiro: Forense Univ. / Fund. Alexandre de Gusmão, 3. ed., 1989, no “Prefácio”): “A obra de codificação teve importante impulso com a Carta das Nações Unidas que prevê o desenvolvimento progressivo e a codificação do direito internacional”. Esse trabalho da Comissão de Direito Internacional levou à “assinatura de inúmeros e importantíssimos tratados” (...) “e as diversas convenções de Viena, como as de relações diplomáticas (1961), relações consulares (1963), direito dos tratados (1969), representação dos estados em suas relações com organizações internacionais de natureza universal (1975), sucessão de estados em matéria de tratados (1978), sucessão de estados em matéria de bens, arquivos e dívidas do estado (1983) e direito dos tratados entre estados e organizações internacionais ou entre organizações internacionais (1986)”. 221 Pensador de vasta gama de interesses, Gottfried Wilhelm LEIBNIZ, Protogaea – uma teoria sobre a evolução da terra e a origem dos fósseis (“pela primeira vez traduzida do latim ao português, com notas e comentários” de Nelson PAPAVERO, Dante Martins TEIXEIRA e Maurício de Carvalho RAMOS, São Paulo: Plêiade / FAPESP, 1997); Die Theodizee (einfuhrender Essay von Morris STOCKHAMMER, Ubersetzung von Arthur BUCHENAU, Hamburg: Felix Meiner, 2. ed., 1968); Neue Abhandlungen uber den menschlichen Verstand (ubersetzt, eingeleitet und erläutert von Ernst CASSIRER, Hamburg: Felix Meiner, 1971, unveränderter Nachdruck, 1971); Discours de métaphysique / Metaphysische Abhandlung (ubersetzt und mit Vorwort und Anmerkungen herausgegeben von Herbert HERRING, edição bilíngue, Hamburg: Felix Meiner, 1958, unveränderter Nachdruck, 1975); Principes de la nature et de la grâce fondés en raison / Monadologie / Vernunftprinzipien der Natur und der Gnade / Monadologie (auf Grunde der kritischen Ausgabe von André ROBINET, 1954, und der Ubersetzung von Artur BUCHENAU, mit Einfuhrung und Anmerkungen herausgegeben von Herbert HERRING, edição bilíngue, Hamburg: Felix Meiner, 1982, zweite, verbesserte Auflage, 1982); dentre vasta bibliografia disponível, v.: Kurt HUBER, Leibniz: der Philosoph der universalen Harmonie (1951, Munique: Piper, 1989); Bertrand A. W. RUSSELL, A filosofia de Leibniz: uma exposição crítica (trad. João Rodrigues VILLALOBOS, Hélio Leite de BARROS e João Paulo MONTEIRO, São Paulo: Nacional / EDUSP, 1968). Além de tantas outras coisas, no seu tempo, esteve LEIBNIZ em contato epistolar com Charles Irenée CASTEL, dito o Abbé de SAINT-PIERRE e a respeito da obra deste registrou Observations sur le projet de paix perpétuelle de l’abbé de SAINT-PIERRE (Oeuvres de LEIBNIZ, publiées pour la première fois d’après les manuscrits originaux avec notes et introductions par A. FOUCHER DE CAREIL, volume quatrième Histoire et politique, Paris: Librairie de Firmin Didot Frères, Fils et Cie., 1862, p. 325-327, a Lettre de LEIBNIZ à l’abbé de SAINT-PIERRE, datada de Hanover, 7 de fevereiro de 1715, p. 328-336, Observations sur le projet de paix perpétuelle de Mr. l’abbé de SAINT-- PIERRE, “avant propos” Simone GOYARDFABRE, Caen: Univ. de Caen / Centre de Philosophie politique et juridique, 1993). 222 Seguido por Jacques BERNARD (1658-1718), Recueil des traités de paix, de trêve, de neutralité, de suspension d’armes, de confédération, d’alliance, de commerce, de garantie etc., depuis 536 jusqu’à 1700 (em quatro volumes, Haia, 1700), Jean DUMONT (também grafado DU MONT) (1666-1727), Corps universel diplomatique du droit des gens (Amsterdã / Haia, 1726-1731, em oito volumes), seguido de suplemento, publicado por Jean BARBEYRAC (1674-1744) e Jean Rousset DE MISSY (1686-1762), Supplément au Corps diplomatique du droit des gens (Amsterdã / Haia, 1739, em cinco volumes), bem como Georg Friedrich von MARTENS (1756-1821), com seu Recueil des traités d’alliance, de paix, de trêve, de neutralité, de commerce, etc., depuis 1761 (Göttingen, 1791-1801, em sete volumes), continuado sob títulos diversos, por este e outros, em seu nome. 223 Vicente Marotta RANGEL (no “Prefácio” a VATTEL, O direito das gentes, Brasília: Ed. UnB / IPRI, 2004, p. LIV). V. tb. Antonio TRUYOL Y SERRA, Histoire du droit international public (Paris: Economica, 1995, “les grands recueils de traités internationaux”, p. 91-92): “mérite le respect admiratif de la postérité pour l’immense effort qu’il représente, qui en fait, en des termes que nous souscrivons, le produit le plus complet de l’historiographie savante dans le domaine de la recherche des sources concernant les relations interétatiques” [M. TOSCANO, Storia dei trattati e política internazionale (Turim, 2. ed., 1963, tomo I, p. 1)], et dont on a pu dire que, d’envergure européenne, “il occupera toujours une première place parmi les monuments juridiques de la terre” [S. VEROSTA, “Jean DUMONT und seine Bedeutung fur das Völkerrecht” (Zeitschrift fur öffentliches Recht, XIV, 1934, p. 518)]. E conclui, a respeito das coletâneas clássicas de tratados: “Il est significatif de noter que tous ces recueils incluent non seulement les traités conclus par les états européens entre eux, mais aussi ceux des autres parties du monde, voire des chefs de tribus et de clans, ce qui implique une conception universaliste que le titre de celui de DUMONT reflète bien”. 224 Nascido em Breslau (atualmente Wroclaw, na Polônia) em 24 de janeiro de 1674. Professor assistente na Universidade de Leipzig, em 1702, passando à de Halle, em 1707, mediante recomendação de seu mestre, LEIBNIZ, de quem começara a divulgar a doutrina. Em 1721, acusado de propagar ideias heréticas e perigosas, foi expulso da Prússia. Si non è vera, è ben trovata a explicação de L. OLIVE (op. cit., 1904, p. 446-447): “On racconte à ce propos que le roi Frédéric-Guillaume Ier . s’informa à cette occasion de ce qu’était cette théorie de l’harmonie préétablie, dont on parlait beaucoup alors, et que WOLFF était accusé d’enseigner à l’Université de Halle. Un courtisan lui répondit ‘que tous les soldats, selon cette doctrine, n’étaient que de pauvres machines, et que, quand quelques-uns désertaient, c’était une suite nécessaire de leur structure, et qu’on avait tort, par conséquent de les punir, comme si on punissait une machine pour avoir produit tel ou tel mouvement’. Le roi se fâcha si fort sur ce rapport, qu’il donna ordre de chasser M. WOLFF de Halle, sous peine d’être pendu s’il s’y trouvait encore au bout de vingt quatre-heures. WOLFF se rendit dans l’état de Hesse-Cassel, où il fut chargé d’enseigner les mathématiques et la philosophie à l’Université de Marbourg, avec le titre de conseiller de cour du Landgrave de Hesse. En 1741, après l’avènement de Frédéric II, il fut rappellé en Prusse, où sa chaire lui fut rendue. Il mourut en 1754”. 225 Christian WOLFF, Principes du droit de la nature et des gens (“extrait du grand ouvrage latin de Mr. de WOLFF par Mr. [Jean-Henri Samuel] FORMEY”, Amsterdam: chez Marc Michel Rey, 1758, 3 v. edição fac-similar Caen: Centre de philosophie politique et juridique, 1990). 226 Não somente por ter sido o mestre de seu mais célebre discípulo, E. de VATTEL. Em relação a este também LAUTERPACHT repõe em seu lugar a verdade com relação à expressão a respeito dos “gigantes e anões”, atribuindo a WOLFF a autoria da expressão normalmente creditada a VATTEL. V. H. LAUTERPACHT, International Law and Human Rights (New York: Praeger, 1950, p. 119). 227 L. OLIVE, Wolff (in Les fondateurs du droit international: leurs oeuvres, leurs doctrines, avec une introduction de Antoine PILLET, Paris; V. Giard & E. Brière, 1904, p. 447-479). 228 L. OLIVE (op. cit., 1904, p. 447). 229 Angelo Piero SERENI, La jurisdicción internacional (Valladolid: Cuadernos de la cátedra J. B. Scott, Univ. de Valladolid, 1969, p. 24). 230 Hersch LAUTERPACHT, The function of law in the international community (Oxford: Clarendon Press, 1933, p. 423): “If it is true that the initial hypothesis ought not to be a maxim with a purely formal content, but an approximation to a social value, then, indeed, the first postulated legal cause can fittingly be formulated by reference to the international community as such, and not to the will of individual states”. 231 Aí se poderia traçar paralelo em relação ao “princípio de fato” (de facto principle), de James LORRIMER, ou à “teoria pura do direito”, de Hans KELSEN, embora ulteriores detalhamentos tenham ido consideravelmente mais adiante na formulação. 232 WOLFF dá a sua caracterização (op. cit., ed. cit., “Preface”, p. XIX-XX): “A perfeição de um ser, tomada em sua generalidade, é produzida pelo acordo de suas diferentes faculdades ou partes, enquanto estas atuam de modo concertado, e se reportam invariavelmente ao mesmo fim”. e a “imperfeição resulta das discordâncias entre as diferentes partes do mesmo todo”. A respeito do “direito de defesa e conservação”, v. 2.5.4, infra. 233 Christian WOLFF (op. cit., ed. cit., “Preface”, p. XV). 234 A. MALLARMÉ, Emer de Vattel (1714-1767) (in Les fondateurs du droit international public: leurs oeuvres, leurs doctrines, avec une introduction de A. PILLET, Paris: V. Giard & E. Brière, 1904, p. 481-601). 235 Emer (ou Emerich) de VATTEL, O direito das gentes (prefácio e tradução de Vicente Marotta RANGEL, Brasília: Ed. UnB / IPRI, 2004), também utilizada a edição The law of nations or the principles of natural law: applied to the conduct and to the affairs of nations and of sovereigns (translation of the edition of 1758 by Charles G. FENWICK, with an intr. by Albert de LAPRADELLE, Washington: Carnegie Institution, 1916, special edition privately printed for the members of the Legal Classics Library, 1993). 236 Emer de VATTEL ainda retoma WOLFF em seu último trabalho, publicado em 1762, o ensaio Questions de droit naturel et observations sur le traité du droit de la nature par Mr. le baron de Wolff. 237 No “prefácio” à tradução de VATTEL, O direito das gentes (ed. cit., 2004, p. XLVII e s.), Vicente Marotta RANGEL frisa, “para situar-nos apenas no âmbito do direito internacional, cabe lembrar que assim como o De jure belli ac pacis, de Hugo GRÓCIO, exerceu no século XVII maior influência que os ensinamentos de Francisco de VITÓRIA, o tratado de VATTEL eclipsou, como assinala Paul REUTER, Institutions internationales (Paris: PUF, 1955, p. 47), tão logo publicado, o livro do jurisconsulto holandês”. 238 Vicente Marotta RANGEL (pref. cit., 2004, p. LVI e p. LXII): “O tratado reflete a realidade das relações políticas internas e internacionais da época em que foi escrito, sem ignorar as contribuições do pretérito em relação aos diversos tópicos nele examinados. Essa realidade induziu VATTEL a tentar aclarar a tormentosa dialética entre soberania e direito internacional”. 239 Urban WHITAKER, Politics and power: a text in international law (New York: Harper & Row, 1964, p. 29-30): “VATTEL’s strongest leanings toward natural law doctrine are evidenced in his constant references to equality. His most famous sentence declares that ‘a dwarf is as much a man as a giant is’. Applied to international law, this rule suggests that small nations have equal rights with large ones. This doctrine, which has prevailed to the present day, is severely attacked by BRIERLY as ‘a misleading deduction from unsound premises’. It is still quoted with approval, however, by spokesmen for the small new states of Asia and Africa”. 240 Antonio TRUYOL Y SERRA, Histoire du droit international public (Paris: Economica, 1995, p. 89-90): “Bien que prétendant à présenter les idées de WOLFF d’une façon claire et facile à comprendre, Le droit des gens de VATTEL est plus qu’une glose. Il aborde des nombreuses questions que WOLFF n’avait pas traitées, ou qu’il n’avait fait qu’effleurer. L’expérience du diplomate et du conseiller, bien que réduite au moment où il fut rédigé, se fait sentir. Il manque pourtant à VATTEL une formation juridique adéquate. Le raisonnement est souvent superficiel, et l’expression, grandiloquente. / “L’ouvrage de VATTEL, malgré les critiques dont il a été l’objet de la part des internationalistes en raison des faiblesses dont nous avons fait état, connut un succès seul comparable à celui de GROTIUS sur le droit de la guerre et de la paix, notamment dans la jurisprudence des tribunaux en Angleterre et aux États-Unis. Le secret de cette diffusion, jugée paradoxale par certains (dont NUSSBAUM), doit être cherché dans la nature même du traité, dont on a pu dire, à juste titre, par rapport à son modèle, qu’il “n’était pas l’ouvrage d’un savant pour des savants, dans un latin obscur, lourdement scholastique, mais un livre élégamment écrit par un homme du monde, un diplomate, philosophe et lettré, à l’intention des souverains, des ministres et des gens du bel air” (Albert de LA PRADELLE). Il fut, jusqu’en plein XIXe siècle, le livre de chevet des diplomates, notamment des consuls, et, dans les pays de langue anglaise, des juges”. 241 A. MALLARMÉ, Emer de Vattel (1714-1767) (in Les fondateurs du droit international public: leurs oeuvres, leurs doctrines, avec une introduction de A. PILLET, Paris: V. Giard & E. Brière, 1904, p. 481-601). 242 A. MALLARMÉ (op. cit., p. 481). 243 Comparem-se exames da matéria feitos por: J. B. SCOTT, Le príncipe de l’égalité juridique dans les rapports internationaux (RCADI, 1932, t. 42, p. 467-630); R. P. ANAND, Sovereign equality of states in international law (RCADI, 1986, t. 197, p. 9-228). 244 VATTEL (op. cit., ed. cit., 2004, Livro III, “Da guerra”, p. 407589). 245 VATTEL (op. cit., ed. cit., 2004, Livro IV, Cap. IX, par. 127, “Conclusão”, p. 685): “Será muito para mim se meus princípios forem considerados sólidos, luminosos e suficientes às pessoas esclarecidas, para encontrarem soluções em questões de pormenor em casos específicos. Estarei feliz se o meu trabalho for de utilidade às pessoas que têm amor ao gênero humano e que respeitam a justiça; se o meu trabalho lhes fornecer armas para defender o bom direito e para, ao menos, compelir os injustos a serem respeitosos em alguma medida e a se manterem nos limites da decência!” 246 É nítida a influência da filosofia de Jean-Jacques ROUSSEAU (1712-1778) sobre as duas principais obras de J. J. BURLAMAQUI, que refletem o esforço de conciliação entre a felicidade individual e as exigências da ordenação da vida em sociedade. 247 Jean de BARBEYRAC foi continuador da coletânea de tratados de Jean DUMONT, Corps universel diplomatique du droit des gens (Amsterdã / Haia, 1726-1731, em oito volumes), publicando, com Jean Rousset DE MISSY, Supplément au Corps diplomatique du droit des gens (Amsterdã / Haia, 1739, em cinco volumes). 248 J. J. BURLAMAQUI, Principes du droit naturel (edição facsimilar, segue a de Paris: Janet et Cotelle, 1821, Caen: Centre de Philosophie poltique et juridique, 1989). 249 J. J. BURLAMAQUI, Principes du droit politique (edição facsimilar, segue a de Amsterdã: chez Zacharie Chatelain, 1751, 2 v., Caen: Centre de Philosophie poltique et juridique, 1984, 2 v.). 250 J. J. BURLAMAQUI, Principes du droit naturel (ed. cit., 1821, seconde partie “Des lois naturelles”, Chap. premier. “Ce que c’est la loi naturelle, et qu’il y en a une”, p. 121 e s.). 251 J. J. BURLAMAQUI, op. cit. (Chap. V, “Que les lois naturelles ont été sufisamment notifiées, des caractères qui leur sont propres, de l’obligation qu’elles produisent, etc.”, p. 174 e s., cit. p. 174-175): “Nous voyons clairement que l’on en peut découvrir tous les principes, et déduire de là tous nos devoirs, par cette lumière naturelle qui n’a été réfusée à personne. C’est en ce sens qu’il faut entendre ce que l’on dit communément, que cette loi est naturellement connue à tous les hommes; car de penser avec quelques-uns, que la loi naturelle soit, pour ainsi dire, née avec nous, et qu’elle se trouve actuellement imprimée dans notre esprit dès le premier moment de notre existence; c’est une pure supposition, qui n’est nullement nécessaire, et qui se trouve démentie par l’expérience. Tout ce qu’on peut dire là-dessus, c’est que les maximes les plus générales et les plus importantes du droit naturel, sont si claires et si manifestes, et qu’elles ont une telle proportion avec nos idées, une telle convenance avec notre nature, que dès qu’on nous les propose, nous les approuvons aussitôt; et comme nous sommes disposés et accoutumés dès l’enfance à sentir ces vérités, nous les regardons comme étant nées avec nous”. 252 J. J. BURLAMAQUI, op. cit. (ed. cit., 1821, p. 174 e s., cit. p. 179-180): “Mais GROTIUS le dit en effet? Écoutons-le. ‘Le droit naturel’, dit-il, ‘consiste dans certains principes de la droite raison, qui nous font connaître qu’une action est moralement honnète ou déshonnète, selon la convenance ou la disconvenance nécessaire qu’elle a avec une nature raisonnable et sociable; et par conséquent que Dieu, qui est l’auteur de la nature, ordonne ou défend de telles actions” [Voyez GROTIUS, Droit de la guerre et de la paix, Liv. I, Chap. I, par. 10.]. Je ne vois là point de cercle; car, sur cette demande, d’où vient l’honnéteté ou la turpitude naturelle des actions prescrites ou défendues, GROTIUS ne répond point comme on le fait répondre; il dira au contraire que cette honnéteté ou cette turpitude vient de la convenance ou de la disconvenance nécessaire de nos actions avec une nature raisonnable et sociable [Voyez la note 5 de BARBEYRAC sur le Droit de la nature et des gens, Liv. II, Chap. III]. 253 BURLAMAQUI, op. cit. (Parte II, Chap. V, p. 188) 254 Tal como habitualmente se situa a Idade Moderna, entre o final da Idade Média até o início da época contemporânea, não obstante algumas nuances de marcos iniciais e finais. 255 Henri BAILBY, Georges-Frédéric De MARTENS (in Les fondateurs du droit international public: leurs oeuvres, leurs doctrines, avec une introduction de A. PILLET, Paris: V. Giard & E. Brière, 1904, p. 603-676). 256 Celso MELLO, Curso (ed. cit. 2004, v. I, par. 62, p. 179), lembra a importância de G.-F. von MARTENS por seu Précis du droit des gens moderne de l’Europe (1788) e uma série de outras obras sobre direito internacional, além de ressaltar que este “foi o autor do primeiro livro de casos do direito internacional: Causes célèbres du droit des gens moderne (1800-1802)”. Além da referida coletânea, Georg Friedrich von MARTENS, Recueil des traités d’alliance, de paix, de trêve, de neutralité, de commerce, etc., depuis 1761 (Göttingen, 17911801, em sete volumes), continuado sob títulos diversos, por este e outros, em seu nome. 257 H. BAILBY (op. cit., 1904, cit. p. 675): “L’école moderne est largement entré dans cette voie qui venait de lui être indiquée. / Il faut rendre aussi à de MARTENS cette justice qu’il a une connaissance complète du droit des gens, une vaste érudition dont il abuse même parfois, se bornant, sur une question donnée, à renvoyer aux auteurs qui l’ont traité, plutôt que de la discuter et de lui donner une solution basée sur des raisons qui lui paraissaient justes. / Le style est sobre, concis, substantiel: il ne tend qu’à l’expression nette de la pensée”. 258 H. BAILBY (op. cit., 1904, loc. cit.): “Nous avons signalé cette fause tendance positiviste qui porte de MARTENS à ratifier souvent les décisions du droit positif, au lieu d’aller jusqu’à la raison d’être et au but des institutions du droit des gens. Certaines solutions, certaines règles données sont inacceptables. Nous avons constaté aussi des contradictions et des lacunes. Mais l’oeuvre a d’incontestables mérites: celui, d’abord, d’avoir mieux précisé les limites de notre science, d’en avoir indiqué avec netteté les principes dominants, les idées essentielles qui mettent plus de clarté et permettent de se guider plus sûrement à travers les espèces multiples que les faits présenteront”. 259 Antonio TRUYOL Y SERRA, Histoire du droit international public (1995, p. 90-91): “Le droit des gens européen s’étend à l’Amérique, mais n’inclut pas la Turquie. Seul, le droit naturel peut prétendre à l’universalité”. E completa: “L’aspect où DE MARTENS se rapproche le plus du courant positiviste semble être la distinction, introduite par MOSER, entre le droit des gens et le droit interne relatif aux relations internationales, le ‘droit public externe’. / Sans être original, l’oeuvrage de DE MARTENS se recommande par sa précision, la solidité de sa documentation et l’élégance de son style, notamment en français. On a pu dire avec raison qu’il fut ‘le meilleur exposé systématique du droit international du temps de Von MARTENS et pour longtemps’ [NUSSBAUM]”. 260 Vladimir Djuro DEGAN, L’affirmation des principes du droit naturel par la Révolution française (AFDI, 1989, v. XXV, p. 99116); René-Jean DUPUY, La révolution française et le droit international actuel (RCADI, 1989, t. 214, p. 9-30); B. MIRKINE-GUETZÉVITCH, L’influence de la révolution française sur le développement du droit international dans l’europe orientale (RCADI, 1928, t. 22, p. 295-458). 261 Nos autos de instrução contra os Inconfidentes em Minas, os funcionários da Coroa portuguesa deploram a clara influência dos “abomináveis princípios franceses”, que insuflavam os acusados – assim tendo, em lapso de tempo consideravel-mente curto, estendido sua influência ao interior do Brasil, ainda fechado para o mundo exterior, no contexto da colônia; Kenneth MAXWELL, A devassa da devassa (1973, trad. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977); Joaquim Norberto de SOUZA E SILVA, História da conjuração mineira (Rio de Janeiro: Garnier, 1873); João CAPISTRANO DE ABREU, Capítulos da história colonial (1500-1800) (5. ed. rev., prefaciada e anotada por J. H. RODRIGUES, Brasília: Ed. UnB, 1963). 262 S. PLANAS-SUAREZ, L’extension de la doctrine de Monroe en Amérique du Sud (RCADI, 1924, t. 5, p. 267-366); Dexter PERKINS, A history of the Monroe doctrine (Boston: Little Brown, 1955); P. B. POTTER, Le développement de l’organisation internationale (1815-1914) (RCADI, 1938, t. 64, p. 71-156). 263 O. NIPPOLD, Le développement historique du droit international depuis le Congrès de Vienne (RCADI, 1924-I, t. 2, p. 1-24); M. BOURQUIN, La sainte alliance: un essai d’organisation européenne (RCADI, 1953, t. 83, p. 377-464). Não vejo, contudo, mutações qualitativas substanciais em decorrência do Congresso de Viena, de 1815. Pode-se dizer que a consolidação da proteção internacional dos interesses dinásticos, sacralizados em alianças internacionais, levaria à eclosão das revoluções de 1830 e 1848, em vários lugares da Europa, prepararia o caminho para a eclosão violenta da manifestação das reivindicações das nacionalidades, que varreria os impérios multinacionais, no curso e após a primeira guerra mundial (1914-1918), com transformação radical do mapa e da ordenação da Europa, que passa a ser a “Europa das nacionalidades”. As tentativas de estabelecer configuração política refletindo os “estados-nação”, em toda a Europa Central, suscitariam múltiplos outros problemas, no curso das duas décadas seguintes e não pouco terá influenciado a eclosão do novo conflito generalizado (1939-1945). 264 Em P. B. CASELLA, Tratado de Versalhes na história do direito internacional (São Paulo: Quartier Latin, 2007), estudo introdutório e o inteiro teor do Tratado de paz entre as potências aliadas e associadas e a Alemanha e Protocolo anexo assinados em Versailles, aos 28 de junho de 1919 (lei portuguesa, “Carta de 2 de abril” [de 1920], “Tratado de Paz de Versailles: ratificação”, Lisboa: Coleção de Legislação Portuguesa, 1920); no Brasil, foi sancionado pelo Decreto n. 3.875, de 11 de novembro de 1919 ( DOU de 12-12-1919). Ratificado pelo Brasil em 10 de dezembro de 1919, deu-se o depósito da ratificação brasileira em Paris, a 10 de janeiro de 1920. Promulgado pelo Decreto n. 13.990 de 12 de janeiro de 1920. 265 Jean-Jacques ROCHE, Le système international contemporain (Paris: Montchrestien, 3. ed., 1998, “Introduction”, p. 9-10): “Les treize millions de morts de la première guerre mondiale avaient sonné le glas de ‘la mission civilisatrice’ du vieux continent qui tenta néanmoins de reproduire les mécanismes diplomatiques de l’Europe du XIXe siècle. Le refus des États-Unis d’assumer leurs responsabilités et l’isolement de la nouvelle Union soviétique contribuèrent ainsi à place la France et la Grande-Bretagne sur le devant de la scène. Cette dévolution faussée de la puissance et le lent déclin des anciens grands furent dès lors à l’origine des multiples crises qui menèrent inéluctablement à la seconde guerre mondiale. / Le monde en gestation dès 1918 se dessina finalement en 1945. (...) Les relations internationales entrèrent dans une ère nouvelle qui rompait radicalement avec l’expérience passée”. 266 Celso LAFER, Ordem, poder e consenso: caminhos da constitucionalização do direito internacional (in As tendências atuais do direito público: estudos em homenagem ao prof. Afonso Arinos de MELO FRANCO, pref. Aliomar BALEEIRO, Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 89-110, cit. p. 92): “Ordem de natureza hierárquica, limitada às grandes potências, onde a proteção dos pequenos Estados resultava apenas, como registra Stanley HOFFMANN, do equilíbrio do sistema, que impedia a voracidade das grandes potências. Esta ordem teve natureza mais política e diplomática do que jurídica, mas deu margem ao aparecimento e à consolidação de um direito internacional público, que hoje chamaríamos, segundo FRIEDMANN, um direito internacional de coexistência. Este passou a regular, dentro desta ordem, as regras de mútuo respeito pelas respectivas soberanias nacionais, a partir da abstração da igualdade jurídica dos Estados, numa sociedade internacional de membros pouco numerosos, de relacionamento pouco diferenciado, que se colocaram uns em relação aos outros de forma mais ou menos justaposta”. 267 Precursora a crítica de Fray Bartolomé de LAS CASAS, nascido em Sevilha, em 1474, e falecido em Madri, em 1566, dentre “memoriales, cartas, tratados, historias, opusculos teológicos, disquisiciones políticas”, que escreveu a famosa Historia de las indias (edición de Agustín MILLARES Carlo y estudio preliminar de Lewis HANKE, Mexico: FCE, 1951; 2. ed., 1965, 4ª reimpr., 1995, 3 v.). 268 Afonso Arinos de MELO FRANCO, Curso de direito constitucional brasileiro (Rio de Janeiro: Forense, 1958, v. I, loc. cit.), menciona como exemplo da internacionalização do direito interno o padrão-ouro, que se apoiava em legislações nacionais paralelas dos países que aderiram a esse padrão e, portanto, por intermédio de normas internas, criaram sistema monetário de alcance internacional, assegurando assim a transferência e a circulação dos recursos; em nossos dias, o sistema regional europeu: Dominique CARREAU, Le système monétaire international privé (UEM et euromarchés) (RCADI, 1998, t. 274, p. 309-392, cit. p. 327 e p. 388-389): “Le système monétaire et financier inter-national contemporain a donné naissance à de véritables “marchés internationaux” dont l’existence propre et le développement considérable imposent des contraintes telles aux états qu’il est loisible de se demander ce qui reste aux états de leur ‘souveraineté’ en la matière. (...) Le mouvement actuel em direction d’une mondialisation accrue de l’économie ne relève pas seulement du domaine des faits. Il n’est pas sans avoir des profonds incidents sur les institutions et techniques juridiques nationales. (...) La monnaie n’a pas échappé à ce phénomène. Faute de disposer aujourd’hui d’une monnaie universelle propre comme naguère au temps de l’étalon or (gold standard), l’ordre international a besoin des monnaies nationales. Mais leur transposition internationale à des fins exclusivement marchandes les a aussi sensiblement transformées: monnaies transnationales par excellence de création privée et de nature fonctionnelle, les eurodevises apparaissent comme une belle défense et illustration – voire comme une revanche – de la théorie sociologique de la monnaie. De cela, les juristes, internistes comme internationalistes, devraient prendre pleinement conscience. Puisse cet enseignement les y inciter”. 269 Celso LAFER (cit., 1976, item II, p. 93-94): “Economicamente, os traumas da primeira guerra mundial levaram ao desaparecimento do padrão-ouro e geraram, pela falta de mecanismos de cooperação no plano internacional, o protecionismo e a autarquia”. 270 Celso LAFER, O convênio do café de 1976: da reciprocidade no direito internacional econômico (São Paulo: Perspectiva, 1979, Cap. I, “As transformações dos estados e do direito internacional público e a regulamentação jurídica da ordem econômica mundial”, p. 7-28, cit. p. 10): “O esgotamento das virtualidades do Concerto europeu levou à primeira guerra mundial e, de seus escombros, surgiu uma tentativa de propor uma ordem mundial de natureza mais jurídica do que diplomática. O Pacto da Sociedade das Nações criou (...) uma organização internacional, de aspiração universal, que procurou formalmente regular as relações entre os estados, de acordo com certos princípios, entre os quais os da segurança coletiva, solução pacífica de controvérsia, jurisdição internacional e desarmamento. Tais princípios, evidentemente, representavam, nas suas aspirações, um esforço de, através da cooperação internacional, limitar consensualmente o arbítrio dos estados, no exercício de suas competências soberanas, nos termos do direito internacional público de coexistência”. 271 Philippe Moreau DEFARGES, Relations internationales (Paris: Seuil, v. I: “Questions régionales”, 5. ed., 2003; v. II: “Questions mondiales”, 6. ed., 2004). 272 Ph. M. DEFARGES (op. cit., v. I, 2003, Parte I, “L’Europe”, p. 1551, parte II, “De la Communauté européenne à l’Union européenne”, p. 52-103, cit. p. 15): “Du moyen age à la seconde guerre mondiale, l’Europe n’est unie qu’en tant que champ de bataille d’idées, de courants, de pensée: les royautés contre la papauté, le catholicisme contre les protestantismes, les lumières contre l’ancien tégime, le romantisme contre le rationalisme... À ces luttes entre conceptions s’ajoutent ou se combinent celles entre états. / L’Europe cherche alors la paix dans et par l’équilibre. Mais celui-ci reste précaire et changeant. De plus, entre la fin du XIXe et la seconde guerre mondiale, il se revèle inaccessible. D’où l’ordre, lui aussi temporaire, par la division”. 273 Ezekiel Stanley RAMIREZ, As relações entre a Áustria e o Brasil 1815-1889 (prólogo e notas de Américo Jacobina LACOMBE, São Paulo: Nacional, Col. Brasiliana, v. 337, 1968); José Honório RODRIGUES, Independência: revolução e contrarrevolução, v. V. A política internacional (Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975-1976, livro primeiro, “A política internacional”, 1. “A política internacional e o Brasil”, considerando sucessivamente: “A política inglesa de CASTLEREAGH e a não intervenção”; “A política de CANNING e a independência brasileira”, “A política austríaca de METTERNICH”; “A política russa”; “A política francesa”; “A política portuguesa”; “A política dos Estados Unidos” etc. 2. “As negociações na Europa”. Abordando o reconhecimento internacional da independência: “Londres, começo da negociação”, “A oposição francesa”, “A hostilidade russa”, “Os primeiros diplomatas”; “Posição da Áustria”; “O congresso europeu e a América”; “A união anglo-americana contra a intervenção”; “METTERNICH e a independência do Brasil”; “CANNING e a posição britânica”, p. 3-122). Hélio VIANNA, História diplomática do Brasil (São Paulo: Melhoramentos, 1958, Cap. X, “Política exterior do primeiro reinado. Guerra e reconhecimento da independência. Separação da Cisplatina. A sucessão no trono português”, p. 91-97); v. tb. Fundamentos (2007), item XIII, “Boa tradição e a que se deve evitar”. 274 J. H. RODRIGUES, Independência: revolução e contrarrevolução, v. V: a política internacional (op. cit., 1975-1976, p. 3-4): “Tudo que se decidiu entre o tratado da Santa Aliança, aos 26 de setembro de 1815, e o Congresso de Verona, em 1822, tem interesse para o Brasil, em face da decisão das potências europeias Rússia, Áustria, Prússia e França de sustentarem o legitimismo, defenderem o satus quo, combaterem a revolução, intervirem nos negócios internos das outras nações e não admitirem o reconhecimento da independência latinio-americana. (...) Todas as decisões tomadas entre um e outro congresso afetaram o Brasil, não como nação independente, mas como Reino unido a Portugal. (...) De um modo geral, excetuados os Estados Unidos e logo depois a Grã-Bretanha, os países europeus não formularam uma política definida para a chamada América latina, mas à medida que os acontecimentos a foram transformando de fato, viram-se eles obrigados a reformular sua política, sempre dominada pela pequenez, intriga, legitimismo, antirrevolucionarismo, intervencionismo”. 275 Dentre os internacionalistas do século XIX, nas edições anteriores, eram citados, em Portugal, Silvestre PINHEIRO FERREIRA; na França, Chrétien PIÉDELIÈVRE, PRADIERFODÉRÉ, Frantz DESPAGNET, Henri BONFILS; na GrãBretanha, Robert PHILLIMORE, Travers TWISS, J. LORIMER, William EDWARD HALL; na Alemanha, J. L. KLUBER, A. W. HEFFTER, Franz von HOLTZENDORFF; na Itália, Pasquale FIORE, CARNAZZA-AMARI; na Suíça, J. C. BLUNTSCHLI, Alphonse RIVIER; nos Estados Unidos da América, James KENT, Henri WHEATON, THEODORE-WOOLSEY, DUDLEYFIELD, Francis WHARTON, Henry HALLECK; na Rússia, F. F. MARTENS, na América espanhola, Andrés BELLO (Venezuela); e Carlos CALVO (Argentina). 276 Podem ser mencionadas as contribuições de Alcântara Bellegarde (Noções elementares de direito das gentes, Rio de Janeiro, 1845), Pedro da Matta e Albuquerque (Elementos do direito das gentes, Pernambuco, 1851), Antonio Pereira Pinto (Apontamentos para o direito internacional, Rio de Janeiro, 1864-1869, 4 v.), Carlos de Oliveira Freitas (Elementos de direito internacional marítimo, Rio de Janeiro, 1884) e João Silveira de Sousa (Lições elementares de direito das gentes, 1889). 277 V. Julio A. BARBERIS, La concepción brasileña del “uti possidetis” (in Dimensão internacional do direito: estudos em homenagem a G.E. do NASCIMENTO E SILVA , coord. P. B. CASELLA, São Paulo: LTr, 2000, p. 33/48). 278 A segunda, no México, em 1901-1902; a terceira, no Rio de Janeiro, em 1906; a quarta, em Buenos Aires, em 1910; a quinta, em Santiago do Chile, em 1923; a sexta, em Havana, em 1928; a sétima, em Montevidéu, em 1933; a oitava, em Lima, em 1938; a nona, em Bogotá, em 1948; a décima, em Caracas, em 1954, especialmente as cinco últimas. 279 Em 1906, 1929 e 1949. 280 Em 1902, Paul FAUCHILLE chamava atenção para o espaço aéreo, provavelmente influenciado pelas façanhas de Alberto SANTOS DUMONT. Em 1898, num balão em que instalara um motor, subiu a 400 metros de altura e voltou ao ponto donde decolara. Em 1901, ganhou o Deutsch de la Meurthe, prêmio outorgado ao primeiro homem capaz de decolar de determinado ponto, dar a volta à Torre Eiffel e retornar à origem em menos de 30 minutos. No ano seguinte, FAUCHILLE submeteu ao Institut de Droit International relatório sobre os aspectos legais das aeronaves. É sintomático que esse instituto tenha adotado a resolução sobre a condição jurídica do espaço aéreo em 1906, ano em que SANTOS DUMONT voou num aparelho mais pesado do que o ar, em Bagatelle, perto de Paris, sendo aclamado como o inventor do aeroplano. 281 Isabella Henrietta Philepina DIEDERIKS-VERSCHOOR, em seu curso na Haia, Similarities with and differences between air and space law primarily in the field of private international law (RCADI, 1981, t. 172, p. 317-423, Cap. I, item 2, “Definitions”, p. 331), faz a delimitação entre direito aeronáutico — “air law is the set of national and international rules concerning aircraft, air navigation, aerocommercial transport and all legal relations, public or private, arising from domestic and international air navigation” – e direito espacial – “space law is the law meant to regulate relations between states, to determine their rights and duties resulting from all activities directed towards outer space and within it – and to do so in the interest of mankind as a whole, to offer protection to life, terrestrial and non-terrestrial, wherever it may exist”. 282 Antonio Augusto CANÇADO TRINDADE, em seu já referido A humanização do direito internacional (Belo Horizonte: Del Rey, 2006). 283 P. B. CASELLA, Tratado de Versalhes na história do direito internacional (São Paulo: Quartier Latin, 2007). No Brasil, sancionado pelo Decreto n. 3.875, de 11 de novembro de 1919, (DOU, 12-11-1919), ratificado pelo Brasil em 10 de dezembro de 1919, deu-se o depósito da ratificação brasileira em Paris, a 10 de janeiro de 1920, promulgado pelo Decreto n. 13.990, de 12 de janeiro de 1920. Em Portugal, carta de 2 de abril de 1920. 284 Os tratados celebrados com os demais países derrotados na primeira guerra mundial adotaram estrutura e disposições equivalentes, a saber: tratado de Saint-Germain, com a Áustria, em 10 de setembro de 1919; tratado de Neuilly, com a Bulgária, em 27 de novembro de 1919; tratado de Trianon, com a Hungria, em 4 de junho de 1920; e o de Sèvres, com a Turquia, em 10 de agosto de 1920 – este último não foi aceito pelos nacionalistas turcos, liderados por Mustafá KEMAL, e, depois das vitórias turcas sobre os gregos em 1921-1922, foi substituído por outro, em condições muito mais favoráveis, para a Turquia republicana, por meio do tratado de Lausanne, de 24 de julho de 1923. 285 Antonio TRUYOL Y SERRA, L’expansion de la société internationale au XIXe et XXe siècles (RCADI, 1965, t. 116, p. 89-179, cit. p. 105): “O direito público europeu (droit public de l’Europe ou jus publicum Europaeum), assim chamado, sobretudo pelos publicistas germânicos (droit des gens de l’Europe ou europäisches Völkerrecht), foi a base do direito internacional ‘clássico’, que permaneceu em vigor, praticamente até a primeira guerra mundial. Suas bases foram colocadas pela paz de Vestfália (1648), não somente porque os tratados de Munster e de Osnabruck converteram a constituição do Império em questão europeia, mais ainda porque foram estes o ponto de partida de toda uma série de tratados ulteriores, que se vinculam e se encadeiam expressamente, uns aos outros, formando verdadeiro corpus iuris gentium europeu”. Este, justamente, interessa-nos, na medida em que coloca os fundamentos do direito internacional, de vocação mundial, da atualidade. 286 Nesse sentido, Antonio TRUYOL Y SERRA, Histoire du droit international public (Paris: Economica, 1995, Cap. XII, “De la première à la seconde guerre mondiale”, p. 131-140, cit. p. 132) considera, à luz da tradição dos congressos e das conferências, reunidos para restabelecer a paz, diferenças formais e materiais importantes, surgidas nessa conferência, que não foram do melhor augúrio para o futuro, e aponta o contraste revelador, em relação ao Congresso de Viena de 1814-1815, em que a França monárquica, de volta à legitimidade reconhecida, foi convidada e participou das discussões de pleno direito. Em Versalhes, os delegados alemães representavam, apesar de tudo, também, novo regime, legitimado democraticamente, e o afastamento (leur mise à l’écart) viria a ter consequências negativas, na política interna alemã, para os partidos dos signatários, precisamente os mais moderados e os mais próximos politicamente das democracias ocidentais. Da mesma forma, a presença e participação dos Estados Unidos, por meio do seu Presidente, diante de seu papel decisivo para o resultado da guerra, colocava em relevo o fim do Concerto europeu, enquanto tal: “C’était la première fois qu’un homme d’état non-européen intervenait à ce niveau, dans les affaires de notre continent. Ce qui alors n’était encore qu’un partage avec les États-Unis du rôle dominant de l’Europe deviendra, au terme de la Seconde guerre mondiale, un effacement”. 287 A. TRUYOL Y SERRA (op. cit., 1965, p. 111) a respeito do “concerto europeu”: “suffise de rappeler qu’il a été le premier pas, timide à vrai dire (mais pouvait-on aller d’emblée au-delà, et d’ailleurs certaines formules actuelles d’union européenne vontelles beaucoup plus loin?), vers une organisation de la société internationale. Le mot ‘concert’ a sans aucun doute un sens plus précis de l’unité d’action que ‘système’. On sait que le moyen auquel ont eu recours fut la réunion fréquente de congrès (‘système de scongrès’). On sait aussi que son échec à partir du dernier tiers du XIXe siècle, après les changements introduits dans la carte politique de l’Europe par le principe des nationalités (...), puis par l’avènement de l’impérialisme et des rivalités coloniales à une échelle véritablement mondiale, dont nous verrons également les conséquences (...), devait déboucher sur la “paix armée” et la première guerre mondiale”. 288 A. TRUYOL Y SERRA (op. cit., 1965, p. 114): “apesar dos esforços da Santa Aliança, após o Congresso de Viena, para voltar ao passado, na medida em que isso parecia ainda possível, nessa época se assiste, particularmente após os eventos que tem como teatro as Américas, põe fim ao antigo regime no plano internacional” 289 Adherbal MEIRA MATTOS, Organização das Nações Unidas: 60 anos (Reflexões sobre os 60 anos da ONU, org. Araminta MERCADANTE e José Carlos de MAGALHÃES, Ijuí: Unijuí, 2005, p. 83-100). 290 Antonio TRUYOL Y SERRA, L’expansion de la société internationale au XIXe et XXe siècles (RCADI, 1965, t. 116, p. 89-179). 291 A. TRUYOL Y SERRA (op. cit., 1965, p. 121). 292 Pierre CHAUNU, Histoire d’Amérique latine (Paris: PUF, 3. ed., 1964, p. 102). 293 A. TRUYOL Y SERRA (op. cit., 1965, p. 122-123): “Le système européen d’états s’était transformé en un système européen et américain ayant une commune civilisation chrétienne”. 294 V., tb., infra, a Parte 5, “Território”, e subdivisões desta. 295 William E. RAPPARD, Vues retrospectives sur la Société des Nations (RCADI, 1947, t. 71, p. 111-226). 296 “O presidente da República do Brasil, por: Sr. Rodrigo Octávio de L. MENESES, professor de direito internacional no Rio de Janeiro; Sr. Pandiá CALÓGERAS, deputado, antigo ministro das finanças; Sr. Raul FERNANDES, deputado”. 297 Por sua vez, o artigo 227 fazia acusação pública a GUILHERME II DE HOHENZOLLERN, ex-imperador da Alemanha, por ofensa contra a moral internacional e a autoridade sagrada dos tratados, e previa seu julgamento por tribunal especial, composto de cinco juízes, cada um dos quais seria nomeado por uma das principais potências aliadas e associadas, que deveria julgar, com base em motivos inspirados pelos mais altos princípios da política entre as nações, com o cuidado de assegurar o respeito das obrigações solenes e dos compromissos internacionais, bem como da moral internacional. A respeito do que possa ser essa “moral internacional”, v. H. KRAUS, La morale internationale (RCADI, 1927, t. 16, p. 385-540). 298 Pacto da Sociedade das Nações e seu anexo. P. B. Asella, Tratado de Versalhes na história do direito internacional (São Paulo: Quartier Latin, 2007). 299 Dentre estudos de J. L. KUNZ, v.: L’article XI du Pacte de la Société des Nations (RCADI, 1932, t. 39, p. 679-790), b/c Sanctions in international law (AJIL, 1960, v. 54 (2), p. 325 e s.); La crise et les transformations du droit des gens (RCADI, 1955, t. 88, p. 1-104); Bellum justum and bellum legal (AJIL, 1953, v. 45 (3), p. 528-534). 300 A Corte Permanente de Justiça Internacional, que esteve sediada na Haia, de 1922 até 1945, embora inativa durante a segunda guerra mundial, proferiu, ao todo, 31 sentenças, no exercício da competência contenciosa, e 27 pareceres, no âmbito da competência consultiva. A respeito da Corte Internacional de Justiça v. 3.1.1.3. e 7.1.2.1.3.; a respeito de sua predecessora e da Corte Permanente de Arbitragem, v. 7.1.2.1.2. e tb.: L. GROSS, The International Court of Justice and the United Nations (RCADI, 1967, t. 120, p. 313-440); P. B. CASELLA e L. MULLER, A Corte Internacional de Justiça (in Direito internacional: seus tribunais e meios de solução de conflitos, coord. J. ARANA e R. da R. CACHAPUZ, Curitiba: Juruá, 2007, p. 279-325, esp. item 2.2., “Corte Permanente de Justiça Internacional”). 301 Lucius CAFLISCH, Cent ans de règlement pacifique des différends interétatiques (RCADI, 2001, t. 288, p. 245-467). 302 L. CAFLISCH (op. cit., 2001, p. 440-441): “L’accès facilité des individus à la justice internationale, aussi réjouissant soit-il, n’a malheureusement pas entraîné un développement correspondant dans le domaine interétatique. En effet, l’attitude de la communauté des états n’a pas beaucoup évolué s’agissant du règlement des litiges qui ne se rapportent pas aux individus”. 303 Na Declaração sobre a Europa liberada (Yalta, 11 de fevereiro de 1945), STALIN, CHURCHILL e ROOSEVELT põem a ênfase na “política comum dos três governos, durante o período de instabilidade da Europa liberada, e visando ajudar os povos da Europa, liberados da dominação da Alemanha nazista, e os povos dos antigos regimes satélites do Eixo, a resolver, por meios democráticos, seus problemas políticos e econômicos mais urgentes”. 304 Dentre extensa bibliografia, István MÉSZÁROS, O poder da ideologia (do original The power of ideology, © 1989, trad. Paulo Cezar CASTANHEIRA, São Paulo: Boitempo, 2004); Noam CHOMSKY, Rumo a uma nova guerra fria: política externa dos EUA, do Vietnã a REAGAN (pref. John PILGER, © 1982 e 2003, do original Towards a new cold war , trad. Clóvis MARQUES, Rio de Janeiro, Record, 2007). 305 Tratado do Atlântico Norte, 4 de abril de 1949, art. 5º: “As partes acordam que ataque armado contra uma ou contra várias delas, acontecendo na Europa ou na América do Norte, será considerado como ataque, dirigido contra todas as partes, e, consequentemente, acordam que, se tal ataque se produzir, cada uma destas partes, no exercício do direito individual de legítima defesa, reconhecido pelo artigo 51 da Carta das Nações Unidas, assistirá a parte ou as partes atacadas, adotando imediatamente, individualmente e de comum acordo com as outras partes, a ação que considerar necessária, aí compreendido o uso da força armada, para restabelecer e assegurar a segurança na região do Atlântico Norte”. 306 V. OTAN em www.nato.int. 307 Declaração de Bruxelas (10-11 de janeiro de 1994): “A Aliança permanece aberta a outros estados europeus (...). Contamos com a ampliação da OTAN, para (abranger) os estados democráticos do leste, e nós a conceberemos favoravelmente, no contexto de processo evolutivo, que leve em consideração os desenvolvimentos políticos e a segurança do conjunto da Europa”. 308 Declaração de W ashington (23 de abril de 1999): “A Aliança busca preservar a paz e reforçar a estabilidade euro-atlântica, de modos distintos: preservando o laço transatlântico; mantendo as capacidades militares, eficazes e suficientes para assegurar a dissuasão e a defesa, e desempenhar toda a gama (de atividades) de suas missões; desenvolvendo a identidade europeia de segurança e de defesa, no seio da Aliança; conservando a capacidade global de gerenciar crises com sucesso; permanecendo aberta a novas adesões; dando prosseguimento à parceria, à cooperação e ao diálogo, com outros países, no quadro do enfoque cooperativo da segurança euro-atlântica, notadamente no campo do controle dos armamentos e do desarmamento”. 309 Ralf DAHRENDORF, Após 1989: moral, revolução e sociedade civil (do original After 1989: morals, revolution and civil society, © 1997, trad. Patrícia ZIMBRE, apres. Fernando Henrique CARDOSO, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997); v. tb. item XVII, “Política e moral”. 310 Hélio JAGUARIBE (e colaboradores), Um estudo crítico da história (trad. Sérgio BATH, São Paulo: Paz e Terra, 2001, 2 v., parte 18, “Reflexões sobre o século XX”, v. II, p. 551 e s., itens IV, “O sistema internacional”, p. 624-633, e V, “Perspectivas para o século XXI”, p. 633-646, cit. p. 625): “Na verdade, a bipolaridade vinha perdendo força desde 1988, quando GORBACHEV percebeu a debilidade interna da União Soviética e mudou a sua política de confrontação com o Ocidente, tentando criar um regime de cooperação com as Nações Unidas e os países ocidentais”. 311 V. item 1.4., Codificação do direito internacional. 312 V. item 6, Proteção internacional do meio ambiente. 313 Teria sido esta a mais importante conferência realizada sob a égide das Nações Unidas, pelo comparecimento de 178 delegações e chefes de estado ou de governo, lembrando que na ocasião foram adotadas importante Declaração bem como a Agenda 21, em que se acha elaborado programa minucioso destinado a melhorar o meio ambiente durante o século XXI, além de importantes convenções sobre mudança de clima e biodiversidade biológica. A reunião RIO + 10, realizada na África do Sul, mostrou os limites da implementação desses instrumentos e anseios. A respeito v. Parte 6, Proteção internacional do meio ambiente. 314 V. item 3.2. Organizações internacionais de vocação regional. 315 V. item 3.2.1. 316 V. item 3.2.2. O sistema interamericano desenvolveu-se, a partir das conferências interamericanas do final do século XIX e primeira metade do século XX. Em 1945, a Conferência Interamericana sobre Problemas de Guerra e Paz, reunida na Cidade do México, fixou não só as linhas a serem seguidas pelas nações do continente, em relação às Nações Unidas, senão também os princípios básicos que deveriam nortear suas relações mútuas. Em 1947, terminada a Conferência Interamericana para a Manutenção de Paz e de Segurança no Continente, celebrada em Petrópolis, foi assinado o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca. No ano seguinte, foi assinada em Bogotá a Carta da Organização dos Estados Americanos. Em junho de 1965, realizou-se no Rio de Janeiro a Segunda Conferência Interamericana Extraordinária, pouco depois da Revolução de 1964 no Brasil e da Revolução dominicana de 1965. Dois anos mais tarde, em decorrência da citada reunião, a Carta da Organização dos Estados Americanos foi modificada através do Protocolo de Buenos Aires. 317 Tais como AlADI, Comunidade Andina, CARICOM, MERCOSUL e NAFTA V. P. B. CASELLA, Integração nas Américas: uma visão de conjunto (in Mercosul: integração regional e globalização, coord. P. B. CASELLA et al., Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 235/278); P. B. CASELLA e R. E. SANCHEZ (orgs.), Quem tem medo da ALCA? Desafios e perspectivas para o Brasil (pref. João Grandino RODAS, Belo Horizonte: Del Rey, 2005). 318 V. item 3.2.3. 319 V. item 3.2.4. e, a seguir, 3.2.5. 320 Podemos salientar os de Daniel ANTOKOLETZ, Hugo CAMINOS, Isidoro RUIZ MORENO, PODESTÀ COSTA, José Maria RUDA e Julio A. BARBERIS (Argentina); Alejandre ALVAREZ, Miguel CRUCHAGA Tocornal e Francisco ORREGO VICUÑA (Chile); Antonio SANCHEZ de BUSTAMANTE e F. GARCIA AMADOR (Cuba); Ricardo ALFARO (Panamá); Victor MAÚRTUA e Alberto ULLOA (Peru); Eduardo JIMÉNEZ de ARÉCHAGA, Hector GROSESPIELL e Felipe PAOLILLO (Uruguai). 321 Dentre os autores, limitemo-nos a citar Arnold McNAIR, J. WESTLAKE, A. PIERCE HIGGINS, L. OPPENHEIM, H. LAUTERPACHT, Ian BROWNLIE, Robert JENNINGS, Malcolm N. SHAW, James CRAWFORD (Grã-Bretanha); Paul FAUCHILLE, Georges SCELLE Marcel SIBERT, Charles ROUSSEAU, Suzanne BASTID, René-Jean DUPUY, PierreMarie DUPUY, Michel VIRALLY, Hubert THIERRY (França); Albéric ROLIN, Charles de VISSCHER, Jean SALMON (Bélgica); João SPIROPOULOS, Nicolau POLITIS, Constantino EUSTATHIADES, Emmanuel ROUCOUNNAS (Grécia); Franz von LISZT, Th. NIEMEYER, Karl STRUPP, Walter SCHUKING, Wilhelm WENGLER, Rudolf BERNHARDT, Christian TOMUSCHAT, Georg RESS, Rudiger WOLFRUM, Jochen Abr. FROWEIN (Alemanha); Giulio DIENA, Dionisio ANZILOTTI, Santi ROMANO, Roberto AGO, Rolando QUADRI, Prospero FEDOZZI, Riccardo MONACO, Giuseppe SPERDUTI, Benedetto CONFORTI, Francesco CAPOTORTI, Antonio CASSESE (Itália); Alfred von VERDROSS, Hans KELSEN, Ignaz SEIDL-HOHENVELDERN, Karl ZEMANEK (Áustria); Manfred LACHS, K. SKUBISZEWSKI (Polônia); P. GUGGENHEIM (Suíça); C. BARCIA TRELLES, Antonio TRUYOL Y SERRA, J. A. PASTOR RIDRUEJO, Mamuel DIEZ de VELASCO, J. A. CARRILLO SALCEDO, J. M. CASTRO RYAL (Espanha); Grigory TUNKIN (Rússia); Shabtai ROSENNE, Yoram DINSTEIN (Israel); Boutros BOUTROSGHALI, Ibrahim SHIHATA, Abdullah EL-ERIAN, M. Kamal YASSEEN (Egito); Shigeru ODA (Japão). 322 Constavam de edições anteriores “numerosos autores se têm ocupado do direito internacional no século XX, dentre os quais, cumpre mencionar Lafayette RODRIGUES PEREIRA, M. A. de Souza SÁ VIANNA, Epitácio PESSOA, Clóvis BEVILÁQUA, Rodrigo OCTÁVIO, Raul PEDERNEIRAS, Luiz de FARO Junior, C. A. DUNSHEE de ABRANCHES, Ilmar PENNA MARINHO, José SETTE CÂMARA, Gerson Britto de MELLO BOSON, Celso D. de Albuquerque MELLO, A. A. CANCADO TRINDADE, Vicente MAROTTA RANGEL, Gilda C. M. RUSSOMANO, Adherbal MEIRA MATTOS, A. P. Cachapuz de MEDEIROS, Guido Fernando SILVA SOARES e José Carlos de MAGALHÃES”. 323 Justamente nesse sentido se inscreve o trabalho desenvolvido em relação aos Fundamentos do direito internacional pósmoderno (prólogo Hugo CAMINOS, São Paulo: Quartier Latin, 2008). 324 Charles DE VISSCHER, Théories et réalités en droit international public (Paris: Pedone, 4. ed., 1970). 325 Celso LAFER, Ensaios sobre a liberdade (São Paulo: Perspectiva, 1980). 326 C. LAFER, As salvaguardas e a liberdade: o direito internacional e a reforma política (op. cit., 1980. “Versão revista, acrescida de notas, de conferência pronunciada no Rio de Janeiro, no Instituto dos Advogados Brasileiros, em 29 de março de 1978, p. 105): “em direito internacional público, tendo em vista que o sistema internacional se caracteriza basicamente pela descentralização e pela distribuição individual e assimétrica do poder entre os estados, a dimensão da política sempre aparece ostensivamente; por essa razão o direito internacional público é um direito necessariamente preocupado com a eficácia das normas e permanentemente atento à conduta dos seus destinatários. Em outras palavras, o internacionalista busca a experiência jurídica não apenas nas ideias de justiça a que aspiram os homens, nem exclusivamente nos ordenamentos jurídicos constitutivos, mas também na ação dos homens e dos estados, em meio à realidade social”. 327 V. 3.1.1.7., Funções, atribuições e ação coletiva. 328 Vicente Marotta RANGEL, Introdução aos princípios do direito internacional contemporâneo de A. A. CANÇADO TRINDADE (datada de São Paulo, outubro de 1980, in Antonio Augusto Cançado TRINDADE, Princípios do direito internacional contemporâneo, Brasília: Ed. UnB, 1981, p. V-XIV, p. VIII): “Teria a análise do direito das gentes contemporâneo o efeito de prescindir da busca desse direito em tempos menos recentes? A leitura dos ensaios componentes da obra autorizará resposta negativa (...) O contemporâneo surge aí como resumo e complemento das fases anteriores, a que os ensaios recorrem toda vez que se faça necessário compreender e vistoriar os quadrantes e o cerne do direito perquirido”. 329 Antonio Augusto CANÇADO TRINDADE, O direito internacional em um mundo em transformação (Rio de Janeiro: Renovar, 2002, “Introdução”, p. 3-15). 330 A. A. CANÇADO TRINDADE (Intr., cit., p. 4-5): “As implicações da incidência da dimensão temporal no direito em geral, talvez não tenham sido suficientemente examinadas e desenvolvidas na ciência jurídica contemporânea. Isso não deixa de ser surpreendente, se considerarmos que o elemento de previsibilidade é inerente à ciência jurídica como tal, estando o fator tempo subjacente a todo o direito. / No tocante ao direito internacional público, os exemplos são manifestos. A noção de tempo está subjacente, por exemplo, a quase todos os elementos básicos do direito dos tratados. Também no capítulo da solução pacífica de controvérsias internacionais têm-se concebido distintos métodos de resolução de conflitos que possam ocorrer no futuro. No domínio da sucessão de Estados (em relação tanto a tratados como a matérias outras que tratados), é patente a incidência do fator temporal. O mesmo se aplica ao domínio da jurisdição internacional”. 331 A. A. CANÇADO TRINDADE, A humanização do direito internacional (Belo Horizonte: Del Rey, 2006). 332 P. B.CASELLA, Direito internacional, terrorismo e aviação civil (São Paulo: Quartier Latin, 2006). 333 Aldo FERRER, Historia de la globalización (Buenos Aires: FCE, v. I, 1996; v. II, 1999); Joseph E. STIGLITZ, Making globalization work (New York: Norton, 2006). 334 Mas a enumeração dos autores não se há de fazer em bases individuais. Muito mais relevante como enfoque dos grandes temas e das correntes doutrinárias. 335 Jean CHARPENTIER, La notion d’état à la lumière des transformations de la société internationale (Saarbrucken: VRBEI, v. 305, 1994). 336 Michel ZIMMERMANN, em seu já referido curso na Haia, La crise de l’organisation internationale à la fin du moyen âge (RCADI, 1933, t. 44, p. 315-438); v. tb. Antony BLACK, Political thought in Europe: 1250-1450 (Cambridge: Univ. Press, 1992); Jean BODIN, o clássico Les six livres de la République (ed. originalmente em 1576), Paris: Fayard, 1986, 6 v.), tb. disp. em ed. compacta (transl. by Julian H. FRANKLIN, On Sovereignty — four chapters from the six books of the Commonwealth, Cambridge: CUP, Cambridge Texts in the History of Political Thought, 1st. publ. 1992). 337 Antonio TRUYOL Y SERRA, Genèse et structure de la société internationale (RCADI, 1959, t. 96, p. 553-642); Antonio TRUYOL Y SERRA, L’expansion de la société internationale au XIXe et XXe siècles (RCADI, 1965, t. 116, p. 89-179, cit. p. 109): “a expansão não alterou o caráter europeu do sistema, porquanto o além-mar não foi incorporado positivamente. E aí, cumpre distinguir entre a expansão europeia no Novo Mundo e mais tarde na Oceania, em relação à ocorrida na Ásia. Enquanto a África Subsaariana, com exceção de algumas zonas costeiras e periféricas, não será realmente explorada e dominada senão no curso do século XIX e mesmo do século XX”. 338 Luiz Alberto MONIZ BANDEIRA, La formación de los estados en la cuenca del Plata (Buenos Aires: Norma, 2006). 339 A respeito existem diversos cursos ministrados na Haia, dentre os quais: S. PLANAS SUAREZ, L’extension de la doctrine de Monroe dans l’Amérique du Sud (RCADI, 1924, t. 5, p. 267366); A. GUANI, La solidarité internationale dans l’Amérique latine (RCADI, 1925, t. 8, p. 203-340); F.-J. URRUTIA, La codification du droit international en Amérique (RCADI, 1928, t. 22, p. 81-236); J.-M. YEPES, La contribution de l’Amérique Latine au développement du droit international public et privé (RCADI, 1930, t. 32, p. 691-800) e tb. de J.-M YEPES, Les problèmes fondamentaux du droit des gens en Amérique (RCADI, 1934, t. 47, p. 1-144); v. tb. F. C. PONTES DE MIRANDA, La conception du droit international privé d’après la doctrine et la pratique au Brésil (RCADI, 1932, t. 39, p. 551-678); Ruy BARBOSA, Os conceitos modernos do direito intenacional (conferência de Buenos Aires, 1916, orig. em espanhol, trad., notas e intr. Sérgio PACHÁ; Rio de Janeiro: Fund. Casa de Rui Barbosa, 1983); Clóvis BEVILÁQUA, Direito público internacional: a synthese dos principios e a contribuição do Brasil (Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1910; 2. ed., 1939, 2 v.); Manoel BONFIM, O Brazil na América: caracterização da formação brasileira (Rio de Janeiro: F. Alves, 1929), bem como seu A América Latina: males de origem (Rio de Janeiro/Paris: H. Garnier, 1905); Antonio TRUYOL Y SERRA, Histoire du droit international public (Paris: Economica, 1995, item 4.1. “Le droit international européen et américain”, p. 105-107): “la question de l’existence d’un droit international ‘américain’ n’a pas reçu une réponse unanime des auteurs du Nouveau Monde eux-mêmes, parmi lesquels le chilien Alejandro ALVAREZ et le brésilien M. A. de Souza SÁ VIANNA répresentent sans doute les positions plus nettes dans l’affirmation et la négation de la spécificité de l’ordre juridique de leur continent”. 340 Lafayette RODRIGUES PEREIRA, Princípios de direito internacional (Rio de Janeiro: Jacinto Ribeiro dos Santos Ed., 1903); José MENDES, Direito internacional público: preleções (São Paulo: Duprat & Comp., 1913). 341 A respeito, dentre extensa bibliografia: Sergio ALESSANDRINI e Giorgio SACERDOTI, Regionalismo economico e sistema globale degli scambi (Milano: Giuffrè, 1994); Bela BALASSA, The theory of economic integration (Londres: Allen & Unwin, 1962); Demetrio BOERSNER, Relaciones internacionales de América Latina: breve história (Caracas: Edtrl. Nueva Sociedad, 4. ed. atual., 1990); Luis R. CÁCERES, Integración económica y sub-desarrollo en Centroamérica (México: FCE, 1980); José J. CAICEDO CASTILLA, El panamericanismo (Buenos Aires: Depalma, 1961); P. B. CASELLA, Ampliação da União Europeia: a Europa Central se integra (in O novo direito internacional: estudos em homenagem a Erik Jayme, coord. C. L. MARQUES e N. de ARAUJO, Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 723-743); P. B. CASELLA e R. E. SANCHEZ (coord.), Quem tem medo da Alca? Desafios e perspectivas para o Brasil (pref. J. G. RODAS, Belo Horizonte: Del Rey, 2005); P. B. CASELLA e R. E. SANCHEZ (eds.), Cooperação judiciária internacional (Rio de Janeiro: Renovar, 2002); P. B. CASELLA, Quadrilateral perspective on integration in the Americas – a view for the Mercosur and Brazil (in The evolution of free trade in the Americas / L’évolution du libre-échange dans les Amériques, ed. by L. PERRET, Montréal: Wilson and Lafleur, 1999, p. 125-155). 342 A. de LAMARTINE, Histoire de la Turquie (Paris: Adolphe Delahays, 8 v., 1859-1861). 343 C. H. ALEXANDROWICZ, The Afro-Asian world and the law of nations: historical aspects (RCADI, 1968, t. 123, p. 117214); Mireille DELMAS-MARTY et Pierre-Étienne WILL (sous la direction de), La Chine et la démocratie (Paris: Fayard, 2007, cit. p. 36); “une culture n’est pas prisionnière de sa tradition et la tyrannie de l’histoire n’existe pas”; WEI Dan, Globalização e interesses nacionais: a perspectiva da China (Coimbra: Almedina, 2006). 344 NGUYEN Quoc Dinh, P. DAILLIER e A. PELLET, Droit international public (Paris: LGDJ. 5. ed., 1994, par. 37, p. 77). 345 NGUYEN Quoc Dinh et al. (op. vel ed. cit., loc. cit.): “Depois da primeira guerra mundial, e em conformidade com o espírito da Sociedade das Nações, a doutrina se esforça por explicar, de maneira racional, os mecanismos do direito internacional, sem sucumbir à tentação do amoralismo, mas sem resistir àquela da abstração. Desde 1945, duas tendências novas se destacam claramente, apesar de grande diversidade: uma parte da doutrina reata com o positivismo, mas livra-o do dogmatismo voluntarista, enquanto, no campo oposto, outros autores sucumbem ao militantismo jurídico”. 346 Malcolm N. SHAW, International law (Cambridge: Univ. Press, 5. ed., 2003, Cap. 2, “International law today”, p. 42-64, esp. p. 53 e s.). 347 Martin WIGHT (1913-1972), A política de poder (do original Power politics, © 1978, trad. Carlos Sérgio DUARTE, Brasília: Ed. UnB, 1985, Col. Pensamento Político, v. 67). 348 Sandra VOOS, Die Schule von New Haven: Darstellung und Kritik einer amerikanischen Völkerrechtslehre (Berlin: Duncker & Humblot, 2000), tese de doutoramento em direito internacional, orientada por Christian TOMUSCHAT, mostra os riscos da aceitação acrítica dessa teoria. 349 I. KANT, Ideia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita (do original Idee zu einer allgemeinen Geschichte in weltburgerlicher Absicht, trad. Rodrigo NAVES e Ricardo TERRA, São Paulo: Martins Fontes, 2 ed., 2004, p. 4-5). 350 H. JAGUARIBE, Um estudo crítico da História (trad. Sérgio BATH, São Paulo: Paz e Terra, 2. ed., 2001, v. II, “O problema a ser enfrentado”, p. 626-630). 351 A humanização do direito internacional (Belo Horizonte: Del Rey, 2006). 352 A. A. CANÇADO TRINDADE (op. cit., 2006, “Prefácio”, p. VIIXI, cit. p. VII): “Este início do século XXI desvenda um panorama de progresso científico e tecnológico sem precedentes, acompanhado de padecimentos humanos indescritíveis. No cotidiano de cada um, não é de difícil constatação o processo de degradação paulatina das condições de vida (educação, saúde, moradia, trabalho) de segmentos crescentes da população. O que mais impressiona na tragédia contemporânea da marginalização e exclusão sociais é a impressão que deixa de que todos os esforços, sacrifícios e sofrimentos das gerações passadas parecem ter sido em vão”. 353 Christian TOMUSCHAT, International law: ensuring the survival of mankind in the eve of a new century: general course on public international law (RCADI, 1999, t. 281, p. 9438); deste, v. tb.: Gegenwartsprobleme der Staatenverantwortlichkeit in der Arbeit der Völkerrechtskommission der Vereinten Nationen (Vortrag vor dem Europa-Institut der Universität des Saarlandes, Saarbrucken, den 26 April 1994, Vorträge, Reden u. Berichte aus dem Europa-Institut – Sektion Rechtswissenschaft, v. 311, p. 1- 20); Obligations arising for states without or against their will (RCADI, 1993, t. 241, p. 195-374). 354 C. TOMUSCHAT (op. cit., 1999, “Concluding observations”, p. 435-436) enfatiza a necessidade de cooperação entre sistema internacional e os sistemas nacionais: “International supervision and monitoring play an essential role (...). But there can be no genuinely sustainable international legal order if national systems of governance disintegrate. Most of the tasks essential for the survival of humankind have to be performed within domestic contexts. It is therefore necessary to enable all the nations of the world to take care in a responsible manner not only of their own matters proper, but also of those matters which affect the interests of the entire international community”. 355 A. FAVRE (op. cit., 1974, “Introduction”, n. 5, p. 11-12): “Des justes critiques ont été faites envers l’emploi de la force qui a conduit à la conclusion de traités inégaux. Il y a eu de tout temps des traités inégaux. Ce n’est pas le droit européen qui les a conçus. Il y en aura peut-être toujours. Il en existe aujourd’hui, qui sont subis dans un silence accablant. Un traité inégal n’est défendable et le régime qu’il institue n’est bienfaisant que s’il se ramène à une tutelle. Or cela ne doit être qu’une situation transitoire”. 356 J. BASDEVANT, Hugo Grotius (in Les fondateurs du droit international public: leurs oeuvres, leurs doctrines, avec une introduction de A. PILLET, Paris: V. Giard & E. Brière, 1904, p. 125-267). 357 A. FAVRE (op. cit., loc. cit.): “La spoliation ne constitue pas la formation d’un droit nouveau”. 358 V. Parte 4, Ser humano como sujeito de direito: reconhecimento progressivo. 359 V. MAROTTA RANGEL, L’avis consultatif du 9 juillet 2004 et l’antinomie entre volontarisme et solidarisme (in International law and the use of force at the turn of centuries: essays in honour of V. Djuro DEGAN , Rijeka: Faculty of Law, Univ of Rijeka, 2005, Cap. 10, p. 199-205), b/c, do mesmo, Sobre la efectividad de la justicia en las relaciones internacionales (in El derecho internacional en un mundo en transformación: en homenaje al professor Eduardo Jimenez de Arechaga, Montevidéu: Fund. de Cultura Univ., 1994), e, ainda deste, para o exame da perspectiva brasileira, Public international law: the last five decades (in A panorama of Brazilian Law, edited by Jacob DOLINGER and Keith ROSENN, Miami / Rio de Janeiro: Univ. of Miami North-South Center / Ed. Esplanada, 1992, p. 287-308). 360 V. Fundamentos (2008, esp. itens VIII, “Questão e discurso do fundamento do direito internacional” e IX, “Fundamento e norma cogente de direito internacional”); James L. BRIERLY, The Law of Nations (Oxford: Clarendon Press, 1936); J. L. BRIERLY, Le fondement du caractère obligatoire du droit international (RCADI, 1928, t. 23, p. 463-552); R. QUADRI, Le fondement du caractere obligatoire du droit international (RCADI, 1952, t. 80, p. 579-634); K. ZEMANEK, The legal foundations of the international system: general course on public international law (RCADI, 1997, t. 266, p. 9-335). 361 Constava de edições anteriores: “Seja como for, ao direito internacional não interessam os motivos reais, econômicos, políticos, sociológicos ou históricos, mas apenas as razões jurídicas que explicam o motivo de sua aceitação pelo homem”. 362 Em The concept of law (Oxford: Clarendon Press, ed., 1961; 2nd ed., with a “postscript”, edited by Penelope A. BULLOCH and Joseph RAZ, 1994) enfatiza-se ser o objeto “the understanding of law, coercion, and morality as different but related social phenomena”, e desenvolve-se análise “concerned with the clarification of the general framework of legal thought, rather than with the criticism of law or legal policy”. 363 H. HART, The concept of law (ed. cit., loc. cit.). 364 A recta ratio nos fundamentos do jus gentium como direito internacional da humanidade (Belo Horizonte: Del Rey, 2006, Cap. I, p. 3-29). 365 A. A. CANÇADO TRINDADE (op. cit., 2006, p. 28-29): “E ao jurista está reservado um papel de crucial importância na reconstrução, consoante a recta ratio, do novo jus gentium do século XXI, o direito universal da humanidade”. 366 Os rumos do direito internacional contemporâneo: de um “jus inter gentes” a um novo “jus gentium” no século XXI (in O direito internacional em um mundo em transformação (ensaios, 1976-2001), Rio de Janeiro: Renovar, 2002, Cap. 24, p. 10391109). 367 A. A. CANÇADO TRINDADE (op. cit., p. 1045). 368 Na decisão do caso Lótus (França c. Turquia, julgado em 7 de setembro de 1927), a CPJI registrou: “Le droit international régit les rapports entre des états indépendants. Les règles de ce droit liant les états procédent donc de la volonté de ceux-ci, volonté manifestée dans des conventions ou dans des usages acceptés généralement comme consacrant des principes de droit et établis en vue de régler la coexistence de ces communautés indépendantes ou en vue de la poursuite de buts communs” (CPJI, Recueil, série A, n. 10, p. 18). 369 Observam Pierre-Marie DUPUY e Charles LEBEN: “On trouvera dans cette affirmation l’influence directe des conceptions de Dionisio Anzilotti. L’écho favorable ultérieurement rencontré par cette jurisprudence dans la pratique des états devait confirmer que l’arrêt du Lótus marquait en quelque sorte le point d’orgue d’une société internationale au sein de laquelle le droit avait, alors, essentiellement pour tâche d’organiser, comme la Cour le dit, la coexistence des états, chacun y restant attaché à l’exercice de sa pleine souveraineté” (in D. ANZILOTTI, Cours de droit international, reedição da trad. de 1929 para o francês por Gilbert GIDEL, avant propos de Pierre-Marie DUPUY e Charles LEBEN, Paris: LGDJ diffuseur / éd. Panthéon-Assas, 1999, “avant-propos”). 370 Cours de droit international (trad. francesa de Gilbert GIDEL, ed., cit. 1999, p. 43-44): “exigence de la conduite réciproque des groupes sociaux entre lesquels elles interviennent, affirment un devoir-être dont la valeur est indépendante du fait que ce devoir être est ensuite réalisé ou non. La force obligatoire de ces normes dérive du principe que les états doivent respecter les accords conclus entre eux: pacta sunt servanda”. 371 ANZILOTTI, Cours de droit international (trad. francesa de Gilbert GIDEL, ed., cit. 1999, p. 42): “Le développement naturel des agrégats humains a pour résultat la formation de groupes sociaux établis à demeure sur un territoire donné et soumis à l’autorité d’un pouvoir unitaire; ces groupes se posent les uns à l’égard des autres comme complètement indépendants entr’eux et comme n’étant pas soumis à une puissance commune. C’est à ces groupes que nous donnons, pour les matières faisant l’objet du présent traité, le nom d’états”. 372 ANZILOTTI, Cours de droit international (trad. francesa de Gilbert GIDEL, ed., cit. 1999, p. 44): “Ce principe, précisement parce qu’il est à la base des normes dont nous parlons, n’est pas susceptible d’une démonstration ultérieure du point de vue de ces normes elles-mêmes: il doit être pris comme une valeur objective absolue ou, en d’autres termes, comme l’hypothèse prémière et indémontrable à laquelle se rattache d’une façon nécessaire cet ordre, comme tout autre ordre, de connaissances humaines. Ceci ne veut pas dire que ce principe ne peut pas être démontré à d’autres points de vue; cela signifie seulement que la démonstration que l’on en peut donner à d’autres points de vue (point de vue moral, politique, etc.) est sans pertinence au regard de la discipline qui se fonde sur cette règle”. 373 Dentre a extensa bibliografia disponível a respeito da matéria, v. tb.: H. ACCIOLY, Tratado de direito internacional; Roberto AGO, Positive law and international law (AJIL, 1957, v. 51); João Frank da COSTA, O fundamento do direito internacional segundo Léon Duguit e Georges Scelle (Bol. SBDI, 1954, v. 19-20, p. 39); Manfred LACHS, The development and general trends of international law in our times (RCADI, 1980, t. 169, p. 9-377); Louis E. Le FUR, seu já referido, Règles générales du droit de la paix (RCADI, 1935, t. 54, p. 1-308); Rolando QUADRI, Le fondement du caractère obligatoire du droit international (RCADI, 1952, t. 80, p. 579-634) et al. 374 Para crítica, como conceito vago e de conteúdo pouco preciso, v. Elizabeth ZOLLER, La bonne foi en droit international public (préface de Suzanne BASTID, Paris: Pedone, 1977); para argumentação quanto à necessidade desta, Robert KOLB, La bonne foi en droit international public: contribution à l’étude des principes généraux du droit (préface Georges ABI-SAAB, Paris: PUF, publications de l’Institut Univ. de Hautes Études Internationales, Génève, 2000). 375 M. SHAW (op. cit., 2003, p. 49). 376 Celso D. de Albuquerque MELLO, Curso de direito internacional público (Rio de Janeiro: Renovar, 15. ed., 2004, p. 69, nota 11). 377 J. B. WHITTON, La règle “pacta sunt servanda” (RCADI, 1934, t. 49, p. 147-276). 378 Francesco CAPOTORTI, Cours général de droit international public (RCADI, 1994, t. 248, p. 9-344, esp. Cap. VI, “La coutume internationale”, p. 127-148). 379 CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA, Délimitation de la frontière maritime dans la région du golfe du Maine, entre Canadá e Estados Unidos, julgamento de 12 de outubro de 1984 (Recueil, 1984, p. 299 e s., cuja passagem é mencionada: “pratique suffisamment étoffée et convaincante”. 380 Eduardo Correia BAPTISTA, Ius cogens em direito internacional (Lisboa: Lex Ed., 1997); Robert KOLB, Théorie du ius cogens international: essai de relecture du concept (Paris: PUF / publications de l’IUHEI, Genebra, 2001). 381 Celso D. de Albuquerque MELLO, A norma jurídica no direito internacional público (in A norma jurídica, coord. Sérgio FERRAZ, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1980, p. 243-269, cit., p. 261): “normas que se impõem aos estados independentemente de suas vontades, quando estes estados não são os mesmos que lhes deram origem. O DIP, à semelhança de todo sistema jurídico, também possui norma imperativa, o que não quer dizer que ele tenha normas irrevogáveis. (...) Esta norma da Convenção de Viena (art. 53) tem sido bastante criticada, alegando-se: a) tal tipo de norma só surge em sociedade onde há um poder centralizado e com criação de norma jurídica por via autoritária, o que inexiste na ordem internacional; b) há uma incerteza sobre sua identificação; c) só existe jus cogens no direito dos tratados; d) será jus cogens aquilo que os dois blocos assim decidirem. A própria visão do jus cogens varia de um autor para outro. Assim G. SOULIER [Annales de la Faculte de droit et de sciences économiques de Reims, 1974, p. 211] o qualifica como o ‘direito natural dos tecnocratas’ e afirma ser ele um meio das grandes potências exigirem um determinado comportamento das pequenas potências. Entretanto, Jean SALMON [id., 1974, p. 210] salienta que foi o terceiro mundo quem insistiu na conferência de Viena, na adoção dos jus cogens”. 382 E prossegue (art. cit., p. 262): “Todo ordenamento jurídico necessita de um mínimo de normas que não esteja sujeito ao arbítrio dos particulares. É a denominada ordem pública que visa realizar o interesse comum. Não queremos negar com isto o caráter dinâmico do direito, ou ainda de que elas ‘camuflam contradições’ e que estejam em ‘movimento dialético’”. 383 De João Grandino RODAS, em relação à temática dos tratados no direito internacional e especificamente sobre a Convenção de Viena de 1969: A publicidade dos tratados internacionais (Pref. V. Marotta RANGEL, São Paulo: RT, 1980); O Brasil adere ao Tratado da Antártida (Rev. FDUSP, 71, 1976, p. 151/161); Depositário dos tratados internacionais (Coimbra: Sep. do v. LI do Bol. da Fac. de Direito da Univ. de Coimbra, 1976); Jus cogens em direito internacional (Rev. FDUSP, 69, 1974, p. 125/136); The doctrine of non-retroactivity of international treaties (Rev. FDUSP, 68, 1973, p. 341/360); Os acordos em forma simplificada (Rev. FDUSP, 68.1973, p. 319/340); A Constituição e os tratados internacionais (RT 624/43); Alguns problemas de direito dos tratados, relacionados com o direito constitucional, à luz da Convenção de Viena (Coimbra, Sep., v. XIX do Bol. da Fac. de Direito da Univ. de Coimbra, 1972). 384 Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, 1969, art. 53. 385 Sem retomar toda a argumentação das linhas sociológicas do direito internacional, acompanho Celso D. Albuquerque MELLO ao distinguir “comunidade” e “sociedade”, preferindo utilizar este último termo, ao referir-se à internacional, porquanto faltariam elementos de coesão e caráter orgânico para caracterizar “comunidade” em relação à “sociedade internacional” (cf. Curso, Cap. I: “A sociedade internacional”, 15. ed., 2004, p. 51-76). 386 Karl ZEMANEK, The legal foundations of the international system: general course on public international law (RCADI, 1997, t. 266, p. 9-336, “Norms of jus cogens”, p. 327-329). 387 A respeito dos atos unilaterais: Paul REUTER em seu já referido Introduction au droit des traités (Paris: PUF / publications de l’IUHEI, 3. ed. revue et augmentée par Philippe CAHIER, 1995, “Normes impératives du droit international public”, p. 126-130, pars. 219 a 226); Giuseppe BISCOTTINI, Contributo alla teoria degli atti unilaterali nel diritto internazionale (Milão: Giuffrè, 1951); Jacques DEHAUSSY, Les actes juridiques unilatéraux en droit international public: à propos d’une théorie restrictive (JDI, 1, 1965, p. 41-60); Eric SUY, Sur la définition du droit des gens (RGDIP, 1, 1960, p. 762770); G. VENTURINI, La portée et les effets juridiques des attitudes et des actes unilatéraux des états (RCADI, 1964, t. 112, p. 363-468); Elisabeth ZOLLER, La bonne foi en droit international public (Paris: Pedone, 1977). 388 Giorgio GAJA, Jus cogens beyond the Vienna Convention (RCADI, 1981, t. 172, p. 271-316). 389 G. GAJA (op. cit., 1981, p. 296). 390 Pierre-Marie DUPUY, L’unité de l’ordre juridique international: cours général de droit international public (RCADI, 2002, t. 297, p. 9-490, 3ª parte, Cap. III, “Le jus cogens, une révolution?”, p. 269-313), dedica mais de quarenta páginas – praticamente dez por cento do total de seu curso geral – ao tema. 391 T. H. HEALY, Théorie générale de l’ordre public (RCADI, 1925, t. 9, p. 407-558). 392 Teorias mais recentes propõem certa flexibilização para a determinação da lei aplicável, mesmo em matéria de responsabilidade transnacional, cf. examina Michael C. P R Y LE S , Tort and related obligations in private international law (RCADI, 1991, t. 227, p. 9-206). 393 P.-M. DUPUY (op. cit., 2002 p. 300-301): “il nous paraît vraissemblable que les réticences encore perceptibles chez certains juges à l’égard des implications de l’impérativité normative finiront fatalement par céder, notamment devant la pression des opinions désormais exprimées par ce qu’il est convenu d’appeler la ‘société civile internationale’”. 394 Encaminhada ao Congresso Nacional em 20 de abril de 1992, foi aprovada em 1995 pelas Comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional, todavia prossegue “em tramitação” – a expressão técnica para designar que se encontra parada em algum lugar, antes de se completar o procedimento de ratificação pelo Brasil. Aberta à assinatura em Viena, em 23 de maio de 1969, encontra-se internacionalmente vigente desde 1980. 395 Convenção de Viena sobre o direito dos tratados entre estados e organizações internacionais ou entre organizações internacionais (1986), art. 1º: “A presente convenção aplica-se: (a) a tratados entre um ou mais estados e uma ou mais organizações internacionais; e (b) a tratados entre organizações internacionais”. V: G. E. do NASCIMENTO E SILVA, The 1986 Vienna Convention and the treaty-making power of international organizations (German Yearbook of International Law / Jahrbuch fur internationales Recht, 1986, v. 29, p. 68-85) e tb. A codificação de direito dos tratados de organizações internacionais (Bol. SBDI, 1985-1986, v. 67-68, p. 11-24). 396 Várias das Convenções interamericanas de direito internacional privado esperaram longos anos até serem ratificadas pelo Brasil, cf. análise de conjunto e de cada um dos textos convencionais, in Integração jurídica interamericana: as convenções interamericanas de direito internacional privado (CIDIPs) e o direito brasileiro (coord. P. B. CASELLA e N. de ARAUJO, apres. G. E. do NASCIMENTO E SILVA, São Paulo: LTr, 1998), mas a “recordista” de demora provavelmente terá sido a Convenção de Nova York (de 10 de junho de 1958) sobre homologação e execução de laudos aribtrais estrangeiros (“Convention on the recognition and enforcement of foreign arbitral awards”), ratificada somente em 2002, pelo Brasil. FOUCHARD, GAILLARD, GOLDMAN, On international commercial arbitration (ed. by E. GAILLARD and John SAVAGE, Haia: Kluwer Law Int’l., 1999, p. 122-138, cit. p. 123), mencionavam: “The number of member states is so great that it is now easier to point out a few ‘conspicous absences’”, dentre as quais ainda se encontrava, naquela altura, o Brasil. 397 Pedro Baptista MARTINS, Da unidade do direito e da supremacia do direito internacional (atualizador Luís Ivani Amorim Araujo, Rio de Janeiro: Forense, 1998). 398 Thomas BUERGENTHAL, Self-executing and non selfexecuting treaties in national and international law (RCADI, 1992. t. 235, p. 303-400); Thomas BUERGENTHAL e Harold G. MAIER, Public international law in a nutshell (St. Paul, Minn.: West Publ. Co., 1985, Cap. I, “The application and relevance of international law”, p. 1-18, par. 1-9 “The supremacy of international law”, p. 7-8): “The rights and obligations which a state has under international law are, on the international plane, superior to any rights or duties it may have under its domestic law. Thus for example, if a state is a party to a treaty that under international is valid and binding, its non-performance cannot be excused under international law on the ground that the treaty was declared unconstitutional by its supreme court. With minor exceptions not here relevant, the unconstitutionality of a treaty is a purely domestic law issue. See Vienna Convention on the law of the treaties, arts. 27 and 46. Although it might prevent the state from giving effect to the treaty, its failure to perform would nevertheless constitute a breach under international law. In practice, this type of problem tends to be resolved by renegotiation of the treaty or, in rare instances, by the payment of compensation”. 399 T. BUERGENTHAL e H. G. MAIER (op. cit., 1985, loc. cit.): “Moreover, whether the decision of a state not to comply with a treaty is compelled by the supreme court or by a decision of its president, for example, is equally irrelevant under international law. Domestic constitutional law does not on the international plane supersede international law, even though such constitutional law may, and usually does in most countries, take precedence over international law on the domestic plane”. 400 K. WOLFF, Les principes généraux du droit applicables dans les rapports internationaux (RCADI, 1931, t. 36, p. 479554); Alfred VERDROSS, Les principes généraux du droit dans la jurisprudence internationale (RCADI, 1935, t. 52, p. 191-252); Gerald FITZMAURICE, The general principles of international law considered from the standpoint of the rule of law (RCADI, 1957, t. 92, p. 1-228). 401 A Corte Internacional de Justiça, sob a presidência de Jules Basdevant, teve de responder, em parecer consultivo, à consulta formulada por meio de resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas, adotada em 16 de novembro de 1950. A partir da elaboração da Convenção para a prevenção e a repressão do crime de genocídio (de 9 de dezembro de 1948), numerosos estados, dentre os quais a União Soviética, em razão da cláusula de jurisdição obrigatória, formularam-lhe reservas. A consulta da AGNU, com relação à Convenção de 1948, comportava as questões seguintes: (I) o estado, que formulou a reserva, pode ser considerado estado-parte da Convenção, enquanto mantenha a sua reserva, se uma ou diversas partes da Convenção fazem objeção a tal reserva, enquanto outros estados-partes não o fazem? (II) Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, qual o efeito dessa reserva nas relações entre o estado que formulou a reserva e: (a) os estados-partes que fizeram objeção a tal reserva e (b) os estados-partes que a aceitaram? (III) No que concerne à resposta à questão (I), qual seria o efeito jurídico de objeção a uma reserva, se essa objeção é feita por (a) estado signatário que, todavia, não ratificou a convenção? (b) estado que tem o direito de assinar ou de aderir mas que, todavia, não o fez? 402 São basicamente três pontos ressaltados por Blaise TCHIKAYA, Mémento de la jurisprudence du droit international public (Paris: Hachette, 2000, p. 61-64): I. a razão de ser das reservas aos tratados – no Parecer a CIJ mostra que as reservas podem se justificar na medida em que correspondam à necessidade do estado. Essa necessidade é igualmente válida para a Convenção para a prevenção e a repressão do crime de genocídio (de 9 de dezembro de 1948), como formula a CIJ: “Il y a lieu de relever également que la convention sur le génocide, si elle a été finalement approuvée à l’unanimité, est néanmoins le résultat d’une série de votes pris à la majorité. Or, le principe majoritaire, s’il facilite la conclusion des conventions multilatérales, peut rendre nécessaire pour certains états de formuler des réserves. Cette observation est confirmée par le nombre élévé des réserves qui ont été apportées ces derniers temps aux conventions multilatérales” (CIJ, Recueil, 1951, p. 22). Foi, igualmente, especificado que mesmo se o tratado não comporta disposição específica, prevendo a possibilidade de formular reservas, esse direito permanece e as partes podem exercê-lo. II. a validade das reservas – no exercício do direito de formular reservas, os estados-partes devem obedecer determinadas condições. O caráter de Convenção multilateral, diz a Corte, seu objeto, seus dispositivos, seu modo de elaboração e de adoção são elementos que têm de ser levados em consideração, para apreciar, ante o silêncio da Convenção, a possibilidade de formular reservas, bem como para apreciar a regularidade e os efeitos destas. A apreciação da regularidade da reserva compete a cada estado-parte, exercendo seu direito individualmente e por sua conta. Se, de um lado, nenhum estado pode ser vinculado por reserva em relação à qual não manifestou seu consentimento, daí resulta, necessariamente, que cada estado, ao formular objeção a uma reserva, inspira-se em sua apreciação pessoal desta, nos limites do critério do objeto e do critério do fim desta, podendo ou não considerar o estado que formulou a reserva, como parte na Convenção. Essa formulação se faz acompanhar do princípio da relatividade das reservas, formulado pela Corte: “tal decisão, normalmente, só terá efeito nas relações entre o estado que formulou a reserva e o outro, que formulou a objeção; poderia, contudo, visar a exclusão completa da Convenção, na hipótese em que esta venha a se traduzir por tomada de posição, no plano jurisdicional” (CIJ, Recueil, 1951, p. 25 e s.). O parecer é igualmente relevante ao concluir que o estado, ao formular e manter a sua reserva, e relação à qual um ou vários estados formularam objeções, sem que o façam os demais estados-partes, pode ser considerado como parte da Convenção, se a referida reserva é compatível com o objeto e os fins desta; não o podendo fazer, em caso contrário (Recueil, 1951, p. 29). III. as objeções às reservas – buscar os efeitos jurídicos das objeções às reservas. A Corte excluiu a possibilidade de formular objeções, pelos estados, mesmo que estes, integrantes da ONU, que não fossem partes ou não tivessem assinado a Convenção. No caso dos estados signatários, a questão é diversa: a Corte estima que a assinatura constitui o primeiro passo da participação na Convenção. É evidente que, sem a ratificação, a assinatura não torna o signatário estado-parte na Convenção, mas estabelece estatuto provisório em favor desse estado. Antes como depois da entrada em vigor, esse estatuto autoriza, em matéria de objeções, tratamento mais favorável para os estados signatários, do que em relação aos outros que não tenham assinado nem aderido à Convenção. Isto se aplica em relação aos estados que procederam a parte dos atos necessários para o exercício do direito, de modo a serem considerados parte na Convenção. Esperando a ratificação, o estatuto provisório, assim determinado, confere aos signatários a prerrogativa de formular título conservador das objeções, tendo estas, igualmente, caráter provisório. Estas cairiam se a assinatura não fosse seguida de ratificação, ou tornar-se-iam definitivas com o advento da ratificação. 403 (CIJ, Recueil, 1951, p. 23): “les principes qui sont à la base de la Convention sont des principes reconnus par les nations civilisées comme obligeant les états même en dehors de tout lien conventionnel”. 404 Charles de VISSCHER, Contribution à l’étude des sources du droit international (Revue de Droit International et de Législation Comparée, 1933, p. 412). 405 K. WOLFF, Les principes généraux du droit applicables dans les rapports internationaux (RCADI, 1931, t. 36, p. 479554); Alfred VERDROSS, Les principes généraux du droit dans la jurisprudence internationale (RCADI, 1935, t. 52, p. 191-252); Gerald FITZMAURICE, The general principles of international law considered from the standpoint of the rule of law (RCADI, 1957, t. 92, p. 1-228); Georges RIPERT, Les règles de droit civil applicables aux rapports internationaux (contribution à l’étude des principes généraux du droit visés au Statut de la Cour Permanente de Justice Internationale) (RCADI, 1933, t. 44, p. 565-664). 406 Dentre extensa e relevante bibliografia a respeito das fontes do direito internacional: v. Tratado (v. I); Fundamentos (esp. itens III, “Direito internacional pós-moderno: entre técnica, espírito e utopia”, e X, “Opinio iuris e corte epistemológico – entre conceitos universais e expedientes específicos: princípios, valores e regras”); M. AKEHURST, Custom as a source of international law (BYIL, 1974-5, t. 47, p 1); Ian BROWNLIE, Principles (Cap. I, “Sources of the law”); A. A. CANÇADO TRINDADE, O direito internacional em um mundo em transformação (Rio de Janeiro: Renovar, 2002, esp. parte II, “Formação e fontes do direito internacional”, p. 17-140); CASTAÑEDA, Valeur juridique des resolutions des Nations Unies (RCADI, 1970, t. 129); Monique CHEMILLIERGENDREAU, Equité (in Droit international: bilan et perspectives, coord. M. BEDJAOUI, UNESCO, 1991, v. I, p. 283-294); DIEZ DE VELASCO, Instituciones (Cap. III, “Las fuentes del derecho internacional público, p. 114 e s.); Celso de A. MELLO, Curso (v. 1, Caps. VIII e XIII, p. 203-332); José Antonio PASTOR RIDRUEJO, Le droit international à la veille du vingt et unième siècle: normes, faits et valeurs (RCADI, 1998, t. 274, p. 9-308, esp. Cap. 1, seção 2, “La création du droit international”, p. 40-62); Oscar SCHACHTER, Les actes concertés à caractère non-conventionnel (in Droit international: bilan et perspectives, coord. M. BEDJAOUI, UNESCO, 1991, v. I, p. 277-282); Malcolm N. SHAW, International Law (Cambrige: U.P., 5 th ed., 2003, Ch. 3, “Sources”, p. 65-119); Ignaz SEIDL-HOHENVELDERN, International economic law: general course on public international law (RCADI, 1986, t. 198, p. 9-264), b/c, International economic “soft-law” (RCADI, 1979, t. 163, p. 165246), e, ainda, The impact of public international law on conflict of law rules on corporations (RCADI, 1968, t. 123, p. 1-116); A. TRUYOL Y SERRA, Théorie du droit international public: cours général (RCADI, 1981, t. 173, p. 9-443); Michel VIRALLY, Les actes unilatéraux des organisations internationales (in Droit international: bilan et perspectives, coord. M. BEDJAOUI, UNESCO, 1991, v. I, p. 253-276); Prosper WEIL, Towards relative normativity in international law? (AJIL, 1983, t. 77, p. 413 e s.). 407 Thomas M. FRANCK, Fairness in the international legal and institutional system: general course on public international law (RCADI, 1993, t. 240, p. 9-498, esp. Cap. III, “Equity as fairness”, p. 62-97). 408 De Serge SUR, L’interprétation en droit international public (Paris: LGDJ, 1974), b/c, La coutume internationale (Paris: Litec, 1990) e Système juridique international et utopie (Le droit international, Archives de Philosophie du Droit, tome 32, Paris: Sirey, 1987, p. 35-45). V. ainda Vérification en matière de désarmement (RCADI, 1998, t. 273, p. 9-102) e Relations internationales (Paris: Montchrestien, 1995; 3. ed., 2004). 409 Monique CHEMILLIER-GENDREAU, L’équité (in Droit international: bilan et perspectives, 1991, v. I, p. 283-294). 410 René-Jean DUPUY, Coutume sage et coutume sauvage (in La communauté internationale – mélanges offerts à Charles Rousseau, Paris: Pedone, 1974, p. 75-87, cit. p. 87): “Sa fonction a paru sage et appaisante parce que, durant des sicècles, le monde évoluait lentement, mais elle a toujours porté en elle des virtualités de justice et donc, au bout du compte, de contre coutume; PASCAL l’a bien noté: “ Rien suivant la seule raison n’est juste en soi; tout branle avec le temps. La coutume fait tout l’équité, par cette seule raison que’elle est reçue; c’est le fondement mystique de son autorité”. 411 Friedrich Carl von SAVIGNY, Vom Beruf unsrer Zeit fur Gesetzgebung und Rechtswissenschaft (1814; e 2. ed., aum., 1828; ed. francesa, De la vocation de notre temps pour la législation et la science du droit, trad., intr. et notes par Alfred DUFOUR, Paris: PUF, 2006, n. 2, “De la genèse du droit positif”, p. 53-56, cit. p. 56 e, mais adiante, n. 4, “Du droit romain”, p. 63-67, cit. p. 64): “O direito, de fato, não existe por si, mas se confunde antes com a própria vida dos homens, considerada de certo ponto de vista. Desse modo, se a ciência do direito se destaca desse objeto que é o seu, então a atividade científica poderá prosseguir unilateralmente o seu caminho, sem se fazer acompanhar de visão correspondente das relações jurídicas, consideradas por si mesmas: a ciência poderá, a partir daí, alcançar alto grau de perfeição formal, e, contudo, carecer de qualquer realidade própria”. 412 Dentre extensa bibliografia, v. Tratado; Fundamentos; Michael AKEHURST, Custom as a source on international law (British YIL, 1974-75, t. XLVII, p. 53-65; tb. AJIL, 1978, t. 72, p. 695); Julio BARBERIS, Formación del derecho internacional (Buenos Aires, 1994, p. 97); G. BARILE, La structure de l’ordre juridique international: règles générales et règles conventionnelles (RCADI, 1978, t. 161, p. 9-126); R. R. BAXTER, Treaties and custom (RCADI, 1970, t. 129, p. 25106); Ian BROWNLIE, Principles (Oxford: Clarendon Press, 4th ed., reprinted, 1995, “International custom”, p. 4-11); Luigi CONDORELLI, La coutume (in Droit international: bilan et perspectives, Paris, 1991, v. I, p. 187-221); Vladimir Djuro DEGAN, Traité et coutume dans le droit de la mer (in O direito internacional no terceiro milênio: estudos em homenagem ao prof. V. Marotta Rangel, São Paulo: LTr, 1998, p. 407-434); René-Jean DUPUY, Coutume sage et coutume sauvage (in La communauté internationale – mélanges offerts à Charles Rousseau, Paris: Pedone, 1974, p. 75-87); Constatin Th. EUSTATHIADES, Unratified codification conventions (Genebra: Nações Unidas, 1973); Luigi FERRARI BRAVO, Méthodes de recherche de la coutume internationale dans la pratique des états (RCADI, 1985, t. 192, p. 233-330); Eduardo JIMÉNEZ DE ARÉCHAGA, El derecho internacional contemporáneo (Madri, 1980, p. 131); Hersch LAUTERPACHT, Codification and development of international law (AJIL, 1955, t. 49, p. 16-43); I. C. MacGIBBON, Customary international law and acquiescence (British YIL, 1957, t. XXXIII, p. 115-145); Celso de A. MELLO, Curso (Rio de Janeiro: Renovar, 15. ed., 2004, v. I, p. 291-302); Maria Adelaide de Almeida NASCIMENTO, Consideraciones acerca de la contribución de la práctica al proceso de formación consuetudinaria del derecho de la delimitación de los espacios marítimos de interés económico (in O direito internacional no terceiro milênio: estudos em homenagem ao prof. V. Marotta Rangel, São Paulo: LTr, 1998, p. 463-488); G. E. do NASCIMENTO E SILVA, Treaties as evidence of customary international law (in Le droit international à l’heure de sa codification: études en l’honneur de Roberto Ago, Milano, 1987, v. 1, p. 387-97); G. ABI–SAAB, La coutume dans tous ses états ou le dilemme du droit international général dans un monde éclaté (idem, Milão, 1987, p. 53-65); NGUYEN Quoc Dinh et al., Droit international public (Paris: LGDJ, 5. ed., 1994, “La coutume”, p. 314-339); Brigitte STERN, La coutume au coeur du droit international: quelques réflexions (in Le droit international: université et diversité – mélanges offerts à Paul Reuter, Paris: Pedone, 1981, p. 479-499); P. de VISSCHER, Cours général de droit international public (RCADI, 1972, t. 136, p. 1-202, esp. p. 61); Karol WOLFCKE, Custom in present international law (Dordrecht: M. Nijhoff, 1993). 413 Maurice H. MENDELSON dedica ao tema seu inteiro curso na H a i a , The formation of customary international law (RCADI, 1998, t. 272, p. 155-410). 414 M. H. MENDELSON, The formation of customary international law (RCADI, 1998, t. 272, p. 155-410, Chap. I, “Introduction and approach”, p. 165-196, cit. p. 167-169). 415 M. MENDELSON (op. cit., 1998, loc. cit.). 416 R. P. ANAND, Sovereign equality of states in international law (RCADI, 1986, t. 197, p. 9-228). 417 Francesco CAPOTORTI, Cours général de droit international public (RCADI, 1994, t. 248, p. 9-344, esp. Cap. VI, “La coutume internationale”, p. 127-148). 418 CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA, Délimitation de la frontière maritime dans la région du golfe du Maine, entre Canadá e Estados Unidos, julgamento de 12 de outubro de 1984 (Recueil, 1984). 419 CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA, Plateau Continental de la Mer du Nord, entre a República Federal da Alemanha, a Dinamarca e os Países Baixos, julgamento de 20 de fevereiro de 1969 (Recueil, 1969, p. 44), onde os atos considerados “não somente devem representar prática constante, mas devem ainda testemunhar – por sua natureza ou pelo modo como são adimplidos – a convicção quanto a ser essa prática tornada obrigatória, em razão da existência de norma jurídica (...) os estados interessados devem, portanto, ter a consciência de se conformarem ao que equivale a uma obrigação jurídica. Não somente a frequência, nem o caráter de habitualidade da prática são suficientes”. 420 R. R. BAXTER, Treaties and custom (RCADI, 1970, t. 129, p. 25-106, esp. p. 57); v. tb. Luigi CONDORELLI, La coutume (in Droit international: bilan et perspectives, M. BEDJAOUI, red. geral, Paris: UNESCO/Pedone, 1991, v. I, p. 187-221); H. LAUTERPACHT, Codification and development of international law (AJIL, 1955, v. 49, p. 16-43); G. BARILE, La structure de l’ordre juridique international: règles générales et règles conventionnelles (RCADI, 1978, t. 161, p. 9-126). 421 Araminta de A. MERCADANTE, A processualística dos atos internacionais: Constituição de 1988 e o Mercosul (in Contratos internacionais e direito econômico no MERCOSUL: após o término do período de transição, coord. P. B. CASELLA et al., São Paulo: LTr, 1996, p. 458-505, cit. p. 462): “A criação do direito internacional público consuetudinário pode verificar-se quer como aplicação pela prática internacional de um princípio geral de direito não incorporado ao direito positivo, quer por juntar-se a um uso préexistente a consciência de sua obrigatoriedade”. 422 A. P. CACHAPUZ de MEDEIROS, O poder de celebrar tratados (Porto Alegre: Sérgio A. Fabris, 1995, Cap. 3, “Novas formas para a celebração de acordos internacionais e codificação do direito dos tratados”, p. 187-242, cit. p. 242): “Vigente desde 27 de janeiro de 1980, a Convenção de Viena sobre direito dos tratados obriga, stricto sensu, apenas os estados que a tenham ratificado ou comunicado a sua adesão à mesma. / Porém, devido à importância que possui, a Convenção ultrapassa o limite de obrigatoriedade restrita aplicável aos estados-partes, para influir, lato sensu, sobre todos os tratados celebrados após a sua entrada em vigor. / As disposições da Convenção, aprovadas por maiorias representativas, superiores a dois terços, deram certeza a normas pré-existentes, em certos casos, facilitaram a cristalização de determinadas regras, em outros, e, no tocante às demais situações, configurando uma opinio juris coletiva e orientando no sentido de que a prática posterior se desenvolva de acordo com ela, aceleraram a formação de novos preceitos”. 423 O número de livros, monografias e artigos sobre todos os aspectos do direito dos tratados é extenso, sobretudo escritos depois de 1969, sobressaindo a série de cursos organizados pela Academia de Direito Internacional da Haia. Além dos cursos, merecem ser citados: S. BASTID, Les traités dans la vie internationale (Paris: Economica, 1985); T. O. ELIAS, The modern law of treaties (Dobbs Ferry: Oceana, 1974); Jan KLABBERS, The concept of treaty in international law (Haia: Kluwer Law Int’l., 1996); E. de La GUARDIA e M. DELPECH, El derecho de los tratados y la Convención de Viena de 1969 (Buenos Aires, 1970); Gyórzi HARASZIT, Some fundamental problems of the law of treaties (Budapeste, 1973); (Lorde) McNAIR, The law of treaties (Oxford: Clarendon Press, 1961); Paul REUTER, Introduction au droit des traités (3. ed., revue et augmentée par Philippe CAHIER, Paris: PUF, 1995); Paul REUTER, La Convention de Vienne sur le Droit des Traités (Paris: Armand Colin, 1970); I. M. SINCLAIR, The Vienna Convention on the Law of Treaties (Manchester: Univ. Press, 1984); Michel WAELBROECK, Traités internationaux et juridictions internes dans les pays du Marché commun (Bruxelas / Paris: CIDC / Pedone, 1969). 424 G. E. do NASCIMENTO E SILVA, Conferência de Viena sobre o Direito dos Tratados (Rio de Janeiro, 1971); João Grandino RODAS, A publicidade dos tratados internacionais (São Paulo, 1980); Haroldo VALLADÃO, Projeto de convenção sobre o direito dos tratados (Boletim SBDI, 1968, p. 151); Francisco REZEK, Direito dos tratados (Rio de Janeiro: Forense, 1984); Antonio Augusto Cançado TRINDADE, Princípios de direito internacional contemporâneo (Brasília: Ed UnB, 1981); P. B. CASELLA, Tratado de Versalhes na história do direito internacional (São Paulo: Quartier Latin, 2007); A. P. CACHAPUZ DE MEDEIROS, O poder de celebrar tratados (Porto Alegre: S.A. Fabris, 1995); José Henrique Fischel de ANDRADE, O treaty-making power das organizações internacionais (Rev. Inf. Leg., 1995, n. 128, p. 95-105); Pedro B. de A. DALLARI, Constituição e tratados internacionais (São Paulo: Saraiva, 2003). 425 Vicente Marotta RANGEL, Do conflito entre a Carta das Nações Unidas e os demais acordos internacionais (“Tese de concurso para livre-docência em direito internacional público da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo”: 1954); v. tb. Celso LAFER, Os direitos humanos no plano internacional: reflexões em torno da 52ª Sessão (1996) da CDH da ONU (in O direito internacional no terceiro milênio: estudos em homenagem ao prof. Vicente Marotta Rangel, 1998, p. 635642). 426 V. item 3.1.1. 427 V. item 3.2.2. 428 Hugo GRÓCIO, Direito da guerra e da paz (trad. Ciro MIORANZA, Ijuí: Unijuí, 2004, Livro I, Cap. I, n. IX “o direito é definido como regra e se divide em direito natural e direito voluntário”, p. 78-79). 429 Hugo GRÓCIO (op. cit., loc. cit.). 430 Moisés MAIMONIDES, Le guide des égarés (traduit de l’arabe par Salomon MUNK, préf. de Claude BIRMAN) suivi Le traité des huit chapitres (traduit de l’arabe par Jules WOLF, préf. Franklin RAUSKY, nouv. éd. révue par Charles MOPSICK, Paris: Verdier, 1979, impr. 1996). 431 MAIMONIDES, Le guide des égarés (Livro III, Cap. XXVI). 432 Pierre-Marie DUPUY, Droit international public (Paris: Dalloz, 7. ed., 2004). 433 P.-M. DUPUY (op. cit., 2004, “Modes traditionnels de formation du droit international”, p. 255-355, cit., p. 255). 434 Pierre-Marie DUPUY, em seu curso geral na Haia, L’unité de l’ordre juridique international: cours général de droit international public (2000) (RCADI, 2002, t. 297, p. 9-490, “Introduction générale”, p. 25-42), 435 P.-M. DUPUY (op. cit., loc. cit.). 436 Em 1968, durante a negociação, da qual resultaria, no ano aseguinte, a Convenção de Viena sobre direito dos tratados, a delegação da França submeteu proposta, visando à inclusão na Convenção do conceito de tratado multilateral restrito, relativo aos tratados, cujo objetivo é a vinculação, apenas, dos estados mencionados num tratado, cuja entrada em vigor depende do consentimento de todos os estados, que o negociaram. A proposta francesa visava a determinados tratados, com número restrito de partes, mas, no ano seguinte, esta proposta foi retirada, não alcançando efetivação, embora fosse considerada aceitável, na opinião de diversas delegações. 437 Th. MERON, Article 46 of the Vienna Convention in the law of treaties (British YIL, 1975, p. 175 e s.). 438 Convenção de Viena sobre direito dos tratados (1969, em vigor internacionalmente desde 1980), arts. 27 e 46: “Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado. Esta regra não prejudica o artigo 46”. Este, por sua vez: “1. Um Estado não pode invocar o fato de que seu consentimento em obrigar-se por um tratado foi expresso em violação de uma disposição do seu direito interno sobre competência para concluir tratados, a não ser que essa violação fosse manifesta e dissesse respeito a uma norma de seu direito interno de importância fundamental. / 2. Uma violação é manifesta se for objetivamente evidente para qualquer estado que proceda, na matéria, de conformidade com a prática normal e de boa-fé”. 439 CPJI, na resposta à 5ª questão, suscitada pelo governo grego, em 1929: “It is a generally accepted principle of international law that in the relations between powers, which are contracting parties to a treaty, the provisions of municipal law cannot prevail over those of a treaty”. 440 Convenção de Viena sobre direito dos tratados (1969, em vigor internacionalmente desde 1980), art. 27: “Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado”. 441 Karl ZEMANEK, The legal foundations of the international system: general course on public international law (RCADI, 1997, t. 266, p. 9-336). 442 K. ZEMANEK (op. cit., “”Valediction”, p. 335): “The prevalence of individual state interests over the common interest was apparent in every aspect of the system examined in the course and is responsible for the widening gap between social necessities and the system’s responses. / Can this be changed and it will ever change? One thing is clear: the initiative will not come from traditional governmental machineries. Dynamism and development, if they are to come, must be generated through the activity of citizens, who form groups to put pressure on their own governments and organize in international NGOs for acting on the global stage, as the relative progress in the field of human rights or environmental protection demonstrates”. 443 Exemplo de coação, acarretando a inexistência do ato, seriam as ameaças do III Reich ao presidente HACHA, da Tchecoslováquia, obrigado a aceitar o fim da independência da República, em 1939. 444 Exemplo tristemente célebre, o Tratado de Munique, de 29 de setembro de 1938, comportou a cessão do território dos Sudetos, da Tchecoslováquia, para o III Reich, tendo sido assinado pela França, Grã-Bretanha, Itália e Alemanha. Foi, ulteriormente, declarado nulo, sob a alegação de ter sido celebrado sob coação pela França e Grã-Bretanha, em 1942, pela Itália, em 1944, e pela R. F. da Alemanha, em 1966. A respeito, v.: Charles ROUSSEAU, L’accord de Munich et le droit international (RGDIP, 1966, p. 105); Pierre-Marie DUPUY (op. cit., 2004, p. 280). 445 Corte Permanente de Justiça Internacional, Affaire de l’usine de Chorzow, julgamento de 25 de maio de 1926 (série A/B, n. 18), para a formulação do princípio; v. tb. ulterior manifestação da Corte Permanente de Justiça Internacional no mesmo sentido, no caso das zones franches du Pays de Gex et de la HauteSavoie (1932, série A/B, n. 46). 446 Coisa pactuada não pode causar danos nem vantagens a terceiros. 447 Ferenc MAJOROS, em sua obra Les conventions internationales en matière de droit privé: abrégé théorique et traité pratique (pref. B. DUTOIT, Paris: Pedone, v. I, 1976, e Le droit des conflites des conventions (v. II, 1980). 448 V., supra, 1.1. e tb. bibliografia referida a respeito do jus cogens: Levan ALEXIDZE, Legal nature of “jus cogens” in contemporary international law (RCADI, 1981, t. 172, p. 219 e s.); Eduardo C. BAPTISTA, Ius cogens em direito internacional (Lisboa: Lex, 1997); I. BROWNLIE, Principles of public international law (Oxford: Clarendon Press, 4. ed., 1990, reprinted 1995, Cap. XXII, “Some incidents of illegality and the concept of jus cogens”, p. 509-517, esp. 512-515); Carnegie Endowment for International Peace (ed.), The concept of jus cogens in public international law (Conference of Lagonissi, 1966, papers and proceedings, Genebra, 1967); Francesco CAPOTORTI, Cours général de droit international public (RCADI, 1994, t. 248, p. 9-344, esp. Cap. VIII, item 4, “La violence par rapport aux traités. Les traités en conflit avec le jus cogens”, p. 182 e s.); J. A. CARRILLO SALCEDO, Droit international et souveraineté des états: cours général de droit international public (RCADI, 1996, t. 257, p. 135 e s.); P. CASELLA, Fundamentos (2008, esp. Cap. IX, “Fundamentos e norma cogente de direito internacional”, p. 727-783); B. CONFORTI, Cours général de droit international public (RCADI, 1988, t. 212, p. 129 e s.); M. DIEZ DE VELASCO, Instituciones de derecho internacional público (Madri: Tecnos, 10. ed., 1994, esp. “la dimensión normativa del sistema internacional”, p. 73-83 etc.); T. O. ELIAS, Problems concerning the validity of treaties (RCADI, 1971, t. 134, p. 388); Giorgio GAJA, “Jus cogens” beyond the Vienna Convention (RCADI, 1981, t. 172, p. 271 e s.); Antonio GOMEZ-ROBLEDO, Le “jus cogens” international: sa génèse, sa structure, ses fonctions (RCADI, 1981, t. 172, p. 9 e s.); Jean-Paul JACQUÉ, Acte et norme en droit international public (RCADI, 1991, t. 227, p. 357-417); Robert JENNINGS, Les traités (in Droit international: bilan et perspectives, org. M. BEDJAOUI, Paris: Pedone / UNESCO, 1991, v. I., p. 143-186, esp. par. 6, “Jus cogens”, p. 169-173); Robert KOLB, Théorie du ius cogens international: essai de relecture du concept (Paris: PUF / publ. IUHEI, Genebra, 2001); Manfred LACHS, General course on public international law (RCADI, 1980, t. 169, p. 202 e s.); H. MOSLER, The international society as a legal community (RCADI, 1974, t. 149, p. 148-50); McNAIR, The law of treaties (Oxford, 1961, p. 213); G. E. do NASCIMENTO E SILVA, Le facteur temps et les traités (RCADI, 1977, v. 154, p. 253-5); Rafael Nieto NAVIA, El derecho imperativo ( jus cogens) en el derecho internacional, in Universitas, Bogotá, 1977, v. 62; S. REISENFELD, Jus dispositivum and jus cogens (AJIL, 1966, v. 60, p. 511); J. G. RODAS, “Jus cogens” em direito internacional (Rev. FDUSP, 1974, v. 69, p. 125 e s.); J. G. RODAS, Alguns problemas de direito dos tratados relacionados com o direito internacional à luz da Convenção de Viena (tese de doutoramento em direito internacional, São Paulo: FDUSP, 1973); Ch. ROUSSEAU (cit. 1, p. 130-1); G. SCHWARZENBERG, International law and order (Londres, 1971, p. 27-56); Egon SSCHWELB, Some aspects of international “jus cogens” (AJIL, 1957, v. 61, p. 946); Ignaz SEIDL-HOHENVELDERN, International economic soft-lan (RCADI, 1979, t. 163, p. 165-246); Malcolm N. SHAW, Genocide and international law (in Coletânea em honra de Shabtai ROSENNE, Dordrecht, 1988, p. 800); G. TUNKIN, International law in the international system (RCADI, 1975, v. 147, p. 98); Alfred VERDROSS, Jus dispositivum and jus cogens in international law (AJIL, 1966, v. 60, p. 55 e s.); Michel VIRALLY, Réflexions sur le “jus cogens” (AFDI, 1966, t. 12, p. 5 e s.); Ch. de VISSCHER, Positivisme et “jus cogens” (RGDIP, 1971, t. 75, p. 5 e s.); Ch. de VISSCHER, Cours général de droit international public (RCADI, 1972, t. 136, p. 102 e s.). 449 Jean-Paul JACQUÉ, Acte et norme en droit international public (RCADI, 1991, t. 227, p. 357-417). 450 J.-P. JACQUÉ (op. cit., 1991, p. 369-370). 451 Dentre extensa bibliografia, v. CASELLA Tratado (2007); Fundamentos (2008, esp. item X, “Opinio juris e corte epistemológico – entre conceitos universais e expedientes específicos – princípios, valores e regras”, p. 785-839); J. BARBERIS, p. 221; Hanna BOKO-SZEGÓ, Principes généraux du droit (in Droit international: bilan et perspectives, Paris: UNESCO, 1991, v. I, p. 223-230); Bin CHENG, General principles of law as applied by the international courts and tribunals (Londres, 1953); M. DIEZ DE VELASCO, Instituciones de derecho internacional público (Madri: Tecnos, 10. ed., 1994, p. 131-142); Gerald FITZMAURICE, The general principles of international law considered from the standpoint of the rule of law (RCADI, 1957, t. 92, p. 1-228); Georges RIPERT, Les règles de droit civil applicables aux rapports internationaux (contribution à l’étude des principes généraux du droit visés au Statut de la Cour Permanente de Justice Internationale) (RCADI, 1933, t. 44, p. 565-664); John HAZARD, The general principles of law (AJIL, 1958, t. 52, p. 91); Hermann MOSLER, The international society as a legal community (RCADI, 1974, t. 140, p. 136); Manfred LACHS, The development and general trends of international law in our time (RCADI, 1980, t. 169, p. 9-377 esq., e p. 195); Paul REUTER, Principes de droit international public (RCADI, 1961, t. 103, p. 425-656); Charles ROUSSEAU (1, p. 370); Max SORENSEN, Principes de droit international public (RCADI, 1960, t. 101, p. 1-254); Oscar TENÓRIO, Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro (Rio de Janeiro, 1944, p. 68); A. TRUYOL Y SERRA, Théorie du droit international public (cours général) (RCADI, 1981, t. 173, p. 9-443); Haroldo VALLADÃO, Direito internacional privado (Rio de Janeiro: Freitas Bastos, v. I, 5. ed., 1980, introdução à parte geral); P. G. VALLINDAS, General principles of law and the hierarchy of the sources of international law (Bonn, 1959); Alfred VERDROSS, Les principes généraux du droit dans la jurisprudence internationale (RCADI, 1935, t. 52, p. 191-252); Paul de VISSCHER, Cours général de droit international public (RCADI, 1972, t. 136, p. 1-202, esp. p. 112); K. WOLFF, Les principes généraux du droit applicables dans les rapports internationaux (RCADI, 1931, t. 36, p. 479-554). 452 Convenção de Viena sobre direito dos tratados (1969, em vigor internacionalmente desde 1980), arts. 27 e 46: “Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado. Esta regra não prejudica o artigo 46”. Este, por sua vez: “1. Um estado não pode invocar o fato de que seu consentimento em obrigar-se por um tratado foi expresso em violação de uma disposição do seu direito interno sobre competência para concluir tratados, a não ser que essa violação fosse manifesta e dissesse respeito a uma norma de seu direito interno de importância fundamental. / 2. Uma violação é manifesta se for objetivamente evidente para qualquer estado que proceda, na matéria, de conformidade com a prática normal e de boa-fé”. 453 Georges RIPERT, Les règles du droit civil applicables aux rapports internationaux (contribution à l’étude des principes généraux du droit visés au Statut de la Cour permanente de justice internationale) (RCADI, 1933, t. 44, p. 565-664, cit. p. 569), enceta o exame do tema asseverando tratarse de determinar quais normas de direito civil seriam aplicáveis ao direito internacional e não se seriam estas aplicáveis: “Le titre même de ce cours implique l’admission de l’idée qu’il y a lieu de faire intervenir dans les rapports internationaux certaines règles du droit civil. Nous nous proposons de rechercher quelles sont les règles applicables et non s’il y a des règles applicables, mais la recherche n’a été entreprise que dans la conviction où nous étions de la possibilité, de la nécessité même de cette application”. 454 G. RIPERT (op. cit., 1933, adiante, p. 659-660) considerava, sucessivamente: o contrato; a responsabilidade civil; o exercício dos direitos; a prova e a interpretação. A conclusão punha-se no sentido do “progresso do direito internacional pelo recurso aos princípios gerais do direito”: “La démonstration que nous voulions présenter est ainsi faite par la seule citation des décisions rendues par les juridictions internationales. Dans un três grand nombre de cas, et nous n’avons donné que des exemples, ces juridictions et tout particulièrement la Cour permanente de justice, ont appliqué des principes généraux qui, jusqu’ici, n’étaient reconnus que dans le droit civil interne des pays civilisés”. 455 G. RIPERT (op. cit., 1933, loc. cit.): “Ces principes ont été dégagés depuis longtemps par la sagesse humaine, ils sont mis en oeuvre dans chaque pays par une technique particulière, mais, sous les règles techniques qui les recouvrent, il n’est point difficile de les retrouver”. 456 C. BILFINGER, Les bases fondamentales de la communauté des états (RCADI, 1938, t. 63, p. 129-242). 457 Emmanuel ROUCOUNAS, Facteurs privés et droit international public (RCADI, 2002, t. 299, p. 9-420, cit. p. 24): “Le développement de la pensée juridique au début du XXe siècle a écarté la conception que la personne morale était une fiction, mais l’état-personne morale n’a pas pour autant cessé d’effacer d’abord, déterminer ensuite, la place de l’individu parmi les sujets du droit international. Pareille démarche est simplement inconcevable dans l’ordre juridique interne, où par définition l’individu constitue le sujet de droit par excellence”. 458 Gerald FITZMAURICE, The problem of “non-liquet”: prolegomena to a restatement (in La communauté internationale: mélanges offerts à Charles Rousseau, Paris: Pédone, 1974, p. 89-112); Gerald FITZMAURICE, The general principles of international law considered from the standpoint of the rule of law (RCADI, 1957, t. 92, p. 1-228). 459 G. RIPERT (op. cit., 1933, p. 574): “La Cour permanente de justice ne peut prononcer le non liquet ou refuser de juger sous le pretexte qu’elle ne trouve pas de règle applicable. Pour juger, elle est bien obligée de chercher la solution dans les principes du droit si elle ne la trouve pas ailleurs”. 460 Dionísio ANZILOTTI, Cours de droit international (ed. original 1912, trad. francesa de G. GIDEL, publ. 1929, nova edição, Paris. LDGJ – diffuseur / éd. Panthéon – Assas, 1999). 461 D. ANZILOTTI (op. cit., ed. 1999, p. 117-118): “Si, au contraire, il arrive qu’il s’agisse de principes propres, exclusivement aux ordres juridiques internes, force est d’admettre que dans cette mesure le juge est renvoyé à une source différente de l’ordre juridique international, et proprement à une source dans le sens matériel, qui peut seulment lui fournir les éléments pour formuler la norme qu’il appliquera dans le cas concret, comme norme de droit international: cette norme n’existe pas dans l’ordre international; c’est le juge qui la crée pour le cas spécial et pour celui-ci seulement (art. 59), d’après certains critères, parmi lesquels le plus important est fourni par la presque universalité des conceptions juridiques sur lesquelles s’appuie ladite règle. Ainsi entendue, la fonction que l’article 38, n. 3, attribue à la Cour n’est pas différente, sinon par les limitations plus grandes qu’elle rencontre, de celle que quelques codes récents attribuent au juge, quand ils disent que celui-ci, en l’absence d’autres sources, appliquera la norme qu’il adopterait si luimême était législateur”. 462 Oscar TENÓRIO, Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro (Rio de Janeiro, 1944, p. 68); v. tb., Oscar TENÓRIO, Direito internacional privado (op. cit., 11. ed., 1976). 463 G. RIPERT (op. cit., 1933, p. 575). 464 G. RIPERT (op. cit., 1933, loc. cit.): “L’équité est principe, mais principe de morale et non principe de droit. Il arrive même que l’on oppose l’équité au droit dans les cas particuliers où l’application stricte de la règle juridique conduirait à une solution qui révolterait l’esprit de justice tout en se justifiant par d’autres raisons, par exemple le souci de l’ordre. / Le droit doit se proposer de réaliser l’équité, ou tout au moins une certaine équité. Mais on ne peut réduire les principes généraux du droit à cette règle trop simple que l’équité doit être respectée”. 465 G. RIPERT (op. cit., 1933, p. 576-577): “Pas davantage on ne peut confoondre ces principes avec les règles du droit naturel. (...) Pour que le recours aux principes du droit naturel fût possible, il faudrait à la fois une croyance commune à l’existence d’un tel droit et un accord sur le contenu de ce droit, ou tout au moins une partie de son contenu. Or, nous n’avons ni croyance commune, ni accord sur le contenu; chacun place dans le droit naturel les règles qui lui paraissent correspondre à son idéal, et personne n’a jamais pu donner une délimitation ferme du contenu de ce droit”. 466 G. RIPERT (op. cit., 1933, p. 578-579): “Il est vrai que l’on donne traditionnellement du droit naturel une notion bien rassurante, en affirmant que c’est le droit dicté par la raison. (...) il ne faut pas confondre les règles du raisonnement logique avec les règles juridiques. Il y a une logique judiciaire. L’art de juger doit en faire état. Une juridiction, qu’elle soit nationale ou internationale, ne peut pas statuer sans logique; par exemple, que les différentes parties d’une décision se tiennent; une solution principale commande des solutions sécondaires ou dérivées. Mais cette logique judiciaire dépend uniquement de l’éducation juridique et du bon sens du juge. C’est presque affaire subjective, encore que, par le recrutement des juges et la permanence des juridictions, on arrive à l’application constante de certains procédés. / Ces règles de la logique formelle ne peuvent être considérées comme étant les principes généraux du droit; il nous faut trouver des règles plus précises”. 467 G. RIPERT (op. cit., 1933, p. 580-581): “Ces principes sont des principes du droit interne; ils se trouvent affirmés dans les lois des états. (...) Il est pourtant certain que l’on ne peut appliquer en matière internationale des règles de droit interne sans que ces règles subissent une certaine transformation”. 468 M. BOURQUIN, Règles générales du droit de la paix (RCADI, 1931, t. 35, p. 1-232). 469 M. BOURQUIN (op. cit., 1931, p. 73). 470 Em seu já ref. curso na Haia, G. SCHWARZENBERGER, The fundamental principles of international law (RCADI, 1955, t. 87, p. 191-386). 471 Charles ROUSSEAU, Principes de droit international public (RCADI, 1958, t. 93, p. 369-550); Charles ROUSSEAU, L’indépendance de l’état dans l’ordre international (RCADI, 1948, t. 73, p. 167-254). 472 Max SORENSEN, Principes de droit international public (RCADI, 1960, t. 101, p. 1-254). 473 Paul REUTER, Principes de droit international public (RCADI, 1961, t. 103, p. 425-656). 474 Robert Y. JENNINGS, General course on principles of international law (RCADI, 1967, t. 121, p. 323-606). 475 E. A. WALSH, Les principes fondamentaux de la vie internationale (RCADI, 1935, t. 53, p. 97-176). 476 G. D. TASSITCH, La conscience juridique internationale (RCADI, 1938, t. 65, p. 305-394). 477 J. RAY, Des conflits entre principes abstraits et stipulations conventionnelles (RCADI, 1934, t. 48, p. 631708). 478 A. GOMEZ ROBLEDO, Le “jus cogens” international: sa génèse, sa nature, ses fonctions (RCADI, 1981, t. 172, p. 9217). 479 F. de VITORIA, De potestate civili: “o direito das gentes não tem somente força de pacto ou de convenção entre os homens, mas possui, igualmente, força de lei. O mundo inteiro, na verdade, que, de certo modo, constitui uma república, tem o poder de levar leis justas e ordenadas para o bem de todos, tais como são as do direito das gentes. Consequentemente, quando se trata de questões graves, nenhum estado pode se considerar desvinculado do direito das gentes, pois este é colocado pela autoridade do mundo inteiro”. 480 Francisco de VITÓRIA, Relectio sobre o poder civil, no volume Political writings (edited by Anthony PAGDEN e Jeremy LAWRANCE, “Cambridge texts in the history of political thought”, Cambridge: UP, 1991, p. 1-44); ou nas edições: Leçons sur le pouvoir politique (intr., trad. et notes par M. BARBIER, Paris: Vrin, 1980) e Obras: “relectiones” teológicas (ed. crítica, versão espanhola, intr. geral Pe. Teófilo URDANOZ (OP.), Madri: BAC, 1960); comentários e análises em: A. TRUYOL Y SERRA, La conception de la paix chez VITORIA / la présente édition est la reprise de deux articles parus dans les “Recueils de la société Jean BODIN pour l’histoire comparative des institutions”, tome XV, “La paix”, deuxième partie, Bruxelles: Éditions de la Librairie Encyclopédique, 1961, avec Paul FORIERS, L’organisation de la paix chez GROTIUS et l’école de droit naturel (Paris: Vrin, 1987); C. BARCIA-TRELLES, Francisco de Vitoria et l’école moderne du droit international (RCADI, 1927, t. 17, p. 109342); J. MOREAU-REIBEL, Le droit de société interhumaine et le jus gentium: essai sur les origines et le développement des notions jusqu’à Grotius (RCADI, 1950, t. 77, p. 481-598); A. HERRERO-RUBIO, Le droit des gens dans l’Espagne du XVIIIe siècle (RCADI, 1952, t. 81, p. 309450). Gerald FITZMAURICE, The problem of “non-liquet”: prolegomena to a restatement (in La communauté internationale: mélanges offerts à Charles ROUSSEAU, Paris: Pédone, 1974, p. 89-112, cit., p. 92) ressalta duas premissas básicas: “These assumptions are, first that a nonliquet, in the sense of a refusal or failure on the part of a tribunal to give any decision at all, must at all costs be avoided – somehow, the tribunal must decide; and secondly, that the nonliquet is duly avoided provided the tribunal gives a decision, a decision of some kind that settles the dispute, in the sense of indicating which of the parties succeeds, or that answers the question put to the tribunal, however inconclusive in substance this answer may be, — and even if, in either case, the real underlying issues are left undecided”. 482 G. FITZMAURICE (art. cit., 1974, p. 112): “the legal order or system can only be said to be complete (and that this is what 481 saying that it is complete must involve) if we either I) are content with a completeness that is in the last resort only formal, and even so does not extend to important categories of cases; or II) are ready – again in the last resort – to admit judicial legislation or its equivalent in order to fill in material gaps in the substantive content of the law. If we are dissatisfied under both these heads, than the postulate or dogma of “non-liquet” in any circumstances, which, as we have seen, becomes logically unjustifiable”. 483 Sobre o papel da jurisprudência como fonte do direito internacional, v. tb. item 2.5, “secessão no direito internacional – o Parecer consultivo da Corte Internacional de Justiça sobre o Kosovo, de 22 de julho de 2010”. No Parecer consultivo sobre o Kosovo, de 22 de julho de 2010, a Corte Internacional de Justiça cita e analisa a decisão da Corte Suprema do Canadá a respeito do Quebec. 484 Aí ficam compreendidos os vários tribunais internacionais existentes, atualmente, além da Corte Internacional de Justiça, tais como o Tribunal Internacional do Direito do Mar, criado pela Convenção de 1982, os Tribunais internacionais ad hoc, criados pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, para a exIugoslávia e para Ruanda, além do Estatuto de Roma, de 1998, por meio do qual se criou o Tribunal Penal Internacional. Ainda poderiam ser lembrados os Tribunais administrativos internacionais. 485 Moustapha SOURANG, La jurisprudence et la doctrine (in Droit international: bilan et perspectives, Paris: Pedone/UNESCO, 1991, v. I, p. 295-300, cit. p. 298). 486 Com relação ao papel e à atuação de ambas, v., infra, parte 4, com foco no ser humano, como sujeito de direito internacional. 487 J. LIMBURG, L’autorité de la chose jugée des décisions des juridictions internationales (RCADI, 1929, t. 30, p. 519618); v. tb. Leonardo N. C. BRANT, A autoridade da coisa julgada no direito internacional público (Rio de Janeiro: Forense, 2002). 488 Ildefonso Dutra ALVIM, Limitações ao exercício da soberania (Belo Horizonte: Imprensa oficial, 1953, Parte II, “Soberania”, Cap. II, “Exercício”, pars. 193 e 194, p. 143-144): “o exercício da soberania fica dividido em superfície e profundidade, de acordo com as normas institucionais do estado. Em superfície, espalhado pelos diversos órgãos estatais, e, em profundidade, na escala descendente da hierarquia do poder exercido. Pois a soberania como já se disse com apoio em J. MENDES, reúne o conjunto dos poderes conferidos ao estado, pelo povo. (...) Não é o poder soberano que se divide em dois ramos, o nacional e o internacional. A soberania continua una. Seu exercício é que se distribui entre os diversos órgãos a que é delegado”. 489 Haroldo VALLADÃO, Rodrigo Octávio, o internacionalista (“conferência, na qualidade de presidente da Sociedade brasileira de direito internacional, no Palácio Itamaraty, a 10 de outubro de 1966, pelo centenário do nascimento de Rodrigo Octávio”, in Novas dimensões do direito: justiça social, desenvolvimento, integração, São Paulo: RT, 1970, p. 97110, cit. p. 105); v. tb. M. F. Pinto PEREIRA, Soberania das nações (prefácio de Clóvis BEVILAQUA, São Paulo: C. Teixeira & Cia., 1920, “Prólogo”, p. IX-XII, cit., p. X): “Esta ideia, verdadeira e fecunda, prepara-nos a intelligencia para acceitar a Sociedade das Nações, que, entretanto, o Sr. Dr. Pinto PEREIRA considera difficilmente conciliável com a soberania. Elle quer a comunhão jurídica; reconhece a solidariedade das nações; e proclama que ad semper juris vis imperanda. Mas não são outros os elementos que entraram na constituição do que, a princípio, se denominou “Liga das Nações”, por influencia da forma ingleza – The League of Nations –, porém que agora se vae, de preferencia, nomeando Sociedade das Nações, como se vê na edição franceza do Tratado de Paz, assinado em Versailles: – Pacte de la Société des Nations. / Esta constituição internacional dos estados ainda é uma simples liga contra a guerra. Dahi a impressão, que nos deixa, de obra incompleta e de articulação imperfeita. Mas, em honra de seus preparadores, é justo reconhecer que attendeu às necessidades mais urgentes; que, no momento era impossível conseguir coisa melhor; e que, se deixassem passar esta opportunidade, ninguém sabe quando outra se nos apresentaria”. 490 H. VALLADÃO (op. cit., loc. cit.) referindo RODRIGO OCTÁVIO, assim pôde concluir: “É neste momento tão extenso e intenso o esforço universal no sentido da regulamentação da vida conjunta dos povos, sob a base do interesse geral e da concórdia humana, em todos os recantos do mundo, sem distinção de raças e de credos políticos ou religiosos, de tendências científicas ou filosóficas, que não é possível que dessa conjugação de esforços não se condense e tome corpo na consciência universal a ideia de que o interesse da humanidade é um só e que em todos nós, cidadãos de cada um dos estados que constituem o mundo civilizado, circula o mesmo sangue irmão”. 491 Oscar SCHACHTER, em curso geral na Haia, International law in theory and practice: general course in public international law (RCADI, 1982, t. 178, p. 9-395). 492 V. MAROTTA RANGEL, Sobre la efectividad de la justicia en las relaciones internacionales (in El derecho internacional en un mundo en transformación: en homenaje al professor Eduardo JIMENEZ de Arechaga, Montevidéu: Fund. de Cultura Univ., 1994). 493 Determinadas correntes ainda defendem a condição do estado como sujeito, se não único, ao menos o predominante no plano internacional, e se relega o indivíduo a plano secundário, ou amparado por medidas de cunho “assistencial’. Estas são repulsivas e pouco eficientes, quer nos planos internos, como no plano geral. 494 Gerald FITZMAURICE, The general principles of international law considered from the standpoint of the rule of law (RCADI, 1957, t. 92, p. 1-228). 495 Jesse S. REEVES, La communauté internationale (RCADI, 1924, t. 3, p. 1-93 496 J. S. REEVES (op. cit., 1924, Cap. I, “L’observateur et les observés”, p. 5-18, cit., p. 5): “c’est en effet le caractère distinctif des intérêts protégés que de se voir attribuer le terme de légal. La source de cette protection, sa mesure, son étendue, ses méthodes de reconnaissance, ses buts et sa force d’exécution apparaîtront au cours du développement de notre sujet: la nature juridique de la société internationale”. 497 Dominique CARREAU, Droit international (Paris: Pedone, 4. ed., 1994, Section “La société transnationale contemporaine et les nouveaux développements du droit international”, p. 24-33, cit. p. 24): “Depuis la fin de la seconde guerre mondiale, la société internationale a connu des bouleversements considérables. Ces transformations profondes sont de deux types, horizontal et vertical. Sur le plan horizontal, des nouveaux acteurs de la société internationale sont apparus de sorte que cette dernière a perdu son homogénéité initiale pour se caractériser maintenant par son ‘hétérogéneité’. Sur le plan vertical, des nouveaux et nombreux domaines sont apparus et ont ainsi élargi la sphère d’influence du droit international. Le jeu combiné de ces deux phénomènes a incontestablement rendu plus complexe la compréhension du droit international et de son rôle – sans parler de sa définition”. 498 Resolução do Instituto de direito internacional, adotada na Sessão de Berlim, em 24 de agosto de 1999, a respeito da solução judiciária e arbitral das controvérsias internacionais com mais de dois estados, a 11 ª Comissão, Relator Rudolf BERNHARDT (o texto original faz fé em inglês, sendo o francês tradução). 499 Resolução IDI Berlim (1999), parte I. 500 Artigo 63 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, reproduzido, bem como textos similares, de outros estatutos, com consequências equivalentes. 501 Jean-Pierre QUENÉUDEC, La notion d’état intéressé en droit international (RCADI, 1995, t. 255, p. 339-462). 502 Louis CAVARÉ, Le droit international public positif (troisième édition mise à jour par Jean-Pierre QUENÉUDEC, Paris: Pedone, t. I, 1967; t. II, 1969). 503 J.-P. QUÉNEUDEC (op. cit., 1995, p. 350-351): “lorsqu’il est fait usage de l’expression état intéressé, dans un texte de droit international, la signification qui s’y attache n’est pas différente du sens que revêt l’expression dans le vocabulaire courant. Dans ce sens ordinaire et usuel, l’expression sert à désigner un état déterminé dans une situation donnée, sans que l’on cherche a priori à y mettre une signification particulière, qui serait différente du sens usuel. Exerçant une fonction purement descriptive, l’expression est alors utilisée – quelquefois au singulier, plus souvent au pluriel – pour faire référence à certains états parties à une convention internationale. / Précisons, cependant, que le problème de l’identification de l’état ou des états intéressés ne se pose éventuellement que dans le cadre d’un traité multilatéral. Dans le cadre des relations bilatérales entre états, en effet, ce problème ne se pose pas, dans la mesure où les deux états en cause sont, par définition, les seuls états intéressés. Ce n’est que de manière tout à fait occasionnelle qu’un état tiers peut être, en pareil cas, réputé ‘intéressé’, soit parce qu’un traité bilatéral pourrait produire des effets à son égard, soit parce que les rapports bilatéraux qu’entretiennent deux états font surgir une question qui, examinée dans un cadre institutionnel plus large, va permettre à un tiers de faire valoir ses intérêts devant l’institution chargée de cet examen”. 504 Jochen Abr. FROWEIN, Reactions by not directly affected states to breaches of public international law (RCADI, 1994, t. 248, p. 345-438). 505 J. A. FROWEIN (op. cit., 1994, “Introduction”, p. 353-354): “up to about 1970 there was hardly any disagreement that international law, as far as violations or countermeasures were concerned, operated in a bilateral relationship between a state violating international law and a victim-state, this view started to alter around 1970. We shall be concerned with the possibilities for states not directly the victims of a violation to take some reaction against it. (…) / With notions such as the ‘community of states’ or ‘obligation existing erga omnes’, in other words against the community of states and all states being members of that community, it is possible to widen what used to be the bilateral relationship into a relationship between the violator and all other states. In our context we shall use the notion ‘not directly affected states’ to circumscribe first of all those states which are not the ones against whose territory, citizens or other rights and interests the act by the violator is directed. Where the violator does not act against any state at all but against what may be considered a right of the community of states or a common interest, but also where individual human rights are violated we shall also use the notion ‘not directly affected states’. / We prefer the notion of ‘reaction’ to the more technical notion of ‘countermeasures’. We shall include reactions below the threshold of real countermeasures and will also deal with the reaction to the use of force, particularly self-defence, which is not normally seem as a countermeasure. As far as countermeasures are concerned we shall deal with retortions as well as with reprisals”; cita L.-A. SICILIANOS, Les réactions décentralisés à l’illicite: des contremesures à la légitime défense (1990, sem refs. adicionais). 506 Luiz Antonio Severo da COSTA, A jurisprudência e a doutrina como fontes do direito (in Estudos jurídicos em homenagem ao professor Oscar TENÓRIO, Rio de Janeiro: U.E.R.J., 1977, p. 373-381). 507 A respeito da codificação do direito internacional, v. item específico a seguir (1.4.). 508 Haroldo VALLADÃO, Epitácio Pessoa, o jurista (Conferência no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 26 de maio de 1965, in Novas dimensões do direito: justiça social, desenvolvimento, integração, São Paulo: RT, 1970, p. 141149, cit. p. 148-149): “E chega, finalmente, ao cargo judicial supremo no mundo, ao de juiz da Corte Permanente de Justiça Internacional, da Haia, para o qual é eleito em 10 de setembro de 1929 (sic, 1923), pela 4ª Assembleia da Sociedade das Nações, em substituição a Ruy BARBOSA que não chegou a tomar posse”. (...) “Dos votos que proferiu na Corte sobressaem e têm merecido referência de internacionalistas, aqueles em que que versou a competência quando um dos litigantes não é diretamente um estado, mas algum de seus súditos, ou quando as próprias partes querem um aviso consultivo, a possibilidade de rever uma decisão da conferência de embaixadores, a delicadíssima questão do direito penal internacional do célebre caso do vapor ‘Lotus’ entre a França e a Turquia, os complexos problemas de direito internacional privado, da autonomia da vontade, do lugar do pagamento, e da ordem pública, em matéria de cláusula-ouro, nos empréstimos sérvios e brasileiros”. 509 Citados e examinados em diversos itens, ao longo do texto, os votos e as resoluções do Instituto de direito internacional estão disponíveis no site deste, nas duas línguas oficiais, sob rubrica específica. V., a respeito, Gerald FITZMAURICE, The contribution of the Institute of International Law to the development of international law (RCADI, 1973, t. 138, p. 203-260). 510 Bibliografia: Casella, Tratado (2008); BARBERIS, p. 14; BAXTER, Treaties and custom (RCADI, 1979, v. 129, p. 90); BROWNLIE, p. 14 e 19; DIEZ DE VELASCO - 1, p. 126; FAUCHILLE - 1, p. 54; G. FITZMAURICE, The contribution of the Institute of International Law to the Development of International Law (RCADI, 1973, t. 138, p. 205-60); H. LAUTERPACHT, The development of international law by the international court (Londres, 1958); E. JIMÉNEZ DE ARECHAGA, The work and jurisprudence of the International Court of Justice, BYB, 1987, p. 1; Celso MELLO - 1, p. 259; Moustapha SOURANG, La jurisprudence et la doctrine (UNESCO, Paris, 1991, cit.); OPPENHEIM - 1, p. 33; PASTOR RIDRUEJO - 1, p. 104 e 179; PODESTÀ COSTA - 1, p. 20; NGUYEN Quoc Dinh, p. 341; ROUSSEAU - 1, p. 316; SIBERT - 1, p. 38; Moustapha SOURANG, La jurisprudence et la doctrine (in Droit international: bilan et perspectives, Paris: Pedone / UNESCO, 1991, v. I, p. 295-300); Charles de VISSCHER, Théories et realités (p. 182 e 225); Paul de VISSCHER, Cours général de droit international public (RCADI, 1972, t. 136, p. 1-202, esp. p. 25-66). 511 G. E. do NASCIMENTO E SILVA costumava brincar ser mais frequentemente lembrada a doutrina como fonte por quem perde o caso. Quanto ao fato de serem as considerações doutrinárias muitas vezes influenciadas por interesses nacionais, Erik CASTREN, Aspects récents de la succession d’états (RCADI, 1951, t. 78, p. 379-506, Cap. I, Seção 10, “Considérations générales sur la pratique internationale”, p. 402-403): “Dans une certaine mesure, la tendance de chaque pays se trouve illustrée par les théories sur la succession d’états (...) et par l’oeuvre de divers jurisconsultes, les savants ne pouvant guère manquer de se solidariser avec leur époque et leur patrie”. Por essa “solidarização”, com o contexto do tempo e do país, paga a doutrina, em geral, em sua aceitação, como fonte do direito internacional, o que justamente se procuraria colocar em perspectiva de relativo distanciamento, em enfoque pósmoderno. 512 V. supra, 1.1.1.3. a respeito de Alberico GENTILI (1598) e as lições de A. FAVRE (1974) e V. MAROTTA RANGEL (1989). V. tb., supra, 1.3.3. G. RIPERT (1933) a respeito da relação entre princípios gerais do direito e equidade. 513 V. MAROTTA RANGEL, L’equité en droit international: des développements récents (Tessaloniki: Aristoteleio Panepistimio, “Nomos”, “Anatypo”: separata, 1989, p. 937-950); v. tb. já ref. Monique CHEMILLIER-GENDREAU, Equité (in Droit international: bilan et perspectives, coord. M. BEDJAOUI, UNESCO, 1991, v. I, p. 283-294). 514 Nesse sentido, já menciona A. GENTILI, Hispanicae Advocationis, Livro I, Cap. XXI: “o critério da manutenção da liberdade não pode, contudo, pôr em perigo o estado: a equidade almeja a liberdade de comércio, mas o direito natural assegura ao estado o exercício dos meios necessários à sua defesa; enquanto no primeiro caso são (sobretudo) interesses particulares que estarão em jogo, no segundo trata-se da sobrevivência do estado: este interesse público deve prevalecer em relação aos interesses de particulares; a salvação do estado, antes da liberdade do comércio; a natureza, antes do indivíduo; a vida, à frente dos interesses pecuniários; a liberdade comercial pode ser limitada pela necessidade de privar o adversário dos meios econômicos de que poderia servir-se para fazer a guerra – jus commerciorum aequum est, at hoc aequius tuendae salutis; est illud gentium jus, hoc naturae est – esta é a noção de base do embargo econômico, tal como pode ser adotado e determinado, inclusive, em nossos tempos pós-modernos, no sistema da Organização das Nações Unidas”. 515 Kenneth SMITH and Denis KEENAN, English Law (Londres: Pitman, 8. ed., 1986, “Equity”, p. 4); Givoanni CRISCUOLI, Introduzione allo studio del diritto inglese: le fonti (Milano: Giuffrè, 1981, Cap. III, Seção II, “Equity”, p. 161-237, cit. p. 161): “Nella moderna realtà giuridica inglese l’equity è una cosa ben diversa dall’equità. Quest’ultima, infatti, è un dato puramente concettuale o ideale sinonimo di ius aequum o ‘giustizia secondo sostanza’, qualunque sia, poi, il contenuto di questa sostanza: la legge divina, la natura umana, la coscienza sociale o l’utilittà colletiva. L’equity, invece tutto all’opposto, è un dato tecnico concreto, specificamente costituito da un corpo di norme che integrano un sistema di fonti legali di diritto positivo”. 516 Lambert van VELTHUYSEN, no ensaio, Des principes du juste et du convenable (ed. original Epistolica dissertatio de principiis justi et decori, continens apologiam pro tractatu clarissimi Hobbaei, De Cive, Amsterdam: Elsevier, 1651; ed. francesa 1680, Dissertation en forme de lettre sur les principes du juste et du convenable, traduit et présenté par Catherine SECRETAN, Caen: Centre de Philosophie morale et politique, 1995). 517 A. FAVRE (op. cit., 1974, “l’équité”, p. 292-294, cit. p. 293) a respeito da decisão da plataforma continental do Mar do Norte (1969): “Ao fazer repousar seu julgamento sobre a equidade, e prescrever às partes operar a delimitação da plataforma por meio de acordo, em conformidade com os princípios da equidade, a Corte, embora disso se defenda, prolatou julgamento praeter legem, bem difícil não considerar como julgamento ex aequo et bono”. 518 CPJI (série B, n. 8, 39-40). 519 K. STRUPP, Le droit du juge international de statuer selon l’équité (RCADI, 1930, t. 33, p. 351-482), e tb. K. STRUPP, Règles générales du droit de la paix (RCADI, 1934-I, t. 47, p. 257-596). 520 M. HABICHT, Le pouvoir du juge international de statuer ex aequo et bono (RCADI, 1934, t. 49, p. 277-372). 521 Elihu LAUTERPACHT, Aspects of the administration of international law (Cambridge: Grotius Publications, 1991, p. 135), comenta, em relação à equidade, “is not a concept that can be sprinkled like salt on every part of the law”. 522 Prosper WEIL, Le droit international en quête de son identité: cours général de droit international public (RCADI, 1992, t. 237, p. 9-370, esp. cap. VI, “La crise de normativité internationale: une juridicité sans frontières”, section II, “La juridisation de l’équité”, p. 245-260, cit. p. 260): “L’équité est un procédé précieux qu’il faut savoir maîtriser et utiliser à bon escient et dans des doses raisonnables: un instrument de normativité qui ne doit pas devenir un apprenti-sorcier”. 523 Esta Resolução IDI, em matéria de sucessão de estados, adotada em Vancouver, em 26 de agosto de 2001, o foi posteriormente aos eventos da década de 1990: quiçá a sucessão de estados entre as Repúblicas Tcheca e Eslovaca, ou entre os países da antiga União Soviética, mas certamente não puderam ser levados em consideração a equidade e tratamento equitativo, em meio às sucessivas guerras civis na antiga Iugoslávia, desde a Eslovênia, em 1991, até o Kosovo, em 1999! Com relação à qualidade jurídica aplicada ao caso tchecoslovaco, v. Jiri MALENOVSKY, Problèmes juridiques iés à la partition de la Tchécoslovaquie (AFDI, 1993, t. XXXIX, p. 305-336). 524 Esses princípios são abordados e definidos na Parte 6, “proteção internacional do meio ambiente”. 525 V., infra, itens 5.3., “domínio fluvial”, e 6.4, “águas comuns internas”. 526 O Instituto de Direito Internacional, Sessão de Luxemburgo, adota, em 3 de setembro de 1937, a Resolução sobre La compétence du juge international en équité, em que teve como Relator Eugène BOREL: “L’Institut, Ayant procédé à l’examen, au point de vue doctrinal, et sans s’attacher à l’interprétation des textes conventionnels en vigueur en la matière, du rôle de l’équité dans l’œuvre du juge international; / Emet l’avis: 1° que l’équité est normalement inhérente à une saine application du droit, et que le juge international, aussi bien que le juge interne, est, de par sa tâche même, appelé à en tenir compte dans la mesure compatible avec le respect du droit; / 2° que le juge international ne peut s’inspirer de l’équité pour rendre sa sentence, sans être lié par le droit en vigueur, que si toutes les parties donnent une autorisation claire et expresse à cette fin”. 527 Monique CHEMILLIER-GENDREAU, L’équité (in Droit international: bilan et perspectives, 1991, v. I, p. 283-294). 528 M. CHEMILLIER-GENDREAU (cap. cit., 1991, p. 292): “La contradiction du droit avec l’équité ruine toutes ces constructions. C’est ce qui explique l’ardeur mise par tant d’auteurs à intégrer l’équité au droit. Mais l’équité rebelle échappe à tout moment à ces efforts. Et la réflexion sur l’équité confirme la vraie nature du droit: expression des rapports de forces à un moment historique donné”. Em sentido crítico, v., supra, 1.3.3. princípios gerais do direito, cf. G. RIPERT (op. cit., 1933), ao chamar a equidade de princípio, sim, mas princípio moral e não princípio legal! 529 M. SIBERT, Quelques aspects de l’organisation et de la technique des conférences internationaless (RCADI, 1934, t. 48, p. 387-458). 530 Huber THIERRY, dedica inteiro curso na Haia ao exame de Les résolutions des organes internationaux dans la jurisprudence de la Cour internationale de justice (RCADI, 1980, t. 167, p. 385-450). 531 Michel VIRALLY, Les actes unilatéraux des organisations internationales (in Droit international: bilan et perspectives, op. cit., 1991, v. I, p. 253-276). 532 Paul REUTER, Principes de droit international public (RCADI, 1961, t. 103, p. 425-656). 533 REUTER (op. cit., 1961, p. 459): “Il est plus important parce que les sociétés nationales, du fait qu’elles sont profondément centralisées par l’autorité étatique, engendrent un droit déjà systematisé par ses conditions d’élaboration. Au contraire, la ‘décentralisation du pouvoir politique’, qui règne dans la société internationale rejette sur le juriste un fardeau plus lourd. Il est plus délicat parce que le désordre de la société internationale n’est pas tant désordre de la pensée que désordre du pouvoir; certes le juriste peut se laisser aller à la systématisation, mais s’agit-il de systématiser seulement ses pensées ou de systématiser aussi la réalité? Certes, de par sa nature même, le droit est avide d’ordre, mais à quoi servirait-il, par excès de rigueur dans la pensée, de poursuivre une systématisation en dehors du cadre des solutions admises?”. 534 Jean-Paul JACQUÉ, Acte et norme en droit international public (RCADI, 1991, t. 227, p. 357-417). 535 J.-P. JACQUÉ (op. cit., 1991, p. 369-370). Assim, em matéria de nulidades, confunde-se a nulidade do tratado, atingido por vício de consentimento, que é, essencialmente, a nulidade do acordo de vontades, que dá origem à norma, com a nulidade da própria norma, decorrente de conflito com norma de direito internacional geral. No primeiro caso, o instrumento “tratado” não pôde validamente aceder ao plano da existência, para todas as partes, enquanto ato criador de normas, em razão da ausência de um de seus elementos constitutivos; no segundo caso, o direito positivo recusa qualquer existência à norma que este criou. Em um caso, somente o consentimento viciado é inoperante, o instrumento podendo continuar a existir validamente, em relação às demais partes, cujo consentimento não foi viciado; no outro caso, a norma não pôde ser criada porque o direito positivo recusava à vontade das partes a possibilidade de se dotar de tal efeito. 536 J.-P. JACQUÉ (op. cit., 1991, loc. cit.): “Si la doctrine distingue souvent mal la norme de l’acte qui l’a créée, cela ne signifie pas que la théorie des normes suscite la même indifférence que celle des actes. Au contraire, la réflexion sur les sources du droit international rencontre inévitablement le problème des normes et de leur définition. Il en va de même de la théorie de la responsabilité qui impose, pour ses fins propres, de définir ce qu’est une obligation et quels sont les divers types d’obligations. Enfin, l’apparition de la notion de jus cogens rend plus actuelle la question de la hiérarchie des normes qui avait déjà retenu l’attention lors des travaux de codification du droit des traités à propos des traités successifs ou contradictoires. Si l’on définit, tout à fait provisoirement, la norme comme un ensemble de droits et d’obligations, pourquoi s’interroger sur les rapports qui peuvent s’établir entre l’acte et la norme? Il paraît assez évident de dire que l’acte est l’instrument de création de normes, mais qu’il n’a pas l’exclusivité de cette fonction qui peut être également celle de la coutume. Mais, la fonction de l’acte s’épuise-t-elle dans son aspect normateur? Les actes ne créent- ils que des normes et un acte qui ne donnerait pas naissance à une norme ne serait-il pas un acte juridique?”. 537 Hans KELSEN, Théorie du droit international public (RCADI, 1953, t. 84, p. 1-204). 538 H. KELSEN (op. cit., 1953, p. 136): “traité désignant un acte créateur de droit” et “traité désignant la norme créée par un tel acte”. 539 A. FAVRE (op. cit., loc. cit., n. 8, p. 13-14); cita: G. Van der MOLLEN, The present crisis in the Law of nations (in Symbolae Verzijl, 1958, p. 238 e s., esp. p. 249, 250, 254): “Law and justice are inseparable concepts. The idea of justice must lie at the root of every rule of law. The idea of justice must be the constant touchstone for positive international law”; Charles ROUSSEAU (RGDIP, 1964, p. 255 e s.): “qu’entre le droit et la politique il n’y a pas le hiatus permanent et irréductible que certains se plaisent à dénoncer”; Ch. De VISSCHER a analysé avec une grande pénétration de vue, dans son ouvrage Théories et réalités en droit international public, la portée du fait politique sur les rapports et situations régis par le droit des gens; le juriste américain O. J. LISSITZIN a écrit qu’un accord universel sur les fins idéologiques et les valeurs éthiques n’est pas une condition préalable de l’existence et même du développement du droit international (International law today and tomorrow, 1965, p. 110); apõe-lhe A. FAVRE: “Nous ne partageons pas cette opinion”. 540 Adherbal MEIRA MATTOS, Direito internacional público (Rio de Janeiro: Renovar, 2. ed., 2002, Cap. 11, “Direito espacial”, p. 209-224). 541 V. Fundamentos (2007, esp. item IV) para a análise dos mecanismos e do funcionamento, entre “técnica”, “espírito” e “utopia” no direito internacional pós-moderno. 542 L. N. ORLOV, Soviet joint enterprises with capitalist firms and other joint ventures between east and west (RCADI, 1990, t. 221, p. 371-414) e Russell H. CARPENTER Jr., Soviet joint enterprises with capitalist firms and other joint ventures between east and west: the western point of view (RCADI, 1990, t. 222, p. 365-421, “Introduction”, p. 371-372): “East-West joint ventures are the vehicles chosen by a succession of Socialist countries to open their previously closed economies to Western investment and capitalist enerprise. The joint venture laws adopted first in several Eastern European countries in the 1970’s, then in China in 1979, and finally in the Soviet Union in 1987, were in each of these countries the first attempt to accommodate profit-seeking market-oriented firms inside a Socialist command economy”. 543 A. FAVRE (op. cit. 1974, “Introduction”, n. 8, p. 13-14, e, a seguir, n. 9, p. 14-15): “Le droit de la coopération internationale – qu’il s’applique dans l’ONU, dans les institutions spécialisés à vocation mondiale ou dans les institutions régionales – exige impérieusement que les peuples les mieux pourvus accordent un large appui aux organismes dont la mission, dictée par la justice distributive, doit apporter soutien et concours au tiers monde. Tout le droit du développement est conçu et doit être soutenu par le même esprit. La coopération internationale dans ce domaine en est à une phase élémentaire. Elle ne correspondra jamais à l’immensité des besoins. Cet ouvrage, qui expose dans maint paragraphe un droit des gens non définitif mais bien établi, ne peut qu’esquisser l’oeuvre de coopération entreprise au cours de cette génération et le droit évolutif qui la régit. Pourtant, c’est par cela notamment que le droit des gens actuel est caractérisé”. 544 Pode ser instrutivo observar até que ponto é direito internacional, o que aponta W. Michael REISMAN como conteúdo do International law in the twenty-first century no curso geral de direito internacional público, na Haia, 2007, sobretudo à luz de escritos anteriores deste, na linha da controvertida New Haven School of International Law: W. Michael REISMAN e Myres S. McDOUGAL (editors), Power and policy in quest of law: essays in honor of Eugene Victor ROSTOW (Haia: Martinus Nijhoff, 1985); W. Michael REISMAN, The supervisory jurisdiction of the International court of justice: international arbitration and international adjudication (RCADI, 1996, t. 258, p. 9-394); para crítica quanto aos riscos que representa essa visão politizante para o conteúdo e o futuro do direito internacional pós-moderno. V. Chr. TOMUSCHAT, International law: ensuring the survival of mankind on the eve of a new century: general course on public international law (RCADI, 1999, t. 281, p. 9-438, esp. Cap. I, p. 54-55), bem como Sandra VOOS, Die Schule von New Haven: Darstellung und Kritik einer amerikanischen Völkerrechtslehre (Berlim: Duncker & Humblot, 2000). 545 Daniel BELL, O fim da ideologia (do original The end of ideology, © 1960, trad. Sérgio BATH, Brasília: Ed. UnB, 1980, Col. Pensamento Político, v. 11). 546 Frederick M. WATKINS e Isaac KRAMNICK, A idade da ideologia (do original The age of ideology: political thought 1750 to the present, © 1979, trad. Rosa Maria e José VIEGAS, Brasília: Ed. UnB, 1981, Col. Pensamento Político, v. 32). 547 Celso D. de Albuquerque MELLO, Aspectos gerais do direito internacional público contemporâneo (XI Curso de derecho internacional, Rio de Janeiro, “organizado por el Comité Jurídico Interamericano, con la cooperación de la Secretaría General de la OEA, en agosto de 1984”, Washington: OEA Secretaria General, 1985, p. 3-27). 548 C.D.A. MELLO (curso, cit., 1984, publ. Washington, 1985, p. 45): “O conflito leste-oeste, iniciado meses antes do final da segunda guerra mundial, vai acarretar a denominada política de blocos que, por sua vez, dominará as relações internacionais no período da Guerra Fria. Os estados seguidores dos supergrandes entregam a eles suas competências soberanas em troca de sua segurança em caso de uma terceira guerra mundial, que não viria e os supergrandes sabiam disso. Enfim, a guerra fria é um pretexto para se estabelecer maior domínio sobre os seus aliados”. 549 C. D. A. MELLO (op. cit., Washington, 1985, loc. cit.): “O conflito mais sério a nosso ver é o já tão estudado conflito norte-sul, entre ricos e pobres. Ele envolve a vida de maior número de pessoas. Fala-se em “day after”, como possível após um conflito leste-oeste, contudo há muito tempo o hemisfério sul já vive o seu “day after’. É suficiente olharmos os índices estatísticos de subnutrição, de mortalidade infantil, de vítimas das secas, ou ainda o morticínio causado pelas epidemias e endemias. De qualquer modo, é extremamente curioso que o bloco soviético negue a existência desse conflito, considerando que só há o do capitalismo com o socialismo”. 550 (sic, entendida?) 551 C. D. A. MELLO (op. cit., Washington, 1985, p. 5-6). 552 C. D. A. MELLO (op. cit., Washington, 1985, p. 4): “Não nos parece correto que um autor exponha um elenco de temas do direito internacional público sem que antes ele faça uma análise da sociedade internacional, ou seja, que ele a descreva como a vê. O seu otimismo ou pessimismo em relação ao direito internacional vai depender de sua visão da sociedade internacional”. 553 C. D. A. MELLO (op. cit., Washington, 1985, loc. cit.): “Posteriormente temos a chamada “crise das alianças” em que a França denuncia o tratado sobre tropas da Organização do Tratado do Atlântico Norte e o conflito sino-soviético torna-se mais agudo. Finalmente continuamos com a existência de blocos mesmo que eles não tenham mais o aspecto monolítico que possuíam anteriormente”. 554 Na linha da Res. 2625 (XXV) da AGNU, tendo anexa a Declaration on principles of international law concerning friendly relations and cooperation among states in accordance with the UN Charter (1970). 555 Adicionalmente é interessante ver a evolução do enfoque de G. TUNKIN, desde seu Coexistence and international law (RCADI, 1958, t. 95, p. 1-82) até G. TUNKIN, Politics, law and force in the interstate system (RCADI, 1989, t. 219, p. 227396); a referência da obra e mencionada por C. D. A. MELLO, coordenada por G. TUNKIN et al., Curso de derecho internacional (trad. do russo por Federico PITA, presentación de V. JARLÁMOV, Moscou: Editorial Progreso, 1979, 2 v.). 556 C. D. A. MELLO (op. cit., Washington, 1985, loc. cit.): “Esta posição que nos parece realista é também de um certo modo uma ironia, vez que foi o marxismo quem salientou e defendeu, a meu ver acertadamente, o caráter ideológico do direito. Enfim, as atitudes dos Estados Unidos da América e da União Soviética, bem como de seus aliados, são profundamente semelhantes, vez que as suas posições e interesses, na sociedade internacional, são semelhantes. Ambos procuram conservar a posição hegemônica que têm e, através de conflitos localizados, aumentar a sua área de influência, sem que haja maior risco de ambos se confrontarem diretamente”. 557 C. D. A. MELLO (op. cit., Washington, 1985, p. 6-7) enfatiza ter sido o objetivo, ao expor os dois grandes cortes na sociedade internacional, “chamarmos a atenção para a relatividade do que vai ser exposto, no sentido de que o jurídico se confunde com a política; o aspecto técnico com o ideológico. Não pretendemos com isso afirmar que tenha sido possível, em algum momento histórico, existir um direito sem aspecto político e, em consequência, ideológico. O que sustentamos é que atualmente esse aspecto surge, de modo acentuado, sem qualquer máscara, que tente ocultá-lo, e talvez devido à universalização da sociedade internacional ele seja mais acirrado”. 558 Shigeru ODA e Hisashi OWADA (editors, with the assistance of Kazuya HIROBE), The practice of Japan in international law 1961-1970 (Tokyo: University of Tokyo Press, 1982, “Preface”, p. XXVII-XXIX, cit. p. XXVIII) mencionam: “Similar projects dealing with state practice in interpretation and application of international law have been launched in various parts of the world: ‘Australian practice in international law’ (Australian yearbook of international law), ‘Canadian practice in international law’ (Canadian yearbook of international law), ‘Contemporary practice of the United States relating to international law’ (American journal of international law) , Digest of United States practice in international law, ‘Italian practice relating to international law (Italian yearbook of international law), ‘Netherlands state practice’ (Netherlands yearbook of international law), ‘Die österreichische diplomatische Praxis zum Völkerrecht’ (Österreichchische Zeitung fur öffentliches Recht und Völkerrecht), ‘La pratique de pouvoir exécutif à le (sic) contrôle des chambres législatives en matière de droit international’ (Revue belge de droit international), ‘Pratique française du droit international’ (Annuaire français de droit international), ‘Pratique suisse en matière de droit international public’ (Revue suisse de droit international), ‘United Kingdom materials on international law’ (British yearbook of international law), ‘Völkerrechtliche Praxis der Bundesrepublik Deutschland’ (Zeitschrift fur ausländisches öffentliches Recht und Völkerrecht), and others” 559 Dado positivo, ao menos que existam e sejam publicadas as coletâneas das práticas nacionais constitui progresso necessário para o conhecimento do direito internacional e avaliação de seu funcionamento à luz do efetivo comportamento dos estados. Como seria útil existisse possibilidade de acesso ao comum dos mortais, para o repertório de prática brasileira de direito internacional. Enfatiza Karl ZEMANEK a dificuldade de acesso sistemático e a utitlidade conhecimento das práticas nacionais, em matéria de direito internacional, cfr. Karl ZEMANEK, The legal foundations of the international system: general course on public international law (RCADI, 1997, t. 266, p. 9-335); essencialmente empírica, igualmente, a construção do direito internacional vigente em matéria de sucessão de estados, cf. analisava Karl ZEMANEK em curso anterior na Haia, versando State succession after decolonization (RCADI, 1965, t. 116, p. 181-300); v. tb.: Edward McWHINNEY, Self-determination of peoples and plural-ethnic states (secession and state succession and the alternative federal option) (RCADI, 2002, t. 294, p. 167264); Vladimir Djuro DEGAN, On state succession (in Dimensão internacional do direito: estudos em homenagem a G. E. do NASCIMENTO E SILVA , org. P. B. CASELLA, São Paulo: LTr, 2000, p. 118-140); Vladimir Djuro DEGAN, Création et disparition de l’état (à la lumière du démembrement de trois fédérations multiethniques en Europe) (RCADI, 1999, t. 279, p. 195-375); M. BEDJAOUI, Problèmes récents de succession d’états dans les états nouveaux (RCADI, 1970, t. 130, p. 455-586); H. M. BLIX, Contemporary aspects of recognition (RCADI, 1970, t. 130, p. 587-704); (Conte) Giorgio CANSACCHI, Identité et continuité des sujets internationaux (RCADI, 1970, t. 130, p. 1-94); D. P. O’CONNELL, Recent problems of state succession in relation to new states (RCADI, 1970, t. 130, p. 95-206); R. ERICH, La naissance et la reconnaissance des états (RCADI, 1926, t. 13, p. 427-508); H. LAUTERPACHT, Recognition in international law (Cambridge: UP, 1947). Visando sistematizar a prática recente em matéria de sucessão de estados, o IDI adotou resolução na sessão de Vancouver (2001), tendo como relator Georg RESS, cf. se considera e se analisa nos Fundamentos (2008), item IV, “Sujeito e objeto: estado de natureza, natureza do estado e relações entre estados”. 560 Antonio CASSESE, Il diritto internazionale nel mondo contemporaneo (do original International law in a divided world, trad. Rosário SAPIENZA, Bolonha: Il Mulino, 1984, “Prefazione”, p. 7-13). 561 Exemplificativamente como ainda expunham L. N. ORLOV, Soviet joint enterprises with capitalist firms and other joint ventures between east and west (RCADI, 1990, t. 221, p. 371-414) e Russell H. CARPENTER Jr., Soviet joint enterprises with capitalist firms and other joint ventures between east and west: the western point of view (RCADI, 1990, t. 222, p. 365-421), ficaram estes totalmente ultrapassados. 562 A. CASSESE (op. cit., 1984, p. 11): “la coesistenza di queste ‘due anime’, in seno allo stesso ordinamento, l’incapacità del ‘nuovo modello’ di soppiantare il primo – che rispunta continuamente e getta la sua ombra sull’assetto attuale della comunità – constituiscono uno dei punti nodali di qualunque disamina realística”. 563 A respeito, v. Fundamentos (2008, item III, “Direito internacional pós-moderno: entre técnica, espítito e utopia”, p. 291-374). 564 Krzysztof SKUBISZEWSKI, Les actes unilatéraux des états (in Droit international: bilan et perspectives, op. cit., 1991, v. I, p. 231-251). 565 Entre outros, v. a respeito: Giuseppe BISCOTTINI, Contributo alla teoria degli atti unilaterali nel diritto internazionale (Milão: Giuffrè, 1951); Jacques DEHAUSSY, Les actes juridiques unilatéraux en droit international public: à propos d’une théorie restrictive (JDI, 1.1965, p. 41-60); Eric SUY, Sur la définition du droit des gens (RGDIP, 1.1960, p. 762-770); G. VENTURINI, La portée et les effets juridiques des attitudes et des actes unilatéraux des états (RCADI, 1964, t. 112, p. 363-468); E. ZOLLER, La bonne foi en droit international public (Paris: Pedone, 1977). 566 C.P.J.I., Estatuto Jurídico da Groenlândia Oriental, Dinamarca contra Noruega (julgamento de 5 de abril de 1933, série A/B, n. 18, n. 53, n. 55; série C, n. 62, n. 63, n. 64, n. 65, n. 66, n. 67, n. 69) (A/B 53, par. 26): “Le Groënland, qui s’étend du 59º 46´ au 83º 39´ de latitude nord et du 73º au 10º 33´ de longitud ouest, et dont la pointe sud se trouve à environ 63º de longitud ouest de Greenwich, s’étend sur une superficie totale de 2.300.000 Km2, dont les cinq sixièmes sont couverts par le glacier intérieur, de sorte que seule une bande étroite de dimensions variables, le long des côtes, demeure libre de glaces. Il y a lieu d’ajouter que c’est seulment au cours des dernières années du xixe siècle qu’a été définitivement établie l’absence d’une contiguité territoriale entre le Groënland et les autres parties du continent américain, c’est-à-dire le caractère insulaire du Groënland”. 567 CIJ, Essais nucléaires français (France contre Australie et Nouvelle-Zélande, ordonnance en mesures conservatoires, rêquete Fidji pour intervention et fond, 22 juin 1973 et 20 décembre 1974). 568 CPJI, Estatuto Jurídico da Groenlândia Oriental, Dinamarca contra Noruega (julgamento de 5 de abril de 1933), requerimento para a instauração do caso, apresentado em 12 de julho de 1931, com fundamento no art. 40 do Estatuto da Corte, e artigo 35 do Regulamento, e menção à disposição facultativa do art. 36, par. 2, o governo da Dinamarca introduz, perante a Corte Permanente de Justiça Internacional, procedimento contra o governo da Noruega em razão da edição de lei norueguesa, publicada em 10 de julho do mesmo ano, proclamação por meio da qual referido governo declara ter procedido à ocupação de certos territórios da Groenlândia Oriental, territórios estes que, segundo o governo dinamarquês, estariam submetidos à soberania da coroa dinamarquesa. Tendo, assim, indicado o objeto da controvérsia, o requerimento concluía dirigindo à Corte pedido no sentido de, sob reserva de quaisquer memoriais, contra-memoriais e meios de prova, a serem ulteriormente apresentados, “dizer e julgar que a promulgação da ocupação referida, bem como qualquer medida tomada em relação a essa ocupação, pelo governo norueguês, constituem infração ao estado jurídico existente, e, por conseguinte, são ilegais e inválidas” (arrêt du 5 avril 1933, par. 23). 569 CPJI (série A/B, n. 53, pars. 57 e 58, parcialmente repr.): “Lorsque, à la date du 14 juillet 1919, le ministre du Danemark eut un entretien avec Mr. IHLEN, ministre des affaires étrangères de Norvège, ce dernier se borna a répondre ‘que la question serait examinée’. Le ministre des affaires étrangères de Norvège consigna son entretien avec le représentant du Danemark dans une minute dont l’exactitude n’a pas été contestée par le Gouvernement danois. Le 22 juillet suivant, le ministre des affaires étrangères, après avoir informé ses collègues du Cabinet norvégien, déclara au ministre du Danemark ‘que le gouvernement norvégien ne ferait pas de difficultés au règlement de cette affaire’ (c’est-à-dire l’affaire mentionée le 14 juillet par le gouvernement danois). Tels sont les mots qui figurent dans la minute rédigée de la main de Mr. IHLEN. Selon le rapport adressé à son gouvernement par le ministre de Danemark, les mots dont s’était servi Mr. IHLEN étaient que ‘les projets du gouvernement royal’ [danois] relatifs à la souveraineté du Danemark sur l’ensemble du Groënland ... ne rencontreront pas de difficultés de la part de la Norvège”. 570 CPJI (série A/B, n. 53, parágrafo 69): “La Cour ne peut pas se rallier à cette manière de voir. Un examen attentif des termes dont on s’est servi, et des circonstances dans lesquelles ils furent employés, ainsi que des événements ultérieurs, montre que Mr. Ihlen ne peut avoir eu l’intention de donner à ce moment une reconnaissance définitive de la souveraineté danoise sur le Groënland, et, en outre, que le gouvernement danois ne peut, à l’époque, avoir attribué cette signification à la déclaration. Selon le texte de la minute de Mr. Ihlen, tel qu’il a été produit devant la Cour, par le gouvernement norvégien, et qui n’a pas été contesté par le gouvernement danois, la phrase dont s’est servi Mr. Ihlen est au futur: ‘Il ne fera pas de difficultés’; il avait été informé que c’était à la Conférence de la Paix, que le gouvernement danois entendait soulever la question, et, deux ans plus tard – lorsque des assurances eurent été obtenues des principales puissances alliées –, le gouvernement danois s’adressa de nouveau du gouvernement norvégien, afin d’obtenir la reconnaissance désirée par lui de la souveraineté danoise sur le Groënland tout entier”. 571 CPJI (série A/B, n. 53, parágrafo 72, e a seguir parágrafo 73): “Il ressort de ce qui précède que la Cour ne peut envisager la déclaration Ihlen du 22 juillet 1919 que comme inconditionnée et définitive”. 572 CPJI (série A/B, n. 53, parágrafo 75): “Par ces motifs / La Cour, stuant par douze voix contre deux: 1. décide que la déclaration d’occupation promulguée par le gouvernement norvégien en date du 10 juillet 1931, ainsi que toutes mesures prises à cet égard, par ce même gouvernement, constituent une infraction à l’état juridique existant, et, par conséquent, sont illégales et non valables”. 573 CIJ, Testes Nucleares Franceses (Austrália contra França e Nova Zelândia contra França, julgamento de 20 de dezembro de 1974). 574 J.-P. JACQUÉ (op. cit., 1991, loc. cit.): “La situation évolue et l’on perçoit mieux l’intérêt qu’il peut y avoir à mener une analyse de la catégorie d’acte juridique dans son ensemble. La Cour Internationale de Justice a, elle-même, donné l’exemple dans l’affaire des Essais nucléaires en empruntant au droit des traités la théorie du changement fondamental de circonstances pour tempérer ses considérations quant à la force obligatoire de la promesse unilatérale”. 575 Ao se retomar o caso dos Testes Nucleares Franceses, e particularmente as declarações francesas a respeito da renúncia aos testes na atmosfera, somente análise a posteriori permitiu estabelecer que se tratava de declarações que vinculavam juridicamente a sua autora e constituíam promessa unilateral. Poderiam ter sido consideradas declarações puramente políticas e, como tais, destituídas de qualquer conteúdo legal? Assim, para J.-P. JACQUÉ (op. cit., 1991, p. 368), “La question de l’exacte portée des déclarations dans l’esprit des autorités françaises reste ouverte. C’est par une interprétation que la Cour leur a conféré force obligatoire. Ceci montre qu’un acte juridique a avant tout pour objet un texte et que la norme est la signification donnée à ce texte”; E cita D. KENNEDY, International legal structures (Baden-Baden: Nomos, 1987, p. 54 e s.). 576 Hans J. MORGENTHAU, Dilemmas of politics (Chicago: University Press, 1958). 577 Hans J. MORGENTHAU (op. cit., p. 215) observa que o direito internacional, para existir, apoia-se nas “muletas que as ordens jurídicas internas lhe emprestam” e, ademais, na medida em que o direito internacional pretenda se impor aos indivíduos, com base no direito interno, tais relações perdem o seu caráter internacional (La réalité des normes en particulier des normes du droit international, Paris: Felix Alcan, 1934, p. 242); Aga KHAN, em conferência na Haia, sobre Les bases éthiques pour le droit et la société: perspectives de la Commission Indépendante sur les Questions Humanitaires Internationales (RCADI, 1985, t. 193, p. 389-403). 578 J. K. BLEIMAIER, The future of sovereignty in the XXIst century (Hague YIL, 1993, v. 6, p. 17-27). 579 Amadou HAMPATÉ BÂ, Vie et enseignement de Tierno Bokar: le sage de Bandiagara (Paris: Seuil, © 1980, impr. 2004, cit. p. 16): “Avec ses développements souvent inattendus, l’Histoire semble vouloir nous apprendre qu’à une conquête guerrière succéde généralement une autre, toute pacifique, au cours de laquelle l’occupant est à son tour absorbé par sa conquête. Et c’est sans doute bien ainsi. Dans les cas où ce phénomène ne se produit pas, le conquérant se trouve rapidement isolé, écarté du système, enkysté, réduit en sa tour d’ivoire, d’où il ne voit plus rien et ne conduit plus rien”. 580 V., infra, Parte 5, “Território”. 581 J. L. BRIERLY, Le fondement du caractère obligatoire du droit international (RCADI, 1928, t. 23, p. 463-552). 582 Constava de edições anteriores: “Infelizmente, essa fase terminou por vários motivos, e, em tal sentido, verificou-se que os assuntos aptos a serem codificados acabaram, tanto assim que as duas últimas convenções assinadas em Viena em matéria de sucessão de Estados não chegaram a ser ratificadas. A questão da utilização dos rios internacionais por motivos que não a navegação, que esteve na agenda da CDI desde o início, teve cinco relatores, nunca chegou a ser submetida a uma conferência e acabou sendo aceita pela sexta comissão da Assembleia Geral das Nações Unidas sem voto. Outro fator que influiu nessa fase negativa da codificação foi a circunstância de a CDI, por motivos políticos, haver sido aumentada de onze para quinze membros a fim de atender às reivindicações de inúmeros países afro-asiáticos. Convém ainda acrescentar que a CDI, que na fase inicial reunira algumas das maiores autoridades no plano do direito internacional, passou a ser integrada, por motivos políticos, por juristas pouco conhecidos. O resultado desses esforços consequentemente nem sempre veio a ter o impacto que seria necessário para levar à adoção dessas normas”. 583 J. RAY, Des conflits entre principes abstraits et stipulations conventionnelles (RCADI, 1934, t. 48, p. 631708); H. W. BRIGGS, Reflections on the codification on international law by the International Law Comission and other agencies (RCADI, 1969, t. 126, p. 233-316). 584 G. STUART, Le droit et la pratique diplomatique et consulaire (RCADI, 1934, t. 48, p. 459-570); v. tb. Stanislaw E. N AH LIK, Development of dipplomatic law: selected problems (RCADI, 1990, t. 222, p. 187-363); G. E. do NASCIMENTO E SILVA , Convenção sobre relações diplomáticas (Rio de Janeiro: Forense Universitária / Fundação Alexandre de Gusmão, 3. ed., 1989). 585 V. tb., infra, 2.7.3., “Imunidade de jurisdição e de execução”. 586 A respeito das organizações internacionais, v. Parte 3, infra. 587 J. Francisco REZEK, Efeitos do tratado internacional sobre terceiros: o artigo 35 da Convenção de Viena (in O direito internacional contemporâneo: estudos em homenagem ao professor Jacob DOLINGER, org. Carmen TIBÚRCIO e Luís Roberto BARROSO, Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 491-504, cit., nota 1): “Por isso o correto entendimento da matéria interessa tanto aos países partes na Convenção de Viena, hoje cerca de uma centena, como àqueles que assumidamente preferiram manter-se à margem, como a França e os Estados Unidos da América, e àqueles, como o Brasil, onde a Convenção, tardiamente mandada ao exame do parlamento, ainda espera pela aprovação desse, como pressuposto constitucional da ratificação pelo governo”. 588 J. F. REZEK (cit., 2006, p. 491). 589 V., supra, 1.1.4. “de Versalhes ao contexto presente”, 1.1.5. “perspectivas do direito internacional no século XXI” e 1.1.6. “visão de conjunto da evolução do direito internacional”. O surgimento de novos estados após a descolonização afetou a operacionalidade do sistema internacional, mas não acarretou total e radical reformulação das bases da ordem jurídica internacional, aceitos como foram as principais instituições e os mecanismos legais existentes no que se poderia caracterizar como o conjunto do direito internacional geral. As mutações, decorrentes do processo de descolonização, foram antes de “forma” que de “fundo”. 590 Para J. F. REZEK (cit., 2006, loc. cit.), os estados terceiros têm obrigações em face desses tratados – não exatamente obrigações impostas por esses tratados –, sempre sob a condição destes configurarem atos internacionais lícitos, onde os estados partes tenham disposto sobre aquilo que tinham o direito de definir e de disciplinar. 591 J. F. REZEK (cit., 2006, p. 493). 592 V. tb., infra, 2.7.3., “Imunidade de jurisdição e de execução”. 593 Em consequência, a CDI preparou alguns artigos a respeito que foram submetidos à Conferência de Viena de 1961, a fim de serem examinados simultaneamente aos artigos sobre as missões diplomáticas. Foram submetidos a uma subcomissão, mas desde o início os seus membros concordaram que não convinha tomar uma decisão a respeito, inclusive dada a circunstância de que os artigos nem haviam sido submetidos aos governos para as suas observações. A Conferência de 1961 concluiu que a questão deveria ser estudada a fundo pela CDI e adotou uma resolução neste sentido. O preâmbulo da Convenção sobre missões especiais (l969) menciona essas circunstâncias: ao enfatizar: “a importância da questão das missões especiais foi reconhecida durante a Conferência das Nações Unidas sobre relações diplomáticas e imunidades, bem como na Resolução, adotada pela Conferência em 10 de abril de 1961”. Existe relação complementar direta desta Convenção sobre missões especiais (l969) com a Convenção de Viena sobre relações diplomáticas (1961), bem como com a Convenção de Viena sobre relações consulares (1963): “Acreditar que uma convenção internacional sobre missões especiais complementaria as duas Convenções e contribuiria para o desenvolvimento de relações amistosas entre os estados, independentemente de seus sistemas constitucionais e sociais”. Da mesma forma, como consta das duas primeiras, enfatiza-se não serem os privilégios voltados ao benefício das pessoas, titulares destes, mas destinados a assegurar a proteção da função: “Convencidos de que o propósito dos privilégios e imunidades, relacionados às missões especiais não se destinam a beneficiar indivíduos, mas assegurar o desempenho eficiente das funções das missões especiais, como missões representativas do estado”, como também ressalva-se expressamente que as normas consuetudinárias continuarão a reger as matérias não especificamente reguladas neste instrumento: “as normas de direito internacional consuetudinário continuarão a reger questões não reguladas pelos dispositivos da presente Convenção”. 594 Convention, opened for signature at New York on 16 December 1969. 595 Convention on Special Missions. (l969), adopted by the General Assembly of the United Nations on 8 December 1969: entered into force on 21 June 1985 (United Nations, Treaty Series, v. 1400, p. 231; Copyright United Nations 2005.2). 596 Convenção sobre missões especiais (l969), art. 1º, inc. “a”: “a ‘special mission’ is a temporary mission, representing the State, which is sent by one State to another State with the consent of the latter for the purpose of dealing with it on specific questions or of performing in relation to it a specific task”. Ao lado destas, contam-se as “missões permanentes”, nos termos da Convenção de Viena sobre relações diplomáticas (1961), bem como os “postos consulares”, que podem ser instaurados com a categoria de: consulado-geral, consulado, vice-consulado ou agência consular. 597 Convenção sobre missões especiais (1969), art. 2º: “A State may send a special mission to another State with the consent of the latter, previously obtained through the diplomatic or another agreed or mutually acceptable channel” 598 Convenção sobre missões especiais (1969), art. 3º: “The functions of a special mission shall be determined by the mutual consent of the sending and the receiving State”. 599 Convenção sobre missões especiais (1969), arts. 4º, 5º e 6º: Article 4 Sending of the same special mission to two or more States “A State which wishes to send the same special mission to two or more States shall so inform each receiving State when seeking the consent of that State”; Article 5 Sending of a joint special mission by two or more States “Two or more States which wish to send a joint special mission to another State shall so inform the receiving State when seeking the consent of that State”; Article 6 Sending of special missions by two or more States in order to deal with a question of common interest “Two or more States may each send a special mission at the same time to another State, with the consent of that State obtained in accordance with article 2, in order deal together, with the agreement of all of these States, with a question of common interest to all of them”. 600 Convenção sobre missões especiais (1969), art. 7º: “The existence of diplomatic or consular relations is not necessary for the sending or reception of a special mission”. 601 Convenção sobre missões especiais (1969 art. 12: Persons declared “non grata” or not acceptable “. 1. The receiving State may, at any time and without having to explain its decision, notify the sending State that any representative of the sending State in the special mission or any member of its diplomatic staff is persona non grata or that any other member of the staff of the mission is not acceptable. In any such case, the sending State shall, as appropriate, either recall the person concerned or terminate his functions with the mission. A person may be declared non grata or not acceptable before arriving in the territory of the receiving State, “2. If the sending State refuses, or fails within a reasonable period, to carry out its obligations under paragraph 1 of this article, the receiving State may refuse to recognize the person concerned as a member of the special mission”. 602 Convenção sobre missões especiais (1969), art. 15: “All official business with the receiving State entrusted to the special mission by the sending State shall be conducted with or through the Ministry of Foreign Affairs or with such other organ of the receiving State as may be agreed”. 603 Convenção sobre missões especiais (1969), art. 24: “I. To the extent compatible with the nature and duration of the functions performed by the special mission, the sending State and the members of the special mission acting on behalf of the mission shall be exempt from all national, regional or municipal dues and taxes in respect of the premises occupied by the special mission, other than such as represent payment for specific services rendered; 2. The exemption from taxation referred to in this article shall not apply to such dues and taxes payable under the law of the receiving State by persons contracting with the sending State or with a member of the special mission”. 604 Convenção sobre missões especiais (1969), art. 43: “I. If a representative of the sending State in the special mission or a member of its diplomatic staff passes through or is in the territory of a third State while proceeding to take up his functions or returning to the sending State, the third State shall accord him inviolability and such other immunities as may be required to ensure his transit or return. The same shall apply in the case of any members of his family enjoying privileges or immunities who are accompanying the person referred to in this paragraph, whether travelling with him or travelling separately to join him or to return to their country; 2. In circumstances similar to those specified in paragraph 1 of this article, third States shall not hinder the transit of members of the administrative and technical or service staff of the special mission, or of members of their families, through their territories; 3. Third States shall accord to official correspondence and other official communications in transit, including messages in code or cipher, the same freedom and protection as the receiving State is bound to accord under the present Convention. Subject to the provisions of paragraph 4 of this article, they shall accord to the couriers and bags of the special mission in transit the same inviolability and protection as the receiving State is bound to accord under the present Convention; 4. The third State shall be bound to comply with its obligations in respect of the persons mentioned in paragraphs I, 2 and 3 of this article only if it has been informed in advance, either in the visa application or by notification, of the transit of those persons as members of the special mission, members of their families or couriers, and has raised no objection to it; 5. The obligations of third States under paragraphs I, 2 and 3 of this article shall also apply to the persons mentioned respectively in those paragraphs, and to the official communications and the bags of the special mission, when the use of the territory of the third State is due to force majeure”. 605 Convenção sobre missões especiais (l969), art. 45: “1. The receiving State must, even in case of armed conflict, grant facilities to enable persons enjoying privileges and immunities, other than nationals of the receiving State, and members of the families of such persons, irrespective of their nationality, to leave at the earliest possible moment. In particular it must in case of need, place at their disposal the necessary means of transport for themselves and their property. / 2. The receiving State must grant the sending State facilities for removing the archives of the special mission from the territory of the receiving State”. 606 Convenção sobre missões especiais (1969), art. 41: “1. The sending State may waive the immunity from jurisdiction of its representatives in the special mission, of the members of its diplomatic staff, and of other persons enjoying immunity under articles 36 to 40; 2. Waiver must always be express; 3. The initiation of proceedings by any of the persons referred to in paragraph 1 of this article shall preclude him from invoking immunity from jurisdiction in respect of any counterclaim directly connected with the principal claim; 4. Waiver of immunity from jurisdiction in respect of civil or administrative proceedings shall not be held to imply waiver of immunity in respect of the execution of the judgement, for which a separate waiver shall be necessary”. 607 Convenção sobre missões especiais (1969), art. 46, inc. 2: “Article 44 – Property of a member of the special mission or of a member of his family in the event of death ( ... ). 2. State, succession and inheritance duties shall not be levied on movable property which is in the receiving State solely because of the presence there of the deceased as a member of the special mission or of the family of a member of the mission”. 608 Convenção sobre missões especiais (1969), art. 49, inc. 2: “discrimination shall not be regarded as taking place: / (a) where the receiving State applies any of the provisions of the present Convention restrictively because of a restrictive application of that provision to its special mission in the sending State; / (b) where States modify among themselves, by custom or agreement, the extent of facilities, privileges and immunities for their special missions, al-though such a modification has not been agreed with other States, provided that it is not incompatible with the object and purpose of the present Convention and does not affect the enjoyment of the rights or the performance of the obligations of third States”. 609 V., tb., infra, Parte 5, “Território”. 610 José Antonio PASTOR RIDRUEJO, Le droit international à la veille du vingt et unième siècle: normes, faits et valeurs (RCADI, 1998, t. 274, p. 9-308). 611 J. A. PASTOR RIDRUEJO (op. cit., 1998, Section 11, “La succession d’états”, p. 182-193, cit. p. 182). 612 J. A. PASTOR RIDRUEJO (op. cit., 1998, p. 183-184). 613 CDI, Rapport de la Commission du droit international sur les travaux de la quarante-neuvième session (12 mai-18 juillet 1997); AGNU, Documents officiels de la 52e session. supplément no. 10 (A/52/10), p. 9 e s. 614 V.-D. DEGAN, La succession d’états en matière de traités et les états nouveaux (AFDI, 1996, t. XLII, Paris: CNRS Ed., p. 206227). 615 V.-D. DEGAN (art. cit., 1996, p. 206-207): “Tous les termes en usage par rapport à cette situation complexe doivent nécessairement couvrir cette diversité. Autrement, les confusions seraient faciles à apparaître”. 616 V.-D. DEGAN (art. cit., 1996, p. 207-208): “cela signifie qu’á défaut d’un accord spécifique, elles s’imposent aux parties comme toutes les autres règles juridiques, sous condition bien entendu qu’elles soient du droit positif”. 617 Convenção de Viena sobre a sucessão de estados em matéria de tratados, de 23 de agosto de 1978, em vigor desde 6 de novembro de 1996, mediante o recebimento do 15º. instrumento de ratificação, e Convenção de Viena sobre a sucessão de estados em matéria de bens, arquivos e dívidas de estado, de 8 de abril de 1983, todavia esta não se encontra em vigor em 1º de março de 2007. 618 J. A. PASTOR RIDRUEJO (op. cit., p. 183-184): “as Convenções não foram aplicáveis, enquanto tais, nos casos de sucessão de estados, ocorridos na Europa, central e oriental, nos primeiros anos da última década do século passado. Em suma, trata-se de codificação que alcançou sucesso bastante reduzido. No meu entender pelas razões seguintes: no momento da realização das conferências de plenipotenciários (em 1978 e 1983), o sentimento geral das delegações governamentais se punha no sentido de que, essencialmente a sucessão de estados era fenômeno que pertencia ao passado, mais que ao futuro. A imensa maioria dos antigos territórios coloniais tinham se tornado independentes – os estados recém-independentes – e ninguém atribuía muita importância à questão. O fim da Guerra Fria e a remodelação do mapa da Europa, daí decorrente – ou seja, o aparecimento de novos casos de sucessão de estados – sequer poderiam ser imaginados. As delegações não levaram muito a sério a tentativa de codificação da matéria, e qualquer ideia de negociação e de engajamento em vista da obtenção de consenso foram negligenciadas. Essas convenções foram, finalmente, adotadas por voto. Logicamente, esse voto refletia as divisões da comunidade internacional, em relação a determinadas questões importantes, fundamentalmente a divisão existente entre os estados ocidentais desenvolvidos e os estados do terceiro mundo, nesse tópico apoiados pelos estados ditos de socialismo real”. 619 J. A. PASTOR RIDRUEJO (op. cit., 1998, p. 185): “l’échec des Conventions de Vienne de 1978 et de 1983 sur la succession d’états n’a été qu’un échec rélatif”. 620 Stefan OETER, State succession and the struggle for equity: some observations on the law of state succession with respect to state property and debts in cases of separation and dissolution of states (German YIL, 1995, t. 38, p. 73-102). 621 K. ZEMANEK (op. cit., 1997, Cap. III, item “C”, “State Succession”, p. 84-87, cit. par. 140, p. 86): “This may be due to the fact that the actual distribution of assets and debts is strongly influenced by considerations of equity and in most cases negotiated, on the one side among successor states and on the other with the creditors, who are more concerned with salvaging as much as possible than with insisting on the application of abstract rules which may leave them empty-handed”. 622 Corte Internacional de Justiça, Projet Gabicikovo-Nagymaros (Recueil, 1997, par. 123). 623 Daniel Patrick O’CONNELL, Recent problems of state succession in relation to new states (RCADI, 1970, t. 130, p. 95-206, Cap. VIII, “State succession and governmental contracts”, p. 155-161). 624 D. P. O’CONNELL (op. cit., 1970, cit., p. 160-161): “Whatever merits there may be in a political or sociological approach to the question of the effect of change of sovereignty, it remains of paramount importance that the structure of legal analysis be kept discreet, and that the juristic integrity of the subject-matter be preserved. This is because it is the primary function of the jurist to guide the courts in their intellectual apprehension of the problem of reconciling competitive interests. Because of the continuity of law formulae utilized by almost all newly independent states it has been possible to overlook this aspect of the matter. (…) The legal complexity of many of these cases should be a warning against the superficialities of too political an approach to the problem of state succession and governmental contracts”. 625 Karl ZEMANEK, State succession after decolonization (RCADI, 1965, t. 116, p. 181-300, Chapter 1, “Succession in fact”, p. 189-212, cit. p. 189): “According to the concept of state succession, as it existed before decolonization, the change of territorial sovereignty over a given territory carried with it depending on circumstances, some or all of the former sovereignty’s international rights and obligations, concerning that territory. Recent scholarly writings as well as discussions in policy-making organs show an uneasiness as to whether, in view of the different status of dependencies, that concept covers all causes arising from the process of decolonization”. 626 Aí se tinha em vista, sobretudo, a sucessão em matéria de tratados. Retomada, depois, na Convenção de 1983, tampouco foram abrangidos todos os aspectos e os desdobramentos do tema. No Comentário da CDI, a tarefa desta é, assim, definida: “em que medida os tratados anteriormente celebrados e aplicáveis a determinado território permanecem aplicáveis, depois de se ter produzido mudança de soberania sobre esse território”, cfr. Annuaire de la Commission du Droit International (1974-II, première partie, p. 169, parágrafo 32); da definição proposta são excluídas “todas as questões relativas aos direitos e obrigações, enquanto consequências jurídicas acessórias de tal mudança” (idem, p. 172, parágrafo 50). 627 Convenção de Viena sobre o direito dos tratados entre estados e organizações internacionais ou entre organizações internacionais, art. 6º. “A capacidade de uma organização internacional para concluir tratados é regida pelas regras da organização”. 628 A matéria será objeto de exame no tópico específico, relativo ao domínio marítimo (5.4). V. infra, 5.8.2. espaço ultraterrestre. 629 V. Parte 6. “Proteção internacional do meio ambiente”. Dentre extensa bibliografia a respeito, v. Tratado (2007); Abdelkader BOYE, L’application des règles du droit international public dans les ordres juridiques internes (in Droit international: bilan et perspectives, Paris: Pedone / UNESCO, 1991, v. I, p. 301-311); I. BROWNLIE (p. 33); DIEZ DE VELASCO (1, p. 164); Eric STEIN, International law in internal law (AJIL, 1994, v. 88, p. 427); Hans KELSEN, Les rapports de système entre le droit interne et le droit international public (RCADI, 1926, t. 14, p. 231); C. D. A MELLO, Curso (15. ed., 2004, v. I, p. 119-143); Philadelpho AZEVEDO, Os tratados e os interesses privados em face do direito brasileiro (Bol. SBDI, 1945, ano 1, p. 12); PODESTÀ COSTA (1, p. 40); P. REUTER (p. 53); F. REZEK, Direito dos tratados (1984, p. 103) e Curso (10. ed., 2005); Ch. ROUSSEAU (1, p. 37); SCHWARZENBERG (1, p. 27); Fritz SCHWIND, Verfassung und internationales Privatrecht: Unzeitgemässe Betrachtungen zu einem zeitgemässen Thema (in Gedächtnisschrift fur Albert A. EHRENZW EIG, herausgegeben von Erik JAYME und Gerhard KEGEL, Karlsruhe & Heidelberg: C. F. Muller, 1976, p. 121-127); A. VERDROSS (p. 63); Nadia de ARAUJO, Direito internacional privado: teoria e prática brasileira (Rio de Janeiro: Renovar, 2003, “Conflito de fontes”, esp. 7.3.1. “Incorporação dos tratados no direito interno brasileiro”, p. 130-158); N. de ARAUJO, A internalização dos tratados internacionais no direito brasileiro e a ausência de regulamentação internacional (Rio: Rev. Plúrima – UFF, v. 3, 1999, p. 77/90); L. R. BARROSO, Interpretação e aplicação da Constituição (São Paulo: Saraiva, 1996); A. P. CACHAPUZ DE MEDEIROS, O Poder de celebrar tratados (Porto Alegre: S. A. Fabris, 1995); P. B. CASELLA, Constituição e direito internacional (in Direito da integração, São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 29-55); P. B. CASELLA, Mercosul, exigências e perspectivas (São Paulo: LTr, 1996, Cap. II, “A integração na perspectiva dos modelos constitucionais e dos ordenamentos jurídicos nacionais”, p. 41-63); J. DOLINGER, Direito Internacional Privado (Rio de Janeiro: Renovar, v. I parte geral, 6. ed., 2001, p. 89/119), J. DOLINGER, Acordo sobre os aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados ao comércio, trips, patente de invenção, aplicabilidade do acordo trips no Brasil (Rev. Forense, v. 342, p. 225/235); J. DOLINGER, As soluções da Suprema Corte…; M. FRAGA, Conflito entre tratado internacional e norma de direito interno (Rio de Janeiro: Forense, 1997); F. REZEK, Recepção da regra de direito comunitário pelas ordens jurídicas nacionais (in Direito comunitário, org. Deisy VENTURA, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997); Clóvis BEVILÁQUA, Direito público Internacional: a synthese dos principios e a contribuição do Brasil (Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 2. ed., 1939; t.II, tít. IV: “Relações jurídicas dos estados na vida pacífica internacional”; Cap. II: “Tratados internacionais”, p. 14/36); H. VALLADÃO, Direito internacional privado (Rio de Janeiro: Freitas Bastos, v. I, 5. ed., 1980, p. 96/97). 630 Francisco REZEK, Direito internacional público: curso elementar (São Paulo: Saraiva, 10. ed., 2005). 631 F. REZEK (ed. cit., 2005) alerta: “embora sem emprego de linguagem direta, a Constituição brasileira deixa claro que os tratados se encontram aqui sujeitos ao controle de constitucionalidade, a exemplo dos demais componentes infraconstitucionais do ordenamento jurídico. Tão firme é a convicção de que a lei fundamental não pode sucumbir, em qualquer espécie de confronto, que nos sistemas mais obsequiosos para com o direito das gentes tornou-se encontrável o preceito segundo o qual todo tratado conflitante com a Constituição só pode ser concluído depois de se promover a necessária reforma constitucional”. 632 Carl Heinrich TRIEPEL, Les rapports entre le droit interne et le droit international (RCADI, 1923, t. 1, p. 73-122). 633 Voto do Min. Gilmar MENDES no RE 466.343-1, São Paulo (62 páginas, cit. p. 11, 14, 19 e 21). 634 Clóvis BEVILÁQUA, Direito público internacional (Rio de Janeiro, 2. ed.,1939, 2 v.). 635 H. VALLADÃO, Direito internacional privado (Rio de Janeiro, Freitas Bastos, v. I, 5. ed., 1980, p. 96/97), b/c H. VALLADÃO (1966) cita A. PILLET, Principes (1903, n. 62 e 66): “à défaut d’une souveraineté supérieure ... il ne peut evidemment appartenir qu’à l’État de tracer lui-même les limites de sa souveraineté et de la souveraineté d’autre sur son territoire”. E seria absurdo que um Estado confiasse a outro “le soin d’indiquer où va sa propre souveraineté”; “le conflit est insoluble (H. LEWALD; RCADI 29/532) parce que ce sont des conflits de souverainetés ... chaque État étant indepéndent il n’y a pas de raison pour que l’une s’incline devant l’autre (NIBOYET, Manuel, p. 407)”. (...) “Mas os juristas conscientes das realidades, objetivos, os legisladores e os tribunais procederam mui diversamente: verificaram a existência de divergência entre as regras de DIP e procuraram tb. resolvê-la com critérios de harmonia e justiça.” (...) “E a tendência geral é a que vimos sustentando desde (A devolução nos conflitos sobre a lei pessoal, 1929/1930, tese à docência livre, São Paulo; tb. publ. Rev. Dir. Civ. e Comercial, v. 96) de se respeitar o DIP estrangeiro, considerando-o e observando-o, quando justo, através da renúncia ao DIP do foro, desde logo em matéria real, quanto a bens, móveis ou imóveis, sitos no estrangeiro, e ali sujeitos a norma diversa de DIP.” (...) “Concluindo, os conflitos de normas de DIP devem ser resolvidos como se resolvem os conflitos de leis civis, comerciais, processuais etc. São conflitos da mesma natureza, no fundo e na realidade, sempre conflitos entre a lei do foro e a lei estranha. E devem ser solucionados todos, sem ideias a priori, de excessivo rigor lógico, mas com justiça, equidade, sem prevenções discriminatórias contra o DIP estrangeiro, no espírito de harmonia, que é o padrão do DIP” (H. VALLADÃO, Conflitos no espaço e normas de DIP: renúncia e devolução, Rev. FDUSP, v. LXI, 1966, p. 227 a 256); H. VALLADÃO, v. tb., Novas dimensões do direito: justiça social, desenvolvimento, integração (São Paulo: RT, 1970). 636 Oscar TENÓRIO, Direito internacional privado (Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 11. ed., 1976, 2 v.). 637 Oscar TENÓRIO, Direito internacional privado (Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 11. ed., rev. e atualizada por J. DOLINGER, 1976, v. I, p. 94/97). 638 Jacob DOLINGER, Direito internacional privado (Rio de Janeiro: Renovar, 3. ed., 1994; “Conflitos entre fontes”, p. 82 e s.; “Jurisprudência brasileira”, p. 88/103); de J. DOLINGER, v. tb. Brazilian Supreme Court Solutions for Conflicts between domestic and International Law: an exercise in eclecticism (Capital Univ. L. R., ano 22, 1993, n. 4, p. 1041 a 1093). 639 F. REZEK (op. cit., ed. cit., p. 96-97); v. tb. G. E. do NASCIMENTO E SILVA, Dos conflitos de tratados (Bol. SBDI, 1971, t. 53-54, p. 31 e s.). 640 Vicente MAROTTA RANGEL, La procédure de conclusion des accords internationaux au Brésil (Rev. FDUSP, v. LV, 1960, p. 253/271); v. tb., de V. MAROTTA RANGEL, Os conflitos entre o direito interno e os tratados internacionais (Bol. SBDI, v. XXIII,1967, n. 45 e 46, p. 29 a 64); Philadelpho AZEVEDO, Os tratados e os interesses privados em face do direito brasileiro (Bol. SBDI, 1945, v. 1, p. 12 a 29). 641 F. REZEK, Direito internacional público: curso elementar (São Paulo: Saraiva, 5. ed., 1995, p. 103 a 107), a respeito do julgamento do RE 80.004: “Divisor de águas na jurisprudência brasileira o julgamento do RE 80.004, que se estendeu de setembro de 1975 a junho de 1977, no plenário do Supremo Tribunal Federal”, teve, na formulação de REZEK, “assentada, por maioria, a tese de que, ante a realidade do conflito entre tratado e lei posterior, esta porque expressão última da vontade do legislador republicano deve ter sua prevalência garantida pela Justiça sem embargo das consequências do descumprimento do tratado no plano internacional”, muito embora conclua: “admitiram as vozes majoritárias que, faltante na Constituição do Brasil garantia de privilégio hierárquico do tratado internacional sobre as leis do Congresso, era inevitável que a Justiça devesse garantir a autoridade da mais recente das normas, porque paritária sua estatura no ordenamento jurídico”. 642 Jacob DOLINGER, Direito internacional privado (Rio de Janeiro: Renovar, 3. ed., 1994; “Conflitos entre fontes”, p. 82 e s. “Jurisprudência brasileira”, p. 88 a 103); J. DOLINGER, Brazilian Supreme Court Solutions for Conflicts between domestic and International Law: an exercise in eclecticism (Capital Univ. L. R., ano 22, 1993, n. 4, p. 1041 a 1093). J. DOLINGER (op. cit., 1993, p. 91 a 95) transcreve a ementa e faz sumário do teor dos votos do RE 80.004. 643 José Carlos de MAGALHÃES, O Supremo Tribunal Federal e as relações entre direito interno e direito internacional (Bol. SBDI, n. 61 a 66, p. 53 e s.); v. tb. L. O. BAPTISTA em resenha da jurisprudência brasileira: “le choix a été fait de manière à donner au lecteur une idée des aspects que cette évolution a subie dans le domaine du droit international”. E comenta a decisão no RE 80.004 (Clunet, 1981, p. 603 a 4), ao observar: “compte tenu des répercussions d’ordre public économique de la règle fiscale, il y a eu une hésitation dans la tendance correcte qui s’est manifestée à la Cour suprême”. Não se pode esquecer o risco de se dispensar idêntico tratamento, cf. Michel VIRALLY, Le principe de reciprocité dans le droit international contemporain (RCADI, 1967, t. 122, p. 1 a 105), nem negligenciar o conteúdo e alcance de normas de aplicação necessária na ordem internacional, como ref., i.a., o mesmo Michel VIRALLY, em suas Réflexions sur le jus cogens (AFDI, 1966). 644 Celso D. de A. MELLO, Responsabilidade internacional do estado (Rio de Janeiro: Renovar, 1995). H. ACCIOLY, Príncipes généraux de la responsabilité internationale d’après la docctrine et la jurisprudence (RCADI, 1959, t. 96, p. 349-442). 645 Georges RIPERT, Les règles du droit civil applicables aux rapports internationaux (contribution à l’étude des principes généraux du droit visés au Statut de la Cour Permanente de Justice Internationale) (RCADI, 1933, t. 44, p. 565 a 664, Cap. III, “La responsabilité civile”, p. 608-627, cit. p. 608-609): “Dès que l’on abandone en droit international l’idée contraire au droit de la souveraineté absolue des états, on est bien obligé d’admettre qu’il faut donner aux activités étatiques une ligne de conduite générale et que l’on a le droit de juger celles qui enfreignent la règle. On arrive alors à cette idée qu’il y a une responsabilité des états”. 646 Celso D. de Albuquerque MELLO, Direito constitucional internacional: uma introdução (Constituição de 1988 revista em 1994) (Rio de Janeiro: Renovar, 1994; esp. Cap. XV: “A grande ausência: relações entre DI e direito interno”, p. 343 a 345). Celso D. de Albuquerque MELLO, Curso de direito internacional público (pref. M. FRANCHINI Netto, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 7. ed., rev. e aum., 1982, v. I, Cap. IV: “Relações entre o d. internacional e o d. interno”, p. 67 a 80). No mesmo sentido, Celso MELLO deplorava a tendência mais recente no País como “verdadeiro retrocesso nesta matéria”, na medida em que, a partir do RE 80.004, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu que uma lei revoga o tratado anterior, advertindo “sustentar que a nossa Constituição é omissa nessa matéria significa apenas que a jurisprudência passa a ter um papel mais relevante, mas não que esta possa ignorar a tendência atual do direito nesta matéria adotando uma concepção de soberania que desapareceu em 1919, pelo menos entre os juristas. A própria análise da jurisprudência norte-americana é superficial. Até hoje a Corte Suprema sustenta que pode declarar a inconstitucionalidade de um tratado, mas jamais o fez. Esta afirmação é ‘política’ no sentido de dizer que assim ‘fiscaliza’ o Executivo e o Senado. Na verdade o STF errou e não tem coragem de corrigir quando afirmou que as convenções de direito uniforme são aplicadas nas relações entre brasileiros. De agora em diante, o STF ficará fazendo remendos desse tipo. A decisão é das mais funestas, vez que o STF não mediu a consequência do seu acordão que poderá influenciar os juízes dos mais diferentes locais do Brasil. Por outro lado faltou a ele sensibilidade para o momento atual em que o Brasil intensifica as relações internacionais. Qual o valor de um tratado se um dos contratantes por meio de lei interna pode deixar de aplicá-lo? Se o STF considera que as convenções do direito uniforme estão ultrapassadas cabe ao Executivo denunciá-las no procedimento fixado por elas mesmas, mas não ao STF”. 647 Erico MACIEL Filho, Direito internacional e direito interno: desafio e afirmação (Porto Alegre: Globo, 1973). 648 A situação do posicionamento adotado pelo STF foi “esclarecida” em dois julgados: a ADIN 1480 e a CR 8279. Em ambas oportunidades o STF pronunciou-se de forma uníssona, direta e precisa sobre o tema do monismo e do dualismo. Para o STF, após sua incorporação, os tratados encontram-se no plano das leis ordinárias, em posição inferior à Constituição. O mecanismo de recepção, segundo a lei brasileira, não permite a recepção direta, tratando-se de dualismo moderado. 649 A incorporação dos tratados ao sistema interno brasileiro, equiparando-o à lei interna, transforma-os em lei nacional e, por conseguinte, extingue o conflito próprio da teoria monista, pois a regra vigente de revogação de lei anterior pela lei posterior é princípio assente no nosso sistema jurídico e aplicável ao ordenamento como um todo. Com isso também fica claro que os dois sistemas, o interno e o internacional, são separados, pois ocorre, muitas vezes, de o Brasil continuar obrigado internacionalmente por dispositivo de tratado, visto que o(s) estado(s) contratante(s) não foi (foram) comunicado(s) a respeito da modificação, enquanto a legislação interna já o modificou. Se interpretado um caso pelo prisma do monismo moderado, depois da incorporação, têm-se o mesmo resultado. É verdade que desse sistema decorre insegurança no plano internacional e mesmo descumprimento de obrigações assumidas, pois a maneira correta de deixar de aplicar o tratado seria por meio de sua denúncia, no plano internacional, seguido do competente decreto, para ciência dos interessados no plano interno. A posição do STF, que parecia consolidada, viria passar por oportuna revisão crítica. 650 Francisco REZEK, Recepção da regra de direito comunitário pelas ordens jurídicas nacionais (in Direito comunitário, org. Deisy VENTURA, Porto Alegre: Livr. do Advogado, 1997, p. 55 e s.). 651 Carmen TIBÚRCIO, A Emenda Constitucional n. 45 e temas de direito internacional (in Temas de direito internacional, Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 47-80) V. tb., no mesmo volume, As inovações da EC 45/2004 em matéria de homologação de sentenças estrangeiras (op. cit., 2006, p. 191-210). 652 A respeito da Emenda Constitucional n. 45 (2004), v. P. B. CASELLA, Constituição e direito internacional (in Direito da integração, org. P. B. CASELLA e V. L. V. LIQUIDATO, São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 31-55). 653 Cf. Antonio Augusto Cançado TRINDADE, O Direito Internacional em um mundo em transformação (Rio de Janeiro: Renovar, 2002). 654 Cf. RE 465814, DJ 09/02/2006, p. 82. Veja-se o trecho: “O acórdão ora impugnado diverge, frontalmente, da orientação jurisprudencial firmada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, que, em dois julgamentos sobre a matéria ora em exame (HC 72.131/RJ, Rel. p/ o acórdão Min. Moreira Alves, e RE 206.482/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa), decidiu que se reveste de plena legitimidade constitucional o diploma legislativo (DL n. 911/69) que autoriza a prisão civil do devedor fiduciante, se este, sem justa causa, deixa de entregar, ao credor, o bem alienado fiduciariamente em garantia ou, então, a importância equivalente em dinheiro” (...). ‘OS TRATADOS INTERNACIONAIS, NECESSARIAMENTE SUBORDINADOS À AUTORIDADE DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, NÃO PODEM LEGITIMAR INTERPRETAÇÕES QUE RESTRINJAM A EFICÁCIA JURÍDICA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS. A possibilidade jurídica de o Congresso Nacional instituir a prisão civil também no caso de infidelidade depositária encontra fundamento na própria Constituição da República (art. 5º, LXVII). A autoridade hierárquico--normativa da Lei Fundamental do Estado, considerada a supremacia absoluta de que se reveste o estatuto político brasileiro, não se expõe, no plano de sua eficácia e aplicabilidade, a restrições ou a mecanismos de limitação fixados em sede de tratados internacionais, como o Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos). A ordem constitucional vigente no Brasil – que confere ao Poder Legislativo explícita autorização para disciplinar e instituir a prisão civil relativamente ao depositário infiel (art. 5º, LXVII) – não pode sofrer interpretação que conduza ao reconhecimento de que o Estado brasileiro, mediante tratado ou convenção internacional, ter-se-ia interditado a prerrogativa de exercer, no plano interno, a competência institucional que lhe foi outorgada, expressamente, pela própria Constituição da República. Os tratados e convenções internacionais não podem transgredir a normatividade subordinante da Constituição da República e nem dispõem de força normativa para restringir a eficácia jurídica das cláusulas constitucionais e dos preceitos inscritos no texto da Lei Fundamental. Precedente: ADI 1.480-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO’. (RTJ 174/335-336, Rel. Min. Celso de Mello). Nem se diga, finalmente, que, após a sua incorporação ao sistema de direito positivo interno do Brasil, o Pacto de São José da Costa Rica – por não prever a possibilidade de decretação da prisão civil do depositário infiel (Art. 7º, n. 7) – teria derrogado, tacitamente, a legislação ordinária brasileira, no ponto em que esta, nos casos de infidelidade depositária, admite a utilização desse meio extraordinário de coerção processual”. 655 Para Antonio Celso Alves PEREIRA, do prisma internacional, sem promulgação não há ratificação, pois este é o modo formal de se dar notícia aos demais países quanto a ter sido o tratado internalizado. 656 James L. BRIERLY, em seu The Law of Nations (Oxford, Clarendon Press, 1936, p. 34 e 35); J. L. BRIERLY, Le fondement du caractère obligatoire du droit international (RCADI, 1928, t. 23, p. 463-552). 657 G. A. WALZ, Les rapports du droit international et du droit interne (RCADI, 1937, t. 61, p. 375-456). 658 Renaud DEHOUSSE, Fédéralisme et relations internationales (Bruxelas: Bruylant, 1991, cit., p. 277-278): “L’étude des relations internationales des états fédéraux tend à confirmer cette analyse. On affirme souvent ex abrupto que la fédération se présente sous un jour unitaire sur la scène internationale. Lorsque la complexité fédérale apparaît sous la forme d’une pluralité d’acteurs potentiels, elle n’est guère perçue que comme une source de difficultés”. 659 E. ZOLLER, Aspects internationaux du droit constitutionnel: contribution à la théorie de la fédération d’états (RCADI, 2002, t. 294, p. 39-166, “Conclusion”, p. 155): “il est bien certain qu’au niveau régional européen, et à un dégré beaucoup plus faible au niveau universel, le droit international d’aujourd-hui n’est déjà plus tout à fait ‘international’, au sens de la doctrine classique. Les choses ont considérablement changé lorsque les nationaux des états européens ont accedé à des obligations et à des droits au niveau européen. Le fédéralisme commence là où les droits de la citoyenneté étatique sont complétés, élargis et remplacés par les droits d’une plus grande citoyenneté, pour ainsi dire. De ce point de vue, voilà depuis bien longtemps que le droit international entre états européens est engagé à des dégrés divers dans un processus fédéral de sorte qu’il n’est plus tout à fait international, mais bien fédéral, donc constitutionnel”. 660 V. tb. P. B. CASELLA, Protocolo de Madri sobre registro internacional de marcas e sua aplicação no Brasil (Revista TRF 3ª Região, v. 82, mar.-abr. 2007, p. 9-109, esp. item II, “Monismo e dualismo no direito e jurisprudência brasileiros”, p. 7 e s.). Em suma, a adoção pelo Brasil de regime de registro internacional de marcas, nos termos do Protocolo de Madri, a adoção da Convenção CIRDI e a ratificação da Convenção de Viena sobre direito dos tratados são algumas das lacunas que podem ser supridas sem suscitar desvantagens para nós. Esperamos possam ser brevemente reavaliadas as razões que nortearam tais abstenções e venha alinhar-se o Brasil nesses contextos internacionais. 661 Jose Antonio PASTOR RIDRUEJO, Le droit international à la veille du vingt et unième siècle: normes, faits et valeurs (RCADI, 1998, t. 274, p. 9-308, Cap. II, “Les sujets du droit international”, p. 109 e s. cit. p. 113). 662 Emmanuel ROUCOUNAS, em curso na Haia, Facteurs privés et droit international public (RCADI, 2002, t. 299, p. 9-420, Parte I, Cap. V, “Les acteurs qui se réclament de la ‘société civile internationale’”, p. 97-103, cit. p. 97-98): “la présence de forces sociales non-étatiques est assurée par la montée spetaculaire de la ‘société civile’, avec la remarque supplémentaire que nous assistons depuis quelque temps à la formation d’une ‘société civile internationale’ (ou plutôt transnationale) qui, depuis les événements politiques en Europe de 1989, porte même la qualification de globale. Mais il faut répéter, ici, que la société civile n’est pas le substitut des facteurs privés au sein des sociétés, internes et internationale. / Bien que le concept n’ait pas acquis un sens précis le phénomène de la société civile connaît des spetaculaires adhésions dans plusieurs parties du monde. Pour les uns il s’agit de l’idée de construction d’une sphère publique à partir de la communauté de base, qui s’exprime en parallèle avec, ou en opposition aux institutions établies de la société. Pour les autres c’est une organisation intermédiaire de représentation d’intérêts qui se situe entre la société et l’état, dans un sens posttocquevillien. Son existence se justifie par la séparation qu’elle tend à opérer (surtout dans la société industrielle) entre la politique et le marché et sa mobilisation s’effectue face aux diverses crises de la société”. 663 V. Fundamentos (2007, esp. item I, “Construção do direito internacional e contexto pós-moderno”). 664 Pierre-Marie DUPUY, Droit international public (Paris: Dalloz, 7. ed., 2004, cit., p. 98-99): “On ne saurait oublier trop vite la distance que continue à séparer la logique normative de sa réalisation effective par les conduites étatiques”. Curiosamente, DUPUY começa afirmando ser o direito internacional aquele ramo do direito que se destina a regular as relações entre Estados e em seguida reconhece haver papel para o ser humano desempenhar no plano internacional, embora sem saber dizer como deva ser tal prerrogativa exercitada (e.g., p. 250): “destinataire principal des droits de l’homme, l’individu est également incité à contribuer lui-même activement au controle de leur mise en oeuvre”. 665 Pierre-Marie DUPUY, L’unité de l’ordre juridique international (RCADI, 2002, v. 297, p. 9-490), apresentado, como curso geral na Haia (2000), se empenha em examinar, de modo sistemático, a noção de unidade da ordem jurídica internacional: aplicada às relações jurídicas internacionais, para preservar a ideia de unidade, recorre à imagem de dois eixos em torno dos quais essa ordem constituiria a sua unidade: um, formal, e o outro, substancial. Daí vem a observação a respeito de “il en résulte un certain nombre de tensions et de contradictions qui alimentent la dynamique propre du droit international de ce début de siècle.” 666 Desapontamento causa ver o enfoque de “Primeiro Mundo” ao qual se contraporiam as ameaças vindas do “terceiro”, em lugar de ver as linhas de conflito e confrontação de visões de mundo, muito mais entre a Europa e os Estados Unidos. A visão estatizante logo é “temperada” por P.-M. DUPUY com a menção aos demais agentes não estatais. De que lado está a defesa da liberdade e de que outro as ameaças a esta? Não parece cabível a divisão de mundo proposta por Laurent COHEN-TANUGI, L’Europe et l’Amérique au seuil du XXIer siècle (Paris: Odile Jacob, 2003, impr. 2004), bem como, de sua autoria, Les métamorphoses de la démocratie (Paris: Gallimard-Folio, 1993). 667 Laurence BOISSON DE CHAZOURNES e Rostane MEHDI (coords.), Une société internationale en mutation: quels acteurs pour une nouvelle gouvernance? (Bruxelles: Bruylant, 2005); Habib GHERARI e Sandra SZUREK (coords.), L’émergence de la société civile internationale: vers la privatisation du droit international? (“actes du colloque des 2-3 mars 2001, org. sous les auspices de M. Hubert VEDRINE, Ministre des Affaires Étrangères”, Paris X: Pedone/ CEDIN Paris X, Cahiers Internationaux, n. 18, 2003). 668 Corte Internacional de Justiça, parecer consultivo de 11 de março de 1949 sobre reparações por danos sofridos a serviço das Nações Unidas. 669 Hans KELSEN, Théorie générale du droit international public (RCADI, 1932, t. 42, p. 117-352). 670 H. KELSEN (op. cit., 1932, p. 141 e s., cit. p. 146). 671 H. KELSEN (op. cit., 1932, cit. p. 170). 672 Alfred von VERDROSS, Règles générales du droit international de la paix (RCADI, 1929, t. 30, p. 271-518). 673 A. von VERDROSS (op. cit., 1929, p. 347-348). Na mesma direção exprimiam-se, no final do século XIX, Walter SCHUCKING e, especialmente, Erich KAUFMANN, Die Rechtskrafts des internationalen Rechtes (1899). 674 Nicolas POLITIS, Le problème des limitations de la souveraineté et la théorie de l’abus des droits dans les rapports internationaux (RCADI, 1925, t. 6, p. 1-122). 675 N. POLITIS (op. cit., 1925, p. 7): “ce que l’on appelle le droit international ne saurait être autre chose que l’ensemble des règles qui régissent les rapports des hommes appartenant à divers groupes politiques”. 676 Nicolas POLITIS, Les nouvelles tendances du droit international (Paris: 1927, p. 61) a respeito de E. KAUFMANN: “il montre que dans la complexité de la vie internationale, à côté de l’activité des états et de leurs associations, il y a des multiples activités non étatiques des invidus et des associations internationales privés qui toutes donnent naissance à des règles dont l’ensemble forme le droit international moderne. Contre ce courant doctrinal se dressent, avec toute la force de leur ancienneté, de séculaires habitudes de pensée et de langage. La plupart des auteurs refusent de reconnaître aux intérêts individuels un titre direct à l’application du droit international. Mais ces résistances sont impuissantes contre les réalités de la vie”. 677 Jean SPIROPOULOS, L’individu et le droit international (RCADI, 1929, t. 30, p. 191-270). 678 A primeira dúvida séria surgiu com a extinção dos Estados Pontifícios e sua incorporação ao Reino da Itália, em 1870, e a constatação de que os estados continuavam a reconhecer o direito de legação do Papa, ou seja, continuavam a manter os seus representantes junto a ele e a receber os seus núncios. Em outras palavras, verificou-se que até então o Sumo Pontífice reunia em si duas entidades: Chefe dos Estados Pontifícios e Chefe da Igreja Católica. Em consequência, a prática internacional, endossada pela doutrina, passou a lhe reconhecer a qualidade de sujeito do direito internacional. 679 Giorgio CANSACCHI, Identité et continuité des sujets internationaux (RCADI, 1970, t. 130, p. 1-94). 680 Henri GRIMAL, Histoire du Commonwealth britannique (Paris: PUF, 1962) e tb. visite o site desta associação de estados: <www.thecommonwealth.org>. 681 L. GROSS, The International Court of Justice and the United Nations (RCADI, 1967, t. 120, p. 313-440); R. A. FALK, The interplay of Westphalia and Charter conceptions of international legal order (in The future of the international legal order, C. A. BLACH & R. A. FALK (editors), Princeton: UP, v. I, 1969, p. 33 e s.). 682 P. B. CASELLA, ONU pós-KELSEN (in Reflexões sobre os 60 anos da ONU, coord. Araminta MERCADANTE e J. C. de MAGALHÃES, Ijuí: Ed. Unijuí, 2005, p. 13-64). 683 Nesse sentido, a análise desenvolvida na Parte 4, “Ser humano como sujeito de direito: reconhecimento progressivo”. 2 ESTADO COMO SUJEITO DE DIREITO INTERNACIONAL O estado como sujeito por excelência do direito internacional, embora não o único. O estado tal como o conhecemos hoje em dia é o resultado de longa evolução, mas o direito internacional deste se ocupa 1, precipuamente a partir de sua incorporação à comunidade internacional, ou seja, a partir do momento em que passa a ter direitos e deveres no contexto internacional. O paradoxo central do direito internacional está no fato de este ter o estado como sujeito e ao mesmo tempo somente se ordena e se constrói como sistema institucional e normativo, na medida em que põe limites a esse sujeito, na expressão concreta da soberania do estado. Hubert THIERRY apresenta a evolução do direito internacional como linha condutora do exame da matéria em seu curso geral (1990) 2. Para H. THIERRY, é em função das limitações que, impostas à soberania dos estados, que se constrói o direito internacional. 2.1 ELEMENTOS CONSTITUTIVOS Pode-se definir o estado como agrupamento humano, estabelecido permanentemente num território determinado3 e sob governo independente. Da análise dessa definição, constata-se que, teoricamente, são quatro os elementos constitutivos do estado, conforme estabelece a Convenção Interamericana sobre os Direitos e Deveres dos Estados, firmada em Montevidéu, em 1933, que indica os seguintes requisitos: a) população permanente; b) território determinado; c) governo; d) capacidade de entrar em relação com os demais estados. Em inglês a palavra nação é utilizada como sinônimo de estado, o que explica as expressões Liga das Nações e Organização das Nações Unidas. Em português, contudo, tem acepção específica, ou seja, designa conjunto de pessoas ligadas pela consciência de que possuem a mesma origem, tradições e costumes comuns, e geralmente falam a mesma língua. Em janeiro de 1851, Pasquale MANCINI abriu seu Curso na Universidade de Torino, defendendo o princípio das nacionalidades, segundo o qual os estados deveriam ser organizados tendo em consideração o fator nação4. A tese teve aceitação imediata na Itália não por motivos jurídicos, mas sim políticos, visto que MANCINI tinha em vista a unificação italiana. O princípio das nacionalidades não teve maior aceitação como norma básica do direito internacional, mas cabe considerar a “vida jurídica desses grandes seres na sociedade do gênero humano”, como indagava MANCINI 5, a respeito dos estados? Reflete o espírito de seu tempo o Zeitgeist reinante no século XIX, que parecia acreditar na capacidade humana de chegar à verdadeira e efetiva essência das coisas, e parece esquecer-se quanto, inevitavelmente, toda e qualquer obra humana terá de contingente. MANCINI declarava: “procuramos estabelecer seus direitos e as obrigações primeiras, não sobre a areia movediça dos acordos, dos costumes e também da vontade dos estados, determinadas pelo arbítrio espontâneo ou pelo próprio interesse à recíproca benevolência (aquela que os escritores chamam comitas gentium), mas sobre a base eterna, inalterável e inconcussa da natureza das coisas, da ordem necessária à humanidade, da finalidade moral da ampliação de seu bem-estar e de seu progressivo aperfeiçoamento, que é a primeira ordem querida pela providência criadora e conservadora de nossa espécie” 6. MANCINI acreditava poder “refundar” o direito internacional: “não são os estados, mas as nações e, desse modo, substituímos um sujeito artificial e arbitrário por outro natural e necessário” 7. Desnecessário apontar a dificuldade inerente à expressão da vontade da “nação” enquanto tal, como elemento de base e fundador do direito internacional. Como mostram Henri BATIFFOL, em seus “aspectos filosóficos do direito internacional privado” (1956) 8, e Erik JAYME (1980, 1988) 9: “MANCINI buscou encontrar o fundamento do seu sistema em obrigação de direito internacional. Segundo sua opinião, a aplicação do direito estrangeiro não poderia estar baseada na comitas gentium, acolhida como fundamento de tal aplicação, pela doutrina da época e denominada por SAVIGNY ‘freundliche Zulassung’ 10. O fundamento da aplicação do direito estrangeiro, segundo MANCINI, derivava da obrigação de cada estado, frente ao outro, de respeitar os direitos dos estrangeiros” 11. De certo modo, a ênfase do direito internacional, no contexto pós-moderno, no fato de passar de sociedade de estados para comunidade internacional de pessoas, sob outro prisma, retoma o questionamento da legitimação do sistema internacional, já encetado por MANCINI, embora com foco diverso, na medida em que se enfatize não esta ou aquela “nação”, mas a comunidade humanidade como um todo, em sua dimensão global, na perspectiva das relações internacionais12. Por população entende-se a coletividade de indivíduos, nacionais e estrangeiros, que habitam o território13 em determinado momento histórico; é a expressão demográfica ou conceito aritmético, quantitativo. Não deve ser confundida com a palavra povo, que tem sentido sobretudo social, ou seja, povo em oposição a governo, ou parte da coletividade determinada pelo aspecto social. A exigência de território determinado não deve ser entendida em sentido absoluto, ou seja, o adjetivo determinado não significa que o território deva estar perfeitamente delimitado, conforme alguns poucos internacionalistas sustentam. No caso da América Latina, por exemplo, os países foram reconhecidos internacionalmente, muito embora as suas fronteiras ainda não fossem definitivas. O mesmo fenômeno ocorre, mais recentemente, na África e na Ásia e na Europa nos anos 1990. É dado positivo para o direito internacional a utilização da Corte Internacional de Justiça como instância jurisdicional para solução de controvérsias, entre estados, em questões territoriais. Ilustram, dentre outros casos de importância considerável em matéria de contencioso internacional versando questões de território14, nos quais o comportamento das partes foi destacado como elemento crucial pela Corte Internacional de Justiça, o do templo de Preah Vihear 196215, bem como o da controvérsia de fronteiras terrestre, insular e marítima (1992) 16. A questão do comportamento das partes, na medida em que traduz a existência de aquiecescência implícita, pode ser o argumento central de decisão, esclarece L. I. SÁNCHEZ RODRÍGUEZ (1997) 17, visando precisar o alcance e o sentido dos títulos que provem o uti possidetis juris e, igualmente – no caso da ocupação efetiva –, completar títulos insuficientes ou mesmo deslocar outros títulos contraditórios, como se deu no caso da Ilha de Palma, conforme laudo arbitral prolatado por Max HUBER, em 192818. Observa Pedro DALLARI (2004) 19 a formação do território brasileiro do ponto de vista do direito internacional. B. de MAGALHÃES, por sua vez, examinava a “expansão geográfica do Brasil colonial” (1978) 20. Em decorrência do princípio da igualdade jurídica dos estados, a extensão territorial não influi sobre a personalidade internacional do estado. Antes da segunda guerra mundial, contudo, a personalidade jurídica de Andorra, Mônaco, Liechtenstein e San Marinan era discutida. R. HIGGINS analisa as flutuações da prática internacional em seu curso geral (1991) 21, observa as incongruências em relação à então recente crise iugoslava, quando comentava ter sido recusada a adesão do Principado do Liechtenstein à Sociedade das Nações, sob a alegação de ter as suas relações internacionais confiadas a outro estado, mas ter este sido aceito como membro da Organização das Nações Unidas com a indagação: o que mudou? A partir de 1960, diversos estados recém independentes foram aceitos como membros das Nações Unidas, o status a ser atribuído a uma série de territórios, denominados microestados, passou a ser questão séria. Em tese, reuniam os citados elementos constitutivos de um estado, mas se discutia sua aptidão de existirem sem o auxílio das antigas metrópoles ou da ONU. Em relatório, o então secretáriogeral U THANT lembrava que possivelmente o problema dos micro--estados poderia constituir no futuro um dos mais graves problemas da Organização, e o ingresso de algumas ilhas minúsculas do Caribe e do Pacífico, algumas com menos de 100.000 habitantes, veio agravar o caso, que está a exigir solução. O terceiro e o quarto elementos constitutivos do estado — governo e capacidade de manter relações com os demais estados — completam-se. Em outras palavras, é necessária a existência de governo soberano, isto é, de governo não subordinado a qualquer autoridade exterior, e cujos únicos compromissos sejam pautados pelo próprio direito internacional. A Convenção de Viena sobre relações diplomáticas (1961) prevê no preâmbulo que a Convenção “contribuirá para o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações, independentemente da diversidade dos seus regimes constitucionais e sociais”. Dispositivos semelhantes foram incluídos nas convenções multilaterais assinadas posteriormente em matéria consular (1963) e de tratados (1969 e 1986). Se, teoricamente, a existência do estado está ligada à existência dos elementos constitutivos, na prática a atribuição da qualidade de estado a determinada coletividade pode ser motivo de discussão22. Atualmente, com o conceito amplo dado à noção de autodeterminação pelas Nações Unidas, o status de estado tem sido atribuído sem maiores exigências. Antes da segunda guerra mundial, contudo, exigia-se população mínima e território razoável e, sobretudo, que a existência econômica da coletividade não pudesse ficar na dependência de outro ou outros estados23. Dentre precedentes, ilustrativo considerar três momentos da história do século XX: – a tentativa de a ex-União Soviética reescrever a seu modo o passado, herdado da Rússia dos czares, de forma que ao tentar renegar as dívidas internacionais contraídas pelo ancien régime, a seguir se vê forçada a transigir e a negociar depois de alguns anos de isolamento no contexto internacional. Contemporaneamente, a República Turca, em relação ao Império Otomano, ou à Áustria, e em relação ao Império Austro-Húngaro, somente em parte conseguiu marcar e manter a distância em relação aos estados que a sucederam, e os caminhos da prática mostraram mais meandros do que pretenderia ter aceitado; – no processo de descolonização, após a segunda guerra mundial, alguns estados negociam e constroem o ingresso como novos sujeitos de direito internacional, mediante acordos de devolução com as ex-potências coloniais ou mediante renegociação de vínculos em relação a acordos bilaterais e multilaterais, enquanto outros se declaram livres e desvinculados de obrigações em relação ao passado e às obrigações que, porventura, pretenderam contrair, em nome destes, ou de algum outro estado, a qualquer título, mas não puderam manter tal linha de argumentação, em favor da pretensão da tabula rasa, na prática: na assunção de direitos e de obrigações, regidas pelo direito internacional não como camisa de força ou imposição colonialista ou neocolonialista, mas como garantia e visando à proteção dos interesses do próprio estado, novamente pode ter havido alguma flutuação na aplicação, pois nem todos os casos mostram perfeita coerência e consistência entre os princípios e a ação, mas o conjunto mostra que a transição negociada tem maiores chances de transcorrer de modo pacífico e sem causar traumas, sejam estes de repercussão sobretudo interna ou internacional – novamente a lição terá sido quanto à necessidade e à operacionalidade do direito internacional; – na Europa Central, nos anos 1990, houve rumos e caminhos distintos para três casos ocorridos, com extremos entre estes quanto à vigência e aplicação do direito internacional, bem como em relação à qualidade dos resultados alcançados: a. Ao se dividir a Tchecoslováquia, o planejamento e a negociação conduziram ao resultado de “divórcio quase perfeito”, a ruptura da República Federal, que nunca funcionara como tal nesse país criado após a primeira guerra mundial com duas metades desproporcionais, onde as diferenças históricas e culturais e as desigualdades conservaram e acirraram-se, fracionada pelos Acordos de Munique, em 1938, ocupada pela Alemanha durante a segunda guerra mundial, mantida como satélite da então União Soviética, apesar da violência da primavera de Praga, em 1968, ressurge, como estado independente, e se fraciona de modo consensual, regulado por acordos internos e internacionais e faz-se a transposição para nova inserção internacional: em 1993, a República Tcheca e a Eslováquia pleiteiam e são admitidas na Organização das Nações Unidas24 em 1º de maio de 2004, ambos aderem à União Europeia; b. no caso da antiga União Soviética, a necessidade de distinguir dentre diversas situações ocorridas em relação aos vários antigos componentes desse vasto conjunto de estados: a Federação Russa, aceita como sucessora da URSS, inclusive como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU; a Ucrânia e a Bielo-Rússia, em relação às quais fora antes aplicada a ficção de serem sujeitos de direito internacional e atribuída a condição de membros originários da ONU, conservaram sua condição; e, finalmente, os três bálticos, Estônia, Letônia e Lituânia, em relação aos quais se fez valer a alegação do não reconhecimento da ocupação soviética, de 1940, o que permitiu fazer a retomada das relações “normais” com referidos estados, uma vez terminados os impedimentos que osbtavam a normalidade das relações internacionais e o exercício externo da condição de estados, bem como da soberania destes, integrados à União Europeia desde 1º de maio de 2004; enquanto os demais integrantes da ex-URSS acedem à independência e são reconhecidos como estados no início dos anos 1990; c. no caso da antiga República Federativa Socialista da Iugoslávia, eclodem sucessivas levas de guerra civil, inicialmente na Eslovênia, em junho de 1991, logo a seguir na Croácia e Bósnia-Herzegovina, até a transição civilizada, acontecida em 2006, com a separação de Montenegro, após referendo em que a maioria dos eleitores se declarou favoravelmente à independência – nesses quinze anos, quantas mortes e destruição causada, quantas violações de direitos fundamentais e do direito internacional. A lição é eloquente e foi dada: as transições feitas de modo brutal, como rupturas, criaram traumas e problemas todavia não superados; a transição legalmente ordenada fez-se sem maiores problemas. O aprendizado tem dimensão relevante em relação ao que pode fazer a pressão em favor da defesa dos direitos fundamentais e da legalidade internacional: por exemplo, em aplicação do artigo 42 da Carta da ONU, a determinação pela Resolução 827 do Conselho de Segurança, em 25 de maio de 1993, da criação do Tribunal para os Crimes Cometidos na ex-Iugoslávia25 e a atuação deste, desde então; pode-se falar também na presença e na pressão da sociedade civil internacional, como um todo; mais especificamente o impacto das pretensões em relação ao ingresso na União Europeia nortearam a mudança de rumos – nesse meio tempo, a Eslovênia passa a integrar a União Europeia a partir de 1º de maio de 200426, e a Croácia se encontra em processo de negociação para aderir à União Europeia. A Iugoslávia era composta por Sérvia e Montenegro até a independência deste último, em 2006. Durante algum tempo, manteve a Sérvia a pretensão de ser a sucessora da antiga República socialista federativa da Iugoslávia. Não aceita esta pretensão pela comunidade internacional, a Sérvia pleiteia ingresso na ONU. Diversas e complexas questões internas e internacionais foram suscitadas desde a ocorrência de questões de sucessão e, como consideram J. F. WILLIAM S (1933) 27, J. VERHOEVEN (1993) e M. SAHOVIC (1996) 28, também de reconhecimento de estado, em relação às quais este último aponta: “a obrigação de negociar separadamente sobre as questões de sucessão não implica o reconhecimento da continuidade estatal”, e, onde “as questões mais atuais e discutíveis da sucessão permaneceram abertas”29. A complexidade e o caráter empírico do tema, em que pese a ausência de normas convencionais, amplamente aceitas e consolidadas, faz, todavia, remeter às correspondentes normas consuetudinárias, de modo que marcam a reflexão de vários autores em relação à sucessão de estados, tais como Mohammed BEDJAOUI (1970) 30, Giorgio CANSACCHI (1970) 31, D. P. O’CONNELL (1970) 32, Stefan OETER (1991) 33, J. F. WEISS (1994) 34, Vladimir-Djuro DEGAN (2000, 1999, 1996, etc.) 35, E. McWHINNEY (2002) 36. Considerável trabalho de ordenação e de sistematização do tema foi desenvolvido por Georg RESS, na qualidade de Relator, na Resolução de Vancouver (2001), do Instituto de Direito Internacional, sobre sucessão de estados37. Relevantes questões são suscitadas pelas sucessões de estado em relação aos tratados multilaterais, à luz das mutações territoriais recentes38. Em matéria de sucessão de estados, mais do que ter mudado substancialmente a regulação convencional da matéria, será, contudo, consideravelmente diverso o quadro fático e serão outros os exemplos mais marcantes, desde a análise desenvolvida por M. UDINA (1933) 39 até B. STERN (1996) 40, passando por K. ZEMANEK (1965), Mohammed BEDJAOUI (1970) 41, Giorgio CANSACCHI (1970) 42, e D. P. O’CONNELL (1970) 43: o assunto contém mais diversidade do que comportam as tentativas de classificação sistemática, e as análises doutrinárias ficam diretamente marcadas pelo contexto histórico e fático em que se inscrevem, e, em boa medida, deram causa. Taiwan, ou Formosa, representa exemplo curioso, pois reúne os elementos necessários para ser reconhecida como estado, mas não pode ser assim considerada pelo simples motivo de que evita declarar-se como tal. Para J. CRAWFORD, seu status é o de governo de facto local, consolidado a partir de uma situação de guerra civil, e acrescenta: “isto não significa que Formosa não possui nenhum status em direito internacional”. Somente não há clara tipificação de qual seja esse status. 2.2 CLASSIFICAÇÃO O primeiro princípio da Carta das Nações Unidas é que “a Organização é baseada no princípio da igualdade soberana de todos os seus membros”, mas na prática verificamos que essa igualdade assume diversos aspectos. Pondo de lado as classificações embasadas no poder (grandes, pequenos e médios), no grau de desenvolvimento (desenvolvidos ou industrializados e estados em desenvolvimento) e em democracias e ditaduras, constatamos que o direito internacional se interessa na razão de sua personalidade internacional, ou seja, de sua capacidade de exercer os direitos e as obrigações por ela enunciados. BRIERLY salientava acertadamente que o direito internacional não se ocupa com todas as instituições genericamente denominadas estados, “mas somente com aquelas cujos poderes governamentais se estendem à direção de suas relações externas”. Seja como for, verifica-se que a maioria dos autores se ocupa da classificação dos estados de acordo com a sua estrutura, ou seja, em estados simples e estados compostos. 2.2.1. estado simples Os estados simples são para o direito internacional os plenamente soberanos, em relação aos negócios externos, e sem divisão de autonomias, no tocante aos internos. Representam todo homogêneo e indivisível. Trata-se da forma mais comum de estado, sendo o tipo existente na maioria dos estados latino-americanos. No verdadeiro estado simples, todas as frações se encontram em pé de igualdade, isto é, sem a existência de colônias e protetorados. Os estados simples que, em parte se achavam sujeitos a regime especial, deixaram de existir com as Nações Unidas e a outorga da independência aos territórios sem governo próprio. 2.2.2. estados compostos por coordenação O estado composto por coordenação é constituído pela associação de estados soberanos, ou pela associação de unidades estatais, que, em pé de igualdade, conservam apenas uma autonomia de ordem interna, enquanto o poder soberano é investido num órgão central. Dessa dupla categoria de estados compostos por coordenação, podem mencionar-se como exemplos: 1º) a união pessoal, a união real e a confederação de estados; e 2º) a união federal. Na configuração anteriormente aceita, de estado composto por subordinação, esta poderia se apresentar sob qualquer destas formas: estado vassalo, protetorado, estado cliente, país sob tutela. União pessoal — É a reunião acidental e temporária de dois ou mais estados independentes, sob a autoridade de soberano comum. Por sua natureza, esse tipo de estado composto quase só se pode conceber sob a forma monárquica. Dele não existe mais exemplo. Entre os antigos casos de união pessoal, podem mencionar-se os seguintes: Lituânia e Polônia (de 1386 a 1569); Grã-Bretanha e Hanôver (de 1714 a 1837); Holanda e Luxemburgo (de 1815 a 1890); Bélgica e Congo (de 1885 a 1908). União real — É a reunião, sob o mesmo monarca ou chefe de estado, de dois ou mais estados soberanos que conservam a sua plena autonomia interna, mas, por acordo mútuo, delegam a órgão único os poderes de representação externa e, geralmente, fundem todos os interesses comuns no tocante às relações exteriores. Por exemplo, a união real entre Dinamarca e Islândia, constituída em 1918, termina em 1944. A alegada união entre a Itália e a Albânia, estabelecida em 1939, colocara esta última em estado de completa subordinação, o que é contrário à natureza desse tipo de estado composto, que se baseia na igualdade das partes componentes. Presentemente, já não existe caso algum de união real. O último foi o da Indonésia com a Holanda, sob o cetro da rainha da Holanda, que deu lugar a complexo processo de descolonização e sucessão de atos internacionais, visando regular a transição. Após a segunda guerra mundial, a independência da Indonésia e os problemas daí resultantes fizeram-se mediante monumental rede de tratados, de caráter efêmero. Como exemplos históricos de união real, mencionam-se: Polônia e Lituânia (de 1569 até as partilhas da Polônia no fim do século XVIII); Suécia e Noruega (de 1814 a 1905); Áustria e Hungria (de 1867 a 1919); Dinamarca e Islândia (de 1918 a 1944). Confederação de estados — É a associação de estados soberanos, que conservam integralmente sua autonomia e sua personalidade internacional e, para certos fins especiais, cedem permanentemente a uma autoridade central parte de sua liberdade de ação. Esses fins especiais são, geralmente: a manutenção da paz entre os estados confederados; a defesa destes; a proteção dos interesses comuns. A autoridade central, às vezes, o único órgão comum da confederação, tem quase sempre o nome de Dieta. Esta não constitui governo supremo, mas apenas a assembleia de plenipotenciários dos governos dos estados confederados. As suas decisões são adotadas por unanimidade e só podem ser executadas por intermédio do governo diretamente interessado. Tais são as características teóricas desse tipo de união de estados. A prática, entretanto, pode apresentar variedades. Atualmente, não há exemplo algum vigente de confederação de estados. A União Europeia 44, contudo, claramente tem elementos nesse sentido, que vão além de mera organização internacional, sem que referência ao modelo de confederação de estados seja mencionado45. Como exemplos históricos, citam-se os seguintes: a Confederação Helvética (de 1291 a 1848); a República das Províncias Unidas dos Países Baixos (de 1579 a 1795); os Estados Unidos da América ou Confederação Americana (de 1781 a 1789); a Confederação Germânica (de 1815 a 1866); a União Centroamericana (de 1895 a 1898). Quanto à Comunidade Britânica de Nações, pode-se dizer ser esta associação de estados, que não se inclui em nenhuma das modalidades conhecidas de estado composto. Seus estados-membros são plenamente soberanos e acham-se associados em pé de perfeita igualdade, especialmente para fins de natureza política. O símbolo dessa livre associação de povos é a Coroa Britânica. Da Comunidade fazem parte atualmente: o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte; a Austrália; a Nova Zelândia; o Canadá; a Guiana Britânica; e outros46. Estado federal ou federação de estados — É a união permanente de dois ou mais estados, em que cada um deles conserva apenas sua autonomia interna, sendo a soberania externa exercida por um organismo central, isto é, pelo governo federal, plenamente soberano nas suas atribuições, entre as quais se salientam a de representar o grupo nas relações internacionais e a de assegurar a sua defesa externa. Nesse tipo de união de estados, a personalidade externa existe somente no superestado, isto é, no estado federal. Os seus membros, ou seja, os estados federados, possuem simplesmente a autonomia interna, sujeita esta, entretanto, às restrições que forem impostas pela constituição federal. Existe, pois, nesse tipo de estado composto, a partilha de atribuições do poder soberano, cabendo, porém, sempre ao estado, resultante da união, o exercício, conforme ficou dito, da soberania externa. Como exemplos de federações, podem mencionar-se os seguintes: a) Estados Unidos da América (a partir da entrada em vigor, em 1789, da constituição adotada, dois anos antes, na convenção de Filadélfia); b) a Suíça (desde a constituição de 1848); c) o Império Alemão (de 1871 a 1919); d) a República Federal Alemã (desde 1949); e) o México (desde 1875); f) a Argentina (desde 1860); g) a Venezuela (desde 1893); h) a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (de 1923 até a dissolução desta, em 1990) — além de alguns dos domínios britânicos (o Canadá, a Austrália). O Brasil é estado federal desde a Constituição da República, de 24 de fevereiro de 1891. 2.2.3. estados compostos por subordinação O direito internacional estudava não só os estados soberanos, mas também alguns outros tipos de uniões em que os integrantes não se achavam em pé de igualdade, ou não possuíam plena autonomia, ou se achavam despidos do gozo de determinados direitos, entregues a outros. Nesse sentido, C. BEREZOWSKI (1938) 47 estudava os sujeitos não soberanos do direito internacional. Estados compostos por subordinação eram estados vassalos, protetorados ou estados clientes, hoje inexistentes, cujo estudo pode ser referido a título de curiosidade histórica. Os estados vassalos eram fenômeno típico do Império Otomano, que mantinha sob tal regime países como a Moldávia, Valáquia, Sérvia, Montenegro, Bulgária, Egito etc. 48. Podiam ser definidos como entidades cuja autonomia interna era reconhecida pelo estado suserano, o qual os representava do ponto de vista externo e lhes exigia ainda o pagamento de um tributo. O protetorado era a versão mais moderna do estado vassalo, onde, em virtude de tratado, determinado estado entregava a administração de certos direitos a um ou vários estados. Foram exemplos de tais práticas colonialistas o Marrocos e a Tunísia, sob a “proteção” da França; Abissínia, da Itália, e o Egito e o Transvaal, sob a dependência da Inglaterra. No protetorado ocorria capitis diminutio voluntária, geralmente em virtude de tratado. O estado conservava sua personalidade internacional, nem este era parte do território do estado protetor, e os súditos mantinham a sua nacionalidade. Clássico no tratamento da matéria, o parecer da CPJI a respeito dos Decretos de nacionalidade da Tunísia e do Marrocos (1923) 49 trata de questão essencialmente relativa, que depende do desenvolvimento das relações internacionais. Também relativa a questão, no sentido de variar de estado para estado, conforme existam ou não dispositivos específicos em tratados sobre a matéria. Na elaboração dos Princípios de direito internacional concernentes às relações amistosas e cooperação dos estados, em conformidade com a Carta das Nações Unidas (1970) 50, fez-se particular referência ao dever de não intervenção em assuntos pertencentes ao domínio reservado de qualquer estado51.E este haveria de ser contado dentre os princípios fundamentais do direito internacional, no contexto pós-moderno, consequentemente vinculando todos os estados, para se guiarem por tais princípios, nas suas respectivas atuações internacionais e para desenvolverem suas relações, com base na estrita observância de tais princípios52. Os estados clientes (ou quase protetorados) apenas confiavam a outro estado a defesa de determinados negócios ou interesses, mantendo, formalmente, intacta a sua personalidade internacional53. A bibliografia sobre o estado no direito internacional é enorme. Qualquer enumeração será estritamente exemplificativa 54. 2.3 NASCIMENTO E RECONHECIMENTO DO ESTADO O problema da formação dos estados é igualmente do domínio da história, da política e da sociologia, como do direito internacional. Este último, a rigor, só passa a se interessar pelo fenômeno estado após a sua constituição, estipulando modalidades e conteúdo do reconhecimento de estado e de governo55, como abordava J. F. WILLIAMS (1933) 56, além de outros, como R. ERICH (1926), H. KELSEN (1941), H. LAUTERPACHT (1947), e H. BLIX (1970) e, ainda, J. VERHOEVEN (1975 e 1993) 57. Caberá aos tempos futuros aferir a medida em que se vai poder alcançar sistematização do tema, no plano do direito internacional. Mas, não obstante a insistência da doutrina nesse particular, não se pode ignorar que a questão do nascimento dos estados se acha vinculada aos vários tipos de sucessão de estado, especialmente à sucessão por separação ou pelo desmembramento de estado. As guerras têm sido tradicionalmente fator de nascimento de estados, não só as guerras de independência, mas também como consequência indireta da conflagração, a exemplo do que ocorreu depois da primeira guerra mundial, quando os Impérios Russo, Austro-Húngaro e Otomano se esfacelaram com o consequente surgimento de numerosos novos estados. Na segunda guerra mundial, verifica-se o surgimento de centenas de novos estados, no fenômeno da descolonização: os novos estados surgiram a partir das antigas colônias, visto que adquiriram as respectivas independências graças à aplicação do princípio da autodeterminação dos povos pela Assembleia Geral das Nações Unidas. O desmembramento da URSS e os exemplos acima referidos acarretaram igualmente o nascimento, ou melhor dito, o renascimento de diversos novos estados, a começar com os três países bálticos. Simultaneamente, a Tchecoslováquia desdobrou-se em duas Repúblicas. Na RSF da Iugoslávia, onde se tentara unir países de etnias e religiões diferentes, o desmembramento operou-se à custa de sangrenta guerra interna. Dessas transformações, da década de 1990, resultaram 26 novos estados-membros da ONU. O estado nasce em decorrência da reunião de determinados elementos constitutivos, conforme visto58. A simples reunião desses elementos não acarreta a formação de fato do estado; é necessário que haja um elemento de conexão entre eles, isto é, que haja condições propícias de afinidades. Para MANCINI, na segunda metade do século XIX, esse elemento era a nacionalidade, tese por ele defendida tendo em vista a unificação italiana. R. ERICH ensinava que os diversos elementos que contribuíram para a criação de novos estados, depois da primeira guerra mundial, eram complexos: cálculo das potências estrangeiras, que se esforçaram para tirar proveito das aspirações dos elementos nacionais descontentes; esforço das minorias nacionais para se emanciparem do jugo estrangeiro59; movimentos revolucionários de ordem social e política; desmoronamento de potências importantes, mas heterogêneas etc. Conclui insistindo na necessidade de algum elemento nacional se ter aproveitado da ocasião em que se ofereceu60. Mas além do fator nacional, outros têm sido lembrados, como a existência no novo estado de fatores econômicos que o permitam sobreviver. Para autores, escrevendo antes da segunda guerra mundial, a existência de população e de território de proporções razoáveis era de rigor. Esses elementos, contudo, deixaram de ser exigidos no âmbito das Nações Unidas, onde a autonomia da vontade passou a vigorar, a ponto de jogar sobre a comunidade internacional o ônus de arcar com a existência do novo membro. Aliás, M. SIBERT, ao enumerar os elementos constitutivos do estado, citava, em primeiro lugar, “associação permanente e bastante numerosa de homens capaz de subsistir com os seus próprios recursos”, bem como território suficiente para garantir a permanência da sociedade que o ocupa. Dentre os modos de formação do estado, cita-se em primeiro lugar o estabelecimento permanente de certa população num território determinado. Em tese, tratar-se-ia de território “desocupado” (terra nullius), o que não mais existe em nossos dias61. Na atuação da CIJ, pode-se ver como foi mais incisiva a manifestação da Corte no parecer consultivo consequências Jurídicas para os estados, decorrentes da presença continuada da África do Sul na Namíbia (Sudoeste africano), apesar da Resolução do Conselho de Segurança 276 (1970), prolatado em 21 de junho de 197162, em comparação à manifestação da Corte, apenas cinco anos antes, no parecer consultivo a respeito do Sudoeste Africano (Etiópia e Libéria contra África do Sul), prolatado em 18 de julho de 196663. Passo adicional relevante foi dado pela CIJ no parecer consultivo a respeito do Saara Ocidental, prolatado em 16 de outubro de 197564. Neste se passa da alegação de se tratar de terra nullius ao reconhecimento da existência de titularidade sobre o território pelo povo saraui65. Andréa KOULAIMAH-GABRIEL (1995) 66 fala a respeito da descolonização mal conduzida no caso do Saara Ocidental e expõe a responsabilidade da União Europeia em relação a esse caso – como em relação ao caso palestino: “a questão do Saara Ocidental pode, hoje, ser qualificada como conflito internacional opondo o Reino do Marrocos à Frente Polisário, representante reconhecido do povo saraui. Isso nem sempre foi assim. Na verdade, as raízes desse conflito, que as Nações Unidas tentam, em vão, solucionar, decorrem de processo de descolonização mal conduzido” 67. Depois de manifestar interesse histórico pelas costas africanas, como testemunham expedições conduzidas a partir das Ilhas Canárias, desde 1405, a Espanha somente a partir de 1934 estabelece sua autoridade sobre o território saraui, e somente em 1946 se ocupa em conferir estatuto integrando o Saara Ocidental à nova África Ocidental Espanhola (AOE), mas a presença espanhola permanece fraca até que Madri sinta o risco de perder o território, risco esse proveniente da pressão dos países limítrofes, da crescente onda independentista e da pressão da comunidade internacional68. A degradação progressiva do quadro colonialista 69 leva a Espanha a criar, em 1967, a Assembleia do Saara, pretensamente associada à administração do território, a Djemaa. Na época, o governo espanhol acreditou que poderia utilizar tal expediente contra a atuação da Frente Polisário, criada em 1973, e esta se pronunciava pela independência e contrariamente à ligação a qualquer outro estado, a ponto de alcançar sucessivos avanços militares e políticos. Marrocos e Mauritânia mudam de atitude, e pedem seja convocada a Corte Internacional de Justiça para se pronunciar sobre os laços de soberania que pleiteam existir entre o território saraui e estes, no tocante a dois terços ao Norte, em relação ao Marrocos, e a um terço ao sul, em relação à Mauritânia. A Corte prolata seu parecer em 18 de outubro de 1975, contrariamente à existência dos alegados laços de soberania, e se pronuncia em favor da descolonização do Saara Ocidental e pela aplicação do princípio da autodeterminação dos povos, “graças à expressão livre e autêntica da vontade das populações do território” 70. O modo como o Saara Ocidental foi abandonado pelo governo da Espanha constituiria ilícito internacional71, nos termos do art. 73 da Carta da ONU, na “declaração relativa a territórios sem governo próprio”, na medida em que os estados que “assumiram ou assumam responsabilidades pela administração de territórios cujos povos não tenham atingido a plena capacidade de se governarem a si mesmos reconhecem o princípio de que os interesses dos habitantes desses territórios são da mais alta importância, e aceitam, como missão sagrada, a obrigação de promover, no mais alto grau, dentro do sistema de paz e segurança internacionais estabelecido na presente Carta, o bem-estar dos habitantes desses territórios” 72. Tal dispositivo se põe em paralelo com o art. 74 da Carta 73. O gesto de abandonar o Saara Ocidental, em troca da composição com o Marrocos, para conservar Ceuta e Mellila, as duas últimas possessões espanholas no Norte da África, deixou responsabilidades para o novo governo espanhol, após 197574. O parecer sobre o Saara Ocidental (1975), além do interesse específico do caso concreto, ensejou manifestação relevante da CIJ a respeito das regras da Convenção de Viena sobre direito dos tratados, que podem ser consideradas “codificação do direito costumeiro existente nesse domínio”. A formação do estado, em nossos dias, pode ocorrer de três maneiras: 1) separação de parte da população e do território do estado já existente, subsistindo a personalidade internacional da mãe-pátria; 2) dissolução total do estado, não subsistindo a personalidade do antigo estado; 3) fusão de dois ou mais estados em um estado novo. A grande maioria dos estados, surgidos nos séculos XIX e XX, nasceu mediante a separação de parte da população e do território do estado. No final do século XVIII e início do XIX, os países americanos surgiram dessa maneira, o mais das vezes depois de guerra de libertação, a exemplo do que ocorreu com os Estados Unidos, os países hispano-americanos e o Brasil, com as especificidades do caso deste. O novo estado pode surgir mediante entendimento com a mãe-pátria, conforme ocorreu com a Província Cisplatina, em 1828, incorporada ao Brasil sete anos antes. A independência de dezenas de antigas colônias, territórios sob tutela e territórios sem governo próprio enquadra-se nesse caso; embora as antigas potências colonialistas tenham resistido, acabaram concordando, diante da pressão exercida internacionalmente, com base no princípio da autolimitação. Como exemplos de formação dos estados em virtude de desmembramento de estado que deixa de existir, citam-se alguns, aliás, já referidos: – o caso da Grã-Colômbia, que se dissolve em 1830, e dá lugar ao nascimento das Repúblicas de Nova Granada (hoje Colômbia), Venezuela e Equador; – o Império Austro-Húngaro, dissolvido depois da primeira guerra mundial, com o consequente surgimento das Repúblicas da Áustria, da Hungria e da Tchecoslováquia; – o desmembramento da URSS resultou no nascimento de vários novos estados, surgindo daí a Federação Russa e outras repúblicas, como Ucrânia, Geórgia e Bielo-Rússia; – a RSF da Iugoslávia, em processo de desagregação desde a morte de I. B TITO, sofreu uma série de sangrentas guerras de independência, da qual surgiram as Repúblicas da Eslovênia 75, Croácia, Bósnia-Herzegovina e Macedônia, ao passo que a separação se deu de forma pacífica, mediante referendo popular, desligando-se em 2006 Montenegro da Sérvia; – o desmembramento da Tchecoslováquia realizou-se pacificamente, com o surgimento da República Checa e da Eslováquia. Ambas integram-se à União Europeia em 2004. O terceiro modo de formação do estado — a fusão — ocorre quando o estado-núcleo absorve outras entidades, passando todos a formar um novo estado, isto é, mediante o desaparecimento da personalidade de todos, inclusive a do estado-núcleo. A fusão poderá ocorrer pacificamente ou por meio de conquistas. O exemplo clássico de estado por fusão é o da Itália, onde, em 1860, os ducados de Modena, Parma e Toscana e o Reino de Nápoles foram incorporados ao Reino da Sardenha e Piemonte, para formar o novo país76, após séculos de divisão interna, analisam G. GRECO, M. ROSA et al. (1996) 77, o que não constitui novidade, como já apontava G. LEOPARDI (1824, publicado 1906) 78. A controvérsia acerca da regionalização política italiana, nas últimas décadas, ilustraria fenômeno inverso79. Concomitantemente à crise do estado italiano e regionalização da atuação deste, dá-se a crescente atuação da União Europeia em quase todas as esferas relevantes da vida política e econômica de cada um dos vinte e sete estados que a integram. Depois da segunda guerra mundial, houve ainda algumas tentativas de fusão, todas elas de curta duração, como a união entre o Egito e a Síria, na República Árabe Unida (RAU), de 1958 a 1961, e a da Síria com a Líbia. Exemplo bem-sucedido, raramente lembrado, é o da fusão em 1964 de Zanzibar e Tanganica para constituir a Tanzânia. Com a formação do estado, surge o problema de seu reconhecimento internacional. Ao ocorrer mudança de governo, em violação das normas constitucionais do estado, sobrevém o problema do reconhecimento de governo de facto. As duas situações têm muito em comum, e o direito internacional estabelece regras bastante semelhantes, aplicáveis quer a um caso, quer ao outro, mas é importante salientar situações bem distintas80. 2.3.1. reconhecimento do estado Reunidos os elementos que constituem o estado, o governo da nova entidade buscará o seu reconhecimento pelos demais membros da comunidade internacional, pois a esta implicará a aplicação das normas de direito internacional. No passado, o problema do reconhecimento das antigas colônias europeias nas Américas representou ato político-jurídico sumamente importante e foi, na maioria dos casos, objeto de prolongadas e difíceis negociações, que envolviam as antigas metrópoles e os novos estados. O exemplo do Brasil é típico: proclamada a independência em 7 de setembro de 1822, só foi obtido o seu reconhecimento pelo Rei de Portugal, em 29 de agosto de 1825, por meio do Tratado de Paz e Aliança, em que as condições do reconhecimento, até mesmo as de natureza financeira, achavam-se enumeradas. Com anterioridade, apenas os Estados Unidos e a Argentina haviam reconhecido o Brasil; a partir daquela data todos os demais países estavam livres para fazêlo. No caso das antigas colônias espanholas, ocorreu o mesmo, ou seja, a Corte de Madri não só se recusou a reconhecê-las como independentes mas considerou qualquer iniciativa em tal sentido como ato inamistoso; aliás, a Espanha só reconheceu a independência do México em 1836. Reconhecimento significa a decisão do governo de um estado existente de aceitar outra entidade como tal. Trata-se de ato jurídico, e tem este consequências jurídicas, mas na prática constatam-se considerações políticas, e pesam sobretudo no ato de reconhecimento. Tem-se discutido sobre se existe dever dos antigos estados de outorgar o reconhecimento a uma entidade que reúna os citados elementos constitutivos do estado; se em tese tal obrigação deveria existir, verifica-se ser a prática dos estados no sentido contrário. A natureza do reconhecimento do estado é tema sobre o qual a doutrina não chega a uma conclusão determinada: Para a maioria, o ato tem efeito declarativo, mas existe importante corrente que defende a tese contrária, ou seja, que o efeito é atributivo. O Institut de Droit International adotou resolução em Bruxelas, em 1936, cuja tese pendeu pelo efeito declarativo, ao afirmar que “é o ato livre pelo qual um ou mais Estados reconhecem a existência, em território determinado, de sociedade humana politicamente organizada, independente de qualquer outro estado existente, e capaz de observar as prescrições do direito internacional”. Posteriormente, o Instituto retomaria o tema, com Resoluções adotadas nas sessões de Siena (1952) e Vancouver (2001). Se se atribui ao reconhecimento o efeito declarativo, o organismo que reúna todos os elementos constitutivos do estado tem o direito de ser assim considerado, e não deixa de possuir a qualidade de estado pelo fato de não ser reconhecido. Cumpre acrescentar a produção de efeitos retroativos, que remontam à data da formação definitiva do estado. Se, para os defensores da doutrina do efeito declarativo, o reconhecimento é ato unilateral em que um estado admite a existência de outro, para os defensores da tese atributiva ou constitutiva o reconhecimento, do ponto de vista do direito internacional, seria este o ato bilateral cuja atribuição da personalidade internacional aos estados se dá por consenso mútuo. Em outras palavras, há distinção entre o nascimento histórico e o nascimento da pessoa internacional. D. ANZILOTTI expunha magistralmente a razão por que a personalidade internacional de estado surge concomitantemente com o seu reconhecimento. Assim como toda ordem jurídica determina os seus sujeitos, estabelece igualmente o momento em que começam a existir. E como sujeito jurídico significa ser destinatário de normas jurídicas, a personalidade existe quando uma entidade se torna destinatária de normas. As normas jurídicas internacionais constituem-se por meio de acordos; os sujeitos da ordem jurídica internacional começam, portanto, a existir no momento em que se verifica um primeiro acordo: precisamente nesse instante as entidades envolvidas tornam-se uma em relação à outra destinatárias das normas resultantes do referido acordo e, portanto, sujeitos da ordem jurídica de que estas normas fazem parte. O reconhecimento de novos estados pode ser expresso ou tácito, mas deve sempre indicar claramente a intenção do estado que o pratica. No primeiro caso, faz-se objeto de alguma declaração explícita numa nota, num tratado, num decreto. No segundo caso, o reconhecimento resulta implicitamente de algum ato que torne aparente o tratamento de novo estado como membro da comunidade internacional: é o caso, por exemplo, do início de relações diplomáticas ou o da celebração de um tratado com esse estado. Segundo muitos internacionalistas e de acordo com resolução do IDI, o reconhecimento pode também ser de jure, ou de facto, sendo definitivo e completo o primeiro, e provisório ou limitado a certas relações jurídicas o segundo. O reconhecimento pode igualmente ser individual ou coletivo, conforme emane de um só estado ou, ao mesmo tempo, de vários estados. De ato essencialmente individual, mais e mais se coloca o reconhecimento de estado como ato coletivo, relacionado à entrada do novo estado na Organização das Nações Unidas. O reconhecimento é feito, em geral, sem condições, mas, como se trata de ato unilateral, pode ser subordinado a condições. Citam-se, aliás, diversos casos de reconhecimento condicional. A inexecução ou desrespeito, por parte do novo estado, da condição ou condições estabelecidas deve determinar a suspensão ou anulação do reconhecimento. O reconhecimento, feito sem condições, pode ser considerado como irrevogável. Se um estado cessa de existir ou perde definitivamente qualquer dos elementos essenciais cuja reunião determina o ato de reconhecimento, este se torna caduco. Não há regras precisas e absolutas sobre o momento oportuno para o reconhecimento. Parece, entretanto, que a esse respeito se podem admitir os três princípios seguintes: 1º) se se trata de estado surgido de movimento de sublevação, o reconhecimento será prematuro enquanto não cessar a luta entre a coletividade sublevada e a mãe-pátria, a menos que esta, após luta prolongada, mostre-se impotente para dominar a revolta e aquela se apresente perfeitamente organizada como estado; 2º) desde que a mãe-pátria tenha reconhecido o novo estado, este poderá ser logo reconhecido pelos demais membros da comunidade internacional; 3º) se se trata de estado surgido por outra forma, este poderá ser reconhecido logo que apresente todas as características de estado organizado e demonstre, por atos, sua vontade e sua capacidade de observar os preceitos do direito internacional. O estudo do reconhecimento internacional de estado tem sofrido certa evolução diante da processualística seguida na admissão de novos membros nas Nações Unidas. Na vigência da Sociedade das Nações, argumentou-se que a admissão na organização implicava o reconhecimento tácito do novo estado pelos demais membros da Liga. R. ERICH, contudo, declarava ser errônea a pretensão de que a simples admissão acarretasse seu reconhecimento como estado, a ponto de ele lembrar, entre outros argumentos, que a organização genebrina admitia como seus membros não só os estados, mas também os domínios britânicos e até colônias, e que um estado podia ser admitido mesmo com o voto em sentido contrário de um membro. Segundo a melhor doutrina, contudo, não se pode endossar tal tese, pois a admissão na Sociedade das Nações acarretava direitos e obrigações que só uma pessoa internacional podia possuir. Mais ainda, o Pacto, aceito por todos os estados, estipulava expressamente que um estado podia ser admitido pela maioria de dois terços dos membros da Assembleia. Os mesmos argumentos aplicam-se às Nações Unidas, e, em tal sentido, cabe referir o ensinamento de Hans KELSEN, cuja posição, contrária à de Charles de VISSCHER, considera que a admissão nas Nações Unidas não implica reconhecimento individual pelos estados-membros nem cria a obrigação individual de estes reconhecerem determinado governo ou de com ele manterem relações diplomáticas. A questão da admissão como membro das Nações Unidas foi objeto de dois pareceres, emanados da Corte Internacional de Justiça. Por Resolução da AGNU, datada de 17 de novembro de 1947, esta formula à Corte a pergunta quanto à possibilidade de um membro das Nações Unidas ser chamado a se manifestar, por meio de voto do estado, seja no Conselho de Segurança ou na Assembleia geral, a respeito das condições de admissão de estado como membro da organização, e indaga quanto a ser juridicamente fundado fazer depender o consentimento de condições não estipuladas na Carta. A questão girava em torno das condições estipuladas no artigo 4º da Carta, em que a “admissão como membro das Nações Unidas fica aberta a todos os estados amantes da paz que aceitarem as obrigações, contidas na presente Carta, e que, a juízo da organização, estiverem aptos e dispostos a cumprir tais obrigações” 81. Deve a interpretação dos dispositivos do artigo 4º ser no sentido de que estes excluem qualquer apreciação política por parte dos estados-membros, ao apreciar a candidatura de novo estado? A Corte respondeu não terem tais condições qualquer relação com as responsabilidades políticas quer da Assembleia geral, quer do Conselho de Segurança,uma vez que são claras e devem como tal ser aplicadas, independentemente de quaisquer outras considerações. Vários juízes formularão votos dissidentes, dentre os quais o do juiz Basdevant, que defendeu ser a admissão de novo membro das Nações Unidas, antes de tudo, ato político e confiado a órgãos políticos (CS e AGNU), que permanecem livres para apreciar cada pedido. O segundo parecer foi solicitado pela AGNU um ano mais tarde, conforme Resolução de 22 de novembro de 1949. A resposta da CIJ é incisiva, no sentido da “necessidade da recomendação do Conselho de Segurança”, sob pena de vício de procedimento, o que caracteriza ato essencial (acte condition). Na forma do artigo 4º, a Corte acrescenta que tal recomendação do CS deve ser favorável, para que a admissão seja pronunciada pela AGNU82. A questão do reconhecimento de estado teve desenvolvimentos específicos relacionados ao movimento de autodeterminação dos povos, após a segunda guerra mundial. Este se fez, muitas vezes, sem modelos conceituais83 nem planejamento, na medida em que aconteceu em lapso temporal bastante determinado a ponto de despejar no sistema internacional, por cerca de quinze anos, número de estados que multiplicou ao longo desse tempo. Ainda recentemente, no caso do Timor Leste, mostra não ter progredido o modelo84. O impacto e os desdobramentos desse quadro ainda estão sendo absorvidos dada a irreversível mudança do sistema internacional a partir de 1960. A passagem da autodeterminação nacional para a autodeterminação dos povos faz-se de modo sutil, como analisam E. McWHINNEY (2002) e A. A. CANÇADO TRINDADE (2002) 85, e viria a ter lugar depois da segunda guerra mundial, em mutação sem dúvida essencialmente influenciada pelas reações pós--guerra quanto aos excessos patológicos cometidos, em nome do nacionalismo, durante os anos 1930 e durante todo o período do conflito armado. Se a mudança pareceu antes orientada para questão de terminologia que de conteúdo, logo foi aceita como paradigma nas Nações Unidas e nas esferas correlatas de geração de normas internacionais. A autodeterminação dos povos incide, inexoravelmente, sobre o tema do reconhecimento de estado, ou seja, torna-se a rubrica legal em cujos termos os movimentos políticos autóctones nas antigas colônias europeias no além-mar procuraram legitimar as rupturas com as antigas metrópoles, ou contentando-se com menos, a autonomia e autogoverno, sem desligamento total em relação a esses estados. A independência política levará a outros questionamentos. A partir do desligamento político, total ou parcial, coloca-se, para esses novos sujeitos de direito internacional, o inevitável e insolúvel questionamento desse direito, que foi consideravelmente herdado das antigas metrópoles, e que se vai tentar reestruturá-lo, no que vem a ser o direito internacional pós-moderno. Pouco clara em sua formulação, pouco clara em seus objetivos, essa reformulação estrutural do direito internacional, em contexto pós-moderno, em boa medida ainda permanece por fazer, por parte desses novos estados, desde meados do século XX. A Carta da ONU estipula como um dos princípios da organização, no artigo primeiro, parágrafo segundo, o “princípio da igualdade de direito e de autodeterminação dos povos”, o que se retoma e detalha, no Capítulo XII da Carta, “sistema internacional de tutela” 86, cujo artigo 76, letra ‘b’, declara como objetivo básico do sistema de tutela “fomentar o progresso político, econômico, social e educacional dos habitantes dos territórios tutelados e o seu desenvolvimento progressivo para alcançar governo próprio ou independência, como mais convenha às circunstâncias particulares de cada território e de seus habitantes e aos desejos livremente expostos dos povos interessados, e como for previsto, nos termos de cada acordo de tutela”. A Resolução 1514 (XV) da AGNU, adotada em 14 de dezembro de 196087, depois de declarar no preâmbulo o princípio das Nações Unidas de iguais direitos e da autodeterminação de todos os povos, proclama a “necessidade de levar a pronto e incondicional termo todas as formas e as manifestações do colonialismo”. Estipula: “1. a sujeição de povos a subjugação, dominação e exploração estrangeira constitui denegação de direitos humanos fundamentais; é contrária à Carta das Nações Unidas e constitui impedimento para a promoção da paz e da cooperação mundiais; 2. todos os povos têm o direito à autodeterminação; em virtude de tal direito, determinarão eles livremente seu estatuto político e livre persecução de seu desenvolvimento econômico, social e cultural”. O acionamento do princípio de autodeterminação dos povos ensejou várias consequências na acomodação deste em relação a outros princípios de direito internacional, estipulados no sistema da ONU, como enfatiza McWHINNEY (2002) 88, “cada princípio positivo marcha em companhia de outro, potencialmente contrário”, sob a forma de antinomias jurídicas. Assim, ao princípio de autodeterminação dos povos se contrapõe o princípio estipulado no artigo 2º, parágrafo 4º, da Carta, segundo o qual “todos os membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os propósitos das Nações Unidas”, ao qual se acresce o artigo 2º, parágrafo 7º, no sentido de que “nenhum dispositivo da presente Carta autorizará as Nações Unidas a intervirem em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição interna de qualquer estado, ou obrigará os membros a submeterem tais assuntos a uma solução, nos termos da presente Carta”, sob ressalva expressamente colocada quanto à aplicação das medidas coercitivas do Capítulo VII da Carta. A Guerra Fria deixa a sua marca na regulação da convivência pacífica entre os povos89. Como ilustra a Resolução AGNU 2625 (XXV), de 24 de outubro de 1970, sobre as Relações amistosas e cooperação entre estados, em conformidade com os princípios da Carta da ONU90, espécie de racionalização das regras do jogo do período da Guerra Fria. Isso se mostra também no plano econômico91. Aponta J. SOUBEYROL (1970) 92 a necessidade desse sistema. O princípio da autodeterminação dos povos estaria dentre os princípios do direito internacional, no contexto pós-moderno, como parte de jus cogens internacional. Isso altera a visão e o tratamento tradicionais do reconhecimento de estado, o que pode ser algo a ser compatibilizado com os demais princípios já apontados também no âmbito da ONU. A questão do conteúdo e dos efeitos do reconhecimento perdeu importância, principalmente em face do sistema das Nações Unidas. Antes de mais nada, a admissão depende, em primeiro lugar, do voto positivo dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, para então ser levada à Assembleia Geral, onde, de acordo com a atual praxe, as decisões são tomadas por consenso, isto é, não há voto contra. A questão podia ser discutida no passado, mas atualmente o que se verifica é que ocorre reconhecimento coletivo e mútuo, sem que isto signifique a obrigatoriedade da manutenção de relações diplomáticas. Se dúvidas podem existir quanto à obrigação de reconhecer novos estados, a doutrina e a prática indicam que, ao contrário, estado criado em violação do direito internacional não deve ser reconhecido. Essa doutrina do não reconhecimento surgiu a propósito da criação de suposto estado na Mandchúria pelo Japão à custa da China. A doutrina foi proclamada em janeiro de 1932 pelo então Secretário de estado norte-americano, Henry SIMPSON, justamente a propósito do conflito sino-japonês, iniciado no ano anterior. A mesma doutrina foi consagrada pela Assembleia da Sociedade das Nações, a 11 de março de 1932, ao aprovar unanimemente Resolução que declarou: “os membros da Sociedade das Nações são obrigados a não reconhecer situação alguma, tratado ou acordo algum, que possa resultar de meios contrários ao Pacto da Sociedade das Nações ou ao Pacto de Paris”. As repúblicas americanas também aceitaram a referida doutrina quando, em nota de 3 de agosto de 1932, um total de dezenove, dirigindo-se à Bolívia e ao Paraguai, anunciou que não reconheceria solução territorial alguma do litígio paraguaioboliviano, obtida por ocupação ou conquista, por meio da força de armas, e quando, pelo artigo 1º do Tratado Antibélico do Rio de janeiro, de 10 de outubro de 1933, e pelo artigo 11 da Convenção de Montevidéu, de 26 de dezembro de 1933, sobre direitos e deveres dos estados, declararam-se obrigadas a não reconhecer aquisições territoriais realizadas pela força. 2.3.2. reconhecimento de beligerância e insurgência O direito internacional admite alguns atos que podem proceder ao reconhecimento de estado como tal. Dentre eles figura em primeiro lugar o reconhecimento como beligerante. Tal ato, embora não seja suficiente, de per si, para a finalidade do reconhecimento, significa que passará o beligerante a desfrutar das regras de direito internacional aplicáveis nos casos de neutralidade. Na busca de critério para a integração da guerrilha ao direito internacional humanitário contemporâneo, observa Charles CHAUMONT (1974) 93 ter a comunidade internacional muitas caras. A tal ponto que a própria noção de “comunidade”, se não lhe for atribuído conteúdo preciso, vê-se esvaziada de sentido, parecendo antes modo de falar; que traduz certo número de exigências, mais que realidades verificadas. Dentre tais exigências, os imperativos do direito internacional humanitário, aplicados em período de conflito armado, parecem inscrever--se dentre os dados incontestáveis94. Poderia parecer que o reconhecimento da guerrilha em perspectiva distinta do que o faziam as normas da Haia de 1907 acarretaria, na opinião de alguns, recuo em relação aos ideais do direito internacional humanitário, e daí a decorrente diminuição do valor do ideal de “comunidade internacional”. Mas é preciso ver de frente as realidades: para os engajados na resistência e os revolucionários trata-se de questão de vida e morte uma vez que eles lutam pela subsistência e pela liberdade de sua pátria e de seu povo95. Dentre os atos mencionados como preliminares àquela finalidade, cita-se o reconhecimento como nação, bem como em tal sentido alguns pronunciamentos feitos no decorrer da primeira guerra mundial. Os autores têm salientado que tal reconhecimento não tem alcance jurídico, mas o fato é que nas negociações de paz certas coletividades foram devidamente contempladas e deixaram de pertencer à antiga mãe-pátria. Mas é forçoso reconhecer que em todos os casos, após a primeira guerra mundial, a motivação era política e visava ao enfraquecimento dos impérios centrais. O reconhecimento como beligerante ocorre quando parte da população se subleva para criar novo estado ou então para modificar a forma de governo existente e quando os demais estados resolvem tratar ambas as partes como beligerantes num conflito aplicando as pertinentes regras de direito internacional. No caso de revolução, com o objetivo apenas de modificar de modo violento a forma de governo existente, não se trata obviamente de ato que precede o reconhecimento, mas as regras aplicadas em ambos os casos são idênticas. Se a luta assume vastas proporções, de tal sorte que o grupo sublevado se mostra suficientemente forte para possuir e exercer de fato poderes análogos aos do governo do estado, constitui governo responsável, mantém a sua autoridade sobre parte definida do território do estado, possui força armada regularmente organizada, submetida à disciplina militar, e se mostra disposto a respeitar os direitos e os deveres de neutralidade, os governos estrangeiros poderão pôr as duas partes em luta no mesmo pé de igualdade jurídica, reconhecendo-lhes a qualidade de beligerantes. Para isto, os interesses do governo que deseje efetuar tal reconhecimento devem ter sido atingidos pela luta ou, pelo menos, o desenvolvimento do conflito deve ser tal que os demais estados não possam, por assim dizer, ficar alheios acerca dele. O reconhecimento da beligerância não deve ser prematuro. Mas se é a própria mãe-pátria quem a reconhece, por declaração expressa ou, implicitamente, por atos inequívocos (tal como, por exemplo, a declaração do bloqueio de um porto ocupado pelos sublevados), considera-se que o mesmo reconhecimento, por parte de governos estrangeiros, não será intempestivo. O principal dos efeitos do reconhecimento da beligerância é conferir de fato ao grupo insurreto os direitos e deveres de estado, no tocante à guerra. Se os insurretos são reconhecidos como beligerantes pela mãe-pátria (ou pelo governo legal), esta não poderá mais tratá-los, até o fim das hostilidades, como rebeldes, mas, ao mesmo tempo, exonera-se de qualquer responsabilidade pelos seus atos ou pelos danos e prejuízos sofridos por potências estrangeiras ou seus nacionais em consequência da incapacidade do estado de preencher suas obrigações internacionais sobre a parte ou partes do território que, na ocasião, não se achem sob a sua autoridade. Em geral, o reconhecimento da beligerância toma a forma de declaração de neutralidade. Quando uma insurreição, com fins puramente políticos, deixa de ter o caráter de simples motim e assume proporções de guerra civil, sem, contudo, se lhe poder reconhecer o caráter jurídico desta, considera-se existir situação de fato que, não podendo ser classificada como estado de beligerância, não deve ser qualificada como situação de pura violência ou de banditismo. A esse estado de fato, que poderá ser reconhecido por governos estrangeiros, dá-se a denominação de insurgência. O seu reconhecimento não confere propriamente direitos especiais aos insurretos, mas produz certos efeitos. Assim: 1º) os insurgentes não poderão ser tratados como “terroristas”, nem, a exemplo do que lhes era antigamente atribuído, de “piratas” ou “bandidos” pelos governos que os reconheçam; 2º) a mãe-pátria (ou o governo legal), se os reconhece, deverá tratar como prisioneiros de guerra os que caírem em seu poder; 3º) nessa mesma hipótese, os atos dos insurretos não comprometerão, necessariamente, a responsabilidade da mãe-pátria (ou do governo legal). Em qualquer caso, aos insurretos não será lícito exercer os direitos de visita e busca, nem o de captura de contrabando de guerra, nem o de bloqueio. Admite-se, contudo, que, nas águas territoriais do seu próprio país, exerçam o direito de se opor à entrega de fornecimento de guerra à parte adversa. 2.3.3. reconhecimento de governo As modificações constitucionais da organização política de estado são da alçada do direito interno, mas quando a modificação ocorre em violação da Constituição, como no caso de uma guerra civil, os governos resultantes de tais golpes de estado precisam ser reconhecidos pelos demais estados. O reconhecimento do novo governo não importa no reconhecimento de sua legitimidade, mas significa apenas que este possui, de fato, o poder de dirigir o estado e o de representá-lo internacionalmente. O reconhecimento de governos não deve ser confundido com o de estados. Mas o de estado comporta, automaticamente, o do governo que, no momento, se acha no poder. Se a forma de governo muda, isto não altera o reconhecimento do estado: só o novo governo terá necessidade de novo reconhecimento. Em relação aos novos governos, o reconhecimento poderá também ser expresso ou tácito. O primeiro é feito, geralmente, por meio de nota diplomática. O segundo deve resultar de fatos positivos que importem na admissão da existência de novo governo e de que este exerce autoridade sobre o respectivo estado e o representa internacionalmente. A simples circunstância de determinado governo deixar que os seus próprios cônsules continuem a desempenhar as suas funções em território sob a autoridade de um governo de fato não implica o reconhecimento deste último. Da mesma forma, não se deve concluir a existência de reconhecimento se um governo permite que, no território do respectivo estado, continuem a exercer funções cônsules de um governo de fato, se estes já possuíam exequatur. O mesmo, finalmente, ainda se poderá dizer quando um governo se limita a nomear alguém para exercer funções consulares em território submetido a um governo de fato, anterior à nomeação, mas não solicita o exequatur. Do mesmo modo que o reconhecimento de estado, o de governos pode ser de jure, quando definitivo e completo, ou de facto, quando provisório ou limitado a certas relações jurídicas. A doutrina contribui com especificações adicionais96. O próprio governo, resultante de transformação da estrutura interna do estado ou de um golpe de estado, pode ser — e é geralmente — de facto antes de se tornar de jure, isto é, antes de obedecer, na sua formação e no exercício da sua autoridade, a normas constitucionais. De conferência reunida em Cannes, em 1922, resultou a doutrina de que um governo, para ser reconhecido, deveria aceitar os seguintes princípios: a proteção da propriedade individual, o reconhecimento das dívidas; a garantia da execução dos contratos, o compromisso da abstenção de toda propaganda subversiva contra outros países. Fundadas nessa doutrina, as potências ali reunidas resolveram, então, não reconhecer o governo soviético russo. Em geral, o reconhecimento de governos de facto ou de qualquer novo governo obedece exclusivamente a conveniências políticas. Diversas doutrinas, entretanto, têm procurado submeter o ato a princípios precisos. Alguns países têm, por outro lado, adotado certas normas que inspiram a respectiva política nessa matéria. Assim, por exemplo, os Estados Unidos da América, desde os primórdios da sua independência, sustentaram que se devia reconhecer como legítimo todo governo oriundo da vontade nacional, claramente manifestada. Mais tarde, acrescentaram a esse princípio o da intenção e capacidade do novo governo de preencher as obrigações internacionais do estado. A doutrina brasileira sobre o assunto muito se aproxima dessa formulação. É assim que o Brasil adota, como a União Americana, o princípio das situações de fato. Mas, na sua aplicação, leva em conta as seguintes circunstâncias: 1ª) a existência real de governo aceito e obedecido pelo povo; 2ª) a estabilidade desse governo; 3ª) a aceitação, por este, da responsabilidade pelas obrigações internacionais do respectivo estado. Cumpre referir, brevemente, as doutrinas Tobar e Estrada, em relação ao tema 97. A doutrina Tobar, elaborada por antigo ministro das relações exteriores do Equador, pretende que se não deve reconhecer governo algum oriundo de golpe de estado ou de revolução, enquanto o povo do respectivo país, por meio de representantes livremente eleitos, não o tenha reorganizado constitucionalmente. No contexto interamericano seria tentativa de proteger o princípio da legitimidade democrática. Por sua vez, a doutrina Estrada surge em setembro de 1930, quando o então secretário de estado das relações exteriores do México, Genaro ESTRADA, afirma que o reconhecimento de governos constitui prática afrontosa, que fere a soberania da nação interessada e importa em atitude de crítica. Por isso, um governo não deve subordinar a manutenção ou retirada dos seus agentes diplomáticos junto a outro governo à preocupação de o reconhecer ou não. Essa doutrina peca pela base, porque o reconhecimento nada tem que possa ferir a soberania do governo a que se aplique, nem é atitude de crítica em relação aos negócios internos de outro estado. É uma consequência do direito que tem todo governo de manter ou deixar de manter relações com outro governo. Por outro lado, manter ou retirar uma missão diplomática, em semelhante circunstância, importa, afinal de contas, em reconhecer ou não reconhecer, tacitamente, o novo governo. 2.4 EXTINÇÃO E SUCESSÃO DE ESTADO Os desmembramentos da URSS, da RSF da Iugoslávia e da República Tchecoslovaca, já mencionados, vieram chamar a atenção, mais uma vez, para o complexo problema da extinção de estados e a consequente sucessão. Depois da primeira e da segunda guerras mundiais, o problema fora motivo de preocupação, sem que a doutrina tenha conseguido consolidar normas gerais para assegurar a evolução da regulação da matéria. O direito internacional ainda não apresentou conceito objetivo a respeito da extinção de estado. A anexação da Estônia, Letônia e Lituânia pela ex-URSS, em 1940, parecia fato consumado, mas, passados mais de 50 anos, pode-se perguntar se efetivamente ocorrera a sua extinção, que ressurgem e retomam a sua vida de estados independentes. Convém notar que, mesmo depois de concretizada a anexação, vários países, inclusive o Brasil, não reconheceram a anexação e continuaram a manter, durante alguns anos, relações diplomáticas com aqueles países bálticos. Indagação semelhante pode ser feita com relação à ocupação da Áustria pela Alemanha hitlerista em 15 de março de 1938. Terminada a guerra, a Áustria poderia justificadamente esperar que a ocupação chegaria a seu fim, visto que as potências aliadas declararam em 1943 a intenção de restaurar a sua independência, que, contudo, só viria a ocorrer em 15 de maio de 1955. A pergunta que surge é saber se a Áustria de 1938 é a mesma de hoje, ou se ocorreu naquela ocasião a extinção do estado. Do ensinamento da doutrina 98 de que o estado nasce mediante a reunião dos elementos constitutivos, antes analisados, decorre a consequência lógica de que o desaparecimento de qualquer desses elementos implicará a sua extinção. O desaparecimento de toda a população, como num êxodo total, ou do território, eram exemplos pouco viáveis, mas atualmente cientistas têm alertado que em decorrência do efeito estufa poderá ocorrer o degelo das calotas polares com o consequente aumento nos níveis dos oceanos e desaparecimento de alguns microestados do Pacífico e do Caribe, bem como de consideráveis extensões costeiras. Aí se inscreve a categoria, todavia incipientemente determinada, de refugiados ambientais99. Há necessidade de que o direito internacional se inscreva além da notação do anedotário da prática diplomática e da casuística das relações internacionais, em matéria de sucessão de estados, sob pena de se perder enquanto sistema normativo. Adverte O’CONNELL (1970) 100: “ocorre, em muitos estudos contemporâneos a respeito da sucessão de estados, serem seletivamente utilizados os fatos da prática estatal, visando dar sustentação a proposições apriorísticas, muitas das quais são motivadas politicamente, ou mesmo emocionalmente. Privados do embasamento filosófico das doutrinas a respeito do estado, sobre o qual a doutrina da sucessão de estados foi erigida no século XIX, os argumentos contemporâneos tendem a perder a consistência interna” 101. Para O’CONNELL (1970) 102, “o princípio central em matéria de sucessão de estados pode ser considerado como o mínimo de distúrbio às situações jurídicas existentes, de modo consistente com o atual estado das relações, resultantes da sucessão de estados. Isso pode parecer não querer dizer muito, mas ao menos serve para sugerir que existe série de soluções práticas, quando o teste do efeito desestabilizador (the test of disruption) é aplicado a uma variedade de situações. Nenhuma norma única provavelmente será encontrável, que se ajuste a todas as situações de mudança de soberania, e a função do jurista será a de aplicar, a cada caso de sucessão de estados, as normas tal como sejam discerníveis na tradição jurídica, com referência ao padrão de continuidade ou descontinuidade” 103. O tema da sucessão de estados no direito internacional pósmoderno traz a combinação de elementos de direito internacional positivo, de prática dos estados e das organizações internacionais, de jurisprudência e de doutrina, características do tema por sua relevância, complexidade e atualidade. É tema vivo e pode ter mutações, em razão de novos fatos, como ensina a análise da evolução histórica da matéria. “Direito internacional consuetudinário não é corpo estático de normas”, enfatizava Karl ZEMANEK em Sucessão de estados, pósdescolonização (1965) 104. E, mais de trinta anos depois, ao prolatar seu curso geral na Haia sobre os Fundamentos legais do sistema internacional (1997) 105, em relação ao mesmo tema da sucessão de estados106, este investiga quanto os eventos recentes “proporcionavam oportunidade para testar a extensão na qual as Convenções de Viena (1978 e 1983) tinham sido observadas e aplicadas na prática, e se poderiam, assim, ser consideradas como refletindo, ou tendo gerado, costume internacional”, e quanto “saíra de moda” a pretensão à tabula rasa ou clean slate, formulada por alguns estados recém-independentes, pretendendo ingressar no sistema internacional sem quaisquer direitos ou obrigações do estado predecessor, passando novos estados a perceber quanto essa teoria conflita com o fato da interdependência entre os estados, no mundo real, e em vista dos próprios interesses do estado. Podem ser enumerados os modos de extinção de estado, embora os exemplos nem sempre sejam satisfatórios. Em primeiro lugar, temos a absorção completa de um estado por outro, e os exemplos, acima mencionados, dos países bálticos e da Áustria são ilustrativos. No passado, houve exemplos de ocupação, com a consequente transformação de estado em simples colônia, conforme ocorreu, temporariamente, com a Abissínia e a Argélia. No caso da Tunísia e do Marrocos, argumentava-se que a personalidade desses estados perdurara, visto que, ao se tornarem “protetorados” da França, passaram a ser semissoberanos, mas não teriam desaparecido, enquanto sujeitos de direito internacional. A Corte Permanente de Justiça Internacional examinou a questão, no parecer Decretos de Nacionalidade da Tunísia e do Marrocos (1923) 107, que se trata de questão essencialmente relativa, dependendo do desenvolvimento das relações internacionais. Também relativa a questão no sentido de variar de estado para estado, conforme existam ou não tratados sobre a matéria. Atualmente, a anexação e posterior transformação de qualquer país em colônia, ou que se pretenda o seu desaparecimento, enquanto sujeito de direito internacional é, teórica e juridicamente, impossível, em face dos termos peremptórios da Carta das Nações Unidas. A Guerra do Golfo, desencadeada em 1991 após a invasão do Koweit pelo Iraque, segundo determinações emanadas do Conselho de Segurança da ONU, seria exemplo de funcionamento do sistema institucional e normativo internacional nesse sentido. A invasão do Iraque, em 2003, constitui violação desses mesmos parâmetros institucionais e legais internacionais. Ilegal e abusivamente praticada, constitui ilícito internacional. Caso o território de estado não seja anexado por um só estado, ocorreria o seu desmembramento, com o território repartido entre dois ou mais estados, conforme ocorreu: – com a Grã-Colômbia em 1830, dividida em três países (a Colômbia de hoje, a Venezuela e o Equador); ou – com a Polônia, cujo território foi repartido em 1795 entre a Áustria, a Prússia e a Rússia; – com o Império Austro-Húngaro, em decorrência da primeira guerra mundial, quando surgiram novos estados: a Áustria, a Hungria, a Tchecoslováquia, sendo alguns territórios entregues a outros países, como a Iugoslávia e a Polônia; – com os exemplos recentes da ex-URSS e da antiga RSF da Iugoslávia, visto que esses antigos estados desaparecem para dar lugar a novos sujeitos de direito internacional – muito embora, por razões políticas, entende-se que tenha havido continuidade e consequentemente sucessão da URSS para a Federação Russa, mas a extinção da exIugoslávia e surgimento de novos estados, inclusive a Sérvia. O nascimento de estado por fusão pode resultar da união de dois estados soberanos, com a sua consequente perda de personalidade internacional em favor da nova entidade. Os exemplos, já citados: – do nascimento da Tanzânia em 1964, que teve como consequência a extinção de Tanganica e de Zanzibar; – do surgimento do Reino da Itália, caso clássico de fusão, sem esquecer que numa primeira fase ocorre a anexação, pelo Reino da Sardenha e Piemonte, do Reino de Nápoles, dos ducados de Modena, Parma e Toscana; posteriormente, pode-se considerar ter a própria identidade do estado-núcleo inicial desaparecido, em favor do Reino da Itália. A sucessão de estados significa, nos termos das Convenções de Viena de 1978 e 1983, a substituição do estado predecessor por outro, o estado sucessor, na responsabilidade pelas relações internacionais de determinado território. O problema não é novo, tanto que GRÓCIO dele já se ocupara em 1625, ao delinear regras baseadas no direito romano ou, mais precisamente, no direito civil. Dada a sua influência sobre os tratadistas posteriores, os seus ensinamentos chegaram ao século XX e serviram de fundamento para algumas decisões judiciárias. Com o término da primeira guerra mundial e o fim dos Impérios Russo, Alemão, Austro-Húngaro e Otomano, os tratados de Versalhes, Saint-Germain, Neuilly, Trianon e Sèvres, em 1919 e 1920 – considerando que o último não entra em vigor e vem a ser substituído pelo de Lausanne, em 1923 –, criam uma série de novos estados na Europa, bem como modificam numerosas fronteiras. Em tese, as modificações decorreram da teoria da autodeterminação, tal como enunciada pelo Presidente Woodrow Wilson, dos Estados Unidos, em seus 14 pontos, embora na prática tenha ocorrido, em muitos casos, a simples imposição da vontade dos vencedores. Tais excessos consideravelmente contribuíram para a posterior eclosão da segunda guerra mundial. A segunda guerra mundial também teve profundas consequências não só no panorama europeu, mas principalmente na África e no Pacífico, onde novamente o princípio da autodeterminação, tal como esboçado na Carta das Nações Unidas, e consagrado, em 1960, passou a ser invocado visando à independência da quase totalidade dos territórios dependentes, como as antigas colônias e os territórios sob tutela. A questão da sucessão de estados foi incluída na primeira agenda da Comissão de Direito Internacional (CDI), mas não como assunto prioritário. Posteriormente, a CDI foi convidada pela Assembleia Geral a iniciar o estudo em profundidade do problema. Foram indicados dois relatores: Sir Humphrey Waldock, para a sucessão em matéria de tratados, e Mohammed Bedjaoui, para a sucessão em matéria de bens, arquivos e dívidas108. Embora os problemas vinculados à sucessão de estados sejam sumamente complexos, houve tentativas de formular regras genéricas capazes de solucionar as questões supervenientes, a começar com as ideias de Grócio, na primeira metade do século XVII, que buscava no direito romano as soluções, ou seja, de que, por analogia com as regras de direito civil, com a morte de uma pessoa a aceitação da herança implique também a dos ônus. Esses ensinamentos chegaram ao século XX, bem como a utilização da expressão sucessão de estados, que tem sido criticada, mas para a qual não foi encontrada outra mais satisfatória. Para a segunda corrente, a utilização de regras de direito privado deve ser evitada, recorrendo-se ao direito público. Na prática, os resultados são bastante semelhantes. A tendência mais aceita é a de rejeitar a noção de sucessão, isto é, de direitos e obrigações ligados à extinção do estado; a questão é de soberania sobre o território: os direitos do estado sucessor decorrem do direito internacional, segundo o qual com a extinção do estado ocorre tabula rasa, ou, para utilizar a expressão inglesa, clean slate. Essa regra, contudo, não deve ser encarada de maneira absoluta, pois admite exceções, como nos tratados de fronteiras e no reconhecimento dos direitos adquiridos e da equidade. Na prática, busca-se analisar separadamente as várias hipóteses de sucessão, tendo em vista os problemas planteados, como a sucessão em matéria de tratados, bens, arquivos, dívidas, legislação e nacionalidade, bem como as consequências do surgimento de novo estado e a sua situação em face das organizações internacionais. As duas Convenções de Viena, de 1978 e de 1983, adotam essa orientação, examinando cinco hipóteses: a) transferência de parte do estado, sem que isso afete a personalidade dos dois estados, ou seja, ambos continuam a existir; b) surgimento de estado recém-independente (newly independent State); c) união de estados; d) separação de parte ou de partes de estado, com a consequente formação de novo estado; e) dissolução de estado. Na apreciação das Convenções de Viena é importante salientar que houve relativa aceitação das regras incorporadas na Convenção de 1978, ademais em vigor, desde 1996, ao passo que as da Convenção de 1983 foram praticamente rejeitadas pela comunhão internacional, tanto que, ao término da Conferência de 1983, esta não foi assinada por nenhuma das delegações presentes109. Em ambas as Convenções houve muita relutância em admitir a existência de direitos específicos para os newly independent States. Aliás, em muitos casos existia argumento forte contra a ênfase dada a eles, ou seja, de que os territórios, que poderiam eventualmente tornar-se independentes, eram poucos e que as Convenções, tal como as assinadas, em Viena, depois de 1969, previam que as suas regras só se aplicariam às situações criadas depois de sua respectiva entrada em vigor. Cumpre analisar, dentre as cinco hipóteses mencionadas, as regras mais generalizadas, a começar com a sucessão em matéria de tratados. Para P. GUGGENHEIM, por exemplo, em direito internacional, o problema da sucessão verifica-se sobretudo no campo do direito convencional, mormente no caso de existir acordo anterior. A circunstância de existirem duas convenções capazes de mostrar as soluções a respeito, ou seja, a de 1969, sobre o direito dos tratados, e a de 1978, sobre sucessão em matéria de tratados, simplificou a questão, principalmente porque se ocupam dos tratados multilaterais, tendo em vista que a doutrina anterior à segunda guerra mundial era pouco satisfatória no tocante a esse aspecto. Os tratados relativos às fronteiras não sofrem modificação. A Convenção de 1978, em seu artigo 13, é categórica: a sucessão de estado não afeta as fronteiras estabelecidas por tratado, tampouco as obrigações e os direitos estabelecidos em tratado relativo ao regime vigente na zona fronteiriça. É bem verdade que, no caso dos chamados tratados sobre direitos reais, sua continuação em vigor dependerá do estado vizinho, que poderá objetar a que um tratado sobre navegação ou servidão continue a vigorar, como no caso de as relações entre os dois estados não serem amistosas110. 2.4.1. sucessão em matéria de tratados e outros atos A Convenção de Viena sobre sucessão de estados em matéria de tratados foi assinada em 23 de agosto de 1978. Convocada a Conferência em 1977, calculava-se que a Convenção seria assinada no mesmo ano, mas, em virtude dos impasses verificados em relação a diversos artigos, foi necessária nova reunião, efetuada no ano seguinte. Somente em 1996 entra em vigor. Decidido que se deveria dar prioridade à questão da sucessão de estados, a CDI indicou como relator Sir Humphrey WALDOCK, que havia sido o último relator do projeto que resultou na Convenção de Viena sobre o direito dos tratados de 1969, considerado um dos melhores documentos em matéria de codificação do direito internacional. Não obstante as ressalvas feitas por inúmeras delegações, em decorrência dos privilégios dados aos estados de formação recente, as normas nela adotadas são de um modo geral aceitáveis, tanto assim que a Convenção teve relativa aceitação, e entra em vigor em 1996, ao contrário do que ocorreu com a Convenção de 1983. O artigo 11 da Convenção de 1978 contém dispositivo que se aplica a todos os casos, ou seja, estabelece que a sucessão de estados não afeta as fronteiras nem as obrigações e os direitos determinados por tratado, relativos ao regime de fronteiras. No caso de sucessão, em relação à transferência de porção do território, em que ambas as partes são sujeitos do direito internacional, isto é, não ocorre extinção de uma delas, o artigo 15 prevê que os tratados do estado predecessor deixam de vigorar, salvo se ficar demonstrado que a aplicação do tratado àquele território seria incompatível com o seu objetivo e finalidades, ou que poderá modificar radicalmente as condições para a sua implementação. Aplica-se o princípio da imobilidade das fronteiras dos tratados. Ocorrendo separação de parte ou de partes do território para a formação de novo estado (fenômeno que não ocorre no caso anterior), os tratados políticos desaparecem, visto que ocorre mudança fundamental de circunstâncias, tal como previsto no artigo 62 da Convenção sobre direito dos tratados de 1969. Tratado em vigor relativo a todo o território do estado predecessor assim o continua, a não ser que as partes decidam de outra maneira. Em caso de separação ou desmembramento, admite-se, em princípio, que os novos estados podem não estar ligados aos tratados celebrados pelo estado de que faziam parte, quando não os poderão invocar em seu favor. Na fusão de estado, os tratados multilaterais em vigor devem continuar a ser respeitados: questões cruciais para a existência e o funcionamento do sistema internacional são reguladas por estes, cuja manutenção interessa ao conjunto dos estados. Por sua vez, os tratados bilaterais devem ser renegociados, exceto se expressamente mantidos, mediante a expressão do consentimento dos estados interessados. 2.4.2. sucessão em matéria de bens, arquivos e dívidas A Convenção sobre sucessão de estados em matéria de bens, arquivos e dívidas, assinada em Viena, em 8 de abril de 1983, embora baseada em projeto da CDI, é a única tida pela doutrina como quase inaceitável. Até o momento nem sequer entrou em vigor 111. Por ocasião da Conferência de 1983, constatou-se, ao serem encerrados os trabalhos, que nenhum país havia assinado a Convenção, que só iria merecer uma ratificação posteriormente. A razão da não aceitação da Convenção de 1983 reside principalmente na preocupação dos países afro-asiáticos de forçar a adoção de regras destinadas a favorecer os países, geralmente antigas colônias, que haviam adquirido a sua independência recentemente. A Convenção e sobretudo os trabalhos do Relator, Mohammed Bedjaoui, da Argélia, representam, contudo, a contribuição mais importante no tocante aos três tópicos que até então só haviam sido abordados de maneira sumária. Numa fase inicial, a CDI havia decidido que o tópico a ser abordado deveria tratar de todos os relacionados com a sucessão, com exceção dos tratados, mas posteriormente julgou-se preferível limitá-los aos três. Assim, não foram abordadas certas questões como as relações com organizações internacionais, a nacionalidade e a legislação. Em caso de anexação total ou parcial, a legislação do estado anexante passa a vigorar: em caso de fusão, a matéria é regulada pelos estados que se fundem; ocorrendo separação ou desmembramento, é natural que o novo estado estabeleça a sua própria legislação, podendo, durante um período de transição, viver com a do estado predecessor. Na hipótese de anexação total, os habitantes do estado anexado devem adquirir a do anexador, embora exceções em contrário possam ser apontadas; no caso da anexação parcial, a nacionalidade do estado anexador deve estender-se aos habitantes da parte anexada, apesar da possibilidade de poderem eles optar pela nacionalidade que possuíam; na fusão, haverá apenas uma nacionalidade, ou seja, a do novo estado; em caso de separação ou desmembramento, surge novo estado e nova nacionalidade aplicada a todos os habitantes. A sucessão em matéria de bens do estado é regulada pelos artigos 7 a 18 da Convenção. Tradicionalmente, os bens do domínio público eram transferidos automaticamente e sem pagamento ao sucessor; os bens de natureza privada só eram transferidos mediante pagamento. A Convenção modificou essa regra: a passagem será realizada sem compensação, salvo acordo entre as partes ou decisão de órgão internacional. O artigo 9 estipula que as passagens desses bens acarretam a extinção dos direitos do estado predecessor e o nascimento dos direitos do sucessor. No caso de transferência de parte ou de partes do território de um estado, os imóveis passarão ao sucessor, bem como os móveis vinculados às atividades do estado predecessor no referido território, a não ser que as partes adotem, mediante acordo, outra solução. Quando dois ou mais estados se unem, para formar novo estado, os bens dos antigos estados passarão à nova unidade. Ocorrendo dissolução, os bens imóveis passarão aos estados sucessores em cujo território se encontrem; os bens imóveis e móveis situados no exterior passarão aos estados sucessores em proporções equitativas. A sucessão em matéria de arquivos, dos artigos 19 a 31, é assunto importante que não tem merecido o devido estudo, principalmente da parte dos países de formação recente. Nos termos do artigo 20, a expressão arquivos estatais do estado predecessor significa todos os documentos — seja qual for a sua data ou espécie, produzidos ou recebidos pelo estado predecessor no exercício de suas funções — que na data da sucessão do estado lhe pertenciam, de acordo com a sua legislação interna, e eram por ele conservados direta ou indiretamente. A Convenção de 1983 estipula que, em princípio, a transferência de arquivos deve efetuar-se sem o pagamento de compensação, bem como que o caráter integral dos arquivos deve ser respeitado. No caso de transferência de parte do território sem que tenha ocorrido a formação de novo estado, a transferência de arquivos dependerá de acordo, mas os arquivos relativos à administração normal ou ao território, como em matéria de fronteiras, devem passar ao estado sucessor. Na enumeração dos estados recentemente independentes (newly independent states), podemos incluir os que na realidade readquiriram a sua independência, como, por exemplo, o caso dos países bálticos. Nesse caso, como existe o direito a reaver os antigos arquivos, consequentemente os tratados de fronteira que dizem-lhe respeito. Ainda no concernente às fronteiras, o estado predecessor deve fornecer ao estado sucessor os documentos tendentes a comprová-las, os seus direitos sobre elas. No caso de união de estados para a formação de novo estado, os arquivos dos estados predecessores passarão ao estado resultante da fusão. Quando um estado se desmembra e deixa de existir, como ocorreu com a ex-URSS, e partes de seu território passam a formar novo ou novos estados, as partes dos arquivos que se deveriam encontrar no território do estado sucessor para fins administrativos e os arquivos que dizem respeito ao território passarão ao estado sucessor, a não ser que os estados resultantes do desmembramento decidam de outra maneira. A Convenção ainda prevê a possibilidade de troca de informações, de arquivos ou de reproduções tendentes a garantir a memória nacional. A sucessão em matéria de dívidas, objeto dos artigos 32 a 41 da Convenção, é um dos problemas mais difíceis e complexos em direito internacional, pois nem a prática dos estados nem a doutrina apresentam soluções satisfatórias. Cabe considerar os critérios de equidade e de proporcionalidade, adotados na Resolução de Vancouver, de 2001, do Instituto, sobre o tema da sucessão, em matéria de dívidas de estado. As dificuldades começam com a própria definição de dívida do estado, conforme se verificou por ocasião da Conferência de 1983. O projeto da CDI, que acabou sendo acolhido, prevê que por dívidas do estado se entende, para efeitos da Parte IV da Convenção, “qualquer obrigação financeira de estado predecessor surgido de conformidade com o direito internacional para com outro estado, organização internacional ou qualquer outro sujeito do direito internacional” 112. A regra adotada pela Convenção no tocante às dívidas, no caso de transferência de parte do território, corresponde de modo geral à regra tradicionalmente adotada na Europa continental, ou seja, de que parte da dívida, baseada nas taxas pagas no passado pela população do estado predecessor, deve passar ao estado sucessor. A tendência posterior ao julgamento da Dívida pública otomana de 1925 passou a ser no sentido de que, salvo tratado em contrário, não há a obrigação do estado sucessor de arcar com as dívidas do predecessor. Abrem-se, contudo, exceções no caso de dívidas que beneficiam partes localizadas do território cedido, como, por exemplo, para a construção de estradas de ferro, barragens ou portos. A preocupação do Relator M. Bedjaoui em proteger, na medida do possível, os estados recentemente independentes (newly independent states) resultou em regras que foram muito combatidas, quer na CDI, quer na Conferência. A regra parte do princípio de que nenhuma dívida do estado predecessor passará ao estado sucessor. Defendia, inclusive, a tese de que o estado sucessor tinha o direito de repudiar tratado assinado com o estado predecessor às vésperas de sua independência, ou pouco depois. Essa tese consta do parágrafo 2º do artigo 38. A adoção desse artigo foi um dos motivos da rejeição por diversas delegações da Convenção. No caso de união de estados, as dívidas do estado predecessor passarão ao estado sucessor. Na separação de parte ou de partes do território de estado que continua a existir como tal, a dívida passará numa proporção equitativa, a não ser que as partes decidam diversamente. Na dissolução de estado, a mesma regra se aplica: os estados sucessores arcarão com uma parte da dívida, em base aos direitos de propriedade. 2.4.3. naturalização coletiva, por cessão ou anexação territorial Além dos meios indicados na parte relativa à aquisição ou mudança de nacionalidade 113, deve ser mencionado o que deriva, necessária e logicamente, de anexação territorial, quer por efeito de cessão pacífica, quer como imposição consecutiva a guerra. Ocorre, então, a naturalização coletiva dos habitantes do território anexado, excluídos, naturalmente, os nacionais de qualquer país estrangeiro, ali domiciliados ou residentes. Relativamente aos nacionais do estado anexado ou de cuja parte é transferida a outro, vários sistemas têm sido sugeridos ou aplicados para a imposição da mudança da nacionalidade. Um desses sistemas aplica tal mudança apenas aos domiciliados no território transferido. Outro atende à origem: os naturais do território, tenham ou não domicílio nele, devem adquirir a nova nacionalidade. Um terceiro sistema exige, ao mesmo tempo, a origem e o domicílio. Num quarto sistema, basta qualquer dessas circunstâncias para a mudança da nacionalidade. O sistema que reúne mais adeptos é o primeiro. E foi o que, em geral, o tratado de paz de Versalhes, de 1919, adotou114. Como não se pode ou não se deve impor a uma pessoa nacionalidade que esta não queira, porque isso seria contrariar o direito primordial que tem o homem de escolher a sua nacionalidade, concede-se, geralmente, aos habitantes do território transferido o direito de opção. Em sua aplicação, esse direito pode obedecer a várias modalidades. Numa dessas, a opção manifesta-se pela simples emigração, para fora do território transferido, dos indivíduos que não querem adquirir a nova nacionalidade; noutra, a opção é expressa por declaração formal, relativa à conservação da nacionalidade de origem, sem obrigatoriedade de emigração; noutra ainda, a opção torna-se conhecida por declaração formal, que pode ser acompanhada de emigração, que, por sua vez, pode ser imposta como consequência necessária de tal declaração. Conhece-se, por fim, ao menos teoricamente, quarta modalidade, adotada pela Convenção sobre Nacionalidade, subscrita em Montevidéu, em dezembro de 1933, segundo a qual os habitantes de território transferido poderão manter a antiga nacionalidade e só adquirirão a nova se por ela optarem expressamente. 2.5 SECESSÃO NO DIREITO INTERNACIONAL – O PARECER CONSULTIVO DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA SOBRE O KOSOVO, DE 22 DE JULHO DE 2010 “Durante os séculos XVIII, XIX e início do XX, ocorreram numerosos casos de declarações de independência, muitas vezes firmemente combatidos pelo estado, em relação ao qual se declarava a independência. Algumas vezes, a declaração resultou na criação de um novo estado, em outras isso não ocorreu. Em nenhum caso, contudo, a prática dos estados, como um todo, sugere que o ato de promulgação da declaração tenha sido considerado contrário ao direito internacional. (…) Muitos novos estados passaram a existir, como resultado do exercício desse direito.” 115 A matéria da secessão no direito internacional tem aspectos fáticos e legais a serem considerados. Em decorrência da natureza variada e das consequências fáticas, esta muitas vezes foi negligenciada de ponto de vista conceitual.116 A secessão, mais que qualquer capítulo do direito internacional, como se deu no passado, passou por sucessivas reavaliações, em contexto tipicamente pós-moderno, com leituras e releituras da questão, à luz de ocorrências recentes de tais fenômenos, como o processo de descolonização em massa (a partir de 1945 até o início dos anos 1960) e, mais recentemente, nos anos 1990117, como resultado dos confrontos do “tribalismo” europeu, levando ao surgimento e ingresso de dezenas de novos estados membros na Organização das Nações Unidas (ONU), dos quais o mais recente, a declaração unilateral de independência do Kosovo, é a seguir especificamente considerado. A matéria passa a ter novo parâmetro a ser tomado em consideração, pois o Parecer consultivo sobre a independência do Kosovo, prolatado em 2010118, especificamente apontou o fato de que, embora a integridade territorial dos estados tenha de ser tomada em consideração, o direito à autodeterminação deve ser considerado como um dos principais desenvolvimentos do direito internacional durante a segunda metade do século XX119. À luz dessa recente assertiva, a matéria deverá passar a ser considerada. Além do objeto específico do parecer solicitado, a CIJ fez paralelos entre este caso e outras situações similares, e formulou distinções claras, a respeito, por exemplo, do estatuto da Faixa de Gaza, citando extensamente o parecer da CIJ, prolatado a respeito, em 2004 (Advisory Opinion on the legal consequences of the building of a wall in the occupied Palestinian territory), e também menciona os casos de Chipre, da Rodésia do Sul, da tentativa de criação da “Republika Srpska” 120 e também nominal e extensamente refere o caso do Quebec 121, tal como este foi julgado pela Corte Suprema do Canadá 122. Sobremodo interessante a Corte Internacional de Justiça referir, em texto de parecer consultivo, o conteúdo de outro julgado, proveniente de uma corte nacional. Ilustra, assim, este caso, o papel da jurisprudência como fonte do direito internacional, e a interação entre distintas instâncias julgadoras, na construção do direito internacional pós-moderno123. O assunto pode ser considerado em duas facetas: inicialmente apontar algumas das principais questões conceituais, e a seguir analisar o caso do Kosovo, e o parecer consultivo da CIJ sobre a questão. 2.5.1. aspectos internacional conceituais da secessão no direito “Não existem atualmente leis, exceto algumas constituições, que regulem quais secessões são legais e quais não.” A. PAVKOVIC & P. RADAN (2007) 124 Existe considerável literatura disponível sobre as matérias da secessão e da sucessão de estado no direito internacional. Esta nem sempre dá conta da diversidade de aspectos da questão, em razão da mescla de elementos fáticos e jurídicos neste assunto125. Nessa matéria existe distinção básica a ser feita entre a secessão e a sucessão de estado. Ao menos até certo ponto, A. PAVKOVIC e P. CASELLA (2007) parecemos ter opiniões distintas a respeito. Como citado, A. PAVKOVIC e P. RADAN (2007) têm formulação clara a respeito126. A secessão pode ser o resultado de conflito armado, mas a violência não é elemento intrínseco desta. O ponto central de interesse é a criação de novo estado. Isso se dá devido ao estranhamento e distanciamento de parte da população e do território de estado anterior, cuja existência e identidade podem ou não ser afetadas, como tais, em decorrência do surgimento de novo sujeito de direito internacional. A prática das duas últimas décadas mostra praticamente todas as variações possíveis sobre este tema. ARISTÓTELES (384-322 a. C.), na Política127, questionava quando e como se altera a identidade da polis, no sentido de comunidade politicamente organizada, ou cidade-estado. E como se pode afetar a identidade desta, em razão de mudanças que ocorram, na sua estrutura interna e seu funcionamento. Isso antes de MAQUIAVEL ter cunhado o termo “estado”, no início do século XVI, e passar a ser como tal chamado. E aí também cabe considerar o “estado”, quando se passa da tirania para a oligarquia, e desta para a democracia, no sentido de determinar quando a identidade da entidade permanece inalterada ou tem nova configuração. A questão da identidade e da continuidade do estado é o dado crucial. Como já considerava ARISTÓTELES e permanece tópico recorrente em toda a literatura que aborda as questões da secessão e da sucessão de estado. Nessa matéria, a diversidade de situações possíveis é muitas vezes apontada como aspecto proeminente do assunto. A diversidade é mostrada pela prática dos estados, e mencionada pelos internacionalistas, mas poderia ser útil e relevante destacar algumas das diretrizes basilares, em meio a tal diversidade: em que medida existem linhas comuns, e possam estas ser apresentadas, para permitir melhor compreensão do fenômeno? Existem dados específicos a serem formatados no direito internacional pósmoderno, e cumpre determinar em que medida pode se alcançar apresentação coerente do tópico. Um dos aspectos a ser mencionado é o fato de que tanto a secessão como a sucessão de estado, do mesmo modo como ocorre em relação ao conjunto do direito internacional, são marcados pela passagem do bilateralismo para o multilateralismo, e do anterior tratamento caso a caso para a tentativa de determinação de linhas gerais. Assim, em lugar de focar na diversidade, pode ser mais útil assinalar linhas conceituais gerais, a serem deduzidas da prática das duas últimas décadas. O caso do Kosovo pode ser útil para esse efeito. Em perspectiva histórica, pode ser mencionada a independência das antigas colônias europeias nas Américas, entre 1776 e 1825. Considerável evolução ocorre no direito internacional da época, nessa matéria, desde a independência dos Estados Unidos, encetada em 1776, até o tratado de Lisboa, de 1825, por meio do qual a independência do Brasil, de 1822, foi reconhecida por Portugal. Sucedem--se atos unilaterais, uso de força, e negociações internacionais, que conduzem a acordos, mediante os quais se normalizam as relações entre as ex-colônias e as antigas metrópoles. No caso brasileiro, isso se dá mediante “consenso” da antiga metrópole, e para tanto foram precisos três anos. A partir desse marco, talvez tanto ou mesmo mais relevante que a simbolização da independência expressa no dia 7 de setembro de 1822, as demais potências europeias passaram a reconhecer o Brasil. Antes, somente os Estados Unidos e a Argentina tinham estabelecido relações diplomáticas e aceitado o Brasil, como novo sujeito de direito internacional. A dicotomia recorrente já estava e permanece presente: trata-se de ato unilateral ou bilateral? Este também foi tópico para a ponderação da CIJ no parecer consultivo sobre o Kosovo, em 2010. Em que medida tem lugar seja o consenso ou a ruptura? A mesma questão pode ser ilustrada pelo Tratado JAY, de 1791, entre a Inglaterra e os Estados Unidos. Este pode ser posto em paralelo com o Tratado de Lisboa de 1825, entre Portugal e Brasil: antes do instrumento internacional, elementos de ruptura e de consenso estão presentes em ambos os casos, como em praticamente todos os demais exemplos nessa matéria, desde então. Dentre os casos disponíveis, existem rupturas, consenso, e também exemplos negociados podem ser mencionados. O caso brasileiro, com as suas especificidades, mostra a construção da secessão – que incluiu conflito armado com tropas da antiga metrópole – até a sucessão de estado, e instauração do novo sujeito de direito internacional, em meio ao “concerto das nações” do seu tempo – levando ao resultado negociado, com mediação da Inglaterra, por meio do qual se estipulou a compensação por custos da guerra e a indenização por bens da coroa portuguesa, deixados na antiga colônia, dentre os quais se inclui a antiga biblioteca real portuguesa – trazida de Lisboa para o Rio de Janeiro, em 1807-1808 – que foi o núcleo original da Biblioteca Nacional, do Rio de Janeiro128. Ainda em perspectiva histórica, três vagas sucessivas podem ser referidas durante o século XX: a primeira, segue-se ao final da primeira guerra mundial, com o fim dos impérios otomano, russo e austro-húngaro. Ante o esforço para redesenhar o mapa da Europa, intenta-se passar dos antigos impérios multinacionais, para a Europa dos estados nacionais, baseada no estado como expressão das identidades nacionais. A nacionalidade, ao menos na concepção original de W. WILSON, seria a diretriz para a configuração da nova fase da Europa. Esse anseio somente em parte foi realizado. A meio caminho entre os idealistas e os realistas, que se enfrentaram nas negociações dos tratados de Versalhes e demais instrumentos que puseram termo ao estado de guerra, entre 1919 e 1923129. Tanto rupturas como aspectos negociados podem ser mencionados, no período que se segue à primeira guerra mundial. E não somente em relação aos antigos impérios coloniais130. Em decorrência da recusa inicial em honrar dívidas herdadas do regime czarista, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), então em vias de ser instaurada, depois de anos de guerra civil, se viu em quase total isolamento nas relações internacionais, financeiras e diplomáticas, durante a maior parte da década de 1920. A ponto de levar à aceitação pelas autoridades da URSS de rever a anterior negação. Reconsiderada a posição anterior, retoma a URSS os pagamentos de antigas dívidas, de modo a voltar a ser participante do sistema de relações internacionais, especialmente em matéria de finanças. O exemplo é relevante para evidenciar que as rupturas, com confrontação e sem negociação, mesmo se mantidas por algum tempo, tendem a ser substituídas por soluções negociadas. O mesmo se verifica em relação aos efeitos da descolonização, que se seguiu à segunda guerra mundial. A construção da nova Europa, com numerosos casos de secessão e de sucessão de estado, após a primeira guerra mundial, se produz em ainda maior escala na África e na Ásia, após a segunda guerra mundial, com o fenômeno da descolonização em série. Após a segunda guerra mundial, muitas dezenas de antigas colônias se tornam novos estados independentes – os assim chamados newly independent states – e estes, ao se estabelecerem, questionaram as bases e postularam colocar de lado, em considerável extensão, o direito internacional, herdado dos tempos coloniais. Estes novos estados logo constataram quanto deste direito internacional continuava a ser necessário, e se haveria de aplicar, como tal, com pouca ou nenhuma discussão, nas relações diplomáticas e consulares, no direito dos tratados, e na participação destes novos estados na maioria das organizações internacionais, dentre as quais, sobretudo na Organização das Nações Unidas. Ajustes menores foram efetuados sobretudo em matéria financeira. Do antigo reconhecimento bilateral e ad hoc de estado a estado se passou à nova prática de aceitação multilateral de novo membro, em organizações internacionais como a ONU. A questão de se estruturar novo estado e o seu consequente reconhecimento passa do estrito enfoque bilateral do passado para o tratamento multilateralizado de tais casos. Como mostram os Pareceres consultivos da CIJ sobre as condições de admissão de novos membros da ONU, prolatados em 1948 e em 1950131. Estes afirmam claramente: nenhum requisito adicional poderia ser exigido, além dos estipulados na Carta da ONU, dos potenciais candidatos, no momento do ingresso na organização. Esse dado aponta para contexto de crescente institucionalização multilateral. E foi crucial para a consolidação da ONU, em meio ao contexto da guerra fria (1949-1989) que pautaria décadas das relações internacionais. No curso do processo de descolonização, duas tendências podem ser apontadas: de um lado, a confrontação, claramente enunciada, dos preceitos básicos do antigo sistema internacional, como expressado na pretensão de se instaurar cenário de tabula rasa, com extinção de todos os vínculos preexistentes no contexto internacional, em que nem direitos nem obrigações se transmitiriam aos novos estados, sem ônus herdados das antigas metrópoles. Somente os novos compromissos, celebrados pelos novos estados independentes, poderiam vinculá--los no plano internacional, como novo sujeito de direito internacional. Isso logo se mostrou excessivo e dificilmente passível de implementação. No extremo oposto, formulou-se a pretensão de se estabelecer a sucessão universal, pela qual o novo sujeito de direito internacional estaria, desde o início, vinculado por todos os compromissos, anteriormente estipulados pela antiga potência colonial. Isso foi igualmente considerado excessivo. Quais são as lições a serem tiradas do período de descolonização, de 1945 a 1960? O mais relevante ensinamento nessa matéria foi no sentido de nenhuma das duas formulações extremas ter prevalecido. A visão intermediária da sucessão parcial prevaleceu na maioria dos casos ocorridos. Mesmo naqueles casos nos quais inicialmente houvesse a negação total dos vínculos do passado – como se formulou enquanto slogan básico dos novos estados independentes –, mesmo nesses casos logo se seguiu a aceitação de alguns dos direitos e dos ônus, relacionados com a condição de estado no contexto do direito internacional e das relações internacionais, para cada caso específico. A lição da história mostra que, apesar da aparente diversidade, existiu grau substancial de consistência na aplicação das normas, e a percepção da necessidade destas, embora inicialmente contestadas, ou mesmo renegadas, em bloco, por alguns dos novos estados independentes. A construção de aceitação mais ampla das normas de direito internacional foi testada na prática e esta mostrou a sua resistência e a sua capacidade de adaptar-se a mutação essencial dessa ordem. Dentre as antigas colônias britânicas, como mostra o ato de independência da Birmânia (atual My anmar), ou também nos casos da Indonésia em face dos Países Baixos, ou das Filipinas frente aos Estados Unidos, foram casos marcados por tentativas de composição, e algumas dificuldades, encontradas no curso dos procedimentos de implementação das respectivas independências. Caso único de transição, sem qualquer negociação, foi o antigo Congo belga. O tratado de 1960 entre a Bélgica e o Congo nunca entrou em vigor 132. Não por acaso, este foi um dos casos mais difíceis, com graves problemas e efeitos colaterais, para ambos os lados. No caso das antigas colônias francesas, a Constituição francesa de 1958 esboça a ideia de uma comunidade, da qual a França teria a presidência e, em considerável extensão, o desempenho das atribuições externas da condição de sujeito de direito internacional permaneceria sob controle francês, com espécie de primazia, ou primus inter pares. Essa ideia nunca chegou a ser implementada, mas se inscreve na mesma linha de sucessões negociadas. Curiosamente, depois do final das duas grandes vagas de descolonização, que se seguem às duas guerras mundiais, quando o assunto parecia encerrado, foram negociadas as duas Convenções de Viena sobre sucessão de estados: tanto a de 1978, Convenção sobre tratados em caso de sucessão de estado, como a de 1983, Convenção sobre bens, arquivos e dívidas de estado, em casos de sucessão. Tanto os respectivos processos de negociação como também a pouco entusiasta aceitação que estas encontraram parecem apontar para a percepção de que se tratava de assunto datado, na altura em que se alcançava a regulação internacional da questão. Logo depois, contudo, nova onda de descolonização foi encetada: nos anos 1990 ingressam na ONU mais de duas dezenas de novos estados membros, dos quais Montenegro, em 2006, era o mais recente, até ocorrer o caso do Kosovo, em 2008. O que serve para mostrar que o tema, longe de ser mera curiosidade histórica, continua presente e suscita questões que não podem ser deixadas sem solução. A mais recente leva de reengenharia estatal mostrou não somente secessões e sucessões de estado, mas também fusões, como se deu na unificação da Alemanha e na unificação do Iêmen. Especialmente três casos merecem considerações específicas, porquanto foram conduzidos de modo distinto, com particularidades e consequências diversas, tanto para as partes diretamente envolvidas como em relação ao conjunto da comunidade mundial. A divisão entre a República Checa e a Eslováquia pôs fim à Tchecoslováquia como sujeito de direito internacional133 e deu lugar às duas Repúblicas que ingressam na ONU em janeiro de 1993, e na União Europeia, como dois novos estados membros em maio de 2004. Este foi considerado um modo perfeitamente civilizado de conduzir a questão, e tanto bens públicos quanto dívidas foram equitativamente divididos, na proporção da população, sendo dois terços para a República Checa e um terço para a Eslováquia, e também abrangeram compromissos internacionais, anteriormente assumidos, dentre os quais a participação em muitas centenas de tratados multilaterais e muitos milhares de tratados bilaterais, mantidos em vigor e sem qualquer descontinuidade de aplicação. Sem maiores traumas, em todo o processo de transição. No caso da antiga URSS, várias situações se apresentaram: a Federação russa foi aceita como sucessora, em relação à quasetotalidade dos compromissos internacionais, anteriormente assumidos pela União Soviética, incluindo sua condição de potência nuclear e a participação na ONU, inclusive em relação ao assento permanente, com direito de veto, no Conselho de Segurança. Essa foi questão de conveniência para a comunidade internacional, como um todo, e parece ter sido compreendida como requisito para manter a estabilidade do inteiro sistema internacional, como este tinha sido estruturado, a partir de 1945. Além do caso russo134, as repúblicas, integrantes da antiga União Soviética tomaram rumos diversos: os três Bálticos, a Estônia, a Letônia e a Lituânia trataram de recuperar as suas soberanias, cujo exercício se interrompera desde 1940 – quando tinham sido invadidos por tropas do exército vermelho, e estes estados se viram de fato integrados ao conjunto da URSS. Os três estados bálticos, depois de substancial reestruturação, aderem à União Europeia, em 2004, como três novos estados membros. A violação do direito internacional, ocorrida meio século antes, com a ocupação, serviu de argumento para conferir legitimidade para a retomada das relações diplomáticas e outros vínculos com os três estados bálticos. Estes não seriam novos estados, mas simplesmente se trataria de retomar a conduta normal das relações internacionais, depois que tinham cessado os fatores, causadores da interrupção135. Dentre as antigas repúblicas soviéticas, Belarus e a Ucrânia eram (formalmente) membros fundadores da ONU, com assentos nesta, desde 1945. Tratou-se, assim, simplesmente de dar continuidade ao exercício de sua condição internacional, em bases mais realistas, após o fim da União soviética. Com relação às demais antigas repúblicas soviéticas, um modelo de transição foi estipulado, por meio do qual formaram a assim chamada Comunidade de Estados Independentes (CEI), uma contradição tanto terminológica quanto conceitual, na medida em que simultaneamente tentavam tanto ser uma “comunidade” quanto ser estados “independentes”, como assim se expressavam. O modelo CEI claramente se destinou a preparar para o futuro pleno exercício de suas soberanias nacionais como já registravam as Atas de Alma Ata e de Minsk, em 1991, por meio das quais o modelo transicional foi criado, para regular a sucessão de estados, que deixavam o quadro da antiga URSS. Em matéria de direito dos tratados, questões substanciais foram solucionadas, tais como a participação nos tratados nucleares – sobretudo porque Belarus, Cazaquistão e Ucrânia eram também potências nucleares. Esta era uma questão vital para toda a humanidade, e essa passagem se deu com consistência na interpretação e na aplicação das normas de direito internacional, em medida que merece ser enfatizada. O tratado de não proliferação nuclear de 1968, o tratado sobre mísseis antibalísticos de 1972 e seu Protocolo de 1974, bem como o seu Memorando de entendimento de 1997 mostram a prevalência do interesse comum dos estados, com a consequente desnuclearização da Belarus, do Cazaquistão e da Ucrânia, e a correspondente transferência da condição de potência nuclear, parte contratante dos tratados nucleares, para a Federação russa, como estado sucessor da antiga URSS. Os vários casos das antigas Repúblicas soviéticas mostram a variedade das soluções adotadas. Estas se estendem da continuidade, no caso da Federação russa, à recuperação da identidade nacional e da independência, no caso da Estônia, Letônia e Lituânia, a recuperação da ficção jurídica, depois tornada realidade, nos casos da Belarus e da Ucrânia, e a construção de modelo de transição, em vista do futuro, para as demais antigas integrantes da União das repúblicas socialistas soviéticas. A Tchecoslováquia e a URSS são bons exemplos da prática das duas últimas décadas, com predominância da solução pacífica das controvérsias. Além desses casos, o trágico fim da antiga Iugoslávia levou a sucessivas ondas de guerra civil, em que se cometeram crimes de genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra 136, no curso dos anos 1990, envolvendo a Sérvia, em relação à Eslovênia, a Croácia, a Bósnia-Herzegovina, a Macedônia. Mais recentemente, e de modo pacífico, em relação ao Montenegro. Em situação de tensão, todavia não solucionada, no caso do Kosovo. A independência do Montenegro em 2006 marcou o fim da antiga República da Iugoslávia. Este se fez de modo pacífico, por meio de referendo, no qual a questão da independência foi decidida pela maioria e nova guerra foi evitada. Ainda mais presente e necessário se fazia nesse caso, depois dos trágicos precedentes ocorridos quando da secessão das antigas repúblicas iugoslavas nos anos 1990. Surge a seguir o caso da independência do Kosovo, proclamada em 17 de fevereiro de 2008. Como se passa a considerar. 2.5.2. o Parecer da CIJ, de 22 de julho de 2010, sobre o caso do Kosovo “Por esses motivos, a Corte, (…) por dez votos a quatro, declara seu entendimento de que a declaração de independência do Kosovo, adotada em 17 de fevereiro de 2008 não violou o direito internacional.” 137 O primeiro tópico com o qual a Corte teve de lidar foi a questão da jurisdição. A CIJ considerou a base legal para prolatar o parecer, como requerido neste caso138. A questão habitual, quanto a ser ou não o escopo do pedido uma “questão jurídica” (legal question) foi, como muitas vezes acontece, também aqui suscitada. E a mesma foi adequadamente solucionada pela Corte. A alegação da existência de “questões políticas” (political issues) em qualquer questão de direito internacional não é suficiente para privar a Corte da possibilidade de exercitar a sua jurisdição em determinado caso. Nessa matéria, foi ainda alegado que a questão deveria ser regulada pelo direito (constitucional) interno, mas a Corte considerou a matéria na perspectiva do direito internacional – como expressamente lhe fora solicitado – e entendeu ser desnecessário considerar aspectos de direito interno, ou quanto aos “motivos” (motives) que teriam levado ao pedido de parecer 139. Obviamente, a CIJ deveria e considerou o caso na perspectiva do direito internacional. Como estipula o Estatuto da CIJ, em seu art. 38, a função da Corte é decidir, em conformidade com o direito internacional, as questões que lhe forem submetidas. Seria, assim, impensável pretender privar a CIJ da possibilidade de exercer a sua jurisdição mediante a alegação que determinada questão deveria ser regida pelo direito nacional de país A ou B, em lugar de ser pelo direito internacional140. A Corte tinha, assim, a discricionariedade para decidir se deveria prolatar ou não o parecer 141. E somente em casos nos quais possa haver sólidas razões (compelling reasons) para a Corte deixar de exercer a sua jurisdição poder-se-ia encontrar motivo para que esta não prolate parecer consultivo em dete