Quando a vida sai para trabalhar - História da Arte I
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Quando a vida sai para trabalhar

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245
ARS 
ano 15
n. 29
1. Texto publicado na revista 
October, n. 132, primavera de 
2010, p. 99–113, MIT Press.
* Staatlische Hochschule für 
bildende Kunst (Städelschule) 
de Frankfurt am Main.
DOI: 10.11606/issn.2178-0447.
ars.2017.131505.
Andy Wahrol e Joseph Beuys, 
Nápoles, 1980. 
Foto de Mimmo Jodice.
O texto discute a fusão contínua entre as esferas pública e privada na obra 
de Warhol, divisando em tal fusão a matriz de uma “cultura de celebridades”, 
esse fenômeno da sociedade contemporânea auspiciado pelo regime biopolítico 
e pelo mundo pós-fordista que seriam mais tarde descritos por autores como 
Antonio Negri e Michael Hardt. Focalizando principalmente os experimentos 
de Warhol na Factory, estúdio que ele manteve entre 1963 e 1968, a autora 
mostra como a obra do artista se estende muito além das pinturas, filmes e 
outras peças que produziu, incluindo também, e de modo crucial, suas inúmeras 
aparições e declarações públicas.
The text discusses the way in which the public and private spheres collapse 
into one another in Warhol’s work, thus conjecturing in it the matrix of a 
“celebrity culture”, a phenomenon of contemporary society brought about by 
the biopolitic regime and the post fordist world which would be later described 
by such authors as Antonio Negri and Michael Hardt. While focusing mostly 
on Warhol’s experiments with the Factory, a studio he ran between 1963 and 
1968,the author shows how the artist’s work extends itself far beyond the 
paintings, films and other pieces he would produce, also encompassing, and 
crucially, his innumerable public performances and utterances.
palavras-chave: 
Andy Warhol; cultura 
de celebridades; arte 
contemporânea
keywords: 
Andy Warhol; “celebrity 
culture”; contemporary art
Isabelle Graw*
Quando a vida sai para trabalhar: Andy Warhol.1
When Life Goes to Work: Andy Warhol.
Tradução: Sônia Salzstein
246
Isabelle Graw
Quando a vida sai para 
trabalhar: Andy Warhol.
Introdução: Warhol vive
Mais do que nunca, Warhol parece vivo, presente e próximo de 
nós. Basta pensarmos no título deste encontro - Andy Eighty?2 [Andy aos 
oitenta?] – que o chama pelo primeiro nome, remetendo à presunção 
tácita – questionando-a – de que podemos entreter uma relação íntima 
com ele. Mas por que a produção de Warhol ainda parece tão atual, 
tão nova? O que faz com que esse passado, em particular, atinja com 
tanta insistência nosso presente? Partirei da premissa de que a fronteira 
entre sua “obra” e aquilo que se poderia chamar de exibição pública de 
uma “atitude perante a vida”, por parte do artista, é fundamentalmente 
instável e sem nitidez. De fato, é impossível restringir a produção de 
Warhol a objetos, pinturas e filmes, somente. Gostaria de sugerir não 
apenas que as afirmações em sua Philosophy3 ou em seus Diaries4, mas 
também a maneira como construiu sua persona pública, devem ser 
consideradas, de modo integral, parte de sua proposta artística. Natu-
ralmente, afirmações feitas por artistas têm de ser sempre tomadas com 
certa reserva. Não encontramos nelas o “verdadeiro sentido” de seu tra-
balho. Registros de artistas precisam ser decodificados e interpretados, 
uma vez que usualmente dizem respeito a uma “pose” cuidadosamente 
desenhada, que a um só tempo é encenada e autêntica, deliberada e 
acidental, estratégica e inconsciente. Os incontáveis testemunhos so-
bre Warhol (de ex-assistentes, ex-it girls, ex-colaboradores etc.) devem, 
do mesmo modo, ser tratados com cautela. Também eles são projeções 
pessoalmente motivadas que produzem ilusão de proximidade; todavia, 
além disso, revelam algo sobre o modo como Warhol cultivava certa 
atitude perante a vida e a obra. 
Permitam-me um exemplo. Segundo Bob Colacello, uma 
testemunha ocular, Warhol não conseguia relaxar e detestava férias5. 
Mesmo que se divertir significasse trabalhar, uma vez que não 
desprezava nenhuma ocasião social (tal como festas) para “conseguir 
mais retratos”, ou “mais ideias”, ou “vender mais anúncios para 
Interview”6. A descrição de Colacello está, sem dúvida, parcialmente 
maculada por suas próprias frustrações; é como se, retroativamente, 
ele precisasse justificar por que se vira compelido a deixar de trabalhar 
para Warhol. Mas essa anedota também lança luzes sobre uma pose 
que Warhol efetivamente cultivava, na qual a vida tornava-se obra. 
Seus diários não apenas registram todas essas atividades em rede, eles 
2. Simpósio organizado 
de 31 de outubro a 1° de 
novembro de 2008, por 
Benjamin H.D. Buchloh, junto 
ao Departamento de História 
da Arte e da Arquitetura, ao 
Centro de Humanidades e ao 
Museu de Arte da Universidade 
de Harvard, reunindo, além 
de Isabelle Graw, Hal Foster, 
Richard Meyer, Homi Bhabha, 
Thomas Crow e Jennifer Doyle 
– entre outros críticos [N.T.].
3. Andy Warhol.The Philosophy 
of Andy Warhol (From A to B 
and Back Again). San Diego: 
Harvest Books, 1975.
4. Pat Hackett (Ed.). The Andy 
Warhol Diaries. Nova York: 
Grand Central Publishing, 1989.
5. Cf. COLACELLO, Bob. Holy 
Terror: Andy Warhol Close 
Up. Nova York: Cooper Square 
Press, 1990, p. 167. 
6. Publicação fundada e 
editada por Andy Warhol e 
pelo jornalista britânico John 
Wilcock,celebrizou-se como 
"a bola de cristal da pop". 
Segundo depoimento de 
Steven Heller, designer da 
revista durante os anos 1970: 
"Quando lançada, em 1969, 
na Factory de Warhol (…), 
Interview era a própria revista 
‘faça-você-mesmo” [“DIY”, ou 
“Do It Yourself”], muito antes 
que o termo tivesse se tornado 
moda. Era seu brinquedo; 
mas, para ser franco, Andy, 
propriamente, não desenhava 
ou editava – tinha membros de 
sua entourage que faziam isso 
por ele. De fato, eu nunca o 
encontrei, mas seu espírito 
247
ARS 
ano 15
n. 29
estava por toda parte, como 
um fantasma de peruca 
inspecionando através das 
nuvens. Os primeiros seis 
números, aproxidamente, 
de Interview (trazendo um 
logo no qual se lia: “INTER/
view”) mostravam-se afiliados 
à tradição negligente das 
publicações underground do 
final dos anos 1960, tais como 
East Village Other e Berkeley 
Barb. Imagino que tenha sido 
influenciado pelos periódicos 
que George Maciunas fazia do 
Fluxus – embora nunca tenha 
ouvido qualquer editor de 
Interview mencionar o nome 
do Fluxus. Entretanto, eu via, 
sim, os editores lendo as assim 
chamadas revistas “chiques 
baratas” de moda, impressas 
em papel jornal, como RAGS 
(…), onde Barbara Kruger havia 
trabalhado como designer 
no início de sua carreira (…). 
Interview foi a primeira revista 
a empregar um modelo único 
de entrevistas para perscrutar 
candidamente a mente 
de celebridades, artistas, 
políticos, cineastas, músicos 
e gente da literatura. Em 
muitos números, celebridades 
entrevistam celebridades, 
um conceito warholiano 
que conferia à Interview seu 
delicioso apelo voyerístico” 
(Disponível em: < http://
www.hellerbo, oks.com/pdfs/
grafik_166.pdf>. Acesso em 2 
de abril de 2017). [N.T.]
7. “Eis como tudo funciona: 
você encontra gente rica, 
frequenta o meio, e uma noite, 
depois de alguns drinques, 
alguém diz: ‘Vou comprar’”. Cf. 
HACKETT, Pat (Ed.).Op. cit., 
apresentam o frequentar [going out] como um modo de encontrar gente 
rica que iria, ao fim e ao cabo – se tivessem o bastante para beber 
–, comprar a sua arte7. O que antigamente havia sido chamado de 
“diversão” ou “tempo de lazer” é, muito explicitamente, representado 
como trabalho. Mesmo relações de intimidade tornavam-se, mais cedo 
ou mais tarde, relações de trabalho, conforme relata Billy Name8. 
Essa instrumentalização de atividades e amizades originaria-
mente privadas ecoam aquilo que o filósofo italiano Paolo Virno definiu 
como nossa “condição pós-fordista”, na qual “vida” e “trabalho” tor-
nam-se indiscerníveis9. Mas a fusão warholiana das esferas profissional 
e privada ecoa também o modo como todos os artistas “célebres” têm 
sido retratados desde, pelo menos, asvidas notáveis dos artistas rena-
scentistas, de Giorgio Vasari. Eles são representados como seres em 
tudo excepcionais – se quiserem, celebridades avant la lettre – que su-
postamente dedicaram a totalidade de suas vidas a suas obras10. Visto 
por esse ângulo, o campo da produção em artes visuais serve como 
modelo para uma condição pós-fordista que visa a totalidade da pes-
soa ou, mais precisamente, suas competências cognitivas, sensuais e 
emocionais. Não há nada de “novo” a respeito dessa condição, e estou 
longe de afirmar uma ruptura radical. O que gostaria de argumentar, 
todavia, é que tal condição intensificou e expandiu seu alcance a par-
tir de 1960, devido à bem sucedida implantação de uma cultura de 
mídia que produz afetos de modo intensivo ao focalizar a vida das pes-
soas. Muitos teóricos – e, de modo mais proeminente, Antonio Negri 
e Michael Hardt – argumentaram que hoje nós vivemos sob um regime 
biopolítico, no qual a produção de capital equivale à reprodução da vida 
social11. Essa mudança deve ser vista em relação às lutas dos movimen-
tos de emancipação das décadas de 1960 e 1970, que insistiam em uma 
politização da esfera privada. Sem relativizar as conquistas históricas 
duradouras desses movimentos, a historiadora da arte Sabeth Buch-
mann mostrou, sagazmente, que desde então teve lugar uma “erosão” 
dos modos clássicos de produção: as diferenças entre as esferas do lazer 
e do trabalho entraram em colapso, como também a fronteira entre 
uma esfera de produção tradicionalmente masculina e uma esfera de 
reprodução tradicionalmente feminina12. O mundo da vida privada pa-
rece cada vez mais similar ao mundo da vida profissional, com o que se 
pode considerar a sociedade inteira uma “sociedade fábrica” [“factory 
society”] (Negri/Hardt), na qual a vida sai para trabalhar13. As forças 
248
Isabelle Graw
Quando a vida sai para 
trabalhar: Andy Warhol.
produtivas predominantes em tal “sociedade fábrica” são habilidades 
comunicacionais, cooperação, trabalho em equipe e flexibilidade. Isso 
faz com que a fábrica14 de Warhol dos anos 1960 e suas atividades to-
cadas à base de anfetaminas pareçam um sonho pós-fordista encenado 
em um teatro biopolítico. 
Mas, enquanto a Factory decerto produzia vida, exemplificando 
o que Maurizio Lazzarato descreveu como “o comando capitalista so-
bre a subjetividade”15, ela também propiciava que diferentes identi-
dades sexuais e conceitos de vida fossem reconhecidos16. Novas coa-
ções eram impostas, mas, ao mesmo tempo, novas possibilidades eram 
criadas. Nesse contexto, é crucial notar que além de constituir um 
espaço onde as pessoas “encenavam-se a si mesmas” (Steve Watson), 
a Factory sempre permaneceu um local de fabricação de produtos. A 
meu ver, isto é essencial: a provisão contínua de pinturas estava ga-
rantida, não obstante Warhol ter publicamente anunciado, em 1965, 
que pretendia parar de pintar, algo que ele, caracteristicamente, expli-
cava com sua fascinação mais intensa por “pessoas”17. Esse anúncio 
teve dois efeitos: causou irritação entre seus compradores e fez subir 
os preços de suas pinturas que, dessa maneira, e segundo Sam Green, 
tornaram-se difíceis de encontrar18. Colocou em risco o seu mercado, 
mas também aqueceu o comércio. O processo de produção quase au-
tomático das estampas de silkscreen de Warhol, um procedimento 
que se rendia à lógica do produto manufaturado em escala de massa, 
havia sido legitimamente associado à linha de montagem taylorista no 
fordismo19. Assim, junto à produção das subjetividades de seus mem-
bros, típica da condição pós-fordista, e que a um só tempo expoliava 
e capacitava, a Factory também lançava produtos de um modo que se 
comunicava com o fordismo.
Em minha opinião, poucos artistas reagiram às pressões exercidas 
pelo “novo espírito do capitalismo” de maneira mais complexa do que 
Warhol em sua obra – desde que pressuponhamos uma concepção 
alargada dessa obra, que alcance também as declarações e aparições 
públicas do artista20. Para nomear apenas algumas dessas pressões 
sobre artistas, que não pararam de se intensificar desde a morte de 
Warhol, em 1987: a pressão para estabelecer constantemente uma 
rede de “contatos”, de modo a acumulá-los, uma vez que estes são 
considerados mercadorias extremamente valiosas em um “mundo 
do contato” [contact word] (Boltanski/Chiapello); a pressão para ser 
p. 646 [Cf. edição brasileira: 
HACKETT, Pat. Diários de Andy 
Warhol. Tradução de Celso 
Loureiro Chaves. Porto Alegre: L 
& PM Editores, 2012, vols. 1 e 2].
8. Cf. WATSON, Steven. Factory 
Made: Warhol and The Sixties. 
Nova York: Pantheon, 1990, 
p. 128.
9. Cf. VIRNO, Paolo. A Grammar 
Of The Multitude. Nova York: 
Semiotext(e), 2004. [Cf. edição 
brasileira: VIRNO, Paolo. 
Gramática da multidão: Para 
uma análise das formas de vida 
contemporâneas. São Paulo: 
Annablume Editora, 2013].
10. Cf. VASARI, Giorgio. Vidas 
dos artistas. Tradução de Ivone 
Castilho Benedetti. São Paulo: 
WMF Martins Fontes, 2011.
11. Cf. HARDT, Michael Hardt 
e NEGRI, Antonio. Empire. 
Cambridge, Massachusetts: 
Harvard University Press, 2000, 
p. 405 e seguintes [Cf. edição 
brasileira: HARDT, Michael 
Hardt e NEGRI, Antonio. 
Império. São Paulo: DP&A e 
Matins Fontes Editora, 2003].
12. BUCHMANN, Sabeth. 
Biopolitik als Melodram: 
‘Zu Yvonne Rainer’s Lives of 
Performers und Rainer Werner 
Fassbinders Warnung vor 
einer hl. Nutte’. In DEUBER-
MANKOWSKY, Astrid, HOLZHEY, 
Christoph, MICHAELSEN, Anja 
(Ed.). Der Einsatz des Lebens. 
Lebenswissen, Midialisierung, 
Geschlecht. Berlim: b-books 
Verlag, 2009.
249
ARS 
ano 15
n. 29
bem sucedido no mercado; a pressão para usar e, inevitavelmente, 
instrumentalizar, as próprias amizades; a pressão para comunicar, 
para produzir e colher informação; a pressão para se exibir, em pessoa, 
e para estar presente; a pressão para encenar a si mesmo [to perform 
oneself] de modo convincente; a pressão para parecer bem, para 
estar em forma, para ser seu próprio produto, para se vender e para 
comercializar a vida pessoal. 
Demonstrarei como a prática de Warhol conforma-se a essas 
pressões e simultaneamente resiste a elas. Pressões típicas não ape-
nas de nossa condição pós-fordista, mas também o resultado de uma 
expansão neoliberal da esfera do mercado, combinada à guinada bio-
política que, conforme creio, vê-se exemplificada nisso que se designa 
por cultura de celebridades [celebrity culture]. A questão crucial, a meu 
ver, não é saber se a prática de Warhol imita, teoriza essas condições ou 
se objeta a elas. Argumentarei que ele faz todas essas coisas ao mesmo 
tempo. Parece-me crucial levar em conta que Warhol apresenta o ar-
tista não como alguém isento dessas condições, mas, na verdade, alta-
mente implicado nelas. Elas não determinam a sua prática; contudo, se 
ele quiser resistir a elas, o único ponto de partida óbvio seria o recon-
hecimento de seu próprio enredamento particular nelas.
Prestes a fazer todas essas afirmações decisivas sobre Warhol, 
eu não correria o risco de uma vez mais contribuir para a glorifica-
ção póstuma, a individualização e o isolamento de sua posição? Será 
mesmo boa ideia agregar mais interpretação hipertrófica? Estou absolu-
tamente ciente desses problemas e apresentarei, portanto, o trabalho 
dele não como parte da solução, mas como parte do problema. Não 
quero sugerir que Warhol foi um profeta que previu o advento de um 
regime neoliberal e biopolítico que faz com que o trabalho retorne a 
nós mesmos e com que os aspectos mais íntimos de nossas vidas se 
rendam a uma lógica econômica de otimização. Em vez disso, eu en-
fatizaria que foi mais sua familiaridade com o “sistema da moda” do 
que suas qualidades proféticas que o mostraram capaz de refletir sobre 
essas transformações. Esse sistema da moda foi adequadamente descri-
to como algo que “configura uma excitação em torno de aparências e 
confereapelo carismático a pessoas trajadas”21. O sistema da moda, na 
medida em que visa o corpo e a disposição desse corpo de internalizar 
os ideais que promove, poderia ser considerado um biopoder operando 
via estimulação. Observar a moda, tal como Warhol fez, registrando 
13. NEGRI, Antonio e HARDT, 
Michael. The Labor of 
Dionysos: A Critique of The 
State Form. Minneapolis: 
University of Minnesota 
Press, 1994, p. 9 e seguintes 
[Cf edição brasileira: NEGRI, 
Antonio e HARDT, Michael. 
O trabalho de Dioniso: 
para a crítica ao Estado 
pós moderno. Tradução de 
Marcello Lino. Juiz de Fora: 
Universidade Federal de Juiz 
de Fora; Pazulin, 2004].
14. Entre 1963 e 1968, 
Andy Warhol manteve a 
Silver Factory, um estúdio 
que, de acordo com Klaus 
Biesenbach, servia ao artista 
“de palco para as diferentes 
permutações da vida de 
estrela. Arte, música, moda 
e filme confluiam na forma 
de um grupo de pessoas 
que habitavam o permissivo 
espaço do estúdio de Warhol, 
carregando com eles fama 
e criatividade e/ou levando 
embora o grão de notoriedade 
e estrelato que havia resultado 
do fato de integrarem o círculo 
mais criativo do momento”; 
em BIESENBACH, Klaus 
(Ed). Andy Warhol Motion 
Pictures. Berlim: KW Institute 
for Contemporary Art, de 8 de 
maio a 8 de agosto de 2004, 
p. 12 (catálogo de exposição) 
[N. T.] . 
15. LAZZARATO, Maurizio. 
Immaterial Labor, in VIRNO, 
Paolo e HARDT, Michael 
(Ed.). Radical Thought in 
Italy: A Potencial Politics. 
Minneapolis: University of 
Minnesota Press, 2006, 
p. 133-47.
250
Isabelle Graw
Quando a vida sai para 
trabalhar: Andy Warhol.
mesmo suas transformações mais sutis – novos tipos de brilho labial, 
mudanças no comprimento de saias etc. – permitiu-lhe entender as 
mudanças estruturais que o mundo da arte experimentaria nas décadas 
subsequentes. De fato, o mundo da moda passou por uma radical trans-
formação estrutural no fim da década de 1970 e início dos anos 1980: 
tornou-se uma indústria que subscreveu ao “princípio da celebridade” 
e testemunhou a emergência de estruturas de negócios corporativas, 
tal como o exemplifica a venda da Halston à grande cadeia corporativa 
Penny Lane, em 1983. Warhol estava bem posicionado para observar 
essas mudanças, que transformariam radicalmente o mundo da arte 
apenas trinta anos mais tarde22. 
Em um primeiro momento, quero esclarecer alguns de meus 
conceitos teóricos e situar a prática de Warhol em uma ideologia neo-
liberal de mercado e em uma agenda biopolítica que politiza e sub-
mete a vida à economia. Quero demonstrar como a “vida” – admito: 
um conceito elusivo e perigosamente essencialista – era capturada e 
igualmente enquadrada, tecnologicamente produzida e tornada inani-
mada na Factory dos anos 1960. Ficará claro que aquilo que nos é apre-
sentado nunca é a “vida enquanto tal”. A “vida” parece ser uma coisa 
altamente mediada, que embaça a linha entre o “encenado” e o “autên-
tico”. Em um segundo momento, considerarei a cultura de celebridades 
como a forma social que propaga valores neoliberais e que se correla-
ciona à guinada biopolítica. Mesmo tendo em mente a diferença entre 
cultura de celebridades e artistas visuais, considerarei que a prática de 
Warhol ostenta uma compreensão superlativa do que significa tornar-se 
o próprio produto. 
Quando o mercado prevalece e agarra nossas vidas: Warhol e a 
guinada biopolítica 
Permitam-me iniciar definindo neoliberalismo como uma ordem 
social na qual quase todas as relações sociais e aspectos da vida são 
regulados por mecanismos de mercado. A crença comum associa neo-
liberalismo a uma relação de tipo laissez-faire entre Estado e mercado. 
Isso está longe de ser verdade, como ponderou, de modo convincente, 
o sociólogo alemão Lars Gertenbach23. O neoliberalismo, de fato, dife-
rencia-se do liberalismo na medida em que ainda pressupõe um Estado 
controlador, assegurando os processos do mercado e constantemente se 
16. Cf. CRIMP, Douglas. Getting 
the Warhol We Deserve, Social 
Text 17, no. 2, verão de 1999, 
p. 64: “Uma trupe inteira e 
diversificada de artistas, atores, 
escritores e drag queens e 
outos sexualmente desviantes 
trabalhavam nos projetos 
uns dos outros e, em geral, 
encontravam inspiração mútua 
em um ambiente compartilhado 
de contracultura” [N.T.].
17. Cf. WARHOL, Andy e 
HACKETT, Pat. POPism: 
The Warhol 60’. Nova York: 
Harcourt, 1980, p. 113.
18. Cf. Interview with Sam 
Green, in WILCOCK, John. The 
Autobiography and Sex Life of 
Andy Warhol by John Wilcock 
and a Cast of Thousands. Nova 
York: Other Scenes, 1971.
19. Cf. BUCHLOH, Benjamin 
H. D.. Andy Warhol’s One-
Dimensional Art: 1956-1966, in 
Andy Warhol: A Retrospective. 
Londres: Tate, 1989, p. 39-61 
(catálogo de exposição).
20. BOLTANSKY, Luc e 
CHIAPELLO, Eve. The New 
Spirit of Capitalism. Londres, 
Verso, 2007. [Cf. edição 
brasileira: BOLTANSKY, Luc 
e CHIAPELLO, Eve. O novo 
espírito do capitalismo. 
Tradução de Ivone C. Benedetti; 
Revisão técnica de Brasílio 
Sallum Jr. São Paulo: VWF 
Martins Fontes, 2009].
21. MARTIN, Richard. Pre-
Pop and Post-Pop, Andy 
Warhol Fashion Magazines, in 
MacCABE, Colin (Ed.). Who Is 
Andy Warhol. Londres: British 
Film Institute, 1997, p. 42.
251
ARS 
ano 15
n. 29
preocupando com eles. Visto por esse ângulo, as intervenções atuais do 
Estado (nacionalização de bancos ou tentativas desesperadas de regular 
o mercado financeiro) não devem ser concebidas como uma ruptura 
com a ideologia neoliberal – são, na realidade, compatíveis com ela. O 
Estado assegura a habilidade do mercado de funcionar e “cultivá-la” – 
nos termos de Gertenbach.
Neoliberalismo também significa que o mercado alcança áreas 
antes consideradas “privadas” e ao abrigo de sua lógica valorativa, tais 
como o corpo, a saúde, as relações sociais, a aparência pessoal, as am-
izades pessoais etc. Essas áreas doravante se vêem expostas à pressão 
constante da otimização econômica: somos interpelados a fazer o mel-
hor de nós mesmos, a realçar nossas aparências – às vezes por meio de 
uma “remodelação” radical - a mantermo-nos saudáveis, a desfrutar 
ativamente de relações e a ter “bom” sexo. O diário de Warhol é ex-
emplar a esse respeito, ao demonstrar como esses ideais normativos 
nos mantêm na berlinda e exercem forte impacto em nossas subjetivi-
dades. Nada escapava ao seu olhar escrutinador e classificador – se 
alguém tinha ganhado peso, mais rugas, ou se estava usando um ves-
tido da Halston pela segunda vez. A aparência das pessoas era aferida 
em conformidade com os padrões de beleza estabelecidos pelo mundo 
da moda, padrões cujos imperativos não pararam de se mostrar mais e 
mais enfáticos desde os tempos de Warhol. Mas é crucial observar que 
Warhol não apenas submetia seu ambiente social a esses standards; em 
seu trabalho, ele também analisava o seu apelo. Um exemplo óbvio 
seria Before and After [Antes e depois] (1960) – trabalho baseado em 
um anúncio low-tech, difundindo as virtudes óbvias de uma correção 
de nariz. O trabalho estabelece uma distância visível dessas normas de 
beleza, se não por outros motivos, pelo modo como a imagem foi re-
cortada e pela presença da retícula Benday. Mas a imagem igualmente 
captura as expectativas de promoção pessoal associadas a esse tipo de 
anúncio. O próprio Warhol, um tanto desesperadamente, tentava ob-
servar essas normas, submetendo-se, por exemplo, a uma cirurgia no 
nariz, registrando visitas regulares a seu dermatologista e exercitando-
se com seu treinador físico nos anos 1980. É como se não houvesse 
outra alternativa senão render-se ao que Karl Lagerfeld descreveu, com 
seu pendor característico para a dramatização, como “fascismo fitness”. 
Ainda que certamente capture um regime muitas vezes terrificante, o 
termo “fascismo” é ligeiramente equívoco neste caso, porque não se tra-
22. Cf. DRAKE, Alicia. The 
Beautiful Fall: Fashion, 
Genius, and Glorious Excess 
in 1970s Paris.Londres: Back 
Bay Books, 2007. 
23. Cf. GERTENBACH, 
Lars. Die Kultivierung des 
Marktes: Foucault und die 
Gouvernementalität des 
Neoliberalismus. Berlim: 
Parodos, 2008.
252
Isabelle Graw
Quando a vida sai para 
trabalhar: Andy Warhol.
ta de um poder repressivo que opere através da força ou da disciplina. 
O neoliberalismo opera mais sutilmente: faz com que internalizemos 
seus ideais. Entregar-se a eles pode ser mesmo experimentado como 
“diversão” ou “empoderamento”. Os diários de Warhol testemunham 
como essa internalização atuava; ao explicar, por exemplo, da seguinte 
maneira a “primeira consulta com o Dr. Li” (seu dermatologista): “Isso 
tudo serve para me deixar bonito para os negócios”24. O que é aberta-
mente admitido (e consignado, embora de um modo levemente sub-
misso) é que a importância da própria aparência não cessa de aumentar 
em um mercado de trabalho que quer tudo das pessoas. 
Há algo em comum entre o neoliberalismo e a biopolítica: am-
bos são formas modernas de poder político que operam indiretamente, 
contando com nossa disposição para internalizar os ideais que pro-
movem. O filósofo alemão Thomas Lemke definiu a biopolítica como 
“economia política da vida – o que significa que a vida não apenas é 
politizada, mas também submetida à economia [economized]”25. Michel 
Foucault introduziu o termo com o intuito de descrever uma tecnologia 
de poder historicamente específica, que se endereça à vida das pessoas. 
Situando seu surgimento na segunda metade do século XVIII, Foucault 
sempre sublinhou o fato de que esse poder regulador opera, primaria-
mente, não através da submissão ou da disciplina, mas da estimulação: 
ele se define como “o direito de fazer viver e deixar morrer”, tal como o 
autor celebremente descreveu o modo de operar desse poder26. Aqueles 
que morrem são os largados à própria sorte, ao passo que toda a aten-
ção é direcionada à forma que damos a nossas vidas. 
 Essa descrição – “deixar morrer e fazer viver” – ressoa a 
produção de Warhol: a Factory do princípio dos anos 1960 poderia ser 
considerada uma máquina que não apenas encenava práticas de vida 
transgressivas, mas que também capitalizava a propensão das pessoas 
em desempenhar [to perform] suas transgressões (a máquina pouco se 
importando quando as pessoas morriam). Seria possível afirmar que 
seus primeiros filmes, particularmente (Sleep [Sono], Eat [Comer], 
Blow Job [Felação], Drunk [Embriagado], Kiss [Beijo]) deram espaço a 
uma noção diferente de identidade sexual e comportamento transgres-
sivo – basta pensar nos beijos abertamente sexuais de casais heteros-
sexuais e homossexuais em Kiss – do mesmo modo como capturaram e 
fizeram uso dessas identidades. As vidas dos protagonistas [performers] 
são, a um só tempo, respeitadas e postas abertas à exploração. Havia, 
24. Hackett (Ed.). The Andy 
Warhol Diaries. Op. cit. p. 241.
25. LEMKE, Thomas. Biopolitik 
zur Einführung. Hamburgo: 
Junius Verlag, 2007, p. 15.
26. FOUCAULT, Michel. Society 
Must be Defended”: Lectures 
at the Collège de France 1975-
1976. Nova York: Picador, 2003, 
p. 241.
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n. 29
de fato, um alto grau de exploração literal em curso: não se pagavam 
os atores. Seria possível argumentar que a Factory se beneficiava da 
disponibilidade deles de trabalhar de graça, disponibilidade que au-
mentava em proporção direta ao capital simbólico e à notoriedade que 
se poderiam esperar em retribuição. Se o potencial de trabalho já não 
pode ser separado da pessoa e de seu corpo – e é isso que ocorre no 
pós-fordismo, segundo Virno – então um certo grau de autoexploração 
torna-se inevitável. 
Entretanto, as coisas são um pouco mais complicadas, uma vez 
que a obra de Warhol não apenas admitia diferentes modos de vida – 
enquanto capitalizava a disponibilidade das pessoas de encenarem suas 
vidas; ela também encarava a vida desde a perspectiva da morte. Thom-
as Crow argumentou, de modo convincente, que os famosos primeiros 
retratos que Warhol fez de Marilyn Monroe, Elizabeth Taylor e Jackie 
Kennedy devem ser interpretados como se inquirissem a conexão entre 
celebridade, morte, crise e luto27. Ele chama a atenção para o modo 
como Sixteen Jackies [Dezesseis Jackies] (1964) permite-nos ver Jackie 
em diferentes poses, sorrindo, com a cabeça abaixada, quase chorando 
mas tentando manter as aparências. Na verdade, essa obra é quase um 
estudo daquilo que Aby Warburg memoravelmente chamou de Pathos-
formeln28: fórmulas que transportam e significam diferentes estados 
emocionais – neste caso, o estado do luto. Todavia, enquanto viúva, ela 
também funciona como a testemunha-chave da instabilidade na fron-
teira entre “vida” e “morte”. Se a biopolítica é também “tanatopolítica”, 
conforme sugeriu Giorgio Agamben29, e se biopolítica equivale a uma 
decisão entre vida e morte, então poderíamos ver Jackie Kennedy como 
uma alegoria da instabilidade fundamental dessa fronteira. Quanto 
mais essas imagens surgem abstratas e sem definição, devido ao pro-
cesso técnico da impressão em silkscreen, mais “verdadeiras” parecem. 
É também devido à serialidade dessa imagem que a singularidade de 
seu ser é tanto enfatizada como cancelada. Vemos Jackie dezessseis 
vezes – o que mostra que a singularidade e a imparidade são ainda 
mais convincentes quando produzidas em escala de massa, que é o que 
ocorre sob as condições da cultura de celebridades. Uma ocorrência 
existencial e singular da vida – a perda de alguém e o ato do enlutar-se 
– é capturado, cuidadosamente examinado e ao mesmo tempo transfor-
mado em algo inanimado e destituído de sentido30.
A produção fílmica de Warhol pode ser considerada uma demon-
27. Cf. CROW, Thomas. 
Saturday Disasters: Trace and 
Reference in Early Warhol. 
In: MICHELSON, Annete (Ed.). 
Andy Warhol. Cambridge, 
Massachusetts: MIT Press, 
2001, p. 49-66.
28. Literalmente: pathos-
fórmulas, em alemão. Trata-
se de neologismo cunhado 
pelo historiador alemão 
Aby Warburg (1866-1966), 
para indicar um tropo visual 
carregado de intensidade 
afetiva [N.T.].
29. Cf. AGAMBEN, Giorgio. 
Homo Sacer: Sovereign 
Power and Bare Life. 
Stanford, California: Stanford 
University Press, 1998, p. 122 
e seguintes.
30. BUCHLOH, Benjamin H. 
D. Anniversary Notes for Andy 
Warhol. In: Andy Warhol: 
Shadows and Other Signs of 
Life. Colônia: Walther König, 
2008 (catálogo de exposição).
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Isabelle Graw
Quando a vida sai para 
trabalhar: Andy Warhol.
stração de que era a “vida” aquilo que ele perseguia. Atividades elemen-
tares da vida tais como encontrar pessoas, discutir, consumir drogas, 
fazer sexo, dormir, ficar acordado, questionar os outros implacavel-
mente etc., eram suas matérias-primas. Jonas Mekas descreveu muito 
apropriadamente esses filmes como “meditações sobre a vida… quase 
religiosas… um olhar para as atividades cotidianas como dormir ou 
comer”31. Nesses filmes, assegurava-se a essas atividades o “tempo 
real” que elas duram no cotidiano, e ao mostrá-las na velocidade si-
lenciosa de 16 quadros por segundo, Warhol optou por “refrear” [slow 
down] a vida como se para expô-la a um olhar ainda mais perscruta-
dor. O próprio Warhol admitia que seus filmes pretendiam capturar 
“a vida”, apontando a impossibilidade de distinguir entre seus filmes 
e as vidas de seus protagonistas32. Ao comentar a filmagem de Chelsea 
Girls, observou, laconicamente, que todo mundo estava fazendo o que 
sempre havia feito – sendo eles mesmos33. Essa declaração de autenti-
cidade soaria incongruentemente essencialista não fosse o fato de tal 
autenticidade mostrar-se altamente mediada, extremamente artificial e 
tecnologicamente produzida – se não por outros motivos, em razão do 
aparato tecnológico do filme. A vida no filme é uma instância altamente 
mediada, similar à vida sob as condições da cultura de celebridades, a 
qual, por sua vez, é, ela própria, um produto da mídia.
As tentativasdos filmes de Warhol, de mobilizar o ordinário e 
o pedestre, devem também ser vistas em seu contexto histórico – elas 
pertencem a uma estética anti-ilusionista, não apenas disseminada no 
cinema underground dos anos 1960 (Hollis Frampton, Kenneth Anger, 
Jack Smith), mas também promovida nos experimentos da dança de 
vanguarda (como as do Judson Dance Theater), que claramente influ-
enciaram Warhol34. Ainda que se tenha em mente que o “anti-ilusion-
ismo” era uma convenção artística do momento, não se pode esquecer 
que esse culto da “pura existência” pareceu de início tremendamente 
chocante – e não apenas aos olhos do (puritano) público americano 
em geral, mas também àqueles associados muito de perto à cena da 
Factory, que se mostraram igualmente desconcertados. Stephen Shore, 
que fotografou o ambiente da Factory quando jovem e cuja estupefa-
ção é registrada em POPism explicou: “Não é como se eles estivessem 
lendo, não é como se estivessem meditando, não é nem mesmo como 
se estivessem sentados, assistindo; eles apenas estavam sentados – fit-
ando o espaço e esperando que as festividades da noite começassem”35. 
31. Citado em Robert 
Rosemblum. Saint Andrew, 
Newsweek, 7 de dezembro, 
1964, reimpresso em 
PRATT, Alan R. The Critical 
Response to Andy Warhol. 
Santa Barbara, California: 
Greenwood Press, 1997, p. 10.
32. Cf. HACKETT, Pat e 
WARHOL, Andy. POPism. Op. 
cit., p. 219.
33. Idem, ibidem, p. 180.
34. “Mostrar o ato de comer 
era uma das preocupações de 
muitos dançarinos da Judson, 
inclusive Steve Paxton, Judith 
Dunn e Carolee Schneemann” 
(in: WATSON, Steven. Factory 
Made: Warhol and The Sixties. 
Op. cit., p. 137.
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n. 29
Em outras palavras: nada se dava em um sentido convencional. Aquilo 
sobre o que a Factory exercia controle era o tempo cotidiano [life-time] 
das pessoas que lá se encontravam. As vidas delas iam trabalhar quando 
as festividades da noite se iniciavam – festas são a ocasião central para a 
construção de identidades. É aí que suas vidas são colocadas no palco. 
Assim, temos de considerar a Factory um tipo de teatro biopolítico que 
canibalizava a vida das pessoas. Mas também oferecia algo em retri-
buição: a expectativa de fama e notoriedade underground, que é tudo o 
que conta sob as condições da cultura de celebridades – especialmente 
quando não se tem outro produto a vender que não a si mesmo. 
Seja o seu produto: Warhol como teórico e praticante da cultura de 
celebridades 
Ora, se o mercado alcança todos os aspectos de nossas vidas, e 
se a “vida” serve não apenas como um tema artístico – o que sempre 
fez – mas além disso torna-se objeto de intervenção política e valoração 
econômica, eu defenderia que a assim chamada cultura de celebridades 
é a forma correspondente de sociedade. A princípio, isso poderia soar 
implausível. Entretanto, o que é a cultura de celebridades senão uma 
forma social que seleciona e recompensa indivíduos por terem mer-
cantilizado exitosamente suas vidas (ou aquilo que imaginam ser suas 
vidas)? Celebridades não são reputadas por aquilo que realizaram – o 
que constitui uma indicação de como a cultura de celebridades se dis-
tancia de um modelo de sociedade baseado em realizações. Elas são 
famosas por serem famosas, por terem, com sucesso, comercializado a 
si mesmas e a suas vidas36. 
Teria, então, a cultura de celebridades suplantado a frequent-
emente invocada cultura do espetáculo? Não inteiramente, e somente 
em certos aspectos. Guy Debord definiu o espetáculo, de modo no-
tável, como “uma relação social entre pessoas mediada por imagens”; 
essa definição pode se aplicar à cultura de celebridades, também37. Mas 
enquanto a noção de “espetáculo” implica a possibilidade da distân-
cia, a premissa de que se pode assistir ao espetáculo a partir de uma 
posição recuada, esta torna-se impossível desde o momento em que 
as condições do mercado penetram em nossas vidas mais profunda e 
diretamente38. Estamos todos, de um modo ou de outro, implicados 
em aspectos dessas condições de mercado, e a distância que podemos 
35. Cf. HACKETT, Pat e 
WARHOL, Andy. p. 111.
36. Cf. TURNER, Graeme. 
Understanding Celebrity. 
Londres: Sage, 2004, p. 5. 
37. DEBORD, Guy. The Society 
of Spectacle. Nova York: Zone, 
p. 12 [Cf. edição brasileira: 
DEBORD, Guy. A sociedade do 
espetáculo. Rio de Janeiro: 
Contraponto, 1997.
38. Em relação ao valor 
questionável do conceito de 
espetáculo, e a sua orientação 
implícita a uma “problemática 
utopia da autenticidade 
social”, cf. também Juliane 
Rebentisch, Spectacle, Texte 
zur Kunst 66, junho de 2007, 
p. 122.
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Quando a vida sai para 
trabalhar: Andy Warhol.
pretender em relação a elas não pode ser senão relativa, tendo de ser 
negociada a cada situação particular. 
Seriam os artistas celebridades avant la lettre? Sim e não. Tome-
se a monografia tradicional sobre artistas: focalizando em igual medida 
sua “vida e obra”, ela sugere que a “vida” deles merece, igualmente, 
nossa atenção, em razão das coisas excepcionais que terão realizado. 
Visto por esse ângulo, o artista enquanto ser excepcional serve como 
cena primária para o que veio a ser chamado de celebridade. Entretan-
to, permanece uma diferença crucial entre ambos, que nunca é demais 
ressaltar: enquanto celebridades são o seu próprio produto, os artistas 
visuais, geralmente (com exceção dos artistas de performance), têm um 
produto a vender (mesmo que se trate de um produto desmaterializado) 
que circula independentemente de sua pessoa. Tal produto pode estar 
saturado de vida pessoal e de fantasias sobre sua pessoa, mas tem, sim, 
uma existência independente, circulando no mercado ou sobrevivendo 
ao artista. É isto que considero a vantagem estrutural da produção dos 
artistas visuais sobre a cultura de celebridades – o fato de serem capaz 
de negociar a relação metonímica entre “pessoa” e “produto”. Um sig-
nifica o outro, sem que sejam aniquilados um no outro. 
Há uma visão difundida, reiterada por publicações como Social 
Disease (1993-1994) ou exposições como “Celebrities: Andy Warhol 
and Stars” [Andy Warhol e as estrelas]39, atualmente na Hamburger 
Bahnhof, em Berlim40, que interpreta a prática de Warhol como se esta 
abraçasse entusiasticamente a cultura de celebridades. Tal visão ca-
rece de complexidade e deve ser contestada. Quando Warhol, de modo 
notório, posava como alguém profundamente deslumbrado com “bel-
dades”, “modelos”, “estrelas”, “gente rica” e com o fato de estar “estar 
por cima”, ele provocava e desafiava um consenso ainda razoavelmente 
intacto no mundo da arte nova-iorquino das décadas de 1960 e 1970, 
onde a maior parte dos artistas se identificava com um ideal igualitário. 
Especialmente porque mantinha, nos anos 1970, relações sociais com 
membros do jet set internacional politicamente dúbios e extremamente 
conservadores (de Imelda Marcus, via Sao Schlumberger41, à impera-
triz do Irã), Warhol parecia ter cortado todos os laços com o ethos de 
esquerda e progressista, do artista de vanguarda e underground. En-
tretanto, sua constante retórica exagerada de celebração da “beleza”, do 
“dinheiro” e do “estar por cima” igualmente funcionava como uma ad-
vertência de que hierarquias e iniquidades não deixam de existir mera-
39. STEINORT, Karl e 
BUCHSTEINER, Thomas (EdS). 
Social Disease: Photographs 
’76-’79, Tübingen: Institut für 
Kulturaustausch, 1993-94.
40. Exposição apresentada na 
Hamburg Bahnhof, em Berlim, 
de 3 de outubro de 2008 a 11 de 
janeiro de 2009 [N.T.].
41. Refere-se a São 
Schlumberger [nascida em 
Portugal Maria da Conceição 
Diniz], casada com o 
magnata do petróleo Pierre 
Schlumberger; teve atuação 
destacada como mecenas no 
ambiente artístico e no jet set 
europeus dos anos 1960 aos 
1990 [N.T.].
257
ARS 
ano 15
n. 29
mente porque a maioria dos artistas declararam o desejo de igualdade. 
Se o seu entusiasmo por modeloscomo Jerry Hall não era compartil-
hado pela maior parte do mundo da arte de seu tempo, não há dúv-
ida de que os artistas, galeristas e jornalistas de hoje imediatamente 
reportariam se Cláudia Schiffer fosse flagrada fazendo compras na 
Frieze Art Fair. 
Se descrevo Warhol como teórico e praticante da cultura de 
celebridades, é também porque sua obra encarna a mudança da “es-
trela” para a “celebridade”. Enquanto estrelas ainda eram valorizadas 
pelos resultados que obtinham na atuação, celebridades são admiradas, 
simplesmente, por existirem. Entre muitos, foi Angelina Jolie que re-
centemente teve cravada na testa essa mudança de estrela para celeb-
ridade; deplorando-a, todavia. Ela relatou à Vanity Fair que 80% do que 
se lança sobre ela consiste em sua vida privada – “histórias tolas ou a 
roupa que estou usando” – ao passo que nos tempos de seu pai (seu 
pai sendo o ator John Voigt) a vida privada alcançava apenas 20%42. A 
própria Jolie é o melhor exemplo do “princípio da celebridade” que ela 
descreve de modo tão pertinente – sua produção é sua vida, ou, para 
formular em termos mais precisos, sua produção é aquilo que os meios 
de comunicação de massa dizem que sua vida é.
É tentador considerar Warhol uma espécie de figura fundadora 
da cultura de celebridades – se não por outros motivos, por seu vat-
icínio de que “no futuro todo mundo será famoso por quinze minutos”. 
Esse vaticínio ecoa na atualidade, em que assistimos a uma tremenda 
expansão do “Complexo Industrial da Celebridade”, manifestando-
se em inúmeras revistas (Celebrity, Instyle etc.), incontáveis websites, 
diversos reality shows do tipo de American Idol etc. Esses formatos 
exploram, alimentam e mobilizam o desejo geral de visibilidade e do 
status de celebridade. 
Em vez de torcer o nariz para a cultura de celebridades, gos-
taria de sugerir que tentemos entendê-la. Celebridades usualmente são 
apresentadas como pessoas excepcionais e exemplares, que ao mesmo 
tempo em que se sobressaem, lidam com fatos da vida, como o nasci-
mento de filhos, a separação, a dependência de drogas etc. Conside-
rando que a “vida” sob as condições pós-fordistas tornou-se mais in-
segura e imprevisível, porque pressões externas atingem nossas vidas 
mais imediatamente e, ainda, considerando que se espera de todos os 
trabalhadores que rapidamente se adaptem a prospectivas e oportuni-
42. Cf. a matéria da capa 
sobre Angelina Jolie na edição 
americana de Vanity Fair, “A 
Woman in Full”, julho de 2008, 
p. 132.
258
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Quando a vida sai para 
trabalhar: Andy Warhol.
dades sempre cambiantes, observar celebridades pode nos prover com 
um senso de orientação. O mesmo vale para fofocas e lugares-comuns, 
que já não são excluídos da esfera de produção43#. Também a fofoca 
tem função de consolar e assegurar. Mesmo Virno, que deplorava sua 
importância crescente, foi levado a reconhecer que a fofoca promove 
certezas e opiniões já aceitas, e estas podem ser reconfortantes. Warhol 
parece ter intuído essa necessidade crescente da “fofoca”, à qual hoje 
se concede mais espaço mesmo em revista de arte sérias (veja-se: artfo-
rum.com) e jornais. 
A obra de Warhol decerto se comunica com as leis da “cultura 
de celebridades”, mas também se desvia delas e mesmo conflita com 
elas. Há duas funções ideológicas principais operando nessa cultura de 
celebridades. Ela individualiza e promove a crença neoliberal de que 
podemos alcançar êxito se trabalharmos verdadeiramente duro em nós 
mesmos. Por meio da seleção arbitrária e da exclusão brutal, faz as pes-
soas se resignarem à ideia de que somente uns poucos tirarão a sorte 
grande e, se falharem, é responsabilidade deles (e não aquilo de que na 
verdade se trata, uma inevitabilidade estrutural)44 #.
Acredito que os retratos de Warhol realizados sob encomenda 
contradizem, essencialmente, essas mensagens ideológicas. O status de 
celebridade não é apresentado como uma posição que se mereça ou 
com a qual a sorte possa contemplar. É apresentado como algo que o 
dinheiro pode comprar. Não é preciso trabalharmos duro em nós mes-
mos ou em nossa aparência – Warhol faz isso por nós. De acordo com 
relatos, ele atuava como um cirurgião plástico em seus retratos de en-
comenda: alongando pescoços, eliminando queixos duplos, engrossan-
do lábios, removendo rugas45#. Reconhecimento público é concedido 
mesmo àqueles com escasso potencial para celebridade – pensemos nas 
Disaster Paintings [Pinturas de desastre] ou em Most Wanted Men [Os 
homens mais procurados] (1964), cujo status de celebridade foi recu-
sado pelas autoridades da World Fair46#. Ainda assim – não fosse por 
Warhol, esses assuntos teriam permanecido mais ou menos anônimos.
Se os seus primeiros retratos testemunham, sem dúvida, certa 
fixação em estrelas da moda (como Marilyn Monroe, Liz Taylor ou 
Elvis), não se pode esquecer que Warhol logo produziria as próprias 
“superstars” (um termo inventado por Jack Smith) underground – che-
gando mesmo a organizar seu elenco por meio dos Screen Tests [Tes-
tes de câmera], que estabeleceram novos critérios. Ao oferecer um 
43. Cf. VIRNO, Paolo. A 
Grammar of The Multitude. 
Op. cit., p. 88-93.
44. HORKHEIMER, Max e 
ADORNO,Theodor. Dialectic 
of Enlightenment. Nova York: 
Continuum, 1991, p. 145: 
“Apenas uma garota pode tirar 
o bilhete sorteado, apenas um 
homem pode ganhar o prêmio 
e, se matematicamente todos 
têm a mesma chance, esta é, 
contudo, tão infinitesimal para 
cada um que ele ou ela fariam 
melhor se contabilizassem a 
baixa e se rejubilassem com 
o sucesso de outrem, que 
também poderia ter sido o 
dele ou o dela, e que às vezes 
nunca é”.
45. Cf. HACKETT, Pat. 
Introduction. In: Andy Warhol 
Diaries. Op. cit., p. 16.
46. Em 1964, como parte das 
atrações da Feira Mundial 
organizada naquele ano pelo 
Estado de Nova York, as 
autoridades encomendaram 
um monumental conjunto 
de obras públicas para a 
área externa do Pavilhão 
que representava o Estado, 
um edifício projetado por 
Philip Johnson. Warhol, 
que estava entre os artistas 
comissionados, decidiu 
ampliar fotos provenientes 
de registros criminais do 
Departamento de Políticia 
do Estado de Nova York, 
apresentando os 13 
criminosos mais procurados 
pela polícia em 1962. A obra 
foi recoberta de tinta 
259
ARS 
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n. 29
“teste decisivo da resposta do indivíduo à uma câmera impassível”47, o 
Screen Test constituia um escrutínio do potencial de celebridade dele 
ou dela”. As lendárias “superstars”de Warhol, como Ingrid Superstar, 
Viva, Baby Jane Holzer, International Velvet e Edie Sedgwick, todas 
tinham potencial de celebridade, mas também desviavam das estrelas 
típicas da moda. 
Tomemos, por exemplo, Edie Sedgwick, que, sem dúvida, pos-
suía uma presença fílmica mágica, totalmente compatível com as con-
venções de Hollywood. Entretanto, quando era levada a revelar sua ex-
trema instabilidade psicológica em frente à câmera, como em Kitchen 
[Cozinha] ou Poor Rich Girl [Pobre menina rica] (ambos de 1965), a 
ruptura com essas convenções tornava-se patente. Muitas das super-
stars de Warhol eram drag queens – o que, do mesmo modo, desafiava 
radicalmente as normas e premissas heterossexistas de Hollywood. 
Consideremos sua Philosophy, que se poderia descrever como 
um tipo de dictionnaire des idées reçues da cultura de celebridades 
– cumulado de fofocas, conselhos de autoajuda e lugares-comuns. 
É nele, por exemplo, que se registra uma percepção dos perigos da 
superexposição. Tal como um verdadeiro teórico da cultura de celeb-
ridades, Warhol notava que uma presença excessiva da mídia poderia 
ser prejudicial, “porque… eles usam você, é assustador”48. Os perigos 
resultantes da produção de si como aparência pública são submetidos 
a constante reflexão, ensejando um conselho que é meu trecho fa-
vorito da Philosophy de Warhol: “Você precisa ter sempre [disponível] 
um produto que não seja vocêmesmo”49. O que se reconhece aqui é 
que a “pessoa” e o produto jamais deveriam se fundir um no outro, e 
isto, precisamente, porque estão interconectados de modo tão íntimo. 
Uma vez que um bocado de seu produto é você mesmo, deve existir 
algo que não seja você. Warhol foi um artista que desenhou meticu-
losamente sua persona pública mas, do mesmo modo, se assegurou 
de que os produtos atribuídos a ele estivessem em circulação e que 
diferissem de sua pessoa. 
O que acontece, porém, quando a diferença entre “produtos” e 
“pessoa” entra em colapso? Este não é o destino apenas de modelos e 
atores, mas caracteriza também a situação atual no mercado de arte, 
que não poderia ser mais personalizado. Obras de arte são tratadas 
como sujeitos e artistas desenham-se a si mesmos como objetos. Se o 
artista promove uma personalidade convincente, esta conferirá credibi-
prateada pelas autoridades 
organizadoras do evento, 
poucos dias depois de 
instalada. Quando a Feira 
inaugurou, o que restava 
do trabalho era um amplo 
quadrado prateado [N.T.].
47. WATSON, Steven. Factory 
Made: Warhol and The Sixties. 
Op. cit., p. 131.
48. HACKETT, Pat. Andy 
Warhol Diaries. Op. cit., p. 272.
49. WARHOL, Andy.The 
Philosophy of Andy Warhol 
(From A to B and Back Again). 
Op. cit., p. 86.
260
Isabelle Graw
Quando a vida sai para 
trabalhar: Andy Warhol.
lidade a seu produto. Warhol tinha o seguinte conselho a dar a modelos 
e atores: eles deveriam contabilizar a quantidade de filmes ou fotos que 
fazem, se quisessem saber quanto valem. Se tão somente nos vende-
mos, acabamos de mãos abanando. Isto sugere uma crença profunda na 
produção artística, o que é tanto mais surpreendente se considerarmos 
o fato de que Warhol às vezes mostrava-se pasmo diante daquelas pes-
soas que têm fantasias duradouras e profundamente enraizadas sobre 
arte50. Será que ele também acalentaria essas fantasias? Eu diria que é 
a tensão entre uma “crença” idealista na produção artística e a análise 
anti-idealista de suas condições de produção que torna Warhol tão ur-
gente sob o ponto de vista contemporâneo.
Considero, dessa maneira, mais do que eloquente o fato de que 
sua última aparição pública tenha ocorrido na passarela, como mod-
elo em um evento de moda no Tunnel Club, alguns dias antes de sua 
morte. Sua expressão parece ter sido de prazer e sofrimento, como se 
nos lembrasse que é alto o preço a ser pago quando nos colocamos a 
nós mesmos no mercado. Mas, diferentemente dos modelos, Warhol 
tinha um produto a vender – um produto chamado “arte”, tradiciona-
lmente definido por seu valor simbólico, o qual, por sua vez, consiste 
em uma suposta potencialidade de significação. O valor simbólico da 
arte é baseado na premissa (não inteiramente injustificada), de que a 
arte produz um excedente intelectual que não pode ser reduzido nem 
à história nem à vida pessoal do artista. Todavia, especulações sobre a 
personalidade do artista – como ela ou ele supostamente viveram, se 
seu trabalho pode ser associado a um contexto boêmio ou glamuroso 
– entram, sim, no valor simbólico da arte e são mesmo aptos a elevá-
lo. Mas, em face de um mercado de arte altamente personalizado, 
que tende a personalizar a totalidade da produção artística, parece 
crucial ter em mente a complexidade da relação entre “produtos” e 
“pessoa”. É vantagem do produto o fato de ser irredutível à pessoa – 
não sendo, ao mesmo tempo, seu oposto estrito. A obra de Warhol é 
uma demonstração vívida de como produto e pessoa recobrem-se de 
modo recíproco, em especial quando circulam no contexto neoliberal 
e biopolítico da cultura de celebridades, enquanto potencialmente 
também levam suas vidas em separado. Não obstante sua disposição 
para se render a essas condições, Warhol não permitiu que sua obra 
fosse governada por elas.
50. Idem, ibidem, p. 178.
Andy Wahrol, Most wanted 
man, serigrafia, 1964.
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ano 15
n. 29
Artigo recebido em 15 de 
fevereiro e aceito em 15 de 
abril de 2017. 
Isabelle Graw é fundadora e editora da revista Texte zur Kunst e professora de História 
da Arte e Teoria da Arte na Staatlische Hochschule für bildende Kunst (Städelschule) de 
Frankfurt am Main. É também autora de High price: art between the market and celebrity 
culture (Sternberg Press, 2010).
Sônia Salzstein é professora de História da Arte e Teoria da Arte na Escola de 
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo [USP].

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