Jardim Cinema: Richard Linklater - “Antes do Amanhecer” / “Before Sunrise”

sábado, 27 de abril de 2024

Richard Linklater - “Antes do Amanhecer” / “Before Sunrise”


Richard Linklater
“Antes do Amanhecer” / “Before Sunrise”
(EUA/Austria/Suíça - 1995) – (105 min. / Cor)
Ethan Hawke, Julie Delpy.

Richard Linklater foi um dos cineastas que deu nas vistas no início dos anos noventa, do século xx, participando no surgimento do chamado cinema independente, estreando-se com “Slacker” (1991), realizado na sua terra natal, Houston, no Texas, ao qual se seguiu “Dazed and Confuse” (1993), tendo ambos os filmes revelado um certo investimento numa nova fórmula de argumento onde os diálogos, ditos palavrosos, mas muito mais complexos do que parecem à primeira vista, se irão tornar num dos elementos preponderantes da sua arte, ao mesmo tempo que o desejo em realizar películas cuja acção temporal atravessa o período de um dia, se irão apresentar como o desafio preferido do cineasta.


E será assim que, em 1995, todos iremos ser surpreendidos por Richard Linklater ao descobrirmos este “Antes do Amanhecer” / “Before Sunrise”, através do qual essa geração que viaja pela Europa, usando o célebre inter-rail, se irá reconhecer nos protagonistas, um Ethan Hawke, que participara anteriormente no célebre filme de Peter Weir, “Clube dos Poetas Mortos” / “Dead Poets Society” e Julie Delpy, cuja visibilidade na época era menor, pois só era recordada como a actriz de “Três Cores – Branco” / “Trois Couleurs – Blanc” de Krzysztof Zieslowski, realizado em 1994.


Vamos encontrar os dois protagonistas, Jesse (Ethan Hawke) um americano a caminho de Viena para apanhar um avião para os Estados Unidos da América e Celine (Julie Delpy), uma estudante da Sorbonne, que regressa a Paris, na mesma carruagem de comboio no qual um casal discute em voz bem alta, para incómodo de todos os presentes. Tanto a rapariga francesa como o jovem americano se encontram a ler livros, tendo ela sido obrigada a mudar de lugar perante o barulho daquele casal que, por fim, sai da carruagem para ir até ao bar. Sendo nesse preciso momento, igual a tantas situações vividas, que o jovem americano decide meter conversa com a estudante francesa, iniciando-se um típico diálogo, tantas vezes antecessor de futuros encontros. E quando o comboio se encontra a chegar à estação de Viena, Jesse decide desafiar Celine para passar com ele o resto do dia, até à manhã seguinte, optando por visitar Viena, fugindo ele assim de passar horas infinitas na sala de espera do aeroporto, aguardando o voo para a América.


A proposta parece curiosa para Celine (Julie Delpy), que termina por aceitar, iniciando ambos um périplo pela cidade de Viena, ao mesmo tempo que vão conversando de forma franca acerca do amor, em que iremos saber que Jesse (Ethan Hawke) afinal viera à Europa, ou melhor a Madrid, para se encontrar com a namorada americana, que tudo fez para não estar sozinha com ele, rodeando-se sempre de amigos espanhóis, até chegar esse momento em que ele percebeu que se encontrava a mais. As conversas entre este jovem par são de uma simplicidade absoluta, graças a um excelente argumento escrito pelo próprio cineasta em colaboração com Kim Krizan, revelando toda a sua genialidade ao transformar a possível banalidade dos assuntos num poderoso retrato dos intervenientes, espelho de uma geração, que se irá reconhecer nos protagonistas, contribuindo dessa forma para o enorme sucesso da película.


E, ao contrário do que se poderia esperar, Richard Linklater não optou por nos oferecer um bilhete-postal de Viena, mas sim por nos dar o percurso descontraído de Jesse e Celine, que irão encontrar diversas personagens ao longo da noite, espelho de uma certa marginalidade poética, como aquela que vemos no jovem que, nas margens do rio, pede que lhe comprem poemas, a mulher que lê a sina oferecendo sempre o mais belo cenário ou o barman que acaba por aceitar a proposta de Jesse, dando-lhe uma garrafa de vinho para ele e Celine, se despedirem da noite, comemorando de forma plena aquelas horas passados juntos.


“Antes do Amanhecer” / “Before Sunrise” não possui qualquer tipo de truques, género um volte-face final ou um romance à beira do abismo onde as paixões avassaladoras falam mais alto. Nada disto existe na película, optando Richard Linklater por um naturalismo comovente, oferecendo-nos o retrato das personagens através dos diálogos que se vão estabelecendo entre ambos, sejam eles os telefonemas imaginários, ou confissões sobre os pais e o futuro. Tanto Jesse como Celine possuem a noção perfeita ao despedir-se que não se irão voltar a encontrar, como tantas vezes sucede nos inter-rail, mas nove anos depois o cineasta irá fazer-nos reencontrar este par mágico em “Antes do Anoitecer” / “Before Sunset”, desta vez na cidade de Paris, para conhecermos como eles passaram esses anos.


“Antes do Amanhecer” / “Before Sunrise” e “ Antes do Anoitecer” / “Before Sunset” de Richard Linklater são um verdadeiro retrato sociológico de uma geração, transformando estas películas em verdadeiros “cult-movies”.

Rui Luís Lima

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