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Vídeo. Evocar o impacto do 25 de Abril nos imigrantes portugueses do Luxemburgo

Pela primeira vez na história, um dos mais importantes museus do Luxemburgo organiza uma exposição sobre o 25 de Abril. Uma forma de comemorar os 50 anos da revolução portuguesa.

© Créditos: Anouk Antony

É uma homenagem aos portugueses que representam a maior comunidade de estrangeiros no Luxemburgo. Um retrato do antes e depois do 25 de Abril que pode ser visto a partir desta sexta-feira e até 5 de janeiro do próximo ano. A exposição reúne imagens, vídeos, depoimentos e objetos que evocam um dos períodos mais importantes da história portuguesa. Estão reunidos na exposição patente em vários pisos do Museu Nacional de Arqueologia, História e Arte.

Entrevista a Régis Moes e Isabelle Maas, responsáveis pela exposição 

Uma exposição que, obviamente, não podia deixar de fora a imigração em massa dos portugueses, que marca a relação entre os dois países.

Gaston Thorn, primeiro-ministro luxemburguês reúne com Marcelo Caetano, presidente do Conselho em 1972.
Gaston Thorn, primeiro-ministro luxemburguês reúne com Marcelo Caetano, presidente do Conselho em 1972. © Créditos: Anouk Antony

Em 1974 estavam 20 mil portugueses no Luxemburgo, de acordo com os números oficiais. Mas, na realidade, a comunidade portuguesa deveria ser muito maior, porque muitos estavam clandestinos. “Cerca de 80% dos imigrantes portugueses chegavam a salto”, explica Régis Moes, um dos comissários desta exposição comovente.

“Mas porque havia uma grande necessidade de mão de obra eram regularizados rapidamente”, acrescenta. Em frente à estação de comboio da capital luxemburguesa, do outro lado da rua, estavam as empresas de construção ávidas de trabalhadores. “Chegavam de manhã e a seguir ao almoço já estavam a trabalhar”, recorda.

Mas havia também uma preocupação de equilibrar a pirâmide demográfica.

Exposição “A revolução de 1974”
Exposição “A revolução de 1974” © Créditos: Anouk Antony

“Nos anos sessenta, o governo luxemburguês receava pelo futuro do país porque os luxemburgueses estavam a ter poucas crianças”, descreve. E fez um acordo com Portugal para promover a imigração de trabalhadores portugueses. Através dele a agência de emprego luxemburguesa, antiga ADEM, enviava as ofertas de trabalho para recrutar em Portugal. Muitas vezes estes trabalhadores acabavam por assinar o contrato antes de seguirem viagem para o Grão-Ducado.

Régis Moes e Isabelle Maas dedicaram dois anos de trabalho a preparar esta exposição.
Régis Moes e Isabelle Maas dedicaram dois anos de trabalho a preparar esta exposição. © Créditos: Anouk Antony

Mas havia também a emigração ilegal. “Já havia redes e passadores que colocavam estes portugueses em casas com muito poucas condições. O problema de descobrir onde alojar os portugueses que chegavam. E muitos acabavam por ficar em casas antigas e degradadas. Mais tarde, o governo começou a construir habitações para albergar as famílias portuguesas”, descreve.

Na exposição há uma grande fotografia que ocupa uma parede que mostra Gaston Thorn, primeiro-ministro luxemburguês, num encontro com Marcelo Caetano em que é renegociado este acordo de imigração. “Em 1972, há uma renegociação deste acordo de mão de obra. Portugal pede que seja aplicado a Portugal, Açores e Cabo Verde. Os luxemburgueses pedem, pelo seu lado, que não sejam recrutados negros, alegando que não poderiam integrar-se na sociedade luxemburguesa”, salienta.

Uma discriminação estrutural que afetava também a comunidade portuguesa. “Para além dos anúncios nas montras dos cafés que proibiam a entrada a cães e negros, também havia alguns estabelecimentos que escreviam: “Interdito a portugueses”, sublinha

© Créditos: Anouk Antony

“Temos 14 testemunhos em português e francês mostrados nos ecrãs que estão numa das salas da exposição, mas não havia muita gente ativa politicamente no Luxemburgo”, esclarece Isabelle Maas, outra das curadoras da exposição.

Há também um corredor escuro e, ao fundo, pode ver-se uma gravação de um dos mais emblemáticos discursos de Salazar. Nas paredes há inscrições com tudo o que era proibido fazer durante os mais de 40 anos da ditadura.

Para mostrar a abertura do pós-25 de Abril, “há imagens da época e uma instalação multimédia em que é possível viver 1.° de Maio de 1974, que levou cerca de dois milhões de pessoas às ruas”.

Imagens do 1.° de Maio em Portugal
Imagens do 1.° de Maio em Portugal © Créditos: Anouk Antony

“Depois há também fotos de pessoas que foram fazer turismo revolucionário”, descreve Isabelle Maas. “Muitos jovens de movimentos de esquerda, maoistas e trotskistas, católicos progressistas, que foram a Portugal participar no processo revolucionário e também professores que queriam aprender português para poder falar com os pais dos seus alunos”, acrescenta Régis Moes.

Entre a comunidade portuguesa também crescia o receio sobre o rumo que Portugal estava a tomar. “Mostramos um artigo do Luxemburger Wort que fala da iminência de uma guerra civil em Portugal e mostramos uma carta escrita a Mário Soares por uma dirigente política luxemburguesa da época, a pedir explicações sobre o que se estava a passar para poder esclarecer os portugueses que viviam no Luxemburgo”, descreve.

Há também testemunhos de mulheres. Num deles Maria Maas sublinha que, aqui no Luxemburgo, a pessoa “poderia ter mais liberdade que em Portugal, onde vivia em ditadura”. O que era visível na forma como se vestiam e na maquiagem. Por razões de necessidade económica, a percentagem de mulheres portuguesas a trabalhar foi sempre mais elevada do que entre as luxemburguesas. “No início da década de 80, cerca de 78% das crianças no pré-escolar eram portuguesas, porque as suas mães tinham que ir para o trabalho”, adianta.

Para que ninguém esqueça há uma parede inteira da exposição onde se pode ler o que era proibido fazer em Portugal durante a ditadura. Coisas simples como beber coca-cola, o divórcio, falar de política, dar beijos em público ou jogar às cartas no comboio. Ao fundo desse corredor há um ecrã onde é difundido um dos mais emblemáticos discursos de António de Oliveira Salazar em que enuncia a máxima que fica para a história: Deus, Pátria e Família.

Esta exposição é uma viagem ao passado, mas também deixa um aviso para o futuro. “Pretendemos mostrar o que significa viver numa ditadura, um tema que parece estar esquecido”, alerta Régis Moes. Para que episódios de poder autoritário não se voltem a repetir. “Queremos também despertar a memória dos que viveram nessa época para que contem como era às gerações mais novas e falem sobre o que aconteceu”, sublinha.

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Outra das missões “é desmistificar o preconceito que existe em relação aos portugueses, para que deixem de ser vistos apenas como quem vem para o Luxemburgo à procura de dinheiro”, diz. “Porque, sem os portugueses, o Luxemburgo não teria este desenvolvimento económico e as pensões há muito que deixariam de ser pagas”, recorda.

Dos testemunhos que recolheram, um dos que mais marcou Régis Moes “foi a descoberta de uma célula de resistência no Luxemburgo, em 1971, que roubou passaportes na embaixada para fazer documentos falsos para os combatentes clandestinos e mostramos alguns deles na exposição”.

Já Isabelle Maas recorda o testemunho “de alguém que veio a salto, tendo chegado uma semana depois do início da guerra colonial. Quando chegou à Gare, a polícia reenviou-o para França, mas quando o comboio ia a entrar na estação de Bettembourg, ele saltou, apanhou um táxi e regressou à capital luxemburguesa, onde está até hoje”.

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