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Erling Lorentzen: o norueguês que construiu um império no Brasil

Conheça a história do fundador da Aracruz Celulose.

A história de vida do norueguês Erling Lorentzen parece ter sido tirada de um roteiro de Hollywood.

Com apenas 17 anos lutou contra os alemães na segunda guerra mundial. Após o término do conflito, se mudou para os Estados Unidos para estudar em Harvard.

Ao retornar para Noruega, casou-se com a Princesa Ragnhild e se tornou o primeiro plebeu a ingressar na família real norueguesa.

Quando se mudou para o Brasil nos anos 50, construiu um império empresarial e foi sócio de gigantes como o Grupo Moreira Salles, a família Ermírio de Moraes, o Grupo Safra e os Almeida Braga.

Um dos negócios fundados por Lorentzen foi a Aracruz Celulose, a maior indústria de celulose do mundo.

Além da Aracruz, também fundou a Supergasbras e a Norsul, uma das maiores empresas de cabotagem do Brasil, com faturamento de mais de R$ 2 bilhões em 2022.

Seja muito bem-vindo à história de Erling Lorentzen, o norueguês que construiu um império no Brasil.

Noruega

Erling Sven Lorentzen nasceu no dia 28 de janeiro de 1923 em Oslo, a capital da Noruega.

Sexto filho de Øivind Lorentzen e Ragna Nilsen, Erling e seus irmãos tiveram uma infância tranquila.

Seu pai era um importante empresário do setor de transporte marítimo norueguês e que desde o início do século 20 tinha laços comerciais com a América do Sul.

Em 1940, quando tinha 17 anos, Erling Lorentzen se voluntariou para combater o exército alemão na Segunda Guerra Mundial.

Por ser menor de idade, ele começou como mensageiro da cúpula da resistência contra os alemães, transportando ordens e documentos do exército norueguês.

Tempos depois, foi enviado para a Inglaterra para ter treinamento militar. 

Ao retornar para a Noruega, com apenas 21 anos, ficou encarregado de liderar um pelotão de 800 soldados nas montanhas entre Oslo e Bergen, as duas principais cidades do país.

Uma das principais missões executadas por Lorentzen e seu pelotão foi sabotar as linhas ferroviárias utilizadas pelos alemães para dificultar o abastecimento de suprimentos.

Após o final da Guerra, em 1945, Lorentzen foi selecionado para fazer parte da equipe de segurança da família real norueguesa.

Além da segurança, Erling também ficou encarregado de ensinar as filhas do rei a velejar.

Foi nesse momento que começou o seu namoro com a princesa Ragnhild, então a primeira na linha de sucessão.

Para manter seu relacionamento com a princesa, no entanto, a família real solicitou que ele estudasse, visto que Erling não tinha cursado a faculdade devido à guerra.

Dessa forma, Erling aplicou para algumas das principais universidades dos Estados Unidos.

Após ser rejeitado pela Universidade de Columbia, ele tentou entrar na prestigiada Harvard Business School.

Quando disse ao responsável pelas admissões da Universidade que havia comandado um pelotão de 800 soldados com apenas 21 anos, Erling foi aceito no MBA de Harvard, mesmo sem ter graduação.

Enquanto esteve nos Estados Unidos, Erling e a princesa continuaram se falando através de cartas.

Quando retornou à Noruega, voltaram a namorar e pouco tempo depois, em 1953, se casaram.

Isso fez com que Erling Lorentzen se tornasse o primeiro plebeu a ingressar na família real norueguesa.

Além do casamento, 1953 também foi o ano em que Erling e a princesa tomaram uma importante decisão: se mudar para um novo país…

Brasil

O país escolhido pelo jovem casal foi o Brasil.

Mas isso não foi por acaso.

A família Lorenzten já tinha raízes na América do Sul desde o final do século 19, quando  Hans Ludvig Lorentzen, o bisavô de Erling e também um armador, emigrou para o Brasil em 1892.

Em 1953, seu pai o encarregou de tocar os negócios da família do setor de navegação no Brasil e em outros países da região.

Numa das viagens ao Brasil, se deparou com uma grande oportunidade de negócio.

Erling ficou sabendo que a Companhia Nacional de Gás Esso estava à venda e resolveu comprar a empresa.

Companhia Nacional de Gás Esso

Nessa época, em 1953, a empresa era controlada pela Standard Oil, a gigante do setor de petróleo fundada por John D. Rockfeller.

Com a compra da distribuidora de gás, que passou a se chamar Gasbras, Erling se tornou o diretor da empresa e teve que se mudar definitivamente para o Rio de Janeiro, onde era a sede da companhia.

Uma decisão que não foi fácil, visto que a Princesa Ragnhild precisou abrir mão dos seus privilégios como membro da família real norueguesa.

O início foi desafiador.

Erling não falava português e a grande maioria dos funcionários da Gasbras não falavam inglês.

Ainda assim, o negócio começou a crescer rapidamente.

Isso porque nessa época os consumidores estavam substituindo os fornos à lenha por fogões à gás, que eram uma grande novidade no Brasil nos anos 50.

Além da Gasbras, Erling começou a olhar para outros setores para empreender.

E então, em 1963, decidiu fundar um negócio em um ramo que estava no DNA da sua família: a navegação.

Erling achava uma loucura que um país com uma costa tão grande como o Brasil tivesse tão pouca navegação própria.

Sendo assim, ele fundou a Cia de Navegação Norsul, uma empresa especializada em navegação de cabotagem.

Para atender a legislação da época, que não permitia que um estrangeiro tivesse uma empresa brasileira no seu nome, Erling se associou com dois nomes de peso: 

O lendário banqueiro e ex-diplomata Walther Moreira Salles, que ficou com 30% da empresa.

Walther Moreira Salles

E Augusto Trajano de Azevedo Antunes, um dos maiores empresários do Brasil do setor de mineração e fundador da Caemi, que ficou com outros 30% do negócio.

Os 40% restantes das ações ficaram para Lorentzen.

Segundo o estatuto da companhia, o capital destinado foi de 20 milhões de cruzeiros dividido em 20 mil ações ordinárias nominativas de valor unitário de mil cruzeiros.

Em paralelo à fundação da Norsul, Erling continuou à frente da Gasbras e em 1968 deu mais um passo importante ao anunciar a fusão com a Supergas, a maior distribuidora de gás de Minas Gerais.

A união das duas empresas deu origem à Supergasbras, uma gigante do setor de distribuição de gás com mais de 2,5 milhões de clientes.

Porém, após algumas divergências com Wilson Lemos de Moraes, que era o controlador da Supergas e se tornou seu sócio na nova companhia, Lorentzen decidiu vender sua participação no negócio em 1972.

Além disso, Lorentzen estava querendo levantar capital para o seu próximo grande projeto: a Aracruz Celulose.

Aracruz Celulose

A Aracruz Celulose surgiu alguns anos antes de uma ideia inicial de Eliezer Batista de exportar cavacos de madeira para o Japão junto com os navios de minério de ferro da Vale do Rio Doce.

Sendo assim, Lorentzen começou a plantar eucaliptos no município de Aracruz no Espírito Santo em 1967.

Contudo, logo foi visto que a operação não funcionaria por ser contaminante e então Lorentzen mudou o plano para começar a produzir celulose a partir da fibra de eucalipto.

Dessa forma, contratou uma empresa finlandesa, uma das melhores empresas de engenharia do mundo para projetar uma fábrica com capacidade produtiva de 400 mil toneladas de celulose por ano.

O projeto era ousado.

A fábrica foi instalada num lugar totalmente inóspito, no interior do estado do Espírito Santo.

Vale lembrar que o município de Aracruz na década de 1970 tinha apenas 26 mil habitantes.

Mesmo com todos os desafios, Erling foi em frente e com capital privado mais  financiamento do BNDES, a primeira fábrica da Aracruz Celulose, a fábrica A, foi inaugurada em 1978.

Com a fábrica ao lado da floresta de eucalipto e próxima do porto da Barra do Riacho, logo as vantagens competitivas da Aracruz Celulose foram ficando cada vez mais evidentes.

Inicialmente entre os sócios da Aracruz Celulose, além de Lorentzen estavam gigantes como o Grupo Moreira Salles, a Souza Cruz, o BNDES e a sueca Billerud.

Em 1985, em conjunto com a Cenibra, a Aracruz comprou o controle do porto da Barra do Riacho, o Portocel, até hoje o único terminal especializado em embarque de celulose do Brasil.

Com a capacidade produtiva no limite, nos anos seguintes a Aracruz começou a planejar a expansão da sua unidade e a construção de uma nova fábrica.

Em 1988, a Aracruz passou por uma reorganização societária, com o BNDESpar reduzindo sua participação no capital da companhia, dando lugar para o Grupo Safra, que passou a ser acionista da Aracruz Celulose.

Com a nova estrutura societária, a empresa deu início à construção da sua nova fábrica, a Fábrica B, no início dos anos 90.

Para financiar uma parte do projeto, em 1992 a Aracruz Celulose se tornou a primeira empresa brasileira a oferecer ADRs na Bolsa de Valores de Nova York.

Aqui, uma curiosidade interessante.

A abertura de capital da empresa na bolsa americana foi no mesmo dia em que Pedro Collor tornou pública as denúncias de corrupção contra seu irmão, o presidente Fernando Collor.

Mesmo com a forte turbulência, Erling insistiu em continuar com a oferta de ações e a companhia conseguiu levantar o capital necessário para a conclusão da obra da fábrica B.

Com duas unidades produtivas operando a todo vapor, a Aracruz seguiu crescendo ao longo da década de 90.

Em 1996, mais uma mudança no quadro societário, com a saída por completo da gigante Souza Cruz, que decidiu concentrar seus esforços apenas na sua atividade principal, a fabricação de cigarros.

Quem comprou a parte da Souza Cruz foi a Mondi Brazil, uma subsidiária da mineradora Anglo American.

Pouco tempo depois, em outubro de 2000, a Aracruz Celulose assinou um acordo para comprar a participação da Odebrecht no capital da Veracel, uma produtora de celulose localizada no sul da Bahia.

Dessa forma, a Veracel passou a ser controlada pela Aracruz e pela gigante sueca Stora Enso.

No ano seguinte, a Votorantim Celulose e Papel anunciou a compra da participação da Anglo American no capital da Aracruz por US$ 370 milhões.

Com a transação, o capital da Aracruz Celulose ficou divididdcea da seguinte maneira:

  • 28% para o Grupo Lorentzen
  • 28% para o Grupo Safra
  • 28% para a VCP
  • 12,5% para o BNDES
  • e 3,5% para outros investidores.

Mesmo com os pesados investimentos em expansão nos anos anteriores, a Aracruz continuou investindo na ampliação das suas operações, e em 2002, inaugurou a sua terceira unidade, a fábrica C.

No ano seguinte anunciou a construção de mais uma fábrica da Veracel, que foi inaugurada em 2005.

Com 98% da sua produção destinada à exportação, em 2003 a empresa teve uma receita líquida de R$ 3 bilhões e um lucro líquido de R$ 800 milhões.

No total, a empresa exportou mais de 2,3 milhões de toneladas de celulose naquele ano.

Com o forte crescimento da economia chinesa a partir dos anos 2000, a Aracruz Celulose, que foi a primeira empresa brasileira a exportar celulose para a China, se beneficiou de forma significativa.

Em 2004, a empresa registrou um lucro recorde de mais de R$ 1 bilhão.

Nada parecia deter a Aracruz Celulose, até que o inesperado aconteceu…

Com o estouro da crise financeira nos Estados Unidos em 2008, a Aracruz Celulose foi fortemente atingida devido à sua grande exposição a derivativos cambiais.

No total, a empresa registrou um prejuízo de R$ 4,2 bilhões em 2008.

A título de comparação, no ano anterior a empresa teve um lucro líquido R$ 1 bilhão.

Só no último trimestre de 2008 o prejuízo chegou a mais de R$ 2 bilhões, o que fez com que suas ações despencassem na bolsa de valores.

A crise também impactou na negociação entre o Grupo Votorantim e os demais acionistas da Aracruz.

A VCP estava negociando a compra das participações da família Lorentzen, Moreira Salles e Almeida Braga, assumindo assim o controle da operação.

Contudo, devido às perdas da Votorantim causadas pela crise que chegaram a mais de R$ 2 bilhões, as negociações foram paralisadas.

Em janeiro de 2009, o grupo Votorantim, após se capitalizar com a venda da metade do Banco Votorantim para o Banco do Brasil, retomou a negociação.

A empresa da família Ermírio de Moraes pagou R$ 2,7 bilhões por 28% das ações com direito a voto da Aracruz Celulose, que estavam sob controle da Arapar, a holding que concentrava as participações das famílias Lorentzen, Moreira Salles e Almeida Braga.

Em março, foi a vez da Votorantim pagar mais R$ 2,7 bilhões pela participação de 28% do capital que estavam nas mãos da família Safra.

Dessa forma, a Votorantim Celulose e Papel passou a deter 84% do capital votante da Aracruz Celulose. O restante ficou com o BNDES.

Pouco tempo depois, em setembro de 2009, a partir dos ativos da Aracruz Celulose e da VCP, foi criada a Fíbria, a maior empresa de celulose do mundo.

Em 2019 a Fíbria foi incorporada pela Suzano, a gigante da celulose controlada pela família Feffer.

Grupo Lorentzen

Após vender o controle da Aracruz Celulose, Erling Lorentzen passou a investir em novos projetos.

Além da Norsul, que já havia se tornado a maior empresa privada de transporte de granel seco do país e agora era o maior ativo do seu portfolio, Erling Investiu em um projeto de geração de energia em Gana e mais diversos outros negócios.

Em 2013, comprou a New Steel, uma empresa que estava desenvolvendo pesquisas sobre mineração com baixo uso de água.

Seis anos depois, Erling vendeu a empresa para a Vale por US$ 500 milhões.

Em 9 de março de 2021, Erling Lorentzen morreu aos 98 anos em Oslo, na Noruega.

Atualmente, os investimentos da família Lorentzen estão concentrados na Lorinvest, que possui negócios nos mais variados setores.

A Norsul, maior empresa da família, segue sendo 

uma gigante do setor de cabotagem no Brasil e em 2022 teve uma receita líquida de mais de R$ 2 bilhões e atualmente conta com 500 colaboradores e 21 embarcações próprias.

Como disse Eliezer Batista, “Erling Lorentzen era o mais brasileiros de todos os nórdicos”

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