Cannes 2024: Yanomami, Davi Kopenawa sobrevive à destruição do mundo

Cannes 2024: Yanomami, Davi Kopenawa sobrevive à destruição do mundo

Documentário de Eryk Rocha e Gabriela da Cunha Carneiro discute a espiritualidade indígena que percebe a voz do mundo
Autor Arthur Gadelha
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Tipo Analise

Quando um trovão explodiu na tela do Theatre Croisette o salto na poltrona foi inevitável. Na tarde deste domingo, 19, Cannes conheceu seu primeiro título brasileiro como se levasse um chute em direção ao abismo enquanto um sussurro declara sua ignorância: “A Queda do Céu”, dirigido por Eryk Rocha e Gabriela da Cunha Carneiro, baseado no livro de mesmo título publicado por Bruce Albert e pelo líder indígena Davi Kopenawa. A obra estreou na Quinzena dos Cineastas, evento que acontece desde 1969 dentro da programação oficial do Festival de Cannes.

Na tela, o povo Yanomami toma as rédeas de uma história que lhes pertence, elaborando a escuta da natureza como parte de uma espiritualidade compartilhada. Não há o indivíduo e o mundo, à parte, mas um na extensão do outro. Logo no primeiro longuíssimo plano, em que vemos um grupo se aproximando de um local muito longe até que tomem a tela, mergulhamos na obrigação de estar vulnerável, ver e ouvir. Então os relatos, as canções, as danças, os rituais e a prática das próprias orações vão tomando a imagem e o som como uma revelação que nunca chega ao fim.

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“Fizemos um filme para mostrar para vocês que não conhecem a realidade, a alma do Brasil, a alma da Terra. Meu povo cuidou da terra por muitos anos. Eu sou a sobrevivência do meu povo”, declarou Davi Kopenawa no palco antes da sessão. Mesmo dirigido por Eryk e Gabriela, o ponto de vista é um elemento bem delicado na produção ao manter a discussão sempre do lado de lá, inclusive mantendo a língua yanomami na narração de forma integral.

O texto é o elemento estético central da obra, debruçando-se sempre com muito interesse sobre tudo que é dito, o que tanto nos leva a imaginar sobre a ancestralidade do conhecimento oral quanto a supor também sobre o processo de adaptação de sua origem literária. “Talvez seja a análise anticapitalista mais contundente que vimos nos últimos tempos”, disse Eryk sobre seu trabalho com Gabriela.

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Numa sequência especialmente chocante para o momento em que vivemos hoje, ouvimos que “o mundo está se vingando” enquanto vemos cenas de uma natureza destruída, forçada a se transformar em ruínas. O desmatamento das árvores, o derretimento das geleiras, as enchentes, a morte de espécies que perdem seus habitats. Embora seja bastante cíclico, o filme compreende seu objetivo até mesmo didático de colocar essa discussão numa ordem direta de apontamento daquilo que o “homem branco” e sua “lógica desenvolvimentista” significa desde que começou a invadir o mundo.

“A Queda do Céu”, portanto, trilha seu discurso na imersão de uma cosmologia da qual vivemos muito distantes, especialmente nas capitais, espelho que está posto desde que o filme começa, entre a tela e a plateia. Como o homem que surge na sala de cinema para conversar com o filme na intervenção caótica de Coppola no seu “Megalopolis”, aqui o próprio Davi faz o mesmo, mas dessa vez virado para nós: “Não foi para assustar vocês não. É mensagem do que vai acontecer”.

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