“O livro raro é o que mais aproxima o bibliófilo de algo único, daquele desejo — mesquinho — de ter algo que ninguém tem”, diz um texto, de 2018, do colecionador Rômulo Pinheiro. É exatamente a busca pela singularidade que move “caçadores de livros raros” de todo o Brasil, que chegam a desembolsar fortunas e montar estruturas de ponta em suas casas para abrigar os exemplares, muitas vezes únicos. A atividade, que reunia um seleto grupo e precisou se reinventar com o desenvolvimento tecnológico, chegou ao ambiente virtual e abriu espaço até para youtubers e influenciadores especializados no assunto.
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O imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL) Antonio Carlos Secchin, conhecido por ser autor de 16 livros e professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), também carrega a fama de ser um dos principais bibliófilos do país — termo usado para identificar os donos de grandes acervos particulares de livros.
— Meu interesse pelo livro raro foi uma consequência de querer ler o livro, não para enfeitar. Muitas vezes eu só conseguia ter acesso ao texto em um exemplar raro. Como viajava muito a trabalho, visitava sebos em todo o Brasil. Ia encontrando esses exemplares e formando minha coleção — lembra Secchin.
Em seu apartamento, na Zona Sul do Rio, ele adaptou dois cômodos para abrigar os cerca de 20 mil volumes que possui, com direito a estantes planejadas, proteção contra a luz do sol e desumidificador ligado 24 horas por dia, medidas para evitar desgaste e danos aos exemplares.
Em meio às 420 prateleiras, passam despercebidos para leigos verdadeiros tesouros da literatura, como a 1ª edição do único livro publicado em português pelo poeta Fernando Pessoa em vida, “Mensagem”, com uma dedicatória do próprio autor; a 1ª edição do “O Guarani”, de José de Alencar, única preservada em acervo particular de que se tem notícia no país; e o folheto conservado da revista “Chic!Chic!”, peça teatral escrita por João do Rio, em parceria com o jornalista J. Brito, jamais publicado por editoras.
Em seu acervo, inclusive, é possível encontrar dois exemplares diferentes do livro “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, ambos raros. Um, uma 3ª edição, pertencia a Dilermando de Assis, homem que matou o escritor por legítima defesa e que chegou a fazer anotações de seus comentários no exemplar hoje em posse de Secchin. A outra, uma 1ª edição, conta com uma dedicatória do autor. Um outro exemplar da 1ª edição do mesmo livro carrega o título de mais caro do Brasil, após ser disputado entre dois colecionadores em um leilão em 2021 e chegar ao preço final de R$ 143 mil.
Outro bibliófilo, Rômulo Pinheiro, é dono, junto com sua mulher, Patrícia Peck, de uma coleção particular batizada de Biblioteca Peck Pinheiro, com cerca de 24 mil exemplares, sendo cerca de cinco mil raros. Ele trabalha para abrir um museu da literatura brasileira em Outro Preto (MG), previsto para inaugurar em 2025.
— Vai ser o primeiro espaço onde essas obras raras vão ficar expostas, diferente das bibliotecas, onde estão em salas restritas — conta.
Garimpo virtual
Com a Internet e a digitalização dos acervos, a atividade de “garimpar” estantes de sebos atrás de raridades praticamente foi extinta. Atualmente, os lugares onde os caçadores de livros raros mais encontram seus objetos de desejo são em leilões, a grande parte virtuais, e em sites de compras.
— A venda de livros raros representa uma parte importante do nosso negócio, já que alguns dos sebos cadastrados trabalham exclusivamente com esse tipo de obra. Temos até um espaço só para esse tipo de exemplar no site — ressalta Leonardo Loio, coordenador de marketing da Estante Virtual, que reúne exclusivamente sebos.
No site é possível encontrar à venda, por exemplo, uma edição crítica comemorativa de “Os Lusíadas”, do terceiro centenário da morte do autor Luís de Camões, com edição do fotógrafo alemão Emílio Biel, por R$ 6,9 mil.
Com o domínio do comércio virtual, a função de garimpar raridades ficou a cargo de livreiros, que atuam como “corretores” no universo literário. São eles os responsáveis por analisar acervos e espólios antes de serem colocados à venda para encontrar edições raras que são oferecidas diretamente aos bibliófilos ou indicadas para os leiloeiros.
De hobby a negócio
O ex-segurança do metrô de São Paulo Givaldo Amaral, de 58 anos, que em 2010 abriu o sebo especializado em livros raros O Buquineiro, em São Paulo, conta que chega a vender 50 livros por mês. A decisão de se especializar no ramo surgiu quando garimpar livros era um hobby.
— Frequentava sebos e colecionava primeiras edições de autores que gostava, como Guimarães Rosa e Clarice Lispector. Nessas buscas, percebi que poderia vender esse tipo de exemplar pela internet — conta o livreiro, que cita a 1ª edição do livro “Cinza das Horas”, de Manuel Bandeira como um dos mais raros que já negociou, vendido em 2015 por R$ 18 mil.
A internet trouxe também a juventude para o universos dos livros raros e é possível encontrar no YouTube, Instagram e Tik Tok produtores de conteúdo exclusivamente sobre o tema.
Entre eles está Eduardo Heldt Urban, mais conhecido como Evezel, de 30 anos, que posta vídeos sobre o tema no canal Quarto dos Gêmeos, que tem 250 mil inscritos. Neles, o jovem, que também é escritor, mostra exemplares da sua coleção — que contabiliza 100 livros raros em um universo de 1.500 volumes —e dá dicas de sebos especializados.
— O valor dos livros raros está na história que eles têm, além da história que eles contam — explica o youtuber.