Entre as brumas da memória: O futuro foi lá atrás

21.5.24

O futuro foi lá atrás

 


«É já um lugar comum falar-se nas mudanças que a Revolução Digital irá trazer para as nossas vidas individuais e coletivas. O que não se discute tanto são a forma dessas mudanças e ainda menos como nos poderíamos preparar para elas.

Antes de mais, e como disse Noah Harari nas suas 21 Lições para o Século XXI, esta revolução é diferente da Revolução Industrial e das outras que a precederam ou sucederam, porque não vem substituir a nossa atividade física por máquinas, mas a nossa atividade intelectual.

Ou seja, quem vai buscar consolo ao facto de termos coletivamente não só sobrevivido, mas ficado melhor depois das Revoluções Agrícola, Industrial, Eletrónica e da automação esquece-se que a Revolução Digital e da Inteligência Artificial (IA) não nos vai libertar de trabalhos mecânicos e repetitivos, mas vem desafiar a nossa capacidade única de raciocinar, criar e inovar.

Acresce que as pessoas que estão na primeira linha desta nova revolução não são capazes de antecipar todas as consequências do seu trabalho. Mas os impactos no emprego serão significativos já que, segundo o World Economic Forum, 66% dos trabalhos em 2022 eram executados por seres humanos, mas em 2027 essa percentagem deverá passar para 57%.

Por outro lado, a História também mostra que não vale a pena tentar parar o processo da digitalização e IA. É como tentar parar as marés de irem e voltarem. Resta-nos tentar antecipar, compreender e preparar-nos para as muitas mudanças que virão, quer queiramos ou não. Para esse exercício coletivo, seria útil procurarmos respostas para as perguntas que precisam do contributo de muitos. Aqui ficam algumas:

1 - Que empregos existirão no futuro e quais são as competências que as escolas, universidades e formação profissional ao longo da vida deveriam ensinar a estudantes e trabalhadores? Não seremos certamente mais capazes que a IA de conhecer, processar, gerir ou relacionar informação.

2 - Assumindo que a Digitalização e a IA irão substituir muitos empregos e sabendo que o modelo de financiamento das políticas públicas e da Segurança Social assenta, em parte, em impostos e contribuições sobre o trabalho, que modelos alternativos deveremos considerar?

3 - Se o mundo mudar mais depressa do que formos capazes de nos preparar, como vamos gerir a geração de pessoas que é nova de mais para se reformar, mas já não será capaz de se adaptar?

Que modelos e mecanismos de apoio à transição teremos e como os financiamos?

4 - À medida que vamos digitalizando políticas públicas e desmaterializando serviços públicos, como evitar que as pessoas que não tenham competências digitais deixem de ter acesso aos seus direitos de cidadania? Como evitar que quem mais precisa de apoio do Estado sofra o que Anne Applebaum chamou “a morte cívica”?

5 - Finalmente, e talvez uma pergunta menos concreta, mas não menos importante: se da Revolução Digital e da IA resultar haver mais pessoas do que trabalho e tivermos que gerir uma taxa de desemprego estrutural elevada - e assumindo otimisticamente que fomos capazes de responder à segunda pergunta e que as necessidades básicas das pessoas estarão asseguradas - qual será o valor e contributo para a sociedade de alguém que não tem, nem terá um emprego?

Gostemos ou não, o mundo está a mudar rápida e profundamente, e melhor será se tivermos uma conversa coletiva, séria e estruturada sobre o que nos espera e como o gerir.

Ignorar o que está ao virar da esquina será inútil e o resultado será caótico.»



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