Discos para história: Ocean Rain, do Echo & the Bunnymen (1984)

História do disco

Se havia uma banda em plena ascensão em 1983, essa banda era o Echo & the Bunnymen. Formado em 1978 pelo vocalista Ian McCulloch, o guitarrista Will Sergeant e o baixista Les Pattinson, conseguiram Pete de Freitas para ser o baterista dois anos depois e partiram para o que ficaria conhecida como a formação clássica. Os dois primeiros álbuns de estúdio, “Crocodiles” (1980) e “Heaven Up Here” (1981), foram bem na parada do Reino Unido, mas foi com o single “The Cutter” que veio o sucesso definitivo ao entrar no top 10 pela primeira vez.

A faixa está presente em “Porcupine” (1983), quando eles realmente furaram a bolha, conseguiram ficar no top 5 da parada de álbuns, rendendo o inédito Disco de Ouro. Para muitos, poderia ser o início de algo grandioso, de apresentações épicas em arenas e estádios pelo mundo, shows apoteóticos e tudo mais que o sucesso, fama, dinheiro e poder podem trazer para quem não tinha nem chegado aos 30 anos. Não para eles.

“Estávamos no auge de nossos poderes como grupo. Todo mundo usava chapéus de cowboy [uma alfinetada no U2] e tocava em estádios, enquanto agitávamos as ruas. Foi significativo tocar na costa oeste da Escócia, em vez de em estádios”, disse McCulloch, em 2013, em entrevista à ‘Louder’.

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Além de mais dois sucessos nas paradas, “The Back Of Love” e “Never Stop”, eles lotaram o Royal Albert Hall, em Londres, e gravaram uma participação do programa de John Peel, na BBC Radio 1, já considerada histórica na época. O nervosismo do trabalho anterior fez o grupo descartar todo disco e regravá-lo, mas a coisa soava diferente quando o ano avançava e as ideias para um novo LP borbulhavam.

Eles estavam mais confiantes e mais maduros musicalmente ao ponto usar as apresentações como teste para o novo repertório, ainda em desenvolvimento em todos os quesitos. Uma coisa estava clara: após o sucesso, conquistado a duras penas, eles estavam prontos para fazer uma espécie de declaração artística com algo grandioso e inspirado. Fãs de Jacques Brel e Édith Piaf e da música francesa e belga de modo geral, veio a ideia de gravar o novo álbum em Paris.

“Parecia que estávamos levando adiante toda a ideia de guitarra/baixo/bateria da banda. Gostávamos muito dos discos ‘Forever Changes’, do Love, e [dos discos de] Scott Walker da época, então queríamos fazer algum tipo de trabalho grandioso. É por isso que colocamos todas as cordas. Queríamos fazer um clássico”, explicou Sergeant, ao site da revista ‘Classic Rock’.

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A intenção era fazer algo grandioso, em uma escala muito própria e com argumentos musicais irrefutáveis. Nada de soar parecido com U2 ou Simple Minds, dois dos exemplos de música simples, feita por amigos em garagens que ganhou elementos grandiosos até chegar ao auge ao final da década. Os Bunnymen foram para Les Studios Des Dames, na França, e contaram com a preciosa colaboração do produtor Gil Norton, do engenheiro de som Henri Loustau e de uma orquestra de 35 músicos para criar uma obra-prima elegante e eternizada nas mentes e ouvidos das pessoas pelos 40 anos seguintes.

“Queríamos fazer algo conceitual, com orquestração exuberante. Não [o estilo do maestro Annunzio Paolo] Mantovani, algo com um toque diferente. É tudo muito sombrio. ‘Thorn Of Crowns’ é baseado em uma escala oriental. Todo o clima [de ‘Ocean Rain’] é varrido pelo vento: piratas europeus, um pouco Ben Gunn [personagem do livro ‘A Ilha do Tesouro’, de 1883, do autor escocês Robert Louis Stevenson], escuro e tempestuoso, chuva torrencial, tudo isso”, contou Sergeant, ao site ‘This is Dig’.

Um dos momentos decisivos da composição das músicas foi quando Adam Peters chegou com os arranjos de cordas. Nesse momento, todos os integrantes quiseram expandir a própria sonoridade de alguma maneira, usando novos elementos — Freitas tocou xilofone e glockenspiel, enquanto Sergeant usou um violão Washburn, ambos não creditados. Havia um espírito coletivo durante a concepção do álbum. Talvez por estarem longe de casa, a união era enorme. O único a ficar insatisfeito com o trabalho feito em Paris, também feito no Studio Davout, foi McCulloch, que preferiu voltar para casa, em Liverpool, e refazer os vocais principais no Amazon Studio.

Para um trabalho tão ambicioso, a capa do LP também precisava representar tudo isso. Eles acabaram chamando o fotógrafo Brian Griffin, um amigo de longa data, que já havia feito as fotos do álbum anterior — quando eles foram para Islândia exclusivamente para isso. O lugar escolhido foram as Carnglaze Caverns, em Liskeard, no lugar cedido por Jake Rivera, empresário de Elvis Costello. Por sorte, eles encontraram um barco abandonado, subiram nele e Griffin fez a foto, entregue ao designer Martyn Atkins para finalizar o serviço.

Lançado em 4 de maio de 1984, “Ocean Rain” foi lançado em LP e fita cassete no Reino Unido e na Europa e, dez dias depois, nos Estados Unidos pela gravadora Sire. As críticas ao trabalho foram pesadas, com textos sobre arranjos, as letras e reclamações sobre o pouco desenvolvimento da banda em praticamente todos os aspectos com relação aos trabalhos anteriores. Mas os fãs adoraram e jogaram o disco direto para quarta posição das paradas na Inglaterra, ficando por 26 semanas seguidas entre os mais vendidos. A versão em CD foi lançada em 24 de agosto do mesmo ano.

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Em entrevista ao ‘Louder Than War’, Sergeant foi perguntado qual é o álbum favorito da banda. Como sempre, respondeu sem pestanejar. “Provavelmente ‘Heaven Up Here’ ou ‘Ocean Rain’. Eu diria que o que menos gosto é ‘Crocodiles’ dos quatro primeiros. Ainda gosto mais dele do que do ‘Grey Album’”, revelou.

As opiniões divididas apenas reforçaram como valia a pena dar uma chance a “Ocean Rain” desde o primeiro minuto nas lojas. Ao longo dos anos, o álbum foi ganhando espaço nas revistas especializadas, com aqueles garotos e garotas transformados em jornalistas e fazendo defesas apaixonadas em críticas e entrevistas com Ian McCulloch e Will Sergeant ao longo dos anos. Quatro décadas depois, é o trabalho definitivo da carreira do Echo & the Bunnymen.


Crítica de “Ocean Rain”

A potência de “Ocean Rain” é mostrada em “Silver”. A faixa de abertura já apresenta esse tom grandioso, com o arranjo de cordas, o vocal bem pronunciado de Ian McCulloch e uma produção acima da média para os padrões da época. Depois, chega a sombria “Nocturnal Me”, de temática pesada (que ninguém sabe ao certo sobre o que é) e arranjos que dão arrepios quando ouvidos pela primeira vez (“Oh, take me internally/ Forever yours, nocturnal me/ Take me internally/ Forever yours, nocturnal me”).

Uma dessas lançadas nos anos 1980 e pouco valorizadas é “Crystal Days”. A guitarra apaixonante funciona muito bem do início ao fim para acompanhar essa canção curta, mas muito acima da média justamente pela simplicidade (“The pleasure of pain and joy to purify our misfit ways/ And magnify our crystal days/ Purify our misfit ways/ And magnify our crystal”), diferentemente de “The Yo Yo Man”, essa uma das muitas representantes da grandiosidade do álbum.

Inspirada pela música árabe, “Thorn of Crowns” é um exercício experimental do que uma banda pode fazer em estúdio quando tem tempo e dinheiro de sobras, ainda mais gravando em Paris com estúdio e instrumentos disponíveis. Mas quando eles resolveram voltar para a abordagem inicial do álbum, vem a fantástica “The Killing Moon”. É difícil começar, porque é uma dessas músicas perfeitas, sem nada fora de lugar e emocionante de todas as maneiras. McCulloch disse uma vez ser a melhor música de todos os tempos. E ele não está errado, dependendo do dia e da hora (“Fate/ Up against your will/ Through the thick and thin/ He will wait until/ You give yourself to him [x2]”).

Abraçar a liberdade vindoura faz de “Seven Seas” uma das mais importantes, fazendo um casamento perfeito com o título, e a acústica “My Kingdom” funciona justamente por colocar esse clima mais lento em boa parte da canção, que ganha muito com o solo de guitarra em momentos diferentes. Para encerrar, a beleza melancólica da faixa-título traz um épico crescente sobre relacionamentos com um arranjo de cordas de chorar de tão bonito.

“Ocean Rain” ainda é um disco impactante, pouco mais de 40 anos após o lançamento. Muitas vezes, ao mirar em algo ambicioso, muitos artistas caem nas armadilhas do ego e de uma suposta inteligência musical ao colocar arranjos de cordas, momentos épicos e letras indecifráveis, quase uma poesia própria feita apenas para agradar a si. Mas o Echo & the Bunnymen, talvez por não se iludir com a própria grandiosidade, planejou e criou um clássico eterno, merecedor de todos os aplausos.

Ficha técnica

Tracklist:

1 - “Silver” (3:22)
2 - “Nocturnal Me” (4:57)
3 - “Crystal Days” (2:24)
4 - “The Yo Yo Man” (3:10)
5 - “Thorn of Crowns” (4:52)
6 - “The Killing Moon” (5:50)
7 - “Seven Seas” (3:20)
8 - “My Kingdom” (4:05)
9 - “Ocean Rain” (5:12)

Gravadora: Korova
Produção: Echo & the Bunnymen, Gil Norton & Henri Loustau
Duração: 36min36

Ian McCulloch: vocal, guitarra e piano
Will Sergeant: guitarra; cravo em “Angels and Devils”
Les Pattinson: baixo
Pete de Freitas: bateria

Adam Peters: arranjo da orquestra, piano e violoncelo

The Bunnymen: mixagem
Gil Norton: engenheiro de som e mixagem
Henri Loustau: engenheiro de som
Jean-Yves: engenheiro de som assistente

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