A tragédia no Rio Grande do Sul, assolado por enchentes que deixaram 147 mortos no Estado, foi um dos principais assuntos debatidos na reunião dos presidentes e representantes das Supremas Cortes de países do G20, grupo de maiores economias do mundo. Os magistrados dos tribunais constitucionais se reuniram nesta segunda-feira (13), no Rio, no J20 (Justice 20), grupo de engajamento do fórum voltado ao Judiciário.
Os representantes dos 18 países que participaram do evento falaram sobre a situação do Rio Grande do Sul e alertaram sobre a necessidade de medidas para combater as mudanças climáticas. O assunto foi abordado em painel cujo tema foi o papel do Judiciário no desenvolvimento sustentável e na litigância climática. O termo se refere à responsabilização de governos e empresas por ações que acelerem o aquecimento global.
Houve consenso entre os magistrados de que a pauta ambiental não deve ser encabeçada pelo Judiciário, uma vez que a responsabilidade deve ficar a cargo da política e da ciência. Mas as autoridades concordam que as cortes supremas devem garantir que as leis de proteção ao ambiente sejam seguidas, bem como as constituições. Enfatizaram ainda que o Judiciário deve limitar ações legislativas que representem risco ao clima.
“Não se salva o mundo com decisões judiciais. O Judiciário não é protagonista dessa história, quem deve fazer prognósticos são a ciência e a política”, afirmou o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso. Ele continuou: “[Mas] há certo consenso de que Judiciário tem papel relevante em superar parte da inércia que acomete a política nessas matérias. Há uma certa tendência mundial do Judiciário de intervir em questões climáticas”.
O presidente do STF destacou que o Judiciário brasileiro destinou R$ 106 milhões, oriundos de penas pecuniárias, para a reconstrução do Rio Grande do Sul. Na reunião, as delegações falaram sobre o Brasil ser fundamental nas discussões de enfrentamento das mudanças climáticas por conta da biodiversidade. A situação de calamidade no território gaúcho foi citada pelos participantes como um símbolo dos efeitos do aquecimento global.
“Estamos vendo os sinais disso nas terríveis enchentes que ocorrem no Sul do Brasil. As mudanças climáticas são um problema para todos nós ao redor do mundo, mas o Brasil é um dos países que mais sofrem com isso. E estar aqui e aprender sobre isto nos torna mais conscientes da urgência do trabalho para combater este problema global”, disse ao Valor o presidente da Suprema Corte do Reino Unido, Robert J. Reed.
O jurista escocês endossou a fala do par brasileiro, Barroso, e afirmou que a classe política deve liderar os esforços para frear o aquecimento global, uma vez que é responsável pela elaboração de leis. Ao Judiciário, diz Reed, cabe garantir que a legislação ambiental seja cumprida e efetiva.
“A iniciativa deve partir dos governos, que precisam trabalhar em conjunto para chegar em acordos internacionais. Uma vez que as convenções sejam implementadas, poderão ser aplicadas pelos tribunais dentro dos limites estabelecidos por cada constituição. As cortes têm um papel vital em garantir que as leis sejam eficazmente aplicadas. Também cabe à Justiça atuar contra a letargia dos governos”, finalizou o presidente do Supremo britânico.
O evento, que continua nesta terça (14), foi realizado pelo STF. O presidente do Supremo foi o único integrante da Corte presente no encontro. O vice-presidente do Supremo, ministro Edson Fachin, estava previsto na agenda, mas precisou ficar em Brasília. O magistrado participou como representante do Judiciário da reunião ministerial convocada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para discutir a situação no Sul do país.
Além da proteção do clima e do ambiente, o encontro do J20 também discute a questão da transformação digital e o uso da tecnologia para a eficiência da Justiça. O debate, que será o principal tema do evento nesta terça, deve abordar questões como desinformação e “fake news”. O presidente do STF criticou ontem a circulação de notícias falsas envolvendo o Rio Grande do Sul. Desinformações sobre as enchentes se tornaram alvo de ações judiciais. O ministro disse que a proliferação de “fake news” em meio à tragédia no Estado é uma "perversão da alma".
Segundo Barroso, a desinformação precisa ser enfrentada com legislação, educação midiática e "controle mínimo" das plataformas digitais. "Claro que ninguém deseja censura privada, mas ninguém pode viver no incentivo do mal", afirmou.
O J20 contou com a participação da União Africana, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, União Europeia, França, Alemanha, Índia, Itália, Coreia do Sul, México, Rússia, Arábia Saudita, África do Sul, Turquia, Reino Unido, Portugal e Espanha.