Morreu Abdullah da Arábia Saudita, o Rei das pequenas mudanças

Morreu Abdullah da Arábia Saudita, o Rei das pequenas mudanças

por Andreia Martins, RTP
Abdullah subiu ao trono em 2005 mas já governava, na prática, a Arábia Saudita desde 1995 Dylan Martinez, Reuters

Morreu esta sexta-feira o homem que reinou na Arábia Saudita durante quase 20 anos. Duas décadas que permitiram a Abdullah traçar grandes mudanças no mapa geopolítico do Médio Oriente, mas pequenas transformações na sociedade ultraconservadora do seu país – especialmente para as mulheres.

Abdullah nasceu em 1924 na capital saudita, Riade. Foi um dos 40 descendentes de Abdul-Aziz Al Saud, o fundador do reino saudita em 1932, fruto de um casamento que terá servido para acalmar os ânimos entre o poder monárquico e a tribo Shammar, naquela época uma das principais opositoras do regime.

A ascensão ao poder começou em 1982, quando foi selecionado como príncipe herdeiro, no mesmo dia em que o meio-irmão, Fahd, ascendeu ao trono.

Em 1995, perante o agravamento do estado de saúde de Fahd, é Abdullah quem toma o leme do país ainda como príncipe. Apenas com a morte do Rei, dez anos mais tarde, Abdullah assume formalmente o poder.
Um amigo improvável
Ficou conhecido como o rei da “modernização gradual”, pelas reformas e políticas sociais que levou a cabo, algumas demasiado liberais, numa Arábia Saudita onde a influência e a legitimação do poder está intrinsecamente ligada ao poder. Qualquer atuação do poder monárquico é mediada e discutida entre as poderosas famílias com negócios petrolíferos e os mais altos representantes religiosos.

Abdullah rompeu timidamente com a tradição de uma família real discreta, sob o aval teocrático e legislativo do Wahabismo, uma das interpretações mais rigorosas do Islão.  Da rivalidade direta com o Irão resultou a tentativa progressiva de isolamento do aliado persa, a Síria de Bashar Al-Assad. Desde 2011, ano em que começou a guerra civil, que a Arábia Saudita apoia indiretamente os rebeldes. Em resposta, as forças governamentais sírias juntaram apoiantes: o Hezbollah e forças xiitas do Iraque. O conflito sunita-xiita estabeleceu-se num território deu origem ao auto-proclamado Estado Islâmico. Mais um inimigo que a Arábia Saudita combate ao lado de Washington. 

No plano político externo, a sua ação fica marcada pelo aprofundamento de relações com os Estados Unidos, o principal aliado na luta contra o eterno rival: o Irão. É desta rivalidade regional que nasce uma nova delineação do mapa do Médio Oriente, com a distinção clara entre os países que apoiam ou que estão contra Teerão. 

Em anos recentes, ficou também marcada a atitude intransigente de Abdullah, pela manutenção do status quo. Quando, em 2011, irrompia a chamada Primavera Árabe, foi dos primeiros a prestar apoio aos países do Golfo, nomeadamente ao Kuwait e Oman, no sentido de abafar protestos e manifestações.

Kevin Lamarque/Reuters
 
Também no Egipto teve uma intervenção demarcada no golpe de Estado de 2013, que retirou Morsi do poder. Entre fronteiras, intimidou as pequenas manifestações sauditas com promessas de incentivos sociais, incluindo a criação de novos postos de trabalho e a melhoria dos serviços públicos.
Política “liberal”
Nos primeiros anos em que chega ao poder, as mudanças sociais começaram pela cor dos abayas, uma peça de vestuário obrigatória no país, que antes tinha obrigatoriamente cores escuras. Seguiram-se outras pequenas alterações, como a introdução de música nas estações de rádio e televisão, proibida durante décadas.  Entre as decisões mais controversas esteve a inauguração, em 2009, de uma nova Universidade: a Abdullah University of Science and Technology, onde pela primeira vez homens e mulheres puderam partilhar salas de aula. 

Foi mesmo nas políticas de género de Abdullah se revelou mais polémico. Enquanto esteve no poder, duas mulheres participaram pela primeira vez num órgão de concelhia do rei.

Nos Jogos Olímpicos de 2012, em Londres, duas atletas representaram pela primeira vez a Arábia Saudita. No campo político, o Rei prometeu ao eleitorado feminino a participação nas eleições municipais de 2015, o único escrutínio naquele país.
Futuro saudita incerto

Entre os primeiros a reagir à morte do Rei saudita estiveram os representantes norte-americanos, com Barack Obama a destacar “a coragem nas suas convicções” e a elogiar a “crença firme e impetuosa na importância das relações entre os Estados Unidos e a Arábia Saudita”.  
 
Logo após a morte de Abdullah, os órgãos de comunicação oficiais da Arábia Saudita anunciaram Salman como o novo rei.
 
Salman tem 79 anos e ocupa desde 2011 o cargo de ministro da Defesa. É um dos últimos descentes diretos de Abdul-Aziz, a par de Muqrin (entretanto eleito como príncipe herdeiro). Muqrin é mesmo o filho mais novo do fundador da Arábia Saudita, atualmente com 69 anos. 

Nos próximos anos a Arábia Saudita ver-se-á confrontada com a necessidade de passar o poder para uma nova linhagem: os netos de Abdul-Aziz, uma questão que poderá trazer instabilidade ao país, tendo em conta as numerosas rivalidades entre famílias e tribos. 

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