CRÍTICA - A ESTRADA – Club do Filme
CRÍTICA – A ESTRADA

CRÍTICA – A ESTRADA

ALERTA DE GATILHO

RACISMO, SUICÍDIO, VIOLÊNCIA, CANIBALISMO

Tive a oportunidade de assistir, no segundo ciclo da mostra O Cinema e o Fim Dos Tempos, no CINE ARTE UFF, o longa-metragem “The Road”, de John Hillcoat. A mostra de cinema trouxe filmes fora do circuito comercial que giravam em torno da problemática das mudanças climáticas. 

The Road traz a história de uma família tentando sobreviver ao fim do mundo. O casal composto por Charlize Theron e Viggo Mortensen está esperando seu primeiro filho quando as catástrofes climáticas começam a acontecer. A partir daí, a família começa a sobreviver com menos do que o mínimo de condições necessárias. Não havia mais eletricidade, os invernos eram hostis, as pessoas brigavam por comida e água e era impossível sair de casa. 

O filme é composto por dois tempos: o ‘atual’, de pai e filho tentando sobreviver há anos no mundo apocalíptico, e o ‘passado’, que acompanhamos em flashbacks, da família completa no início do apocalipse. Nos flashbacks, acompanhamos a personagem de Charlize Theron imersa numa depressão profunda e prestes a desistir. Seu marido tenta de toda forma fazê-la continuar sobrevivendo, mas a esposa não vê mais sentido no mundo hostil que está fadada a viver. Dessa forma, ela sai de casa e padece no frio extremo. 

Anos depois, sem a presença da esposa e mãe, o pai e o filho sobrevivem num planeta onde não há mais vida, somente humana, e esse é o ponto principal do filme. Não há mais plantas, árvores frutíferas e nenhum tipo de animal. Portanto, não há mais comida. As poucas pessoas que restam vivem das sobras de mercados e outras cederam ao desespero, praticando o canibalismo. 

The Road mostra um mundo sem esperança, sem vida e sem humanidade. O retrato do fim do mundo é feito com maestria, com uma arte precisa e caracterização perfeita dos personagens. Acima de tudo, a fotografia é sublime, com planos extremamente abertos do planeta devastado, com cinzas caindo do céu a todo tempo e lindas imagens da destruição. Todos esses aspectos facilitam a nossa investida emocional no filme e fica fácil de entender a perspectiva da mulher que escolheu deixar de viver, ao mesmo tempo que nos apegamos a relação do pai com o filho, capaz de tudo e qualquer coisa para protegê-lo, ancorado na mínima esperança de uma vida melhor. 

No entanto, somos guiados por toda a narrativa pela perspectiva do pai, sendo levados a pensar como ele, que sonha constantemente com a falecida esposa e ressente a sua decisão. 

Dessa forma, me incomodou muito a forma como ele condenou a mulher e sua escolha desesperada. É claro, não é uma situação fácil para ninguém: estamos falando do Fim Dos Tempos. Entendo perfeitamente a  necessidade do protagonista de esquecê-la para que sua memória não o atormente mais. Porém, a cena na qual ele joga sua aliança de cima de uma ponte, além de ser uma construção cafona, simboliza a ojeriza que ele criou pela esposa, e sua insistência em sobreviver em um mundo destruído. 

Nessa e em várias outras cenas é percebido o tom moralista do filme. A mulher é pintada como uma vilã que abandonou a família, e o homem como um salvador que é capaz de tudo pelo filho, mesmo em condições desastrosas. O moralismo e a propaganda cristã de A Estrada só se intensificam, criando situações críticas nas quais o filho, o outro protagonista, uma criança de cerca de 10 anos, é pintado como um messias. Ele confia em todos, é solidário, generoso e não entende as medidas “drásticas” do pai. A questão é que isso não é posto como inocência, e sim como uma imagem do que se deve ser: um bom samaritano mesmo no fim do mundo. É claro que em algumas situações, a criança estava certa. O pai já havia perdido sua humanidade, sendo obrigado a ser egoísta em um lugar sem recursos. Porém, é irreal que uma criança que cresceu nessas condições, mesmo que não tão corrompida pela convivência com os homens, não entenda os motivos do pai. A sensação é que a criança é colocada como um ponto de esperança para um mundo melhor, mesmo que este mundo esteja morto. 

Numa sequência completamente desnecessária, na qual o filme me perdeu completamente,  o pai e filho foram furtados por um homem negro. Este foi o único personagem não-branco até então, e sua aparição foi, de longe, a mais vexatória do filme. Quando o protagonista o encontra, faz questão de humilhar, em seu estado mais desumano, o homem, deixando-o completamente nu no inverno congelante, com a desculpa da vingança pelo furto de seus recursos. Foi difícil de assistir devido a esta falta de sensibilidade. Mostrar aquele nível de crueldade justamente com a única pessoa negra do filme é inaceitável. 

No final da narrativa, quando a tragédia parece só piorar, de repente, há um milagre. Vou me abster de contar o que acontece com detalhes para não estragar a experiência, mas a mensagem de esperança é tão irreal que não convence. Do nada, vemos sinal de vida: um pássaro, um besouro… justo antes da pior situação possível acontecer com a criança. E, quando finalmente acontece, o milagre que parece ter saído diretamente das páginas da bíblia acontece, fechando o filme com otimismo. 

Com sequências visualmente lindas e uma história que instiga o espectador a continuar assistindo, A Estrada acerta. Porém, é difícil ignorar o moralismo e falta de sensibilidade presentes, que definitivamente fizeram o filme envelhecer mal.


Filme: The Road (A Estrada)
Elenco: Viggo Mortensen, Kodi Smit-McPhee, Charlize Theron.
Direção: John Hillcoat
Roteiro: Joe Penhall
Produção: Estados Unidos
Ano: 2009
GêneroFicção Científica, Drama.
Sinopse: O mundo foi destruído há mais de 10 anos, mas ninguém sabe o que exatamente aconteceu. Como resultado, não há energia, vegetação ou comida. Milhões de pessoas morreram, devido aos incêndios, inundações ou queimadas que se seguiram ao cataclisma. Neste contexto vivem um pai (Viggo Mortensen) e seu filho (Kodi Smit-McPhee), que sobrevivem de quaisquer alimento e vestuário que conseguem roubar. Apesar dos contratempos, eles seguem viagem pela estrada, sempre rumo ao oeste dos Estados Unidos.
Classificação: 16 anos
Distribuidor: Dimension Films, The Weinstein Company
Streaming: HBO Max
Nota: 6,0

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