Hermeto Pascoal
Texto
Hermeto Pascoal (Arapiraca, Alagoas, 1936). Compositor, arranjador e multi-instrumentista. Destaca-se pela singularidade de sua obra, decorrente da experimentação constante, o que se manifesta na dificuldade de enquadrá-la em qualquer tipologia ou classificação do gênero musical. Em seu repertório, as fronteiras entre a música regional, a nacional e a internacional, a popular e a erudita dialogam com intensidade.
Hermeto Pascoal começa a fazer música muito cedo e, desde então, tem sua atenção voltada para os sons da natureza. Seu primeiro instrumento é uma sanfona de oito baixos, que aprende a tocar com o pai e o irmão. Aos 11 anos já se apresenta em rádios e festas populares. Em 1950, aos 14 anos, depois de mudar com a família para o Recife, forma um trio de sanfonas com o irmão e o compositor Sivuca (1930-2006).
Em 1954, começa a aprender piano e, três anos mais tarde, muda-se para João Pessoa para participar da Orquestra Tabajara. Em 1958, vai para o Rio de Janeiro, onde trabalha como instrumentista na Rádio Mauá. Transfere-se para São Paulo em 1961, aprende a tocar flauta e, integrando vários conjuntos, se apresenta em casas noturnas, como Chicote e Stardust.
A experiência em São Paulo consolida sua carreira como instrumentista. Nesse período, grava os discos Conjunto Som 4 (1964) e Sambrasa Trio em Som Maior (1966). Participa do conjunto Quarteto Novo – com os músicos Heraldo do Monte (1935), Théo de Barros (1943) e Airto Moreira (1941) –, que acompanha o cantor Edu Lobo (1943) em “Ponteio”, canção vitoriosa no 3º Festival de Música Popular Brasileira da TV Record em 1967. O grupo participa da turnê de Geraldo Vandré e no mesmo ano lança o LP Quarteto Novo, considerado um marco na música instrumental e na criação de uma espécie de vertente nordestina da bossa nova.
Convidado por Airto Moreira e pela cantora Flora Purim (1942), em 1969, Hermeto viaja aos Estados Unidos e inicia uma fase em que se consolida internacionalmente. Lá, grava seu primeiro LP, Hermeto (1970), e participa de gravações com músicos de jazz, como o americano Miles Davis (1926-1991). Este lança o LP Miles Davis Live-Evil (1971) com a participação e duas composições de Hermeto, “Igrejinha” e “Nem um Talvez”. A experiência com grandes nomes da música internacional o leva a uma nova fase, em que predominam as composições próprias e um trabalho bastante experimental.
Retorna ao Brasil e em 1973 lança seu primeiro LP solo no país, A Música Livre de Hermeto Pascoal. Em 1976, grava Slaves Mass, disco em que realiza as primeiras experiências de "tirar música" dos sons da natureza (como o dos animais, do vento e da água) e dos ruídos de objetos do cotidiano (eletrônicos, chaleira, bacias). Na produção desse disco, Hermeto leva porcos ao estúdio para gravar, e também para participar de seus shows.
Hermeto tem grande sensibilidade para escutar sons e ruídos em qualquer situação e lugar e capacidade de transformá-los em música logo em seguida. Realiza como poucos essa operação entre o universo mais instintivo e a formação da linguagem. Essa característica permite enquadrá-lo na condição musical que o musicólogo italiano Enrico Fubini (1935) identifica como "natural, instintiva, pré-linguística e não convencional", que é anterior à linguagem da música e, por isso, sempre difícil de definir.
O músico é premiado duas vezes pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA): melhor solista, em 1972, e melhor arranjador, em 1973. Em 1978, participa do Festival de Jazz de Montreux, na Suíça, que resulta no disco Ao Vivo em Montreux Jazz, lançado em 1979.
A prática de escutar sons e música em qualquer manifestação cotidiana ocorre em experiências inusitadas na vida do músico. Em 1981, cria uma espécie de comunidade em sua casa, no Rio de Janeiro, com o objetivo de aprofundar o fazer musical na convivência diária. Estabelece, assim, uma "oficina familiar", que se transforma em uma escola de formação de instrumentistas, por onde passa, entre outros artistas, o pianista Jovino Santos Neto (1954), que acompanha Hermeto por mais de 15 anos.
Após inúmeras experiências com os sons da natureza, dos ruídos e da fala, Hermeto desenvolve uma concepção musical que denomina de "som da aura". No disco Lagoa da Canoa, Município de Arapiraca (1984), o músico dá sequência a essa prática e realiza a fusão com a fala dos locutores esportivos (“Vai mais Garotinho” e “Tiruliruli”), o latido de cachorro (“Spock na Escada”) e a "fala" de papagaio (“Papagaio Alegre”). Em Festa dos Deuses (1992), Hermeto aprofunda esse exercício e faz música com o canto do uirapuru, sabiá, galo e marreco e com as falas do poeta e ator Mário Lago (1911-2002) e do ex-presidente Fernando Collor de Melo (1949). Entre 1996 e 1997, obriga-se a compor uma música por dia, criando o Calendário do Som, registrado em pentagrama pela Editora Senac São Paulo em 1999.
Todo esse processo musical que brota dessa origem "natural e instintiva" é concluído por sua ideia de "som universal", que o impede de circunscrever a música em temas e gêneros. Por ocasião da comemoração de seu septuagésimo aniversário, em 2006 elabora um Songbook com 15 canções, compilado e editado por Jovino Santos Neto. Disponibiliza esse disco na web com distribuição livre. Em 2009, radicaliza essa atitude libertária e abre mão dos direitos sobre 614 composições, incluindo as listadas no Calendário do Som.
Hermeto Pascoal, ao valorizar a mistura de sons como elemento central de seu trabalho, espelha a diversidade cultural brasileira e da natureza, e projeta a universalidade de sua música.
Obras 8
Exposições 2
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21/8/1997 - 21/9/1997
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11/2/2006 - 21/5/2006
Links relacionados 3
Fontes de pesquisa 7
- ARRAIS, Marcos Augusto Galvão. A música de Hermeto Pascoal: uma abordagem semiótica. 2006. 184 f. Dissertação (Mestrado em Semiótica e Linguística) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006. Disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8139/tde-01082007-144148/publico/TESE_MARCOS_AUGUSTO_GALVAO_ARRAIS.pdf. Acesso em: 5 ago. 2020.
- BORÉM, Fausto; ARAÚJO, Fabiano. Hermeto Pascoal: experiência de vida e a formação de sua linguagem harmônica. Per Musi, Belo Horizonte, n. 22, jul./dez. 2010. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-75992010000200003. Acesso em: 4 nov. 2019.
- CAMPOS, Lúcia Pompeu de Freitas, Tudo isso junto de uma vez só: o choro, o forró e as bandas de pífanos na música de Hermeto Pascoal. 2006. 143 f. Dissertação (Mestrado em Música) – Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006.
- COSTA-LIMA NETO, Luiz. A música experimental de Hermeto Pascoal e Grupo (1981-1993): Concepção e linguagem. [S.d.]. Dissertação (Mestrado, Programa de música brasileira) – Centro de Letras e Artes, Universidade do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999.
- PASCOAL, Hermeto, A música brasileira deste século por seus autores e intérpretes. Programa Ensaio, Fundação Padre Anchieta, CD. São Paulo: SESC-SP, 2001.
- SILVA, Camila Perez da. A sonoridade híbrida de Hermeto Pascoal e a indústria cultural. 2009. 157 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2009. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cp114054.pdf. Acesso em: 16 mar. 2011.
- VILLAÇA, Edmiriam Módolo. O menino Sinhô. Vida e música de Hermeto Pascoal para crianças, São Paulo: Ática, 2007.
Como citar
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HERMETO Pascoal.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2024.
Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa26091/hermeto-pascoal. Acesso em: 26 de maio de 2024.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7