Análise do primeiro capítulo de O Capital, de Marx | by Mariane | Medium

Análise do primeiro capítulo de O Capital, de Marx

Mariane
9 min readJun 26, 2016

Introdução

Antes de qualquer leitura de um clássico, é necessário seguir certos métodos para que a abordagem feita pelo autor seja compreendida, mesmo em tempos posteriores à sua escrita. São eles:

  • ler e compreender rigorosamente as palavras que o autor utilizou, logo,
  • atenção à tradução
  • abster-se de qualquer opinião pessoal
  • entrar na mente do autor

No que tange principalmente ao último item, o livro I d’ O Capital foi escrito e acabado pelo próprio Marx, já nos livros II e III, Engels assume a responsabilidade pela edição final, por isso o cuidado ao assumir posições que seriam referentes, ou não, a Marx.

Os conceitos utilizados na obra são quase dedutivos devido a exposição lógico-dedutiva onde Marx quer provar que todas as instâncias da vida estão submetidas ao lucro, questões a serem explicadas mais adiante.

Qualquer tentativa de definir a verdade é abstrata” — Hegel. Para Marx e a escola filosófica alemã, é importante atentar-se ao processo, não somente à conclusão, o chamado método de exposição (utilizado na escrita d’ O Capital).

Antes de iniciar a análise de cada um dos capítulos da obra, convém situar o leitor no ambiente a qual Marx está inserido e suas influências, além de outras obras que sustentam, num primeiro momento, a escrita d’ O Capital.

A obra em questão possui como subtítulo a frase ‘Crítica da Economia Política’. De fato, “crítica” é uma palavra recorrente nos escritos de Marx, como podemos encontrar em “Para a Crítica da Economia Política”. A primeira crítica se dá na aceitação das ideias de Hegel. A crítica dessa crítica é o esclarecimento. A crítica da crítica crítica se dá por Marx. Para ele, tal crítica significa emancipação, ou seja, um apontamento além da realidade e sua transformação, tomando a teoria política como um modelo. Chega-se a conclusão de que, se o trabalho humano não pode se apropriar dos bens de consumo - a base do capitalismo - convém apontar o problema e pensar numa superação dessa sociedade, a necessidade que aqueles que produzem se apropriem, também, desses bens.

Marx e Hegel

Convém, aqui, expor algumas características do pensamento hegeliano a fim de esclarecer o pensamento de Marx. No hegelianismo, o estado moderno garante a liberdade efetiva (não somente a liberdade do indivíduo, nem só a política). O indivíduo tem a liberdade de escolha e propriedade, sendo esta uma riqueza limitada pelos interesses da sociedade. Em suma, a união do particular com o universal. Tais ideias são aceitas por Marx, a princípio, na sua época acadêmica, onde foi redator-chefe da Gazeta Renana, um jornal da província que publicava ideias contra o rei prussiano, apoiado pela pequena burguesia, levando notoriedade ao jornal, porém é fechado pouco tempo depois e é exilado na França. Enquanto redator-chefe, Marx lidou com questões mais reais da sociedade e nota, por exemplo, os privilégios que o estado dava aos proprietários. Tomada essa consciência da limitação do estado, ele percebe o problema na definição de estado moderno por Hegel.

Marx percebe, também, que essas limitações do estado não são desvios especificamente do estado alemão, mas do estado em si, não podendo ser reformado na sua própria natureza. Portanto, para se atingir a definição de estado de Hegel, o estado tem de se transformar, favorecendo a liberdade propriamente dita, não pequenos interesses.

As propostas de transformação da sociedade encontradas por Marx são consideradas, por ele mesmo, como utópicas, daí a necessidade de uma análise real do presente, analisar o agora e projetar uma possibilidade futura. A “Filosofia de Direito”, de Hegel, seria a base para tal análise, porém, no momento em que Marx estava em seu exílio e, ao ter contato com movimentos operários e economistas clássicos apresentados por Engels, sua visão republicana sofre alterações, considerando a base inicial como equivocada e, assim, dá início aos estudos da economia a fim de explicar o capitalismo e criticá-lo.

É possível encontrar esses estudos no livro Grundrisse, manuscritos compreendidos como as linhas fundamentais, o esboço, ou o material preparatório para O Capital, porém, embora mostre os ideais e as posições de Marx, não é um obra completa, há lacunas que serão melhores preenchidas em sua obra máxima.

O “Método” da economia política no Capital (encontrado no Para a Crítica da Economia Política).

Pela tradição do pensamento dialético presente em Marx, não há a ideia da dialética como um método em si, separado do objeto de estudo. O uso da palavra método no título foi dada, equivocadamente, pelos editores.

Entende-se como método o caminho que se persegue para atingir determinada finalidade, que pode ser aplicado a qualquer objeto dados seus princípios e regras. Marx quer entender, através desse “método”, o que realmente é o capital.

Para se analisar o capital, têm-se a ideia de que o objeto (capital) exponha-se a si mesmo, sendo capaz de apreender uma estrutura interna. O que estaria atrelado ao capital para que ele seja como é e como relacionar as categorias encontradas e atreladas a ele. Tais categorias possuem níveis e é importante analisar quais foram usadas primeiro e quais vieram depois, resultando na explicação do que é o capital.

Essa ordem traz consequências políticas. Por exemplo, força de trabalho e mercadoria são categorias utilizadas para entender o capital, sendo assim, por mais que uma sociedade se diga socialista, se há força de trabalho e mercadoria, ainda que com suas peculiaridades, ela não pode ser chamada de sociedade não-capitalista.

Sobre a questão metodológica, seria o Capital uma obra de história? Filosofia? Ou sociologia? Apesar de ser entendido a história do capital, como surgiu e em qual período, não pode ser considerada uma obra somente histórica. Apesar de ser analisado as classes sociais no entorno do capital, não é uma obra somente sociológica. De fato, quando o “método” utilizado não é suficiente, Marx retorna aos métodos históricos e sociológicos , porém a preocupação maior está na relação conceitual.

Há uma diferença entre gênese histórica e gênese conceitual:

Gênese histórica: origem histórica do capitalismo

Gênese conceitual: necessidade interna do conceito

Marx utiliza, a priori, a gênese conceitual. Que tipo de teoria temos, então, no Capital? Há uma exposição categorial, uma necessidade interna do conceito e toda sua lógica, neste caso, a lógica do conceito de capital (o que é o capital?). Portanto, O Capital seria uma obra filosófica, sociológica e histórica, mas prevalecendo, sempre, o objeto.

Sendo assim, o suposto método de Marx para a escrita do Capital não é uma escolha, ou uma opção propriamente dita, mas uma opção feita porque o objeto de estudo, o capital, só permite que se extraia a sua necessidade interna; uma imposição do objeto.

É importante lembrar que Marx se apropria da dimensão da economia política, porém na questão do sentido da produção econômica (é bom? Ruim? Aliena ou não?). Uma postura que assimila porém não se limita às disciplinas, como a história, ou sociologia. Daí o equívoco facilmente encontrado nas obras de Marx, o reducionismo, onde muitos erram ao limitá-lo de acordo com o foco que lhes forem convenientes no momento.

Por exemplo, é possível encontrar elogios, por assim dizer, ao capitalismo em suas obras. Já em outras, são apontados os defeitos, logo, como entender os diferentes textos? É evidente que os críticos se posicionam e ignoram um ou outro lado e, para o bem do leitor, cabe entender que os dois lados se juntam, afinal Marx nunca negou nenhuma deles.

Diferença em relação a Hegel

Hegel:

  • utiliza a exposição categorial para qualquer objeto de estudo
  • espírito absoluto

Marx:

  • utiliza a exposição no capital

Para ele, o capitalismo é uma totalidade orgânica, um sistema na qual as partes dependem umas das outras. Essas partes existem no interior do todo (capital não existe sem trabalho). Esse organismo provém de fatores históricos.

O objetivo do capitalismo é a mais valia e sua acumulação, subordinando a realidade social em detrimento desse objetivo maior, fazendo com que, assim, o capitalismo seja uma totalidade orgânica, onde as partes (categorias) estão entrelaçadas temos aí suas relações. Se essas relações são necessárias, deve-se levar em conta o ponto de partida do estudo e a organização dessas partes na exposição. Por exemplo, a mercadoria possui características que possibilitam com que ela seja a primeira categoria a ser exposta, e sua análise carrega todas as outras categorias, sendo que sua ordem não poderia ser outra. Daí a possibilidade - e a necessidade - de se fazer uma exposição categorial, interessada na necessidade interna do objeto.

Análise do capítulo 1 — A Mercadoria

§1 : A mercadoria é a forma elementar da riqueza

forma: tomada no mesmo campo que ideia (eidos); forma de um conteúdo (da mercadoria)

elementar: simples

riqueza: tudo aquilo que se produz

No capitalismo, todo produto da ação humana se reduz à mercadoria. A arte é uma mercadoria, poderia ela, então, negar a mercadoria, não se reduz a isso? Se o que se produz não é lançado ao mercado, ele não possui valor. Essa forma não é absoluta, mas inevitável no capitalismo, podendo ser contornada, mas não negada.

Enquanto um alimento era produzido para a própria sobrevivência, a ligação é direta. Já no capitalismo, a mercadoria é trocada por outra mercadoria (dinheiro), logo a mercadoria alimento não foi feita somente para a nossa necessidade (saciar a fome), mas sim para a necessidade do mercado, sendo que só há apropriação dessa mercadoria alimento com a compra e venda.

Se a mercadoria é a forma elementar, ela apresenta algum conteúdo, seja pelo material, ou pelo valor.

“A riqueza aparece como mercadoria”. Aparece como a oposição, mas não negação, de aparência x essência, ou forma x conteúdo. A mercadoria seria, então, a forma de riqueza ou é somente aparência de riqueza? Toda mercadoria é em forma de riqueza, mas essa riqueza não se reduz somente a isso. Qual a essência da mercadoria? O que produzimos assume a forma de mercadoria, porém ela não existe por si mesma. Se pensarmos na mercadoria somente pela sua aparência, caímos no fetichismo. Se pensarmos na mercadoria somente pela sua essência, não entendemos o capitalismo e sua particularidade com o trabalho humano, dizendo que o trabalho humano hoje em dia seria igual ao da antiguidade.

Marx expõe que a mercadoria é a forma elementar de riqueza no capitalismo, porém não afirma que em sociedades não-capitalistas não haja mercadoria, como nas sociedades gregas, ou pré-colombianas.

Por que a mercadoria é elementar, e não o trabalho ou os meios de produção? Porque estas ainda são mercadorias.

§2 : A mercadoria trata-se de uma coisa que satisfaz necessidades humanas

coisa: reificação

objeto: gegenstand, algo posto contra ou diante de mim

Aparentemente a mercadoria é um objeto externo, uma coisa, que, a princípio, não teria relação comigo. Porém, na verdade, não se trata somente de uma coisa ou um objeto, pois possui subjetividade.

Quais são as necessidades humanas? “Do estômago ou da imaginação”. O valor não se restringe somente as necessidades de subsistência. Tanto o produto para a necessidade humana, quanto o meio de produção.

§3 : A utilidade da mercadoria é determinada historicamente

A utilidade de uma coisa, ou objeto, varia conforme o seu período histórico. Por exemplo, o imã, depois da descoberta do magnetismo, tornou-se útil.

Embora o valor de uso mude conforme o tempo, o valor de troca seria o mesmo independente do período histórico, opondo-se ao valor de uso, mas não separando-se.

No quantitativo, o caráter útil varia com o tempo.

Valor de troca: quantitativo — tempo; qualitativo — trabalho

É dada uma primeira tentativa de se estabelecer o conceito de valor de uso e valor de troca, embora Marx ainda não utilize essas palavras.

§4 : O valor de uso é o suporte (material) do valor de troca

Na análise da mercadoria, o foco não será o valor de uso, dá-se pouca atenção a isto, pois remete a outras questões filosóficas, como o que realmente satisfaz uma natureza humana, ou o que é natural e artificial. O valor de uso é visto como um suporte para o valor de troca. No capitalismo não importa qual é o valor de uso (uma arma, uma bomba, um livro, um sapato), se isto satisfaz uma necessidade ou não, o que realmente importa é a forma de riqueza (mercadoria).

Valor de uso: subjetivo — o que é diferente

Valor de troca: objetivo — o que é comum às mercadorias

§ 5 : O valor de troca aparece como algo acidental ; o valor de troca intrínseco aparece como algo contraditório

O valor de troca é uma relação quantitativa, acidental, relativa, intrínseca, imanente. Nessa afirmação temos pares de oposição:

Relação quantitativa, acidental, relativa X intrínseco, imanente

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