(PDF) Delgado de Carvalho e o ensino da História: livros didáticos em tempos de reformas educacionais (1931-1946) | Nayara Galeno do Vale - Academia.edu
Universidade Federal do Rio de Janeiro DELGADO DE CARVALHO E O ENSINO DE HISTÓRIA: LIVROS DIDÁTICOS EM TEMPOS DE REFORMAS EDUCACIONAIS (1931-1946) Nayara Galeno do Vale Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em História Social, Instituto de História, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História Social. Orientador: Prof.ª Dra. Marieta de Moraes Ferreira Rio de Janeiro Maio de 2011 DELGADO DE CARVALHO E O ENSINO DE HISTÓRIA: LIVROS DIDÁTICOS EM TEMPOS DE REFORMAS EDUCACIONAIS (1931-1946) Nayara Galeno do Vale Orientador: Marieta de Moraes Ferreira Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social, Instituto de História, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em História Social. Aprovada por: ________________________________________ Profa. Dra. Marieta de Moraes Ferreira (Orientadora) ___________________________________________ Prof. Dr. Luís Reznik __________________________________________ Profa. Dra. Ana Maria Ferreira da Costa Monteiro Rio de Janeiro Maio de 2011 Ficha catalográfica V149 Vale, Nayara Galeno do. Delgado de Carvalho e o ensino de História: livros didáticos em tempos de reformas educacionais (1931-1946) / Nayara Galeno do Vale. – Rio de Janeiro: UFRJ/IH/PPGHIS, 2011. 200f. Orientadora: Profa. Dra. Marieta de Moraes Ferreira. Dissertação (mestrado) – UFRJ/ PPGHIS / Programa de Pós-Graduação em História Social, 2011. Ficha catalográfica Referências bibliográficas: f. 185-200 1. Carvalho, Delgado de, 1884-1980. 2. História – Estudo e ensino. 3. Livros didáticos. I. Título. CDD 907 Para a amiga Vanessa Alves de Assis Vieira (em memória) AGRADECIMENTOS Vou confessar a vocês. Os agradecimentos são a primeira coisa que observo e a parte que mais gosto de ler nos trabalhos acadêmicos que me caem às mãos. Nessa parte do trabalho o autor pode se humanizar e, despindo-se das formalidades que caracterizam a produção acadêmica, assumir a primeira pessoa e compartilhar a sua alegria em ver o trabalho finalizado com aqueles que de diversas formas contribuíram para que ele se concretizasse. Com esse trabalho não foi diferente. Como um mosaico, ele foi sendo pacientemente estruturado a partir das minhas histórias entrelaçada às histórias de pessoas, que aceitaram compartilhar comigo suas vidas, suas pesquisas, suas informações. Espero lembrar de todas elas aqui. Em primeiro lugar, agradeço aos meus pais, que vêm me apoiando ao longo desses 24 anos de existência. Mesmo não entendendo bem o que era esse negócio de mestrado, que me deixava tão preocupada e tomava tanto o meu tempo, eles confiaram em mim e nas validade das minhas escolhas. À minha mãe, sobretudo por nunca, desde que eu consigo me lembrar, ter deixado de se preocupar comigo por um dia que fosse, esquecendo muitas vezes de se preocupar consigo mesma. Agradeço também aos meus irmãos por terem me ensinado que a vida é melhor quando a gente tem alguém com quem dividir, não importa se a Coca Cola do almoço de domingo, ou nossos sucessos, alegrias, medos e frustrações. Obrigada ao meu afilhado João Vitor por me alertar que “gente grande não entende das coisas”. Por isso, a vida pode ser muito mais divertida e cheia de brincadeiras do que nos damos conta. A essa criança, peço desculpas por ter sido privada da companhia da sua dinda nos últimos meses. Agradeço ao Peter por aceitar dividir os últimos oito anos de sua vida comigo. Por tolerar minha rabugice em muitos momentos ao longo do percurso. Por me tirar muitas vezes de casa, apesar dos meus protestos, para me levar a lugares onde pudesse me distrair um pouco. Sobretudo, por me amar, apesar de conhecer cada um dos meus defeitos. À Marieta de Moraes Ferreira agradeço por ter se tornado uma amiga muito presente em minha vida e não ter, por isso, deixado de ser muito competente em seu papel de orientadora e de me puxar as orelhas, com jeitinho, quando necessário. Agradeço por sempre acreditar na minha capacidade, apesar das minhas inseguranças. À Fundação Getulio Vargas por ter me conferido uma bolsa no primeiro ano do mestrado para desenvolver trabalhos em seu Programa de Livros Didáticos, onde pude participar de projetos que se mostraram muito enriquecedores para a minha formação. Aos professores das disciplinas que cursei ao longo do mestrado, que se mostraram de grande valia para o desenvolvimento das reflexões que apresento aqui e para pensar a minha prática historiográfica, especialmente a Manoel Salgado Guimarães (em memória), Ângela de Castro Gomes, Helena Bomeny e Maria Aparecida Mota. Aos professores Luís Reznik e Ana Maria Monteiro por aceitarem participar da banca de defesa da dissertação e pelas sugestões dadas no exame de qualificação, que foram imprescindíveis para os rumos tomados pelo trabalho. Aos bons professores que tive ao longo da vida. Todos, de alguma forma, contribuíram para que eu chegasse até aqui. Se pudesse, diria a cada um que só agora, depois de me tornar professora, sei o quanto foi importante o empenho deles em fazer a diferença na vida dos seus alunos, apesar de todas as dificuldades. Aos meus alunos, que me fazem entender diariamente a frase de Mário Quintana que diz que “arte de viver é simplesmente a arte de conviver” e como isso pode ser difícil e ao mesmo tempo, gratificante. À família Delgado de Carvalho, representada por Luisa, que compartilhando o gosto pela pesquisa e ciente dos contratempos por mim enfrentados, em virtude da dificuldade de acesso ao arquivo do IHGB, me abriu as portas de sua casa e me deu livre acesso à documentação guardada por seu marido, Paulo. À Patrícia Coelho por não hesitar em compartilhar comigo os resultados de suas pesquisas. No Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, devo agradecer às funcionárias do arquivo Selma e Lucia, que paravam o seu importante trabalho de organização do acervo para pegar os documentos dos quais eu necessitava e por torcerem para que conseguisse finalizar o trabalho no prazo. Agradeço também ao senhor Pedro Tórtima pelas conversas interessantíssimas nos intervalos das leituras de documentos. Na Biblioteca Nacional, devo agradecimentos à bibliotecária Deize Albernaz, por fazer mais do que o seu trabalho e tornar mais fácil minha pesquisa na instituição. Aos funcionários da biblioteca da PUC-Rio, que fizeram de tudo para que as muitas horas que eu passei por lá, ao longo dos últimos anos, transcorressem com tranquilidade, criando um ambiente propício, no qual o estudo e a escrita puderam render. Daisy André fez a revisão com bastante competência e rapidez, respeitando sempre o que eu queria dizer e expressando tudo em palavras melhores e frases menores. Aos meus amigos da turma Clio 2004, que sempre desculpam as minhas ausências em ocasiões importantes e por me chamarem para participar dos seus programas inusitados e sempre muito divertidos. Passei e desejo passar ainda momentos inesquecíveis na companhia dessa turma, que se mostrou uma grata surpresa do curso de História que levarei para toda a vida. Aos meus amigos de outros carnavais, que de perto ou longe acompanharam os meus progressos e torcem sempre por mim: Renato Franco e Camila Dantas que me deram grande apoio para tentar a seleção, Sandro Campos, que, mesmo do outro lado do Atlântico, manda vibrações positivas, Michelle Possapp, amiga de infância, desde aqueles tempos se fazendo presente em minha vida, Camila de Almeida e Janis Alessandra Cassília, que apesar dos furos, ainda amo do fundo do meu coração, Fernando Penna, companheiro de viagem e no interesse pelo ensino de História e Aline Santos Costa, pelos debates e questionamento acerca dos temas comuns de pesquisa. Por fim, a Vanessa Alves de Assis Vieira (em memória), minha amiga impretérita. Pelo grande incentivo que me deu para tentar a seleção, pelas angústias divididas ao telefone, pelos estudos e interesses compartilhados, enfim, por todos os momentos: “você não imagina como eu lhe agradeço o facto de você existir”. 1 1 Dedicatória do poema “A passagem das horas” de Álvaro de Campos a José Almada Negreiros. Esta história que comecei a escrever é ainda mais difícil do que havia pensado. (...) Assim, tanto sobre o amor como sobre a guerra, direi de boa vontade aquilo que consigo imaginar: a arte de escrever histórias consiste em saber extrair daquele nada que se entendeu da vida todo o resto; mas, concluída a página, retoma-se a vida, e nos damos conta de que aquilo que sabíamos é realmente nada. (Ítalo Calvino, O cavaleiro inexistente) RESUMO DELGADO DE CARVALHO E O ENSINO DE HISTÓRIA: LIVROS DIDÁTICOS EM TEMPOS DE REFORMAS EDUCACIONAIS (1931-1946) Nayara Galeno do Vale Orientadora: Marieta de Moraes Ferreira Resumo da Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social, Instituto de História, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em História Social. A pesquisa tem por objeto o ensino de história no Brasil nos anos 1930 e 1940. A estratégia utilizada foi a análise da trajetória e da produção didática para o ensino de História de Carlos Delgado de Carvalho. Para isso, foram selecionados como fontes os livros Historia Geral: 1ª série secundária e bases para o desenvolvimento nas séries seguintes, publicado em 1935 em coautoria com Wanda de M. Cardoso, Historia Antiga e Medieval para a Primeira Série Ginasial e Historia Moderna e Contemporânea para a Segunda Série Ginasial, publicados em 1945 e 1946 respectivamente. Trata-se de investigar por meio dessas obras como o autor constrói suas reflexões teórico-metodológicas sobre a História. Por meio da descrição da materialidade dos livros, da investigação acerca da adequação das obras aos programas e diretrizes para o ensino de História vigentes e da comparação com outras obras didáticas em circulação na época, visou-se compreender as especificidades dos livros didáticos publicados por Delgado de Carvalho nas décadas estudadas e seus posicionamentos a respeito do ensino da disciplina. Palavras-chave: Delgado de Carvalho, trajetória, ensino de História, livros didáticos. Rio de Janeiro Maio de 2011 ABSTRACT DELGADO DE CARVALHO AND HISTORY TEACHING: SCHOOOL TEXTBOOKS AT TIMES OF TEACHING UPDATES (1931-1946) Nayara Galeno do Vale Orientadora: Marieta de Moraes Ferreira Abstract da Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social, Instituto de História, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em História Social. The aim of this work is to study the teaching of History in Brazil in the 30's and 40's. Its strategy consists of the analysis of Carlos Delgado de Carvalho's biography and History teaching didactic material. For this purpose, I selected the following History books: “Historia Geral: 1a série secundária e bases para o desenvolvimento das séries seguintes", published in 1935 with Wanda de M. Cardoso; "Historia Antiga e Medieval para a Primeira Série Ginasial" e "História Moderna e Contemporânea para a Segunda Série Ginasial", published in 1945 and 1946 respectively. The textbooks were investigated in order to analyse the authors theoretical framework as well as his perspectives about the teaching of History in the Brazilian context of those decades. In this research I drew comparisons between other textbooks and I also made efforts to understand the materiality of those books as an strategy to understand better Delgado de Carvalho's works and his positions at that time. Key-words: Delgado de Carvalho, trajectory, History Teaching, History textbooks. Rio de Janeiro Maio de 2011 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 01 Capítulo 1 – Trajetória intelectual de um “pardal de Clio” 10 1.1 A escrita de si e a escrita dos outros 10 1.2 Uma trajetória, diversos sentidos 15 1.3 A história para um intelectual e um intelectual para a História 27 Capítulo 2 – Delgado de Carvalho e a História no ensino secundário 37 2.1 Referenciais sobre o ensino 38 2.2 Referenciais sobre a História 45 2.3 A Reforma Francisco Campos e os programas de História da Civilização 52 2.4 Reforma Capanema: a elaboração dos programas de História Geral para o 61 ensino secundário Capítulo 3 – A proposta de compêndio de Delgado de Carvalho para o ensino de 72 História da Civilização 3.1 “O presente compêndio não é um livro de leitura”: apresentação material do 75 livro Historia Geral (1935) 3.2 História “biográphica e episódica” e trabalho autônomo 89 3.3 Da História Universal à História da Civilização: o livro Historia Geral e 109 seus predecessores Capítulo 4 – A História Geral e os compêndios publicados na década de 1940 123 4.1 Os livros Historia Antiga e Medieval e História Moderna e Contemporânea 125 do “Curso Delgado de Carvalho” 4.2 O valor da Unidade no ensino de História 145 4.3 Considerações acerca de Histórias Gerais: Joaquim Silva e Delgado de 165 Carvalho CONCLUSÃO 177 FONTES 183 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 185 ANEXO 1 – Quadro comparativo entre os pontos do programa da primeira série 196 para o ensino de História da Civilização (1931), capítulos correspondentes do livro Historia Geral e respectivas biografias ANEXO 2 – Livros didáticos para o ensino de História da Civilização e História 199 Geral nas escolas secundárias (1930-1945) INTRODUÇÃO No ano de 1971, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, prestou uma homenagem a Carlos Delgado de Carvalho (1884-1980) pelos seus cinquenta anos de atividade na instituição. Naquela ocasião, do alto de seus 87 anos de idade, Delgado proferiu uma conferência na qual dava à palavra ―historiador‖ uma interpretação limitada Essa palavra designava tão somente ―o estudioso que pesquisa e escreve o resultado de suas pesquisas nos domínios da História‖. Na concepção de Delgado, nem toda obra sobre temáticas históricas garantia a seu autor o título de historiador. Os autores que escreviam sobre a história deveriam ser qualificados como ―especialistas‖ ou ―globalistas‖. Sobre a relação entre os dois grupos faz uma observação: ―É curioso que em regra, os especialistas considerem os globalistas um tanto piratas pelos empréstimos que êstes são levados a fazer nas obras especializadas.‖1 O próprio autor não se reconhece como pertencendo a nenhuma das duas categorias, mas se autodenomina apenas ―professor‖ de História. Aos professores, Delgado dá a denominação de ―pardais de Clio‖. Esses, segundo ele, não produzem nada de original, a não ser o modo de apresentar os assuntos. Se, ao longo de toda a sua vida, Delgado de Carvalho esteve envolvido com o estudo da História, o ensino e a escrita de livros didáticos para a disciplina, afirmando ser professor desde 1904, em 1971, demonstra uma posição cautelosa sobre seu papel ao se definir, não como historiador, mas como um ―pardal de Clio‖. A analogia é feita porque, tal como os pardais, os professores ―vão buscar nos ninhos de pesquisadores desprevenidos os elementos necessários à suas lições e a seus livros didáticos‖.2 Acreditamos que essa cautela devia-se à mudança de rumos pela qual passavam os estudos históricos no início dos anos 1970. A consideração que o autor tece sobre as relações entre aqueles que denomina ―globalistas‖ e os ―especialistas‖ denota a existência de uma tensão, por ele percebida, entre esses grupos. Questionamo-nos se tal visão do autor, expressa nos anos 1970, era válida nos anos 1930 e 1940, quando publicou livros voltados para o ensino de História no curso secundário e era professor da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil. 1 Discurso lido em reunião do IHGB, de quatro de agosto de 1971, quando foi convocado pela presidência daquela casa a reassumir a cadeira de membro efetivo do Instituto. Cf. CARVALHO, Delgado. Meio século de atividades. Revista do IHGB. v. 292. jul/set. 1971. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1972. p. 201-206. p. 201. 2 Ibidem. 2 Francisco Falcon aponta que, ao longo de uma parte dos anos 1950 e de toda a década de 1960, a produção da historiografia brasileira foi marcada pela dialética da ―tradição‖ e da ―inovação‖. A tradição estaria relacionada ao que o autor denomina empirismo ―positivista‖ ou metódico, visto até então como a única maneira tida como científica de escrever a História. O historiador que pautava sua produção por essa concepção geralmente era um autodidata que, para ser considerado como tal, necessitava apenas do reconhecimento de seus pares. 3 A inovação, por sua vez, apresenta seus primeiros sinais nas décadas de 1930 e 1940, momento de publicação das obras de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior e de criação das primeiras faculdades de Filosofia e, por conseguinte, dos primeiros cursos universitários de História na Universidade de São Paulo (1934), na Universidade do Distrito Federal (1935) e na Universidade do Brasil (1939). Entretanto, ganha maiores proporções ao longo das décadas de 1950 e 1960 com o crescente prestígio da École des Annales e o entusiasmo pela perspectiva marxista de análise das problemáticas historiográficas. Nesse sentido, o curso de História da Universidade de São Paulo é visto como o pioneiro no Brasil na constituição de uma história inovadora ―crítica‖ e ―profissional‖4. A maioria dos autores que escreveu a respeito das experiências universitárias dos cursos de História, tendeu a ver na experiência uspiana a consolidação de uma tradição de pesquisa diferenciada no decorrer dos anos 1950 e 1960, considerando os demais centros (situados no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais) aquém das condições de produção histórica que se configuravam na universidade paulista. Por estarem voltadas apenas para a formação de professores secundários, as demais instituições não são consideradas nessas análises. 5 Itamar Freitas (2006), ao tentar esboçar um panorama sobre a História como disciplina universitária, constata que os autores que tratam o assunto veem a criação das faculdades de Filosofia como um divisor de águas na produção historiográfica brasileira, 3 FALCON, Francisco. A identidade do historiador. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 17, 1996. Disponível em: http://virtualbib.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2014/1153 (Acesso em 10 jun 2010) 4 DIAS, Mario José. A Escola Uspiana: do projeto de idealização à presença no pensamento historiográfico brasileiro. 143 f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Severino Sombra, Vassouras, 2006. p. 14. 5 Ver SILVA, Maria Beatriz Nizza da. A pesquisa histórica no Brasil. Ciência e Cultura, São Paulo, v. 35, n. 1, p. 45-50, jan. 1983. e CAPELATO, Maria Helena Rolim, GLESER, Raquel e FERLINI, VERA Lúcia Amaral. Escola uspiana de História. Estudos Avançados, São Paulo, v. 8, n. 22, set./dez. 1984. 3 pois nesse momento se instauraram no país o espírito universitário e a herança francesa. 6 A criação dos cursos universitários de História é vista como um sopro de modernização frente à tradição representada pelos Institutos Históricos, ainda que com ressalvas, já que, com exceção do curso de História da USP, os demais estavam direcionados à formação de professores para o secundário.7 Constata-se, tanto nas considerações de Falcon quanto nas de Freitas, que a produção historiográfica brasileira representa sua própria trajetória como linear e orientada para a busca da cientificização, daí ser recorrente, nessas análises, o emprego de dicotomias como tradicional-moderno, ensino-pesquisa, atraso-renovação. Essa dissertação tem por objeto o ensino de História no Brasil, nos anos 1930 e 1940. Escolhemos mergulhar neste objeto por meio da trajetória e da produção didática de Carlos Delgado de Carvalho. O trabalho segue a trilha aberta por outros que voltaram os seus olhares para os saberes e referências que informam as práticas de nossa disciplina. Esses trabalhos têm se questionado sobre o lugar ocupado (ou não) por determinados autores e obras, publicadas no início do século XX. Assim, a vida e a obra de intelectuais ―esquecidos‖ ou minimizados até então pela historiografia, como João Ribeiro, Oliveira Lima, Manoel Bomfim, Octavio Tarquínio de Sousa, Rocha Pombo, entre outros, têm sido objeto de pesquisas que mostram a diversidade e a abundância da produção historiográfica brasileira nesse período. 8 Ao contrário do que postula a memória acerca da constituição de uma pretensa ―moderna historiografia brasileira‖ e seguindo a linha dos trabalhos que consideraram aspectos das trajetórias dos autores acima mencionados, partimos da premissa de que, nos 6 Alguns desses trabalhos foram apresentados em um encontro internacional promovido pelo Instituto de Estudos Brasileiros – IEB/USP, no início dos anos 1970. Esse encontro, segundo Freitas foi um momento privilegiado para fazer balanços da historiografia brasileira. Ver: FREITAS, Itamar. Itinerários do ensino superior de História (primeiras leituras). In: FREITAS, Itamar. Histórias do ensino de história no Brasil (1890-1945). São Cristóvão: Editora UFS; Aracaju: Fundação Oviêdo Teixeira, 2006. p. 11-28. 7 FREITAS, Itamar. Itinerários do ensino superior de História (primeiras leituras). Op. cit. p. 20. 8 Ver HANSEN, Patrícia. Feições & fisionomia: a História do Brasil de João Ribeiro. Rio de Janeiro: Acess, 2000; GONTIJO, Rebeca. Manoel Bomfim (1868-1932) e o Brasil na história. 208f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2001; GONÇALVES, Márcia de Almeida. Em terreno movediço: biografia e história na obra de Octávio Tarquínio de Sousa. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2009, SANTOS, Ivan Norberto dos. A historiografia amadora de Rocha Pombo: embates e tensões na produção historiográfica brasileira da Primeira República.196 f. Dissertação (Mestrado em História Social) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2009. MALATIAN, Teresa Maria. Oliveira Lima e a construção da nacionalidade. Bauru: Edusc/FAPESP, 2001. Cf: FRANZINE, Fábio e GONTIJO, Rebeca. Memória e história da historiografia no Brasil: a invenção de uma moderna tradição, anos 1940-1960. IN: SOIHET, Rachel (Org.). Mitos, projetos e práticas políticas: memória e historiografia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. p. 141-160. 4 anos 1930 e 1940, a profissionalização da pesquisa histórica possui vínculos estreitos com a sua divulgação e ensino, podendo, tais processos, serem executados por um mesmo indivíduo, que publicava livros, era professor e escrevia também em jornais e revistas.9 O primeiro contato que tive com a produção de Delgado de Carvalho ocorreu quando, em fins de 2005, ainda estudante da graduação , fui chamada para integrar, como bolsista de Iniciação Científica, o projeto ―A Institucionalização dos Cursos Universitários de História no Rio de Janeiro‖, coordenado pela professora Marieta de Moraes Ferreira. O objetivo inicial do projeto era investigar a constituição dos primeiros cursos universitários de História na Universidade do Distrito Federal (UDF) e na Universidade do Brasil, ambas criadas na década de 1930, na cidade do Rio de Janeiro. 10 Entre os professores desses cursos universitários, um deles me despertou a atenção por sua extensa produção em diversas áreas do conhecimento tais como a Geografia, a Sociologia e a História e por sua capacidade de transitar nos principais espaços onde aconteciam debates acerca da educação, como a Associação Brasileira de Educação e o Conselho Nacional de Educação. Esse professor era Carlos Delgado de Carvalho. Ao investigar melhor a bibliografia sobre Delgado, percebi a existência de diversos trabalhos que esmiuçaram a sua produção intelectual nos campos da Geografia escolar e universitária, entretanto, observei, também, que isso não se verificava em relação à sua produção didática no campo da História. Os trabalhos de Luís Reznik e de Patrícia Coelho Costa11 tangenciaram a produção e a atuação de Delgado de Carvalho no que diz respeito ao ensino da História e foram de suma importância para que as reflexões 9 Ângela de Castro Gomes assinala a centralidade do período que decorre do fim do século XIX aos anos 1940 para a constituição de uma escrita da História Pátria no Brasil e em Portugal, de importância fundamental para a consolidação de uma cultura política republicana nos dois países. A autora destaca as relações, nesse período, entre as dimensões da história ―científica‖ e da história ―ensinável‖. Cf: GOMES, Ângela de Castro. República, educação e história pátria no Brasil e em Portugal. In: GOMES, Ângela de Castro. A República, a História e o IHGB. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2009. p. 85-120. 10 Ver FERREIRA, Marieta de Moraes. Os desafios da profissionalização do ensino de História: duas trajetórias de professores universitários. In: ALMEIDA, Marta de e VERGARA, Moema de Rezende. (Orgs.) Ciência, história e historiografia. São Paulo: Via Lettera; Rio de Janeiro: MAST, 2008. p. 175- 189. FERREIRA, Marieta de Moraes. Perfis e trajetórias dos professores universitários do curso de História no Rio de Janeiro. In: OLIVEIRA, Antônio José Barbosa de (Org.). Universidade e lugares de memória. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, Fórum de Ciência e Cultura, Sistema de Bibliotecas e Informação, 2008. p. 235-268. 11 Ver REZNIK, Luís. Tecendo o amanhã. A História do Brasil no Ensino Secundário: Programas e Livros Didáticos. 1931-1945. Dissertação (Mestrado em História). Niterói: UFF, 1992. e COSTA, Patrícia Coelho. A voz do mestre: trajetória intelectual de Carlos Delgado de Carvalho. Dissertação (Mestrado em Educação). Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 2007. 5 aqui presentes fossem desenvolvidas. No entanto, tais trabalhos não se utilizaram de livros didáticos de História do autor como fontes e objetos de pesquisas. Ao partir dos escritos do próprio autor com vistas a investigar a sua trajetória, me intrigou o fato de Delgado de Carvalho reportar-se muitas vezes, à sua experiência docente para justificar sua autoridade no que diz respeito ao ensino de História. Chamou- me também a atenção, o fato de o autor, ao rememorar sua trajetória profissional, autodenominar-se não como historiador, mas sim como um ―pardal de Clio‖. Busquei, por meio desses questionamentos, escrever, não uma biografia de Delgado de Carvalho, mas, reconstituir sua trajetória intelectual, conferindo destaque às escolhas por ele efetuadas e aos recursos que ele utilizou ao longo de sua carreira profissional, particularmente no que diz respeito ao ensino da disciplina História. Para reconstituir a trajetória de Delgado de Carvalho optei por dialogar com as 12 marcas que ele mesmo escolheu para constituir a forma pela qual seria lembrado. Por meio de sua trajetória procurei conhecer melhor o autor, compreender suas escolhas e as leituras que fazia de seu próprio tempo. Tais leituras modelaram, de alguma maneira, sua percepção acerca da história e da função de seu ensino. Essas questões me levaram à produção didática para o ensino de História sob a ótica de Delgado. Ainda que tenha localizado alguns escritos sobre a definição e a função do ensino da História, percebi que a maior parte da sua produção relacionada a esse campo de conhecimento era composta por livros didáticos e isso forneceu indícios para investigar o epíteto de ―pardal de Clio‖ que o autor confere a si mesmo e a outros autores de livros didáticos e professores de História. Por meio da investigação da trajetória intelectual de Delgado de Carvalho, percebi que o autor buscou se inserir, nas décadas de 1920 e 1930, em diversas instituições do campo educacional e participou ativamente, no interior dessas instituições ou fora delas, dos debates acerca dos rumos da educação nacional e do ensino de História. Ao investigar sua trajetória, pretendíamos conhecer melhor o contexto de produção dos livros e a participação nos ―lugares de sociabilidade‖ nos quais estava inserido.13 Buscamos compreender, também, o significado que Delgado atribuía à 12 Tal reflexão foi tomada de empréstimo de GIRÃO, Ana Luce. Ciência e política no Brasil: Carlos Chagas Filho e o Instituto de Biofísica (1931-1951). 224 f. Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) – Fundação Oswaldo Cruz. Casa de Oswaldo Cruz, 2009. p. 17. 13 Nossa abordagem deve muito à de Patrícia Hansen. Cf. HANSEN, Patrícia. Feições & fisionomia: a História do Brasil de João Ribeiro. Rio de Janeiro: Acess, 2000. 6 História em sua trajetória intelectual e à escrita de livros didáticos para o ensino da disciplina. Consideramos esses livros como ―acontecimentos biográficos‖ em sua trajetória, no sentido expresso por Pierre Bourdieu (2006) em seu texto intitulado ―A Ilusão Biográfica‖. Bourdieu tece críticas ao senso comum, que tende a acreditar que uma história de vida é um conjunto de acontecimentos de uma experiência individual e o relato desses acontecimentos feito de forma linear. A vida, de acordo com essa concepção, seria como um caminho, uma estrada que, como tal, tem um começo e um fim. A solução, para Bourdieu, seria considerar os ―acontecimentos biográficos‖ como ―colocações e deslocamentos no espaço social‖. O autor enfatiza que não podemos entender uma trajetória sem compreendermos o desenvolvimento de relações com outros 14 agentes envolvidos no mesmo campo. É no interior do campo, em função da posição que o agente ocupa, que ele se orienta em relação às possibilidades oferecidas naquele momento. Isso, de maneira nenhuma se faz de forma consciente. 15 Consideramos, portanto, a escrita didática de Delgado de Carvalho em função das possibilidades de que o autor dispunha naquele momento e da posição que ocupava no interior do campo do ensino de História e da escrita didática de livros. Ao analisarmos os relatos sobre sua vida, construídos pelo autor e por outras pessoas, procuramos perceber de que forma Delgado e esses ―biógrafos‖ atribuíram significado à trajetória do autor e por meio de quais artifícios buscaram a coerência apontada por Bourdieu. Para alcançar esses objetivos, selecionamos como fontes, documentos do arquivo pessoal de Delgado de Carvalho e textos de conferências proferidas pelo autor por ocasião de comemorações nas quais ele rememorou sua trajetória profissional. Selecionamos, também, textos de pessoas que sobre ele escreveram, por ocasião de seu falecimento, em 1980. Duas reformas de ensino, ocorridas no período delimitado pela pesquisa, modificaram os programas para o ensino de História. Delgado, por sua vez, participou da elaboração das duas reformas, por isso o segundo tipo de fontes utilizadas para compor o quadro da pesquisa é a documentação oficial do Ministério da Educação e Saúde, 14 Ver BOURDIEU, Pierre. A Ilusão Biográfica. In: FERREIRA, Marieta de Moraes e AMADO, Janaína. (Orgs.) Usos e Abusos da História Oral. 8 ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. p. 183-191. p. 190. 15 BOURDIEU, Pierre. BOURDIEU, Por uma ciência das obras. IN: BOURDIEU, Pierre. Razões Práticas: Sobre a teoria da ação. Trad. Mariza Corrêa, Campinas, SP: Papirus, 1996. p. 53-83. p. 72. 7 guardada no arquivo pessoal do ministro Gustavo Capanema. Essas fontes podem nos ajuda a observar a atuação de Delgado de Carvalho, considerando-se o papel que desempenhou junto ao governo na elaboração de projetos educacionais e culturais. Tais documentos são fruto de uma visão oficial sobre os ambientes de produção cultural aos quais dizem respeito. Por fim, os seus livros didáticos, direcionados ao ensino de História no curso secundário, representavam a sua interpretação dos programas para o ensino da disciplina, instituídos pelas referidas reformas. Procuramos considerar os livros como fontes e objetos de nossa investigação acerca do ensino de História na concepção de Delgado de Carvalho. Conduzimos o trabalho no sentido de fazer uma descrição dos aspectos materiais das obras e investigar sua adequação aos programas de ensino vigentes. Procuramos, também, comparar os livros de Delgado com outros livros para o ensino da disciplina que circulavam nesse momento em que o mercado editorial de livros didáticos passava por um processo de expansão. Consideramos, assim, a ―fala‖ do próprio livro didático sem deixar, entretanto, de inseri-lo em um contexto de produção e em um diálogo com outras produções didáticas que se destinavam ao mesmo público. Diante da produção de materiais didáticos de Delgado de Carvalho, deparamo-nos com o fato de a maior parte de seus livros terem sido produzidos para o ensino de História Geral. Dessa particularidade de Delgado em relação a outros autores de livros didáticos que publicaram suas obras no mesmo período, decorreu uma das maiores dificuldades da pesquisa, pois, a maior parte dos trabalhos que tratam dos livros didáticos de História, selecionaram, como fontes, livros didáticos voltados para o ensino de História do Brasil. Para nos ajudar a formular as questões historiográficas com as quais nos ocupamos neste trabalho, procuramos referenciais nas áreas de história dos livros e edições escolares (Allain Chopin, Circe Bitencourt), história da leitura (Roger Chartier) e história da educação (Martha Carvalho, Diana Vidal). Essas companhias foram essenciais à boa realização do percurso e nos forneceram indícios para pensar a escrita didática de Delgado de Carvalho nas décadas de 1930 e 1940. Estruturamos o trabalho da seguinte maneira: no primeiro capítulo, reconstituímos a trajetória intelectual de Delgado de Carvalho, utilizando-nos, para isso, de documentação de seu arquivo pessoal, textos de conferências proferidas pelo intelectual 8 nos anos finais de sua carreira profissional16 e textos de outros autores publicados na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), por ocasião de seu falecimento em 198017. Partimos da hipótese de que esses textos expressam tentativas de justificação de escolhas feitas ao longo de sua carreira. Buscamos perceber, também, nesse capítulo, de que modo o autor confere significado à História em sua trajetória profissional. No segundo capítulo, buscamos compreender as concepções de Delgado de Carvalho acerca da História, utilizando, como fontes, alguns de seus escritos publicados nos anos 1930, que tratavam diretamente desse campo de conhecimento. Nesse capítulo também investigamos a participação do autor na elaboração dos programas de História da Reforma de Francisco Campos (1931) e Gustavo Capanema (1942) e suas expectativas quanto ao impacto dessas reformas no ensino da História. No terceiro capítulo, chegamos aos livros didáticos. Analisamos o livro Historia Geral: 1ª série secundária e bases para o desenvolvimento nas séries seguintes, de Delgado de Carvalho e Wanda de M. Cardoso, publicado em 1935. Para isso, procuramos perceber o que pode nos dizer o livro didático sobre o ensino de História nas décadas estudadas, levando em conta a complexidade do objeto em questão, que pode assumir múltiplas funções, variáveis segundo a época e o ambiente sócio-cultural nos quais circulou. O projeto gráfico do livro, levando-se em conta sua proposta pedagógica, mostrou-se inovador para a época. O livro pretendia preparar um pequeno pesquisador, ao sugestionar o trabalho autônomo em sala de aula, e não se prestar à simples memorização de conteúdos. Essa função, expressa no livro, também mereceu considerações mais detidas. No quarto capítulo, analisamos os seus livros Historia da Antiguidade e Idade Média e História Moderna e Contemporânea, publicados, respectivamente, nos anos 1945 e 1946. Os livros baseavam-se nos programas de ensino da Reforma de Gustavo Capanema. Buscamos compreender a forma e o conteúdo dos livros, inserindo-os no 16 Consideraremos, para fins de análise, a já citada conferência ―Meio século de atividades‖, no ano de 1971, por ocasião da volta de Carvalho aos quadros do IHGB como sócio efetivo e um discurso, pronunciado no ano de 1975, por ocasião do recebimento do Prêmio Boilesen. CARVALHO, Delgado de. Discurso do sócio benemérito Carlos Delgado de Carvalho ao receber em São Paulo o Prêmio Boilesen. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. N. 309, p. 158-162, out/dez 1975. 17 Os textos são: PEDROSA, Manoel Xavier de Vasconcelos. Carlos Delgado de Carvalho. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. N. 329, pp. 251-253, out/dez. 198 e MENEZES, Eurípedes Cardoso. Carlos Delgado de Carvalho: idéias e ideais. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. N. 329, p. 105-118, 247, out/dez. 1980. 9 contexto em que eles foram produzidos e estabelecendo comparações com o livro Historia Geral. Comparamos os livros didáticos do autor com o objetivo de compreender se a mudança expressa nos aspectos materiais das duas obras também se verifica em relação ao seu projeto pedagógico e às funções pretendidas para o ensino de História na concepção do autor. Em nosso entender, estudar o pensamento e a atuação de Delgado de Carvalho é importante para entendermos a constituição da História como disciplina escolar no Brasil. Ao mesmo tempo, reconstituir sua trajetória nos possibilitará examinar como suas posições se definem na sua inserção como intelectual no universo cultural e nos embates acerca da História escolar nas décadas estudadas. 10 Capítulo 1 – Trajetória intelectual de um “pardal de Clio” 1.1 A escrita de si e a escrita dos outros Apenas recentemente no Brasil a documentação proveniente das chamadas escritas autorreferenciais tem sido privilegiada como fonte e tornada objeto, ela mesma, da pesquisa histórica. Esse movimento está ligado à constituição de centros de pesquisa e documentação, pois o trato com tal documentação exige investimentos em sua preservação, organização, acondicionamento e disponibilização. 18 Por meio da constituição de coleções de objetos do cotidiano, como fotografias, cartões postais, ou mesmo por meio da escrita autobiográfica propriamente dita (diários, memórias), o indivíduo moderno constitui sua identidade por meio de seus documentos e evidencia a importância de sua vida, que não precisa de nenhuma característica excepcional para ser merecedora de lembrança.19 Contardo Calligaris (1998) aponta que, em nossa cultura, escritos autobiográficos são documentos privilegiados, uma vez que, falar ou escrever sobre si implica a expectativa de uma verdade subordinada à sinceridade do sujeito. Por outro lado, afirma o autor que, mesmo que sempre se tenha escrito histórias de vida, a ideia de que a vida pode ser contada como uma história é moderna. Para que se tenha um gênero biográfico é necessário que a experiência de cada vida se organize como uma narração, mesmo que essa narração nunca venha a ser escrita ou contada. E é dessa forma, como uma história, que uma vida se afigura não somente para os outros, mas, sobretudo, para os próprio indivíduo que a vive. 20 Por outro lado, Ângela de Castro Gomes afirma que, embora cartas, diários íntimos e memórias sempre tenham mobilizado leitores, ganharam, nas últimas décadas maior visibilidade no Brasil e no mundo, não somente nas prateleiras das livrarias, mas 18 GOMES, Ângela de Castro. Nas malhas do feitiço: o historiador e os encantos dos arquivos privados. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 11, jul. 1998. Disponível em: http://virtualbib.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2069/1208. Acesso em: 14 maio 2010. 19 GOMES, Ângela de Castro. Escrita de si, escrita da História: a título de prólogo. IN: GOMES, Ângela de Castro. (Org.) Escrita de si, escrita da História. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. p. 9-12. Ver também FRAIZ, Priscila. A dimensão autobiográfica dos arquivos pessoais: o arquivo de Gustavo Capanema. Revista Estudos Históricos, n. 11, jul. 1998. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2060/1199. Acesso em: 20 maio. 2010. 20 CALLIGARIS, Contardo. Verdades de autobiografias e diários íntimos. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 11, jul. 1998. Disponível em: http://virtualbib.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2071/1210. Acesso em: 31 Ago 2010. p. 48. 11 também no interior da academia. O termo ―escrita de si‖ é utilizado pela autora para designar as práticas do homem ocidental moderno de colecionar registros de sua vida com a intenção de constituir uma memória e dar sua própria versão de sua existência pessoal, profissional, familiar, afetiva ou social. 21 As considerações da autora evidenciam as transformações mais amplas sofridas pela área de história, sobretudo no que diz respeito à história cultural, nas últimas décadas. Essas mudanças dizem respeito ao deslocamento do interesse dos historiadores dos modelos estruturais para a consideração do cotidiano e da subjetividade de mulheres 22 e homens ditos ―comuns‖. Como resultado desse processo, a redescoberta da biografia reflete o desejo de resgatar paixões, sentimentos e constrangimentos que pesavam sobre os atores em seu meio social. A biografia permitiu, então, que se focassem indivíduos, na medida em que busca os destinos individuais atrelados a suas redes familiares, espirituais, sociais, culturais.23 Os escritos biográficos e autobiográficos, nesse sentido, mostram-se relevantes para a investigação de práticas culturais. É essa revalorização do papel do indivíduo na história, expressiva da cultura do ―eu‖, que propaga a utilização, pelos historiadores, das variadas formas de escrita biográfica e autobiográfica como memórias, diários, agendas, correspondências, biografias, entre outros. Segundo Philipe Levillain (2003), essa nova postura não configura um ―retorno‖ da biografia, como costuma ser colocado, mas sinaliza uma mudança na historiografia, podendo ser indício de uma ―evolução‖ das relações entre a História a as outras ciências sociais. 24 O arquivo pessoal de Delgado de Carvalho constitui-se de diversos documentos acumulados ao longo de sua trajetória profissional. Foi doado ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro em 1996 pelo neto do titular, Paulo Roberto Delgado de Carvalho. Os documentos encontram-se armazenados em 17 latas e compõem-se de cadernos, anotações de aula, planos de curso, correspondência, entre outros. Apesar da riqueza do 21 GOMES, Ângela de Castro. Escrita de si, escrita da História, op. cit. Sobre a discussão relacionada à trajetória e ao arquivo de Carlos Chagas Filho cf: GIRÃO, Ana Luce. Ciência e política no Brasil. Op. Cit. p. 18. 22 LORIGA, Sabina. A biografia como problema. In: REVEL, Jacques (Org.). Jogos de escalas. A experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1998. p. 225-249, p. 225. 23 Ver PRIORI, Mary Del. Biografia: quando o indivíduo encontra a História. Topoi, v. 10, n. 19, jul-dez, 2009, p. 7-16. 24 LEVILLAIN, Philippe. Os protagonistas: da biografia. IN: RÉMOND, René. Por uma história política. Trad. Dora Rocha. 2ed. Rio de Janeiro: UFRJ/FGV, 2003. pp. 141-184. 12 conjunto documental e do tempo decorrido desde sua doação, o acervo ainda não se encontra sistematizado, estando disponível apenas uma relação preliminar dos documentos existentes aos que desejam se aventurar pelo seu conteúdo. Dessa relação preliminar, as pastas que nos chamaram a atenção, foram a de Curriculum Vitae e a de correspondências, na medida em que continham documentos pessoais que poderiam esclarecer aspectos da carreira profissional do titular. Segundo Artières (1998) o curriculum vitae se apresenta como um inventário que o indivíduo deve estar apto a apresentar de seus papéis domésticos. O curriculum funciona como uma autobiografia resumida, na medida em que as lacunas devem ser banidas em detrimento daquilo que é considerado essencial. 25 Entretanto, ao aprofundar a pesquisa da documentação particular de Delgado de Carvalho, percebemos que os currículos e correspondências presentes em seu arquivo constituíam apenas uma pequena parte do que fora por ele armazenado durante a sua longa e produtiva vida intelectual. Assim, procuramos a família Delgado de Carvalho e pudemos ter acesso a documentos guardados na casa de seu neto, Paulo Roberto Delgado de Carvalho, produzidos em diversas épocas pelo autor. Encontramos cartas oficiais de gestores importantes como os Ministros da Educação Francisco Campos e Gustavo Capanema, de intelectuais como Fernando Azevedo e Pierre Deffontaines como também documentos pessoais e profissionais, entre os quais decretos de nomeações, portarias e passaportes. Esses documentos de alguma forma fundamentam as informações contidas naqueles currículos encontrados no Instituto. Essa documentação, juntamente com aquela presente em seu fundo guardado no IHGB denotam um esforço de reflexão sobre sua trajetória profissional. Nelas podemos perceber um empenho em periodizar e inventariar de alguma forma essa trajetória, conferindo significado a certos aspectos, sublinhando alguns elementos em detrimento de outros. Delgado de Carvalho, ao longo dos seus 96 anos de vida, deixou, ao todo, 49 obras publicadas, embora, nenhuma delas possa ser considerada, no sentido estrito do termo, uma autobiografia. Não podemos saber, por meio de sua documentação pessoal se o autor intentava escrever uma. Podemos perceber, entretanto, que em seus currículos e em textos de conferências proferidas já no fim de sua carreira, por ocasião do 25 ARTIÈRES, Philipe. Arquivar a própria vida. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 11, jul. 1998. Disponível em: http://virtualbib.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2061/1200. Acesso em: 20 ago 2010. 13 cinquentenário de sua entrada para o IHGB e do recebimento do prêmio Boilesen26, produzidas respectivamente em 1971 e 1974, o autor apresenta o relato de uma trajetória profissional completa, desde a sua formação inicial, na França, até os dias em que escreve. Nosso intento é investigar como escritos e documentos do próprio autor buscaram construir uma imagem de suas relações com a História. Pretendemos, assim, articular história de vida e contexto, levando em conta o fato de tais imagens terem sido construída a posteriori, atentando sempre para o risco apresentado por Pierre Bourdieu de que a vida seja tratada como um caminho, uma estrada que, como tal tem um começo e um fim. Bourdieu critica a ―ilusão‖ por meio da qual uma vida constitui um todo, ―um conjunto coerente e orientado‖, que busca no passado características que mais tarde viriam a sobressair-se em determinada personalidade.27 Contrapondo-se a essa perspectiva ―futurista‖, Bourdieu propõe pensar ―os acontecimentos biográficos‖ como ―colocações e deslocamentos no espaço social‖. Por outro lado, o autor afirma que não podemos considerar essas ―colocações‖ e ―deslocamentos‖ sem compreendermos a ―estrutura da distribuição das diferentes espécies de capital que estão em jogo no campo considerado‖.28 Os trabalhos que se propuseram antes de nós a pesquisar a trajetória intelectual de Delgado de Carvalho centraram-se, sobretudo, no campo da Geografia, área em que sua produção obteve maior reconhecimento. Nesse sentido, destaca-se o trabalho de Cláudio Benito Ferraz29, que empreende um estudo da trajetória de Delgado e da sua relevância para a constituição de um campo geográfico brasileiro. Mais recentemente o estudo de Patrícia Coelho30 partiu também de sua trajetória intelectual a fim de caracterizar tanto o discurso como a prática de Delgado de Carvalho, como sociólogo e professor de Sociologia, nas décadas de 1920 e 1930. A autora conclui que Delgado de Carvalho era, sobretudo, um educador. 26 O Prêmio Henning Albert Boilesen era outorgado anualmente pela Associgás a duas personalidades que se projetassem em áreas como a educação, a cultura, a ciência e a tecnologia. Delgado recebeu o prêmio no ano de 1974, juntamente com o Vice-Almirante Paulo de Castro Moreira da Silva. 27 BOURDIEU, A Ilusão Biográfica. In: FERREIRA, Marieta de Moraes e AMADO, Janaína (Orgs.). Usos e abusos da História Oral. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1996. p. 183-191, p. 184. 28 Ibidem, p. 190. 29 FERRAZ, Cláudio Benito Oliveira. O discurso geográfico: a obra de Delgado de Carvalho no contexto da geografia brasileira – 1913 a 1942. 164 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1994. 30 COSTA, Patrícia Coelho. A voz do mestre, op. cit.. 14 A partir da constatação da escassez de trabalhos que analisem detidamente a trajetória do autor e sua relação com a disciplina História, avaliamos que as questões relacionadas à sua legitimação como saber escolar necessitam de problematizações mais profundas acerca das ações dos personagens diretamente envolvidos no processo, como os professores universitários e secundários, autores de livros didáticos e gestores da educação pública. Pretendemos, assim, contribuir para o entendimento da constituição da História como campo de conhecimento escolar no Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, reconstituir a trajetória de Delgado de Carvalho nos possibilitará examinar como suas posições acadêmicas se definem na sua inserção como intelectual no universo cultural e nos embates entre a produção acadêmica e a escolar da História nas décadas estudadas. Veremos, ao longo desse capítulo e dos próximos que em sua trajetória profissional, Delgado constituiu redes de relações em diversos espaços e efetuou escolhas dentre as alternativas que se apresentavam disponíveis dentro das conjunturas em que atuou. Em um de seus textos, datado provavelmente de 1974, Delgado constrói uma periodização para a sua produção acadêmica, afirmando que ela possui três fases: uma dedicada à Geografia, outra dedicada à Sociologia e uma terceira dedicada à História. 31 Esta última se inicia com a sua entrada na Universidade do Brasil, em 1939. Nossa indagação é se, nos anos 1930 e 1940, quando, de acordo com a sua periodização, passa a se dedicar de forma mais cuidadosa à História, o autor separava nitidamente a escrita da História do ensino dessa disciplina, como deixa transparecer em sua conferência dos anos 1970, ao se denominar ―pardal de Clio‖. Por esse motivo, consideraremos, nos capítulos seguintes as obras que o autor escreveu nas décadas de 1930 e 1940 direcionadas ao ensino de História, como expressões da aproximação de sua trajetória com esse campo em constituição. Assim, pretendemos investigar, por meio dos livros didáticos produzidos pelo autor, quais eram as concepções de Delgado de Carvalho acerca da história e da disciplina História e quais são as suas escolhas e referenciais na escrita dessas obras didáticas. 31 Fundo Delgado de Carvalho, Lata 11, Pasta Curriculum Vitae. Carta de Delgado de Carvalho para o senhor Odylo Costa, filho. IHGB. A carta não é datada, mas nossa hipótese é que seja de 1974, ano da indicação de Delgado ao prêmio Boilesen. Odylo Costa, filho, era um dos componentes da Comissão Julgadora da premiação. Ver: ―Delgado de Carvalho e Paulo Moreira ganham Boilesen-74‖, jornal ―O Globo‖ intitulado ―Delgado de Carvalho e Paulo Moreira ganham Boilesen-74‖ (s/d) (Documentação da família Delgado de Carvalho). 15 Figura 1: Fotografia publicada na revista do Gás com a seguinte legenda: ―O prof. ainda escreve e faz pesquisas sobre História e Geografia‖. Matéria de comemoração ao recebimento do prêmio Boilesen, em 1974. Revista do Gás, n. 29, 1975. p. 34. 1.2 Uma trajetória, diversos sentidos Por meio dos ―atos autobiográficos‖, o sujeito se constitui ―com uma imagem que vive no e pelo olhar dos outros‖.32 Assim também, Delgado reconstitui suas primeiras aproximações com a história. Por meio de um dos documentos manuscritos encontrados em seu arquivo, o autor reputa seu interesse pelas ciências sociais, ao contato com a boa biblioteca de História Moderna e Contemporânea que seu pai possuía. 33 O pai era Carlos Dias Delgado de Carvalho, membro de uma família ligada à alta burocracia do império brasileiro, o que certamente facilitou o seu acesso ao cargo de secretário da Legação Imperial Brasileira em Paris34. Eurípedes Menezes afirma que a primeira notícia que se tem do menino data de abril de 1884, quando a Condessa de Barral, escrevendo de Paris ao Imperador Pedro II, mencionara que, no dia 10 do mesmo 32 CALLIGARIS, Contardo. Verdades de autobiografias e diários íntimos, op. Cit. p. 55. 33 Documento sem título datado de 24 de janeiro de 1975. Fundo Delgado de Carvalho, Lata 11, pasta Curriculum Vitae. IHGB. 34 SOARES, Jefferson da Costa. O ensino de Sociologia no Colégio Pedro II (1925-1941). 115f. Dissertação (Mestrado em Educação). Rio de Janeiro: UFRJ, 2009.p. 85. 16 mês, Lídia Tourinho, filha do Visconde de Tourinho, ―havia dado à luz um menino, que era, porém, tão fraquinho que seria capaz de jurar que não vingaria‖. 35 Se assim ocorreu, não há como saber, entretanto, podemos perceber que em seus escritos Delgado de Carvalho procura se afirmar como membro de uma tradicional família dos tempos imperiais, tanto pelo lado de seu pai, quanto pelo lado de sua mãe, uma vez que mencionara, em seus currículos profissionais, o fato de ser bisneto do Visconde de Itaboraí36, neto do Visconde de Tourinho37 e de ter conhecido, aos cinco anos de idade, o Imperador Pedro II. A convivência com Dom Pedro II e com os exilados brasileiros que deixaram a pátria quando da Proclamação da República o marcaram-no profundamente, a ponto de dedicar o seu primeiro livro escrito em português, Geographia do Brasil (1913), ao imperador deposto. Embora tivesse escrito diversos livros posteriormente, usou dedicatória em somente mais um deles: História da Cidade do Rio de Janeiro (1926), dedicado à memória do prefeito Pereira Passos. 38 A mãe faleceu vinte dias após o seu nascimento e o menino foi entregue aos cuidados de sua avó materna, que morava em Londres. Foi criado pela avó até os sete anos de idade, quando o pai, tendo casado novamente, retomou a sua guarda. Quando o menino fez onze anos, decidiu o pai interná-lo em um colégio dos dominicanos, em Lyon. Menezes afirma que, ao recebê-lo, o diretor perguntou-lhe sobre seus conhecimentos de História. O menino, então respondeu: ― – A História conheço toda, desde Adão a Sady Carnot (na época presidente da França).‖39 O diretor, então, permitiu que entrasse para a instituição. Podemos perceber, portanto, uma tentativa, tanto em seus próprios textos, quanto no texto de Menezes de afirmar a proximidade de Delgado de 35 MENEZES, Eurípedes Cardoso. Carlos Delgado de Carvalho: idéias e ideais. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. n. 329, Outubro-Dezembro. Brasília - Rio de Janeiro, p. 105-118, 1980. p. 105. 36 Paulino José Soares de Sousa (visconde de Itaboraí), juntamente com o visconde de Uruguai e Eusébio de Queirós formavam a chamada ―trindade Saquarema‖. O termo saquarema deve-se ao fato de serem os três políticos oriundos da província do Rio de Janeiro e possuírem terras nesse município. ―Carlos Delgado de Carvalho, bisneto do Visconde de Itaboraí nasceu em Paris, onde o seu pai era Secretario da Legação Imperial; com a idade de cinco anos foi apresentado ao Imperador Pedro II...‖ Carta de Delgado de Carvalho ao senhor Odylo Costa, filho. (s/d – década de 1970) Fundo Delgado de Carvalho, Lata 11, pasta Curriculum Vitae. Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. 37 ―Carlos Delgado de Carvalho Nasceu em Paris a 10 de abril de 1884, filho de D.º Carlos Dias Delgado de Carvalho, (neto do Vde. De Itaborahy) e de D. Lydia Tourinho Delgado de Carvalho, filha do Vde. de Tourinho...‖ Carlos Delgado de Carvalho (s/d – provavelmente década de 1930) Fundo Delgado de Carvalho, Lata 11, pasta Curriculum Vitae. Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. 38 COSTA, Patrícia Coelho. A voz do mestre. op. cit. p. 19. 39 MENEZES, Eurípedes. Carlos Delgado de Carvalho, op. cit. p. 106. 17 Carvalho em relação à História e a sua vocação para o ensino da disciplina desde pequeno. Essa proximidade é reforçada pelo próprio Delgado, quando alude à sua primeira experiência profissional também em um colégio dominicano, o de Champitet, em Lausanne, Suiça, no ano de 1905. Esse trabalho, ressaltado em vários de seus currículos como um primeiro contato com o ensino da História, é frequentemente citado em seus escritos com vistas a afirmar uma legitimidade no ensino da disciplina, adquirida por meio da experiência.40 Carlos saiu do colégio em 1902, já com 18 anos, para ingressar no exército francês. Segundo o autor, a ―inclinação‖ pela História o levou a estudar questões sociais na London School of Economics e na École des Sciences Politiques.41 Nessa última, o autor ingressou na seção de diplomática.42 Em decorrência da necessidade de produzir um trabalho de conclusão para o curso, veio ao Brasil pela primeira vez, em 1906, aos 22 anos. O pai, decepcionado com o interesse do filho pelo país que desprezara, o deserdou.43 O estudo da diplomática, nesse período, se fazia importante para o empreendimento da chamada crítica dos documentos. O procedimento de crítica, tanto externa, quanto interna dos documentos, se tornara imprescindível para a 44 profissionalização do trabalho do historiador, em curso na França desde os anos 1880. Embora tal profissionalização estivesse em curso, com a institucionalização da história universitária na França em fins do século XIX, Prost ressalta o vínculo entre a história e a geografia nos meios universitários franceses. A Geografia era disciplina obrigatória no concurso de agrégation e os professores de Geografia e História poderiam lecionar as duas disciplinas no ensino secundário. 45 40 Cf. CARVALHO, Delgado de. Meio século de atividades. Revista do IHGB. v. 292. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, jul/set. 1971. p.201-206. e Introdução In: História Antiga e Medieval para a Primeira Série Ginasial. Curso Delgado de Carvalho). São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1945. 41 Documento datado de 24 jan 1975. Fundo Delgado de Carvalho, Lata 11, pasta Curriculum Vitae. Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. 42 Estudo dos princípios segundo os quais os documentos eram compostos com o objetivo de discernir documentos autênticos dos falsos ou alterados. (Cf. PROST, Antoine. Doze lições sobre a história. Trad. de Guilherme João de Freitas Teixeira. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008. p. 56 e 57) 43 MENEZES, Eurípedes Cardoso. Carlos Delgado de Carvalho: idéias e ideais. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. n. 329, Outubro-Dezembro. Brasília - Rio de Janeiro, p. 105-118, 1980. (p. 106 e 107) 44 Ver NOIRIEL, Gérard. Naissance du métier d’ historien. Genèses, Paris, n. 1, p. 58-87, sept, 1990. p. 61. 45 PROST, Antoine. Doze lições sobre a história, op. cit. p. 36. 18 A geografia, na França, era ensinada nas faculdades de letras e não nas faculdades de ciências como em outros países. Essa relação foi ainda mais fortalecida pela influência de mestres como Vidal de Lablache, cuja obra marcou sucessivas gerações de historiadores e, em particular, os fundadores dos Annales. Delgado de Carvalho, munido do instrumental dessa nova vertente, abordou em seu trabalho, o espaço brasileiro, empregando uma perspectiva regional que redimensionava a relação do homem com a natureza, distanciando-se, assim, do determinismo proposto pela escola alemã que condicionava, de forma absoluta o homem ao meio.46 Embora, o autor dissesse não seguir fielmente nenhuma escola geográfica. 47 O trabalho foi finalizado em 1908 com o nome de Un Centre Économique au Brésil – L’ État de Minas. Todavia, a obra Le Brésil Meridional: Etude Économique sur les Etats du Sud, publicada dois anos depois, obteve maior expressão e reconhecimento por apresentar um grau de elaboração ainda não alcançado nos estudos sobre o território brasileiro. O volume é considerado a obra pioneira da geografia regional brasileira, pois partia de uma nova perspectiva para estudar o território, não mais se baseando na tradicional descrição por estados, mas em uma visão que respeitava as chamadas regiões geográficas. 48 Maria Yedda Linhares – que foi assistente de Delgado de Carvalho na cadeira de História Moderna e Contemporânea da Faculdade Nacional de Filosofia, de 1946 a 1955 e amiga da família do professor – afirma que, ao chegar ao Brasil, Delgado se interessou em explorar a história do país. Entretanto, ao pegar o livro História do Brasil de João Ribeiro, ―pensou que todos fossem iguais a ele, e achou que não precisávamos de historiadores. Mas considerou a geografia brasileira péssima‖. Por esse motivo, Delgado resolveu se dedicar ao estudo da geografia por considerar que nessa área seus estudos seriam mais úteis. 49 O fato é narrado, também na já mencionada conferência ―Carlos Delgado de Carvalho: idéias e ideais‖, proferida por Eurípedes Menezes em outubro de 1980, 46 Ver FERRAZ, Cláudio Benito Oliveira. O discurso geográfico, op. cit. 47 COSTA, Patrícia Coelho. A voz do mestre, op. cit. p. 77. 48 Os trabalhos produzidos por Delgado no campo da geografia renderam-lhe o título de ―pai da moderna geografia brasileira‖. MACHADO, Mônica Sampaio. A Geografia Universitária Carioca e o Campo Científico-Disciplinar da Geografia Brasileira. 197f. Tese (Doutorado Geografia) – Universidade de São Paulo. São Paulo, 2002. 49 FERREIRA, Marieta de Moraes. Uma entrevista com Maria Yedda Linhares. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, 5 jul 1992. Disponível em: http://virtualbib.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/1946/1085 (Acesso em 28 jul 2010) 19 podendo denotar que o episódio era, reiteradamente, contado por Delgado de Carvalho como justificativa para sua escolha pela geografia na primeira fase de sua carreira profissional. O livro de João Ribeiro era, provavelmente, A História do Brasil. Curso Superior, publicado, pela primeira vez, em 1900, pela editora Jacinto Ribeiro dos Santos e reeditado, já em 1901, pela Francisco Alves. Patrícia Hansen (2000), parte da ideia de que a escritura da História do Brasil nas décadas finais do século XIX, ganha certa autonomia em relação ao Estado, deixando sua produção de estar atrelada somente ao IHGB, como anteriormente. A partir do trabalho de Capistrano de Abreu, a produção em História do Brasil ganha maior delimitação, diferenciando-se de outros campos intelectuais, pelo desenvolvimento de um método próprio. O livro de João Ribeiro, produzido nesse momento 50, não pretendia conter lições que privilegiassem temas políticos e administrativos ordenados linearmente, mas sim, precisar o que o autor denominava ―Brasil interno‖, não em um sentido geográfico (sertão em oposição ao litoral), mas, segundo a autora, em referência à identidade, à essência nacional. Tal essência só poderia ser vislumbrada na síntese, no sentido revelado pelo estudo dos fatos da História do Brasil. Temas contemplados em livros anteriores, como o de Joaquim Manoel de Macedo, eram reinterpretados e ganhavam um sentido próprio no interior de sua narrativa. A autora aponta que são poucos os títulos presentes no livro História do Brasil que se diferenciam das lições de Joaquim Manoel de Macedo quanto ao privilégio dos temas políticos e administrativos ordenados linearmente em uma cronologia. Entretanto, o que diferenciava o livro de João Ribeiro era o encadeamento entre os fatos, conferido pelo autor. ―A marca da autoria estava essencialmente no lugar e na ênfase que lhes eram emprestados [temas] na constituição de um enredo‖. 51 Assim, ao explicar qual seria a sua ―filosofia‖ ao escrever sobre a história nacional, João Ribeiro afirma que sua obrigação era a de ―justificar o presente e fundar a ética da atualidade‖.52 Nesse sentido, veremos nos próximos capítulos que a concepção de História de Delgado de Carvalho também se movimenta nessa direção. Para ele, o estudo do passado só se justificaria na medida em que explica o presente. Compreendemos, assim, a importância da obra de João Ribeiro para o autor 50 HANSEN, Patrícia. Feições & fisionomia, op. cit. p. 4. 51 Ibidem, p. 69. 52 Ibidem, p. 72. 20 posteriormente, ao citá-la posteriormente, em seus livros didáticos. Mesmo naquele primeiro momento, já é possível perceber a relevância da obra de Ribeiro, apontada como justificativa (nos relatos de outros sobre sua trajetória) para o desvio do foco de seus interesses de estudos da história para a geografia. Voltemos, porém, à sua trajetória. Diferentemente do que possa se pensar, Delgado, ao chegar ao Brasil, mesmo tendo sido deserdado pelo pai, não trouxe apenas a sua formação francesa, mas mostrou-se capaz de mobilizar relações sociais a seu favor. O livro Geographia do Brasil, primeira obra do autor escrita em português, foi prefaciado, em sua primeira edição, datada de 1913, por ninguém menos que Oliveira Lima. 53 O exórdio, nesse caso, cumpriu a função de apresentar o autor aos leitores brasileiros e destacou as semelhanças entre o autor do livro e o autor do prefácio, buscando propiciar uma recepção favorável à obra e a inserção do neófito nos meios intelectuais nacionais. Com esse trabalho, Delgado de Carvalho também se insere no mercado brasileiro de livros escolares, uma vez que a obra tinha por finalidade a utilização no ensino secundário. No exíguo mercado editorial brasileiro das primeiras décadas do século XX, livros didáticos constituíam um empreendimento mais seguro para as editoras, em comparação a outros gêneros, como, por exemplo, as obras literárias. 54 Seu ingresso na vida intelectual brasileira ocorreu em um período em que as formas de recrutamento baseavam-se em critérios relativos à rede de relações que pudesse mobilizar a seu favor55, embora sua formação em Paris fosse ressaltada por Oliveira Lima como algo que o distinguia dos demais, geralmente autodidatas ou formados nos cursos existentes: o politécnico, o de direito e o de medicina. A educação estrangeira fez nos estudos do auctor mais methodo do que lhe podido incutir a educação nacional – no Brasil há que ser muito auto didacta – e o seu trabalho denuncia felizmente processo de ensino francezes, feitos de clareza e de precisão. Já a base do 53 Oliveira Lima era um diplomata e intelectual reconhecido, nacional e internacionalmente. Membro de instituições importantes, como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – do qual, como veremos, abrirá as portas para Delgado de Carvalho – e da Academia Brasileira de Letras, escreveu diversas obras sobre a História do Brasil, entre as quais ―Dom João VI no Brasil. Ver GOMES, Ângela de Castro. (Org.) Em família: a correspondência de Oliveira Lima a Gilberto Freyre. Campinas: Mercado de Letras, 2005. 54 CARVALHO, Delgado de. Geografia do Brasil. Tomo I. Geografia Geral. Rio de Janeiro, Empo. Foto- Mecânica, 1913. Sobre o mercado editorial brasileiro na virada do século XIX para o XX, ver HANSEN, Patrícia Santos. Feições & Fisionomia, op.cit. 55 MICELI, Sérgio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil. In: MICELI, Sérgio. Intelectuais à brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 69-291. p. 79. 21 tratado, ou manual si lhe não quizermos dar aquelles primeiro nome, por pomposo e porventura descabido, representa uma inovação feliz.56 Embora ainda não dominasse bem a língua portuguesa, Delgado consegue uma coluna de política internacional no Jornal do Commércio.57 A atividade jornalística neste momento, apresentava-se, então, para muitos intelectuais, como uma fonte de renda, um lugar de sociabilidade e de circulação de ideias e ainda uma forma de conferir visibilidade aos seus escritos, uma vez que a publicação de livros no Brasil ainda era algo raro e só contaria com uma expansão significativa a partir dos anos 1930. 58 Por motivo de saúde, Delgado voltou à Europa e, de 1914 a 1916, foi correspondente do Jornal do Commércio em Londres.59 Nos anos posteriores à guerra, quando se estabeleceu definitivamente no Brasil, procurou ultrapassar os limites da geografia e se inseriu em algumas instituições importantes do campo intelectual brasileiro, como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Fundado em 1838, na mesma época que o Colégio Pedro II e o Arquivo Nacional, o IHGB demonstra a importância conferida ao estudo e à escrita da história nacional e sua vinculação ao ensino e à seleção e guarda de documentos que conferissem legitimidade a esse estudo e escrita. 60 No bojo do processo de consolidação do Estado Nacional, afirma-se o projeto de pensar a história brasileira de forma sistematizada, cabendo ao IHGB direcionar este empreendimento. Sua criação pressupunha relações com o delineamento de um perfil para a ―nação brasileira‖ capaz de garantir-lhe uma identidade própria frente às outras ―nações‖. Tentou-se alcançar esse objetivo através da ideia de continuidade da tarefa ―civilizadora‖ iniciada pela colonização portuguesa. Esta tarefa mostrou-se capaz de produzir uma ―homogeneização‖ da visão de Brasil presente nas elites brasileiras.61 Se, durante o século XIX, o IHGB foi a principal instância de legitimação da produção historiográfica brasileira, após a queda do regime imperial a instituição enfrentou dificuldades financeiras decorrentes da perda da proteção e do mecenato do 56 LIMA, Oliveira. Prefácio. CARVALHO, Delgado. Geografia do Brasil. Tomo I. Geografia Geral. Rio de Janeiro, Empo. Foto-Mecânica, 1913. p. 7. 57 COSTA, Patrícia Coelho. A voz do mestre, op. cit. p. 43. 58 GOMES, Ângela de Castro. História e Historiadores. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getulio Vargas, 1996. p. 46. 59 Fundo Delgado de Carvalho, Lata 10, pasta Curriculum Vitae. IHGB. 60 Reflexão empreendida por SANTOS, Ivan Norberto dos. A historiografia amadora de Rocha Pombo, op. cit. p. 41. 61 Ver GUIMARÃES, Manoel Luís Salgado. Nação e Civilização nos Trópicos: o IHGB e o projeto de uma História Nacional In: Estudos Históricos, n.º 1. Rio de Janeiro, 1988, p. 5-27. p. 6-7. 22 imperador D. Pedro II, que lhe conferia uma ajuda financeira responsável por quase 75% da renda da instituição62. Tais problemas quase obrigaram o Instituto a fechar as portas. Muito ativo em seus anos iniciais, o Instituto, ao longo do tempo, perde o brilho de outrora, pouco produzindo e divulgando. Até mesmo os debates acadêmicos chegaram a desaparecer de suas pautas das sessões ordinárias.63 Nos anos finais do século XIX e nas décadas iniciais do século XX, o IHGB, não pôde mais ser considerado como único locus de legitimação da produção histórica. Um dos indícios da autonomia dos intelectuais que produzem escritos historiográficos é a publicação expressiva de boa parte de sua produção em jornais. 64 A superação da crise pela instituição ocorreu logo na primeira década republicana, por meio dos esforços do Barão do Rio Branco à frente da presidência da Instituição e do empenho de três importantes membros: o Conde de Afonso Celso, Max Fleiuss e Ramiz Galvão, conhecidos, posteriormente como a ―Trindade do Silogeu‖. Na gestão de Rio Branco, o IHGB intensificou o intercâmbio com instituições científicas americanas e passou a reunir, em seus quadros sociais, intelectuais, políticos e diplomatas do continente. Quanto aos sócios nacionais, também impôs mais rigor em sua escolha e retomou o hábito de enviar representantes da instituição a congressos internacionais. 65 Assim, pode-se perceber que, mesmo que não se configurasse como única instância de produção do conhecimento histórico nas primeiras décadas do século XX, o Instituto ainda se mostrava como uma instituição de grande tradição e prestígio no cenário intelectual nacional. A participação em uma rede de contatos demarca a inserção de um intelectual no mundo cultural. Sua produção, dessa forma, é sempre influenciada pela participação em associações e em uma série de ―lugares de sociabilidade‖, como revistas, manifestos e 66 abaixo-assinados. O IHGB configura-se, nesse momento, como um lugar de sociabilidade nada desprezível, capaz de proporcionar um convívio propício ao desenvolvimento de ideias e sensibilidades e a participação em projetos coletivos. 62 HANSEN, Patrícia. Feições & Fisionomia, op. cit. p. 41 63 GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal. Da Escola Palatina ao Silogeu: Instituto Histórico Brasileiro (1889-1938). Rio de Janeiro: Museu da República, 2007. 64 HANSEN, Patrícia. Feições & Fisionomia, op. cit. p. 43. 65 GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal. Da Escola Palatina ao Silogeu, op. cit. p. 17-34. 66 GOMES, Ângela. Em família: a correspondência de Oliveira Lima a Gilberto Freyre. Campinas: Mercado de Letras, 2005. p. 13. 23 Nas palavras de Ângela de Castro Gomes (2005), o intelectual, para compor suas obras, ―precisa estar envolvido em um circuito de sociabilidade que, ao mesmo tempo situa-o no mundo cultural e permite-lhe interpretar o mundo político e social de seu 67 tempo‖. Para a autora, não seria a condição de intelectual que desencadearia uma estratégia de sociabilidade, mas sim, o contrário. 68 Xavier Pedrosa, autor do elogio feito a Delgado por ocasião da sua morte, afirma que sua presença no Instituto possui nuances diferentes das dos demais sócios. Pedrosa distingue, a seu respeito, uma fase de trabalhos antes de ser sócio e outra depois de ser admitido como sócio efetivo, em 1921. Segundo Pedrosa, Delgado foi ―revelado‖ ao meio intelectual do IHGB por Oliveira Lima, em 1916. Juntamente com Max Fleiuss, secretário perpétuo do Instituto e o próprio Oliveira Lima, Delgado teria elaborado e posto em prática o projeto da Academia de Altos Estudos, que tinha por inspiração os modelos das universidades de Paris e Londres e a finalidade de preparar funcionários para o trabalho na burocracia federal e estadual. 69 Segundo conferência de Manuel de Oliveira Lima, pronunciada no IHGB em 1916, ele não teria feito mais do que entregar a Max Fleiuss o esboço do programa que Delgado já tinha elaborado. 70 Oliveira Lima qualificou o programa como ótimo. Para um jovem intelectual de 32 anos, que ainda não havia oficialmente entrado para os quadros da instituição, a participação em tal empreendimento, em pé de igualdade com intelectuais notáveis, cujas carreiras já estavam consolidadas, era um feito considerável. Em 1921, Delgado foi admitido como sócio efetivo do Instituto Histórico e 71 Geográfico Brasileiro (IHGB). Em 1937, foi rebaixado à categoria de sócio honorário. Embora Lúcia Guimarães esclareça que a categoria de sócios honorários contava com 50 vagas e só era atingida por sócios efetivos ou correspondentes admitidos há mais de dez anos, que houvessem desenvolvido atividades relevantes para a instituição, a mudança para tal graduação, significou, segundo Pedrosa, uma punição pela parca assiduidade de Delgado de Carvalho às sessões da instituição. Delgado, por sua vez, traduziu sua 67 GOMES, Ângela. Em família, op. cit, p. 12. 68 Ibidem, p. 13. 69 Sobre a Academia de Altos Estudos ver: GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal. Da Escola Palatina ao Silogeu: Instituto Histórico Brasileiro (1889-1938). Rio de Janeiro: Museu da República, 2007. p. 106-109. 70 PEDROSA, Xavier. Carlos Delgado de Carvalho, op. cit. p. 252. 71 Cf. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Vol. 144 (1921). Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1924. p. 763,769 e GALVÃO, Benjamin Franklin de Ramiz (relator). Parecer acerca da admissão como sócio honorário. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Vol. 172. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1937. p. 423-424. 24 frustração pela transferência de categoria em uma ausência do Instituto que se estendeu por anos seguidos. As razões para a insuficiente contribuição de Delgado de Carvalho para a vida do Instituto, ao contrário do que se podia esperar da sua aclamada formação européia, dizem respeito, segundo Pedrosa, não tanto ao pouco valor conferido aos estudos de Geografia pelo Instituto, mas sim pelo fato de Delgado reconhecer-se e ser reconhecido como professor de História Universal e não como ―historiador e pesquisador da História do Brasil.‖ 72 Delgado, segundo Pedrosa, não podia contribuir significativamente para a instituição e a prova disso é a nulidade de sua colaboração na Revista do Instituto e a ausência do seu nome entre as diversas teses que foram apresentadas aos congressos nacionais de História do Brasil, durante o período em que foi membro da instituição. 73 Essa justificativa é dada pelo próprio Delgado, em sua conferência ―Meio século de atividades‖ (1972), proferida por ocasião de sua volta aos quadros do IHGB como sócio efetivo, coincidindo, como ele mesmo esclarece, com a celebração de meio século da sua primeira eleição, a de 1921. Nessa conferência o autor afirma que nunca foi historiador e se encontrava, no interior do IHBG, entre ―historiadores de verdade‖. ―Que parte ativa podia eu tomar nas elevadas discussões sôbre pontos inéditos da 74 história nacional?‖. Ao mesmo tempo, não perde a oportunidade de tecer críticas a estudiosos que se julgam especialistas e ―desprezam qualquer pretensão a uma visão global ou simplesmente sintética das coisas‖. 75 Decerto, tais críticas são direcionadas aos seus ―eminentes patrícios e colegas historiadores‖ do Instituto. Da crítica à especialização exacerbada, que faz perder a visão global das coisas, Delgado deriva outras duas: a da separação das ciências sociais em disciplinas estanques e a do isolamento da História Nacional em relação à História da Europa. Tal concepção do autor será melhor investigada no próximo capítulo. 72 PEDROSA, Xavier. Carlos Delgado de Carvalho, op. cit. p. 252 73 I Congresso de História Nacional, realizado em 1914; II Congresso de História Nacional, realizado em 1931, com vistas a comemorar o centenário da abdicação de d. Pedro I; III Congresso de História Nacional, realizado em 1938, em comemoração ao centenário da instituição; IV Congresso de História Nacional, realizado em 1949 com o intuito de celebrar o quarto centenário da fundação de Salvador. Sobre esses congressos ver: GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal. Da Escola Palatina ao Silogeu: Instituto Histórico Brasileiro (1889-1938). Rio de Janeiro: Museu da República, 2007. 74 CARVALHO, Delgado de. Meio século de atividades, op. cit. p. 202. 75 BOUVIER-AJAM, Maurice. Essai de Méthodologie Historique. p. 54. Apud CARVALHO, Delgado de. Meio século de atividades, op. cit. p. 202. 25 Voltemos, mais uma vez, à sua trajetória. Já definitivamente instalado no Rio de Janeiro, o intelectual, participou, em 1924, da fundação da Associação Brasileira de Educação (ABE), junto com Everardo Backeuser, Heitor Lira e outros dez intelectuais. A associação constituiu-se numa das principais instâncias de articulação do chamado movimento de renovação educacional e apesar da designação ―brasileira‖, durante a década de 1920, somente o departamento carioca da instituição funcionou efetivamente. Em torno da ABE reuniram-se educadores, políticos, intelectuais e jornalistas, que organizavam conferências, publicações de revistas, diversos cursos e se promoviam debates para discutir o modelo educacional que mais se adequaria ao Brasil.76 Marta Carvalho (1998) afirma que a atribuição de um papel importante à ABE como movimento de aglutinação dos educadores, tem levado muitos estudos a postular que na Associação estiveram congregados os integrantes do movimento que, a partir da década de 1930, seria conhecido como grupo dos Pioneiros da Escola Nova. A maior parte dos componentes desse grupo não integrou a ABE. 77 Delgado, entretanto, fez parte dos dois movimentos. Seu engajamento expressa a preocupação comum entre os intelectuais daquele período com os rumos nacionais sendo, a educação, enxergada, ao mesmo tempo, como um grande problema e como um caminho para a superação do atraso. Para os intelectuais da ABE, entre eles Delgado de Carvalho, a sociedade só poderia ser reformada a partir da educação. Para que se caminhasse nesse sentido, fazia-se necessário o implemento de uma formação ligada à cultura científica, capaz de municiar os estudantes de instrumentos para a compreensão e enfrentamento racional dos problemas do país, afastando-se do ensino bacharelesco e ornamental.78 Ainda no início da década de 1920, Delgado procurara ultrapassar os limites da Geografia e fora aprovado para o cargo de professor substituto de Inglês do Colégio Pedro II, instituição de grande tradição e prestígio no cenário educacional brasileiro. Transferido para a cadeira de Sociologia, em 1927, já em 1930, tornou-se diretor do Externato do referido colégio79, tendo sido nomeado pelo próprio ministro da Educação, 76 MACHADO, Monica Sampaio. A Geografia Universitária Carioca e o Campo Científico-Disciplinar da Geografia Brasileira. Op. cit. 77 CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Molde nacional e fôrma cívica: higiene, moral e trabalho no projeto da Associação Brasileira de Educação (1924-1931). Bragança Paulista: EDUSF, 1998. p. 31. 78 COSTA, Patrícia Coelho. A voz do mestre, op. cit. p. 37. 79 Sobre o Colégio Pedro II ver ANDRADE, Vera Lúcia Cabana de Queiroz, Colégio Pedro II: Um Lugar de Memória. 205f. Tese (Doutorado em História Social). Universidade Federal do Rio de Janeiro: Rio de Janeiro, 1999. 26 Francisco Campos. Gomes (1996), em estudo sobre as interpretações da história do Brasil, elaboradas e divulgadas durante o período do Estado Novo por meio de dois periódicos de grande circulação na época, ressalta o papel do Colégio Pedro II como um lugar fundamental de sociabilidade intelectual no Rio de Janeiro, na virada do século XIX para o XX. No Colégio Pedro II, Delgado se encaminha para a cadeira de Sociologia, tendo se tornado o primeiro catedrático efetivo da disciplina em quase 100 anos de existência da instituição. Assim, consagrou-se no Brasil como um divulgador do conhecimento sociológico, em um contexto em que os primeiros manuais de sociologia em português foram publicados. Os manuais destinavam-se a sistematizar um conhecimento sociológico produzido na Europa e apresentar, de forma didática, métodos e procedimentos para a análise sociológica.80 Essa análise, aplicada à educação, seria o primeiro passo para estabelecer, em bases sólidas, o problema educacional com o qual seria necessário defrontar-se para transformar a sociedade. É assim, como professor de Sociologia no colégio Pedro II e no Instituto de Educação (então Escola Normal), que ele se rememora, nos anos de 1970. Justamente, a entrada para a cadeira de Sociologia do Colégio Pedro II, é considerada por Delgado de Carvalho o marco de uma segunda fase de suas atividades. 81 80 MEUCCI, Simone. A Institucionalização da Sociologia no Brasil: os primeiros manuais e cursos. 160 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia), Universidade Estadual de Campinas: Campinas, 2000. 81 Fundo Delgado de Carvalho, Lata 11, Pasta Curriculum Vitae. Carta de Delgado de Carvalho para o senhor Odylo Costa. IHGB. 27 Figura 2 – ―Delgado de Carvalho em sua juventude‖. Fotografia publicada na Revista do Gás, n. 29, 1975. p. 34. 1.3 A história para um intelectual e um intelectual para a História Na periodização elaborada pelo autor, a terceira fase de sua trajetória profissional se inicia com sua entrada para a cadeira de História Moderna e Contemporânea da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil. Esse fato marca o início dessa nova fase em sua trajetória profissional, quando, segundo suas palavras, passa a dedicar-se exclusivamente à História. Neste período produz vários livros didáticos de História Geral, entre os quais Historia Antiga e Medieval e História Moderna e Contemporânea, publicados, respectivamente, em 1945 e 1946 pela Companhia Editora Nacional.82 Embora tais compêndios fossem voltados para o ensino secundário, acreditamos que deixam transparecer seus conhecimentos no ensino da disciplina, baseados, tanto no recente exercício da cadeira de História Moderna e Contemporânea, quanto em suas experiências anteriores como autor de livros didáticos e professor. Essa experiência foi minimizada pelo próprio autor, nos escritos em que rememora sua trajetória profissional, em detrimento de uma ―terceira fase‖ de sua trajetória profissional, iniciada na Faculdade Nacional de Filosofia. Segundo rascunho encontrado na documentação de sua família, Delgado também foi professor de História Contemporânea no Colégio Metodista Bennett, no expressivo período de 1925 a 1942. Essa informação não é mencionada em nenhum dos currículos presentes na documentação de seu fundo no IHGB, nem na descrição de títulos apresentada, provavelmente em 1946, para seu aproveitamento, como professor catedrático da cadeira de História Moderna e Contemporânea, na Universidade do Brasil. 83 Em 1885, a missionária Martha Watts fundou o Colégio Americano de Petrópolis, com o apoio do presidente da República, Prudente de Moraes e de seu irmão, o senador Manoel de Moraes Barros. A cidade foi escolhida porque era o destino de verão de 82 As obras citadas serão objetos de análise do quarto capítulo deste trabalho. 83 ―Carlos Delgado de Carvalho‖. Rascunho manuscrito contido na documentação pessoal de Delgado de Carvalho armazenada na residência do Sr. Paulo Roberto Delgado de Carvalho. 28 muitas famílias da elite política carioca. No ano de 1920, o Colégio Americano de Petrópolis foi transferido para o Rio de Janeiro, recebendo o nome de Colégio Bennett.84 Funcionando no bairro do Catete, dedicava-se especialmente à educação de meninas, filhas de protestantes e de representantes das elites progressistas da sociedade do Rio de Janeiro. Embora a diretora Eva Hyde fosse contra a medida de equiparação dos colégios metodistas às regras do ensino brasileiro, em 1934, o Colégio Bennett é equiparado aos estabelecimentos oficiais de ensino. Apesar disso, o colégio continuou desenvolvendo experiências pedagógicas dentro dos princípios educacionais metodistas. Diferente dos colégios católicos, que faziam uso do método mnemônico, nos colégios metodistas priorizava-se o desenvolvimento do raciocínio, por meio do emprego do método ―intuitivo‖, conferindo grande importância à intuição, à observação e à experiência, por meio dos sentidos. O objetivo era que a criança se acostumasse a refletir, por meio da observação espontânea, com vistas a alcançar o conhecimento que lhe era necessário. A experimentação e a verificação eram extremamente valorizadas. O objetivo desses colégios não era oferecer uma educação aprimorada, mas sim, a constituição de um ser humano ―completo‖, o que incluía a formação do caráter dos educandos. 85 Nos colégios metodistas oferecia-se, no curso secundário, o ensino de ciências exatas. Essa característica marcava a diferença fundamental do currículo desses em relação às escolas públicas e católicas e associava o ensino metodista ao progresso tecnológico. Essas instituições buscavam, por meio de seus materiais e métodos pedagógicos, considerados modernos, a formação de lideranças políticas e intelectuais de acordo com os valores do protestantismo norte-americano. Como já era de se esperar, esse intento encontrou forte resistência da Igreja Católica Romana, que era responsável pela maior parte dos estabelecimentos de ensino particular no país. A Igreja buscou afirmar a superioridade e a preponderância do ensino católico, principalmente no que dizia respeito ao ensino secundário, por meio de fortes campanhas de oposição ao ensino laico e à expansão das instituições protestantes no país. Não temos quase nenhuma informação acerca da atuação de Delgado de Carvalho como professor de História Contemporânea do Colégio Bennett, entretanto, podemos conjecturar que sua entrada nesse espaço configurou uma aproximação com as 84 CORDEIRO, Ana Lucia Meyer. Metodismo e educação no Brasil: as tensões com o catolicismo na Primeira República. 203f. Tese (Doutorado em Ciência da Religião). Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora, 2008. p. 153. 85 Ibidem, p. 133. 29 concepções educacionais norte-americanas. Tais ideias o motivaram nos anos seguintes a buscar no sistema de ensino norte-americano um modelo para o desenvolvimento da incipiente educação oferecida no Brasil e marcaram seus escritos a respeito da função do ensino de história para a formação dos alunos. Esse fato o levou a estreitar laços com o sistema de ensino norte-americano. No final de 1928, Delgado foi aos Estados Unidos para organizar o intercâmbio intelectual entre o Brasil e aquele país, por intermédio da Summer School for American Teachers Students in Brazil e, no ano seguinte, chefiou um grupo de professores que foram conhecer os Estados Unidos e as suas instituições, a convite da Fundação Carnegie, e por meio da Associação Brasileira de Educação. Ao que nos parece, as ideias que o autor defenderá na década de 1930, tais como o importante papel que o ensino deveria desempenhar, não só na promoção da democracia e do progresso da civilização, como na seleção das lideranças intelectuais que dirigiriam a sociedade, encontram correspondência no escopo dos projetos dos colégios metodistas fundados no Brasil por missionários protestantes norte-americanos. O silêncio de Delgado em relação à sua inserção nesse projeto em seus currículos nos parece expressivo. A dificuldade em reconhecer sua participação, como professor de História Contemporânea, em um projeto ligado a outra religião que não a católica, expressa, talvez, não o seu comprometimento com essa religião, uma vez em nossos estudos não encontramos indícios de que o autor se posicionasse em defesa dos ideais católicos em debates ligados à educação ou fora deles. Pode apontar, porém, para o fato de que a Igreja Católica detinha grande força, como setor organizado da sociedade e demostrava esse poder utilizando-se da educação como meio para atingir um projeto mais amplo, ligado à construção de um Estado forte, que tivesse, na religião católica – enxergada como legítima religião nacional, em detrimento de outras formas de religiosidade – a sua base.86 No entendimento de Francisco Campos, primeiro ministro a assumir a pasta do recém-criado Ministério da Educação e Saúde, ainda no ano de 1930, a Igreja Católica deveria prover o novo regime de uma ideologia moral. Havia no interior do regime um 86 SCHUARTZMAN, Simon; BOMENY, Helena; COSTA, Vanda Ribeiro. Tempos de Capanema, São Paulo: Paz e Terra: FGV, 2000. p. 79. 30 acordo quando à importância dos valores religiosos como fundamentais para o fortalecimento do país. 87 Delgado de Carvalho, ao se aproximar do ministro da Educação e Saúde, assegurou sua participação na elaboração do anteprojeto da reforma de ensino empreendida no ano de 1931, da qual trataremos no próximo capítulo, garantindo também, a legitimidade para que as suas concepções de ensino de História fossem incorporadas aos programas de ensino. Tal legitimidade foi construída por meio de sua participação em diversos espaços onde ocorriam deliberações acerca dos rumos da educação nacional e de sua atuação no interior do Colégio Pedro II, uma vez que, já em 1930, tornou-se diretor do Externato dessa instituição, tendo sido nomeado pelo próprio Francisco Campos. O fato de ter assumido um cargo de tamanha importância em um momento de crise mostra a aceitação de Delgado de Carvalho junto ao primeiro ministro da Educação e Saúde Pública. Esse prestígio não poderia ser posto em questão, por causa da defesa de uma educação baseada nos princípios de uma religião voltada para a promoção de ideias associadas ao liberalismo e sua crença na técnica e ciência, como parâmetros de organização da vida e de ação na sociedade, tida, portanto, como um atentado à nacionalidade. 88 Estamos trabalhando, aqui, com a categoria sócio-profissional de intelectuais. Jean-François Sirinelli aponta o fato de que tal grupo possui contornos pouco definidos.89 Para o autor, existiriam duas acepções do intelectual: uma ampla e sócio-cultural, englobando os ―criadores‖ e os ―mediadores‖ culturais e outra, baseada na noção de ―engajamento‖.90 A segunda acepção proposta por Sirinelli refere-se à origem da palavra intelectual e remonta a fins do século XIX, quando, durante o caso Dreyfuss 91, foi utilizada, pela primeira vez, para descrever aqueles ―homens de cultura‖ que se puseram ao lado do injustiçado militar. 87 SCHUARTZMAN, Simon; BOMENY, Helena; COSTA, Vanda Ribeiro. Tempos de Capanema, op. cit, p. 61 e 64. 88 Ibidem, p. 73. 89 SIRINELLI, Jean-François. Os intelectuais. In: RÉMOND, René. Por uma história política. Tradução: Dora Rocha. 2ed. Rio de Janeiro: UFRJ/FGV, 2003. pp.231-270. p. 242. 90 SIRINELLI, Jean-François. Os intelectuais, p. 242-243. 91 Episódio ocorrido em 1894 na França, em que o capitão Alfred Dreyfuss, um judeu, foi acusado de traição à pátria e sumariamente condenado. Alguns letrados, dos quais destacamos Émile Zola, produtor do texto J’accuse, se levantaram em defesa de Dreyfuss conclamando a participação dos intelectuais em defesa da verdade e da justiça, e assim, iniciaram uma polêmica nacional. 31 Ângela de Castro Gomes (1996) define o intelectual como um especialista no processo de criação, transmissão cultural e como alguém capaz de produzir ―visões de mundo‖. Além disso, a autora atenta para o fato de ele poder despertar a atenção daqueles que estão envolvidos com o ―círculo do poder político‖ 92. Esses intelectuais e os ―bens simbólicos‖ por eles produzidos tornam-se fundamentais à legitimação de regimes políticos modernos, cada vez menos fundamentados no uso da força. 93 No Brasil pós-1930, isso não se faz de forma diferente, ao ponto de Sérgio Micelli (2001) afirmar que o regime de Vargas definiu o domínio da cultura como um ―negócio oficial‖.94 Se o governo, sobretudo no que diz respeito às políticas do Ministério da Educação e Saúde Pública, buscava incorporar os intelectuais a seus projetos, podemos entender tal relação não apenas na chave da cooptação, proposta por Micelli. Podemos perceber, observando sua trajetória, que Delgado de Carvalho que ele busca se aproximar do governo federal, tentando se inserir em projetos governistas, ainda que tendo de flexibilizar algumas de suas convicções, surgindo, então, como um intelectual que disputa a inclusão de seus interesses na política educacional federal, inclusive no que diz respeito ao ensino de História, como poderemos ver nos capítulos seguintes. Outro pertencimento não declarado por Delgado de Carvalho em nenhum de seus currículos foi a sua participação na Sociedade Capistrano de Abreu (1927-1969), ocorrida no período de 1927 e 193095. A instituição foi criada em 11 de setembro de 1927, na cidade do Rio de Janeiro, com o intuito de preservar a memória do historiador falecido naquele ano e mobilizou, ao longo de sua existência, uma série de estratégias com vistas à construção e veiculação dessa memória. Ao investigar essas estratégias e as relações que esta instituição manteve com o círculo letrado do qual foi contemporânea, Ítala Byanca Silva (2008) aponta que os membros da sociedade se auto-representavam como discípulos e continuadores do trabalho de Capistrano de Abreu. Esse culto ao autor conferia aos membros um ―lugar 92 GOMES. Ângela de Castro. História e Historiadores, op. cit. p. 38-39. 93 GOMES, Ângela de Castro. A República, a história e o IHGB, op. Cit. P. 26. 94 MICELI, Sérgio. Intelectuais à brasileira, op.cit. p. 197-198. 95 Ver ―Relação nominal dos sócios da Sociedade Capistrano de Abreu (1927-1969)‖. In: SILVA, Ítala Byanca Morais da. Les morts vont vite: A Sociedade Capistrano de Abreu e a construção da memória de seu patrono na historiografia brasileira (1927-1969). 360 f. Dissertação (Mestrado em História Social) – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2008. p. 347-352. 32 social‖, que os legitimava. Por outro lado, constituía um referencial para o fazer histórico no período e para os que se denominavam historiadores. Por meio do estudo da biografia de Capistrano de Abreu, produzida por Alba Nascimento em 1931, Silva constata que a biógrafa percebe que as características de Capistrano se tornam representativas do que se poderia esperar de um integrante do mundo letrado. Desse modo, sua cultura é exaltada como um saber autodidata, autônomo e polimorfo. Capistrano de Abreu era considerado ―um homem que conhecia tudo‖.96 O fazer historiográfico de Capistrano guarda particularidades, uma vez que sua escrita seria multidisciplinar, com forte influência da mesologia 97 e grande conhecimento dos aspectos geográficos. Ele seria, portanto, o grande precursor dos estudos antropogeográficos no Brasil. Outra particularidade em sua escrita diz respeito à ―presença do método científico e de uma matriz filosófica de análise‖.98 Ele é lembrado, assim, como o criador de um novo estilo histórico. Segundo Alba Nascimento, em Capistrano, o mais importante era a síntese histórica da evolução humana, sem conferir aos ―incidentes‖ e aos fatos valor que não possuíam. O importante era o ―sentido dos acontecimentos‖, o nexo causal entre eles. Como Capistrano de Abreu, Delgado era um letrado que atuava em diversas áreas do saber. Sua atuação se faz possível em virtude da constituição do campo intelectual brasileiro no período, que não apresentava distinção nítida entre as disciplinas. Esse processo de autonomização e constituição de campos disciplinares se inicia na década de 1930, com a criação das faculdades de filosofia e consequentemente de vários cursos universitários, entre eles, os de História. Sua entrada na Sociedade Capistrano de Abreu, ao que parece, indica a necessidade de encontrar um espaço institucional que validasse sua perspectiva de história, intimamente ligada à geografia, uma vez que, ao que tudo indica, esse espaço não lhe era concedido no IHGB. Nesse sentido, torna-se interessante para Delgado se afirmar-se como discípulo de Capistrano, um ―cientista‖ que buscava entender a História de um ponto de vista mesológico, enfatizava as relações da História com a Geografia e ressaltava a necessidade de um trabalho que traçasse um ―quadro geral‖ da Geografia 96 NASCIMENTO, Alba. Capistrano de Abreu. O Homem e a obra. Rio de Janeiro: Editora Briguiet & Cia, 1931. p. 12 Apud SILVA, Ítala Byanca. Les morts vont vite. Op. cit. p. 99. 97 ―Ramo das ciências humanas que estuda a estrutura e o desenvolvimento das comunidades humanas em relação com o meio ambiente e sua conseqüente adaptação a ele‖. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 4 ed. Curitiba: Ed. Positivo, 2009. p. 711. 98 SILVA, Ítala Byanca. Les morts vont vite, op. cit. p. 102 33 nacional, no qual os elementos físicos aparecessem em articulação com as realizações humanas. 99 Não sabemos, entretanto, porque sua participação na Sociedade durou apenas três anos. Quando da fundação do IHGB, no período imperial, a Geografia – área de atuação em que Delgado ficou mais conhecido na academia – não foi negligenciada no interior do Instituto, desempenhando, juntamente com a História, a construção de uma ―visão de Brasil‖ homogênea, identificando a ideia de Império com a de seu território100. Entretanto, nas primeiras décadas do século XX, sob a direção da chamada ―Trindade do Silogeu‖, as atividades do IHGB parecem se ter voltado, prioritariamente, para a divulgação e construção do conhecimento histórico, uma vez que os intelectuais, que compunham a trindade que esteve à frente da instituição por 25 anos, possuíam vínculos fortes com a História. Tal tendência também fica ainda mais clara quando atentamos para o fato de que, entre as principais iniciativas do IHGB, na primeira metade do século XX, figuram quatro congressos de História nacional. A História empreendida pelo Instituto não deixava lugar para uma prática voltada à reflexão sobre a História da Civilização, nas palavras de Delgado de Carvalho, una e no singular, tal como ele a concebia. Entretanto, se o Brasil almejava fazer parte da civilização, os alunos não poderiam, de maneira nenhuma, ser levados a acreditar que ―somos os autores da atual civilização e que dela temos monopólio‖ 101, o que poderia ser favorecido pelo ensino de História do Brasil desvinculado da História Geral, como estava sendo feito nas escolas até o ano de 1931, quando a Reforma de Francisco Campos cria a cadeira de História da Civilização, integrando as cadeiras de História do Brasil e História Geral, antes existentes nos programas do colégio Pedro II. No Terceiro Congresso de História, realizado por ocasião do centenário da instituição, o IHGB formalizou um protesto contra a supressão da cadeira de História do Brasil no curso secundário e aprovou uma moção que reivindicava o restabelecimento da 102 cadeira autônoma. Delgado era um entusiasta e defensor da História ensinada na 99 GUIMARÃES, Manoel Salgado. Do litoral para o interior: Capistrano de Abreu e a escrita da história oitocentista. In: CARVALHO, José Murilo de e NEVES, Lucília Maria (Orgs.) Repensando o oitocentos: cidadania, política e liberdade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. p. 268-292. p. 288. 100 PEREIRA, Daniel Mesquita. Descobrimentos de Capistrano: a história do Brasil ―a grandes traços e largas malhas‖. Tese (Doutorado em História). Rio de Janeiro: PUC, Departamento de História, 2002. p. 90-91. 101 CARVALHO, Delgado. Sociologia e Educação. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1934. p. 110. 102 GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal. Da Escola Palatina ao Silogeu, op. cit. p. 190. 34 perspectiva da civilização, logo, tinha uma concepção de História destoante da maior parte dos membros do Instituto. Nos anos 1930, Delgado de Carvalho procurou se inserir no plano idealizado por Pedro Ernesto, interventor do Distrito Federal, de valorização das esferas da saúde e da educação. Com a colaboração de Anísio Teixeira, uma das lideranças do movimento pela renovação da educação desde os anos 1920, o interventor pôs em marcha o projeto de criação da Universidade do Distrito Federal (UDF). Instituída legalmente em abril de 1935, a universidade se configurou como o primeiro esforço de estruturação de um novo modelo, cujas diretrizes fossem a promoção de uma ―cultura desinteressada‖ e a ―preparação para a carreira intelectual‖ e não somente a formação profissional. 103 A UDF inaugurou os primeiros cursos de formação de professores, em diversos campos de conhecimento, mas em virtude das divergências suscitadas, logo em seu primeiro ano de funcionamento, enfrentou problemas decorrentes das acusações de comunismo empreendidas por membros da intelectualidade católica. Anísio Teixeira teve que se afastar do Departamento Municipal de Educação, ainda em 1935 e o próprio Pedro Ernesto, no ano seguinte, foi preso. 104 A universidade funcionou por quatro anos apenas. No período de sua curta existência, foram ainda reitores, depois de Anísio Teixeira, Afonso Penna Júnior, Alceu de Amoroso Lima, José Baeta Viana e Luiz Camillo de Oliveira Neto, este último, quando a universidade já se encontrava ameaçada de fechamento. Delgado de Carvalho atuou na universidade desde 1935, inicialmente como professor de Sociologia Educacional e Geografia Humana e posteriormente na cadeira de História Contemporânea. Em 1937, em virtude de um decreto que proibia a acumulação de cargos públicos, optou por continuar no Colégio Pedro II, deixando a UDF. 105 Ao julgar pela nomenclatura dos cursos da UDF, que continham alusão à História da Civilização (―História da Civilização Romana‖, ―História da Civilização no Brasil‖ e ―História da Civilização na América‖), atribuímos, em parte, à inspiração francesa em sua criação a indicação de que o projeto em voga na universidade era o de um estudo da 103 PAIM, Antônio. Por uma Universidade no Rio de Janeiro. In: SCHWARTZMAN, Simon (Org.) Universidades e Instituições Científicas no Rio de Janeiro. Brasília, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), 1982. p. 17-96. 104 FERREIRA, Marieta de Moraes. Os desafios da profissionalização do ensino de História: duas trajetórias de professores universitários. In: ALMEIDA, Marta de e VERGARA, Moema de Rezende. (Orgs.) Ciência, história e historiografia. São Paulo: Via Lettera; Rio de Janeiro: MAST, 2008. p. 175- 189. 105 COSTA, Patrícia Coelho. A voz do mestre, op. cit. p. 66. 35 história levando em conta a perspectiva de uma civilização única e do progresso em sentido linear. As concepções que nortearam o curso da UDF estavam de acordo com as principais ideias que Delgado defendia nos anos 1930 e que serão objeto de nossa investigação neste trabalho.106 As primeiras turmas de professores secundários diplomados pela UDF se formaram em 1937, não obstante as perseguições sofridas pela instituição. Entretanto, uma segunda turma de alunos não chegaria a se formar, considerando que a universidade foi definitivamente fechada através do Decreto-lei n.º 1.063, em 20 de janeiro de 1939. Este decreto definiu a transferência de seus cursos para a Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) da Universidade do Brasil, criada em 1939. Convidado por Gustavo Capanema para compor o quadro de professores da recém-criada FNFi, Delgado aceitou prontamente, o que não ocorreu com outras figuras do quadro de professores da UDF como por exemplo, Prudente de Moraes, neto, membro do Conselho Universitário, e Luiz Camillo de Oliveira Neto, professor de História do 107 Brasil e último reitor da universidade. Essas figuras viram na incorporação da UDF pela FNFi uma derrota do projeto de universidade pelo qual haviam lutado. A entrada de Delgado para a Universidade do Brasil, em 1939, representa a culminância de um processo de aproximação e colaboração com o governo federal que se inicia já em 1930. Nossa pesquisa, contudo, aponta que Delgado não almejava, desde o princípio, a cadeira de História Moderna e Contemporânea da FNFi, correspondente à que lecionara na UDF. A experiência universitária anterior, como professor da UDF não é ao menos mencionada em sua periodização. Quando da criação da FNFi, a cadeira de História Moderna e Contemporânea foi ocupada pelo professor francês Victor Marie Lucien Tapié, que se ausentou do país em março de 1942, deixando-a a cargo de seu assistente Antero Manhães.108 Delgado, a princípio almejava uma cadeira de Sociologia e escrevera a Capanema fazendo tal 106 FERREIRA, Marieta de Moraes. Os desafios da profissionalização do ensino de História: duas trajetórias de professores universitários, op. cit. 107 Para uma análise da atuação de Luiz Camillo de Oliveira Neto, incluindo sua posição mediante o fechamento da UDF, ver: PENNA, Maria Luiza. Luiz Camillo: perfil intelectual. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. 108 Ver FERREIRA, Marieta de Moraes. A Cadeira de História Moderna e Contemporânea: um espaço de crítica e renovação do ensino da História. In: SILVA, Francisco Carlos Teixeira da, MATTOS, Hebe Maria e FRAGOSO, João (Orgs.). Escritos sobre História e Educação – Homenagem à Maria Yedda Leite Linhares. Rio de Janeiro. Mauad: Faperj, 2001. p.553-568. 36 pedido, entretanto, foi convencido pelo ministro a aceitar a cadeira de Geografia do Brasil. 109 Assim, podemos perceber que, apesar da tentativa de periodizar sua atuação profissional nos anos 1970, a entrada de Delgado na Universidade do Brasil, décadas antes, não se configurou, desde o início, como um desejo de dedicar-se única e exclusivamente à História, disciplina que, em seu pensamento, estava intimamente ligada à Sociologia e à Geografia. A Universidade do Brasil tornou-se, então, para ele, o espaço institucional onde podia empreender estudos na área de História da Civilização, com ênfase em História Moderna Contemporânea, sem se distanciar, de todo, da Geografia, uma vez que as duas formações, na Faculdade Nacional de Filosofia, integravam o mesmo curso. Delgado não se reconhecia como um historiador, pois, ao mesmo tempo em que pertencia à instituição que consagrava e reunia esses profissionais, o IHGB, não podia discutir, ali, os resultados de suas investigações. Restou a ele, ainda que só o formule retrospectivamente, o espaço das aulas de História e dos livros didáticos, lugar dos globalistas e dos ―pardais de Clio‖, onde se fazia possível a realização de uma visão sintética das coisas, sem sofrer o olhar inquisidor dos (verdadeiros) historiadores. 109 Fundo Gustavo Capanema. GC g 1936.01.18 Pasta V – doc. 28. ―Geographia do Brasil – Delgado de Carvalho. Escreveu carta ao Sr. Presidente, pedindo a cadeira de sociologia. Mas concorda em ficar com a de Geografia do Brasil. Não temos [para] Geographia do Brasil pessoas de maior competência.‖ e Carta de Gustavo Capanema a Alzira. Fundo Gustavo Capenama. GC g 1936.01.18 Pasta IV – doc. 4 ―Prezada D. Alzira. Saudações affectuosas. Falei ao Delgado de Carvalho. Elle aceita a cadeira de geografia do Brasil, na Universidade.‖ 37 Capítulo 2 - Delgado de Carvalho e a História no ensino secundário Como vimos no capítulo anterior, Delgado de Carvalho não se denominava historiador. Intitulando-se ―pardal de Clio‖, apresentava-se, tão somente, como um professor de História e autor de livros didáticos para o ensino da disciplina. Entretanto, vimos que, mais do que isso, o autor buscou se inserir nos principais espaços onde se desenvolviam as discussões acerca dos rumos da educação nacional e do ensino de História. Ao mesmo tempo, Delgado buscou, através da aproximação com o governo instituído em 1930, a aceitação de suas ideias e a difusão das mesmas nas políticas voltadas para a área de educação, empreendidas pelo regime varguista. Por meio dessa aproximação bem sucedida, o autor conseguiu participar da elaboração das duas reformas da educação realizadas dentro dos limites cronológicos da chamada Era Vargas: as reformas postas em prática pelos ministros Francisco Campos (1931) e Gustavo Capanema (1942). Essas reformas representaram um marco, pois, a partir de 1931, os programas de ensino passaram a ser elaborados por comissões do Ministério da Educação e Saúde Pública e não mais pelos catedráticos e congregações dos estabelecimentos de ensino. Interessa-nos considerar que esses programas de ensino, bem como os livros didáticos, apresentam-se como ―textos visíveis‖ que têm por objetivo orientar e por vezes, conformar ideias, rotinas, conhecimentos e práticas que constituem a disciplina escolar História. 110 Assim, ressaltamos que os programas, mesmo caracterizados como ―oficiais‖ e elaborados no interior do Ministério, não eram emanações de um poder superior e descarnado. A elaboração dos programas das reformas de ensino é permeada de disputas entre concepções e ideias conflitantes sobre a função que o ensino de História deveria desempenhar, sobre os conteúdos mais relevantes, o melhor método a ser recomendado, o papel do professor na efetivação das prescrições, dentre outros pontos que, de forma alguma, são pacíficos. A consideração das disputas em torno da elaboração dos programas nos permitirá avaliar, nos capítulos seguintes, os livros didáticos que são objetos de nosso trabalho. Na 110 SCHMIDT, Maria Auxiliadora. História com Pedagogia: a contribuição de Jonathas Serrano na construção do código disciplinar da História no Brasil. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n. 48, p. 189-191, 2004. p. 190. 38 época em questão, os livros didáticos de História eram produzidos em diálogo com os conteúdos prescritos e tinham que se adequar a esses. Por outro lado, os programas deixavam margem para que os autores elaborassem suas próprias interpretações, selecionassem episódios e processos, trabalhassem com diferentes recursos didáticos, tais como mapas, imagens, quadros, exercícios, testes. Neste capítulo analisamos como Delgado compreendia o ensino da História e quais eram os seus principais argumentos na defesa de suas ideias. Para o autor, a disciplina assumia a função de introduzir o aluno no mundo social e político. Para desempenhar tal papel, a história deveria demonstrar o progresso humano em todos os sentidos e de forma supranacional. Os livros didáticos para o ensino da disciplina, sob essa ótica, longe de conter exaltação aos grandes fatos e nomes nacionais deveriam se prestar à obra de entendimento e aproximação entre os países. Em seguida, acompanhamos a participação do professor/autor na elaboração dos programas das reformas de ensino de Francisco Campos e Gustavo Capanema e as disputas em torno do peso a se conferir à História do Brasil no interior da História Geral, ou melhor, da História da Civilização. 2.1 Referenciais sobre o ensino Se, na década de 1930, Delgado pouco se dedicara à produção de obras voltadas para o ensino de História, o mesmo não se pode dizer em relação aos manuais de Sociologia, disciplina da qual era professor do Colégio Pedro II, desde o ano de 1927. Estes manuais111 destinavam-se a sistematizar um conhecimento produzido na Europa e apresentar, de forma didática, métodos e procedimentos para a análise sociológica.112 Um deles, entretanto, publicado em 1934, destaca-se, porque, apesar do seu título, Sociologia e Educação, não era destinado a professores e alunos, mas tinha por ambição caracterizar-se como um estudo de aspectos do problema educacional brasileiro. Nele, Delgado expõe seus pontos de vista acerca do ensino de História no curso secundário. Ao fazê-lo chama a atenção para um grande problema no seu entendimento: o 111 Ver os títulos Sociologia: Summários do Curso do Sexto Anno (1933), Sociologia Educacional (1933), Sociologia e Educação (1934), Sociologia Aplicada (1935), Práticas de Sociologia (1937). 112 MEUCCI, Simone. A Institucionalização da Sociologia no Brasil: os primeiros manuais e cursos. Dissertação (Mestrado em Sociologia), UNICAMP: Campinas, 2000. 39 do isolamento da história brasileira frente à história geral, ou, como preferia, frente à história da civilização. 113 Ao mencionar os esforços empreendidos depois da guerra por associações internacionais e pela Liga das Nações ―em favor da expansão de um espírito internacional entre os povos‖ 114, o autor afirmava que o Brasil não poderia ignorar esses esforços empreendidos na Europa. A guerra, que em sua obra é geralmente denominada Grande Guerra, evidenciara a necessidade de que os professores de Ciências Sociais deveriam imbuir-se deste espírito. Delgado criticava o patriotismo brasileiro, que chama de ―ingênuo‖, e se coloca como representante de uma tendência em voga nos meios europeus: a que via o ensino – e principalmente a disciplina História – como elemento chave na promoção da paz entre os países. Essa concepção se difundiu no mundo europeu no período entre-guerras e seu argumento central, defendia que as histórias nacionais, da forma que eram ensinadas, ensejavam o ódio entre as nações e o belicismo. Nesse contexto surgiram comissões internacionais e congressos que buscavam analisar os conteúdos pedagógicos e sugerir modificações, caso fossem constatadas agressões, no ensino adotado nesses países, a nações estrangeiras. Em vários eventos eram apresentadas propostas para a promoção da ―solidariedade internacional‖. 115 Os esforços empreendidos na década anterior, em prol da neutralização de possíveis influências belicosas no ensino de História, estimularam a criação na Europa, no início dos anos 1930, da Comissão Internacional para o Ensino de História (CIENH). Sua proposta era semelhante à das comissões criadas nos anos 1920, entretanto o foco de sua atuação recaiu sobre a revisão dos manuais didáticos que incitassem o armamentismo e o belicismo. 116 113 CARVALHO, Delgado. Sociologia e Educação. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1934. p. 5. 114 Ibidem, p. 120. 115 RIEMENSCHNEIDER, Rainer. La confrontacion internationale des manuels. Contribuition au probleme des rapports. Entre manuel d’Histoire et memoire collective. Travaux du colloque Manuels d‘Histoire et memoire collective. U.E.R. de Didatique des disciplines, Université de Paris 7, 1984. p. 127- 140. Luís Reznik dá vários exemplos dos quais destacamos alguns: ―Sociedade das Nações (Assembléia, Conselho, Comissão de Cooperação Intelectual, Sub Comitê de Peritos para ensinar às crianças e aos jovens sobre a existência e os fins da Sociedade das Nações), 1923 em diante; União Internacional de Sociedades da Paz, Bale, 1923; Congresso Internacional de ciências históricas, Oslo, 1928; Congresso da paz pela escola, Praga, 1927; Congresso internacional para a revisão dos erros históricos contidos nos manuais de ensino de História, Haya, 1932; Conferência Internacional para o ensino de História, Basiléia, 1934. Ver: REZNIK, Luís. Tecendo o amanhã, op. cit. 116 FERREIRA, Marieta de Moraes. Notas sobre a Institucionalização dos Cursos Universitários de História no Rio de Janeiro. In: GUIMARÃES, Manuel Luiz Salgado. Estudos sobre a Escrita da História. Rio de Janeiro: Editora 7 Letras, 2006. 40 Os livros escolares eram considerados como meio privilegiado de fazer chegar à sociedade determinadas mensagens e por isso Delgado de Carvalho afirma que estavam sendo ―particularmente visados‖ para difundir a mensagem do entendimento e da cordialidade entre os países.117 A literatura escolar, no sentido moderno do termo, embora seja anterior à constituição e afirmação dos Estados Nacionais, ganha nova significação com o advento destes. Ao longo do século XIX, esses Estados aos poucos vão substituindo a família e as instituições religiosas no desempenho do papel de formar a juventude. Os livros escolares, vistos como veículos da língua e da cultura pátrias, tornam-se símbolos da soberania das nações118. O que caracteriza essa literatura, é o fato de estar profundamente articulada ao nascimento dos sistemas educacionais fundados pelos Estados Nacionais e de se constituir como um instrumento de controle estatal sobre o ensino.119 Em 1930, a Liga das Nações, em sua assembleia, aprovou resoluções para a correção dos livros didáticos cujo conteúdo fosse ofensivo ao ―espírito de cordialidade internacional‖.120 Aos manuais escolares, nesse contexto, era atribuída a responsabilidade pelo clima de hostilidade entre as nações e pelos nacionalismos exacerbados que teriam desembocado na Primeira Guerra Mundial. Uma das possíveis soluções aventadas para tal impasse foi a extinção do ensino de 121 História nacional, proposta no Congresso de Lyon, em 1924. Essa proposta radical denota que vinha sendo pensado, internacionalmente, um ensino de História que não desse tanta ênfase aos aspectos políticos e militares, mas que valorizasse uma história da civilização, calcada no estudo das sociedades que a constituíam. Delgado de Carvalho, ao tratar dos congressos e conferências internacionais para a aproximação entre as nações, apropria-se das conclusões de Claparède122 para enunciar os objetivos que, a seu ver, deveriam nortear os compêndios: 117 CARVALHO, Delgado de. Sociologia e Educação. op. cit. p. 120. 118 CHOPPIN, Allain. História dos livros e das edições didáticas: sobre o estado da arte. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.3, pp. 549-566, set./dez. 2004. p. 555. 119 BITTENCOURT, Circe. Livro didático e saber escolar (1810-1910). Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008. 120 REZNIK, Luís. Tecendo o amanhã, op. cit., p. 60. 121 Ibidem, p. 61. 122 Embora Delgado não mencione o primeiro nome, acreditamos ser Édouard Claparède (1873 - 1940), neurologista e psicólogo do desenvolvimento infantil nascido na Suiça e representante do movimento escolanovista nos meios europeus. 41 a) Não conter exaltação própria dos sentimentos nacionais, nem excitação de odio aos estrangeiros por meio de affirmações subjectivas ou juízos definitivos sobre pontos discutidos. b) Dar maior importância aos factos que illustram a solidariedade internacional, procurando na historia nacional os factos que a isso se prestam. c) Insistir mais sobre a historia da civilização do que sobre a historia militar e política, apresentando uma concepção universalista da Historia. d) Trazer uma contribuição á educação moral e não somente científica. e) Visar um ensino da historia internacional, independente ou em correlação com a historia nacional, etc. 123 Portanto, para Delgado de Carvalho, a solução para que os manuais de ensino não favorecessem a animosidade entre as nações era que o ensino se fizesse do ponto de vista da História Geral, mesmo que esta não tivesse conexões com a história nacional, isto é, era preciso que se privilegiasse a História da Civilização. A história nacional, ao se fechar em lições de patriotismo e civismo, conseguiria, no máximo, fazer uma exaltação ingênua da pátria. A criação de um ―espírito nacional‖, o ―desabrochar de uma alma ás cousas da Pátria‖ se faria no ensino primário, na infância, época propícia ao desenvolvimento do laço mais forte com o patriotismo, ―a responsabilidade no futuro‖, que se forjaria na ―solidariedade com o passado‖.124 Delgado de Carvalho se aproxima, assim, da perspectiva de alguns autores, que, ao criarem literatura infantil brasileira nas primeiras décadas republicanas, enxergavam a criança como um ―futuro cidadão‖, cuja responsabilidade, em relação à nação, realizar-se-ia nos anos vindouros. 125 No ensino secundário, no entanto, o papel do ensino de História não seria mais o de exaltação da pátria. São três os objetivos da disciplina na educação secundária: ―a adaptação do indivíduo à vida cívica‖, que consiste em sua formação como cidadão, conhecedor das instituições políticas e sociais; a adaptação do indivíduo à vida econômica, para torná-lo ―eficiente como produtor no grupo em que é chamado a viver‖ e a promoção no indivíduo do ―interesse pela cultura‖, para que ele soubesse usar ―com inteligência os lazeres‖. 126 Na perspectiva de Delgado de Carvalho, assim como na de muitos educadores e dirigentes educacionais nos anos 1930, por meio do curso secundário, os adolescentes 123 CARVALHO, Delgado. Sociologia e Educação. op. cit. p. 121. 124 CARVALHO, Delgado de. Historia da cidade do Rio de Janeiro: de accordo com os programmas das escolas publicas municipaes. Rio de Janeiro: Mendonça, Machado & Ca., 1926. p. 10. 125 Entre esses autores estão Silvio Romero, Rodrigo Otávio, Coelho Neto, Afonso Celso, Virgílio Cardoso de Oliveira, Julia Lopes de Almeida, Manoel Bonfim, entre outros. Ver: HANSEN, Patricia dos Santos. Brasil, um país novo: literatura cívico-pedagógica e a construção de um ideal de infância brasileira na Primeira República. Tese (Doutorado em História). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2007. p. 16. 126 CARVALHO, Delgado. Sociologia e Educação, op. cit. p. 14-15. 42 poderiam se preparar para entrar nas universidades e desempenhar, assim, o seu ―papel social nas elites da nação‖. 127 Nesse aspecto, as ideias de Delgado de Carvalho se filiam ao pensamento do filósofo norte-americano John Dewey. O nome de Dewey, no Brasil, ficou associado ao movimento que defendeu a construção de um sistema de educação calcado em bases nacionais e contribuiu para a renovação das concepções acerca de um modelo de escola tido como tradicional. 128 Este movimento era o expoente brasileiro da chamada Escola Nova, que, longe de se configurar como um projeto com um enfoque bem definido, estruturava-se em torno da defesa de alguns temas, conduzido por nomes de destaque, como Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e Lourenço Filho. 129 Na também chamada ―escola progressiva‖ o aluno era o sujeito do conhecimento e o aprendizado deveria fazer-se tendo em vista as contínuas conexões que o sujeito é capaz de estabelecer por meio da experiência cultivada em processos educacionais socialmente conduzidos. A função do professor deixava de ser a de inculcar conhecimentos por meio de preleções e passava a ser a de condutor de experiências educativas. 130 Delgado compartilha com John Dewey a crença de que a educação deveria ser oferecida igualmente a todos, para que, a partir dela, cada um pudesse ser selecionado para desempenhar a função social mais adequada às suas aptidões. Desse modo, a hierarquização da sociedade se faria a partir de critérios científicos e formar-se-iam os líderes, as elites intelectualmente preparadas para exercer a direção científica dos rumos 131 da sociedade. Para Dewey, a escola deveria ser a instituição capaz de dirigir uma sociedade para a democracia. No interior dessas elites é que se daria ―a integração do pensamento nacional, por meio das tradições do passado, dos interesses do presente e das aspirações do futuro‖.132 A função das ciências sociais seria a de fornecer elementos para a condução 127 CARVALHO, Delgado. As ciências sociais na escola secundária. In: PEIXOTO, Afrânio. Um Grande Problema Nacional (Estudos sobre o ensino secundário) Rio de Janeiro: Pongetti, 1940. p. 32. 128 MAGALDI, Ana Maria Bandeira de Mello. A Quem Cabe Educar? Notas sobre as relações entre a esfera pública e a privada nos debates educacionais dos anos 1920-1930. In: Revista Brasileira de História da Educação n. 5 jan./jun. 2003. 129 SCHUARTZMAN, Simon; BOMENY, Helena; COSTA, Vanda Ribeiro. Tempos de Capanema, São Paulo: Paz e Terra: FGV, 2000. p. 70. 130 BOMENY, Helena. Darcy Ribeiro: sociologia de um indisciplinado. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001. p. 171. 131 REZNIK, Luis. Tecendo o amanhã, op. cit. p. 51 132 CARVALHO, Delgado. Sociologia e Educação, op. cit. p. 21. 43 científica dos rumos sociais. Todavia, a condição para que a história pudesse ser uma disciplina científica é que ela fosse considerada como ciência social e que, como as outras ciências sociais, passasse de descritiva a analítica. As ciências, ao estabelecerem seus objetos de estudo, se constituem em disciplinas distintas. Entretanto, com a expansão das pesquisas, encontrar-se-iam as conexões, segundo o autor, naturais, existentes entre elas. O mesmo teria ocorrido com as ciências sociais cujo objeto central é o homem. Tais ciências, para explicar os atos do homem, se valeriam do instrumental de outras, como a Biologia, a Psicologia e a Geografia.133 Quanto à História, seu papel entre as ciências sociais seria o de ―narra [r], descreve [r] e às vezes explica [r] as luctas do homem desde os tempos remotos, nas trevas em que tendia inconscientemente para um ideal social, até o homem consciente e 134 esclarecido sabedor do que pode fazer.‖ Nesse sentido, ela não era uma ciência especializada, porque deveria importar de todas as outras ciências sociais seus materiais de estudo para construir a sua ―síntese final, interpretativa das ações dos homens vivendo em grupos‖.135 Quando Delgado de Carvalho menciona ciências sociais, referindo-se ao ensino, está aludindo aos Estudos Sociais, isto é, à divulgação dos conhecimentos produzidos no âmbito das ciências sociais de referência. A proposta dos Estudos Sociais chega ao Brasil nos anos 1920, no bojo do movimento de apropriação de referenciais educacionais norte- americanos, sobretudo, da obra de Dewey. 136 A proposta pedagógica de Delgado de Carvalho para o ensino de História, seguindo a de Dewey, é a de pretender que o ensino dessa disciplina se faça conjuntamente com o de Geografia como ―estudos de informação por excelência‖, uma vez que as duas disciplinas prestavam-se ao estabelecimento de conexões entre as informações recebidas e a experiência anterior.137 133 CARVALHO, Delgado. Sociologia e Educação, op. cit., p. 61-63. 134 Ibidem, p. 63. 135 Ibidem, p. 64. 136 SANTOS, Beatriz Boclin. O currículo da disciplina escolar História no Colégio Pedro II – a década de 70 – entre a tradição acadêmica e a tradição pedagógica: a História e os Estudos Sociais. Tese (Doutorado em Educação). Rio de Janeiro: UFRJ, 2009. 137 CARVALHO, Delgado. Sociologia e Educação, op. cit. p. 99. Cf. DEWEY, John. Democracia e educação: introdução à filosofia da Educação. Trad. Godofredo Rangel e Anísio Teixeira, 3 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959. p. 231. 44 Segundo essa perspectiva, a história só tem significação na medida em que serve de chave para a compreensão do presente. Embora tratando do passado, o estudo da história tem que tomar como ponto de partida algum problema atual. Por esse motivo, Delgado de Carvalho afirma que o ideal seria estudar História em sentido cronológico contrário. Na prática, contudo, o autor diz que tal método ―inverte as cousas, desfigurando os acontecimentos e suprimindo a gênese dos fatos, que é um elemento precioso da compreensão necessária do grande complexo histórico.‖138 As ideias de Dewey sobre a integração do estudo da História e Geografia repercutiram, no Brasil de forma mais acentuada, a partir da divulgação nos anos 1930, do documento intitulado A Charter for the Social Studies pela American Historical Association. Esse documento foi escrito por Charles Beard, proeminente historiador norte-americano, a partir dos estudos elaborados pela Comission on the Social Studies in the Schools, formada por um grupo de reconhecidos historiadores e educadores. 139 A publicação do documento significou a inserção dos Estudos Sociais como disciplina nos currículos das escolas norte-americanas. Para Beard, a principal proposta dos Estudos Sociais era ajudar os estudantes a formar suas personalidades de maneira rica e multifacetada. Tais estudos dariam aos alunos o conhecimento prático e as ideias necessárias para empreender mudanças no mundo. Teriam a função de, além de transmitir informação aos alunos, imbuí-los com as mais altas aspirações da humanidade. 140 No Distrito Federal, na gestão de Anísio Teixeira na Diretoria Geral de Instrução Pública, entre os anos de 1932 e 1935, os Estudos Sociais foram introduzidos nos currículos das escolas elementares.141 Delgado, na administração de Teixeira, ficou responsável pelo Instituto de Pesquisas Educacionais, órgão que deveria atuar na promoção do hábito do debate e dos estudos coletivos entre os educadores e realizar, conjuntamente com o Instituto de Educação, a formação do professorado de ensino 138 CARVALHO, Delgado. Sociologia e Educação, op. cit. p. 103-104. 139 WATRAS, Joseph. Why Historians Accepted a Unified Social Studies: Charles Beard and the Great Depression. Paper presented at the annual meeting of the American Educacional Research Association. New Orleans, 2000. p. 6. 140 Ibidem, p. 7. 141 Durante a gestão de Anísio Teixeira (1931-1935), a Diretoria Geral de Instrução Pública foi transformada em Departamento de Educação e depois em Secretaria de Educação e Cultura. SANTOS, Beatriz Boclin. O currículo da disciplina escolar História no Colégio Pedro II – a década de 70 – entre a tradição acadêmica e a tradição pedagógica. Op. cit. p. 178. 45 142 primário. Delgado participou, portanto, da primeira experiência de implantação dos Estudos Sociais no Brasil. O autor, ao longo de sua vida, mostra-se um militante pelo 143 ensino de Estudos Sociais, ao invés do ensino por meio de disciplinas isoladas . Essa inclinação exprime o seu apoio às propostas norte-americanas para o ensino de História. 2.2 Referenciais sobre a História É importante ressaltarmos, uma vez mais, que a formação de Delgado de Carvalho é francesa. O autor cursou Direito na Universidade de Lausane e, em 1905, entrou na École Libre des Sciences Politiques, na seção de Diplomática, que é o estudo dos princípios segundo os quais os documentos eram compostos com o objetivo de discernir os autênticos dos falsos ou alterados. 144 Os historiadores da escola metódica estabeleceram a Diplomática como uma ciência auxiliar relevante para a constituição da autonomia da História perante as demais ciências sociais. A identidade do historiador passava a ser conferida pela existência de procedimentos particulares de pesquisa145. Delgado de Carvalho, no entanto, buscou permanentemente, enfatizar as afinidades entre a História e as demais ciências sociais. No período em que o intelectual estudou na França, a História encontrava-se em expansão. De 1870 a 1914 ocorre a institucionalização desta no interior da universidade francesa. A partir dos anos 1870, empreende-se um esforço para mudar as regras do ―fazer histórico‖. Para se diferenciarem dos amadores, os historiadores buscaram codificar regras aprendidas por meio de uma formação específica, na qual as ciências auxiliares desempenhavam um papel fundamental. As técnicas da ciência histórica, desenvolvidas fora da universidade, foram incorporadas nos meios universitários. 146 O método próprio de estudo de textos desenvolvido pelos historiadores, nessa época, pressupunha o distanciamento no tempo como forma de garantir a objetividade. Para que os ―traços‖ do passado pudessem ser interpretados era necessário que fossem 142 PAULILO, André Luiz. O Cosmopolitismo Beligerante: a reconstrução educacional na capital do Brasil entre 1922 e 1935. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n.º 35, (janeiro-junho), 2005. p. 114. 143 Ver CARVALHO, Delgado. Introdução metodológica aos Estudos Sociais. Rio de Janeiro: Editora Agir, 1957. (Biblioteca de Cultura Pedagógica). 144 Cf. PROST, Antoine. Doze lições sobre a história. Trad. de Guilherme João de Freitas Teixeira. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008. p. 56 e 57. 145 Ver: NOIRIEL, Gèrard. Naissance du métier d’historien, op. cit. 146 FERREIRA, Marieta de Moraes. A trajetória da Henri Hauser: um elo entre gerações. In: NEVES, Lucia Maria Bastos Pereira das. [et. al.]. Estudos de historiografia brasileira. Rio de janeiro: Editora FGV, 2011. p. 237-259. p. 239. 46 arquivados e catalogados. Por esse motivo, a história contemporânea tinha se tornado um objeto praticamente interditado nos estudos históricos que se pretendiam científicos, a partir da institucionalização da história como disciplina universitária. Criaram-se também muitas vagas para historiadores nas universidades. Houve uma verdadeira expansão da disciplina relacionada com as perspectivas oferecidas pela carreira, o que manifesta o esforço empreendido para que os jovens se interessassem por ela. A constituição de um corpo de profissionais que a partir de então atuaria nas universidades, requeria a autonomização da História tanto em relação à política, quanto em relação às outras disciplinas, embora a Geografia e as Ciências Sociais também estivessem definindo seus campos de atuação nessa época. Delgado participa desse processo como estudante na França. Provavelmente ele acompanhou os debates, nos anos iniciais do século XX, acerca da transição de uma história diplomática e militar para uma história que desse conta de explicar os aspectos econômicos e sociais. Naturalmente, estando na universidade francesa nesse momento, cientificou-se dos embates entre os historiadores e os sociólogos liderados por Durkheim, acerca da superioridade de suas disciplinas para interpretar as questões relativas aos problemas da sociedade. 147 Do lado dos historiadores estava Charles Seignobos, que escrevera La méthode historique appliquées aux sciences sociais, publicado em 1901. Seignobos defendia nessa obra que as ciências sociais deveriam ser subordinadas aos estudos históricos, o que significaria dizer que apenas os historiadores poderiam fazer ciências sociais. Seignobos foi um importante autor de livros didáticos para o ensino da História e, como veremos, suas obras tiveram influência sobre a obra didática voltada para o ensino de História de Delgado de Carvalho. Como vimos, Delgado afirmava ser a História uma Ciência Social e defendia a existência de conexões entre todas as ciências que tinham por finalidade o estudo de aspectos da experiência humana. A História, para que fosse científica, deveria ser considerada uma ciência social e não deveria se especializar, como queria Seignobos, mas sim mesclar elementos das ciências afins, com vistas a construir sínteses explicativas. Além do mais, para Delgado, a história deveria partir sempre dos problemas do presente, algo impensável para os historiadores que buscavam o distanciamento no tempo, como forma de fazer uma História científica. 147 FERREIRA, Marieta de Moraes. A trajetória da Henri Hauser, op. cit, p. 243-244. 47 No que concerne ao ensino secundário, a História havia se instalado nos programas já no início do século XIX, em 1814. Inicialmente, ministrada por professores de letras, o que fazia com que estivesse subordinada aos estudos clássicos gregos e latinos e justifica a grande importância atribuída ao ensino da história da Antiguidade, com a constituição de um corpo de professores especializados transformou-se radicalmente, libertando-se da tutela das humanidades, para avançar até a época contemporânea. 148 Dessa maneira, a história pôde assumir uma nova função. Furet a caracteriza por ser portadora de um método, um objeto e uma utilidade social específicos.149 Delgado defendia as finalidades educacionais da história contemporânea, ao empreender críticas aos livros de história, que não continham assuntos atuais, o que provavelmente dava a impressão ao estudante secundário de estar vivendo em um período de diminuta importância. ―A orientação geral da história, como já tivemos ocasião de ver, é para a história da civilização. Mas o que hoje interessa é o presente, o atual, o acontecimento de hoje e sua explicação por antecedentes.‖ 150 Quanto à História ensinada, as principais referências de Delgado de Carvalho – pelo menos as explícitas – são de norte-americanos, fossem eles historiadores, filósofos, ou professores, a exemplo do próprio Beard, de Dewey e de Edward P. Cheyney151. O primeiro desses autores é um dos expoentes da chamada New History ou História Progressista. Esse movimento se desenvolveu nos Estados Unidos no início do século XX e teve por proposta a subordinação do estudo dos aspectos do passado ao presente, ou seja, a ênfase nos enfoques do passado que fossem mais importantes ao entendimento das necessidades do presente. 152 Delgado de Carvalho afirma o caráter parcial da História e a impossibilidade de o historiador se conservar neutro ―diante dos acontecimentos atuais‖. O fato de que sua interpretação desses acontecimentos ―é feita à luz das ideias do presente‖ implica 148 PROST, Antoine. Doze lições sobre a história. Trad. de Guilherme João de Freitas Teixeira. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008. p. 19. 149 FURET, François. A oficina da História. Lisboa: Gradiva, 1989. p. 131-133. 150 CARVALHO, Delgado de. Sociologia e Educação, op. cit. p. 122 e p. 137. 151 Edward P. Cheyney (1861-1947) formou-se na Universidade da Pensilvânia, onde lecionou até 1934. Foi presidente da American History Association em 1923. Produziu uma série de obras sobre a história da Inglaterra, a exemplo dos títulos A short history of England (1918) e An introduction to the industrial and social history of England (1920). Fonte: http://www.historians.org/info/AHA_History/epcheyneybibliography.htm (Acesso em 11 fev 2010) 152 MOURA, Gerson. História de uma História: rumos da historiografia norte-americana no século XX. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1995. p. 21-22 48 dificuldades, para quem escreve, em se manter neutro diante da História que, em seu entendimento, é a ―atualidade do passado‖. 153 A chamada ―nova história‖ norte-americana também tinha, por princípio o estabelecimento de relações com as ciências sociais. Isso significava o desenvolvimento de novas interpretações a partir do instrumental dessas ciências.154 A História não poderia se limitar a tratar das dimensões política e militar, mas deveria ―examinar mais atentamente os contextos, tanto social quanto econômico, nos quais transitam as instituições e opera a vida política.‖ 155 Delgado de Carvalho defende essa perspectiva. Para ele, as instituições econômicas servem de base à organização social, pois vivemos numa civilização industrial. Assim, um dos métodos para se ensinar História é o do estabelecimento do contraste da vida primitiva com a vida atual. Para essa finalidade, no Brasil, assim como nos Estados Unidos, poderia ser utilizada a comparação com as ―sociedades primitivas‖. O autor aponta um exemplo que vivenciou naquele país: Em uma instituição que visitamos, a vida selvagem de uma nação índia tinha sido tomada como centro de interesse e já estava no seu segundo mez sem ter esgotado a curiosidade dos educandos nem os recursos do mestre. 156 O objetivo de ensinar História dessa maneira é a explicitação de uma narrativa do progresso humano, que é denominada, seguindo a terminologia de Dewey, de história industrial.157 Delgado afirma, ainda, que uma das superioridades dos compêndios norte- americanos é que eles contêm a interpretação gráfica da gênese das descobertas humanas em gravuras claras e atraentes, que garantiriam a imediata assimilação da informação pelos alunos. O otimismo a ser veiculado pela História fundamentava-se na crença de que a humanidade estava progredindo cada vez mais. O ―motor da história‖, para Delgado de Carvalho, era o progresso do homem. O seu ensino transformar-se-ia, assim, em uma fonte de otimismo, uma vez que se deveria basear na evolução do homem em todos os sentidos. Para o autor, o pessimismo deveria ser combatido, pois corrompe a sociedade. 153 CARVALHO, Delgado. As ciências sociais na escola secundária, op cit. p. 34. 154 MOURA, Gerson. História de uma História, op. cit. p. 22. 155 Ibidem. p. 22. 156 CARVALHO, Delgado. Sociologia e Educação, op. cit. p. 106. 157 Ibidem, p. 109. 49 Só através do otimismo é que a juventude poderia tomar fé na experiência humana e em si mesma e prosseguir na ―marcha triunfal da Humanidade‖. 158 A ideia de progresso que Delgado abraça diz respeito a um valor com ampla aceitação no Ocidente nas primeiras décadas do século XX. Bury, em obra publicada em 1920, define o conceito como ―o ídolo do século‖, pois condiciona a ideia da existência de um civilização ocidental, com características que lhe são peculiares. O autor também destaca o proeminente papel desempenhado pela França no desenvolvimento e difusão desta concepção. Para ele, a ideologia do progresso diz respeito a uma interpretação da história que pressupõe o avanço do homem em uma direção ―definida e desejável‖ e de forma contínua. 159 A confiança no futuro advém do estudo do passado, mas este só faz sentido se conectado ao presente, de acordo com a perspectiva do educando.160 A História ao fornecer-nos informações precisas sobre o passado, auxiliar-nos-ia na resolução dos nossos problemas, por meio dos exemplos legados pelas épocas anteriores, pois o papel da ―Escola Progressiva‖ era transmitir o patrimônio moral da humanidade. 161 Essa ideia liga-se à compreensão que Delgado de Carvalho tinha do homem como um ser ciente do que pode ou não fazer e expressa a sua crença na ―finalidade humanista‖ da educação que, para o autor, consistiria em tornar cada um dos membros da sociedade um ―socio consciente e esclarecido‖, ciente de seu lugar e de seu papel social. O progresso, nesse sentido, estava se fazendo não somente em sentido material, das técnicas, mas, sobretudo, em sentido moral e social, produzido pelo despertar de uma esperada autoridade interna presente no indivíduo esclarecido. 162 Delgado de Carvalho acreditava no papel da educação como pilar da verdadeira democracia que seria alcançada quando cada membro da sociedade encontrasse o lugar adequado para si mesmo. A função do ensino de História juntamente com o ensino de Geografia, seguindo a proposta dos Estudos Sociais, era a de transmitir o legado da humanidade, sempre a partir do presente. Nesse sentido, o estudo da História, sob a 158 CARVALHO, Delgado. Sociologia e Educação, op. cit. p. 56 e p. 60. 159 BURY, J. B. The Idea of Progress. An Inquiri into its Origins and Grouth. (1920) Apud LE GOFF, Jacques. Progresso/reação. IN: Enciclopédia Einaudi. Memória-História. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1984, v. 1. p.338-369. p. 358. 160 REZNIK, Luís. Tecendo o amanhã, op. cit. p. 54. 161 CARVALHO, Delgado. Sociologia e Educação, op. cit., p. 92. 162 Ibidem, p. 41. 50 perspectiva da civilização, nos daria a exata dimensão do progresso alcançado pela humanidade. Para Delgado, a ciência, provava que a evolução conduzia ao progresso, assim como a História deveria ser uma fonte de otimismo, pois se baseava na evolução do homem em todos os sentidos. Nesse caso, a História da Civilização, no singular, se apresentava-se como uma chave de ensinamentos muito rica. Interessa-nos o emprego que Delgado de Carvalho dá à palavra civilização. Braudel aponta que, no singular, a palavra, ao mesmo tempo em que carregava um sentido pejorativo, pois se opunha à barbárie, poderia designar, igualmente, a difusão de bens culturais comuns a toda a humanidade, como a escrita, o fogo, a domesticação de espécies animais e vegetais, ou mesmo o que chama de ―técnica industrial que o Ocidente criou‖, a qual, segundo o autor ―é exportada para o mundo inteiro‖. Braudel se questiona se essa ―técnica‖ poderia unificar o mundo em torno do que seria uma única civilização. 163 Para Delgado a resposta a essa questão é afirmativa, pois considera que a 164 civilização ―é una‖ e sobre esta unidade dever-se-ia edificar a solidariedade entre as nações e o espírito internacional que defende. Entretanto, se o Brasil faz parte da civilização, os alunos não poderiam, de maneira nenhuma, ser levados a acreditar que ―somos os autores da atual civilização e que dela temos monopólio‖ 165. Nesse caso particular, o ensino de história do Brasil desvinculado da História Geral, como feito até então e mostrado por meio das obras didáticas favorecia o processo. Surgida na França, na segunda metade do século XVIII, a palavra ―civilização‖ exprime ―a superioridade do presente sobre o passado e da Europa sobre o resto do 166 mundo‖. O conceito está relacionado ao ―crescimento da produção de bens materiais, considerado como consequência de um progresso das ciências e das técnicas e, por sua vez, fonte de um aperfeiçoamento moral, social e intelectual.‖ 167 Neste sentido, podemos perceber a ligação entre os conceitos de progresso e civilização. 163 BRAUDEL, Fernand. Gramática das Civilizações. Trad. Antonio de Pádua Danesi. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 28-29. 164 CARVALHO, Delgado. Sociologia e Educação, op. cit. p. 119. 165 Ibidem, p. 110. 166 SACHS, Ignaci. Civilização. Enciclopédia Einaudi, vol. 38. Sociedade-Civilização. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1999. p.385-415. p. 385. 167 Ibidem, p. 385. 51 Norbert Elias, ao discutir a sociogênese da diferença entre os conceitos de Kultur e Zivilization no emprego alemão, afirma que o conceito de civilização diz respeito à consciência que a sociedade ocidental, desde o século XVIII, tem de si mesma, julgando- se superior a sociedades consideradas primitivas em diversos aspectos. 168 A concepção que se tem de ―civilização‖ é a de que esta noção descreve o resultado de um processo segundo o qual as sociedades se movem rumo ao progresso. Trata-se, nesse sentido, de um conceito universalista, que se relaciona ao expansionismo europeu rumo a outras partes do mundo. Já a noção de ―cultura‖ é utilizada em referência a fatos intelectuais, artísticos e religiosos e a produtos humanos, como obras de arte, livros ou mesmo sistemas de idéias, pelos quais se traduziria a individualidade de um povo. Diferentemente do conceito de civilização, o conceito de cultura estaria ligado à delimitação das diferenças que conferem identidade às nações e aos grupos humanos. 169 Para Delgado de Carvalho a humanidade marchava rumo a um destino superior e, para que o alcançasse, fazia-se necessário contar com o que os outros povos tinham a oferecer. O ensino da História e das demais ciências sociais possibilitaria esse intercâmbio, implementando a ideia de solidariedade internacional, que deveria ser cultivada. O homem, em seu contínuo progredir foi capaz de sair da selvageria, desenvolver- se e chegar ao estágio atual da civilização, o industrial. Por isso, o ensino de História não poderia ater-se, apenas, aos eventos políticos, mas deveria se fazer de forma a dar ênfase à liberdade que o homem adquirira pelo domínio da natureza e na esfera do conhecimento e da moral. A história na escola secundária deveria ―concentrar os seus ensinamentos na história das civilizações, isto é, uma história da vida material, intelectual e moral dos povos.‖ 170 Embora os Estados Unidos representassem, para Delgado de Carvalho, o que existia de mais avançado em termos de progresso material e técnico, em avanço da democracia e no desenvolvimento do sistema educacional, simbolizando o futuro da civilização, reconhecia o professor, que o passado dessa mesma civilização, cujo desenvolvimento era fundamental conhecer, repousava na Europa. Na América, a 168 ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador: Uma História dos Costumes. Trad. Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., vol. 1, 1994. p. 24. Ver também: FACINA, Adriana. Literatura & sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004. p. 13. 169 FACINA, Adriana. Literatura & Sociedade, op. cit. p. 13-14. 170 CARVALHO, Delgado. As ciências sociais na escola secundária, op. cit. p. 37. 52 civilização chegara tarde e dera bons frutos, entretanto, se fazia necessário compreender o passado da civilização no Novo Mundo e isso só seria possível retrocedendo ao passado europeu. O ensino escolar de História deveria indicar a filiação da história pátria a esse passado comum. 2.3 A Reforma Francisco Campos e os programas de História da Civilização Embora a crença no poder transformador da educação fosse muito difundida nas primeiras décadas do século XX, somente a partir de 1930 se esboçou a possibilidade de criação de um aparato de centralização do sistema educacional. O perigo que as disputas entre as oligarquias regionais, anteriormente, representavam para a unidade nacional fez com que a centralização fosse tida como uma das maneiras de preservar a coesão do país. Com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, em 1930, o Estado lançou as bases de uma política cultural que teve como principal marco a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública. Intelectuais, das mais diversas correntes políticas, participaram da construção desse projeto de modernização pela cultura, ocupando cargos na burocracia do Estado. A criação do Ministério se configura como uma ação estratégica, e representou, em tese, a possibilidade do controle das escolas por parte do Estado. 171 No ano de 1931, a Reforma de Francisco Campos instituiu a criação da cadeira História da Civilização no ensino secundário, abolindo as cadeiras de História do Brasil e História Universal, existentes nos currículos do Colégio Pedro II. A Reforma Campos instituiu um sistema de ensino fundado em novas bases, considerando que representou o primeiro esforço legal de centralização da produção dos programas que, a partir dela, passaram a serem expedidos pelo recém-criado Ministério da Educação e Saúde Pública. 172 Além disso, deveriam ser revistos de três em três anos por uma comissão designada pelo ministro. A reforma elegia, assim, o ensino secundário como um segmento privilegiado de intervenção do Estado e o ensino de História como responsável pela ―formação humana‖ e ―educação política‖ dos alunos. 173 171 CARVALHO, Marta Maria Chagas de. O território do consenso e a demarcação do perigo: política e memória do debate educacional dos anos 30. In: FREITAS, Marcos Cezar de (Org.). Memória Intelectual da Educação Brasileira. Bragança Paulista: Editora da Universidade São Francisco, 1999. p. 13-26. p. 13. 172 REZNIK, Luís. Tecendo o Amanhã, op. cit. p. 20. 173 Portaria de 30/6/1931, do Ministro de Estado da Educação e Saúde Pública. IN: Diário Oficial da União, 31 de julho de 1931. p. 12408. 53 É inegável que Delgado de Carvalho se mostrava um defensor, um ―advogado‖ 174 dos programas da Reforma Campos para o ensino de História. Entretanto, nos questionamos qual poderá ter sido a sua participação na elaboração das diretrizes da reforma, pois ocupava, no momento de elaboração da mesma, uma posição relevante no Colégio Pedro II. Entrara em 1920, como professor substituto de Inglês e, em 1927, fora transferido para a cadeira de Sociologia.175 Já em 1930, tornou-se diretor do Externato do mesmo colégio, tendo sido nomeado pelo próprio ministro da Educação, Francisco Campos. Delgado assume a direção do Externato em um momento delicado. Euclides Roxo, que estava no cargo de direção do colégio, era ligado à Primeira República e publicamente contra a revolução que alçou Getúlio Vargas ao poder, como chefe do Governo Provisório, em outubro de 1930. Ao saber da vitória da revolução, Roxo põe o cargo que ocupava à disposição do Governo Provisório. O mais coerente era que Othelo Reis, vice-diretor, assumisse o cargo, entretanto Francisco Campos nomeia Delgado de Carvalho e lhe pede um nome para a direção do Internato. Delgado, indica o próprio Roxo, justificando a indicação pela credibilidade e competência do mesmo.176 O fato de ter assumido um cargo de tamanha importância em um momento de crise mostra a legitimidade de Delgado de Carvalho junto ao primeiro ministro da pasta de Educação e Saúde Pública. A reforma Francisco Campos estabeleceu a divisão do secundário em dois cursos seriados: o fundamental, de cinco anos, que tinha por finalidade fornecer ao estudante uma formação geral e o complementar, de dois anos, obrigatório apenas para os candidatos à matrícula nos cursos jurídico, de engenharia ou arquitetura e nos cursos de medicina, farmácia e odontologia. A História da Civilização era ensinada em todas as séries do fundamental e apenas na primeira série do complementar pré-jurídico. A reforma tornou obrigatória a matrícula e a frequência nos cursos seriados para os alunos que desejassem ingressar no ensino superior, uma vez que a preparação dos alunos para as instituições superiores se fazia, anteriormente, por meio de aulas avulsas 174 O epíteto de ―advogado‖ é de Itamar Freitas. Ver: FREITAS, Itamar. A pedagogia histórica de Jonathas Serrano: uma teoria do ensino e história para a escola secundária brasileira (1913/1935). São Cristóvão: Editora UFS; Aracaju: Fundação Oviêdo Teixeira, 2008. p. 200. 175 SOARES, Jefferson da Costa. O ensino de Sociologia no Colégio Pedro II (1925-1941). Dissertação (Mestrado em Educação). Rio de Janeiro: UFRJ, 2009. 176 TAVARES, Jane Cardote. A Congregação do Colégio Pedro II e os debates sobre o Ensino de Matemática. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática). PUC-SP, 2002. p. 119-121. 54 preparatórias para os exames parcelados. A reforma de Rocha Vaz, em 1925, tinha implantado a seriação, no entanto, não conseguira eliminar o sistema anterior. Para ministrar o ensino secundário seriado, as escolas deveriam pedir equiparação e se submeter à inspeção federal. A Reforma Campos estendeu a equiparação, antes concedida apenas às escolas mantidas pelos governos estaduais, às escolas particulares e às mantidas pelas municipalidades e associações. A possibilidade de equiparação para os colégios particulares, bem como o estabelecimento do ensino seriado (como já era comum nos colégios religiosos), foram medidas que beneficiaram o ensino privado, fortalecendo a expansão da rede de colégios católicos. 177 Podemos constatar, pela tabela abaixo, o crescimento da matrícula escolar, tanto no ensino primário, quanto no ensino secundário. Entretanto, no ensino secundário, o crescimento registrado em 1945, em relação ao número de matrículas em 1920, é mais expressivo. Tabela 1 - Matrícula escolar (1920-1950)178 Ano Primário Secundário (Ginásio e colegial) 1920 1.250.729 50.000 1925 1.700.000 1930 2.084.000 83.000 1935 2.413.594 93. 829 1940 3.302.830 170.057 1945 3.496.664 256.467 Com a expansão do ensino secundário verifica-se, também uma expansão no mercado de livros didáticos, pois, para que se pudesse seguir a seriação obrigatória, fazia- se necessária a adoção de livros que se adequassem aos conteúdos propostos em cada série. O aluno do curso secundário também necessitava de mais livros, pois a quantidade de disciplinas no segmento era maior. Trataremos, mais adiante, dos livros para o ensino de História no curso secundário. 177 BITTENCOURT, Circe. Pátria, civilização e trabalho – O ensino de História nas escolas paulistas (1917-1939). São Paulo: Loyola, 1990. p. 44. 178 Fonte: HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil: sua história. 2 ed. ver e ampl. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 2005. p. 249 e 375. Dados disponíveis na tabela 7 (População e educação no Brasil, 1600-1930) e tabela 13 (Matrícula escolar, alfabetização e população, 1930-1975). Informações compiladas do Anuário Estatístico do Brasil e de O negro no Brasil, de J. J. Chiavento. 55 Os primeiros trabalhos que abordaram o ensino de História na Reforma Francisco Campos foram os de Guy de Hollanda e Amélia Domingues de Castro, ambos produzidos na década de 1950. Os dois trabalhos tratam a reforma como um marco e enfatizam, assim, a ação do Estado como agente da transformação do ensino. Amélia D. de Castro ressalta que a importância da reforma encontrava-se no estabelecimento do caráter educativo dessa fase escolar, tida até então como uma ―passagem‖ para o ensino superior. Guy de Hollanda, por sua vez, aponta as falhas decorrentes da aplicação dos programas para o ensino de História e as críticas que se fizeram a esses programas. Afirma, contudo, que mesmo esbarrando em dificuldades, a reforma parece ter sido inspirada ―num sincero desejo de promover uma radical renovação dos métodos didáticos‖. 179 Nos anos 90, Circe Bittencourt (1990) e Katia Abud (1992/1993) trataram dos programas da reforma conferindo ênfase às ideologias que estes veiculavam. Para a primeira, a ―cultura geral‖ idealizada no currículo, a partir de 1931, estava a serviço de 180 uma educação ―seletiva, competitiva e hierarquizada.‖ A autora investiga quais agentes históricos estiveram presentes na instituição ginasial neste momento, uma vez que, uma reforma de ensino não pode ser vista como produto da ação exclusiva do Estado, mas como ―momento de articulação do poder com as diversas classes sociais capazes de se fazer ouvir‖. 181 A escola secundária era o caminho inicial para a formação das futuras ―elites‖ da nação. O ensino seriado era também garantia de que os valores desejados para a constituição de uma burguesia ―ilustrada‖ fossem inculcados nas mentes jovens. Para a segunda autora, os programas de ensino, elaborados em 1931, representavam uma continuidade em relação ao ensino de História anterior à Revolução de 1930. A manutenção da mesma classe social no poder permitiu que continuasse sendo veiculada uma concepção de história que reservava o exercício da cidadania a um grupo privilegiado. Por esse motivo, o ensino de História se fazia da perspectiva dos conquistadores e dominantes e configurava um instrumento de dominação ideológica. 182 179 HOLLANDA, Guy de. Um Quarto de Século de Programas e Compêndios de História para o Ensino Secundário Brasileiro. 1931-1956. Rio de Janeiro: Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais. INEP – Ministério da Educação e Cultura, 1957. p. 14-15. 180 BITTENCOURT, Circe. Pátria, civilização e trabalho. op. cit. p. 59. 181 Ibidem, p. 34. 182 ABUD, Kátia Maria. O ensino de História como fator de coesão nacional: os programas de 1931. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 13, n. 25/26, p. 163-174, set. 92/ago.93. 56 É certo que os programas do curso fundamental de História da Civilização receberam muitas críticas, mesmo em sua época. Jonathas Serrano, professor do colégio Pedro II e, provavelmente, autor dos programas de História Universal e História do Brasil vigentes no Colégio Pedro II antes da Reforma Campos, afirmou, em palestra, que os autores dos programas nunca se pronunciaram em público para ao menos se defender da crítica que ele mesmo lhes fizera por anos. 183 Serrano, desde o princípio, foi contra a supressão da cadeira de História do Brasil. Mas o que ele pensava sobre os programas de história da Reforma Campos? Quanto ao método, Serrano apregoava ―o concêntrico auxiliado, no primeiro ano do ginásio pelo 184 método anedótico-biográfico.‖ Esse viés estava presente na Reforma mas, para ele, a presença da história no primeiro ano ginasial se tornava inútil, dada a sua ausência nos cursos do ciclo seguinte. Por outro lado, em sua opinião, nada poderia justificar a extinção da cadeira de História do Brasil como disciplina autônoma. Seu discurso está impregnado da importância da pátria na vida individual e coletiva. Guy de Hollanda também afirma que nunca se esclareceu, oficialmente, quais foram os autores dos programas de história com suas respectivas ―instruções metodológicas‖. 185 Entretanto, Eremildo Viana e Hélio Vianna afirmam, com convicção, que as instruções para o ensino de história no curso secundário eram da autoria do prof. Hahnemann Guimarães.186 Observemos, mais detidamente, essa questão. Euclides Roxo afirma, em documentação presente em seu arquivo pessoal, que trabalhou na elaboração do anteprojeto da nova organização do ensino secundário. Esses trabalhos poderiam ter sido realizados no interior da Congregação do Colégio Pedro II, entretanto, Francisco Campos chamara para junto de si os colaboradores que queria e esses foram o próprio Roxo, apesar da sua resistência inicial ao novo governo, Hahnemann Guimarães, professor de Latim do Colégio Pedro II e assistente técnico do 183 FREITAS Itamar. A pedagogia histórica de Jonathas Serrano, op. cit. p. 194. 184 O método concêntrico apregoa a distribuição da matéria em ciclos. O método anedótico-biográfico apregoava a escolha de uma personalidade importante e a partir de sua biografia explicar os fatos mais importantes do passado humano. Citação de FREITAS Itamar. A pedagogia histórica de Jonathas Serrano, op. cit. p. 201. Para uma explicação mais detalhada dos métodos na concepção de Jonathas Serrano, Cf. SCHMIDT, Maria Auxiliadora. História com Pedagogia, op. Cit. p. 198-200. 185 HOLLANDA, Guy. Um Quarto de Século de Programas e Compêndios de História para o Ensino Secundário Brasileiro. p. 57. 186 VIANA, Eremildo e VIANNA, Helio. O ensino de história do Brasil no curso secundário. IN: REIS, César Ferreira, VIANA, Eremildo, VIANNA, Hélio e CORRÊA FILHO, Virgílio. O ensino da história no Brasil. México: Instituto Pan-Americano de História, 1953. p. 35-58. Apud FREITAS, Itamar. A pedagogia histórica de Jonathas Serrano, op. cit. p. 195. 57 Ministério da Educação, Lourenço Filho, Diretor de Instrução de São Paulo e Delgado de Carvalho, Diretor do Externato do Colégio Pedro II. 187 Portanto, sabemos que Delgado de Carvalho participou da elaboração do anteprojeto da Reforma Campos. Por ora, interessa-nos saber que, embora o decreto sobre o ensino secundário tenha sido publicado em 18 de abril de 1931, os programas de ensino para o curso ginasial e respectivas instruções pedagógicas só foram publicados em junho do mesmo ano. 188 A primeira pista que temos para tentar desvendar a autoria dos programas de 1931 é o depoimento de Américo Jacobina Lacombe a Luís Reznik (1992). Lacombe afirma que Delgado de Carvalho teria ―feito a cabeça‖ de Francisco Campos para que fosse criada a cadeira de História da Civilização. 189 Itamar Freitas, entretanto, ao analisar o conteúdo dos programas e as críticas de Jonathas Serrano, intelectual católico e professor de História do Colégio Pedro II, levanta a hipótese de que a autoria dos mesmos seria de Hahnemann Guimarães. Freitas chega a essa conclusão por meio da análise da resposta de Guimarães ao inquérito promovido pela ABE em 1929, na qual defendia uma educação ―de cunho socializante‖. 190 Freitas constata o aparecimento de novas palavras nos programas de história. Palavras e expressões, como ―luta de classes‖ empregada fora do contexto romano, ―imperialismo‖ empregado para designar algo propriamente norte-americano, ―ideologia‖ como adjetivo, ―a origem do capitalismo‖ alçada à condição de lição, bem como, a preocupação com os ―aspectos‖ e o ―desenvolvimento‖ econômico, denotariam a presença das ideias do socialismo nos programas. 191 Contra-argumentamos que ninguém defendeu, de forma mais aferrada, a História da Civilização que Delgado de Carvalho. Não temos indícios de que Delgado de Carvalho fosse um defensor do materialismo histórico. Essa perspectiva é, inclusive, criticada por ele como tão determinista quanto a visão, que imperava na Idade Média, da 187 TAVARES, Jane Cardote. A Congregação do Colégio Pedro II e os debates sobre o Ensino de Matemática. op. cit. p. 134. 188 Os programas para o ensino de História do curso complementar só foram expedidos em 1936. Cf: Portaria de 30/6/1931, do Ministro de Estado da Educação e Saúde Pública. IN: Diário Oficial da União, 31 de julho de 1931. p. 12408-12411. 189 Depoimento de Américo Jacobina Lacombe a Luís Reznik em 29.05.1990. IN: REZNIK, Luís. Tecendo o Amanhã, op. cit. p. 131. 190 FREITAS Itamar. A pedagogia histórica de Jonathas Serrano. Op. Cit. p. 205. 191 Ibidem, p. 208. 58 história como revelação dos planos divinos. 192 O autor pontua que a história é condicionada, mas não determinada pelo mundo material. Embora não possamos afirmar que Delgado de Carvalho tenha sido o autor dos programas para o ensino de História da Civilização, percebemos que algumas de suas propostas para o ensino de História encontram correspondência nos programas e instruções metodológicas de História da Reforma Francisco Campos destacando-se, como principal a do ensino sob a perspectiva da civilização, já explicitada. Sobre os programas e instruções, podemos considerar que ressaltam o conceito de desenvolvimento, que algumas vezes aparece sob a designação de ―evolução‖. O estudo desse desenvolvimento deveria se fazer considerando: as relações existentes entre a organização econômica, a forma de produção, a estrutura social, o Estado, a ordem jurídica e as diversas expressões da atividade espiritual, sem sacrificar qualquer destes aspectos à consideração exclusiva de um ou mais desses, porém tratando de cada qual segundo a importância relativa que tiver na vida do país e na evolução geral da humanidade e, o que será sempre recomendável, reduzindo-se ao mínimo necessário o estudo das questões referentes ás sucessões de governo, às divergências diplomáticas e á história militar. 193 Os programas seguem essa orientação, incluindo tópicos detalhados sobre o estudo dos aspectos econômico, intelectual e cultural, o que não era comum nos programas de ensino de História vigentes anteriores à reforma. (O desenvolvimento cultural grego; O desenvolvimento cultural na Idade Média; O desenvolvimento intelectual: o Renascimento; O desenvolvimento econômico e a formação da constituição da Inglaterra; O desenvolvimento cultural: as universidades, a arte e a literatura coloniais; Povo e civilizações; Evolução religiosa). 194 No estudo de História da Antiguidade, os programas consideram as relações que entre o presente e o passado, buscando enfatizar as dívidas que a contemporaneidade tem com a Antiguidade Clássica nos ―diferentes domínios da vida, pensamento científico, questões fundamentais da filosofia, contribuições estéticas‖, no caso grego e ―no domínio da organização política e do direito‖, no caso romano. 195 192 CARVALHO, Delgado. As ciências sociais na escola secundária, op. cit. p. 34. 193 Portaria de 30/6/1931, do Ministro de Estado da Educação e Saúde Pública. In: Diário Oficial da União, 31 de julho de 1931. p. 12408. 194 Programas de História da Civilização (1931). In: HOLLANDA, Guy. Um Quarto de Século de Programas e Compêndios de História para o Ensino Secundário Brasileiro, Op. cit. p. 273-281. 195 HOLLANDA, Guy. Um Quarto de Século de Programas e Compêndios de História para o Ensino Secundário Brasileiro, Op. cit. p. 274-275. 59 Outro aspecto observado nos programas foi a relação dos conteúdos de História com o quadro geográfico. A esse enfoque é conferida pouca ênfase 196, embora as instruções pedagógicas afirmem que se faça necessário a colaboração do ensino de História com a Geografia e o aprendizado de leituras de ―cartas‖ geográficas, ―com diligência não muito distante da que é própria do ensino de geografia‖. 197 Quanto aos métodos a serem empregados, as instruções pedagógicas davam a entender que o estudo deveria se fazer por meio do método concêntrico. Assim, na primeira série, quando ainda não apresentavam capacidade ―para entregar-se a estudos muito abstratos e sistemáticos‖198, os alunos teriam uma visão geral da História da Civilização por meio de episódios e biografias. Na segunda série, paralelamente ao estudo das biografias e narrativas episódicas que diziam respeito ao Brasil e à América, dever-se-ia iniciar o estudo sistemático de História da Civilização, retomando e aprofundando o estudo de noções mais complexas.199 Sobre a utilização das biografias, as instruções não trazem muitas informações, afirmando apenas que deveria apresentar os acontecimentos da História ligados à vida dos grandes homens, a fim de despertar o interesse do aluno. O trabalho do aluno passava, necessariamente, pela aquisição de responsabilidade em relação ao seu próprio aprendizado. A História, no secundário, deveria ser ensinada 200 como uma espécie de pesquisa histórica, ainda que em caráter rudimentar. Veremos adiante como essas inovações metodológicas e a seriação, trazidas pela Reforma Campos, afetaram os compêndios para o ensino secundário. Ressaltamos por fim, que os métodos de ensino descritos nas instruções pedagógicas, tinham por finalidade levar o ensino de História a cumprir a sua função, a de realizar, de forma mais eficaz a ―formação da consciência social do aluno‖, sua ―educação política‖. O estudo da disciplina facultaria ao aluno adquiriria noções que lhe possibilitariam ―adotar uma norma de ação no que diz respeito, quer aos problemas 196 Os tópicos do programa que estabelecem relações mais diretas com a geografia são: O mundo mediterrâneo e a Índia: meio físico e meio étnico; Distribuição geográfica geral dos principais povos americanos (exceto o Brasil; Diretrizes migratórias e distribuição geográfica dos grupos – Classificação dos grupos brasileiros (súmula antropológica, etnográfica e linguistica); Expansão geográfica: entradas e bandeiras; História Moderna – A expansão geográfica e o desenvolvimento econômico). 197 Portaria de 30/6/1931, do Ministro de Estado da Educação e Saúde Pública. In: Diário Oficial da União, 31 de julho de 1931. p. 12408. 198 Ibidem. 199 FREITAS Itamar. A pedagogia histórica de Jonathas Serrano, op. cit. p. 201. 200 Ibidem, p. 149. 60 peculiares do Brasil, quer às questões internacionais.‖ 201 Os métodos deveriam se ajustar aos fins do ensino. Mesmo que não possamos comprovar que Delgado de Carvalho estava diretamente envolvido na produção dos programas de História da Reforma Campos, sabemos que ele participou do grupo de intelectuais que trabalhou, juntamente com o ministro, na elaboração do anteprojeto da reforma. O autor partilhava das sociabilidades intelectuais construídas na participação em projetos do Ministério da Educação e Saúde Pública e tal aproximação não foi bem vista pelos seus colegas, professores da Congregação do Colégio Pedro II. Tendo deixado a direção do Externato em 28 de novembro de 1931, Delgado foi realocado como Vice-Diretor do mesmo. Em ata da reunião da Congregação, de 30 de janeiro de 1932, Euclides Roxo, presidente da sessão, propôs que nela fosse inserido um voto de reconhecimento a Delgado de Carvalho, pelos serviços prestados ao colégio no ano anterior. A proposta foi objeto de caloroso debate, sendo rechaçada por vários dos professores presentes. 202 Em ata de 23 de novembro do mesmo ano, o professor Othelo Reis diz haver recebido uma circular de Delgado de Carvalho, na condição de Diretor do Gabinete de Educação do Colégio. O postulante, dizendo desconhecer a existência desse cargo na administração do Colégio, deixou de executar a medida exarada na referida circular. O presidente da sessão responde que Delgado de Carvalho foi designado pelo Ministro da Educação e é replicado por Othelo Reis, que insiste em desconhecer o cargo, afirmando que esse deveria ser criado por lei e não ―mediante avisos ou cartas de ministros‖. 203 Nos anos 1930, Delgado se revela como alguém capaz de produzir uma determinada perspectiva de ensino de História que foi incorporada pelos elaboradores dos programas de História da Reforma Campos. Sua aproximação com o poder constituído se mostrou como uma forma de conferir legitimidade a suas posições, embora não tenha agradado a seus colegas do Colégio Pedro II. 201 FREITAS Itamar. A pedagogia histórica de Jonathas Serrano, op. cit, p. 149. 202 SOARES, Jefferson da Costa. O ensino de Sociologia no Colégio Pedro II (1925-1941),op. cit. p. 89. 203 Ata da sessão conjunta da congregação do Colégio Pedro II, realizada no dia 23 de novembro de 1932. In: Livros de Atas da Congregação – Colégio Pedro II – 1925 a 1934. 61 2.4 Reforma Capanema: a elaboração dos programas de História Geral para o ensino secundário A Reforma Capanema consistiu na elaboração de projetos, normas e regulamentos, com o objetivo de reformular todo o sistema educacional do país.204 O plano educacional do governo pretendia atingir várias áreas, porém sua abrangência se fez mais intensa no ensino secundário, nível no qual deixou suas marcas mais profundas. Em abril de 1942, o decreto-lei 4.244 estabeleceu a modificação das bases sobre as quais se alicerçavam esse nível de ensino. As discussões para elaboração da nova reforma do ensino se iniciaram muito antes dessa data. No início de 1936, o Ministério da Educação e Saúde expedira, para diversas instituições, órgãos e personalidades, um questionário para a elaboração do Plano Nacional de Educação, previsto na Constituição de 1934. A Constituição dera ao Conselho ―a competência para elaborar o referido plano que, posteriormente, seria 205 submetido à aprovação do Poder Legislativo‖. O objetivo da consulta era recolher opiniões de uma parte variada da intelectualidade sobre pontos de vista teóricos e administrativos. O questionário continha um total de 213 questões sobre diversos aspectos do ensino, das quais treze abordavam o ensino secundário. Embora parecesse consensual que o ensino secundário visasse o desenvolvimento do aluno, duas tendências versavam sobre o que deveria predominar na formação secundária: ―de um lado a valorização das ‗humanidades‘ clássicas, de outro, a ênfase na formação ‗científica ou moderna‘‖. 206 A polêmica em torno destas duas concepções perpassará todo o processo de elaboração do Plano Nacional de Educação (PNE). Mesmo dentro do Ministério da Educação e Saúde as divergências se faziam presentes. Podemos verificar a tendência às polarizações observando as respostas ao questionário feito pelo Ministério. Os resultados demonstram a existência de duas instituições contrárias em suas opiniões: de um lado, temos a Associação Brasileira de Educação (ABE) e do outro o Centro Dom Vital, organização católica, na qual militavam muitos leigos. Os integrantes desse último 204 SCHUARTZMAN, Simon; BOMENY, Helena; COSTA, Vanda Ribeiro. Tempos de Capanema. São Paulo: Paz e Terra: FGV, 2000. p. 189. 205 Mensagem apresentada pelo Presidente da República Getulio Dornelles Vargas ao Poder Legislativo em 3 de maio de 1935. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1935. p. 82-83. 206 REZNIK, Luís. Tecendo o amanhã, op. cit. p. 92. 62 posicionavam-se na defesa das humanidades, do ensino das línguas clássicas e na crítica ao ―enciclopedismo cientificista‖. As sugestões do Centro Dom Vital contém artigos de Alceu de Amoroso Lima (diretor do Centro), do Padre Arlindo Vieira (professor do Colégio Santo Inácio), de Everardo Backheuser (professor da Escola Politécnica do Rio de Janeiro), de Jonathas Serrano (professor do Colégio Pedro II), entre outros. Para eles, somente a ênfase na moral católica poderia ajudar os jovens a se firmarem na sociedade. Por outro lado, a ABE organiza, em 1937, uma série de conferências sobre o ensino secundário, por ocasião da elaboração do Plano Nacional de Educação. Segundo Reznik, todos os conferencistas eram a favor dos ―estudos modernos/científicos‖. 207 Coube a Delgado de Carvalho, proferir a conferência sobre a temática das ciências sociais e ele assim o fez, defendendo que o estudo das ciências sociais, entre elas a História, deveria visar a uma ―interpretação sincera e imparcial do mundo contemporâneo.‖ 208 As discussões relativas ao inquérito chegaram ao seu ponto culminante durante as reuniões do Conselho Nacional de Educação, em 1937. O principal ponto de discussão era a grade curricular e a ênfase da reforma nas disciplinas clássicas ou científicas. O currículo instituído com a Reforma Campos reservava seis horas-aula semanais para o latim nas cinco séries do curso fundamental, enquanto que o ensino das ciências (Física, Química e História Natural) contabilizava 23 horas-aula semanais ao todo. A presença do Ministro Capanema, que defendia uma orientação clássica para o ensino secundário, nessas discussões, foi decisiva para que se chegasse a um consenso em torno da carga horária de todas as disciplinas. No currículo votado pelo Conselho o número de horas destinadas ao ensino de línguas aumentou consideravelmente, correspondendo a mais da metade das horas de todo o curso secundário. Apenas o latim, ocupava 21 horas em todas as séries do curso fundamental, enquanto o ensino de ciências fora reduzido a apenas nove horas semanais, sendo o seu ensino ministrado apenas a partir da quarta série do curso fundamental.209 Os educadores católicos elogiaram o novo currículo em correspondências enviadas ao ministério. 207 REZNIK, Luís. Tecendo o amanhã, op. cit. p. 99. 208 CARVALHO, Delgado. As Ciências Sociais na Escola Secundária. In: PEIXOTO, Afrânio. Um Grande Problema Nacional (Estudos sobre o ensino secundário) Rio de Janeiro: Pongetti, 1940. Apud REZNIK, Luís. Tecendo o amanhã, op. cit. p. 100. 209 DASSIE, Bruno Alves. A Matemática do curso secundário na Reforma Capanema. Dissertação (Mestrado em Matemática). Rio de Janeiro – Departamento de Matemática, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2001. p. 41 e REZNIK, Luis. Tecendo o amanhã, op. cit., p. 101. 63 Em agosto de 1937, o Plano foi levado à Câmara dos Deputados para ser votado, entretanto, apenas dois meses depois, o presidente dissolveu o Congresso e instaurou o Estado Novo. O escopo do Plano, porém, não foi de todo esquecido, pois a Reforma do Ensino Secundário de 1942 configuraria uma tentativa de levar a cabo suas principais ideias. 210 A reforma manteve o princípio da divisão do secundário em dois ciclos seriados, porém reduziu para quatro anos a duração do primeiro ciclo, denominado ―curso ginasial‖ e aumentou de dois para três anos a duração do segundo ciclo, denominado ―colegial‖. O colegial, por sua vez, poderia bifurcar-se em ―clássico‖ ou ―científico‖, de acordo com a opção do aluno. De modo geral, o ciclo colegial revestiu-se, em grande parte, do caráter de ―consolidação‖ dos conhecimentos ministrados no ginasial. Isto foi facilitado pelo fato de haver, nos cursos clássico e científico, um número preponderante de disciplinas comuns. 211 Neste momento, o ensino de História torna-se alvo de intensos debates e aguerridas defesas de posicionamentos. No Arquivo Gustavo Capanema, encontramos a resposta, em forma de carta, endereçada ao Diretor do Jornal Correio da Manhã, contendo a réplica às afirmações do padre Arlindo Vieira, em edição do dia 1º de fevereiro de 1940, do referido jornal. As afirmações feitas diziam que o programa de História adotado nos estabelecimentos de ensino secundário da República era tendencioso e de ―caráter bolchevisante‖. O Padre Arlindo Vieira era uma figura de destaque no debate, defendendo o privilégio do ensino de humanidades clássicas. Seus artigos sobre o ensino secundário, publicados em jornais de grande circulação na época, foram reunidos em três livros publicados em 1935 e 1936. Segundo Reznik, tais artigos tiveram repercussão entre os integrantes do Conselho Nacional de Educação, durante a elaboração do PNE. Seus escritos traziam muitos exemplos internacionais de países europeus e americanos, com o intuito de demonstrar o atraso do ensino brasileiro frente às nações ―civilizadas‖. 212 A resposta à entrevista do padre, possivelmente escrita pelo Ministro, rebate as afirmações sobre os programas de História da Reforma Campos ao afirmar que elas ―não 210 SCHUARTZMAN, Simon; BOMENY, Helena; COSTA, Vanda Ribeiro. Tempos de Capanema, op. cit. p. 204. 211 HOLLANDA, Guy de. Um Quarto de Século de Programas e Compêndios de História para o Ensino Secundário Brasileiro, op. cit. p. 36 e 37. 212 REZNIK, Luis. Tecendo o amanhã, op. cit. p. 98. 64 traduzem a verdade dos fatos‖, pois o programa fora organizado no Governo Provisório. Era obra, portanto, de um governo de orientação anticomunista, que procurara promover, de maneira notória, as atividades culturais do país. E aconselha, ainda, ser conveniente que não se levasse à opinião pública informações inseguras sobre a orientação do Governo Federal. 213 Apesar dessa resposta peremptória, formulada apenas dois anos antes de sua promulgação, a Reforma Capanema trouxe modificações significativas para a disciplina História, particularmente no que diz respeito ao ―lugar‖ da História do Brasil. Apenas um mês depois da resposta ao Padre Arlindo Vieira, uma portaria restabeleceu, na escola secundária, o ensino da História do Brasil como disciplina autônoma, na 4.ª e 5.ª série do curso fundamental.214 Os programas da disciplina, constantes da Portaria, foram retirados de uma proposta enviada por Jonathas Serrano ao ministro, em março de 1940.215 O Instituto Histórico e Geográfico, na pessoa de seu secretário perpétuo Max Fleiuss, será um dos expoentes do grupo que defendia aguerridamente o retorno da disciplina aos currículos do ensino secundário. Seus argumentos destacam que a supressão da cadeira de História do Brasil, substituída pela cadeira de História da Civilização, adotada pela Reforma Campos, era contrária ao espírito de civismo e aos bons princípios da educação nacional. 216 Cesarino Jr., professor do ginásio do Estado de São Paulo e sócio do IHGB, no ano de 1935, acrescenta novos argumentos aos que Fleiuss havia construído. Apesar de tecer elogios à Reforma Campos, critica a supressão da cadeira de História do Brasil e sugere que a implantação da disciplina História da Civilização seria decorrente da leitura equivocada dos programas franceses que, ao priorizarem os estudos de História Geral, contemplavam a história da França. A História do Brasil, por não ter a mesma relevância na ―evolução da civilização ocidental‖, acabaria por perder-se em meio ao programa, ficando relegada a mero apêndice da História Geral. A crítica de Cesarino mostra-se procedente, se levarmos em conta o fato de que, nos livros didático de Delgado de Carvalho, um dos maiores defensores dos programas de História da Reforma Campos, a História do Brasil aparece 213 Arquivo Gustavo Capanema. GC g 40. 02.01. Fot. 292/2. 214 Ver Portaria ministerial nº 48, de 19/03/1940 e Arquivo Gustavo Capanema. GC g 40. 02.01. Fot. 298/2. 215 Arquivo Gustavo Capanema. GC g 40. 02.01. Fot. 294. Ver: REZNIK, Luís. Tecendo o amanhã, op. cit. p. 118. 216 REZNIK, Luís. Tecendo o amanhã, op. cit. p. 75-79. 65 de forma pontual, não havendo uma concreta integração entre os conteúdos de História do Brasil e de História da Civilização. Cesarino Jr. aponta ainda, para a especificidade da nação brasileira. Mostrava-se profundamente preocupado com a ―formação da consciência patriótica‖, frente às tendências desagregadoras que agiriam na cultura e no território brasileiro. Refere-se, o autor, à presença dos imigrantes no país. 217 Durante os trabalhos do Terceiro Congresso de História Nacional, promovido pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, realizado na semana de 21 a 28 de outubro do ano de 1938, formalizou-se um protesto contra o Ministério da Educação pela supressão da cadeira de História do Brasil no ensino secundário. A mobilização reuniu desde estudantes do Colégio São Jose, que participavam do evento, até veteranos integrantes do Instituto, alguns ligados ao governo, como Raul Tavares, Oliveira Vianna e Sousa Docca. A moção que reivindicava o restabelecimento da disciplina ―História do Brasil‖ no currículo dos colégios secundários foi transcrita nos Anais e encaminhada pelo Instituto Histórico ao Ministro da Educação. 218 Fazia-se necessário conferir um ―conteúdo nacional‖ à educação e padronizá-la para extirpar a ameaça que representavam as minorias étnicas constituídas no Brasil. A assimilação dos imigrantes tornara-se uma questão de segurança nacional e o ensino de História não poderia ficar de fora desse projeto de construção de uma nacionalidade calcada na promoção das instituições no culto às autoridades e na valorização dos heróis nacionais. 219 A Reforma do Ensino Secundário de Gustavo Capanema consolidou as diretrizes educacionais para o ensino de História, já apontadas na supracitada portaria. A recriação da cadeira de História do Brasil, segundo a fala de Jonathas Serrano no Conselho Nacional de Educação, em 1937, por ocasião das discussões sobre o inquérito a respeito do Plano Nacional de Educação, já era uma proposta estudada no corpo legislativo, não havendo polêmica, ou objeção a essa proposta por parte dos integrantes do Conselho. O ensino de História passou a ser estruturado da seguinte forma: Curso Ginasial 1.ª série: História Geral (História antiga e medieval), 2 horas semanais; 217 REZNIK, Luís. Tecendo o amanhã, op. cit. p. 80-82. 218 GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal. Da Escola Palatina ao Silogeu: Instituto Histórico Brasileiro (1889-1938). Rio de Janeiro: Museu da República, 2007. p. 190. 219 SCHUARTZMAN, Simon; BOMENY, Helena; COSTA, Vanda Ribeiro. Tempos de Capanema, op. cit. p. 157-158. 66 2ª série: História Geral (História moderna e contemporânea), idem; 3.ª série: História do Brasil (Do Descobrimento até a Independência), idem; 4. ª série: História do Brasil (Do Primeiro Reinado até o Estado Novo), idem. Curso Clássico e Científico 1.ª Série: História Geral (Antiguidade, Idade Média e Moderna), 2 aulas semanais; 2.º Série: História Geral (Idade Contemporânea), idem; 3.ª Série: História do Brasil, 3 aulas semanais (no curso clássico, com grego, eram 2). 220 Como podemos observar, a Lei Orgânica do Ensino Secundário, também conhecida como Reforma Capanema consagrou a total separação das disciplinas de História Geral e do Brasil e a paridade no número de aulas das duas disciplinas no curso ginasial, demonstrando o predomínio absoluto do estudo de História do Brasil no curso ginasial. Considerando os conteúdos de História Geral, que se iniciava com o estudo dos hebreus, cerca de quatro milênios tinham que ser estudados em duas séries, enquanto, em relação à História do Brasil, menos de quinhentos anos seriam estudados também em duas séries. Uma comissão foi composta para elaborar os programas de ensino para o curso ginasial. Presidida pelo Ministro da Educação e tendo como Secretário o Diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, a comissão incluía, além de professores de diversas matérias, os Diretores do Departamento Nacional de Educação e das Divisões de Ensino Secundário e Educação Física. 221 Entre os ―professores de diversas matérias‖ componentes da comissão estavam Jonathas Serrano e Delgado de Carvalho, encarregados de elaborar os programas do ensino de História. 222 Algumas orientações foram expedidas para a elaboração dos programas de todas as disciplinas. Estes deveriam conter duas partes: 1) sumário da disciplina, expresso por unidades didáticas, distribuídas por séries e 2) indicação das suas finalidades educativas, para orientação dos professores. O sumário tinha de ser expresso em unidades didáticas, ―distribuídas pelas séries a que pertença a disciplina, de modo equilibrado, considerando as condições de idade dos alunos‖. 223 A comissão deveria anexar aos programas as respectivas instruções metodológicas, indicando o método e os procedimentos didáticos que o professor deveria 220 HOLLANDA, Guy de. Um Quarto de Século de Programas e Compêndios de História para o Ensino Secundário Brasileiro, op. cit. p. 50. 221 Ibidem, p. 43. 222 DASSIE, Bruno Alves. A Matemática do curso secundário na Reforma Capanema, op. cit, p. 87. 223 Portaria Ministerial n.º 101, de 27 de abril de 1942. Apud DASSIE, Bruno Alves. A Matemática do curso secundário na Reforma Capanema, op. cit, p. 87. 67 empregar. Tais instruções metodológicas, entretanto, à exceção das de Português, não foram publicadas juntamente com os programas em julho de 1942. As de História nem sequer foram divulgadas. Os programas de História do Brasil, Geografia do Brasil e Matemática, antes de serem publicados, tiveram que passar pelo crivo dos catedráticos do Colégio Militar. É o que mostra o ofício do Coronel Comandante do Colégio Militar, Oscar de Araújo Fonseca, a Eurico Gaspar Dutra, Ministro da Guerra. Os programas de História do Brasil e Geografia do Brasil foram considerados ―em condições de serem aceitos‖, pelos respectivos catedráticos do Colégio. 224 No pós-1930, o Exército desenvolve gradualmente um projeto educacional militar, que, após 1937, encontra terreno para sua a implantação, embora continuando a enfrentar resistências de professores, educadores e publicistas quanto à intenção de 225 incutir, na coletividade brasileira, o espírito militar. Esse projeto tinha, como meta fundamental, o estabelecimento de barreiras, por meio da educação, à propagação de doutrinas consideradas perniciosas à nação. Segundo Antônio José Azevedo Amaral, um dos principais apologistas do Estado Novo, era necessário, para isso, elidir a ideologia do pacifismo associada à falida democracia liberal. Por esse motivo, a educação deveria ser ligada ao Exército para que se formasse uma mentalidade militar nas novas gerações, afastando-as da ―atmosfera depressiva das utopias pacifistas‖.226 Podemos perceber, portanto, a dificuldade em conciliar tais ideias com as concepções de Delgado de Carvalho, que desejava criar, por meio da educação, uma sociedade democrática, formada por indivíduos que, ―cônscios‖ de seu papel na sociedade, fossem capazes de conduzir os rumos do país. Sua concepção de História, marcada pela ênfase na História da Civilização, buscando-se preferencialmente os fatos que ilustrassem a solidariedade universal, com vistas à promoção de um espírito de cordialidade entre as nações, em nada se coadunaria com o estudo de uma história militar e política. O pensamento de Delgado não seria possível no interior de uma proposta 224 Parecer do Coronel Comandante Oscar de Araújo Fonseca ao Ministro da Guerra. GC g 40. 02.01. Fot. 314/2. 225 SCHUARTZMAN, Simon; BOMENY, Helena; COSTA, Vanda Ribeiro. Tempos de Capanema, Op. cit. p. 87. 226 Nação Armanda, março de 1940, n.º 4, p. 29 Apud SCHUARTZMAN, Simon; BOMENY, Helena; COSTA, Vanda Ribeiro. Tempos de Capanema, Op. cit. p. 87. 68 pedagógica que apregoava o cultivo da ordem, da disciplina, da hierarquia e do amor pela pátria, acima de quaisquer outros propósitos. 227 Nessa atmosfera, Delgado de Carvalho e Jonathas Serrano participaram da elaboração dos de programas de História Geral e História do Brasil. Suas propostas de programa enviadas ao ministro Gustavo Capanema indicam que rascunharam conjuntamente os títulos das unidades e cada um desenvolveu os tópicos concernentes a tais títulos. Reznik, ao analisar os programas de História do Brasil, mostra que o programa de Serrano persegue mais os eventos políticos, enquanto Delgado tende às generalizações. Outra diferença apontada nos dois programas é o tom de reverência às tradições religiosas e o culto aos dirigentes encontrados em Serrano, mas não em Delgado 228 de Carvalho. Sobre os programas oficiais de História do Brasil, o autor conclui que apresentam elementos das duas propostas, embora se aproximem mais das concepções de Serrano. Encontramos no Arquivo Gustavo Capanema duas propostas de programas de Delgado de Carvalho. A primeira delas contempla a História Geral e do Brasil. Os títulos das unidades em muito se assemelham aos dos programas enviados por Jonathas Serrano a Capanema, em 04 de maio de 1942, apenas uma semana após a publicação da Portaria Ministerial n.º 101, que instituiu a comissão para elaboração dos programas. Os programas de História Geral da 1.ª série fundamental dos dois professores têm, como primeiro ponto, ―O Oriente Antigo‖. Enquanto Delgado de Carvalho divide os demais povos da Antiguidade Oriental de acordo com um critério étnico (Os semíticos: caldeus, assírios, hebreus e fenícios; Os arianos: medas e persas), Jonathas Serrano indica somente o estudo dos egípcios e hebreus, estando reservada aos outros povos uma visão biográfica e episódica, sem a preocupação de entrar em detalhes. Nos programas expedidos, o título ―Os Hebreus‖ é o primeiro da unidade, antes mesmo do ponto referente aos egípcios. Na acepção de Serrano, a divisão da história do mundo baseia-se em critérios bíblicos, como a ―criação do homem‖, representando o marco deflagrador do processo civilizatório. Em sua narrativa, os hebreus, como o ―povo escolhido‖ inauguram a história do mundo, enquanto que, para Delgado de Carvalho, eles 227 SCHUARTZMAN, Simon; BOMENY, Helena; COSTA, Vanda Ribeiro. Tempos de Capanema, op. cit., p. 87. 228 REZNIK, Luís. Tecendo o amanhã, op. cit. p. 125. 69 são apenas um entre os muitos povos da Antiguidade Oriental. Para Delgado, o aspecto a ser privilegiado para os estudos seriam suas ―feições culturais‖.229 Outra diferença que podemos observar entre as sugestões de Serrano e as de Delgado, é que o primeiro confere mais ênfase às biografias que o segundo. Tal perspectiva fica patente nas propostas de pontos para as unidades: I – Os descobrimentos marítimos e II – As lutas religiosas, da segunda série ginasial. Serrano propõe como ―pontos‖, basicamente nomes de grandes personagens: Colombo, Vasco da Gama, Cabral, Inácio de Loiola, Filipe II e Isabel de Inglaterra. Delgado de Carvalho, por sua vez, propõe como pontos: As grandes invenções, O Renascimento, Descobertas Marítimas e Todesilhas, A Reforma e o Concílio de Trento, O Anglicanismo e O Edito de Nantes. 230 A proposta de Instruções Metodológicas, referente aos programas de História Geral das duas primeiras séries do primeiro ciclo secundário, enviada ao Ministério por Serrano, em nove de dezembro de 1942, não se sabe por que, nunca foram publicadas. As Instruções Metodológicas afirmavam que o estudo de História Geral, nas duas primeiras séries desse segmento, tinha por finalidade ―despertar a curiosidade do aluno em relação ao passado humano e aos grandes vultos que se têm distinguido no decurso dos tempos e em diferentes lugares, pelas suas qualidades mais notáveis‖. Os estudantes aprenderiam, dessa forma: a admirar a personalidade humana nos seus exemplos mais concretos, mais impressionantes e ao mesmo passo desenvolverão gradualmente as noções essenciais da moralidade e a dedicação aos ideiais patrióticos. 231 Podemos perceber, dessa maneira que, na proposta de Jonathas Serrano, o ensino de História Geral, por meio do método biográfico, visava a servir de preâmbulo ao ensino que realmente tinha relevância, o da História pátria. Por outro lado, o método biográfico e episódico, na proposta de Delgado de Carvalho, tinha a função de ―traçar quadros de épocas e civilizações diferentes‖. O trabalho do professor deveria ser o de estabelecer comparações entre os dados dispersos, relativos a essas civilizações, com vistas a buscar 229 Programa de História. GC g 40. 02.01. Fot. 308/2, Programa Sintético ou Analítico. GC g 40. 02.01. Fot. 305/2 e Programas de 1943 (Curso Ginasial) Apud HOLLANDA, Guy de. Um Quarto de Século de Programas e Compêndios de História para o Ensino Secundário Brasileiro, op. cit. p. 286. 230 Programa sintético. GC g 40. 02.01 Fotograma 302/3 e Programa de História. GC g 40. 02.01 Fotograma 308/2. 231 GC g 40. 02.01 Fotogramas 316/4 70 no passado ―os acontecimentos que levaram às situações que hoje se apresentam na política internacional‖. 232 Podemos perceber que Delgado de Carvalho, embora tendo participando da elaboração dos programas da Reforma Capanema, que significaram a derrota de sua concepção universalista de ensino, voltada para a ênfase no vínculo da História do Brasil com a História da Civilização, ainda mantém sua posição em defesa das conexões possíveis e desejáveis entre a história pátria e a História Geral. Para Delgado uma grande nação, como o Brasil, não podia ―viver no isolamento‖ e ―ignorar as demais nações do mundo‖. 233 A segunda proposta de Delgado de Carvalho para os programas de História Geral diz respeito apenas ao segundo ano do curso ginasial e se aproxima mais dos programas aprovados em 1942, com poucas diferenças.234 Os programas do segundo ano, constantes da reforma, apresentam maior riqueza de detalhes na apresentação dos conteúdos e menos referências biográficas. Esse arranjo pode significar que as propostas de Delgado foram aproveitadas nos programas do segundo ano, enquanto as de Serrano prevaleceram nos programas do primeiro ano ginasial. Nos programas de História Geral da Reforma Capanema os aspectos científicos, geográficos e culturais não estavam ausentes, mas são explicitados, apenas, na última unidade do programa para a segunda série curso ginasial, a unidade de número IX, intitulada ―Panorama do Progresso‖. Tal unidade pode ter sido incluída nos programas por sugestão de Delgado de Carvalho, considerando que não se apresentava nas primeiras sugestões de programas de nenhum dos dois professores, fazendo-se presente somente na segunda sugestão enviada por Delgado de Carvalho. Tal disposição contrariava sua concepção, segundo a qual a História deveria revelar a dimensão do contínuo progredir da humanidade e demonstrar a evolução da civilização em todos os sentidos. Talvez tenha sido esta, no entanto, uma forma de inserir, ainda que de forma marginal, aspectos de sua orientação para o ensino de História. Mesmo contrariando suas concepções, Delgado de Carvalho participa da elaboração dos programas da Reforma Capanema. Essa inserção demonstra sua tentativa de integração ao projeto do Estado Novo, por meio da construção de redes com outros 232 GC g 40. 02.01 Fotogramas 310/2. 233 Proposta de Programa. Arquivo Gustavo Capanema. GC g 40. 02.01. Fot. 310. 234 Segunda Série – História Moderna e Contemporânea. Arquivo Gustavo Capanema. GC g 40. 02.01. Fot. 338. 71 intelectuais e com os dirigentes, principalmente o ministro Capanema. Ao ser chamado pelo ministério para elaborar os programas da Reforma, Delgado dá mostras de querer consolidar uma aproximação com o governo, iniciada no ministério de Francisco Campos. Ao buscar tal aproximação, Delgado procurava legitimar para as suas posições no interior do campo intelectual, ainda que isso o indispusesse com alguns de seus colegas. O autor obtém sucesso em seu empreendimento, pois, mesmo que História do Brasil tenha sido novamente separada de História Geral e priorizada em relação a esta, Delgado torna-se, em 1943, catedrático interino da cadeira de História Moderna e Contemporânea da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil. Acreditamos que, como catedrático, ele tinha ampla liberdade para fazer valer as suas posições no interior da Universidade. Resta-nos sabermos até que ponto o autor também buscou fazer valer essas posições em seus livros didáticos para o ensino de História e como esses livros materializam as orientações para o ensino de História prescritas nos programas. Eles serão objetos dos próximos capítulos. 72 Capítulo 3 – A proposta de compêndio de Delgado de Carvalho para o ensino de História da Civilização Embora não alcançasse muita difusão, a “História Geral: 1ª série secundária e bases para desenvolvimento nas séries seguintes” de N4 e N5, constitui um exemplo interessante do que se intentou fazer, entre nós, há mais de 20 anos, em matéria de compêndios inspirados nas idéias da “educação progressiva”. (Guy de Hollanda)235 Por fim chegamos aos livros que são objetos e fontes de nossa análise. O primeiro deles é o livro Historia Geral: 1ª série secundária e bases para o desenvolvimento nas séries seguintes, de Delgado de Carvalho e Wanda de M. Cardoso, publicado em 1935. O compêndio236 surge no contexto de expansão do mercado editorial que se verifica nos anos 1930 e era destinado ao ensino da primeira série secundária. Tinha por finalidade introduzir assuntos que seriam tratados, de maneira mais aprofundada, nas séries seguintes desse nível de ensino. Pela análise da obra237, fica claro que a autoria principal é de Delgado de Carvalho, que já era um consagrado autor de livros para o ensino de Geografia. O mais notável deles Geografia do Brasil, publicado pela primeira vez em 1913, foi reeditado inúmeras vezes. 238 O nome de Delgado conferia legitimidade às suas obras, uma vez que personificava uma trajetória construída como professor e autor de livros didáticos. Talvez o que tenha possibilitado a Delgado de Carvalho publicar um livro pela Francisco Alves, editora especializada em livros didáticos, tenha sido o seu currículo 235 HOLLANDA, Guy de. Um Quarto de Século de Programas e Compêndios de História para o Ensino Secundário Brasileiro. 1931-1956. Op. Cit. p. 137. 236 No Brasil os livros cuja intenção original é explicitamente voltada para o uso pedagógico são chamados mais comumente de ―livros didáticos‖. Aqui utilizaremos tanto compêndio, quanto livro escolar como sinônimos para livros didáticos. Ver: FERNANDES, José Ricardo Oriá. O Brasil contado às crianças: Viriato Corrêa e a literatura escolar. Tese (Doutorado em Educação) 363f. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2009. p. 55. 237 Enric Satué afirma que se dá a um livro a definição de obra quando ele é formado por mais de um volume, entretanto, utilizaremos aqui obra como sinônimo de livro, mesmo quando constituído por apenas um volume. SATUÉ, Enric. Aldo Manuzio: editor, tipógrafo, livreiro. O design do livro do passado, do presente e, talvez, do futuro. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2004. p. 17 Apud FERNANDES, José Ricardo Oriá. O Brasil contado às crianças, op. cit. p. 174. 238 Sobre a coautora não temos muitas referências. Sabemos, apenas, que se formou em 1938, no Curso de Formação de Professor Secundário de Sociologia da Universidade do Distrito Federal e que atuou como professora assistente da cadeira de Geografia do Brasil da Faculdade Nacional de Filosofia, entre 1941 e 1945. Não encontramos nos acervos pesquisados referências a outros livros publicados por ela. Cf. FERREIRA, Marieta de Moraes. Notas sobre a Institucionalização dos Cursos Universitários de História no Rio de Janeiro. In: GUIMARÃES, Manuel Luiz Salgado. Estudos sobre a Escrita da História. Rio de Janeiro: Editora 7 Letras, 2006. p. 139-161. 73 como produtor desse tipo de obra. Sua experiência anterior, como autor de livros didáticos, garantiria uma maior possibilidade de aceitação pelo público. Se, no século XIX, escrever livros didáticos era mais uma das atividades exercidas, em geral, por autores já consagrados por meio de obras de outro tipo, como é o caso de Sílvio Romero e Afrânio Peixoto, nas primeiras décadas do século XX, no entanto, o perfil do autor de livros didáticos tende a mudar, pois já se encontram autores especialistas nesse tipo de publicação, como por exemplo, Mário da Veiga Cabral, autor de livros de História, Geografia e Corografia para as classes elementares.239 A expansão do mercado editorial que se verifica nos anos 1930 é acompanhada pelo surgimento de diversas casas editoriais e pela transformação nos processos de produção de livros no Brasil. Essas mudanças se verificaram não somente nos aspectos gráficos, mas também na autonomização das diversas seções que compunham um departamento editorial. Esse, por sua vez, separou-se das tarefas de composição e impressão. Dessa forma, as editoras passam a contratar profissionais especializados para revisão, tradução, ilustração, paginação, confecção de capa, etc. 240 Os livros escolares, obviamente, foram afetados por essas transformações. A presença desses profissionais no processo de produção do livro interfere na sua materialidade, aspecto fundamental para compreendermos sua utilização por professores e alunos do curso secundário. Seguimos, aqui, a proposição de Roger Chartier, para quem os textos ―não existem fora dos suportes materiais (sejam eles quais forem) de que são 241 veículos‖. Nesse trabalho procuramos descrever, de maneira cuidadosa, o aspecto material dos livros didáticos que nos servem de fontes e objetos de estudo nos resguardando-nos da tarefa de inferir a participação dos profissionais acima listados no processo de produção das obras. Tal empreitada demandaria uma investigação minuciosa em contratos e correspondências editoriais, o que fugiria aos objetivos da pesquisa. Buscamos, neste trabalho, compreender como os autores dão sentido ao texto que produzem no livro e a maneira com que a forma, que permite sua leitura (e sua visualização), participa dessa construção de significados para seu público alvo, 239 SILVA, Alexandra Lima da. Ensino e mercado editorial de livros didáticos de História do Brasil – Rio de Janeiro (1870-1924). Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal Fluminense, Departamento de História, 2008. p. 36-37. 240 MICELI, Sérgio. Intelectuais à brasileira. op.cit. p. 148. 241 CHARTIER, Roger. A mediação editorial. In: CHARTIER, Roger. Os desafios da escrita. São Paulo: Editora UNESP, 2002. p. 61-62. 74 considerando que um texto fixado apenas em letras se torna outro, se os dispositivos de sua comunicação forem alterados. 242 Para alcançar esse objetivo, procuramos interpretar a ―fala‖ do próprio livro didático sobre o ensino de História nas décadas estudadas, levando em conta a complexidade do objeto em questão, que pode assumir múltiplas funções, variáveis segundo a época e o ambiente sócio-cultural nos quais circulou.243 Allain Chopin (2004) assinala a existência de quatro funções para os livros escolares: função programática, função instrumental, função ideológica ou cultural e função documental. Em nosso trabalho privilegiaremos duas dessas funções: a função programática e a função documental. Por meio da função programática o livro didático se constitui um suporte privilegiado para levar os conteúdos educativos a professores e alunos. Entendemos que os livros escolares, longe de serem de responsabilidade apenas dos seus autores, podem ser expressão de uma dada orientação para o ensino, uma vez que, em geral, se moldam de acordo com as diretrizes dos programas em vigor.244 O livro Historia Geral exerceu uma função programática, considerando que se apresentava como uma interpretação possível dos programas de História nos quais foi baseado, os da reforma de ensino de 1931. A obra, nesse contexto, visava a fazer chegar às salas de aula as prescrições, para o ensino de História, da Reforma de Francisco Campos. Por fim, o livro Historia Geral fornece, em sua apresentação, documentos textuais e iconográficos, cuja leitura objetivava fomentar nos alunos o espírito crítico. Choppin aponta que tal função é recente na literatura escolar e que apenas pode ser encontrada em ambientes que privilegiam a iniciativa pessoal do aluno. O fato de um livro da década de 1930 visar ao favorecimento da autonomia do aluno mostrou-se intrigante para nós, uma vez que, pela análise de outros livros publicados na época, vimos que a ênfase em tal objetivo não era comum. Outra função a ser explorada é a instrumental, por meio da qual o livro põe em prática métodos de aprendizagem (por meio da proposição de textos, imagens, exercícios e atividades) que visam ao alcance de diferentes objetivos, como a memorização de 242 CHARTIER, Roger. A mediação editorial, op. cit. p. 61-62. 243 CHOPIN, Allain. História dos livros e das edições didáticas: sobre o estado da arte. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.3, p. 549-566, set./dez. 2004. p. 552-553. 244 Ibidem, p. 553. 75 conteúdos, a discussão de textos, a aquisição de competências, etc. 245 Da mesma forma, o livro se mostra um veículo de ideias que traduz valores e comportamentos que se desejou que fossem ensinados.246 O livro Historia Geral constitui um exemplo de compêndio inspirado nos métodos e pressupostos da ―educação progressiva‖ 247, defendida por Delgado de Carvalho. Hollanda (1957) mostra entusiasmo em relação à obra, chegando a dedicar nove páginas de seu livro, hoje clássico, Um Quarto de Século de Programas e Compêndios de História para o Ensino Secundário Brasileiro, ao comentário e análise da obra de Delgado de Carvalho e Wanda de M. Cardoso. Um fragmento desse comentário integra a epígrafe deste capítulo. Os nomes dos autores, na obra de Hollanda, aparecem protegidos pelas siglas N4 e N5. Faz-se necessário, para que entendamos as características da obra, apreciar alguns de seus principais aspectos, relacionando-os com os pontos de vista identificados nas reflexões de Delgado de Carvalho a respeito do ensino de História e com outras obras para o ensino de História Geral em circulação na época em que veio a público. Apresentaremos, aqui, o livro, propondo uma chave de leitura que nos permitirá entender como a materialidade da obra contribuiu para a difusão de uma determinada concepção de ensino da História. A valorização da História Contemporânea na obra e a inserção de temáticas referentes à promoção da solidariedade entre as nações também serão consideradas em nossa análise. 3.1 “O presente compêndio não é um livro de leitura”: apresentação material do livro Historia Geral (1935) É com a significativa advertência presente no título desta seção, que Delgado de Carvalho introduz sua obra. Tal aviso é complementado pela explicação que se segue: o livro, em suas palavras não visava ―ser completo em si nem dispensar atlas, livro, dicionário, manuais e monografias‖; deveria, pelo contrário, ser um ponto de partida, a 245 CHOPIN, Allain. História dos livros e das edições didáticas: sobre o estado da arte. Op. Cit. p. 553. 246 CORRÊA, Rosa L. Teixeira. O livro escolar como fonte de pesquisa em História da Educação. Cadernos CEDES, São Paulo, n. 52, p. 11-24, 2000. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010132622000000300002 (Acesso em 18/11/2007) 247 HOLLANDA, Guy de. Um Quarto de Século de Programas e Compêndios de História para o Ensino Secundário Brasileiro. 1931-1956. Rio de Janeiro: Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais. INEP – Ministério da Educação e Cultura, 1957. p. 137 76 partir do qual os alunos, guiados pelo mestre, pudessem ―edificar a sua História da Civilização‖. 248 Circe Bittencourt (2008) aponta que é difícil caracterizar o livro de leitura. No curso elementar os livros de leitura passaram a ser considerados fundamentais, pois deveriam ser capazes de formar ―o espírito‖ das crianças, entendendo-se que o termo leitura pode congregar duas acepções: propriamente a competência de leitura e instrumento para a aquisição de noções úteis à infância. 249 Antônio Augusto Gomes Batista (2002) afirma que a finalidade desses livros era, quase sempre, ―formar o espírito da criança‖ e ―fixar um modo de representar a nação‖. Além disso, o autor aponta que tais obras, muitas vezes eram pensadas e utilizadas como únicos instrumentos em sala de aula. 250 Diana Vidal (2001), em estudo realizado sobre a formação de professores no Instituto de Educação na gestão partilhada de Anísio Teixeira e Lourenço Filho, na década de 1930, mostra que, para os educadores escolanovistas, a leitura e o livro assumiam a função de possibilitar o desenvolvimento do pensamento racional. O livro deixava de ser, tão somente, um depositário de conhecimento para tornar-se ―fonte de experiência‖, pois o acesso ao conhecimento da experiência acumulada pelo homem passava a ser condição fundamental para a criação individual. 251 Nos discursos dos escolanovistas nos anos 1930, a autora identifica o desejo de destacar a importância do livro para o ensino renovado, em contraposição a uma educação ―livresca‖. Nesse sentido, Fernando de Azevedo empreende uma defesa da concepção de livro e leitura presente no movimento, que estava sendo confundida com repúdio ao livro, em benefício de outros recursos pedagógicos: A ofensiva da educação nova contra o livro de leitura ou de texto tem sido freqüentemente interpretada, por ignorância ou má fé, como uma investida contra o livro e a cultura. Mas a verdade é que a educação nova, longe de deprimir o valor do livro, o reabilita pela ‗nova função‘ que lhe atribui como instrumento de trabalho. O livro de texto, na escola tradicional é o ‗centro‘, em torno do qual gravitam todas as atividades escolares que se sucedem, na ordem de distribuição da matéria e segundo sugestões metodológicas; o livro escolar na educação renovada é um instrumento de 248 CARVALHO, Delgado e CARDOSO, Wanda. Historia Geral, Op. cit., p. 5. 249 BITTENCOURT, Circe. Livro didático e saber escolar, op. cit., p. 47. 250 BATISTA, Antonio Gomes. Formação da criança brasileira e a ―mais terrível das instabilidades‖: um livro de leitura lusitano do século XIX. In: DUTRA, Eliana Regina de Freitas, MOLLIER, Jean-Yves. Política, nação e edição: o lugar dos impressos na construção da vida política: Brasil, Europa e Américas nos séculos XVIII-XX. São Paulo: Annablume, 2006. p. 533-552. p. 533. 251 VIDAL, Diana Gonçalves. O exercício disciplinado do olhar: livros, leituras e práticas de formação docente no Instituto de Educação do Distrito Federal (1932-1937). Bragança Paulista: Editora da Universidade São Francisco, 2001. p. 201 77 trabalho, na atividade total da escola, que se desenvolve sob o impulso e em torno da criança, centro de gravidade da nova educação (...) 252 Ao recusar o epíteto de ―livro de leitura‖ para o seu compêndio e caracterizá-lo como ―base de trabalho‖ a partir da qual alunos e professor pudessem se apoiar, Delgado de Carvalho negava a sua utilização como um livro único em sala de aula. Limitado à leitura pura e simples, o compêndio não daria conta de efetivar a função que os autores esperavam que ele cumprisse. O papel fundamental a ser desempenhado pelo livro era o de estimular a busca em outros tipos de material, disponíveis ao aluno na ―Sala de Estudo‖, a qual deveria 253 funcionar como se fosse sua ―oficina de trabalho‖. Dessa forma, o livro apresenta uma série de elementos visando a promover o trabalho de pesquisa para além da leitura, tais como mapas, imagens e exercícios, cuja função, dentro do método de ensino proposto, é explicada na ―Introdução Metodológica‖ da obra, destinada aos professores. A capa é um elemento fundamental para a configuração material e visual do livro didático. No caso do livro Historia Geral a capa é dura (ou cartonada, como se dizia na época) e não traz o título da obra, o nome dos autores ou qualquer ilustração. Ao buscarmos informações acerca de possíveis alterações nos aspectos materiais da obra, percebemos que a capa atual254 traz o nome ―Edymilson‖ escrito a lápis vermelho, o que, a princípio, nos pareceu ser uma marca de utilização deixada na obra por usuário do acervo da Biblioteca Nacional, uma vez que não encontramos nenhum outro indício em suas páginas que indique que o livro tenha sido utilizado por alunos ou professores em sala de aula. 252 AZEVEDO, Fernando de. O livro e a Escola Nova. Discurso publicado na ―Página de Educação‖ do Diário de São Paulo, compilado na Revista de Educação, São Paulo, 4 (4): 240, dez, 1933. In: VIDAL, Diana Gonçalves. O exercício disciplinado do olhar, Op. cit. p. 204. 253 In: VIDAL, Diana Gonçalves. O exercício disciplinado do olhar, Op. cit. p. 204. 254 Fomos informados na Biblioteca Nacional pela bibliotecária Deize Albernaz de Araújo que a capa que abre o livro não é original, mas, que pela sua configuração material, é perceptível que foi fixada posteriormente, em data que a bibliotecária não conseguiu precisar. Provavelmente, tal procedimento foi realizado porque a capa original se encontrava em mau estado de conservação. 78 Figura 3: Capa do livro História Geral: 1ª série secundária e bases para o desenvolvimento nas séries seguintes. (Biblioteca Nacional) 79 Uma das maiores inovações que o livro História Geral trazia era o seu tamanho (27 X 37 cm)255 maior do que o padrão utilizado pelos livros da época. Tal dimensão das páginas favorecia a visualização dos mapas e imagens com maior qualidade. Se, por um lado, o formato apresentava as vantagens descritas, por outro, se mostrava um empecilho para a utilização da obra, que segundo Hollanda, ―não cabia dentro de uma pasta escolar usual, o que era agravado pela pouca resistência da brochura‖. 256 O fato de ter sido publicada pela livraria Francisco Alves, pode explicar, em parte, as qualidades gráficas da obra. Entre 1880 e 1920 a editora foi a mais importante empresa de obras didáticas do país. A casa editorial acompanhou as inovações tecnológicas na produção de livros, procurando associar-se com empresas editoriais estrangeiras para garantir o menor custo das impressões.257 O livreiro Francisco Alves faleceu em 29 de junho de 1917, deixando quase todo o seu patrimônio para a Academia Brasileira de Letras. A instituição, estando estatutariamente impedida de gerir qualquer tipo de negócio, vendeu a livraria a um grupo de antigos empregados de Alves, liderados por Paulo Ernesto Azevedo e por Antônio Oliveira Martins. A firma adotou como razão social o nome ―Paulo de Azevedo & Companhia‖, mas continuou usando o nome ―Livraria Francisco Alves‖ em alguns de seus impressos, mantendo a liderança do mercado brasileiro de livros didáticos, até o aparecimento, em fins dos anos 1920, da Companhia Editora Nacional. 258 Da folha de rosto da obra, também conhecida como ―frontispício‖, constam as seguintes informações: no alto da página, a indicação ―Curso de Historia da Civilisação‖, que pode sugerir que havia, inicialmente, o intento de lançar outros títulos na mesma coleção, intento esse que não se realizou, talvez em virtude da pouca difusão do primeiro livro259; nome dos autores, seguido do título do livro; a informação ―Adotado no Colegio 255 Para fins de comparação, o livro de Jonathas Serrano, Epítome de História Universal, era impresso em tamanho 18,5 X 12,5 cm, já o de Oliveira Lima, Historia da Civilização era impresso em tamanho 22,5 x 15 cm, os volumes de História Geral da Civilização: da antiguidade ao XX seculo, de Gastão Ruch, eram impressos em tamanho 18,5 x 13 cm e os de Joaquim Silva eram impressos em tamanho 20 cm x 14 cm. 256 HOLLANDA, Guy de. Um Quarto de Século de Programas e Compêndios de História para o Ensino Secundário Brasileiro, op. cit. p. 144. 257 BITTENCOURT, Circe. Autores e editores de compêndios e livros de leitura (1810-1910). Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.3, p. 475-491, set./dez. 2004. p. 489. 258 HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil: sua história. 2 ed. ver e ampl. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 2005. (p. 284-285) 259 O livro Historia Geral foi o único publicado por Delgado de Carvalho pela Francisco Alves. Todos os outros livros do autor voltados para o ensino da disciplina foram publicados pela Companhia Editora Nacional. 80 Accioli‖; no pé da página, a marca da editora assinalando os locais e endereços de suas filiais e o ano da publicação da obra. Sobre o Colégio Accioli não conseguimos obter muitas informações. Sabemos apenas que sucedeu, no Rio de Janeiro, o antigo ―Ginásio Petropolitano‖, instituição fundada e dirigida, entre os anos de 1920 e 1930, por José Cavalcanti de Barros Accioli, catedrático de História do colégio Pedro II. 260 Em nossas pesquisas sobre a trajetória de Delgado de Carvalho, não encontramos nenhum indício de que o autor tenha trabalhado no Colégio Accioli. Entretanto, descobrimos que durante o polêmico episódio relatado no capítulo anterior, no qual Euclides Roxo, ao propor que fosse inserido na ata um voto de ―louvor e reconhecimento‖ a Delgado de Carvalho, por seus serviços prestados no ano de 1931, na direção do Externato do Colégio Pedro II, teve seu pedido rechaçado por vários professores. O professor Accioli declarando ―nunca haver assistido a nenhum ato de indisciplina‖, deu voto favorável à moção de Roxo. 261 Por esse episódio podemos inferir que Delgado podia contar com o respeito e solidariedade de José Cavalcanti de Barros Accioli, o que não se verificava em relação a todos os professores do Colégio Pedro II, que faziam parte da Congregação. Talvez, por esse motivo, o livro de Delgado, que, como veremos, trazia uma proposta nova para a época, tenha encontrado acolhida no colégio Accioli. Por outro lado, ao fim da ―Introdução Metodológica‖, consta a seguinte nota: ―Os autores agradecem ao Professor Roberto Accioli pelo trabalho de revisão e correção de provas que gentilmente se prestou‖.262 Roberto Accioli, filho de José Cavalcanti de Barros Accioli, foi nomeado catedrático de História do Colégio Pedro II após concurso realizado em 1943. Roberto Accioli era professor contratado da instituição desde 1937. 263 Seu livro Synopse de História, é uma das referências dos ―Tópicos a estudar‖ da obra Historia Geral, seção que da qual trataremos a seguir. 260 DORIA, Francisco Antonio. Acciaiolis no Brasil. Série Marcello de Ipanema 3. Projeto Áquila. Rio de Janeiro: Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2000. p. 78-79. Disponível em: http://www.buratto.net/doria/Acciaioli_Livro.pdf (Acesso em 31 out 2010) 261 Ata da ―Sessão conjunta realizada no dia 30 de janeiro de 1932‖ sob a presidência do professor Henrique Dodsworth. IN: Livros de Atas da Congregação – Colégio Pedro II – 1925 a 1934. 262 CARVALHO, Delgado e CARDOSO, Wanda. Historia Geral, Op. cit., p. 8. 263 ―Portaria contratando o professor Roberto Bandeira Acioli para reger turma de Latim do Externato‖ Em 05-10-1937. In: Livro de registro de títulos e nomeações, exonerações e dispensa de professores e‘ Funcionários – Colégio Pedro II – 1923 a 1937. 81 Figura 4- Folha de rosto do livro História Geral: 1ª série secundária e bases para o desenvolvimento nas séries seguintes. (Biblioteca Nacional) 82 Na folha de rosto da obra também podemos visualizar o carimbo da coleção Arthur Ramos. O exemplar consultado para a realização da pesquisa faz parte do acervo da Biblioteca Nacional e pertenceu ao médico e professor universitário Arthur Ramos de Araújo Pereira. O exemplar foi dado a Arthur Ramos pelo próprio Delgado de Carvalho, como atesta a dedicatória na falsa folha de rosto: ―Ao amigo e colaborador Arthur Ramos. Companheiro de afetuoso apreço do colega, C. Delgado de Carvalho‖. 264 Os capítulos da obra são precedidos de uma ―Introdução Metodológica‖ assinada, apenas, por Delgado de Carvalho utilizando-se das iniciais D. C.. Essa Introdução objetivava indicar ao professor os métodos da chamada ―Escola Progressiva‖. Ao criar os conteúdos para o seu livro, o autor sabia que o sucesso de sua proposta de ensino dependia da atuação dos professores. Circe Bittencourt (2008) indica que o professor era considerado um profissional mal preparado desde o nascimento da escola pública, na primeira década do século XIX, 265 quando o clero deixou de exercer com exclusividade o papel da educação formal. Delgado de Carvalho reforça tal percepção quando afirma, em 1934, que o ―magno problema do presente‖ era a formação do professorado. O autor enfatiza a necessidade de priorizar a formação de professores secundários, totalmente autodidatas, até então. Como solução para o problema, sugere a contratação de técnicos no estrangeiro, considerando que organizar uma escola normal superior, sem o auxílio desses técnicos seria, no mínimo, perigoso. As deficiências do ensino seriam, em grande parte, remediadas pela formação de um verdadeiro ―corpo de professores‖. 266 O reconhecimento da importância do professor para a escolha e utilização do livro em sala de aula e ao mesmo tempo a preocupação pelo reconhecimento da incapacidade desses profissionais estimulou os autores de livros didáticos a travar um diálogo com esses interlocutores por meio de prefácios, apresentações, prólogos, advertências ou introduções. Tais discursos ―indicavam as diferentes concepções dos autores sobre o conhecimento escolar e sobre as metodologias a serem utilizadas no processo de 264 Falsa folha de rosto do livro História Geral: 1ª série secundária e bases para o desenvolvimento nas séries seguintes. (Biblioteca Nacional). Acreditamos que a obra em questão tenha tido apenas uma edição com pequena tiragem. O fragmento de Guy de Hollanda citado na epígrafe deste capítulo e a dificuldade de encontrar exemplares do livro em bibliotecas públicas e em sebos nos sevem de base para essa afirmação. 265 BITTENCOURT, Circe. Livro didático e saber escolar, op. cit, p. 168. 266 CARVALHO, Delgado. Sociologia e educação, op. cit. p. 22-23. 83 267 aprendizagem‖. Assim, a ―Introdução Metodológica‖ da obra cumpre a função de explicar e justificar cada um dos elementos presentes em seus capítulos e a aplicação do método da chamada ―Escola Progressiva‖, defendida por Delgado de Carvalho, embora na mesma Introdução o autor expresse que o detalhamento da concepção já havia sido feito em outras obras suas. A ―Introdução Metodológica‖ cumpre a função de manual para os professores. O recurso visava direcionar a utilização da obra, uma vez que apresentava uma proposta que é vista como singular para a época. Tal proposta deveria modificar processos antigos de verificação do aproveitamento dos alunos ao fim de um período letivo, pois os exames eram considerados como um sistema de avaliação falho, conforme esclarece o autor: A experiência pessoal nos convenceu de que o exame escrito sem livro, não só leva diretamente à cola em 75% dos casos, porque a mentalidade geral já não reage mais contra êste processo indecoroso, contra esta falta de lealdade, como também faz perder de vista a própria finalidade do ensino para degenerar, entre os mais sinceros e estudiosos, na memorização pura. O essencial nos parece ser, na redação da prova o isolamento do aluno, isto é, a sua não-comunicação com outros colégas. O uso de livros, mapas, notas ou outras fontes de informação não nos parece prejudicial. 268 267 BITTENCOURT, Circe. Livro didático e saber escolar, op. cit, p. 183. 268 CARVALHO, Delgado de e CARDOSO, Wanda de M. Historia Geral, op. cit. p. 7. 84 Figura 5 – Sumário da parte de História Moderna. IN: História Geral: 1ª série secundária e bases para o desenvolvimento nas séries seguintes. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1935. p. 69. (Biblioteca Nacional) O livro possui 137 páginas. Os conteúdos da obra dividem-se em quatro partes: Historia Antiga, Historia Medieval, Historia Moderna e Historia Contemporânea [sic]. A escolha de tal divisão, embora se mostrasse arbitrária para o autor, tinha a vantagem de ser pedagogicamente prática.269 A cada uma dessas partes deveriam corresponder 14 a 15 269 CARVALHO, Delgado e CARDOSO, Wanda de M. Historia Geral, op. cit. p. 5. 85 (na verdade 14 a 17) pontos de estudo. Tal divisão permitiria ministrar os conteúdos em quatro bimestres de 16 horas. A cada bimestre do primeiro ano ginasial deveria corresponder uma parte. Na folha de abertura de cada parte consta um sumário, contendo o título de cada capítulo referenciado em algarismos romanos. Guy de Hollanda afirma que, considerando o número de aulas disponíveis na primeira série do curso ginasial (duas por semana) e descontando-se os feriados, as férias e o tempo destinado às provas parciais, dificilmente o docente disporia das 64 aulas necessárias para que se cumprisse o estudo de todos os pontos previstos pelo livro. 270 270 HOLLANDA, Guy. Um Quarto de Século de Programas e Compêndios de História para o Ensino Secundário Brasileiro, op. cit. p. 138. Figuras 6 e 7– ―Ponto‖ I (Navegações e Descobertas), da parte de História Moderna. IN: História Geral: 1ª série secundária e bases para o desenvolvimento nas séries seguintes. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1935. p. 70-71. (Biblioteca Nacional) Cada um dos pontos do programa tratados na Historia Geral continha: Uma exposição sumária; Duas leituras; Exercícios; Tópicos a estudar; Testes; Uma carta histórica; Uma biografia; Bibliografia e Documentação Gráfica. A ―exposição‖, primeiro elemento constituinte de cada capítulo, era formada por pequenos parágrafos numerados (em torno de oito ou nove, podendo chegar a 12), produzidos pelos próprios autores. Os parágrafos são dispostos em um retângulo localizado no alto da primeira página de cada ponto. O tipo utilizado na ―exposição‖ é menor que aquele utilizado nas leituras. O destaque de palavras é feito por meio do recurso alternado à fonte em itálico ou em caixa alta. São indiscriminadamente destacados nomes de personagens, substantivos comuns designando conceitos ou não, países, povos, impérios, acidentes geográficos, períodos históricos, ora em itálico, ora em caixa alta. Logo abaixo da ―exposição‖ o livro traz duas leituras, que eram ―trechos curtos, concisos, traduzidos de autores estrangeiros escolhidos, ás vezes adaptados‖, que tinham por finalidade ―chamar a atenção do estudante para um detalhe de certa importância‖ e ―provocar o espírito crítico do debate e guiar o senso histórico na discussão do grupo.‖ 271 Assim, segundo o autor, elas continham sugestões ao professor, a quem cabia apontar o momento mais oportuno para sua utilização. Por esse motivo, segundo ele, foram evitados trechos com muitos nomes, fatos e datas. Guy de Hollanda ressalta, entretanto, que essas leituras, em geral, estavam muito acima da capacidade de entendimento dos alunos da primeira série ginasial. 272 Abaixo da leitura, entre colchetes, vinha a identificação do autor, seguida do título original do livro. Não podemos saber se a tradução dos textos foi feita pelos próprios autores. Os trechos eram traduzidos de livros estrangeiros, dada a escassez de livros brasileiros que abordassem a História Geral. 271 CARVALHO, Delgado de e CARDOSO, Wanda M. Historia Geral, op. cit., p. 6. 272 HOLLANDA, Guy de. Um Quarto de Século de Programas e Compêndios de História para o Ensino Secundário Brasileiro, op. cit., p. 144. 88 Figura 8 – Leituras do Capítulo I (Navegações e Descobertas), da parte de História Moderna. IN: História Geral: 1ª série secundária e bases para o desenvolvimento nas séries seguintes. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1935. p. 70. (Biblioteca Nacional) O tipo usado nos exercícios era ainda menor que o tipo utilizado nas leituras, na seção ―Biografias‖ e nas legendas das imagens e dos mapas. Acreditamos que tal recurso foi empregado para destinar maior espaço aos mapas e ilustrações, que possuíam boa visualização. Por seu tamanho diminuto, os corpos tipográficos da obra foram objeto da crítica de Hollanda. O autor afirma que os tipos não eram os mais adequados, uma vez que ―dificultavam uma leitura sem cansaço por meninos de 11 anos, ou pouco mais‖. 273 273 HOLLANDA, Guy de. Um Quarto de Século de Programas e Compêndios de História para o Ensino Secundário Brasileiro, op. cit. p. 144. 89 O índice vem apenas no fim do livro, referenciando os capítulos, sem remeter à numeração das páginas, repetindo, de forma sucessiva, os títulos presentes nas folhas de abertura de cada uma das partes da obra. Como é comum na maioria dos livros didáticos publicados no período, o livro Historia Geral não conta com elementos pós-textuais tais como, referências bibliográficas, glossário, apêndices ou anexos. 3.2 História “biográphica e episódica” e trabalho autônomo No que diz respeito ao mercado editorial de livros didáticos, a Reforma de Francisco Campos promoveu um aumento expressivo na produção de obras nacionais. A partir de 1931, a nova seriação imposta tornou necessária a adoção de livros que acompanhassem a divisão dos conteúdos para cada série. Tal necessidade forneceu às editoras um novo nicho de mercado: o dos compêndios de diversas disciplinas para o ensino secundário. Nas primeiras décadas do século XX, eram utilizados livros estrangeiros para o ensino de História no curso secundário. Algumas empresas editoriais, como a Laemmert, encarregavam-se não somente da edição e impressão dos livros nacionais, mas também da importação de exemplares estrangeiros. 274 No que diz respeito ao ensino secundário, Hollanda (1956), aponta que era frequente o uso de manuais franceses para a maior parte das matérias. No caso da História Universal adotavam-se, geralmente, os compêndios franceses Histoire de la Civilization (em dois volumes), de Charles Seignobos e Cours d’Histoire, de Albert Malet. A Primeira Guerra Mundial marca o início de um processo por meio do qual o setor editorial brasileiro é forçado a buscar uma maior autonomia em relação ao estrangeiro, uma vez que o crédito tornou-se mais difícil e a comunicação com a Europa, nos anos de guerra, incerta. Os preços cobrados pela impressão subiram de forma vertiginosa, obrigando os livreiros a buscar a autossuficiência de matérias-primas e tecnologia. 274 MARIZ, Ana Sofia. Editora civilização brasileira: o design de um projeto editorial (1959-1970). Dissertação (Mestrado em Design). Rio de Janeiro: PUC, Departamento de Artes, 2005. p. 20. 90 A crise econômica de 1929, por outro lado, promoveu um declínio no total das importações, ao encarecer os livros estrangeiros,275 fazendo com que a produção de livros escolares brasileiros crescesse vertiginosamente. Para que se possa ter uma ideia, dos 1.192.000 exemplares produzidos no ano de 1933, 467.000 eram títulos educacionais e 429.500 eram livros para crianças. 276 Esse crescimento da produção de livros educacionais está ligado à expansão expressiva do número de matrículas no ensino primário e secundário. Reznik aponta que se o aumento das publicações voltadas para o ensino primário data do início da República, em decorrência da expansão desse nível de ensino na mesma época, o desenvolvimento do mercado editorial de livros voltados para o nível secundário se verifica justamente na década de 1930, em virtude do aumento das matrículas nesse nível de ensino proporcionado pela Reforma Campos.277 Paralelamente a esse crescimento, ocorre o aumento das publicações de livros de História. A pesquisa efetuada por Luís Reznik, a respeito dos livros didáticos de História do Brasil. publicados entre os anos 1930 e 1945, encontrou mais de duas dúzias de autores. Em levantamento realizado no Banco de Dados de Livros Escolares Brasileiros (LIVRES)278, encontramos a classificação de 25 obras como destinadas ao ensino de História Geral, publicadas no mesmo período (ver Anexo 2). Sabemos que o número de obras que circulou entre esses anos pode ser bem superior, uma vez que o levantamento se limitou aos livros referenciados pelo banco de dados e que, mesmo os livros de Delgado de Carvalho, que são fontes para essa pesquisa, não se encontram referenciados. Importante é ressaltar que a resposta dos editores ao movimento de expansão do ensino, que se verificou nos anos 1930 e 1940, abre oportunidades para novos autores neste mercado em formação, como é o caso de Joaquim Silva, cujos livros tornaram-se 279 sucesso editorial no mercado de livros didáticos nas décadas em questão. É o caso, também, de Delgado de Carvalho e Wanda de M. Cardoso, que se aproveitaram da 275 REZNIK, Luís. Tecendo o amanhã, Op. cit, p. 155. 276 HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil, op. cit. p. 354-355. 277 REZNIK, Luís. Tecendo o amanhã, op. cit. p. 153. 278 Desenvolvido no interior do projeto temático "Educação e Memória: organização de acervos de livros didáticos‖ e coordenado pela professora Circe Bittencourt, na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. 279 REZNIK, Luís. Tecendo o amanhã, op. cit., p. 155. 91 seriação imposta pela Reforma Campos para lançar uma obra voltada para o ensino da primeira série do ensino secundário, mas que, nas palavras de Delgado de Carvalho, se utilizada corretamente, poderia servir às séries seguintes, ―como um utilíssimo memento para a rápida revisão dos pontos do programa destas séries‖. 280 Pela leitura dos conteúdos e Instruções Metodológicas de 1931, podemos perceber que existia, por parte da legislação, a preocupação com as capacidades cognitivas do aluno e com o seu engajamento no aprendizado da História. Em primeiro lugar, a disciplina, no primeiro ano, deveria ser estudada pela forma ―biográfica e episódica‖. 281 A dificuldade em tornar o ensino de História acessível aos alunos, principalmente os do primeiro ano do ginasial, que ainda eram crianças, tornava-se patente e é reconhecida nos programas que chamam a atenção para o fato de que, nas duas séries iniciais do curso, o aluno não possuía ―capacidade para entregar-se a estudos muito abstratos e sistematicos.‖ A solução encontrada pelos programas foi a de aconselhar ―particularmente na primeira série, a história biográfica e episódica, que apresentará, afim de melhor despertar o interesse, os acontecimentos da História geral ligados á vida dos grandes homens‖. Veremos mais adiante como nas biografias do livro de Delgado de Carvalho e Wanda de M. Cardoso a noção de ―grandes homens‖ presente no programa é significada. O professor, por sua vez, deveria restringir, ao mínimo possível, o uso de preleções, visando a oferecer aos alunos a oportunidade de realização de um trabalho autônomo. Os educandos deveriam, ainda, coligir, fora de aula os fatos históricos referidos no manual de história, ou, de preferência, os que se encontram em forma de fontes, isto é, em biografia, descrições de viagens, poesias, novelas, romances, documentos históricos ou trechos de grandes historiadores. 282 Para cumprir tal recomendação, o livro Historia Geral trazia Exercícios, questões dissertativas, cujo objetivo era ―obrigar os alunos a pensar um pouco sobre o 280 CARVALHO, Carlos Delgado e CARDOSO, Wanda de M. Historia Geral, op. cit. p. 5. 281 Portaria de 30/6/1931, do Ministro de Estado da Educação e Saúde Pública. IN: Diário Oficial da União, 31 de julho de 1931. p. 12408. 282 Ibidem. 92 que aprenderam e mostrar também o que sabiam acerca do ponto para serem respondidas após o estudo das leituras, biografias e mapas‖ e ―Testes‖ com exercícios de completar lacunas. Qualquer exercício pode ser satisfatoriamente respondido com dados do Sumário e das leituras, mas não é tanto uma reprodução do compendio que deve ser ai visada. Deve ser procurada uma idéia original, isto é, não de pura invenção, mas sim sugerida por uma pesquisa em outras fontes. 283 Como forma de incentivar a pesquisa em outras fontes, a obra traz, como ―maior inovação‖, a seção ―Tópicos a estudar‖. Delgado dedica parte significativa da referida ―Introdução Metodológica‖ do livro a explicar a função desses tópicos e sua utilidade para o ensino de História. Os ―tópicos‖ a serem desenvolvidos pelos alunos eram títulos simples tais como ―Religião dos Hebreus‖, ―Grandes vultos do Renascimento‖ ou ―O absolutismo em Portugal‖. Esses tópicos vinham seguidos de uma indicação bibliográfica, contendo o nome dos autores em forma abreviada (pelas suas iniciais), ou pelas iniciais do título – no caso de ser uma enciclopédia ou uma obra cuja autoria não era identificada, como as da coleção FTD – acompanhados das respectivas páginas das obras em questão. Em cada tópico era sugerida apenas a obra de um autor para consulta. Seguindo a determinação de reduzir-se ao mínimo possível ―o estudo das questões referentes ás sucessões de governos e às divergencias diplomaticas e á história militar‖, os ―Tópicos a estudar‖ de Historia Geral trazem temas relacionado a aspectos culturais, arquitetônicos, econômicos e geográficos. Além desses tópicos trazidos pelos autores, o livro apresentava alguns espaços em branco para que os alunos definissem, também, com ou sem a ajuda do professor, tópicos que julgassem relevantes. No exemplar que consultamos para essa pesquisa, as linhas pontilhadas destinadas ao estabelecimento de tópicos por parte dos alunos encontram-se em branco. Não nos foi possível examinar um exemplar que tenha pertencido a um aluno ou professor, para que tivéssemos acesso às ―marcas‖ deixadas por estes no impresso. De cada capítulo constam cerca de seis a oito tópicos (embora tal número diminua na medida em que a obra se aproxima da contemporaneidade). A princípio as 283 CARVALHO, Delgado de e CARDOSO, Wanda de M. Historia Geral. p. 6. 93 indicações bibliográficas deveriam conter apenas onze obras. Nessas indicações, presentes em cada ―ponto‖, deveriam figurar os livros abaixo listados, referenciados pelas iniciais de seu autor. Como podemos observar nas instruções abaixo: As indicações bibliográficas figuram em abreviatura nos Tópicos a Estudar e constam das seguintes obras: O. L. – Oliveira Lima – História da Civilização J. S. – Jonathas Serrano – Epitome de História Universal. G. R. – Gastão Ruch – História Geral da Civilização (3 vols.) F. T. D. – Elementos de História Universal – curso médio. S. C. – Seignobos e Cohen – Compêndio de História da Civilização J. R. – João Ribeiro – História Universal. R. B. – Raposo Botelho – História Universal J. V. José Veríssimo – História Geral da Civilização. R. A. – Roberto Accioli – Sinopse de História. A estas obras devem ser acrescentadas consultas a dicionários e enciclopédias. São recomendáveis para a Sala de Estudo: T. J. – O Tesouro da Juventude E. D. I. – Enciclopédia e Dicionário Internacional. Quanto aos Atlas, indispensáveis também, devem existir ao alcance de todos. Reprodução das indicações bibliográficas do livro História Geral: 1ª série secundária e bases para o desenvolvimento nas séries seguintes. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1935. p. 7 (Biblioteca Nacional) Os autores brasileiros eram Oliveira Lima (História da Civilização), João Ribeiro (História Universal), Jonathas Serrano (Epítome de História Universal), José Veríssimo (História Geral da Civilização), Gastão Ruch (História Geral da Civilização, 3 vols.) e Roberto Accioli (Synopse de História). Os autores estrangeiros eram Charles Seignobos, traduzido por D. A. Cohen, que assume a co-autoria do Compêndio de História da Civilização e o português Raposo Botelho, com a obra História Universal. 94 A coleção era, a já mencionada F.T.D., Elementos de História Universal, publicada em 1923 e da autoria dos Irmãos Maristas e as enciclopédias eram O Tesouro da Juventude, uma adaptação da enciclopédia estadunidense The book ok knowledge, publicada no Brasil, inicialmente na década de 1920 e reeditada em 1958 e a Enciclopédia e Dicionário Internacional, considerada a primeira enciclopédia brasileira, organizada pela A. Jackson (empresa norte-americana) e publicada entre os anos de 1914 e 1921. 284 Entretanto, ao investigar mais a fundo a seção ―Tópicos a estudar‖, presente em cada ―ponto‖, percebemos que, além das obras acima listadas, os autores indicavam outras que, a princípio, não figuravam na lista, como podemos observar por meio do fragmento reproduzido abaixo: TÓPICOS A ESTUDAR: a. Castela e Leão [R. B. pgs 219-220]. b. Fundação da Monarquia Portuguesa [J. C. M. N. pgs 163-166] c. D. Dinis e a Universidade de Lisboa [J. C. pgs 182-184]. d. Visigodos e árabes [G. R. t. II pgs 260-263] e. Reino de Aragão [O. L. pgs 277-278] f. Conquista de Lisboa [J. C. pgs. 178-181]. g. Cruzadas na Espanha [R. A. pg 101] h. .............................................................................................................. Reprodução da seção ―Tópicos a estudar‖ do ponto XI – As monarquias ibéricas da parte de parte de História Medieval do livro História Geral: 1ª série secundária e bases para o desenvolvimento nas séries seguintes. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1935. p. 60. (Biblioteca Nacional) Uma das obras mais recorrentemente citadas é a obra dos autores J. C. e M. N., que não constava da lista inicial de indicações bibliográficas. A pesquisa no banco de dados LIVRES, mostrou que os autores eram Jayme Coelho e Mário Naylor e que a obra em questão era a História episodica e biographica: para a 1ª série do ensino secundário, que foi publicada em 1932 pela editora F. Briguiet. Assim como a obra de Delgado de Carvalho e Wanda de M. Cardoso, o livro de Coelho e Naylor destinava-se 284 HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil: sua história. 2 ed. ver e ampl. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 2005. p. 367. 95 aos alunos da 1.ª série do ensino secundário, obedecendo aos programas e à seriação impostos pela Reforma de Francisco Campos. As indicações, que integram a obra Historia Geral, tinham como finalidade de proporcionar a alunos e professores a possibilidade de complementá-la, uma vez que Delgado afirma, na ―Introdução Metodológica‖, que o compêndio não se pretendia completo, nem tampouco dispensar outras fontes de informação, para que o aluno pudesse construir suas próprias interpretações. O que visamos, neste método de ensino da história, é preparar um pequeno pesquisador que, sabendo que tudo não se acha em um só livro, procura com o que conhece, metodicamente em outros livros o material para constituir a interpretação pessoal que vai dar. 285 Segundo Delgado de Carvalho, o aluno deveria ―possuir uma base, formada de dados positivos elementares, mas precisos e suficientes de historia geral para compreender uma história da civilização‖, isto é, ―uma história da sociedade e sua evolução, da economia dos povos, dos usos e costumes, das religiões, das idéias, das artes e das literaturas‖. Essa percepção talvez tenha sido o que o motivou a indicar, como fonte de consulta, obras de proveniências e orientações didáticas tão diferentes. Apesar de Delgado afirmar na sua ―Introdução Metodológica‖ que a bibliografia era forçosamente reduzida, pois constava unicamente de livros em português, que deveriam constituir uma ―biblioteca mínima‖ de História Geral na sala de estudo das escolas, pudemos notar que o livro Historia da Civilização, de Joaquim Silva, não constava dela, apesar de fazer parte do catálogo da Companhia Editora Nacional, desde o ano de 1932, quando era anunciado como a melhor obra do gênero pela editora. 286 Talvez, o livro de Joaquim Silva não esteja referenciado justamente por esse motivo, uma vez que, nos anos 1930, a Livraria Francisco Alves viera perdendo espaço no mercado para a Companhia Editora Nacional, que se tornara sua maior rival na produção de livros escolares.287 285 CARVALHO, Delgado de e CARDOSO, Wanda de M. Historia Geral, op. cit, p. 7. 286 PINTO JUNIOR, Arnaldo. A (re)construção de memórias nacionais através dos livros escolares: contribuições do professor autor Joaquim Silva na coleção didática História do Brasil. In: História e ética: Simpósios Temáticos e Resumos do XXV Simpósio Nacional de História, Fortaleza, 2009. 287 HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil: sua história. 2 ed. ver e ampl. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 2005. p. 295. 96 Diferentemente dos livros de Jayme Coelho e Mario Naylor e Joaquim Silva que reproduziam nos títulos dos capítulos de suas obras os pontos do programa de História da Civilização para a primeira série do curso secundário, o livro de Delgado de Carvalho e Wanda de M. Cardoso trazia títulos originais, ainda que baseados no programa. Delgado afirma na ―Introdução‖ que tal disposição fora proposital. Sua intenção era fornecer o mínimo de informação necessária ao aluno, de forma a ―apresentar em suas linhas muito gerais o assunto, de acordo com a ordem do programa‖, pois essa era a orientação para a primeira série do curso secundário. (Ver Anexo 1) Não sabemos se a originalidade no título dos capítulos auxiliou ou prejudicou a aceitação da obra entre os professores e diretores de escolas secundárias. Segundo Guy de Hollanda, a dificuldade de aceitação do compêndio, não somente por parte dos professores, mas também das escolas, pode ser justificada pela incapacidade das instituições ―de proporcionarem aos discentes algo mais que aulas, por professores, quase sempre mal preparados e pagos‖. 288 A utilização da obra Historia Geral pressupunha, além de habilidade do professor para conduzir uma aula na qual a memorização não fosse o foco principal, a existência de uma Sala de estudo na qual fosse garantido o acesso às obras referenciadas nos ―Tópicos a estudar‖ e aos outros materiais de estudo recomendados nas ―Instruções Metodológicas‖ dos programas da Reforma Campos. Segundo Hollanda a existência de tais espaços costumava ser ―um mito‖. Ao comparar as políticas públicas para a difusão da leitura na Argentina e no Brasil, Gabriela Pellegrino Soares (2002) constata que, em nosso país, essas políticas foram mais restritas ao longo da primeira metade do século XX, que no país vizinho, mesmo após a intervenção, realizada nesse campo pelo Estado, após a implantação do 289 governo de Getúlio Vargas, em 1930. A autora empreende uma exaustiva pesquisa em diferentes tipos de fontes, tais como catálogos de bibliotecas, livros e revistas, exemplares de obras nacionais e estrangeiras que circularam no período enfocado pelo 288 HOLLANDA, Guy de. Um Quarto de Século de Programas e Compêndios de História para o Ensino Secundário Brasileiro, op. cit. p. 142. 289 SOARES, Gabriela Pellegrino. A semear horizontes: leituras literárias na formação da infância, Argentina e Brasil (1915-1954). Tese (Doutorado em História Social). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2006. p. 47. 97 estudo e, ainda assim, aponta a impossibilidade da localização de dados precisos ou mesmo aproximados sobre o número de bibliotecas escolares existentes no Brasil até a década de 1930. Pellegrino ressalta que Fernando de Azevedo, como Diretor Geral da Diretoria Geral de Instrução, baixou, em 1928, no Distrito Federal, um Regulamento de Ensino (decreto 2.940) deliberando sobre as instituições educacionais auxiliares. O decreto determinava que cada escola deveria manter duas bibliotecas: uma para os alunos e uma para os professores. Os acervos dessas bibliotecas deveriam ser inventariados e, trimestralmente, deveria ser feito um balanço dos livros mais procurados.290 Levando em conta tanto a dificuldade da autora em encontrar tais dados, quanto a avaliação pessimista de Hollanda, ao que tudo indica, o decreto não foi cumprido com o devido rigor. De acordo com as observações das ―Instruções Metodológicas‖ dos programas de 1931, que recomendavam que o professor estimulasse nos alunos ―os dons de observação‖ e o ―poder crítico‖, o livro Historia Geral recomendava a utilização dos ―Tópicos a estudar‖ como ―assuntos de dissertação histórica escrita‖ ou ―assuntos de debates orais, por parte dos grupos de discussão, na aula ou fóra dela‖. A primeira forma, segundo o autor, era de uso muito disseminado entre os mestres franceses. Os conselhos de redação histórica dados por esses mestres eram, na concepção do autor, uma das mais valiosas formas de ensino da escola secundária daquele país e, por meio delas: se mantem na sua integral beleza aquele espírito francês, universalmente apreciado, feito de clareza, de concisão e de vigor intelectual que guia o pensamento neutralizando as digressões que o enfraquecem para dar à frase a força, a beleza e a precisão e dela fazer o veículo mais perfeito da ciência humana. 291 Entretanto, era necessário tomar cuidado para que os alunos não recorressem a subterfúgios, como a cópia de trechos, ou mesmo de capítulos inteiros. Assim, o autor descreve cada passo da realização do trabalho em grupos, na sala de aula ou fora dela. Encontramos relatos pessimistas acerca da utilização desse recurso, como o de Cesarino Júnior, autor de livro didático para o ensino de História da Civilização para o primeiro 290 SOARES, Gabriela Pellegrino. A semear horizontes, op. cit. p. 50 (Nota 92) 291 CARVALHO, Delgado de e CARDOSO, Wanda de M. Historia Geral, op. cit, p. 6. 98 ano do curso secundário292, publicado em 1935, para quem a dissertação era o maior dos males do ensino em vigor, uma vez que, quase sempre resultavam na ―decoração‖ ou em ―literalice barata‖.293 Por meio desse recurso, Delgado de Carvalho buscava justamente modificar as práticas do aprendizado por ―simples decoração‖ como era comum até então. O autor tentava levar para o curso secundário práticas escolares de leitura experimentadas no Instituto de Educação, onde também atuava. Não à toa, Delgado de Carvalho foi apontado nas entrevistas realizadas por Vidal com ex-alunas do Instituto de Educação, como o professor que mais incentivava a análise textual. 294 Delgado, bem como os outros professores do Instituto de Educação, estava preocupado com a normatização das práticas de leitura e com a instituição do hábito da crítica dos textos entre os alunos do secundário, uma vez que a leitura acrítica não favorecia a reflexão. Essa preocupação se expressa não somente na ―Introdução Metodológica‖ de sua obra didática, mas também em publicações como ―A dissertação em aula: instruções para o preparo de dissertações, sobre trechos previamente escolhidos‖, artigo publicado nos Arquivos do Instituto de Educação. 295 O recurso à produção escrita na forma de dissertação e ao trabalho em grupo foram os meios que Delgado de Carvalho encontrou para renovar o ensino de História, que, nas palavras de Lourenço Filho (1935), era a matéria que apresentava ―maiores dificuldades à renovação escolar‖, pois não havia consenso sobre sua definição e seus objetivos no ensino e ainda não havia ―como realizar ensino ativo sobre coisas do passado‖. 296 Assim, por meio da combinação da síntese inicial, dos ―Tópicos a estudar‖, que forneceriam assuntos para a realização de dissertações e trabalhos em grupo, de uma biografia e da documentação gráfica, todos presentes em cada um desses pontos, o livro 292 Em coautoria com Alcindo Muniz de Souza. História da Civilização: 1º anno. 2.ed. São Paulo: Saraiva; Livraria Academica, 1936. 293 FREITAS, Itamar. A pedagogia histórica de Jonathas Serrano, op. cit, p. 269. 294 VIDAL, Diana Gonçalves. O exercício disciplinado do olhar, op. cit. p. 232. 295 Arquivos do Instituto de Educação, Distrito Federal (1): 105-108, jun/1934. Apud VIDAL, Diana. O exercício disciplinado do olhar, op. cit. p. 230. 296 FILHO, Lourenço. O ensino renovado e a História. In: SERRANO, Jonathas. Como se ensina história. São Paulo: Melhoramentos, 1935. p. 7-12. Apud FREITAS, Itamar. História e Escola Nova: as inovações do professor Cesarino Júnior para o ensino secundário em São Paulo (1928/1936). Revista de Educação Pública. Cuiabá v. 16 n. 30 p. 163-176 jan.-abr. 2007. p. 166 99 Historia Geral tentou incorporar a recomendação de realização de uma História que fosse ao mesmo tempo, ―biográfica e episódica‖ e, por esse motivo, sintética e autônoma. Buscava-se oferecer ensejo para um trabalho ativo por parte do aluno, orientado pelo professor. A biografia, segundo a ―Introdução Metodológica‖ da obra, está presente em cada ―ponto‖ por dois motivos: ―tornar acessível às crianças os fatos de uma época‖ e ―interessar o aluno e fazê-lo penetrar um pouco na intimidade de um personagem representativo‖. Era, também, segundo Delgado, um meio de completar o texto por meio da oferta de outros materiais para o ensino.297 Delgado de Carvalho afirma que o ensino de História, nos primeiros anos, pela biografia de seus heróis, tal como era feito na Inglaterra, era ―bom incontestavelmente‖, uma vez que concretizava os fatos ao redor de um personagem. No entanto, havia, segundo ele, algumas dificuldades, tais como o risco do interesse do estudo se desviar da época para o personagem. A preocupação de Delgado de Carvalho encontra justificação se levarmos em consideração os ―usos‖ a que as biografias se prestaram no contexto brasileiro. Sobre tal problema, o autor adverte: E‘ bom não esquecer que o heróe escolhido foi tomado apenas como personagem representativo, isto é, como expoente de seu tempo. E‘ a sua vida apenas um pretexto para conhecer com mais vantagem um meio social do passado em que viveu. E‘ pois essencial não isolal-o, mas mostrar as suas ligações com os acontecimentos, as suas reacções e suas participações. 298 Rebeca Gontijo (2006) aponta a existência de uma ―tradição biográfica‖ no Brasil, que tinha como finalidade ―humanizar a história‖ e assim transmitir valores de 299 uma ―pedagogia cívica‖ por meio do exemplo de vida dos biografados. Nesse sentido, IHGB, partindo da ideia de que uma das tarefas primordiais da história era salvar do esquecimento os nomes e feitos dos grandes homens, já no terceiro número de sua revista, publicado em 1839, cria a seção intitulada ―Brasileiros Ilustres pelas Ciências, Lettras, Armas e Virtudes, etc‖. 297 CARVALHO, Delgado de e CARDOSO, Wanda de M. Historia Geral, op. cit, p. 7. 298 CARVALHO, Delgado de. Sociologia e Educação, op. cit. p. 104. 299 GONTIJO, Rebeca. O velho vaqueano: Capistrano de Abreu, da historiografia ao historiador‖. Tese (Doutorado em História). Departamento de História da UFF, Niterói, 2006. p. 115. 100 Podemos perceber os vínculos existentes entre a delimitação de um saber erudito e o valor pedagógico da História. Na medida em que cumpria a função de salvar do esquecimento e da ingratidão de seus contemporâneos os grandes homens, a biografia também reconstituía o passado e difundia exemplos de vida. Os personagens 300 biografados simbolizavam e resumiam sua época. Assim, os usos do gênero biográfico pelos sócios do IHGB, nos primeiros anos de sua existência, foram acompanhados pela afirmação de uma função pedagógica para a escrita da história. 301 O período da Primeira República foi pródigo na produção de uma ―memória histórica‖ veiculada no interior das instituições escolares (e não somente nelas) por 302 meio de festas comemorativas e homenagens aos chamados ―heróis nacionais‖. Dessa forma, o período nos apresenta possibilidades pertinentes para pensar o uso do ―método biográfico‖ no ensino de História. A produção da época, apesar de apenas recentemente constituir uma preocupação para os estudos historiográficos, mostra-se, segundo Ângela de Castro Gomes, decisiva para a historiografia nacional. Nesse período, o passado brasileiro foi edificado por um diversificado e amplo grupo de intelectuais.303 A República tinha necessidade de produzir um discurso cívico-político carregados de valores e símbolos, no interior do qual a História, a Geografia e a língua pátrias se mostravam fundamentais. Alguns desses renomados intelectuais se aventuraram na redação de livros escolares. Dentre essas obras, estão aquelas que buscavam, por meio das biografias de grandes homens, levar às crianças ensinamentos cívico-patrióticos. Como exemplo, temos o livro de Sílvio Romero, publicada em 1890, A História do Brasil ensinada pela biografia de seus heróis. A obra de Delgado de Carvalho e Wanda de M. Cardoso buscava, por meio do recurso às biografias, tornar o estudo da História mais concreto e mais interessante para alunos recém-saídos do ensino primário, que até ali só haviam tido acesso ao ensino de 300 ENDERS, Armelle. O Plutarco Brasileiro. Produção dos Vultos Nacionais no Segundo Reinado. Revista Estudos Históricos, Rio de janeiro, 14, jul. 2000. Disponível em: http://virtualbib.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2114. Acesso em: 20 nov 2010. p. 47. 301 OLIVEIRA, Maria da Glória. Escrever vidas, narrar a História. A biografia como problema historiográfico no Brasil oitocentista. Tese (Doutorado em História Social). Rio de Janeiro: Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, 2009. p. 30. 302 BITTENCOURT, Circe. Pátria, civilização e trabalho. op. cit., p. 163. 303 GOMES, Ângela de Castro. A República, a História e o IHGB. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2009. p. 89. 101 história pátria. Para Delgado de Carvalho, as biografias podiam prestar-se a finalidades cívicas, porém, ao serem apresentadas aos alunos, dever-se-ia enfatizar a época e não sobre o personagem estudado. As biografias poderiam servir ―de pontos de referência para as diferentes epocas de nossa historia‖ e, para que isso fosse possível, era importante atentar para a seleção dos biografados, buscando ―não imputar ao heróe actos que não praticou.‖ 304 A biografia aparecia para o autor como um recurso possível para se estudar a história de uma época e não se esgotava em si mesma. Por esse motivo, na obra Historia Geral, ela ocupa um espaço próprio, separada dos textos da ―Exposição Sumária‖. Parte significativa das biografias traz o ano de nascimento e falecimento dos biografados, como forma de situar o ator em seu tempo, uma vez que sua existência não se limitava, apenas, na participação em determinados eventos. O biografado é um homem de sua época, portanto, digno de figurar no ―panteão‖ por sua importância para a compreensão de determinado período histórico e não por suas virtudes, somente. O objetivo, a princípio, não era promover a exaltação desta ou daquela figura. A concepção de biografia aqui empregada dizia respeito à noção de ―grande homem‖ que, diferentemente dos heróis, seriam indivíduos ―laicizados, humanizados, civilizados‖, capazes de representar uma coletividade305 e, ainda assim, inseridos e encerrados em seu tempo e circunstâncias. É o caso de Turgot, ―grande ministro de Luiz XVI‖ que, não fossem suas circunstâncias, ―poderia ter encaminhado pacificamente a revolução francesa‖ com suas reformas liberais. 306 Ao todo, o livro traz 61 biografias (uma por ponto ou capítulo). Analisamos aqui as marcas do fazer biográfico dos autores, levando em conta a função desempenhada por essas biografias no interior do projeto do livro História Geral, buscando perceber que personagem histórico era considerado ―digno‖ de ser biografado, o que se enfatiza nessas pequenas biografias e de que modo elas dialogam com outras seções do mesmo capítulo. Desse modo, objetivamos chegar à compreensão de como, ao narrar características e ações dos seus personagens, os autores relacionam biografia e história, almejando alcançar uma finalidade pedagógica diversa da que apregoava a imitação de 304 CARVALHO, Delgado. Sociologia e Educação, op. cit. p. 104-105. 305 OLIVEIRA, Maria da Glória. Escrever vidas, narrar a história, op. cit. p. 13 e ENDERS, Armelle. ―O Plutarco Brasileiro‖, op. cit. p. 43. 306 CARVALHO, Delgado de e CARDOSO, Wanda de M. Historia Geral, op. cit. p. 101. 102 virtudes atribuídas ao ―personagem‖, uma vez que concebiam como personagens não apenas figuras virtuosas, mas também detentoras de ambições e defeitos. Os biografados (no masculino, pois no conjunto existem apenas duas mulheres) em sua maioria, são reis, imperadores, chefes de estado, chefes militares e ministros (40). Entretanto, também figuram legisladores (2), diplomatas (2), filósofos e literatos (5), papas (2), um viajante, um navegador, um apóstolo e um santo da Igreja Católica. Essas biografias são dispostas em um pequeno espaço vertical na página de mapas e ilustrações e têm entre 20 e 40 linhas cada. Por meio da confrontação dos pontos do programa de História da Civilização para o primeiro ano do curso secundário com os títulos dos capítulos da obra Historia Geral e suas biografias correspondentes, percebemos que a biografia, trazida pela obra, nem sempre estava de acordo com as biografias sugeridas pelo programa. É o caso, por exemplo, do ponto ―A unidade imperial do Ocidente: Carlos Magno”, cujo capítulo correspondente em Historia Geral é o quarto, da parte de História Medieval ―O Ocidente e Carlos Magno‖. Embora pareça óbvio que a biografia mais relevante para a compreensão do ponto seja justamente a de Carlos Magno, a obra traz, como personagem, ALCUINO, teólogo e filósofo, que viveu entre os anos de 735 e 804 e ―escreveu diversas obras poéticas, teológicas, filosóficas e educativas, e correspondeu- se assiduamente com todos os grandes personagens de seu tempo‖. 307 (Ver Anexo 1) No capítulo intitulado ―Filipe II da Espanha‖, sexto, da parte de História Moderna, figura como biografado ―Guilherme, o taciturno‖, príncipe de Orange e impulsionador da independência dos Países Baixos, embora, em sua biografia seja lembrado por se ter declarado protestante e sacrificado ―a sua causa sua tranquilidade, fortuna e vida‖, chegando a pagar com a vida o preço de sua dedicação. 308 Acreditamos que os textos foram produzidos pelos próprios autores da obra que, provavelmente, basearam-se em referências que privilegiam a existência de um parâmetro constituído a partir do que se apresentava como a uma referência de civilização existente na época enfocada. Como exemplo, podemos perceber que, para os capítulos da parte de História Antiga, a referência é a Grécia. Assim, Ramses II, faraó egípcio, é colocado como sendo, ―na tradição memfita, o Sesostris dos autores gregos‖ e 307 CARVALHO, Delgado de e CARDOSO, Wanda de M. Historia Geral, op. cit., p. 47. 308 Ibidem, p. 81. 103 Açoca, terceiro imperador da dinastia hindu Mauria, ―a quem os anais budistas se referem frequentemente‖, não é sequer mencionado pelos gregos. 309 A referência a Ciro, fundador do império persa, no século IV a.C., é de Heródoto e o capítulo XIII, que trata do Império Romano, traz, em sua seção Exercícios, a seguinte questão: ―Embora vencidos os gregos pelos romanos, podemos considerar a civilização grega vencida?‖ No capítulo II, da parte referente à História Medieval, Alarico, líder germânico é apresentado como ―chefe bárbaro‖, que, juntamente com outros, como ―aves de rapina, 310 investiam contra o colosso moribundo‖. O colosso romano ruíra, não somente por motivos econômicos e políticos, mas também porque era, segundo H. G. Wells na leitura escolhida para compor o capítulo, ―uma organização muito primitiva‖, uma vez que ―não educava, não se explicava a multidão de seus impérios‖. Wells, traduzido por Carvalho e Cardoso, ressalta que ―estados e organizações sociais são ―creações da 311 cooperação e da vontade‖. Assim, embora Alarico tenha desencadeado a queda do Inpério, tendo protagonizado a primeira invasão bárbara ao território romano, as condições já estavam postas. Algumas ―civilizações‖ ganham importância na medida em que se mostram capazes de influenciar a civilização européia, como é o caso da muçulmana. Em contato com gregos, sírios e persas, os árabes teriam se civilizado, aprendido ―indústrias‖, como a do açúcar, do papel e do algodão e progredido nas ciências, medicina, astronomia e química. Puderam, por isso, influenciar a Europa. A biografia do capítulo é a de Harun- Al-Rashid, ―figura legendaria do Oriente‖, que ―concentrava na sua pessoa todo o fausto do oriente, em rivalidade com os imperadores de Bizancio‖, embora tenha estabelecido ―relações amistosas‖ com Carlos Magno, seu contemporâneo. Apesar de o ponto correspondente ao programa ser ―O islamismo‖, os autores preferem considerar não somente o aspecto religioso, mas a civilização na qual a religião pôde emergir, intitulando o capítulo de ―Os árabes‖. A maior parte das biografias é composta por figuras cujas ações, sobretudo no que dizem respeito à vida política dos povos, civilizações e nações, são ressaltadas, as como louváveis, nos capítulos dedicados à História Antiga e Medieval, também fazem 309 CARVALHO, Delgado de e CARDOSO, Wanda de M. Historia Geral, op. cit., p. 11. 310 Ibidem, p. 41. 311 O FIM DO IMPERIO DO OCIDENTE. W.G. Wells. A Short History of the World. In: CARVALHO, Delgado de e CARDOSO, Wanda de M. Historia Geral, op. cit. p. 41. 104 menção a personagens cujas atitudes são consideradas indecorosas, como Irene, imperatriz bizantina, que apresentava uma ambição de poder, considerada ―desmedida‖, ou Ivan, o terrível, que se celebrizou ―principalmente pelas crueldades de que foram vítimas os seus súditos e a sua própria família‖.312 Assim, Delgado buscou ser coerente com o propósito de atribuir aos seus ―grandes homens‖ somente ações que eles efetivamente houvessem praticado. SALOMÃO, rei dos israelitas, era filho de Davi e de Balsabé. Matou seu irmão Adonias e seu cumplice Joab, general de Davi, por terem conspirado contra êle. Seu imperio estendia-se da fronteira egípcia e do Mar Vermelho do Eufrates. Foi um organizador militar, introduziu no seu exército o uso dos carros de guerra, melhorou a cavalaria e construiu numerosas fortalezas. Os seus navios mercantes, construídos e tripulados por fenícios, partiam do porto de Eziongaber e mantinham relações com o Extremo Oriente (Ofir), resultando dai ativo comércio. Sua obra mais conhecida, porém, foi a construção do templo de Jerusalém. Era um espírito de grande cultura, artista, músico e poeta. A ele deve a Bíblia o Eclesiasta, os Proverbios e o Cantico dos Canticos. Sua fama era grande no seu tempo e chamou a atenção da Rainha de Sabá, que foi visita-lo em Jerusalém. No fim de seu reinado, o luxo oriental e os abusos inclinaram-no à idolatria. Os impostos multiplicados já preparavam, então o descontentamento que determinou o cisma das dez tribos [975 A. C.]. Reprodução da Seção ―Biografia‖ do capítulo III – Os Hebreus da parte de História Antiga do livro História Geral: 1ª série secundária e bases para o desenvolvimento nas séries seguintes. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1935. p. 14. (Biblioteca Nacional) Se as escolhas dos feitos dos personagens contemplam ações relacionadas à vida política desses homens e mulheres, que, como exposto, são, em sua maioria, monarcas ou estadistas, o autor procura ressaltar empreendimentos e características tidos como ―pacíficos‖ desses personagens, como suas obras arquitetônicas ou literárias, as legislações criadas em seus governos e os esforços em prol da paz. Podemos observar tal tendência na biografia acima, que expõe aspectos da vida de Salomão. A construção 312 CARVALHO, Delgado de e CARDOSO, Wanda de M. Historia Geral, op. cit., p. 43 e 63. 105 do Templo de Jerusalém é ressaltada como sua obra mais conhecida e sua grande cultura é referendada por meio de suas habilidades de músico e poeta. Da mesma forma, na biografia do capítulo II (Os assírios), da parte referente à História Antiga, Nabucodonosor II, rei assírio, é exaltado por sua grandiosa ―obra pacífica‖, isto é, a edificação de templos, elevação de muralhas de fortificação e construção de canais. A ênfase em tais aspectos, bem como a escolha de personagens outros que não os mais óbvios, para compor a lista de biografias da obra, pode expressar uma tentativa de afastamento dos aspectos políticos e militares e de incorporação de temáticas ligadas à história da civilização defendida por Delgado de Carvalho. Uma vez que não seria possível a total omissão de monarcas e estadistas, que durante muito tempo ainda, vigorariam como referências das quais o ensino de História não conseguiria se desvencilhar, buscava-se ressaltar aspectos outros, ligados às suas existências, visando a alcançar uma concepção universalista da História, na medida em que os autores de História Geral privilegiavam o legado de tais atores para a história da civilização. Na parte de História Contemporânea, a ênfase de algumas das biografias recai sobre as ações de personagens que conduziram negociações entre Estados de maneira pacífica, ou tomaram alguma atitude em prol da paz. Assim, são exemplos de biografias, a de Gustavo Streseman, que negociou em 1926, o pacto de Locarno, garantindo a entrada da Alemanha na Liga das Nações‖ e Georges Clemenceau, estadista, jornalista e médico francês que, mesmo demonstrando um ―intenso patriotismo‖, ―insuflou aos Aliados a coragem de levar a guerra até uma paz vitoriosa‖. 313 Por meio das biografias, o livro Historia Geral buscava apresentar imagens dos biografados e da sociedade em que viveram que se apresentassem mais de acordo com o modo como aqueles que conceberam o livro gostariam que fosse, do que realmente como eram. Assim, questões ligadas à valorização de aspectos relacionados à cultura, à educação, ao que Delgado de Carvalho denominava ―civilização‖, se fazem presentes em boa parte dessas biografias. 313 CARVALHO, Delgado de e CARDOSO, Wanda de M. Historia Geral, op. cit. p. 113 e 131. 106 Apesar de não existir nenhuma menção que estabeleça uma relação direta entre o texto da ―Exposição Sumária‖ de cada capítulo e a biografia escolhida, geralmente, o personagem biografado vem citado no texto da ―Exposição‖. As biografias, em geral, são acompanhadas por exercícios. Seguindo as recomendações de intelectuais sobre a utilidade das imagens na formação dos espíritos infantis, as ―Instruções Metodológicas‖ dos programas de ensino de 1931 recomendavam ―especial cuidado‖ com a iconografia ―atendendo-se á curiosidade natural dos alunos pelas imagens‖. Tais ―Instruções‖ advertem, também, para o emprego dos mapas ―cuja leitura se aprenderá nas aulas de História com diligência não muito distante da que é própria do ensino de geografia‖. 314 No livro Historia Geral, tais recomendações são seguidas à risca. Conforme já foi apontado, a obra oferece acurada apresentação, permitindo boa visualização dos mapas e imagens. Cabe-nos destacar, entre os elementos visuais presentes na obra, a relevância dos ―Mapas Históricos‖, contidos em cada capítulo, para a concepção do livro. Nas palavras do autor, o mapa ―foi talvez a preocupação principal na organização deste compendio.‖ Delgado, na Introdução Metodológica, dava ênfase à importância na consulta de mapas, uma vez que ―todo conhecimento histórico, embora circunstanciado e localizado no tempo, perde[ria] mais da metade do seu valor real se não é [fosse] 315 localizado no espaço‖. Nesse sentido, os autores buscam na ―Exposição sumária‖ que inicia cada ponto fornecer as indicações geográficas necessárias para a localização dos eventos, ou da ―civilização‖ estudada no espaço. Delgado defendia a articulação da História com a Geografia, que considerava ser ―base de todo o conhecimento histórico‖, pois estabeleceria uma relação espacial do fato com a relação cronológica, de forma a compor o ―dado histórico‖, ou ―acontecimento completo‖.316 Por isso, os mapas, em todos os capítulos, são contemplados por questões presentes nos ―Exercícios‖. As questões dão margem para a interpretação dos mapas como objetos de leitura e não apenas como ilustrações do elemento textual. 314 Portaria de 30/6/1931, do Ministro de Estado da Educação e Saúde Pública. IN: Diário Oficial da União, 31 de julho de 1931. 315 CARVALHO, Delgado de e CARDOSO, Wanda de M. Historia Geral, op. cit. p. 7 316 CARVALHO, Sociologia e Educação, op. cit., p. 115. 107 Delgado de Carvalho, em sua Introdução Metodológica, faz uma crítica aos compêndios de História e Geografia que se diziam ―modernos‖ e que, ―para fazer jus a êste modernismo, acumula[va]m, um pouco ao acaso, gravuras, fotografias e desenhos de todo o gênero‖. O autor afirma que, em seu livro, o conteúdo gráfico buscava ser um ―complemento vivo do texto‖. Apesar de o autor defender que as imagens ―deve[ria]m ser um ponto de estudo, 317 de observação e constituir frequentemente objeto de discussão,‖ Hollanda constata um problema na disposição destas imagens, que nem sempre vinham acompanhadas de indicações suficientes, constando, na maior parte das vezes, apenas como meras ilustrações.318 Em geral, são gravuras (raramente fotografias) reproduzindo obras conhecidas, quase nunca referenciadas quanto a seus autores ou lugares de guarda. Entre as imagens encontramos, muitas vezes, retratos acompanhados de legenda, contendo biografias muito sumárias de personagens relevantes para o entendimento do ponto. Diferentemente das biografias e mapas, as imagens, são objetos de exercícios em apenas dois capítulos, na parte de História Antiga (III – Os Hebreus e V – Os medas e os persas). Apesar dessa constatação, as imagens não possuem, em História Geral, uma função apenas ilustrativa, como enuncia Hollanda. Elas cumprem também, o papel de reforçar o que é expresso no texto. Exemplo disso é a imagem abaixo, que figura no capítulo I da parte de História Medieval, ―As invasões bárbaras‖, na qual os normandos, representando todos os povos bárbaros, são caracterizados como piratas e mostrados em um ataque, seminus e com feições medonhas remetendo, à falta de civilidade a eles atribuída. 317 CARVALHO, Delgado de e CARDOSO, Wanda de M. História Geral, op. cit. p. 6. 318 HOLLANDA, Guy de. Um Quarto de Século de Programas e Compêndios de História para o Ensino Secundário Brasileiro, op. cit, p. 144. 108 Figura 9 - Imagem do capítulo I – As invasões bárbaras da parte de História Medieval do livro História Geral: 1ª série secundária e bases para o desenvolvimento nas séries seguintes. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1935. p. 14. (Biblioteca Nacional) As imagens dialogavam com o texto, uma vez que constituíam uma forma de concretizar, para os alunos, episódios, monumentos arquitetônicos, ou de mostrar, aos usuários do livro, características de civilizações distantes deles no tempo e/ou espaço, 109 como vestimentas, utensílios, objetos de culto, profissões, etc. Elas estão presentes, também, como forma de materializar episódios, como a noite de São Bartolomeu, a Tomada da Bastilha ou batalhas célebres. Em fatos como esses, o texto, como único recurso, não seria capaz de revela-los em sua inteira expressão. Traduziam-se, ainda, as imagens, em retratos de personagens que, embora importantes, não encontraram lugar na seção de biografias. Talvez para dar-lhes um local adequado, as seções de imagens de alguns capítulos, representam o papel de verdadeiras galerias, como o terceiro da parte de História Moderna, dedicado ao Renascimento, ou o sétimo da parte de História Contemporânea, dedicado à Rússia Absolutista. 3.3 Da História Universal à História da Civilização: o livro Historia Geral e seus predecessores Embora não tenhamos ao longo de nossa pesquisa encontrado nenhuma referência (nem no fundo Delgado de Carvalho, depositado no IHGB, nem na documentação conservada por sua família) aos livros possivelmente existentes em sua biblioteca pessoal nos anos 1930, é possível conhecer as referências consultadas pelos autores na confecção do livro Historia Geral, pois estas estão presentes no rodapé das leituras e nas indicações dos ―Tópicos a estudar‖. Por meio delas, podemos nos questionar sobre o modo como os autores se apropriavam dessas obras, entendendo apropriação nos termos de Roger Chartier como ―interpretações remetidas para as suas determinações fundamentais (que são sociais, 319 institucionais, culturais) e inscritas nas práticas específicas que as produzem‖. Assim, buscamos entender como essas referências e as leituras que os autores fizeram delas contribuem para a construção de sentido no interior da própria obra História Geral. A diferença entre as obras referenciadas nas leituras e daquelas indicadas para pesquisa, na seção ―Tópicos a estudar‖, é que as primeiras caracterizam-se por serem obras estrangeiras que encontram espaço, em Historia Geral, para seus trechos, geralmente traduzidos ou adaptados, como Delgado explica em sua ―Introdução 319 CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Trad. Maria Manuela Galhardo. 2ed. Difel, 2002. 110 Metodológica‖. Por outro lado, as obras indicadas para pesquisa, referenciadas pelas iniciais dos autores e respectivas páginas, conforme já mencionado, constituíam-se de obras publicadas e disponíveis no Brasil, ainda que traduzidas, como é o caso das enciclopédias e do livro ―História da Civilização‖, de Seignobos, traduzida por Cohen. Em relação às leituras, as referências são provenientes de obras europeias, em sua maioria em língua francesa (57 fragmentos), seguida pelas línguas inglesa (42 fragmentos), portuguesa (9 fragmentos), alemã (4 fragmentos) e italiana (2 fragmentos). A História da Civilização, a ser construída pelo trabalho de alunos e professores, tinha como cenário quatro dos cinco continentes. Todavia, esses quatro continentes têm pesos bem diferentes na ―marcha da civilização‖. A Europa é dominante com 72% das referências nos títulos dos capítulos, seguida pela Ásia, com 23%, pela África, com apenas 3% das referências e pela América, com apenas 1,5 %. Podemos, assim, perceber que a obra em questão incorpora o eurocentrismo presente nos manuais franceses, mas não exclusivamente nestes. Podemos perceber, mais uma vez, que, como na preferência revelada na escolha dos títulos das leituras e das metodologias recomendadas para utilização em sala de aula, a referência de Delgado de Carvalho na construção de seus livros didáticos é o modelo francês de ensino, no qual havia se formado. A maior parte das leituras é proveniente de livros didáticos franceses. Possivelmente, a seleção dos trechos a serem traduzidos foi feita pelos autores nos livros da biblioteca pessoal de Delgado. O autor afirmou, em um de seus escritos, que seu interesse pela história era, em parte, proveniente de seu contato com a biblioteca de seu pai. Uma primeira hipótese é a de que a maior parte dos livros utilizados por ele pudesse fazer parte dessa biblioteca, uma vez que, quando da morte de seu pai, em 1914, Delgado viajou para a Europa com toda a sua família para o enterro, podendo ter ―herdado‖, ao menos em parte essa biblioteca. No entanto, não podemos confirmar tal suposição, pois, como dito anteriormente, não possuímos nenhuma lista da biblioteca pessoal do autor e uma pesquisa nos catálogos das bibliotecas nacionais da França, Inglaterra e Portugal320 mostrou que entre os livros que puderam ser identificados, 320 As buscas foram realizadas nos seguintes catálogos: http://catalogue.bnf.fr/jsp/recherchemots_simple.jsp?nouvelleRecherche=O&nouveaute=O&host=catalog ue (Acesso em 20 nov 2010) http://catalogue.bl.uk/F/?func=file&file_name=login-bl-list (Acesso em 26 111 existiam tanto obras das décadas de 1880 e 1890 e 1900, mais antigas, portanto, quanto obras publicadas na década de 1920 e 1930, muito recentes quando à época da publicação de Historia Geral. Gráfico 1 – Referências das leituras da obra Historia Geral por década de publicação segundo a data dos exemplares pesquisados nas bibliotecas nacionais da França, Inglaterra e Portugal. Percebemos, assim, que suas referências, em sua maior parte, eram de livros recentes, datados das décadas de 1900 a 1930. A presença dessas referências buscava trazer para os professores o que havia de mais moderno em termos de produção didática estrangeira. Parte-se da consideração, portanto, de que se não fossem as leituras traduzidas de obras estrangeiras, presentes nos compêndios nacionais, os professores não teriam acesso a tais obras. Em relação às referências que acompanham os ―Tópicos a estudar‖, tivemos uma surpresa. Acreditávamos que seguindo a tendência verificada nas referências das leituras, o livro mais referenciado seria a tradução do livro francês de Seignobos ―História da Civilização‖. Entretanto essa tendência não se verificou. nov 2010) e http://catalogo.bnportugal.pt/ (Acesso em 26 nov 2010). Em geral, foram privilegiadas para coleta de dados as datas das edições mais antigas que constam no catálogo das bibliotecas consultadas. 112 Quadro 1 - ―Tópicos a Estudar‖ do livro Historia Geral: 1ª série secundária e bases para o desenvolvimento nas séries seguintes (1935) História História História História Total Antiga Medieval Moderna Contemporânea Raposo 5 13 16 14 48 Botelho Gastão Ruch 16 14 0 1 31 FTD 8 10 11 13 42 João Ribeiro 2 0 0 0 2 José 2 0 0 0 2 Veríssimo Jonathas 11 6 22 7 46 Serrano Oliveira Lima 12 11 11 11 45 Roberto 12 12 0 1 25 Aciolli Tesouro da 1 0 0 0 1 Juventude J. Coelho e 10 9 11 3 33 M. Naylor Seignobos e 5 5 3 2 15 Cohen J.C. 4 7 2 0 13 E. e C.321 1 - - - 1 S. e D. 1 - - - 1 B.B. - - 1 - 1 G.B. - - 1 - 1 R. e C. - 1 - - 1 Total 90 88 78 54 310 Pela observação do quadro, podemos constatar que o número de referências diminui à medida que a obra se aproxima da época contemporânea. Acreditamos que isso ocorreu porque os assuntos escasseavam nos livros, quanto mais eles se aproximavam da época em que se estava vivendo. Guy de Hollanda afirma que tal tendência era recorrente nos manuais de ensino de História no período em questão. Os dados em relação aos autores apontaram que a obra do português Raposo Botelho (48 referências) foi a mais recorrentemente citada, seguida pelas obras de Jonathas Serrano (46 referências), de Oliveira Lima (45 referências), do livro da coleção 321 Supomos que as referências E. e C., S. e D., B.B., G.B. e R. e C. que constam no quadro e aparecem apenas uma vez nos tópicos da obra, na verdade, tratam-se de erros de grafia. 113 FTD, Elementos de História Universal (42 referências), e da obra dos autores J. C. e M. N. (33 referências), que como já exposto, não constava, a princípio, das indicações bibliográficas. O livro de Raposo Botelho é o mais referenciado nas indicações, em detrimento de outros como os dos autores brasileiros José Veríssimo – História Geral e Civilização (1916) – e João Ribeiro – História Universal (1919, 2.ªed.). As duas obras, publicadas na década anterior, contaram com apenas duas indicações cada uma. Sabemos pouco sobre a obra de Raposo Botelho322. Os estudos que tratam de livros didáticos tenderam a ressaltar a utilização de compêndios franceses no ensino de História, conforme já foi apontado. Antônio Augusto Gomes Batista (2006) afirma que, ao privilegiar a literatura escolar nacional, os estudos poucas vezes consideram (ou até mesmo ignoram) a utilização, nos primeiros anos do período republicano, de uma produção escolar portuguesa destinada tanto ao reino de Portugal quanto ao Brasil, portanto, voltada para a formação de crianças dos dois países. 323 Podemos perceber, desse modo, que algumas pesquisas constataram a utilização dos livros de Botelho no ensino secundário no período republicano, embora não tenham tecido maiores considerações sobre esse dado. Nas memórias de aluno, nos anos 1930, de Antônio Candido, a obra é qualificada como um livro ―rançoso‖. Já Eduardo de Oliveira França, ao rememorar sua experiência como professor de ensino secundário em ―ginásios‖ particulares na mesma década, afirma que o livro mais utilizado era o de Jonathas Serrano, ressalvando, porém, que pelo fato de o livro de Botelho ser de um 324 nível bem superior, os professores recorriam a ele para ampliar suas informações. Além disso, encontramos poucas referências acerca dos livros de Botelho na bibliografia sobre livros didáticos de História, no período circunscrito pela pesquisa. 322 José Nicolau Raposo Botelho (1850-1914) nasceu no Porto e exerceu o magistério na Escola Normal e no Liceu da mesma cidade. Entre 1904 e 1910 foi diretor e professor do Colégio Militar. Deu aulas na Escola do Exército onde promoveu importantes reformas. Foi Ministro da Guerra, no último governo da monarquia, de 26 de junho a 5 de outubro de 1910. Colaborador e diretor da Revista Militar, deixou vasta obra sobre assuntos militares e pedagógicos. Fonte: Fundação Mário Soares. Arquivo e Biblioteca. http://www.fmsoares.pt/aeb/crono/biografias?registo=Raposo+Botelho (Acesso em 23 nov 2010) 323 BATISTA, Antônio Gomes. Formação da criança brasileira e a ―mais terrível das instabilidades‖: um livro de leitura lusitano do século XIX. Op. cit, p. 533. 324 Ver PONTES, Heloisa. Entrevista com Antonio Candido. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 16, n. 47, Outubro de 2001. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010269092001000300001&lng=en&nrm=iso (Acesso em 17 out 2010) e FONSECA, Selva Guimarães. Ser Professor no Brasil. História oral de vida. Campinas, SP: Papirus, 1997. p. 99. 114 Circe Bittencourt mostra, em suas pesquisas que o livro História Geral (que acreditamos tratar-se, na verdade, da obra História Universal) de Raposo Botelho foi adotado no Colégio Pedro II, no ano de 1907 e no Ginásio da capital, nos anos 1920. A adoção do compêndio no Pedro II, substituindo o Histoire de la Civilization de Charles Seignobos, representava um retorno a uma História profana, conciliada com a Igreja, depois de passar por uma concepção ―metódica‖. Apesar da constatação, a autora não tece maiores considerações sobre a utilização da obra. Bittencourt aponta que a história profana conseguiu suplantar lentamente o saber histórico divulgado pela Igreja. Essa história, destinada ao público do curso secundário, é denominada universal porque inaugura a percepção de um tempo não mais periodizado pela cronologia da história do chamado ―povo eleito‖ de Deus, mas pela racionalidade do homem como fundamento da história da humanidade. 325 Com a chamada ―História da Civilização‖, nos moldes de Seignobos, entrava em voga um tempo ―evolutivo impossível de ser violado, uma predestinação do povo europeu, da raça branca cristã, originária da Grécia e de Roma‖. Assim, a Antiguidade greco-romana servia de preâmbulo, organizando o tempo ―a partir das origens da 326 civilização até seu estágio atual.‖ A passagem da ―história-Providência‖ para a história impulsionada e dirigida pelo homem, que busca contemplar todos os povos da terra, e dá conta da ―aventura humana‖, se fez de forma lenta nos programas e obras didáticas utilizadas no ensino secundário brasileiro. Assim, mesmo após a implantação da República e da instituição do Estado laico e do fim da História Sagrada como disciplina nos currículos do Colégio Pedro II, livros para o ensino da matéria continuavam a ser publicados e, nas escolas confessionais, o seu ensino era mantido. 327 Teceremos aqui breves comentários sobre as obras de Raposo Botelho, Oliveira Lima e Jonathas Serrano que servem de referência ao livro Historia Geral, buscando pontos de contato e de divergência entre as perspectivas contidas em cada uma delas e a 328 concepção de Delgado de Carvalho em relação à história e ao seu ensino. 325 BITTENCOURT, Circe. Livro didático e saber escolar. Op. cit. p. 128. 326 Ibidem. 327 FREITAS, Itamar. A pedagogia histórica de Jonathas Serrano, op. cit. p. 227. 328 Para o livro História da Civilização de Oliveira Lima foi utilizada como referência a 6.ª edição, de 1940, para o Epítome de Historia Universal de Jonathas Serrano, foi utilizada a 10.ª edição, de 1929. Não 115 Consideramos que Delgado de Carvalho está inserido em um ―campo de produção cultural‖ que abre, aos agentes envolvidos em seu interior, ou aos que dele querem fazer parte, um ―espaço de possíveis‖ que fornece um sistema de coordenadas por meio das quais os produtores culturais podem se situar em relação às determinações do ambiente econômico e social e aos seus pares. Cada autor produz sua obra ―em função de sua percepção das possibilidades disponíveis, oferecidas pelas categorias de sua percepção e de apreciação, inscritas em seu habitus329 por uma certa trajetória.‖ 330 As obras de Jonathas Serrano e Raposo Botelho, que carregam em seus títulos a menção à ―história universal‖, são expressivas da tentativa de conciliação entre uma história que se baseia em marcos de uma periodização sagrada e uma história das conquistas humanas. Botelho inicia sua história universal pelo estudo dos hebreus e dedica um subcapítulo à história sagrada, cujas referências são as fontes bíblicas nas quais se encontram as ―tradições históricas, sociais e litterárias dêsse povo‖. A justificativa para a inclusão da história sagrada é expressa em nota. Para o autor, ―além da grande importância (...) sob o ponto de vista religioso, assume no estudo da história universal uma funcção eminentemente associativa, por se travar com a de muitos povos 331 da antiguidade‖. Serrano, por sua vez, também subverte a ordem cronológica usual, iniciando a sua história universal pelo estudo dos hebreus, o ―povo eleito‖, ao invés dos egípcios. 332 As obras de Botelho, Serrano e Lima afirmam a existência de dois métodos no estudo da história: o método etnográfico e o método sincrônico. Os três autores os definem de forma semelhante: o método etnográfico diz respeito ao estudo, por meio da conseguimos encontrar o livro de Raposo Botelho História Universal, cuja primeira edição acreditamos ser datada do ano de 1892 (Informação obtida por meio do catálogo da Biblioteca de Arte da fundação portuguesa Calouste Gulbenkian. Disponível em: http://www.biblarte.gulbenkian.pt/ Acesso em 23 out 2010). Para fins de análise utilizaremos a obra Compendio de História Universal Para uso dos institutos de instrucção secundária, do mesmo autor (11.ª edição, 1929). 329 O conceito de habitus foi criado anteriormente ao de ―campo‖ nas formulações de Pierre Bourdieu e torna-se difícil dissociá-los no pensamento. No momento, por não ser fundamental aos objetivos da pesquisa, não desenvolveremos uma reflexão em torno do conceito. Uma das muitas definições para ele afirma que o habitus designa o conjunto de padrões socialmente compartilhados no campo e que são internalizados pelo agente, ―ele próprio habitado pela estrutura de relações sociais de é produto.‖ IN: BOURDIEU, Pierre. Esboço de auto-análise. Trad. Sérgio Miceli. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 91. 330 BOURDIEU, Por uma ciência das obras. In: BOURDIEU, Pierre. Razões Práticas: Sobre a teoria da ação. Trad. Mariza Corrêa, Campinas, SP: Papirus, 1996. p. 53-83. p. 72. 331 BOTELHO, Raposo. Compendio de História Universal Para uso dos institutos de instrucção secundária, p. 13. 332 FREITAS, Itamar. A pedagogia histórica de Jonathas Serrano. p. 240. 116 enumeração de acontecimentos, de um determinado povo, narrando-os pela ordem cronológica, enquanto, o chamado método sincrônico apregoa o estudo dos acontecimentos de uma dada época, simultaneamente. Enquanto Jonathas Serrano afirma a existência de um terceiro método, o misto, que apresenta características dos dois anteriores e seria preferível àqueles, Oliveira Lima afirma que o método sincrônico constitui ―o processo da história pragmática, desde que o distintivo principal da civilização é o intercurso cada vez maior e mais íntimo dos povos‖. Arremata ainda que ―quanto mais moderna se for fazendo a história, mais difícil se tornará aplicar com clareza o método puramente cronológico‖. 333 Por outro lado, Raposo Botelho assinala que, ―na historia antiga, como os povos tiveram um viver bastante isolado e menos sujeito a influencias estranhas, é preferível fazer separadamente a história de cada um, pela ordem em que se desenvolveram as suas civilizações‖. Acreditamos que são essas as recomendações que Delgado de Carvalho e Wanda Cardoso seguem em sua obra quando resolvem não acompanhar a divisão temática recomendada pelos programas da Reforma de Francisco Campos e dedicar um capítulo de sua obra a cada um dos povos ou ―civilizações‖ da Antiguidade, à exceção de Grécia e Roma antigas, que ganham, respectivamente, três e quatro capítulos, pela importância que os fatos ocorridos com esses povos representaram no desenvolvimento da civilização ocidental. Por outro lado, à medida que a Historia Geral de Delgado e Wanda vai se aproximando da contemporaneidade, tenta promover o intercurso apregoado por Oliveira Lima. Assim, encontramos, na parte de História Contemporânea, capítulos intitulados ―A Política Internacional no fim do XIX século‖, ―Os primeiros anos do XX século‖, ―Versailles e a Liga das Nações‖, ―Revoluções Sociais‖, ―Revoluções Políticas‖, embora também seja possível encontrar capítulos cujos títulos remetem a acontecimentos ou processos desenvolvidos em países específicos. Tanto Raposo Botelho, quanto Jonathas Serrano e Oliveira Lima acreditavam que a história tinha por objeto os fatos sucedidos nas sociedades civilizadas. Os dois primeiros, porém, ressaltam, em suas definições, a importância de estabelecer relações entre esses fatos. Oliveira Lima, por sua vez, esclarece que o isolamento não bastaria 333 SERRANO, Jonathas. Epitome de Historia Universal, op. cit, p. 19 e LIMA, Oliveira. Historia da Civilização, op. cit, p. 10. 117 para qualificar um povo ou raça como mais ou menos civilizado. O exemplo dado pelo autor é o Japão, que ―esteve fechado aos estrangeiros durante séculos, com êles mantendo limitadíssimo intercurso (...) e no entanto, prosseguiu desenvolvendo uma civilização própria, original em muitos dos seus aspectos (...)‖. 334 Para o autor, o que qualifica uma ―raça‖ como civilizada é a contribuição que ela fornece para o progresso comum da humanidade. Fazia-se óbvio para o autor que a vida histórica de cada povo principiava ―em data diversa, consoante sua iniciação no movimento geral da civilização‖. Entretanto, a história de um povo poderia preceder esse momento. Como exemplo, afirma que a ―Germânia e a Gália dos bárbaros entraram para a história pela mão de Tácito uma, e a outra de Júlio César‖. 335 Também a América entra na história pela mão dos europeus. Segundo Lima ―quando o Brasil entrou para a história, já a civilização cristã contava quinze séculos. Por esse motivo, o Brasil também pouco está presente no livro de História da Civilização de Delgado de Carvalho e Wanda Cardoso. Em toda a obra existem apenas dez referências. Como não podia deixar de ser, aparece pela primeira vez no capítulo referente às Navegações e Descobertas (primeiro capítulo da parte de História Moderna), sob o nome de Terra de Santa Cruz. A última referência diz respeito à saída do Brasil da Liga das Nações (1926), no capítulo intitulado Versailles e a Liga das Nações, o de número XIV da parte de História Contemporânea. Para Theresinha de Castro, geógrafa do IBGE e colaboradora de Delgado desde a década de 1950, assim como para o próprio Delgado de Carvalho, o fato de haver poucas referências ao Brasil em um livro de História Geral não se tratava de menosprezo ou ―de inferioridade, mas sim de oportunidade‖, uma vez que o Brasil ―só marginalmente aparece na História a partir da Era Moderna‖. 336 A entrada na civilização não dava margem para a adaptação da ―população selvagem (...) a uma cultura que representava uma longa série de esforços acumulados‖.337 Nesse sentido, para Lima, a história da civilização mostraria que 334 LIMA, Oliveira. História da Civilização, op. cit. p. 3. 335 Ibidem, p. 11. 336 CASTRO, Therezinha de. Carlos Delgado de Carvalho. In: Memória Institucional (IBGE), v. 16, p. 21-37, 2009. p. 33. 337 LIMA, Oliveira. Historia da Civilização, op. cit, p. 20. 118 nem língua, nem legislação, nem mesmo religião, sob determinado aspecto, foi um produto espontâneo; antes foi, qualquer delas, o resultado de uma evolução especial e árdua, para a qual pode dizer-se que cada século contribuiu com a sua quota (...) Os fatos acusam e a história registra um progresso humano constante: mesmo quando se dá um recuo, é para melhor avançar. Delgado de Carvalho partilha dessa concepção de progresso constante e contínuo que se apresenta na obra de Oliveira Lima, única das obras escolhidas dentre a parca bibliografia de livros de História Geral disponíveis em português, que carregam em seu título o rótulo de ―História da Civilização‖, uma história que deveria englobar o progresso humano em todos os sentidos, inclusive no sentido moral, progresso esse cuja expressão maior deveria se concretizar nas relações entre as nações. A referência ao livro de Raposo Botelho se justifica, portanto, pela ênfase que o autor confere aos progressos no que diz respeito a esse entendimento e ao avanço da democracia. Mesmo que a obra, cronologicamente falando, só vá até a Primeira Guerra Mundial, uma sensação de dúvida se expressava ―como simptomas da incerteza dos tempos novos‖. Para o autor, se ―nas relações internacionais pareciam vir accentuando- se dia a dia os progressos das ideias pacifistas‖, o problema da limitação dos armamentos se mostrava como uma preocupação. A resolução dessas questões pertenciam ao futuro e só ele ―pode dizer, quando falar; e não está na alçada do historiador prever o que elle dirá.‖ 338 E o futuro falou. Essa fala foi representada no livro didático Historia Geral que, buscando ultrapassar o limite cronológico da Reforma Campos para o primeiro ano ginasial – a Revolução Russa de 1917 – abordava, como último ponto, as chamadas ―Reações Políticas‖, os regimes de Primo Rivera, que terminara na Espanha em 1930 e os de Benito Mussolini e Adolph Hitler, ainda em curso, na Itália e Alemanha. Para os pontos XV e XVI, da parte relativa à História Contemporânea, que tratavam de acontecimentos mais recentes, a obra indicava, nos ―Tópicos a estudar‖, o trabalho com jornais e revistas, uma vez que os fatos lidos em periódicos poderiam facilmente ligar-se a ―antecedentes históricos já conhecidos‖. 339 Para o autor, os últimos cem anos de história passavam quase despercebidos nos livros didáticos. Essa tendência se expressava na escassez de referências de livros nos 338 BOTELHO, Raposo. Compèndio de Historia Universal, op. cit. p. 476. 339 CARVALHO, Delgado de e CARDOSO, Wanda de M. Historia Geral, op. cit., p. 134. 119 ―Tópicos a Estudar‖ da parte de História Contemporânea. Delgado afirma que, entretanto, nunca, sobre a face da terra, ocorreram fatos de maior relevância para a história da humanidade.340 Um acontecimento, em particular, desperta a atenção do autor, sendo mencionado em seus escritos como um grande marco: a Primeira Guerra Mundial, evento vivenciado de perto pelo autor, que, conforme informamos anteriormente, encontrava-se em Londres, quando da eclosão do conflito. Em seu próprio manual, Delgado e Wanda deixam transparecer a preocupação com a promoção da cordialidade entre as nações, sobretudo nos pontos que tratam de assuntos posteriores à Primeira Guerra Mundial. Os autores destacam a Liga das Nações como um órgão cuja ação se mostrava ―útil e fecunda‖ a partir de 1919. Entretanto, o fragmento da obra de G. Scelle. – ―Une crise de la Societé des Nations‖, que consta como leitura do ponto XIV – Versalles e a Liga das Nações aponta para as limitações da organização, que tinha que lidar com a crescente ―europeanização [sic]‖ e com os ―afastamentos sucessivos dos Estados não europeus‖ (são citados os Estados Unidos e o Brasil, que se retirara da Liga em 1926). Por fim, ressaltamos que apesar de acreditar que a função do ensino, sobretudo o ensino da História, era incutir nos alunos valores otimistas. Delgado de Carvalho, no último ponto do livro afirma que o momento em que se vivia era de indecisão. Enfatiza que a ciência, as comunicações e as indústrias progrediam ―com extraordinária rapidez‖, mas sérios problemas surgiam. Para o autor, o descontentamento e o mal estar eram causados pelas políticas nacionalistas dos países, que sobrecarregavam os orçamentos nacionais. Ele aponta para o perigo do nacionalismo extremado, pois as lições da ―última grande guerra‖ não teriam sido assimiladas pelos países. Apesar do otimismo e da crença no progresso que caracteriza a sua visão, Delgado dá mostras de que tem 341 consciência da crise que a Europa enfrentava. A segunda Guerra Mundial talvez tenha deitado por terra as esperanças dos que acreditavam que a promoção da paz por meio do ensino de História ainda se fazia possível. 340 CARVALHO, Delgado de. Sociologia e Educação, op. cit. p. 124. 341 CARVALHO. Delgado e CARDOSO, Wanda de M. Historia Geral, op. cit. p. 136. 120 Figura 10 – Os ditadores, segundo uma caricatura norte-americana de 1927 – Primo de Rivera (Espanha), Alexandre (Yugo-Slavia), Mussoline (Itália), Kemal (Turquia) e Stalin. Caricatura constante do Capítulo XVI – As reações políticas, da parte de História Contemporânea. IN: História Geral: 1ª série secundária e bases para o desenvolvimento nas séries seguintes. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1935. p. 137. *** A obra Historia Geral, ao fornecer um conjunto de documentos textuais e imagéticos, exerce uma função documental cujo objetivo era oferecer aos alunos subsídios para o desenvolvimento de um trabalho de pesquisa que os fizesse pensar sobre os assuntos abordados e não apenas memorizá-los. Tal função expressa a intenção de tornar acessível ao público brasileiro leituras, mapas e imagens vistos como elementos imprescindíveis ao estudo da História da Civilização. Entretanto, para que tal função fosse desempenhada de forma satisfatória, fazia-se necessário que os professores fossem capazes de exercer um novo papel: não mais o de serem meros transmissores, mas construtores de conhecimentos, em colaboração com seus alunos. Os autores do livro, ao criarem sua proposta e conteúdo, sabiam que, para que esses se concretizassem de forma a se tornarem saberes ensinados, dependeriam da atuação dos professores em sala de aula. Retomamos aqui a questão postulada por Circe Bittencourt (2008): ―Pela precariedade de formação dos professores, seriam eles [os livros didáticos] os principais ou únicos instrumentos para a aquisição do saber escolar a ser transmitido aos alunos?‖342 Como evitar que o livro Historia Geral fosse utilizado como um livro de leitura, um livro único em sala de aula? A solução encontrada pelos 342 BITTENCOUT, Circe. Livro didático e saber escolar, op. cit. p. 167. 121 autores do livro para direcionar as formas como ele seria utilizado foi travar um diálogo com os professores por intermédio de uma ―Introdução Metodológica‖. Embora os professores das escolas secundárias possuíssem curso superior, sua formação como profissionais do ensino era predominantemente autodidata. As fronteiras entre as disciplinas estavam se construindo e assim, nos anos 1930, a maioria dos professores do curso secundário se caracterizava pela polivalência. 343 Os livros didáticos serviam para embasar e organizar o conhecimento a ser veiculado pelos professores secundários. Alguns desses professores tornavam-se autores de livros didáticos fiando-se em suas experiências no ensino da disciplina, tal como Delgado de Carvalho o fizera. A princípio, as indicações de livros nacionais e os fragmentos de obras estrangeiras traduzidas, disponíveis no livro Historia Geral, eram voltados para a utilização dos alunos, entretanto, os autores estavam conscientes do poder da palavra do professor e de sua autoridade em sala de aula. Ao trazer tais materiais em seu livro, os autores buscavam apresentar aos professores obras às quais geralmente não teriam acesso, uma vez que nem todos podiam viajar à Europa, em busca de atualização de suas bibliotecas pessoais e as bibliotecas públicas, como já apontamos, estavam longe de ter um acervo satisfatório. Ao fornecer indicações encontráveis em livros nacionais, a obra também servia como uma fonte de consulta para professores que buscavam subsídios para o preparo de seus cursos e aulas. Os autores de livros didáticos se apresentavam, desse modo, como divulgadores de saberes, a princípio acessíveis apenas a um grupo seleto. Afirmavam-se também como divulgadores de novos conhecimentos e interpretações. O acesso a tais informações e a sua divulgação para os seus pares colocava-os em um lugar superior ao ocupado pelos outros professores de ensino secundário. Conforme Bittencourt, esses professores é que deveriam ser ensinados pelos livros: ―O livro didático explicitava o conteúdo da disciplina e era, ao mesmo tempo, o instrumento pelo qual o professor aprendia o método de ensino a ser utilizado em sala de aula.‖ 344 343 Ibidem, p. 179-180. 344 BITTENCOUT, Circe. Livro didático e saber escolar, op. cit., p. 184. 122 Ao definir uma seriação bem delimitada por faixa etária, os programas da Reforma Francisco Campo fizeram com que os livros, a partir de então utilizados no ensino das diferentes disciplinas, acompanhassem tal seriação e tivessem a preocupação de se adequar à idade dos alunos. Ao mesmo tempo, exigiam que tais livros buscassem a participação ativa do aluno na construção do seu próprio conhecimento. O livro torna- se, assim, um instrumento garantidor de que conteúdos e orientações metodológicas veiculados pela Reforma Campos chegassem às salas de aula brasileiras. O interesse de Delgado de Carvalho por fazer valer suas concepções em relação aos métodos e conteúdos a serem difundidos pela disciplina História vai além da sua participação na elaboração e apoio à Reforma de Francisco Campos. Era necessário fazer mais. Uma vez publicados os programas, os professores necessitavam ter um material que servisse de base para implementar as novas ideias em sua prática, ainda caracterizada pela memorização e decoração acríticas. Somente pondo em prática os novos métodos é que seria possível esclarecer a ―multiplicidade‖ e o ―enrediamento‖ da realidade, uma vez que a Escola Progressiva não visava a ―exibição de sabedoria‖ e ―superficialidade de conhecimentos apresentados‖, mas ―a educação do individuo pela vida, pelo trabalho e a pesquiza, pela expressão original‖. 345Assim, para que se tornasse possível o ensino de uma verdadeira História da Civilização, una, no singular e reveladora do progresso humano, fazia-se necessário educar para a vida e para o trabalho não somente os alunos, mas também os mestres. 345 CARVALHO. Delgado e CARDOSO, Wanda de M. Historia Geral, op. cit., p. 6. 123 Capítulo 4 – A História Geral e os compêndios publicados na década de 1940 O interêsse do estudo da História vai aos poucos se deslocando dos grandes acontecimentos políticos e militares, dos feitos dos governos, de legisladores e generais, para o conhecimento dos progressos da civilização, dos fatos culturais, que, eles também têm uma cronologia e, em última análise, influem ainda mais do que os outros sôbre a vida social dos homens. (...) Por enquanto, é ainda restrito o lugar que se concede, no estudo da História, ao que é chamado História da Civilização. (Delgado de Carvalho, 1946) Nos capítulos anteriores vimos que Delgado de Carvalho se tornou autor de livros didáticos para o ensino de História e buscou, aproximando-se do governo instituído, inserir-se nos principais espaços de tomada de decisão acerca dos rumos da educação nacional. Essa aproximação permitiu que o autor participasse da elaboração dos textos das reformas do ensino encabeçadas pelos ministros da Educação e Saúde Francisco Campos e Gustavo Capanema. Em seguida, analisamos o livro História Geral, publicado por Delgado em coautoria com Wanda de M. Cardoso, como um ―acontecimento biográfico‖ na trajetória do autor. A partir da obra, os autores pretendiam materializar, para alunos e professores, as suas ideias em relação ao ensino de História. Tal materialização se tornou possível a partir da entrada em vigor dos programas de ensino da reforma Francisco Campos, cujas diretrizes Delgado defendia e de cuja elaboração participara. Os programas de ensino de História da Civilização recomendavam aos professores que proporcionassem a seus alunos o recurso a diferentes fontes de informação – tais como livros didáticos, trechos traduzidos de obras historiográficas e didáticas estrangeiras, mapas, imagens e biografias – de modo a possibilitar-lhes a construção de suas próprias interpretações acerca dos assuntos estudados. O livro em questão não foi o que se pode chamar de sucesso editorial, mas apresentava uma proposta de ensino distinta do que se encontrava nos livros didáticos para o ensino de História, publicados nas décadas anteriores e mesmo nos anos 1930. Tal proposta sugeria uma preocupação dos autores em criar uma nova relação de 124 professores e alunos com o livro didático. Essa relação pressupunha a consideração do livro como uma base na qual professores e alunos pudessem se apoiar para ter acesso a outras fontes de informação ao realizarem seus estudos. Desse modo, o livro deixava de ser, apenas um depositário de informações, visando à mera decoração de datas, nomes, batalhas ou lugares. Podemos afirmar, também, que a obra continha um projeto gráfico singular para a época, pois trazia mapas e imagens impressos com grande qualidade e que tinham por finalidade não apenas ilustrar, mas também auxiliar a compreensão dos assuntos tratados ao longo dos pontos. Para fins de comparação, neste capítulo analisamos os livros didáticos de Delgado de Carvalho, publicados na década de 1940 e produzidos de acordo com as diretrizes dos programas de ensino, elaborados por ocasião da Reforma de Gustavo Capanema. Analisamos tais obras também como ―acontecimentos biográficos‖, todavia, desenvolvidos em uma nova conjuntura para o ensino secundário, para o ensino de História no Brasil e para a trajetória do autor. Na época do lançamento dos livros, Delgado era catedrático da cadeira de História Moderna e Contemporânea da Faculdade Nacional de Filosofia, que fora criada com o propósito de se tornar-se um padrão para outras faculdades voltadas para a formação de professores secundários que viessem a se constituir no país. É desse ―lugar‖ que escreve Historia Antiga e Medieval e História Moderna e Contemporânea, livros voltados, respectivamente, para o ensino de História na primeira e na segunda série do curso ginasial. Como vimos no capítulo dois deste trabalho, Delgado de Carvalho participou, juntamente com Jonathas Serrano, da elaboração dos programas de ensino de História da Reforma Capanema. Pretendemos demonstrar que as obras de Delgado voltadas para o ensino de História, publicadas na década de 1940, apresentam mudanças significativas que podem ser percebidas, tanto na estrutura material, quanto na apreciação do autor a respeito das funções que os livros escolares para o ensino de História deveriam desempenhar. A epígrafe escolhida demonstra que o autor ainda empreende uma defesa de a necessidade do ensino de História fazer-se do ponto de vista da civilização, contemplando, não somente os aspectos políticos, mas também o progresso da 125 humanidade no sentido material e cultural, considerando a história pátria como parte do desenvolvimento da civilização. Entretanto, os programas de História da Reforma Capanema, dos quais Delgado foi um dos produtores, não abrem grande espaço para o desenvolvimento de tais perspectivas. 4.1 Os livros Historia Antiga e Medieval e História Moderna e Contemporânea do “Curso Delgado de Carvalho” Historia Antiga e Medieval e História Moderna e Contemporânea 346, livros publicados pela Companhia Editora Nacional, fazem parte da coleção que leva o nome do autor: ―Curso Delgado de Carvalho‖. Formada por livros de Delgado, reunidos na ―Séries Ginasial e Colegial de Ciências Sociais‖, a série editorial que leva o seu nome tinha, como objetivo, a publicação de livros voltados para o ensino do que o autor denominava Ciências Sociais. Encontramos informação sobre livros publicados pela série nos seguintes campos: Geografia, Sociologia e Economia e Estatística. A princípio, publicavam-se apenas livros de Delgado de Carvalho, posteriormente, porém, passou-se a publicar livros de outros autores. 347 Na Introdução do livro História Antiga e Medieval o autor afirma a importância de um compêndio ―nos estudos secundários de ciências sociais‖ 348. Como vimos no segundo capítulo deste trabalho, quando o autor se refere ao ensino de ciências sociais está se reportando aos Estudos Sociais. No que diz respeito aos livros destinados ao ensino de História, é interessante observarmos que, ao produzir obras baseadas nos programas da Reforma Capanema, Delgado interpretava os programas que havia elaborado conjuntamente com o professor Jonathas Serrano. 346 CARVALHO, Delgado. História Antiga e Medieval para a Primeira Série Ginasial. Curso Delgado de Carvalho). São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1945. e CARVALHO, Delgado de. História Moderna e Contemporânea para a Segunda Série Ginasial. (Curso Delgado de Carvalho) São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1946. Os títulos serão doravante abreviados como História Antiga e Medieval e História Moderna e Contemporânea. 347 Tentamos obter dados mais específicos acerca dessa coleção, entrando em contato com Maria Rita de Almeida Toledo, pesquisadora responsável pela organização do Acervo Histórico da Companhia Editora Nacional no Centro de Documentação da Unifesp. Não nos foi possível, no entanto, ter acesso ao arquivo, uma vez que se encontra fechado para consultas em virtude da transferência do acervo para a universidade. 348 CARVALHO, Delgado. História Antiga e Medieval, op. cit. p. 11. 126 O autor afirma, na ―Introdução‖ de Historia Antiga e Medieval que, no seu entender, o que distinguiria um livro didático de outros seria o seu ponto de vista, o modo como abordava os assuntos ditados pelos programas. Em sua opinião, os programas oficiais ―são e devem ser lacônicos. O máximo que dêles podemos esperar é uma enumeração bem calculada de unidades didáticas julgadas indispensáveis‖. 349 Por essa afirmação, podemos entender que Delgado julga que os autores devem ter autonomia perante os programas e o fato de ele ter participado da elaboração dos programas de ensino nos quais os livros estão baseados não conferia nenhuma vantagem à sua interpretação e aos seus compêndios sobre o de outros autores. Escolhemos analisar conjuntamente as obras História Antiga e Medieval e História Moderna e Contemporânea, ao invés de optar por apenas uma delas porque, segundo o autor, os dois livros obedeceriam ―ao mesmo plano e aos mesmos métodos 350 de apresentação da matéria‖. Os livros, como dito, pertencem à mesma coleção. Apesar de termos percebido algumas diferenças na configuração material dos mesmos e na forma de apresentação dos conteúdos, entendemos que são complementares. A política de editar coleções foi uma estratégia adotada pela Companhia Editora Nacional como forma de baratear e popularizar os seus livros. Eliana Dutra de Freitas (2004) afirma que a editora é herdeira de um projeto iluminista acreditado por setores da intelectualidade brasileira das décadas de 1910 e 1920, dos quais Monteiro Lobato, um de seus criadores, foi integrante. Esse projeto apregoava a civilização da nação por meio do poder pedagógico e transformador dos livros. 351 Para ―inundar o país de livros‖, conforme queria Lobato, a editora valeu-se da prática editorial francesa das coleções. No interior das coleções, os livros podiam ser editados em maior escala e com preços menores, tendo, como alvo, públicos específicos. Tal prática imprimiu grande vitalidade à produção e comércio de livros no Brasil, nas décadas de 1930 e 1940. As coleções tornaram-se expressão tanto da política de popularização da leitura empreendidas pelas editoras, quanto da especialização da produção, considerando que sua edição demandava políticas de acervos editoriais e a 349 CARVALHO, Delgado. Historia Antiga e Medieval. Op. cit. 11. 350 CARVALHO, Delgado de. História Moderna e Contemporânea, op. cit. p. 9. 351 DUTRA, Eliana de Freitas. Companhia Editora Nacional: tradição editorial e cultura nacional no Brasil dos anos 30. IN: I Seminário Brasileiro sobre Livro e História Editorial. FCRB, UFF/PPGCOM, UFF/LIHED. 127 valorização do papel do editor. O artifício de editar coleções foi utilizado pela Companhia Editora Nacional, inclusive para a produção de livros didáticos. O próprio Delgado, antes de publicar pela Nacional as obras que servem de fontes a esse capítulo, já tinha publicado quatro352 outros livros pela série ―Livros didáticos‖ da coleção Biblioteca Pedagógica Brasileira353. Martha Carvalho e Maria Rita Toledo (2007) assinalam que a prática de trabalhar com coleções se intensifica nos anos 1930 e ocorre em meio à efervescência cívico-patriótica do movimento educacional. Nessa conjuntura o mercado de livros se reorganiza, seguindo de perto os movimentos culturais. Da perspectiva pedagógica, o mercado procura fazer do editor um dos responsáveis pela modernização cultural do Brasil. Sua atribuição era fazer circular livros cujos conteúdos se coadunassem aos discursos sobre a reforma da escola e da cultura brasileiras com a intenção de alavancar a modernização no país. 354 Sérgio Micelli (2001) detecta mudanças na feição gráfica dos livros editados no período de 1938 a 1945, com o intento de ajustar o aspecto material das edições às diferentes fatias do público leitor que aumentava e demandava a edição de gêneros de livros que se adequassem às suas preferências e necessidades.355 As coleções ganham, assim, editores especializados e reconhecidos nas diversas áreas às quais suas publicações visavam atender. Essa figura torna-se o especialista responsável pela definição de um perfil para a coleção e também pela reunião ou seleção das obras que a compunham. Por esse motivo, educadores conhecidos pela expressividade de seus nomes e pela participação no chamado movimento da Escola Nova, do qual, como exposto 352 Os livros eram Geografia do Brasil para a Terceira Série, volume 115 da Biblioteca Pedagógica Brasileira, Geografia Regional do Brasil para a Quarta Série, volume 120 da mesma coleção, Geografia Física e Humana para a Primeira Série, volume 123 e Geografia dos Continentes para a 2.ª série, volume 122 da coleção, todos publicados em 1943. 353 Além da série de Livros Didáticos a Biblioteca Pedagógica Brasileira contava ainda com outras quatro séries: Literatura Infantil, Atualidades Pedagógicas, Iniciação Científica e Brasiliana. 354 CARVALHO, Marta Maria Chagas e TOLEDO, Maria Rita de Almeida. Biblioteca para professores e modelização das práticas de leitura: análise material das coleções Atualidades Pedagógicas e Biblioteca de Educação. In: Anais do XXIV Simpósio Nacional de História. História e Multidisciplinaridade: territórios e deslocamentos. Disponível em: http://snh2007.anpuh.org/resources/content/anais/Maria%20Rita%20de%20Almeida%20Toledo.pdf (Acesso em 16 jan 2011) 355 MICELI, Sérgio. Intelectuais à brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 148. 128 anteriormente, Delgado fora participante, engajaram-se na edição de coleções na Companhia Editora Nacional e em outras casas editoriais. É o caso de Fernando Azevedo, idealizador e editor da citada Biblioteca Pedagógica Brasileira (publicada entre 1931 e 1960), Anísio Teixeira, editor da Bibliotheca do Espírito Moderno (que circulou entre 1938 e 1977), publicada pela mesma editora e de Lourenço Filho, editor da Biblioteca de Educação, da editora Melhoramentos. Questionamo-nos, então: quais as características dos livros para o ensino de História que estamos analisando e que foram publicados pela ―coleção‖ que levava o nome de Delgado de Carvalho, nos anos 1940? No que os aspectos materiais dos livros concorriam para a concretização de um ensino de História baseado nas concepções do autor? O autor poderia ter feito o papel de editor da coleção que levava o seu nome e que publicou em sua maioria, livros escritos por ele mesmo? Procuramos levar em conta os livros escolares em seu aspecto autoral e editorial, buscando perceber o caráter desses produtos, que, embora cumpram objetivos nos planos social e cultural, são também voltados para um mercado tendo, portanto, de se adequar às especificidades de suas demandas. 356 356 MAGALHÃES, Justino. Para uma historiografia do manual escolar em Portugal. Apud FERNANDES, José Ricardo Oriá. O Brasil ensinado às crianças. Op. Cit. p. 175. Figura 12: Capa do livro História Moderna e Contemporânea para a Segunda Figuras 11: Capa do livro História Antiga e Medieval para a Primeira Série Série Ginasial. Ginasial As capas dos livros têm uma apresentação simples, sem imagem alguma, nas quais se pode visualizar, em fundo pardo, em sua parte superior, o nome da coleção ―Curso Delgado de Carvalho‖, seguido da referência a ―Séries Ginasial e Colegial de Ciências Sociais‖. Logo abaixo, imitando letras manuscritas, aparece o nome do autor, seguido do título da obra. Na parte inferior, encontramos o nome da editora, seguido do local de edição. Os dois livros possuem capa dura (cartonada), que era o padrão de acabamento tradicional para os livros didáticos no período. Didier Dominique de Moraes (2010) afirma que, embora existissem alguns livros didáticos cujas capas continham aplicações de ilustrações coloridas impressas sobre o revestimento das encadernações, – ainda que tais ilustrações fossem anônimas – a maior parte das editoras não chamava capistas ou artistas gráficos famosos para ilustrar as capas desses livros, como geralmente ocorria com as obras de ficção e livros infantis. 357 Ao abrirmos os livros Historia Antiga Medieval e História Moderna e Contemporânea podemos ver, nas respectivas folhas de rosto, basicamente as mesmas informações das capas. Entre parênteses, subscrita ao título, é registrada a informação de que o livro foi composto de acordo com os programas de 11 de julho de 1942. Tal informação concorria para a aceitação dos livros pelo público consumidor, principalmente, pelos professores. Os anos de publicação das obras, respectivamente 1945 e 1946, também aparecem. No exemplar de Historia Antiga e Medieval utilizado, podemos observar o carimbo do Instituto Nacional do Livro (INL), do Ministério da Educação e Saúde, com o endereço de sua sede, que funcionava no interior da Biblioteca Nacional. O órgão foi criado em 15 de dezembro de 1937, por meio de decreto do Presidente da República. Entre suas atribuições constavam a publicação de livros originais, a edição e a reedição de obras clássicas ou esgotadas e o incentivo à criação e manutenção de bibliotecas permanentes e circulantes em todo o país. 358 Seu predecessor, o Instituto Cairu fora criado com a função de promover e subsidiar a produção da chamada Enciclopédia Brasileira. Por isso, a instalação do INL se deu por meio da organização em três seções: Seção da Enciclopédia e do Dicionário, 357 MORAES, Didier Dominique C. D. de. Visualidade do livro didático no Brasil: o design de capas e sua renovação nas décadas de 1970 e 1980. Dissertação (Mestrado em Educação). Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo: São Paulo, 2010. p. 43. 358 Ver SILVA, Suely Braga da. O Instituto Nacional do Livro e a institucionalização de organismos culturais no Estado Novo (1937-1945): planos, ideais e realizações. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação)-Escola de Comunicação, UFRJ, Rio de Janeiro, 1992. 131 Seção de Publicações e Seção de Bibliotecas. Cada uma delas visava alcançar um dos objetivos arquitetados para o projeto. A última seção tinha por atribuição promover o registro das bibliotecas existentes no país e incentivar a criação de novas bibliotecas, mediante a aquisição e doação de obras e do fornecimento de apoio técnico. Apesar de o INL ter alcançado resultados limitados na expansão da rede de bibliotecas no país, Suely Braga da Silva (1992), em pesquisa quantitativa a partir de dados do próprio órgão, conclui que houve um real crescimento no ritmo de instalação de bibliotecas, no período de 1938 a 1945. A maior incidência dos registros ocorreu na categoria bibliotecas escolares, representando cerca de 48% do total das 3044 bibliotecas instaladas e registradas até 1945. Destas, cerca de 65% (892), possuíam acervos com menos de 300 volumes. A autora conclui que o INL teve participação efetiva no aumento do número de bibliotecas escolares implantadas no período: dois terços das bibliotecas escolares registradas na pesquisa instalaram-se entre 1939 e 1945. Diante da constatação de que o ano de 1943 registrou um expressivo crescimento do número de bibliotecas, a autora se questiona se o INL teria incrementado sua campanha no período posterior à Reforma Capanema. O INL atuava na distribuição de obras a essas bibliotecas. Gabriela Pellegrino Soares (2002) afirma que a expansão do sistema educacional foi associada a uma crescente preocupação com a difusão de bibliotecas no país. 359 Talvez em virtude do aumento no número de bibliotecas, na década de 1940 tenha sido mais fácil levar a termo um projeto como o apregoado nas páginas de História Geral, livro de Delgado e Wanda de M. Cardoso, publicado em 1935. Resta- nos saber se, nas obras publicadas nos anos 1940, a proposta de trabalho de Historia Geral foi mantida pelo autor. Em vista da exiguidade do mercado editorial brasileiro nos anos 1940, o INL representou para as editoras um cliente potencial para as suas publicações. Infelizmente, Silva, em sua pesquisa sobre o INL, não encontrou documentação que registrasse os títulos adquiridos pelo Instituto para distribuição às bibliotecas registradas, nos anos iniciais de sua atuação. Cogitamos que o exemplar do livro História Antiga e Medieval de Delgado de Carvalho que temos em mãos, adquirido em um sebo, portador, em sua 359 SOARES, Gabriela Pellegrino. A semear horizontes, Op. cit. p. 46. 132 folha de rosto, do carimbo de INL, possa ter sido uma dessas obras adquiridas para ser doada a alguma biblioteca, possivelmente escolar. Diferentemente de História Antiga e Medieval, o exemplar de História Moderna e Contemporânea que temos em mãos não possui carimbo de nenhuma instituição em sua folha de rosto, a ausência de marcas indica que talvez nunca tenha sido utilizado por algum estudante ou mesmo por algum professor. Após a folha de rosto dos dois livros temos o índice, seguido das respectivas introduções. Tais introduções, escritas pelo próprio autor, visam a apresentar os livros ao público em geral e, sobretudo, aos professores, uma vez que explicam a finalidade do compêndio e apresentam a forma de utilização das seções Objetivos, Métodos e Distribuição, presentes em cada unidade. O conteúdo das obras é dividido em nove unidades, de desigual importância, segundo o autor, definidas de acordo com o programa de História Geral da Reforma Capanema. Cada uma dessas unidades é organizada em tópicos (geralmente de três a cinco), numerados de acordo com o programa. Esses, por sua vez, subdividem-se em partes menores chamadas de ―parágrafos‖ pelo autor e indicados por meio de letras. Como exemplo, temos o plano da unidade IV do livro Historia Antiga e Medieval, intitulada ―O Mundo Bárbaro‖ em comparação com o plano da unidade recomendado pelo programa. Quadro 2 – Plano da Unidade IV do livro Historia Antiga e Medieval e Unidade IV do programa de História da primeira série do curso ginasial (1943) PLANO PROGRAMAS DE 1943360 UNIDADE IV – O Mundo Bárbaro (Curso Ginasial) 1. Os Povos Bárbaros. PROGRAMA DE HISTÓRIA GERAL a) Origens das Migrações. PRIMEIRA SÉRIE b) As Instituições Bárbaras. História antiga e medieval 2. As Grandes Invasões. (...) a) Causas das Migrações. Unidade IV. – O MUNDO BÁRBARO: 360 HOLLANDA, Guy de. Um Quarto de Século de Programas e Compêndios de História para o Ensino Secundário Brasileiro, op. cit, p. 286. 133 b) Os Invasores. 1. Os povos bárbaros. c) As Monarquias Bárbaras . 1) A Monarquia Ostrogódica. 2. As grandes invasões. 2) A Monarquia Visigótica. 3) A Monarquia Burgundia. 3. Os Francos; Carlos Magno 4) A Monarquia Vândala. 5) As Monarquias Anglo-saxônicas. 3. Os Francos; Carlos Magno. a) A Monarquia Franca. b) Os Carolíngios. c) Carlos Magnos. d) Os sucessores de Carlos Magno. 4. O Feudalismo e o Movimento Comunal. (parte não incluída no programa) a) A Fusão Étnica na Idade Média. b) Crise das Instituições. c) A Nova Relação Político-Econômica. d) A Vida Feudal. e) A Reação da Realeza. f) O Movimento Comunal. g) A Transformação Econômica. Podemos perceber que o autor elabora sua interpretação dos programas, respeitando o título das unidades e os pontos contidos em cada uma delas. Tais unidades corresponderiam, nas palavras do autor, a um período, mais ou menos longo, de duas a seis semanas, talvês, durante o qual existe um proposito específico, conhecido do mestre e dos estudantes, nunca perdido de vista e que agrupa ao redor de um tema central todos os estudos, as discussões e os trabalhos práticos do período. 361 361 CARVALHO, Delgado. História Antiga e Medieval, op. cit. p. 11. 134 A finalidade de sua obra, segundo o autor seria, portanto ―salientar estes temas centrais, examinar os objetivos e propósitos educativos que comportam estas unidades do programa‖. 362 Para que não se perdesse de vista o tema central e os objetivos, cada unidade é introduzida por uma folha contendo um Preâmbulo, no qual o autor expõe o assunto a ser desenvolvido na unidade. Nessa folha de introdução, a cada unidade, também estão presentes os Objetivos e Métodos, indicações por meio das quais o autor faz ―sugestões‖, ressalvando, porém, não serem elas ―tôdas as que o mestre desejaria ver apresentar‖. Tais sugestões necessitam, segundo ele ―ser meditadas antes do estudo do texto‖. Os métodos, por sua vez, ―visam indicações didáticas aconselháveis na execução do trabalho‖. Além do ―Preâmbulo‖ e dos ―Objetivos e Métodos‖ a serem empregados no estudo dos conteúdos, a Introdução das unidades das obras trazia, ainda, a ―Distribuição‖ do tempo, que sugeria ao professor quantas semanas deveriam ser empregadas no estudo de cada unidade. Tais livros contêm uma diagramação diferente daquela empregada em Historia Geral, que conferia a cada seção – Leituras, Exercícios, Testes, mapas, Biografias, imagens, Tópicos a Estudar – uma função específica no plano didático da obra. Esses elementos deveriam servir de base ao trabalho dos alunos, guiados pelo professor, para a realização de consultas sobre os assuntos estudados em outras fontes, tais como livros, dicionários, enciclopédias e manuais. Os professores eram orientados a avaliar o nível de autonomia alcançado pelos alunos nos trabalhos realizados individualmente ou em grupos pelos alunos e não apenas a memorização dos conteúdos e promover a participação efetiva dos alunos nos trabalhos a serem realizados. Outra função pretendida pelos Objetivos e Métodos em Historia Antiga e Medieval e História Moderna e Contemporânea era também a de orientar os professores, salientando os ―temas centrais‖ em torno dos quais deveriam se agrupar ―todos os estudos, as discussões e os trabalhos práticos do período‖. O livro, no entanto, não comenta de que modo poderiam ser encaminhadas essas atividades. Caberia ao professor decidir o momento de utilização do livro ―de acôrdo com as necessidades da 362 CARVALHO, Delgado. História Antiga e Medieval, op. cit, p. 11. 135 turma‖ e também a melhor forma para o seu emprego, pois o texto ―não deveria ser 363 integralmente estudado‖. O tipo usado na introdução das obras e nas páginas introdutórias de cada uma das unidades é menor do que o normalmente utilizado no texto dos capítulos. Os títulos são marcados em tipo maior do que o texto, empregados em negrito. Destacam-se, também, palavras relevantes, como as que representam conceitos, ideias, nomes, períodos históricos, países, povos, impérios ou acidentes geográficos, por meio da utilização de itálico e negrito associados. Destacam-se, também, ao longo do texto, pelo mesmo critério (ou falta dele), palavras e expressões usando-se, apenas, o itálico. Os livros possuem o tamanho de 13 X 19 cm e contam com 280 (Historia Antiga e Medieval) e 362 (História Moderna e Contemporânea) páginas respectivamente. Por esses quantitativos, podemos perceber que as temporalidades Moderna e Contemporânea, bem como no livro Historia Geral, de 1935, continuam recebendo mais atenção do que as temporalidades Antiga e Média. O tamanho e a quantidade de páginas destinadas a cada uma das unidades podem nos dizer algo, acerca das preferências e omissões mobilizadas em cada uma delas. 363 CARVALHO, Delgado. História Antiga e Medieval, op. cit. p. 10. 136 Gráfico 2 – Unidades por percentual de páginas no plano geral dos livros Historia Antiga e Medieval e Historia Moderna e Contemporânea. Com relação à distribuição dos assuntos por número de páginas, podemos visualizar pelo gráfico acima que, no plano geral das obras, a unidade contemplada com maior espaço nos livros é relativa ao ―Mundo contemporâneo‖, em História Moderna e Contemporânea. A unidade, com grande número de páginas, é composta por sete pontos. Por outro lado, uma análise da distribuição recomendada quanto ao número de semanas letivas entre as unidades, mostrou que às unidades V de História Moderna e Contemporânea (A Era Revolucionária), VII de História Moderna e Contemporânea (O Mundo Contemporâneo) e III de Historia Antiga e Medieval (O mundo romano), caberia a mesma quantidade de semanas letivas despendidas para o estudo dos conteúdos. Quadro 3 – Distribuição do tempo recomendado para o estudo de cada unidade em semanas letivas baseado nos livros Historia Antiga e Medieval e História Moderna e Contemporânea Historia Antiga e Medieval Unidade Duração em semanas I – O Oriente 4 semanas, mais ou menos, sendo pelo menos 1 reservada ao Egito II – O mundo grego 4 semanas III – O mundo romano 5 ou mesmo 6 semanas IV – O mundo bárbaro Não mais que 3 semanas V – Os árabes Cerca de 2 semanas VI – As cruzadas 3 semanas, se a formação da monarquia portuguesa é incluída no estudo VII – A Igreja 3 semanas VIII – A guerra dos cem anos 2 semanas IX – O Império do Oriente 3 ou 4 semanas de estudo História Moderna e Contemporânea Unidade Distribuição em semanas 137 I – Princípio dos tempos 2 semanas modernos II – A Reforma 4 semanas III – O Novo Mundo 1 ou 2 semanas, no máximo IV – As grandes monarquias De 3 a 4 semanas dos séculos XVII e XVIII V – A Era Revolucionária De 5 a 6 semanas VI – A Europa no século XIX De 3 a 4 semanas, 2 ou 3 lições para cada tópico VII – A América no século Cerca de 4 semanas XIX VIII – O mundo 6 semanas aproximadamente contemporâneo IX – Panorama do progresso 1 semana, no máximo 2 semanas, uma vez que o programa não permite maior extensão dos tópicos da Unidade Delgado recomenda um tempo maior, de cinco ou seis semanas, para o estudo das unidades V – A Era Revolucionária e VIII – O mundo contemporâneo de História Moderna e Contemporânea. Essas unidades, situadas na temporalidade contemporânea, são também as que contam com o maior número de páginas no plano geral da obra. Por outro lado, à unidade III – O mundo romano, de Historia Antiga e Medieval, são destinadas, também, cerca de seis semanas, embora a unidade, proporcionalmente, conte com menos páginas no plano geral da obra. A importância de estudar a Roma Antiga é justificada em virtude do peso que caberia à história de Roma e à cultura clássica no curso ginasial. O autor refere-se ao fato de, no programa do curso ginasial, haver prevalecido uma orientação que conferia grande relevância aos estudos clássicos em detrimento das disciplinas científicas, como vimos no segundo capítulo desse trabalho. Esse privilégio pode ser verificado na carga horária de latim, que contabilizava 21 horas-aula semanais em todas as séries do curso fundamental. Apesar de ter defendido a proposta de 138 predomínio do ensino das ciências em detrimento dos estudos clássicos, Delgado, ao conferir um período maior para o estudo da Antiguidade Romana, mostra a adequação de sua obra às diretrizes dos programas de 1942. Na introdução de História Moderna e Contemporânea, o autor esclarece que boa parte das gravuras e todos os mapas presentes nos dois volumes ―são reproduções de um trabalho de 1935‖. Agradece, ainda, ao Professor Paulo Mendes Vianna, da Livraria Francisco Alves, ―que gentilmente cedeu os clichés.‖ 364 No livro Historia Geral, a diagramação aparece em página dupla. Em Historia Antiga e Medieval os mapas são geralmente seguidos das imagens em frente e verso em folhas inseridas ao longo do capítulo (uma página para o mapa e uma para as imagens). Dessa maneira, o texto não dialoga diretamente com as imagens e mapas, uma vez que esses elementos vêm dispostos em páginas destinadas a esse fim ao longo da obra e não entremeados ao texto. Em História Moderna e Contemporânea podemos perceber que, ao invés de serem colocados sempre juntos, em folha dupla (geralmente frente e verso), as imagens e mapas são distribuídos ao longo do texto, favorecendo a remissão do texto aos elementos visuais. Percebemos, no entanto, que o texto não faz remissão direta a esses elementos, cumprindo, também uma função ilustrativa. Para efeito de comparação, reproduzimos abaixo uma página do livro Historia Geral, observando os elementos gráficos presentes, que foram descritos no capítulo anterior. 364 CARVALHO, Delgado de. História Moderna e Contemporânea, op. cit. p. 10. 139 Figura 13: Página do capítulo VII (Cidades e colônias gregas) da parte de História Antiga. In: História Geral: 1ª série secundária e bases para o desenvolvimento nas séries seguintes. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1935. p. 70. (Biblioteca Nacional) O mesmo mapa e imagens figuram no livro Historia Antiga e Medieval, entretanto, por diferenças na diagramação, esses elementos aparecem em páginas separadas, como podemos visualizar abaixo: 140 Figura 14: Página da Unidade II (O mundo grego). In: CARVALHO, Delgado. História Antiga e Medieval para a Primeira Série Ginasial. Curso Delgado de Carvalho). São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1945. p. 70. Figura 15: Página da Unidade II (O mundo grego). In: CARVALHO, Delgado. História Antiga e Medieval para a Primeira Série Ginasial. Curso Delgado de Carvalho). São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1945. p. 71. 141 A mudança na diagramação provocou a redução do tamanho das páginas e, em consequência disso, as legendas das imagens foram encurtadas, reduzindo-se, cada uma delas, a apenas um título muito sumário. A título de exemplo, sobre a imagem de número quatro, presente na figura acima, a legenda em Historia Geral informa: Este vaso grego representa a classe dos vasos com desenhos negros sôbre fundo amarelado. Foi encontrado na Etrúria mas é de origem asiática. As figuras são lustrosas. E‘ notável a vida que tem no combate nele figurado. A legenda em Historia Antiga e Medieval descreve apenas: ―Vaso grego, com motivos guerreiros.‖ Delgado de Carvalho afirma que quando o professor se utiliza de imagens para reconstruir o passado ao qual o educando não tem acesso, É preferível que sejam poucas e bem escolhidas a numerosas e confusas, que deixem imagens claras e não imprecisas. Para que não sejam consideradas como ociosas distrações, é indispensável que sejam examinadas e sujeitas a perguntas, observações, comentários, postas em relação direta com o ponto ou os tópicos em estudo.365 Das 247 imagens contabilizadas nos 61 capítulos de Historia Geral, 92 figuram nas páginas de Historia Antiga e Medieval e 41, nas páginas de História Moderna e Contemporânea, num total de apenas 139 imagens reaproveitadas. O livro História Moderna e Contemporânea conta, também, com 35 imagens inéditas entre reproduções de gravuras e fotografias. A técnica do clichê fotográfico, apesar de muito utilizada em impressos como jornais, revistas e almanaques, foi pouco utilizada em livros didáticos até a década de 1950. Tal limitação se deve à necessidade de redução dos custos para o aumento da lucratividade das vendas de livros didáticos. Nas primeiras décadas do século XX, o projeto gráfico dos livros era desenvolvido manualmente, utilizando-se cola, tesoura, régua, estilete. Entretanto, o controle dos resultados finais dependia das habilidades dos técnicos das gráficas e das restrições impostas pelos custos. 366 365 O Ensino de História na Escola Primária do Distrito Federal. p. 11. Texto manuscrito encontrado no Arquivo Delgado de Caravalho. s/d (acreditamos ser da década de 1940 porque o autor faz diversas menções aos ―programas de 1947). Lata 5. Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Grifo do autor. 366 BUENO, João Batista Gonçalves. Representações iconográficas em livros didáticos de história. Dissertação (Mestrado em Educação). Campinas: Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, 2003. 142 Papel de menor qualidade era usado para a impressão de obras didáticas. Utilizava-se a impressão mais simples era utilizada com o fim de consumir menos tinta. O espaço destinado às imagens era reduzido para cortar custos. Essa combinação muitas vezes não trazia resultados satisfatórios. Quiçá, o livro História Moderna e Contemporânea só tenha contado com impressões de fotografias porque a maior parte das gravuras utilizadas foi cedida pela Editora Francisco Alves, ou talvez porque os clichês fotográficos utilizados já fizessem parte do acervo da Companhia Editora Nacional. Como vimos, além da diminuição do número de imagens e do tamanho das legendas em Historia Antiga e Medieval e História Moderna e Contemporânea, em relação ao livro Historia Geral, outros fatores também indicam que as recomendações de Delgado, em relação à utilização de imagens, não foram seguidas em suas próprias obras. A pobreza das legendas faz com que nem sempre seja sempre possível estabelecer a relação da imagem como o ―ponto‖ da unidade estudada. A carência de imagens em História Moderna e Contemporânea e o posicionamento de algumas dessas imagens ao longo dos capítulos, fazendo com que elas fiquem ―soltas‖, sem contextualização, portanto, são alguns desses fatores. A redução dos elementos gráficos também se verifica em relação aos mapas. Dos 61 mapas presentes em Historia Geral, apenas 23 figuram nas páginas de História Antiga e Medieval e 16, nas páginas de História Moderna e Contemporânea. Em Historia Geral podemos perceber grande atenção com os mapas, contudo, nos livros da década de 1940, o mesmo não se verifica. Algumas unidades, não apresentam nenhum mapa, como aquelas dedicadas ao estudo da América, no livro História Moderna e Contemporânea (III – O Novo Mundo e VII – A América no século XIX). Além disso, existem alguns equívocos em relação à colocação dos mapas e imagens como, por exemplo, a do mapa da página 127, de História Moderna e Contemporânea, ―Allemanha em 1930‖, localizado na unidade IV – As grandes monarquias dos séculos XVII e XVIII. Os mapas foram reaproveitados da obra de 1935 sem passar por qualquer atualização. A justificativa dada pelo autor foi a necessidade de não atrasar as primeiras edições dos livros. Delgado, acreditava que os livros teriam mais de uma edição, entretanto, ambos tiveram apenas uma. O autor explica, ainda, que as nomenclaturas 143 não foram revistas, pois julgava prematura qualquer revisão de termos geográficos, considerando que o ―Instituto Brasileiro de Geografia‖ ainda não houvera publicado o vocabulário que preparava. O ―Instituto‖ ao qual Delgado se refere é o ―Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística‖ (IBGE), criado em 1938, com a reunião dos já existentes Instituto Nacional de Estatística e Conselho Nacional de Geografia. O órgão estava diretamente subordinado à Presidência da República, o que demonstra a sua importância para a política governamental do Estado Novo. Em seus primeiros anos de funcionamento, o IBGE esteve voltado para a pesquisa e organização dos conhecimentos geográficos e estatísticos, pois, segundo Luciene Carris Cardoso (2008), as universidades ocupavam-se apenas com o ensino. A essa nova instituição, caberia, portanto, realizar pesquisas de campo com o objetivo de investigar o território nacional. Essas informações seriam de grande valia, tanto na produção do conhecimento acadêmico, quanto para subsidiar futuros planejamentos estratégicos do governo federal. 367 Apesar de afirmar que a universidade tinha como foco o ensino, a autora reconhece a participação de professores como os franceses Pierre Deffontaines, Pierre Monbeig, Francis Ruellan, Fernando Raja Gabaglia e o próprio Delgado de Carvalho, que foram fundamentais para o estabelecimento de importantes instituições do campo da pesquisa geográfica brasileira, como o Conselho Nacional de Geografia e o próprio IBGE. Outro motivo para que os mapas fossem aproveitados é revelado pelo autor: ―Não hesito em aproveitá-los ainda, visto que já fui honrado com a reprodução dêles [os mapas] pêlos eminentes colegas.‖368 Apesar disso, talvez por falta de espaço, ou evitando o encarecimento do produto final, nos próprios livros de Delgado, como apontamos, nem todos os mapas puderam ser reproduzidos. Embora o autor postule que as lições de História não prescindem dos mapas, alguns temas em Historia Antiga e Medieval e História Moderna e Contemporânea não são acompanhados por esses recursos. Comparando os mapas de Historia Geral, 367 CARDOSO, Luciene Pereira Carris. Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro: ―espelho das tradições progressistas‖ (1910-1949). Tese (Doutorado em História). Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2008. p. 90. 368 CARVALHO, Delgado. História Antiga e Medieval, op. cit. p. 12. 144 reutilizados nos livros de Delgado publicados na década de 1940, chegamos aos dados que podem ser visualizados no quadro abaixo: Quadro 4 – Mapas excluídos de Historia Antiga e Medieval e História Moderna e Contemporânea em relação ao livro Historia Geral Continentes Número de mapas excluídos Ásia 6 Ásia e Europa 3 África 2 África e Ásia 1 Europa 10 O continente que teve a exclusão do maior número de mapas foi o europeu (dez mapas, ou treze, se contarmos os mapas em que o continente aparece juntamente com o asiático). A Ásia é o segundo continente em número de mapas excluídos (seis mapas ou dez, se contarmos com os mapas em que o continente é representado conjuntamente com o europeu ou africano), seguida da África (dois mapas, ou três, se contarmos o mapa em que o continente é representado conjuntamente com o asiático). A exclusão de um maior número de mapas relacionados à Europa se justifica ao pensarmos que a maior parte dos títulos das unidades tratam de acontecimentos e processos que tiveram lugar nesse continente. Podemos perceber que a História Geral, da mesma forma que a História da Civilização de Delgado de Carvalho, continua a ser uma história do continente europeu, da qual Ásia, África e América participam apenas de maneira transversal. Diferentemente de Historia Geral, cujo projeto gráfico conferia grande importância aos exercícios, um aspecto curioso dos livros História Antiga e Medieval e História Moderna e Contemporânea é que, mesmo sendo apresentados como obras didáticas, não contêm, ao longo ou ao fim de suas unidades, exercícios de nenhum tipo. O autor sugere como exercício, para que o professor verifique a capacidade de compreensão e síntese dos alunos, a confecção de sumários de cada assunto feitos ―em 145 quatro ou cinco linhas‖ nos quais deveria ser registrado somente ―o essencial, mencionando apenas as palavras-chave.‖ 369 Levantamos a hipótese de que as imagens, mapas e exercícios tenham sido associados pela editora a um aspecto lúdico e, portanto, dispensável no interior das obras. Assim, mesmo as imagens e mapas restantes, desprovidos de legendas explicativas, quedaram, relegados a ilustrar (sem dialogar) com o texto, entendido como elemento principal na obra. Embora o autor afirme que o texto ―não é destinado a ser integralmente estudado‖, as obras da década de 1940 apresentam menos elementos visuais e muito mais elementos textuais em relação à de 1935. É sobre o estudo da parte textual que se deveria verificar o entendimento dos alunos. Em Historia Antiga e Medieval e História Moderna e Contemporânea, as referências e ―Tópicos a estudar‖ desaparecem dando lugar a um texto que não deveria ser construído pelos alunos e nem pelo professor, uma vez que já se encontrava pronto no livro. Percebemos, por meio dessa tendência, uma mudança essencial na função que as obras didáticas deveriam desempenhar. 4.2 O valor da Unidade no ensino de História Após o ano de 1942, data da entrada em vigor da Reforma Capanema, além dos autores de manuais publicados durante a vigência da Reforma Campos, surgiram outros autores que buscaram inserir-se no mercado de livros didáticos destinados ao ensino de História Geral. A pesquisa realizada no banco de dados Livros Escolares da Universidade de São Paulo (ver Anexo 2) encontrou seis autores de obras para o ensino de História Geral, publicadas depois de 1942. Essa lista deixa entrever nomes novos, como os de João Pereira Vitória, Orestes Rosolia, Alcindo Muniz de Souza e João Miguel Amaral, mas também nomes já conhecidos no mercado de livros didáticos, como os de Basílio de Magalhães, Joaquim Silva e Jonathas Serrano. Podemos perceber que, apesar de a Companhia Editora Nacional ter sido a responsável pela edição dos livros de História Geral com maior número de edições 369 CARVALHO, Delgado de. História Moderna e Contemporânea, op. cit. p. 10. 146 lançadas nos anos de vigência da reforma Capanema (1942-1951)370 – os de Joaquim Silva – a editora Francisco Alves ainda ocupava espaço expressivo no mercado, sendo a editora que lançou mais títulos entre os inventariados pelo LIVRES e a responsável pela publicação das obras de Basílio de Magalhães, João Pereira Vitória e Orestes Rosolia. Por ocasião da publicação dos programas de ensino da Reforma Capanema, as editoras dispuseram de pouco tempo para a adaptação de suas obras destinadas ao ensino ginasial. Foi-lhes concedido um prazo de apenas quatro meses para a realização das modificações. Segundo Laurence Hallewell (2001), para a Companhia Editora Nacional, isso significou a revisão de pelo menos quarenta títulos didáticos. 371 Os livros de Jonathas Serrano adaptados aos programas para o ensino de História da Reforma Capanema372 foram publicados pela Editora F. Briguiet, que se fundira com a tradicional editora francesa Garnier.373 A F. Briguiet já publicara outros livros de 374 Serrano voltados para o ensino da disciplina. Entretanto, o que diferenciava esses livros dos publicados anteriormente é que, diante da carência das Instruções Metodológicas para o ensino de História, que, conforme vimos no capítulo dois deste trabalho, nunca chegaram a ser divulgadas, os livros do autor, publicados na década de 1940, vinham precedidos de ―Explicações Necessárias‖, as quais, segundo a opinião de Guy de Hollanda, ―supriam as instruções oficiais não publicadas‖. 375 Em meio à documentação do fundo Gustavo Capanema, encontramos uma proposta de ―Instruções Metodológicas para as duas primeiras séries do primeiro ciclo do Ensino Secundário‖, enviada por Jonathas Serrano ao ministro da educação Gustavo Capanema em nove de dezembro de 1942. Seu conteúdo revela-se, em vários pontos, 370 O livro História Geral - 1ª Série Ginasial, contou com 112 edições, sendo a primeira em 1943 e a última em 1961, o livro História Geral - 2ª Série – Ginasial, contou com 42 edições, sendo a primeira em 1943 e a última em 1950. Fonte: http://www.ednacional-acervo.com.br/consulta.asp# (Acesso em 20 fev 2011) 371 HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil: sua história, op. cit. p. 367. 372 História antiga e medieval. Rio de Janeiro: F. Briguiet, 1943. (1ª série) e História moderna e contemporânea: 2ª série do curso ginasial. Rio de Janeiro: F. Briguiet, 1944. No banco de dados LIVRES só encontramos a referência do segundo. 373 HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil: sua história, op. cit. p. 268. 374 Cf. Historia da civilização: em cinco volumes para o curso secundario - volume IV - a civilização moderna. Vol. 4, 4 ed. Rio de Janeiro: F. Briguiet, 1935 e Epítome de História do Brasil. 3 ed. Rio de Janeiro: F. Briguiet & Cia, 1941. Referências encontradas no banco de dados LIVRES da USP. 375 HOLLANDA, Guy de. Um Quarto de Século de Programas e Compêndios de História para o Ensino Secundário Brasileiro, op. cit., p. 149. 147 igual aos trechos citados por Hollanda das ―Explicações Necessárias‖ que precediam os livros de Jonathas Serrano. Logo, a especulação de Hollanda estava correta. Como afirmamos no capítulo dois deste trabalho, não conseguimos descobrir o motivo de tais instruções não terem sido publicadas na época. Os compêndios, dentre eles os de Delgado de Carvalho e os do próprio Jonathas Serrano, ganham uma importância fundamental para os professores, pois esses autores foram responsáveis pela elaboração dos programas oficiais. Suas obras indicam as formas pelas quais os conteúdos presentes nos programas deveriam ser veiculados, de maneira a se adequar à idade e às possibilidades cognitivas dos alunos. Para que essa adequação fosse bem realizada era necessário recorrer a um método. Conforme apontamos, os livros de Delgado de Carvalho, publicados na década de 1940, traziam indicações metodológicas, como forma de auxiliar o professor na execução do seu trabalho. Entretanto, fazia-se necessário que esse trabalho se adequasse às exigências decorrentes da aplicação de métodos. A Reforma Capanema, segundo Jonathas Serrano, seguia os procedimentos do método concêntrico-ampliatório376. O método, segundo Freitas, era uma das bases da pedagogia da História de Jonathas Serrano, por ele defendida até a sua morte, em 1944. Os programas de História da Reforma Campos, apesar de adotarem o ―princípio do ensino em ciclos concêntricos‖ não se mostravam satisfatórios para Serrano, como vimos no capítulo dois deste trabalho. O professor considerava que, da forma como estava distribuída nos programas, a disciplina não cumpriria a sua função. Serrano achava inútil a presença da história no primeiro ano ginasial se a disciplina se encontrava ausente de quase todos os cursos do ciclo seguinte, o curso complementar. 377 376 O método consistia não somente em uma forma de trabalhar os conteúdos na sala de aula, mas em uma forma de organizar os conteúdos. Baseava-se na divisão da História em ciclos. ―Dentro de cada um apresenta uma vista geral de todos os fatos, primeiro os mais importantes, em seguida os aspectos menos notáveis, e assim, até ao último ciclo, em que se explica apenas a história da civilização.‖ SERRANO, Jonathas. Metodologia da História na aula primária (1917), p. 47 Apud FREITAS, Itamar. A pedagogia histórica de Jonathas Serrano, op. cit, p. 174. 377 Apenas o ramo que preparava os alunos para o curso de Direito contava com o ensino de História em sua grade. Ver HOLLANDA, Guy de. Um Quarto de Século de Programas e Compêndios de História para o Ensino Secundário Brasileiro, op. cit., p. 50 e FREITAS, Itamar. A pedagogia histórica de Jonathas Serrano, op. cit, p. 201. 148 Na Reforma Capanema, nos dois primeiros anos do curso ginasial, séries às quais são destinados os livros que são objetos de nossa análise neste capítulo, o ensino de História Geral deveria se fazer de forma introdutória, visando a despertar: a curiosidade do aluno em relação ao passado e aos grandes vultos que se têm distinguido no decurso dos tempos e em diferentes lugares pelas suas qualidades mais notáveis, contribuindo para a obra da civilização. 378 Deveria ser evitada a simples fixação na memória de datas e nomes, procurando- se, de forma semelhante aos programas das duas primeiras séries da Reforma Campos, que ―os episódios e as biografias sumárias sejam [fossem] aprendidos sem maior 379 esforço, antes com prazer, em virtude de seu aspecto interessante e sugestivo‖. Apesar de os programas priorizarem a compreensão dos conteúdos tratados, à simples memorização, tal recomendação nem sempre era seguida pelos professores. Os programas da Reforma Campos e os programas da Reforma Capanema reservavam os anos iniciais do curso ginasial para o estudo biográfico e episódico da História seguindo o princípio do método concêntrico-ampliatório. Todavia, nos programas da segunda reforma, o estudo biográfico e episódico ficou circunscrito à História Geral, pois os dois primeiros anos do ensino da disciplina eram dedicados apenas a essa matéria, enquanto os dois anos finais eram reservados ao estudo de História do Brasil, que coroava o ensino de História no curso ginasial. Quando o aluno chegava aos dois últimos anos do colegial supunha-se que já estava pronto para estudos mais elaborados. Ao que tudo indica, os livros de Delgado não se apresentavam em uma linguagem acessível aos alunos das primeiras séries do curso ginasial e por esse motivo, foram alvos de crítica entre os professores. Embora reconheça que a crítica é justa, Delgado argumenta: os compêndios europeus que meus colegas tão bem conhecem e apreciam, os compêndios franceses principalmente, são de tal modo mais ricos e informativos nas séries correspondentes que, não julgando eu os nossos jovens patrícios nem menos inteligentes nem menos estudiosos do que os jovens europeus, não posso resignar a tratá-los como alunos primários, baixando o padrão do ensino nacional. 380 378 Instruções metodológicas. Fundo Gustavo Capanema, GC 40.02.01. Fotograma 315 a 319/2. 379 Ibidem. 380 CARVALHO, Delgado. História Antiga e Medieval, op. cit., p. 12. 149 O autor afirma ainda que legava aos alunos, em seus livros, o que julgava poder ser-lhes útil, sem insistir no estudo da totalidade do texto que lhes era oferecido. Diferentemente de outros autores (Jonathas Serrano, Basílio de Magalhães, Joaquim Silva, Orestes Rosolia e João Pereira Vitória) que publicaram, tanto livros voltados para o ensino de História Geral, quanto obras voltadas para o ensino de História do Brasil, Delgado de Carvalho publicou livros destinados ao ensino de História Geral e se dedicava apenas ao estudo das temáticas a ela ligadas. Tal consagração fica explícita em sua ausência voluntária do IHGB, como vimos no primeiro capítulo. Em sua concepção, o estudo da História do Brasil não deveria ―coroar‖ os estudos da disciplina no curso ginasial. Por meio do conteúdo de seus livros, o autor dá a entender que continuava a acreditar que o ensino de História deveria dar conta de explicar a marcha da civilização desde os seus primeiros passos. Para que o estudo da História da humanidade se fizesse de forma satisfatória, Delgado considera mostrava-se ―interessante reconstituir os primeiros estágios de civilização que galgaram as sociedades humanas‖. 381 Apesar de Delgado concordar com a orientação de Jonathas Serrano, segundo a qual a História Geral deveria ser estudada ―com a preocupação de dar ao aluno a compreensão cada vez mais clara da continuidade histórica da obra do homem, do valor do destino da humanidade‖, não considerava que o estudo de História Geral buscasse 382 preparar o estudante para o ensino de história pátria nas séries seguintes. Delgado dá mostras, em sua proposta de programas e instruções metodológicas para a Reforma Capanema, de que mesmo levando em conta a aspiração do Brasil de ser uma das grandes potências do século XX, o país não poderia ―viver no isolamento‖. 383 Os programas de 1942 são organizados não sob a forma de pontos, como tradicionalmente era feito anteriormente, mas em unidades didáticas. Tal tendência expressa a disposição de distribuir os conteúdos de forma sucinta, buscando articulação entre os mesmos de modo a evitar ―repetições desnecessárias e bem assim lacunas de matérias imprescindíveis‖. 384 381 CARVALHO, Delgado. História Antiga e Medieval, op. cit, p. 15. 382 Instruções metodológicas. Fundo Gustavo Capanema, GC 40.02.01. Fotograma 316/4. 383 Programa de História. Fundo Gustavo Capanema, GC 40.02.01. Fotograma 310. 384 Portaria ministerial n. 101, de 27.4.1942 Apud HOLLANDA, Guy de. Um Quarto de Século de Programas e Compêndios de História para o Ensino Secundário Brasileiro. Op. cit.,p. 43-44. 150 Apesar de ter participado da elaboração dos programas e de seguir o título das unidades estabelecidas por eles (diferentemente do que ocorria no livro Historia Geral), ao que tudo indica, Delgado não ficou de todo satisfeito com os programas do curso ginasial. Por esse motivo, o autor insere, nas unidades do livro destinado ao ensino de História na Primeira Série, alguns pontos que julgava importantes e que não integravam o programa e justifica essas inserções afirmando que os assuntos lhe pareceram úteis. Assim, são acrescentados ―o estudo do feudalismo, por exemplo‖ a seu ver ―tão característico da Idade Média, a História de Portugal medieval, isto é, a nossa história européia, etc.‖ 385 Essas interferências do autor são sempre sinalizadas no ―Plano‖ de cada unidade por meio do aviso entre parênteses ―não incluído no programa‖. Talvez por exigências de diagramação, o tipo utilizado nessas partes anexadas é menor do que o usualmente empregado em outras partes constantes das unidades. As inserções de assuntos julgados relevantes pelo autor não estão presentes em História Moderna e Contemporânea. O segundo livro não traz, ao longo de suas unidades, um plano das mesmas. Por meio dos documentos presentes no fundo Gustavo Capanema, pudemos perceber que uma das propostas não datada de programa para a segunda série do curso ginasial, enviada por Delgado de Carvalho, em muito se assemelha aos títulos presentes no programa da Reforma Capanema. Uma das conclusões a que chegamos é que as ideias de Delgado para os programas da segunda série foram melhor aceitas pela comissão de elaboração dos programas, da qual fazia parte, do que sua colaboração em relação aos programas da primeira. 386 Entretanto, mesmo achando que o autor se sente contemplado em relação aos programas da segunda série, não necessitando, por isso mesmo, acrescentar-lhe inserções, observamos que, ao longo das páginas introdutórias de cada capítulo, na indicação dos objetivos e métodos, da qual trataremos mais adiante, o autor deixa transparecer, por meio de exemplos, seu descontentamento com os programas. Isso significa que, apesar de lacônicos e mínimos, os programas limitavam o trabalho dos autores de livros e professores. 385 CARVALHO, Delgado. História Antiga e Medieval, op. cit. p. 12. 386 Maiores detalhes sobre a comissão encontram-se no segundo capítulo deste trabalho. 151 Outra possibilidade é que a inserção de partes tenha sido malvista pela editora, uma vez que poderia interferir na adoção ou não da obra, muito embora que o autor enfatize que elas não passam de indicações que, a critério do professor poderiam ser abandonadas. Os livros em questão diferiam em número de páginas, sendo o segundo mais volumoso que o primeiro. 387 Delgado dá o nome de Unidade ―a um período histórico do qual o programa exige o conhecimento‖. A unidade deveria representar ―um assunto completo e homogêneo‖ e em seu estudo deveria existir um propósito ―conhecido do mestre e dos 388 alunos‖ e que nunca deveria ser perdido de vista. As unidades de Historia Antiga e Medieval e História Moderna e Contemporânea geralmente iniciam o estudo dos assuntos pelas ―origens‖ do processo histórico, acontecimento ou civilização estudados.389 Aos pontos introdutórios seguiam-se pontos de desenvolvimento e conclusão. Geralmente todos os assuntos eram apresentados de uma forma que, segundo Maria Yedda Linhares pode ser qualificada de ―francesa e ―cartesiana‖, pois seguia sempre um plano claro, estabelecido a priori. 390 Delgado afirmava que o aluno poderia cooperar ativamente com o mestre e situar o assunto debatido e estabelecer relações históricas com os demais tópicos, conhecendo o plano da Unidade em questão. Apesar disso, acreditamos ser difícil conceber um trabalho cooperativo entre professores e alunos quando os programas ―exigem‖ o conhecimento de um determinado período histórico. Também fica mais 387 ―Não permitindo o programa a apresentação de pontos sôbre as situações internacionais, só podem ser mencionados parceladamente os grandes conflitos diplomáticos que resultaram nos tratados de Westfália, de Ultrech, de Paris‖. In: CARVALHO, Delgado de. História Moderna e Contemporânea, op. cit. p. 96. ―Por enquanto o programa não permite maior expansão dos tópicos desta Unidade‖. In: CARVALHO, Delgado de. História Moderna e Contemporânea, op. cit,. p. 347. 388 CARVALHO, Delgado de. História Moderna e Contemporânea, op. cit, p. 9. 389 São exemplos os tópicos ―Os primeiros tempos‖ na Unidade II de Historia Antiga e Medieval, O Mundo Grego, ―Fundação de Roma: A Realeza‖, na Unidade III, O Mundo Romano, ―Origem‖ na Unidade VIII, A Guerra dos Cem Anos e ―O movimento inicial: Lutero‖, na Unidade II, A Reforma, de História Moderna e Contemporânea, ―As Origens da Grande Guerra‖, na Unidade VIII, O mundo contemporâneo, de História Moderna e Contemporânea. 390 ―Delgado de Carvalho me ensinou uma série de coisas, a começar pela interpretação de textos. A cabeça dele era muito francesa, muito cartesiana, muito organizada. Ele seguia sempre um plano perfeito, colocava o tema, desenvolvia e concluía. Acho também que foi ele quem me levou à história das relações internacionais. Embora nunca me tenha dito isso, acho que ele tinha clareza de que dificilmente se poderia fazer uma história moderna e contemporânea européia aqui no Brasil. O melhor que se poderia fazer seria uma boa história das relações internacionais.‖ In: FERREIRA, Marieta de Moraes. Uma entrevista com Maria Yedda Linhares. Estudos Históricos, op. cit. 152 difícil conseguir um trabalho cooperativo por parte do professor e do aluno quando os pontos em questão trazem assuntos desenvolvidos de forma completa, fechada. Um ponto, porém não fica claro. Se o autor ressalta, na Introdução de História Moderna e Contemporânea, a importância do plano da Unidade, não se justifica a supressão dos planos de unidades existentes em Historia Antiga e Medieval, no segundo livro. Talvez possam ter sido suprimidos no segundo livro por questões de custos e diagramação, uma vez que, como já informamos, o número de páginas de História Moderna e Contemporânea é superior ao número de páginas do primeiro. Para Serrano, as unidades didáticas deveriam ser consideradas como ―um todo correlacionado, à maneira de um problema, para o estudo de algumas semanas‖ 391 Ao apresentar os exemplos que Jonathas Serrano utiliza para demonstrar de que modo a matéria do programa deveria ser tratada, como um ―todo‖, Hollanda afirma que os eles revelam que as ―unidades‖ continuavam sendo ―meros agrupamentos da matéria dos programas‖, principalmente porque esse ―todo‖ já vinha previamente organizado ―nos próprios títulos das unidades ou sugerido pela ordenação mesma do programa‖. Hollanda tece críticas ao cerceamento da liberdade de autores e professores frente ao programa organizado em unidades. 392 Percebemos que os programas, nem sempre abrem espaço para o tratamento de assuntos que Delgado gostaria de ver melhor desenvolvidos em seus livros, como, por exemplo o do ―desenrolar das relações internacionais‖, na Unidade VI (A Europa no século XIX) de História Moderna e Contemporânea.393 Delgado de Carvalho defende que o método biográfico e episódico apresentava a vantagem de permitir ―traçar quadros de épocas e civilizações diferentes‖, entretanto, suas obras não trazem quadros comparativos, como, por exemplo, os presentes em 394 livros de Joaquim Silva, assunto que trataremos adiante. A comparação permitiria, nas palavras do autor, chegar a muitas conclusões úteis. Por outro lado, a proposta de Serrano é que o estudo fosse feito recorrendo-se à narrativa das ações dos ―grandes vultos representativos‖ e principais episódios. Nos primeiros anos de estudo, os 391 SERRANO, Jonathas. História Geral, 1.º vol., p. XIX-XX Apud HOLLANDA, Guy de. Um Quarto de Século de Programas e Compêndios de História para o Ensino Secundário Brasileiro. Op. cit. p. 45. 392 Ibidem, p. 56. 393 CARVALHO, Delgado de. História Moderna e Contemporânea, op. cit. p. 195. 394 Fundo Gustavo Capanema, GC 40.02.01. Fotograma 310. 153 conteúdos deveriam ser apenas esboçados em linhas gerais para posterior desenvolvimento. O estudo das ações desses ―grandes vultos‖, na concepção de Delgado, visava ensinar aos estudantes a admirar a personalidade humana em seus exemplos concretos mais impressionantes e ao mesmo passo desenvolverão gradualmente as noções essenciais da moralidade e a dedicação aos valores patrióticos. 395 Diferentemente das imagens e mapas, que foram aproveitados de Historia Geral, as pequenas biografias, presentes na obra, não foram reutilizadas em Historia Antiga e Medieval e História Moderna e Contemporânea. Nesses livros, as narrativas biográficas não ganham tanta visibilidade quanto em Historia Geral, pois não vêm posicionadas em uma seção separada, mas são entremeadas ao texto. O autor defende que, para ter valor pedagógico, a utilização de biografias necessitava ser significativa para o estudante, escolhendo-se personalidades importantes que permitissem recapitular, em torno de si, ―as circunstâncias históricas de uma época‖, 396 não perdendo de vista a comparação entre épocas e civilizações. Percebemos, no entanto, que em suas obras, publicadas na década de 1940, grande parte de seus personagens ―biografados‖ no livro Historia Geral têm apenas seus nomes mencionados, sem maiores referências. A maior parte dessas menções não vem acompanhada das datas de nascimento e falecimento do personagem, o que dificulta a localização da figura no tempo em que viveu e a consideração de sua importância no desenrolar dos acontecimentos. Onde o programa recomenda o ensino por meio de biografias, o autor promove uma maior valorização destas, conferindo-lhes um maior espaço. É o caso, por exemplo, dos pontos das unidades que trazem nomes de personalidades tais como ―Maomé e o Islamismo‖ (Unidade V do programa da primeira série), ―As grandes cruzadas: São Luís‖ (Unidade VI do programa da primeira série), ―O movimento inicial; Lutero‖ (Unidade II do programa da segunda série). 395 Instruções metodológicas. Fundo Gustavo Capanema, GC 40.02.01. Fotograma 316/4. p.1. 396 O Ensino de História na Escola Primária do Distrito Federal. p. 18. Texto manuscrito encontrado no Arquivo Delgado de Carvalho. s/d (Acreditamos ser da década de 1940 porque o autor faz diversas menções aos ―programas de 1947). Lata 5. Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. 154 Apesar de conferir uma maior valorização às biografias sugeridas pelo programa, os livros de Delgado referem inúmeros outros nomes sem lhes dispensar o mesmo cuidado, conferindo-lhes o caráter de simples enumeração e não os tornando representativos de sua época. O critério de representatividade era defendido pelo autor nos anos 1930 e continua a ser uma justificativa para o fato de não poder reduzir as biografias a nomes próprios. Na Unidade I de História Moderna e Contemporânea, Princípio dos Tempos Modernos, o autor afirma que, antes de qualquer enumeração, era necessário tornar os nomes ―sugestivos pelas idéias que representam, pelas tendências que contribuem a criar, nas artes, nas letras e nas ciências.‖ 397 Talvez porque não tenha conseguido seguir à risca sua própria recomendação de tornar sugestivos os nomes que apresenta em seus livros da década de 1940, é que os livros de Delgado sofrem críticas de Hollanda, que repreende o autor por ―não recorrer a biografias e anedotas históricas‖ renunciando, assim, a um ―valioso recurso pedagógico, do qual só Jonathas Serrano soube tirar proveito‖. Ainda assim, Hollanda elogia os méritos didáticos das obras dos dois autores, afirmando que se tal fosse o critério de 398 escolha, os dois teriam sido os mais adotados. Os méritos apregoados por Hollanda não foram fatores preponderantes para a aceitação dos livros de Delgado, que, segundo ele, teve que redigir, posteriormente, um novo manual mais resumido, o ―Súmulas de História Ginasial‖, também publicado na coleção ―Curso Delgado de Carvalho‖. Hollanda afirma que, tomados em conjunto, os manuais de História, escritos por autores brasileiros após a entrada em vigor da Reforma Capanema, mostram-se ligeiramente superiores, sob o ponto de vista da informação histórica, aos publicados antes do funcionamento dos cursos universitários destinados à formação de professores para o ensino secundário. Entretanto, o autor afirma ainda serem raros ―os que revelam a utilização criteriosa da bibliografia corrente especial. Mais de um autor multiplica 399 notas e citações, nem sempre acertadas, com propósitos alheios aos pedagógicos.‖ Delgado, em seus livros, preocupa-se com a qualidade das informações transmitidas. Prova disso é que o autor pede que especialistas revisem alguns de seus 397 CARVALHO, Delgado de. História Moderna e Contemporânea, op. cit, p. 11. 398 HOLLANDA, Guy de. Um Quarto de Século de Programas e Compêndios de História para o Ensino Secundário Brasileiro. Op. cit., p. 154. 399 HOLLANDA, Guy de. Um Quarto de Século de Programas e Compêndios de História para o Ensino Secundário Brasileiro, op. cit., p. 195. 155 capítulos. Agradece ao cônego Rumoldo Salleslag, do Colégio São Vicente de Paula [sic], de Petrópolis, por ter se prontificado a revisar a já mencionada unidade VII (A Igreja), de Historia Antiga e Medieval e a unidade II (A Reforma), de História Moderna e Contemporânea. A única informação que conseguimos sobe o colégio São Vicente de Paulo, é que ele era dirigido por cônegos belgas. Tampouco, obtivemos maiores informações sobre o cônego Rumoldo Salleslag. Entretanto, o fato de Delgado se dirigir a uma autoridade religiosa, para revisar os capítulos que tratam mais diretamente da Igreja, denota o respeito que Delgado tinha pelas ordens religiosas, embora defendesse o ensino laico. Esse respeito, talvez decorresse de sua formação no Colégio de Champittet, de Lausanne, mencionado no primeiro capítulo deste trabalho. Denota, também, a importância que Delgado conferia à Igreja Católica ―como única instituição que sobreviveu à dissolução dos quadros políticos, administrativos, e sociais do mundo romano‖ e ao seu papel social na marcha da civilização. 400 Segundo Hollanda, para os autores dos compêndios de História da Civilização, existentes anteriormente, não era difícil transformá-los em livros destinados ao ensino de História Geral. Bastava, operar alguns cortes, sobretudo nos capítulos que tratavam de História da América e do Brasil.401 Entretanto, podemos perceber que, mais do que uma mudança na colocação da História do Brasil nos programas de História Geral, ou nos programas de História Geral em relação à História do Brasil, estavam em disputa de projetos diferentes para o ensino da disciplina História. Para Delgado, o estudo da História Geral, ou da História da Civilização, como preferia, não deveria funcionar meramente como introdução ao estudo de História do Brasil. No que diz respeito à introdução da América nos conteúdos da História Geral, o livro História Moderna e Contemporânea, traz mais referências do que o livro Historia Geral. Essa disposição é reflexo dos programas pois, segundo Delgado ―duas unidades do programa, (III e VII) metade de outra unidade (V) e capítulos das unidades (I e VII) referem-se às Américas, ocupando assim cêrca de 30% do programa de 2.º 400 CARVALHO, Delgado. História Antiga e Medieval, op. cit., p. 213. 401 HOLLANDA, Guy de. Um Quarto de Século de Programas e Compêndios de História para o Ensino Secundário Brasileiro, op. cit. p. 147. 156 Série‖.402 O arranjo traduziria um propósito claro: ―dar ao estudo do nosso continente uma importância maior do que lhe era atribuída outrora.‖ 403 Para Delgado, o conhecimento da História da América era uma condição indispensável para o estreitamento das relações entre os países que a compunham. Dessa forma, deveriam ser estudadas as analogias entre as histórias dos países que fazem parte do continente. O cuidado com essa história é expresso na Unidade III de História Moderna e Contemporânea, intitulada ―O Novo Mundo‖ e se destina, segundo o autor, a ―estabelecer as primeiras ligações entre a história européia, quase exclusivamente tratada até agora, e as sociedades americanas‖. 404 Para revisar o conteúdo dessa unidade em seu compêndio, Delgado recorre a um especialista, o ―antropologista‖ Charles Wagley, que ―prestou-se gentilmente a rever as provas da Unidade‖. Wagley viera ao Brasil, pela primeira vez, em 1939, por meio de um intercâmbio entre o Museu Nacional e o Columbia College, estabelecendo um contato prolongado com o Brasil como pesquisador, ao passar mais de um ano estudando os índios Tapiraré. O conjunto de sua produção indica uma forte ligação com o Brasil e seu interesse por objetos de estudo como grupos indígenas, comunidades camponesas e relações raciais. Seus laços com o país se estreitaram a partir do casamento com Cecília Helena de Oliveira Roxo, sobrinha de D. Vera Roxo, esposa de Delgado de Carvalho. Wagley chamava as Américas de Novo Mundo e é esse o título da unidade III do programa de História Geral e do livro de Delgado de Carvalho. No pensamento de Wagley, bem como no de Delgado, as Américas são vistas como uma alteridade em relação à Europa, de onde derivariam.405 Por meio dos europeus a civilização chegou à América e, a partir dessa chegada, a região passa a ser incluída na História. Se a unidade de Delgado classifica as sociedades indígenas americanas em ―Civilizações Evoluídas‖, entre as quais inclui ―Os Maias‖, ―Os Astecas‖ e ―Os Incas‖ e ―Civilizações Primitivas‖, tratadas em apenas três parágrafos, Serrano defende em sua proposta de Instruções Metodológicas que ―sobre o problema da origem e grau de 402 CARVALHO, Delgado de. História Moderna e Contemporânea, op. cit, p. 235. 403 Ibidem. 404 Ibidem, p. 77. 405 ROSA, Francisco Tadeu Ribas Santos. A aliança e a diferença: uma leitura do itinerário intelectual de Charles Wagley. Dissertação (Mestrado em Antropologia). Capinas: Universidade Estadual de Campinas, 1993. p. 65. 157 cultura dos indígenas americanos‖ deveriam ser evitadas ―dúvidas e hipóteses ainda prematuras e que terão oportunidade de ser estudadas mais tarde no curso clássico e científico‖. 406 O fato de chamar um especialista em civilizações indígenas para revisar o seu capítulo mostra a importância que Delgado conferia ao estudo dessas civilizações em seu aspecto cultural, embora o programa e também o livro destinem pouco espaço a esse estudo. A introdução às instituições coloniais vigentes nas Américas deveria ser feita sob o ponto de vista comparativo, pois os conhecimentos de História do Brasil (adquiridos no ensino primário, uma vez que nas duas primeiras séries do ginasial era estudada História Geral) deveriam ser suficientes ―para permitir comparações entre instituições coloniais espanholas, portuguêsas e inglêsas‖.407 Entretanto, não se deveria aprofundar demais o estudo da história pátria, sob o risco de tais discussões levarem a um afastamento do programa da 2.ª Série. Assim, podemos perceber que o propósito de Delgado de Carvalho, de ressaltar as analogias entre as histórias dos diferentes países americanos não se concretiza de fato. Em História Moderna e Contemporânea o Brasil é citado 15 vezes, o que demonstra que, em relação ao critério quantitativo, o número de referências ao Brasil não apresenta diferenças significativas em relação à quantidade de vezes em que é referenciado em História Geral. Quiçá, o motivo para que não se adentrasse a História do Brasil é que com a Reforma Capanema se afirma no ensino secundário a tendência que já se verificava nos cursos superiores para a formação de professores de História e Geografia que atuariam nesse segmento, com a entrada em vigor do regime de cátedras. Essa tendência apregoava a interdição da integração entre os estudos de História Geral e os de História do Brasil. Como já foi exposto no capítulo dois deste trabalho, o ensino secundário adquire grande importância para a política educacional do ministério de Gustavo Capanema. O ministro, em discurso proferido em 1942, por ocasião da solenidade de formatura da turma de licenciados da FNFi desse ano, afirma que a principal preocupação da reforma 406 Instruções metodológicas. Fundo Gustavo Capanema, GC 40.02.01. Fotograma 318/2. p. 10. 407 CARVALHO, Delgado de. História Moderna e Contemporânea, op. cit,, p. 77. 158 do ensino secundário foi dar a esse segmento maior elevação e questiona: ―Como tentar essa obra sem um grande número de professores altamente preparados?‖408 A (in)capacidade dos professores era a grande questão que, como vimos, preocupava aqueles que pensavam os rumos do ensino nacional. A junção das formações em Geografia e História no curso universitário da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil causou certo descontentamento na comunidade dos geógrafos, que, como vimos, possuía instituições voltadas para a pesquisa, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e do Conselho Nacional de Geografia. A reivindicação dos geógrafos era a de que o curso universitário fosse mais especializado e de cunho mais prático.409 A História que se desenvolvia no interior da universidade era exclusivamente voltada para a formação de professores, não comportando nenhum tipo de pesquisa. Antes da criação dos primeiros cursos universitários, na década de 1930, a pesquisa já era desenvolvida no interior do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, entretanto, como vimos a instituição voltava-se exclusivamente para o estudo da História do Brasil. Diferentemente da Universidade do Distrito Federal, que empregava seus professores sob o regime de contrato, na Faculdade Nacional de Filosofia, as cátedras formavam sistemas fechados. Cada catedrático tinha ―liberdade‖ para determinar o conteúdo a ser estudado no interior de sua cátedra e a metodologia de ensino a ser usada.410 Em relação à formação em História, em 1939, passam a existir quatro cátedras: História da Antiguidade e Idade Média, História Moderna e Contemporânea, História da América e História do Brasil. Delgado de Carvalho se tornou catedrático interino da cadeira de História Moderna e Contemporânea em junho de 1943, substituindo o professor francês Victor Marie Lucien Tapié, que se ausentara do país no ano anterior.411 Em concurso realizado no ano de 1945 – por meio do qual foram providas as cátedras História da América (da qual se torna ocupante Sylvio Julio de Albuquerque e Lima), História da Antiguidade e 408 Como o ministro Capanema falou aos novos licenciados. Data: 23 dez 1942. Arquivo Gustavo Capanema, GC g 1936. 01. 18 Pasta VII, Doc. 14. 409 FERREIRA, Marieta de Moraes. Notas sobre a Institucionalização dos Cursos Universitários de História no Rio de Janeiro, op. cit. p. 155. 410 FÁVERO, Maria de Lourdes de Albuquerque. A Faculdade Nacional de Filosofia, RJ (1939-1968): o projeto possível. Rio de Janeiro: PROEDES/UFRJ, s/d. p. 6. 411 Arquivo Gustavo Capanema, GC g 1936.01.18 pasta VII, documento 24. 159 da Idade Média (cujo catedrático efetivo era Eremildo Luís Viana) e História do Brasil 412 (ocupada por Hélio Vianna ), Delgado, não se sabe por que, não se inscreveu. Talvez, não tenha concorrido porque já contasse, à época, com mais de sessenta anos, quarenta deles dedicados ao magistério, como gostava de ressaltar. Os candidatos às outras cátedras eram mais jovens em relação ao experiente professor francês. O professor da cadeira de História do Brasil era Hélio Vianna, mineiro que chegara ao Rio de Janeiro no fim da década de 1920 para cursar Direito, obtendo o Bacharelado pela Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro em 1932. Atuou como jornalista e, de 1935 a 1939, foi auxiliar, redator e chefe da seção do Departamento de Propaganda e Difusão Cultural, depois Departamento de Imprensa e Propaganda, do Ministério da Justiça. 413 Luís Reznik considera Hélio Vianna um ―historiador oficial‖, pois escrevia para a revista Cultura Política, diretamente ligada ao Departamento de Imprensa e Propaganda. Além disso, foi membro da Comissão de Estudos dos Textos de História do Brasil do Ministério das Relações Exteriores e ulteriormente da Comissão Diretora de Publicações da Biblioteca do Exército e do Conselho Federal de Cultura. 414 Maria Yedda Linhares, afirma que em suas aulas os alunos tinham que decorar tudo o que estava no manual do próprio professor. Eulália Lobo diz que os seus livros 415 eram apenas enumeração de fatos e suas aulas ―de uma monotonia infinita‖. Ambas as professoras, que foram assistentes na FNFi, afirmam que não havia qualquer possibilidade de abertura para a realização de pesquisa . O fato de a cátedra estar ocupada por Hélio Vianna inviabilizava a proposição de pesquisas que visassem a investigar temáticas relacionadas à História do Brasil. Eulália, afirma ainda, que era comum tratar o Brasil de forma isolada em relação à América. ―Hélio Viana, por exemplo, tratava minimamente das relações internacionais 412 Quadro I – Inscritos para os concursos de professor catedrático da FNFi – Junho 1945. In: FÁVERO, Maria de Lourdes de Albuquerque. Faculdade Nacional de Filosofia: o corpo docente, matizes de uma proposta autoritária. V. 2, INEP/FE/UFRJ. Rio de Janeiro: Ed. da UFRJ, 1989. 413 FERREIRA, Marieta de Moraes. Perfis e trajetórias dos professores universitários do curso de História no Rio de Janeiro, op. cit, p. 246. 414 REZNIK, Luís. Tecendo o amanhã, op. cit. p. 163. 415 VAINFAS, Ronaldo e GOMES, Ângela de Castro. Entrevista com Eulália Maria Lahmeyer Lobo. Revista Estudos Históricos, América do Norte, 5, jul. 1992. Disponível em: http://virtualbib.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2334/1473. Acesso em: 15 jan 2011. p. 86. 160 do Brasil. Havia também um certo preconceito de se achar que o Brasil era superior à América Latina, não fazia parte dela. Isso era muito marcante na época.‖ 416 Como a História do Brasil não era um assunto tratado de maneira integrada à História Geral na formação dos professores secundários e interditado a quem não fizesse parte da cátedra, os livros de História Geral, provavelmente, deveriam seguir essa tendência, pois à História do Brasil estariam reservados os livros da disciplina. Restava ainda falar sobre a História da América, desvinculada do caso brasileiro, considerado particular. O programa de História Geral trazia duas unidades tratando exclusivamente de História da América. Nos livros de Delgado, a solução encontrada para uma aproximação da história brasileira com a História Geral foi tratar da história de Portugal, denominada pelo autor de ―fase européia de nossa história‖. 417 Outro nome a quem Delgado tece agradecimentos, no livro História Moderna e Contemporânea, é o de sua assistente na Faculdade Nacional de Filosofia, a professora Maria Yedda Leite, responsável pela organização e escrita do ponto quatro da V.ª Unidade do livro, ―Independência das Nações Latinas‖. O ponto, escrito por Maria Yedda segue uma linha semelhante à de Delgado de Carvalho, iniciando-se pelas ―Origens e causas do movimento‖ de independência das nações latinas da América e culminando no estudo dos processos de independência propriamente ditos. O processo de independência do Brasil não é tratado. Sua especificidade é apenas comentada: ―O Brasil, porém, consolidado em forma monárquica, pelas circunstâncias especiais que determinaram a sua independência de Portugal, mantivera- se indivisível em sua nova forma política.‖ 418 Essa forma política, o Império, não é nem ao menos comentada. Como afirmamos anteriormente, ao que tudo indica, os assuntos relativos à História do Brasil deveriam ser tratados apenas nas séries seguintes, logo, a comparação entre os processos de independência da América espanhola e da América portuguesa tornava-se pouco viável. 416 Ibidem, p. 88. 417 CARVALHO, Delgado de. História Moderna e Contemporânea, op. cit. p. 188. 418 CARVALHO, Delgado de. História Moderna e Contemporânea, op. Cit. p. 178. 161 Maria Yedda colaborou com Delgado de Carvalho em outras obras pertencentes à coleção ―Curso Delgado de Carvalho‖419. A professora foi indicada por Delgado para tornar-se assistente da cadeira de História Moderna e Contemporânea, em 1946. Na ocasião, a cátedra tinha, também como assistente, Antero Manhães. No interior da cátedra, Yedda voltou-se para o estudo das relações internacionais, pois, segundo ela, era o melhor que se poderia fazer, levando em consideração a dificuldade de pesquisar assuntos relativos à História Moderna e Contemporânea do continente europeu no Brasil. A professora afirma que nos cursos de Delgado de Carvalho não existia iniciação à pesquisa, ou crítica bibliográfica e historiográfica, pois o interesse era ministrar cursos mais amplos e introdutórios. Ao que tudo indica, em seus cursos, Delgado seguia a tendência de seus livros: ―O que ele fazia era interpretação de texto, e isso já foi uma grande contribuição. (...) Era um grande professor francês, preocupado em dar uma visão global sobre tudo.‖420 Sua preocupação, portanto, não era a realização de pesquisa. Como a proposta de Delgado não se voltava à pesquisa sobre aspectos da História do Brasil, como esclarecemos no primeiro capítulo deste trabalho, ao que tudo indica, o autor não entrou em conflito com Hélio Vianna. Vianna até mesmo publicou dois livros destinados ao ensino de História do Brasil na coleção ―Curso Delgado de Carvalho‖421. Um terceiro livro do autor, intitulado ―História Administrativa e Econômica do Brasil‖, seria publicado na mesma coleção, em coautoria com Afonso Arinos de Melo Franco. Só foi publicado em 1951, e trazia, estampado na capa, apenas o nome de Hélio Vianna. A obra foi editada pela Companhia Editora Nacional, mas não no ―Curso Delgado de Carvalho‖, o que pode indicar que a coleção teve uma curta duração. 419 Cf. LINHARES, Maria Yedda Leite. O Regime Colonial. In: CARVALHO, Carlos Delgado de. Súmulas de História Colegial para a primeira série colegial. Rio de Janeiro: Cia. Editora Nacional, 1947. p. 125-139. e LINHARES, Maria Yedda Leite. O Extremo Oriente. In: CARVALHO, Carlos Delgado. Súmulas de História Colegial para a Segunda Série Colegial. Rio de Janeiro: Cia. Editora Nacional, 1949. p. 116-126. 420 FERREIRA, Marieta de Moraes. Uma entrevista com Maria Yedda Linhares, op. cit. p. 9 421 Os livros eram História do Brasil – Período Colonial – 3.ª Série Ginasial e História do Brasil – 3.ª Série Colegial. Essa informação foi obtida no verso da falsa folha de rosto de CARVALHO, Delgado. Súmulas de História Colegial para a Segunda Série Colegial. 2. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1949. 162 Com a morte prematura de Antero Manhães, assistente mais antigo da cadeira e com a iminência da aposentadoria de Delgado, a professora Maria Yedda Leite Linhares presta concurso em 1954 e, bem sucedida, torna-se livre docente da cadeira. Em março de 1957, após novo concurso, assume a cátedra de História Moderna e Contemporânea da Faculdade Nacional de Filosofia, em vaga deixada por Delgado. Em relação à história recente, a eclosão da Segunda Guerra Mundial mostrou que não se fazia mais possível ignorar o estudo do presente nos livros didáticos de História. Na oitava unidade do programa de História da segunda série do curso ginasial, novamente, o livro de Delgado aborda fatos que ocorreram até as vésperas da publicação da obra e confere destaque à temporalidade contemporânea. Os temas recentes não pareciam um problema para o autor, desde que não se fizesse uma 422 ―interpretação precipitada, apaixonada ou tendenciosa dos fatos‖. Considerava ele que essa abordagem se mostrava mais útil para o estudo da História entrar em maiores detalhes sôbre os fatos recentes, cujas conseqüências nos chegam a todo momento, do que nos perder em minúcias sôbre episódios mais remotos em séculos anteriores, que só indiretamente influem na vida atual. 423 Tal disposição visava, segundo Delgado, ―dar ao jovem estudante um quadro histórico do mundo em que vive, para auxiliá-lo na compreensão e interpretação dos acontecimentos diários‖. Por essas considerações, vemos que o autor mantém a sua disposição de considerar a História como um estudo que serviria à compreensão do presente, embora não fosse fácil articular essa aspiração aos ditames dos programas, que, como vimos, buscavam a valorização nos estudos da história do passado remoto greco-romano. Enquanto a Primeira Guerra Mundial continuava a ser chamada de ―Grande Guerra‖, a Segunda Guerra Mundial é denominada como ―Guerra de 1939‖ e tratada como ―apenas a continuação lógica da Primeira Guerra Mundial‖424. O autor chega a falar em ―renovação da Grande Guerra‖, afirmando que as causas dessa renovação foram as mesmas da guerra anterior: ―imperialismo, militarismo e sistema de alianças, 422 CARVALHO, Delgado de. História Moderna e Contemporânea, op. Cit., p. 279 423 Ibidem, p. 279. 424 CARVALHO, Delgado de. História Moderna e Contemporânea, op. cit., p. 335. Grifos do autor. 163 complicadas [sic], desta vez, com conflitos de ideologia e ocasionadas pelas condições artificiais criadas pelo Tratado de Versalhes‖. 425 O autor alude à Carta das Nações Unidas, assinada em junho de 1945, sem mencionar ou explicar (talvez pela necessidade de concisão) o seu conteúdo. Nessa unidade não fala mais em cordialidade entre as nações, embora pareça ainda acreditar que a paz entre elas se fazia possível por meio da diplomacia internacional, que, segundo ele, não havia ficado inativa durante o conflito. A preocupação do autor no estudo da unidade é não tecer juízos sobre os acontecimentos, que, segundo ele, requeriam ―interpretação sôbria e comentários restritos‖. Os pontos do programa contemplavam apenas as ―situações novas, de após- guerra e reconstrução‖ e foram escolhidos ―quase todos entre os regimes totalitários‖. Segundo ele, tratava-se ―mais de compreender do que de justificar ou criticar‖ aqueles acontecimentos. 426 Percebemos assim uma grande cautela, por parte do autor, em tratar dos assuntos da Segunda Guerra Mundial. Ao chamar o evento de ―consequência‖ e ―renovação‖ da Primeira Guerra, o autor nos dá pistas para considerar a guerra como um episódio que possa ter abalado a sua crença no ―progresso humano em todos os sentidos‖. Para Delgado, talvez a civilização não fosse mais una e no singular porque as duas guerras haviam provado a sua divisão. O acréscimo da unidade IX, do programa de 2.º ano do curso ginasial ―Panorama do Progresso‖ representa, para o autor um avanço nos estudos de História, embora ressalvando que sua inclusão, ao final do curso não possibilitasse o estudo ―com a amplitude que seria desejável‖. Vemos aqui que as imagens ideais para constar nessa unidade, no entender de Delgado, deveriam ser semelhantes às dos compêndios norte- americanos mencionados no capítulo dois deste trabalho, que, segundo o autor, representavam a superioridade desses compêndios: a interpretação gráfica da gênese das descobertas humanas em gravuras claras. Aqui ficam claras as limitações dos compêndios da década de 1940 em relação aos programas e aos aspectos materiais, pois em toda a unidade IX do livro História Moderna e Contemporânea há apenas uma única imagem, a do Palácio da Paz em Haia, que deveria ter sido incluída na unidade anterior, quando se tratou do ―Mundo Contemporâneo‖. 425 Ibidem, p. 343. Grifos do autor. 426 Ibidem, p. 279. 164 Fazia-se essencial, para ele, no estudo dessa unidade, ―procurar em cada século as suas feições, a sua contribuição e esta marcha da Humanidade para um ideal de 427 perfeição ou, pelo menos, para um estado social e material superior‖. Percebemos que a crença de Delgado no aperfeiçoamento contínuo da humanidade, pode, de alguma forma, ter sido abalada pelos acontecimentos das décadas de 1930 e 1940. Ele escolhe, nessa unidade, ressaltar o progresso no âmbito da ciência e da técnica, o domínio da Terra e o progresso nas letras e nas artes, sem mencionar o ―progresso moral‖, como consequência do progresso nesses domínios, como fizera na década de 1930. Ao destacar o sentido do progresso no mundo moderno, o autor constata algumas condições por meio das quais ele se verifica: ―um conhecimento mais profundo do meio físico em que vivemos‖, ―uma duração mais prolongada da vida humana”, ―um modo de vida menos rude e laboriosa [sic]‖, ―uma vida social mais elevada (...) permitindo contatos sociais mais frequentes, lazeres e recreio, cultura e vida mais refinada, assim como maior intimidade espiritual entre povos‖, ―uma compreensão mais inteligente e mais sóbria do Universo que livra os espíritos dos temores, das práticas, das superstições, das crendices sem fundamento e de muitos preconceitos‖. 428 Percebemos, assim, que o autor se torna mais cauteloso ao mencionar o relacionamento entre países, citando de forma ampla uma ―maior intimidade espiritual entre os povos‖ sem esclarecer ao que isto se refere e sem empreender uma análise dos acontecimentos mundiais mais recentes em sua época, sob a alegação de não pretender julgar os fatos. Ao que tudo indica, o autor, na década de 1940, passou a perceber a dificuldade do historiador se manter neutro diante dos acontecimentos do seu próprio presente, algo que não se mostrava nos seus escritos da década de 1930. Parece que, para o autor, a História deixou de ser a ―atualidade do passado‖ e, para evitar ser parcial no julgamento dos fatos, ele se abstém também de interpretá-los. 429 Apesar da crença no progresso material da civilização, que inegavelmente trazia melhorias à vida das pessoas o autor não considerava mais que o progresso das ciências 427 CARVALHO, Delgado. CARVALHO, Delgado de. História Moderna e Contemporânea, op. cit., p. 347. 428 Ibidem, p. 352. Grifos do autor. 429 Sobre essa discussão ver o segundo capítulo deste trabalho. 165 e das técnicas tivesse como consequência direta o aperfeiçoamento moral da humanidade e o avanço do pacifismo. A última unidade nos leva a perceber que Delgado ainda concordava com Oliveira Lima quando este afirmava que, na evolução da civilização, ―cada século contribuiu com a sua quota‖. A crença no ―progresso humano constante‖, no entanto, apregoada por Lima no início do século, talvez não fosse mais compartilhada por Delgado na década de 1940, abalada que foi pelas duas guerras mundiais.430 4.3 Considerações acerca de Histórias Gerais: Joaquim Silva e Delgado de Carvalho Mesmo possuindo o reconhecimento conferido a um professor catedrático da Universidade do Brasil, os livros de Delgado não foram, por assim dizer, sucessos editoriais. Grande espaço do mercado era destinado aos livros de Joaquim Silva (1880- 1966), fenômeno de vendas entre as décadas de 1930 e 1960. Joaquim Silva foi um dos autores que publicou suas primeiras edições nos anos 1930, aproveitando a renovação gerada pela necessidade de adequação dos livros didáticos aos programas da Reforma Campos. A longevidade de suas obras comprova a aceitação que tiveram nas escolas e sua importância mercadológica.431 Ao analisar duas coleções do autor para o ensino de História do Brasil (uma produzida na década de 1930 e outra na década de 1940), Reznik afirma que Joaquim Silva se tornou um autor conhecido, exclusivamente pela divulgação dos seus livros didáticos. Observa que o autor, para se adequar aos programas de 1942, copia trechos, reorganiza parágrafos, ―pontos‖ e ―capítulos‖ e conclui que as modificações em seus livros didáticos, ao longo do tempo são pequenas. Acreditamos que, em seus livros de História Geral tal tendência é seguida. Questionamo-nos, assim, acerca das semelhanças e diferenças entre os livros de Joaquim Silva e os de Delgado de Carvalho, levando em conta que foram publicados pela mesma editora. Apesar de os livros de Joaquim Silva terem sido editados desde os 430 LIMA, Oliveira. História da Civilização, op. cit. p. 20. Trecho citado na página 113 deste trabalho. 431 PINTO JÚNIOR, Arnaldo. Professor Joaquim Silva, um autor da historia ensinada do Brasil: livros didáticos e educação moderna dos sentidos (1940-1951). Tese (Doutorado em Educação). Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2010. p. 4. 166 anos 1930, o questionamento é pertinente, pois tais obras, apesar da mudança nos programas, passando por adequações, continuaram a ter uma boa aceitação no mercado didático e continuaram a competir com obras de autores de livros didáticos consagrados, como Jonathas Serrano e Basílio de Magalhães e com as próprias obras de Delgado de Carvalho, objetos de análise deste capítulo. Não possuímos dados acerca do número de exemplares vendidos das obras para o ensino de História Geral, publicadas por Joaquim Silva. Entretanto, podemos ter uma ideia a partir dos dados de edição de suas obras para o ensino de História do Brasil entre os anos de 1942 e 1952, período de vigência dos programas da Reforma Capanema. Segundo os mapas de edições da Companhia Editora Nacional, pesquisados por Arnaldo Pinto Junior (2010), os livros de Joaquim Silva, voltados para o ensino de História do Brasil para o terceiro ano e para o quarto anos do curso ginasial tiveram, respectivamente, 40 edições, com 193307 exemplares vendidos e 32 edições, com 164207 exemplares vendidos. 432 Pinto Junior mostra, a partir dos mapas de edições das obras de Joaquim Silva, publicadas entre as décadas de 1930 e 1970, que, nesse período, as obras do autor destinadas ao ensino de História do Brasil, lideraram as vendas em comparação com as de História Geral e História da América. Ainda assim, o número expressivo de edições dos livros de História Geral comprovam a confiança da editora na vendagem dos livros do autor e sua capacidade de difusão nas escolas. A trajetória de Joaquim Silva difere, sobremaneira, da de Delgado de Carvalho. Como pudemos observar, Delgado de Carvalho primeiramente se estabeleceu como um intelectual, procurando obter o reconhecimento de seus pares, por meio da inserção em diversos espaços que o legitimassem como tal, como o IHGB e o Colégio Pedro II e apenas depois, tornou-se autor de livros didáticos para o ensino de História, quando também já era um nome conhecido no mercado por suas produções na área de Geografia. Joaquim Silva, por outro lado, era um professor de colégio particular, mais especificamente, do Lyceu Nacional Rio Branco, localizado na cidade de São Paulo. Por fazer parte do corpo docente dessa instituição, participou da elaboração de um material 432 PINTO JÚNIOR, Arnaldo. Professor Joaquim Silva, um autor da historia ensinada do Brasil, op. cit. p. 165. 167 coletivo, preparatório para os exames de admissão. A partir desse projeto, começaram as suas relações com a Companhia Editora Nacional. 433 Na década de 1930, o professor passou a atuar em outros colégios particulares confessionais. Os nomes desses colégios, juntamente com o do Liceu Rio Branco estampam a folha de rosto do livro História Geral para o primeiro ano ginasial de acôrdo com o programa do Colégio Pedro II (1945, 23.ª edição), logo abaixo do nome do autor. Joaquim Silva encerra sua atuação como professor no ano de 1941 e, em 1945, era apresentado em um dos seus livros didáticos como ―Ex-professor no Liceu Rio Branco, nos colégios Madre Cabrini e São Luis e no Ginásio das Cônegas de Santo Agostinho (des Oiseaux)‖. 434 A participação em instituições de pesquisa (que também eram espaços importantes de sociabilidade) só se concretizou quando o autor já tinha alcançado a 435 consagração no mercado de livros didáticos. A participação nesses espaços não significa que Joaquim Silva tenha publicado algum trabalho baseado em pesquisas, mas configurava uma credencial importante que aparece destacada na folha de rosto de História Geral para o primeiro ano ginasial de acôrdo com o programa do Colégio Pedro II, na qual se pode ver, além do nome dos colégios nos quais tinha atuado como professor, abaixo do nome do autor, a sua nova credencial: ―Do Instituto Histórico e Geográfico de S. Paulo‖.436 437 O livro de Joaquim Silva teve sua primeira edição publicada em 1943. Apenas dois anos depois já se encontrava em sua 23.º edição. Escolhemos justamente a edição de número 23, por ter sido publicada no mesmo ano em que Historia da 433 PINTO JUNIOR, Arnaldo. Professor Joaquim Silva, um autor da historia ensinada do Brasil, op. cit. p. 118. 434 Folha de rosto. In: SILVA, Joaquim. História Geral para o primeiro ano ginasial de acôrdo com o programa do Colégio Pedro II. 23. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1945. 435 O autor fez parte dos quadros do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, para o qual entrou em 1943 como Sócio Efetivo, do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, na condição de Sócio Correspondente e do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Sorocaba, na condição de Sócio Honorário. Arnaldo Pinto Junior não encontrou nenhuma participação de Joaquim Silva nas publicações dessas instituições. Ver: PINTO JUNIOR, Arnaldo. Professor Joaquim Silva, um autor da historia ensinada do Brasil. p. 123. 436 Folha de rosto. In: SILVA, Joaquim. História Geral para o primeiro ano ginasial de acôrdo com o programa do Colégio Pedro II. 23. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1945. 437 Fonte: http://www.ednacional-acervo.com.br/nome_livro.asp?livro=3495 (Acesso em 20 mar 2011) 168 Antiguidade e Idade Média, o livro de Delgado de Carvalho destinado ao ensino de História no primeiro ano ginasial que é um dos nossos objetos neste capítulo. 438 A obra de Joaquim Silva, apesar de trazer em seu título a referência ―de acôrdo com o programa do Colégio Pedro II‖, segue o programa de História, para o primeiro ano da Reforma Capanema. No índice, além dos títulos do programa oficial, também estão discriminados outros elementos tais como cronologias e quadros comparativos, que fazem parte da obra. Cada título referente ao programa é dividido em subtítulos que contêm o texto principal do capítulo. Esses tópicos cumprem a função de marcar o ritmo da leitura, tornando-a menos cansativa para o aluno de primeiro ano. Ao longo do texto, notas de pé de página foram introduzidas com o intuito de explicar ou exemplificar algum aspecto presente no texto principal. Tais notas também contêm referências historiográficas que corroboram a narrativa nele presente. 439 Ao comentar os livros para o ensino de História da Civilização de Joaquim Silva, Guy de Hollanda, citando Eremildo Vianna, afirma que o principal mérito da obra residia em sua ―linguagem clara e acessível‖. Na visão de Vianna a obra também apresentava problemas. O autor tece críticas às ―graves imperfeições de caráter histórico‖ existentes nos volumes que, segundo afirma, fizeram necessária a revisão dos livros pela editora, com a devida permissão do autor. 440 A preocupação com o entendimento dos alunos também se expressa na inclusão de um ―Vocabulário‖, contendo as palavras cujo significado poderia ser desconhecido deles. Tais palavras são assinaladas ao longo do texto e das leituras, por meio de um asterisco. O autor define para os leitores, desde palavras simples como ―cerâmica‖ e ―papiro‖, até conceitos complexos como ―cultura‖. 438 Não conseguimos encontrar em bibliotecas exemplares de livros de Joaquim Silva destinados ao ensino de História na segunda série ginasial publicados na mesma época. Entretanto, sabemos que o livro História geral para o segundo ano ginasial de acordo com o programa do Colégio Pedro II também teve sua primeira edição em 1943 e contou com 42 edições até 1950, ano da última. Ver: http://www.ednacional-acervo.com.br/nome_livro.asp?livro=3501 (Acesso em 20 mar 2011) 439 PINTO JUNIOR, Arnaldo. Professor Joaquim Silva, um autor da historia ensinada do Brasil. p. 174. 440 VIANNA, Eremildo. O ensino da História no Brasil, p. 50-51. Apud HOLLANDA, Guy de. Um Quarto de Século de Programas e Compêndios de História para o Ensino Secundário Brasileiro, op. cit. p. 128. 169 Sobre os livros de Joaquim Silva, publicados depois de 1942, Hollanda assevera que, apesar de conterem basicamente as mesmas características de suas obras anteriores destinadas ao ensino de História da Civilização, a informação histórica melhorara em virtude da introdução de numerosas notas de pé de página que ―multiplicaram-se, 441 excessivamente, em número e extensão‖. Apesar das críticas, Hollanda também faz elogios à inclusão de elementos gráficos tais como os mapas e imagens que, em seu entender, na obra de Joaquim Silva, destacavam-se por sua nitidez e as numerosas estampas beneficiavam-se, freqüentemente, de comentários descritivos, o que é um requisito didático indispensável, porém, ignorado, esquecido ou desprezado, pela quase totalidade dos compêndios nacionais de História. 442 Além das numerosas imagens e mapas, comentados por Hollanda, que vinham entremeados ao texto do capítulo, em cada um dos títulos nos quais as unidades são divididas, podemos encontrar seções que não integram o texto principal dos capítulos. A primeira delas é a de ―Leituras‖, contendo textos sobre aspectos que o autor pretendia ressaltar, tais como biografias, fatos ou processos históricos considerados relevantes para o assunto estudado. As leituras, ao que tudo indica, eram da autoria de Joaquim Silva, pois não trazem nenhuma indicação de que fossem traduções de outras obras, ou trechos de obras nacionais. As leituras podiam também ser seguidas de notas explicativas. Cada um dos subtítulos era seguido de um grande ―Questionário‖ contendo perguntas (Que sabe; Que foi; Qual; Por que; Como; Quem foi) cujos comandos direcionavam as respostas tanto para a simples enumeração, quanto para reflexões mais profunda sobre atos, causas, motivações e consequências dos processos, fatos históricos e civilizações estudados. O livro trazia, também, a seção ―Para exercícios escritos‖ contendo tópicos para o desenvolvimento de dissertações, tais como ―Escreva a história dos hebreus até a sua volta do Egito‖, ―Mencione três dos maiores faraós e justifique sua preferência‖ e ―Descreva a religião e a cultura dos egípcios‖. 441 HOLLANDA, Guy de. Um Quarto de Século de Programas e Compêndios de História para o Ensino Secundário Brasileiro, op. cit. p. 149. 442 Ibidem. 170 Ao longo do livro, entretanto, não há nenhuma indicação para o aluno ou professor do material que deveria ser consultado para a produção de tais dissertações. Algo diferente ocorre nas obras destinadas ao ensino de História do Brasil. Para a elaboração dos exercícios propostos nos livros destinados ao ensino de História do Brasil, o autor recomendava que o aluno recorresse às notas que acompanhavam o texto e às leituras e propunha, ainda, o estudo de obras de reconhecidos autores, tais como Capistrano de Abreu, Pedro Calmon, Pandiá Calógeras, Basílio de Magalhães e João Ribeiro. 443 Em cada subtítulo, o livro também traz um ―Sumário‖ que detalha os conteúdos tratados no ponto, por meio de tópicos. Diferentemente do ―Plano de Unidade‖ recomendado por Delgado de Carvalho, cuja função era a de fornecer ao aluno uma vista preliminar dos assuntos tratados na unidade, ao que tudo indica, a finalidade do ―Sumário‖, da obra de Joaquim Silva, era a de revisar os assuntos estudados, sintetizando-os, ao fim de cada ponto da unidade. A obra não traz nenhuma indicação metodológica voltada para o direcionamento do trabalho do professor e nem mesmo orientações para a sua utilização pelos alunos. Arnaldo Pinto Junior levanta a hipótese de que, na falta de orientações explícitas, a seção ―Sumário‖, ao detalhar o conteúdo estudado no ponto ao qual se refere, serviria como uma base para orientar o trabalho do professor e os estudos dos aluno. O livro traz ainda uma introdução denominada ―Leitura Preliminar‖, que não é referenciada no Índice que consta do volume. Essa introdução, que poderia ser utilizada tanto por professores quanto por alunos, explica, sumariamente, o conceito de História, além de trazer noções sobre ―prehistória‖, ―fontes históricas‖, ―épocas prehistóricas‖, ―formação dos povos‖ e ―raças humanas‖. 444 A definição do autor para o papel da História é a seguinte: A história narra os principais acontecimentos da vida da humanidade: o que os homens fizeram, de que modo têm vivido, que inventaram, como criaram as ciências, as artes, as leis, quais foram seus ideais, suas esperanças, seus plano (...). 445 443 Cf. SILVA, Joaquim. História do Brasil para o Terceiro Ano Ginasial. 9ª edição. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1943. Apud PINTO JUNIOR, Arnaldo. Professor Joaquim Silva, um autor da historia ensinada do Brasil. Op. cit, p. 177. 444 SILVA, Joaquim. História Geral para o primeiro ano ginasial de acôrdo com o programa do Colégio Pedro II, op. cit. p. 6. 445 Ibidem, p. 7. 171 Para Joaquim Silva, a história deveria responder a diversas perguntas com datas porque elas ―situam os fatos no tempo, dando-nos idéia da sua distância de nossos dias‖. O autor dá exemplo de algumas perguntas que podem ser respondidas por meio do recurso à História: Desde quando o homem aprendeu a dominar os ares com o avião? Quando correu em nossa terra a primeira locomotiva? Quanto tempo se passou do descobrimento da América ou do Brasil? Em que época viveram Moisés, Alexandre, Júlio César, Carlos Magno, Napoleão, Pausteur, Marconi?446 Podemos perceber que, de forma semelhante a Delgado de Carvalho, Joaquim Silva acreditava que a História deveria ser estudada a partir do presente, levando-se em conta o desenvolvimento da civilização de seus primórdios até os dias atuais. Por outro lado, a comparação entre os compêndios dos dois autores, mostrou diferenças significativas em sua apresentação material e na forma de desenvolver os assuntos tratados, mesmo tendo sido produzidos pela mesma editora. Joaquim Silva demonstra uma grande preocupação em melhorar a qualidade das informações históricas veiculadas em seus livros, por meio do recurso a notas explicativas. Considerando o comentário de Eremildo Vianna, citado por Guy de Hollanda, esse cuidado é uma resposta às críticas que o autor sofrera e, ao que parece, continuava a sofrer por parte dos seus pares. Joaquim Silva era apenas um ―Professor‖ e é assim que Hollanda se refere a ele. Seu nome só alcança projeção nacional quando da publicação de seus livros didáticos. Como vimos, esse não era o caso de Delgado de Carvalho. Em relação aos aspectos didáticos do livro de Joaquim Silva, podemos perceber que o autor traz, em apêndice aos assuntos tratados nas unidades, cronologias e quadros sincrônicos. A finalidade de tais elementos não é explicada, pois o livro não é precedido de introdução. Percebemos, entretanto, que eles já vinham sendo sobremaneira utilizados nas obras de Jonathas Serrano, que também foi um pioneiro na forma de utilização de imagens e mapas em livro didáticos para o ensino de História. Embora já 446 Ibidem, p. 7. 172 aparecessem em livros didáticos antes da publicação das obras de Serrano, esses recursos não eram valorizados. 447 No prefácio da primeira edição do Epítome de História Universal de Serrano, publicado em 1912, Escragnolle Dória, professor do colégio Pedro II atentava para essa originalidade, afirmando que os ―quadros sinópticos‖ e o ―afastamento da arida chronologia e secca nomenclatura‖ eram coisas raras nos compêndios brasileiros existentes até então. Schmidt afirma que Serrano teve acesso aos manuais de Ernest Lavisse e através deles teria conhecido, por intermédio do professor francês Henrique Monot, os novos métodos de ensino. Esses manuais também podem ter sido fonte de inspiração para Delgado de Carvalho, que certamente os conhecia. Hollanda aponta que, desde as suas primeiras publicações, os compêndios de Serrano forneciam aos demais autores modelos didáticos que ensejaram muitas vezes a cópia dos modelos, ou ―aspectos externos‖, nem sempre de forma acertada. Na maioria das vezes, tais elementos serviam apenas para dar às obras uma ―impressão de novidade‖. O autor critica, também, a utilização acrítica de notas em livros didáticos de História, pois segundo ele ―muitas multiplicaram [notas] desnecessariàmente, recheando-as, frequentemente, de citações de obras históricas, de díspara qualidade.‖ 448 Em sua concepção, se os quadros e notas se mostravam apenas como elementos figurativos, não cumpririam os objetivos almejados por Serrano, os de facilitar o trabalho de professores e alunos, buscando o entendimento de noções tais como sucessão e simultaneidade dos acontecimentos e processos históricos e a síntese dos mesmos. 449 Temos fortes razões para acreditar que a crítica de Hollanda é dirigida aos autores de livros didáticos de História que publicaram seus livros na década de 1930, entre os quais, principalmente, Joaquim Silva, autor das obras mais vendidas no período em questão. Hollanda atribuía a vendagem dos livros de Joaquim Silva aos méritos comerciais da Companhia Editora Nacional e não à qualidade das obras. 450 447 SCHMIDT, Maria Auxiliadora. História com pedagogia, op, cit. p. 193. 448 HOLLANDA, Guy de. Um Quarto de Século de Programas e Compêndios de História para o Ensino Secundário Brasileiro, op. cit. p. 151-152. 449 FREITAS, Itamar. FREITAS, Itamar. A pedagogia histórica de Jonathas Serrano, op. cit. p. 158. 450 HOLLANDA, Guy de. Um Quarto de Século de Programas e Compêndios de História para o Ensino Secundário Brasileiro, op. cit. p. 128. 173 Apesar de as obras de Delgado, publicadas nos anos 1940, divergirem sobremaneira de História Geral, publicada em 1935, de não possuírem exercícios e quadros, do número reduzido de imagens e mapas e da falta de indicações suficientes sobre os mesmos, ainda assim os seus ―méritos didáticos‖ são elogiados por Hollanda. O autor põe os livros de Delgado no mesmo patamar das obras de Jonathas Serrano, publicadas na década de 1940 e em nível superior às obras dos novos autores de livros didáticos para o ensino de História, entre os quais implicitamente se inclui Joaquim Silva. A consideração de que a avaliação foi feita em 1957 (apenas uma década após a publicação das obras), por um autor contemporâneo de Delgado de Carvalho, que posteriormente também se tornou professor da Faculdade Nacional de Filosofia, indica que Delgado de Carvalho conseguira através do seu nome, a legitimidade entre os seus pares. Essa legitimidade conferiu aceitação para as obras didáticas que carregavam o seu nome na capa, mesmo que essas não tivessem o arrojo didático demonstrado anteriormente em Historia Geral. Em discursos proferidos ao final de sua carreira e por nós analisados no primeiro capítulo e mesmo na Introdução de Historia Antiga e Medieval, Delgado colocar-se como um professor de História experiente, que iniciou sua carreira em 1905. Sabemos, no entanto, pela comparação com Joaquim Silva, que, para que os livros voltados para o ensino de História Geral fossem aceitos pela intelectualidade ser professor, apenas, não bastava. Era indispensável inscrever em sua trajetória o pertencimento a instituições de pesquisa, – mesmo que não se produzisse no interior delas –, a atuação em tradicionais instituições de ensino, o engajamento em projetos educacionais governistas e conhecer a produção historiográfica e didática europeia. Importava demonstrar aos outros professores que viessem a conhecer as obras, bem mais do que elementos para auxiliar nas aulas e um texto acessível aos alunos, sobretudo, erudição e conhecimento. Era necessário mostrar que o autor não era apenas mais um professor, mas um catedrático da principal instituição de ensino superior existente no país, criada com o intuito de ser uma universidade padrão. Nesse sentido, ter uma coleção de livros que levava o seu nome era também uma expressão de consagração no mercado de livros didáticos. 174 A falta de exercícios, quadros e indicações suficientes acerca dos mapas e das imagens nos livros indica que os livros talvez não fossem produzidos para a utilização em sala de aula. Embora não houvesse expressado, talvez a intenção de Delgado de Carvalho fosse destinar os livros aos professores, já que eles traziam uma linguagem inacessível para a maior parte dos alunos dos primeiros anos do curso ginasial. Por esse motivo, o autor abandona o propósito expresso em Historia Geral de que os seus livros favorecessem o ―trabalho autônomo‖ e não se limitassem a ―livros de leitura‖. Ao que tudo indica, os livros Historia Antiga e Medieval e História Moderna e Contemporânea foram concebidos, não para serem ―livros únicos‖ em sala de aula, mas para serem auxiliares do professor na preparação de suas aulas. Enquanto Joaquim Silva, para demonstrar ―como em suma, se foi desenvolvendo a civilização‖451, recorria à citação de diversas obras como uma estratégia de legitimação para suas produções, a ausência de notas explicativas, ou de referências de qualquer tipo nos livros de Delgado de Carvalho, demonstra a segurança do autor para veicular as informações presentes em seus livros, sem necessitar referenciá-las. *** Os livros Historia Antiga e Medieval e História Moderna e Contemporânea exercem, assim como o livro História Geral, publicado em 1935, uma função programática, na medida em que se espelham nos programas para o ensino de História da Reforma Capanema. Os livros conferem significado aos programas ao interpretá-los, ao enfatizar determinados assuntos, minimizar a importância de alguns e acrescentar outros, julgados relevantes. Os livros, porém, não podiam ignorar os programas sob a pena de não serem adotados, ou ainda de não receberem a aprovação da Comissão Nacional do Livro Didático, órgão encarregado da avaliação dessas obras, da qual Delgado também foi membro nos anos 1940. Na falta de Instruções Metodológicas claras, como nos de 1931, os programas deram margem para que os livros fornecessem, a professores e alunos, indicações acerca da forma pela qual a história contida nesses programas deveria ser ensinada. Nesse 451 SILVA, Joaquim. História Geral para o primeiro ano ginasial de acôrdo com o programa do Colégio Pedro II, op. cit. p. 7. 175 sentido, os livros publicados por Jonathas Serrano e Delgado de Carvalho, autores dos programas, ganham grande significação. Conquanto, não encontrassem tanta aceitação no mercado editorial, não lograram se tornar campeões de vendas. Quando à função documental, percebemos que, apesar de trazer ainda alguns elementos gráficos como imagens e mapas reaproveitados do livro História Geral, no projeto das obras Historia Antiga e Medieval e História Moderna e Contemporânea esses elementos perdem sua significação, ou melhor, têm sua significação alterada. Se no livro História Geral esses elementos, juntamente com outros, tinham a finalidade de auxiliar alunos e professores na realização de pesquisas, nos livros da década de 1940, eles cumprem uma função meramente ilustrativa, na medida em que não dialogam com o texto ―principal‖ das unidades. Prova da centralidade do texto é a ausência de exercícios nos livros. Apesar das críticas feitas por intelectuais, como Guy de Hollanda e Eremildo Vianna, o livro mais bem-sucedido no mercado foi o de Joaquim Silva, o que expressa a sua aceitação por professores e alunos. O livro de Joaquim Silva, diferentemente dos livros de Delgado de Carvalho, transpareciam a preocupação com o entendimento do aluno, ao trazer uma linguagem acessível e elementos outros para auxiliar na compreensão do mesmo, tais como leituras, exercícios, quadros e um sumário em cada ponto. A crítica dos pares fez com que Joaquim Silva lançasse mão de recursos tais como notas de rodapé, contendo citações de autores nos quais o autor se baseara para compor a sua obra. A segurança de Delgado de Carvalho ao expor os assuntos em seus livros didáticos, sem necessitar referenciar suas fontes a partir de notas, decorre, tanto da consciência do lugar de onde fala – o posto de catedrático da cadeira de História Moderna e Contemporânea da Faculdade Nacional de Filosofia – quanto da certeza da coerência na defesa de seus ideais, embora a conjuntura houvesse mudado. Alguns desafios enfrentados em sua obra de 1935 continuavam presentes na década de 1940. O ensino de História continuava a privilegiar os acontecimentos políticos e militares, em detrimento de uma história da cultura e das realizações humanas. A História do Brasil não podia ser explorada em livros de História Geral, 176 devendo ser estudada ao término dos estudos de História Geral, como um coroamento desta. Apesar de tudo, o autor continuava a defender que o ensino deveria se fazer do ponto de vista do progresso da civilização, embora não deixe transparecer, em nenhum momento de suas obras publicadas na década de 1940, o desejo de que o ensino da História favorecesse o entendimento entre as nações. Em um mundo recém-saído de uma Segunda Guerra Mundial talvez não valesse mais a pena. 177 CONCLUSÃO Iniciamos essas considerações finais lembrando a importância da escrita como instrumento de construção do passado.452 Nosso trabalho partiu dos escritos de Delgado de Carvalho para pensar como o autor ressignificou a sua trajetória profissional e analisar a importância que conferia à escrita de livros didáticos no interior dessa trajetória. Por meio de seus escritos e dos seus livros didáticos para o ensino de História consideramos que seria possível investigar ―não a verdade de nosso passado, mas o passado de nossas verdades, não a verdade do que fomos, mas a história do que somos, daquilo que talvez já estamos deixando de ser‖. 453 A construção de nosso objeto, a trajetória de Delgado de Carvalho, se mostrou como a interrogação sistemática de uma trajetória particular com o intento de pensá-la de forma relacional.454 Nesse sentido, buscamos na trajetória do autor o significado da produção de livros didáticos para o ensino de História, levando em consideração a sua condição de professor do Colégio Pedro II, tradicional instituição de ensino, de sócio do IHGB e o fato de o autor ter sido, por doze anos, catedrático de História Moderna e Contemporânea da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil. Nosso intento era entender porque Delgado se intitulava um ―pardal de Clio‖ e não um historiador, uma vez que, nessa época, os campos de conhecimento ainda estavam em definição. Por outro lado, queríamos compreender como, por meio de seus livros didáticos, ele materializou suas ideias a respeito do ensino de História. Na medida em que os campos vão se tornando mais especializados, o que tende a caracterizar as lutas e conflitos em seu interior é justamente o estabelecimento das fronteiras, das classificações e da diferenciação entre quem pode (ou não) ser reconhecido como membro daquele campo específico. Segundo Chartier, existem, no 452 Discussão presente em CUNHA, Maria Teresa. Diários pessoais: territórios abertos para a História. In: PINSKI, Carla Bassanezi; DE LUCA, Tania Regina. (Org.). O Historiador e suas fontes. São Paulo: Editora Contexto, 2009, v. 01, p. 251-280. p. 251. 453 LAROSSA, Jorge. A operação ensaio: sobre o ensaiar e o ensaiar-se no pensamento, na escrita e na vida. In: Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 29, n. 1, jan./jun. 2004. P. 27-43. p. 34 Apud CUNHA, Maria Teresa. Diários pessoais. Op. Cit. p. 51. 454 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. p. 32-33. 178 interior dos campos, lutas de classificação, isto é, lutas pelo ―direito de dizer sua própria identidade e a do outro.‖ 455 Nessas luta de classificações, cada um dos agentes investe o capital simbólico adquirido em momentos anteriores de suas trajetórias. Delgado de Carvalho investiu, nas décadas de 1930 e 1940, o capital simbólico adquirido através de sua formação no exterior e das relações que construiu na participação em diversas instituições, de ensino e intelectuais, buscando legitimar suas concepções e posições a respeito do ensino da História. Delgado de Carvalho transitava por diversos campos em uma época em que as fronteiras entre esses campos não estavam delimitadas. O autor foi capaz de transitar pelos campos da Geografia, da História, das Ciências Sociais e da Educação, uma vez que tais tão campos ainda não se mostravam especializados e restritos e não demandavam uma formação universitária específica como forma de acesso. A escrita da história, por exemplo, ainda era uma prática compartilhada por políticos, literatos, jornalistas e profissionais liberais.456 O seu ensino, mesmo nas universidades, era ministrado por professores autodidatas ou formados em cursos universitários tradicionais, como Direito, Engenharia e Medicina. A conjunção da formação universitária francesa de Delgado – e do intercâmbio que o autor manteve com aquele país, ao longo de toda a sua vida – com a sua simpatia pelo modelo educacional norte-americano favoreceu o surgimento de uma concepção de ensino de História original para a época, pautada na valorização das relações entre as Ciências Sociais, no interior das quais incluía a Geografia, a Sociologia e a História. Marcas dessa concepção se fazem presentes em seus livros didáticos para o ensino de História. Ao se definir não como historiador, mas como ―pardal de Clio‖, já nos anos 1970, Delgado de Carvalho busca alicerçar sua legitimidade para pensar e falar a respeito do ensino de História, não em uma prática de pesquisa, mas em sua experiência como professor e autor de livros didáticos. O autor demonstra perceber que algo tinha mudado no campo da História, pois essa fluidez entre as disciplinas não era mais bem 455 CHARTIER, Roger. Pierre Bourdieu e a história. Debate com José Leite Lopes. Topoi, Rio de Janeiro, p. 139-182, mar. 2002. p. 142-143. 456 SILVA, Ítala Byanca Morais da. Les morts vont vite, op. cit. p. 27. 179 vista pelos profissionais historiadores da década de 1970. Talvez por fazer parte desse modelo ―antigo‖, identificado com a tradição e não com a inovação, o nome de Delgado de Carvalho é pouco lembrado quando se trata de pensar o passado da História no Brasil. O fato de sua prática, no que diz respeito a esse campo, ter se voltado para o ensino e não para a pesquisa, só contribuiu para reafirmar esse esquecimento. Ao falar de sua atuação no ensino de História, Delgado prioriza, no inventário da sua trajetória, a experiência como catedrático da cadeira de História Moderna e Contemporânea da Faculdade Nacional de Filosofia. Acreditamos que a cadeira, além de representar o coroamento dos seus esforços para se aproximar do governo instituído em 1930, também era um espaço onde ele podia desenvolver e expressar a sua visão própria da História, intimamente ligada à Geografia e ao estudo da História da Civilização. Essas visões, por serem peculiares, não encontravam correspondência no IHGB. Delgado não se reconhece como historiador, pois, ao mesmo tempo em que participava da instituição que reconhecia e legitimava os historiadores, não encontrava, naquele espaço, abertura para discutir a História da Civilização, para a qual voltou o seu olhar ao longo de sua carreira como professor e autor de livros didáticos. A aproximação de Delgado com o governo é bem-sucedida, ainda que possa ter suscitado desconfianças por parte dos seus colegas professores do colégio Pedro II. O autor era defensor de que a História fosse ensinada do ponto de vista da civilização e se fizesse levando em consideração os interesses do presente, pois, dessa forma, mostrar- se-ia mais acessível à compreensão dos alunos. Nos anos 1930, Delgado participa do movimento de renovação da educação, que tinha entre suas principais referências o filósofo John Dewey. Na concepção desse filósofo e na de Delgado, o ensino de História deveria ter um caráter ativo e proporcionar ao aluno a oportunidade de ser sujeito de seu aprendizado. O ensino de História deveria ser capaz de fornecer um conhecimento prático que mostrasse aos estudantes o progresso da humanidade em todos os sentidos. A função do professor de História seria a de guiar as experiências educativas, visando um aprendizado que estabelecesse conexões entre as informações novas e o conhecimento previamente adquirido pelo educando. O ensino, em sua concepção, não deveria apenas promover a memorização e ocupar-se com a preparação para os exames. 180 Os programas e ―Instruções Metodológicas‖, expedidos pelo Ministério da Educação e Saúde Pública, em 1931, por ocasião da Reforma do ensino secundário empreendida pelo ministro Francisco Campos respaldam essa perspectiva de um ensino ativo, capaz de fornecer aos educandos, guiados pelo professor, subsídios para a realização de um ―trabalho autônomo‖. Tais programas foram defendidos por Delgado de Carvalho. A obra História Geral: 1ª série secundária e bases para o desenvolvimento nas séries seguintes, publicada por Delgado em coautoria com Wanda de M. Cardoso se baseava-se nos programas da Reforma de Francisco Campos. Além de exercer uma função programática, nos termos de Allain Choppin, o livro desempenhava também uma função documental, na medida em que oferecia a professores e alunos referências, mapas, biografias, leituras e imagens. Esses elementos se faziam presentes para que os alunos pudessem, guiados pelo professor e por meio de pesquisa em outras fontes, construir a sua ―História da Civilização‖. O projeto gráfico do livro contribuía para tal empreitada. Muito embora se guiasse pelos programas, a obra demonstra certa liberdade em relação a eles. A hesitação de Delgado com os rumos que as relações entre os países vinham tomando após a Primeira Guerra Mundial, não o impede de dar mostras de continuar acreditando na possibilidade de o ensino de História ser um dos meios capazes de promover a paz entre as nações. O autor expressava, assim, sua crença na filiação comum de todas as nações à mesma civilização, una e no singular. A História, por isso mesmo, não deveria ser mais chamada universal, mas da civilização, das realizações humanas em seus aspectos culturais, econômicos, políticos e sociais. Os livros didáticos de História deveriam promover o otimismo, ao mostrar o progresso dessa civilização em todos os aspectos citados. Por fim, percebemos que os livros Historia Antiga e Medieval e História Moderna e Contemporânea, publicados pelo autor na década de 1940, apresentam um projeto gráfico distinto daquele encontrado em História Geral. As obras baseavam-se nos programas de ensino da Reforma Capanema, que restabeleceu, no ensino secundário, a cadeira de História do Brasil separada da História Geral. Mais do que isso, de acordo com o arranjo dos programas, a História do Brasil coroava o estudo de 181 História Geral, sendo ministrada nos dois últimos anos do curso ginasial, quando se acreditava que os alunos já possuiriam maturidade para estudos mais avançados. Mesmo colocando-se publicamente contra a preeminência do ensino de humanidades clássicas em detrimento do ensino de ciências e da predominância dos estudos de História do Brasil sobre os de História da Civilização, Delgado consegue participar da comissão que elabora os programas de ensino da Reforma de Gustavo Capanema, em 1942. Percebemos, todavia, por meio da análise de seus livros, que mesmo tendo participado da elaboração dos programas, Delgado não parecia estar satisfeito com os mesmos. Seus livros da década de 1940 foram publicados em uma coleção que levava o seu nome, o ―Curso Delgado de Carvalho‖ e, apesar de não possuírem o ―arrojo inovador‖457 de sua obra publicada em 1935, são elogiados por Guy de Hollanda em virtude da qualidade das informações históricas veiculadas. O elogio resulta da comparação da obra de Delgado com as obras de autores que tinham despontado no mercado de livros didáticos mais recentemente, como, por exemplo, Joaquim Silva, fenômeno de vendas de livros didáticos entre as décadas de 1930 e 1960. Entendemos, ainda que, ao pensar retrospectivamente a sua trajetória, Delgado se autodenomine ―pardal de Clio‖. Nos anos 1940 a sua posição entre os seus pares (intelectuais, professores e autores de livros didáticos) estava consolidada. Delgado não é percebido apenas como um professor, como era o caso de Joaquim Silva. Embora algumas de suas concepções não sejam mais defendidas de forma tão enfática quanto nos anos 1930, ele se revela como alguém que possuía legitimidade para falar aos professores através de seus livros didáticos, na medida em que estava referendado por sua trajetória profissional. Nos anos 1970, ao se autorreferir como ―pardal de Clio‖, Delgado de Carvalho demonstra agir com cautela. Acreditamos ser ela proveniente da percepção do autor a respeito da especialização dos campos de conhecimento, que nessa época se fortalecia, com a criação dos primeiros programas de pós-graduação em História. É comum acreditar-se que a criação dos cursos de pós-graduação em História, nos anos 1970, tornou possível a profissionalização do historiador. Esse pensamento 457 HOLLANDA, Guy de. Um Quarto de Século de Programas e Compêndios de História para o Ensino Secundário Brasileiro, op. cit, p. 152. 182 pode levar-nos a desconsiderar o fato de que anteriormente, nos primeiros cursos de graduação em História, criados nas décadas de 1930 e 1940, formaram-se os primeiros profissionais da área. Esses primeiros cursos eram voltados, sobretudo, para a formação de professores para os cursos secundários. Demonstramos aqui que os livros didáticos de História, mesmo pertencendo ao universo do ensino, são portadores de discursos e são frutos de escolhas feitas pelos autores, que estão inseridos em campos de disputas. A configuração da História como saber escolar nos anos 1930 e 1940 resultou de disputas que mobilizavam interesses e conhecimentos diversos. Delgado de Carvalho era um dos atores que se moviam nesse campo de disputas. Obviamente, não esgotamos as possibilidades em torno de suas obras dedicadas ao ensino de História. Os livros didáticos, utilizados nessa pesquisa, podem servir de fontes a outros estudos que busquem compreender melhor a sua recepção e os seus usos. Outra possibilidade seria a realização de trabalhos comparativos entre os livros didáticos de Delgado de Carvalho e os livros franceses nos quais o autor busca inspiração. Um caminho possível seria a comparação da obra de Delgado com as de outros autores de livros didáticos que circularam na mesma época, tais como as de Joaquim Silva, Jonathas Serrano ou Pedro Calmon. O arquivo de Delgado de Carvalho, depositado no IHGB – embora não se encontre disponível ao público por não estar organizado – pode servir, no futuro, a outros estudos que se debrucem sobre a trajetória do autor e sobre sua atuação como professor. O acervo contém cadernos, planos de cursos, avaliações, notas de aula e provas de livros que, à primeira vista, podem parecer apenas papéis velhos, mas, se examinados para além das aparências podem nos dizer algo sobre a prática docente do autor. Esse aspecto, no trabalho que ora realizamos, foi apenas tangenciado por meio da imagem que Delgado construiu para si mesmo e da ―fala‖ de seus livros já impressos, portanto, expurgados, pelo corpo de profissionais das editoras responsáveis pela sua publicação, das marcas do trabalho do professor. Essas marcas possivelmente darão margem para contar muitas outras histórias sobre o ―pardal de Clio. 183 FONTES Ata da sessão conjunta da congregação do Colégio Pedro II, realizada no dia 30 de janeiro de 1932 sob a presidência do professor Henrique Dodsworth. In: Livros de Atas da Congregação – Colégio Pedro II – 1925 a 1934. Ata da sessão conjunta da congregação do Colégio Pedro II, realizada no dia 23 de novembro de 1932. In: Livros de Atas da Congregação – Colégio Pedro II – 1925 a 1934. Carlos Delgado de Carvalho (s/d – provavelmente década de 1930) Fundo Delgado de Carvalho, Lata 11, pasta Curriculum Vitae. IHGB. ―Carlos Delgado de Carvalho‖. Rascunho manuscrito contido na documentação pessoal de Delgado de Carvalho armazenada na residência do Sr. Paulo Roberto Delgado de Carvalho. Carta de Delgado de Carvalho para o senhor Odylo Costa. Fundo Delgado de Carvalho, Lata 11, Pasta Curriculum Vitae, IHGB. Decreto-lei n. 19.890, de 18 de abril de 1931. IN: Coleção de Leis do Brasil. 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ANEXO 1 – Quadro comparativo entre os pontos do programa da primeira série para o ensino de História da Civilização (1931), capítulos correspondentes do livro Historia Geral e respectivas biografias HISTORIA ANTIGA Ponto do programa Capítulo correspondente Biografia do capítulo do livro História Geral correspondente A revelação da civilização I – Os Egípcios RAMSÉS II egípcia Os Sargonidas e o poderio II – Os Assírios NABUCODONOSOR II assírio Grandeza e decadência da Babilônia Salomão e a monarquia de III – Os Hebreus SALOMÃO Israel O espírito navegador dos IV – Os Fenícios HIRAM I fenicios e o comercio Os Achmenidas e a V – Os Medas e os CIRO organização persa Persas Açoca e o budismo VI – Os Indús AÇOCA VII – O Extremo Oriente CONFUCIO Antigos estados gregos VIII – Cidades e SOLON Civilização contra barbárie: Colônias Gregas a ameaça persa e a vitória da Grécia Pericles e a civilização IX – As Hegemonias na PÈRICLES helênica Grécia Alexandre e os estado X – A Macedônia e o ARISTÓTELES helênicos Helenismo Hamilcar e Aníbal XI – Roma: Realeza e BRUTO Os Scipiões República Catão e os Antigos Costumes Romanos Os objetivos politicos de XII – As Conquistas de JULIO CESAR Cesar Roma Augusto e a organização do XIII – O Império CATÃO Imperio Romano 197 O Cristianismo XIV – O Cristianismo S. PAULO Os Antoninos e o apogeu do imperio romano Juliano e o fim do paganismo HISTORIA MEDIEVAL Ponto do programa Capítulo correspondente Biografia do capítulo do livro História Geral correspondente I – As Invasões Bárbaras ALARICO I Bizancio, a grande cidade II – O Império Bizantino IRENE (752-803) medieval O islamismo III – Os Árabes HARUN-AL-RASHID (765- 809) A unidade imperial do IV – O Ocidente e Carlos ALCUINO (735-804) Ocidente: Carlos Magno Magno A vida e os costumes de uma V – O Feudalismo MARCO POLO (1254-1323) côrte feudal A extraordinária viagem de Marco Polo Urbano II e a idéa de cruzada VI – As Cruzadas INOCENCIO III Um grande papa da idade média: Inocencio III S. Francisco de Assis e a VII – A Alemanha e a Itália GREGÓRIO VII (1013-1085) caridade cristã VIII – A França e os FILIPE IV, o BELO (1268- Capetíngios 1314) IX – A Conquista da ALFREDO, O GRANDE Inglaterra Joana D’ Arc e o patriotismo X – A Guerra dos Cem ETIENNE MARCEL francês Anos A fundação de uma monarquia XI – As Monarquias NUNO ALVES PEREIRA portuguesa Ibéricas XII – O mundo eslavo – IVAN, O TERRIVEL (1530- Húngaros 1584) XIII – O mundo asiático TAMERLÃO A expansão turca XIV – A expansão Turca SOLIMÃO II, o MAGNÍFICO HISTORIA MODERNA Ponto do programa Capítulo correspondente Biografia do capítulo do livro História Geral correspondente Gutenberg e a imprensa I – Navegações e FERNÃO DE MAGALHÃES As grandes navegações Descobertas (1470-1521) II – O Extremo Oriente e o YEYAS Cristianismo O renascimento: seus grandes III – O Renascimento LOURENÇO, O MAGNÍFICO vultos (1448-1492) Um grande movimento IV – A Reforma STO INACIO DE LOYOLA religioso, social e economico: (1491-1556) a Reforma A companhia de Jesus Carlos V e o imperio V – O Império de Carlos FRANCISCO I (1494-1547) universal Quinto 198 Filipe II e o fanatismo VI – Filipe II da Espanha GUILHERME, o TACITURNO religioso (1533-1584) A Inglaterra no tempo de VII – Os Tudors na MARIA STUART (1542-1587) Isabel Inglaterra As revoluções inglesas VIII – As Revoluções OLIVER CROMWEL (1599- Inglesas 1658) Henrique IV e a tolerancia IX – A França de Henrique CARDEAL DE religiosa IV e Richelieu RICHELIEU(1585-1642) Um monarca absoluto e sua X – O Absolutismo de Luís COLBERT (1619-1683) corte: Luis XIV XIV Pedro, o Grande e a XI – Rússia, Suécia e KOSCIÚSKO (1746 — 1817) transformação da Russia Polônia Os despotas esclarecidos XII – Frederico II, a O REI SARGENTO (1688- Prússia e a Polônia 1740), Frederico Guilherme I XIII – O Conflito Colonial DUPLEIX (1697-1763) XIV – Portugal dos Aviz e LUIZ DE CAMÕES (1528- dos Filipes 1580) XV – O Absolutismo em POMBAL Portugal A queda do antigo regime e o XVI – A Revolução TURGOT (1727-1781) ideal revolucionario Francesa XVII – Napoleão WILLIAM PITT (1759-1806) HISTORIA CONTEMPORÂNEA Ponto do programa Capítulo correspondente Biografia do capítulo do livro História Geral correspondente As transformações de 1830 e I – A Santa Aliança e as O PRINCIPE DE Metternich 1840 Revoluções A comuna de 1871 II – A França Imperial e ADOLFO THIERS Republicana O regime parlamentar em III – A Grã-Bretanha BENJAMIN DISRAELI Inglaterra Os unificadores de povos: IV – A Unidade Italiana CAMILLO BENSO DE Bismarck e Cavour CAVOUR ([1]810-1861) Os unificadores de povos: V – A Unidade Alemã O PRINCIPE OTTO DE Bismarck e Cavour BISMARCK (1815-1898) VI – A Questão do MAHOMET-ALI (1769-1849) Oriente VII – A Rússia ALEXANDRE Absolutista GORTCHAKOF VIII – A Expansão PAULO KRÜGER Colonial IX – O Extremo Oriente SUN-YAT-SEM X – A República em JOÃO FRANCO (1855-1929) Portugal As ambições dos estados XI – A Política FRANCISCO JOSE I europeus e a Grande Guerra Internacional no fim do XIX século 199 XII – Os primeiros anos HERBERT ASQUITH do XX século As ambições dos estados XIII – A Grande Guerra GEROGES CLEMENCEAU europeus e a Grande Guerra XIV – Versailles e a Liga GUSTAVO STRESEMAN das Nações A revolução russa e sua XV – Revoluções Sociais WLADEMIRO ULIANOF repercussão LENIN (1870-1924) XVI – As Reações PRIMO DE RIVERA Políticas ANEXO 2 – Livros didáticos para o ensino de História da Civilização e História Geral nas escolas secundárias (1930-1945) FONTE: LIVRES (Banco de Dados de Livros Escolares Brasileiros 1810-2005) AUTOR TÍTULO EDIÇÃO/ Nível EDITORA ANO Jonathas Serrano Epítome de História 1930 Secundário Francisco Alves Universal 11.ª ed. João Ribeiro História Universal 6.ed., Secundário Jacintho Ribeiro dos Santos FTD História da Civilização: 1ª 1930 Paulo de Azevedo série /Tip. Siqueira - Salles Oliveira & Cia. Ltda. Jayme Coelho, Mario História episodica e 1932 F. Briguiet G. Naylor biographica: para a 1ª série do ensino secundário Jayme Coelho Leituras históricas 1932 Secundário F. Briguiet & Cia Jayme Coelho América Pré-Colombiana: 1933 Secundário F. Briguiet & Cia para a 3.º série do ensino secundário Max Schneller Epítome de História da 1933 Ginasial Livraria do Globo civilização: para o 3º ano (Porto Alegre) seriado Joaquim Silva História da Civilização: para 2 ed., Ginasial- 1ª Nacional o primeiro ano ginasial 1933 série J. Duarte Badaró História da Civilização: para 1934 Ginasial- 2ª Livraria Teixeira 2ª série ginasial série Vieira Pontes & Cia. - Editores Alfredo Ellis Junior História da Civilização: 5ª 1935 Secundário Saraiva série Jonathas Serrano Historia da civilização: em 1935 Secundário F. Briguiet cinco volumes para o curso secundario - volume IV - a civilização moderna Alcindo Muniz de História da Civilização: 1º vol.1 / Ginasial- 1ª Saraiva; Livraria 200 Souza, A. F. Cesarino anno 2.ed. série Academica Júnior 1936 Alcindo Muniz de História da Civilização: 3º 1936 Ginasial – 3.º Typographia Souza anno ano Bancaria Max Schneller Epítome de História da 1936 Secundário Livraria do Globo civilização: para o 1º ano seriado F. Tubino Sampaio Lições de História vol.1 / Ginasial- 1ª Livraria do Globo Universal: 1.ª série 2.ed. série 1937 Basílio de Magalhães Historia da Civilização: 1939 Ginasial- 1ª Francisco Alves Para a primeira série ginasial série H. G. Wells (Autor), Historia Universal em três 1939 Ginasial- 3ª Companhia Editora Anisio Teixeira, tomos: terceiro tomo - A Era série Nacional (Tradutor), J. F. das Grandes Potencias Horrabin (responsável pela cartografia ) Gastão Ruch História Geral da 1940 F. Briguiet Civilização II parte Historia da Edade Media Azevedo Corrêa e História da Civilização: para 2 ed. Ginasial- 3ª J. R. Oliveira & C. Abdias Silva o terceiro ano ginasial série Pedro Calmon História da civilização: 1942 Ginasial- 1ª Livraria Academica; primeira série série Saraiva & Comp. Basílio de Magalhães História Geral: História 1943 Ginasial- 1ª Francisco Alves Antiga e Medieval série João Pereira Vitória História Geral: 1ª série 1943 Ginasial- 1ª Francisco Alves; ginasial série Paulo de Azevedo Joaquim Silva História Geral: para o 1943 Ginasial- 2ª Nacional segundo ano ginasial: de série acôrdo com o programa do Colégio Pedro II Orestes Rosolia História Geral: 1ª série 1943 Ginasial- 1ª Francisco Alves série Jonathas Serrano História moderna e 1944 F. Briguiet contemporânea: 2ª série do curso ginasial Alcindo Muniz de História Geral: para a 1945 Ginasial- 1ª Anchieta Souza e João Miguel primeira série ginasial série Amaral (responsável pela cartografia)