Especialistas explicam papel de Joseph Goebbels, citado por secretário nacional de Cultura, para manutenção do nazismo | Mundo | G1

Por Gabriela Sarmento, Lara Pinheiro e Thaís Matos, G1


Secretário da Cultura Roberto Alvim cita frase de Joseph Goebbels em discurso

Secretário da Cultura Roberto Alvim cita frase de Joseph Goebbels em discurso

Após a repercussão negativa do caso, o presidente Jair Bolsonaro decidiu exonerar Alvim do cargo.

Especialistas de história, sociologia e ciência política analisaram papel do ministro para a manutenção do regime nazista. Goebbels foi chefe do Ministério da Propaganda da Alemanha entre 1933 e 1945 e um dos idealizadores do nazismo.

"Parece um papel pequeno cuidar apenas da propaganda, mas foi um dos mais importantes para sustentar o nazismo. Seu papel foi criar e propagar a base ideológica que sustentava as ações do Partido Nacional-Socialista, costurar a ideologia do partido com a ação de repressão, dar uma certa coerência simbólica ao que estava acontecendo. E se tornou uma pessoa importante pela fidelidade que demonstrou a Hitler", explicou a professora de sociologia da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), Heloísa Pait.

Sua história no partido começou antes de assumir o posto no ministério, em 1933. “Foi um dos principais articuladores da ascensão do partido nazista ainda no final dos anos 1920, fazia parte do núcleo duro no pós-guerra”, explicou o sociólogo e professor de ciência política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Wagner Romão. Ele entrou para o partido em 1924 e, dois anos depois, foi escolhido por Hitler como líder distrital em Berlim.

"Foram as ideias nazistas que compraram Goebbels, e não o contrário. Goebbels teve os primeiros contatos com Hitler nos anos 20, quando ele ainda não era do Partido Nazista. Hitler foi preso e, na prisão, começou a escrever o 'Minha Luta'. Naquele tempo, Goebbels, por ter sentimento nacionalista muito forte, e ter visto em Hitler essa imagem do nacionalismo alemão, começou a venerar [Hitler]", explicou Jonathan Portela, mestre em história contemporânea pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Papel no governo

Joseph Goebbels — Foto: Bundesarchiv (Creative Commons)

Goebbels era responsável pela divulgação do regime por meio do incentivo à produção de materiais tanto no campo artístico, com filmes dedicados à ideologia nazista, quanto da propaganda, com entrevistas em rádio, cartazes e organização de manifestações.

"Se Hitler pensou o Holocausto, Goebbels vendeu essa ideia para o restante do país", disse Portela.

“Ele teve essa função de transformar o nazismo em algo que tivesse uma amplitude maior, com a utilização do rádio e a proliferação desse discurso que no fundo visava a construir a legitimidade da superioridade de um grupo sobre os demais, justificar, naturalizar a diferença para a submissão de determinados grupos”, explicou Marcos Sorrilha Pinheiro, docente do Departamento de História da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Unesp.

Sua gestão também controlava a produção jornalística, por meio da supervisão do trabalho de redações.

“Teve um papel fundamental na manutenção do governo pois uma das grandes inovações do partido nazista foi a capacidade de estabelecer uma verdadeira máquina de propaganda com as massas e de conseguir, a partir da ideia do inimigo interno, construir a força que o partido nazista passou a ter com a população”, explicou Romão.

Em 1933, foi criada a Câmara de Cultura do Reich ("Reichskulturkammer"), sob responsabilidade de Goebbels, para a arianização da cultura alemã, explica Portela.

"Foram proibidos estilos musicais e artisticos que partiam da subjetividade - o blues, por exemplo, o surrealismo, o cubismo, o dadaísmo. Goebbels afirma que os alemães precisavam retomar os valores da século 19, e, na arte, a mesma coisa. Goebbels e Hitler - principalmente Goebbels - eram grandes admiradores de Wagner [compositor alemão do século 19]", lembra. A ópera "Lohengrin", de Wagner, toca ao fundo durante o vídeo do secretário Roberto Alvim.

Ele também era um dos patrocinadores de concursos e exposições voltadas à arte “não degenerada”. “Ele praticamente eliminou dos museus e das exposições o impressionismo alemão, tanto no cinema quanto na pintura e nas esculturas e outras expressões que não fossem a clássica”, explicou o professor Romão.

Goebbels orientava os rumos da arte no país. “A arte alemã da próxima década será heroica, será ferreamente romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, será nacional com grande páthos e igualmente imperativa e vinculante, ou então não será nada", disse em discurso em 1933.

No discurso feito para diretores de teatro, ele buscava dar uma orientação estética aos artistas. Ele reconhecia que o expressionismo, escola artística que ganhou força na Alemanha no fim do século XIX, tinha tido algumas ideias básicas “positivas”, mas se degradara no experimentalismo. Dois dias depois, houve a grande queima de livros na Alemanha.

Também era dele a responsabilidade de determinar “o conjunto de crenças que todo o país deveria colocar em prática”, disse o historiador da Universidade de Brasília, Antonio José Barbosa, ao "Jornal Hoje".

Homem de confiança

'O discurso da guerra total': fala que Goebbels proferiu nesse dia é considerada a mais famosa dele — Foto: Creative Commons/Bundesarchiv

O ministro da propaganda era considerado o braço direito de Adolf Hitler. Sua propaganda mostrava uma Alemanha próspera e feliz, pregando a supremacia da raça ariana.

Com a confiança do líder, Goebbels passou a aparecer cada vez mais publicamente. Em 1926, o líder nazista já convidava Goebbels para fazer discursos para o partido. Anos depois, já no meio da guerra, em 1943, o propagandista foi convidado por Hitler para fazer um discurso de motivação às tropas alemãs - então bastante sufocadas no front soviético, explica Portela.

A fala, proferida no Sportpalast, em Berlim, tornou-se a mais famosa de Goebbels, e ficou conhecida como "o discurso da guerra total":

"Os ingleses afirmam que o povo alemão perdeu a fé na vitória. Pergunto: vocês acreditam, com o Führer [Hitler] e conosco, na vitória final absoluta do povo alemão? Eu lhes pergunto: vocês estão determinados a seguir o Führer na luta pela vitória, custe o que custar, sob as pressões pessoais mais pesadas? Eu pergunto a vocês: querem a guerra total? Se necessário, querem de forma mais total e mais radical, de um jeito que, hoje, nós não podemos nem imaginar?" - Joseph Goebbels

A palavra "Führer", que em alemão significa "líder" ou "guia", era o modo que a Alemanha se referia a Hitler durante o período nazista.

Em 30 abril de 1945, foi nomeado chanceler do Reich após indicação de Hitler. No dia seguinte, envenenou seus seis filhos e se suicidou junto com a esposa.

A família Goebbels em 1942: Magda e Joseph e seus filhos Hildegard, Helga, Helmut, Hedwig, Heidrun e Holdine. Harald Quandt, filho do primeiro casamento de Magda, teve sua imagem inserida na foto — Foto: Creative Commons/Bundesarchiv Bild

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