Caso Lázaro: veja detalhes do processo que concedeu regime semiaberto a suspeito de chacina no DF | Distrito Federal | G1

Por Pedro Alves Neto, G1 DF


Foto recente de Lázaro Barbosa enviada pela Polícia Civil — Foto: Reprodução TV Anhanguera

Anos antes da caçada que já dura 13 dias, Lázaro Barbosa de Souza, de 32 anos, havia fugido de presídios diversas vezes. A primeira foi em março de 2016, quando ele escapou do Centro de Progressão Penitenciária (CPP), durante um "saidão" de Páscoa.

O benefício foi concedido depois que Lázaro, que cumpria pena em regime fechado, conseguiu progressão para o semiaberto. O G1 teve acesso ao processo que concedeu o benefício para o procurado, que à época já tinha sido condenado por roubo e estupro.

Os documentos mostram que houve receio em relação à medida, por conta da alta chance de Lázaro voltar a cometer crimes. A Justiça permitiu a concessão por entender que ele já cumpria os requisitos necessários. No entanto, os documentos indicam que Lázaro não tinha autorização para saídas temporárias (veja mais abaixo).

Cinco anos depois, Lázaro é procurado por centenas de agentes de forças de segurança do DF e de Goiás, pelo homicídio de quatro pessoas de uma mesma família, em Ceilândia. Durante a fuga, já invadiu chácaras, fez reféns, e conseguiu escapar dos policiais. Veja mais abaixo os passos do criminoso na fuga.

A reportagem questionou a Secretaria de Administração Penitenciária do DF (Seape-DF) e o Tribunal de Justiça do DF sobre quem foi responsável pela liberação de Lázaro. A Vara de Execuções Penais (VEP) disse que Lázaro "não estava usufruindo saídas temporárias (saídões), e sim saídas quinzenais (saidinhas), que são benefícios completamente diferentes".

De acordo com a VEP, Lázaro participou "satisfatoriamente" de grupos de relações pessoais. Segundo a Justiça, como no presídio não era possível que o condenado recebesse visitas da família, a cada 15 dias ele podia sair do sistema prisional, com previsão de retorno no dia seguinte. Antes de fugir, Lázaro já tinha sido liberado para três "saidinhas" (veja nota completa ao final da reportagem).

A Secretaria de Administração não respondeu aos questionamentos até a última atualização desta reportagem.

Regime semiaberto e carta escrita a mão para o STF

Complexo Penitenciário da Papuda, no DF — Foto: TV Globo / Reprodução

Lázaro foi preso no DF em agosto de 2010. No ano seguinte, acabou condenado a penas que somavam 15 anos, 8 meses e 19 dias de reclusão, por crimes de roubo, estupro e porte ilegal de arma de fogo. O tempo que passou preso preventivamente contou como cumprimento da pena.

Inicialmente, Lázaro ficou detido na Penitenciária do DF II (PDF II), no Complexo da Papuda. O primeiro pedido de progressão para o semiaberto veio em 2013, três anos após a prisão.

Lázaro chegou a escrever uma carta à mão (veja abaixo), endereçada ao então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, com o pedido.

Carta escrita por Lázaro Barbosa e enviada ao STF pedindo concessão de regime semiaberto — Foto: Reprodução

À ocasião, o juiz Rodrigo Cordeiro de Souza Rodrigues demonstrou "receio". O magistrado citou o "comportamento singular do autor, consubstanciado em ações de violência contra outro ser humano, tudo a demonstrar uma personalidade que se revela, nitidamente antissocial". Por isso, antes de decidir, determinou a realização de um exame criminológico de Lázaro.

Foi desse pedido que veio o laudo que, em 2013, apontou traços como "agressividade, ausência de mecanismos de controle, dependência emocional, impulsividade, instabilidade emocional, possibilidade de ruptura do equilíbrio, preocupações sexuais e sentimentos de angústia".

O documento também apontava que Lázaro "provavelmente retornará a delinquir", e recomendou a "implementação de algumas medidas e posterior avaliação psicológica antes da concessão de qualquer benefício".

Lázaro Barbosa é investigado por crimes bárbaros

Lázaro Barbosa é investigado por crimes bárbaros

Questionado pelo juiz, o Ministério Público do DF (MPDFT) reconheceu que Lázaro já tinha cumprido dois quintos da pena e tinha direito à progressão. Mas alertou para os cuidados necessários frente ao perfil do condenado.

"O sentenciado ainda não está apto a retornar ao convívio social e que, no momento, o seu grau de periculosidade é alto", disse o Ministério Público.

O MP recomendou que Lázaro cumprisse a pena no semiaberto, mas sem direito a benefícios externos, como trabalho e saídas. Em 14 de março de 2014, o juiz Ademar Silva de Vasconcelos atendeu a sugestão, e o preso foi transferido para o Centro de Internamento e Reeducação (CIR), que recebe detentos nessa situação. Determinou também que ele fosse submetido a tratamento psicológico.

Benefícios externos

Fachada do Centro de Progressão Penitenciária (CPP) — Foto: TV Globo / Reprodução

Em 2015, a defesa de Lázaro apresentou um novo pedido, para que ele tivesse direito aos benefícios externos. À ocasião, o condenado já tinha cumprido integralmente a pena por estupro, de 6 anos. Portanto, não pesava contra ele condenação por crimes hediondos.

Após a nova solicitação, o Ministério Público pediu à Justiça, em dezembro daquele ano, a realização de um novo exame criminológico. O órgão argumentou que o laudo anterior "apontou diversos traços negativos, e mencionou expressamente a forte possibilidade de reincidência".

Para o MP, era "imprescindível a realização de exame especializado, a fim de aferir-se se houve evolução positiva no quadro do sentenciado, diminuindo-se os riscos decorrentes de seu retorno ao convívio social".

Em janeiro de 2016, a juíza Yeda Maria Morales Sanchez permitiu que Lázaro trabalhasse fora do presídio, e ele foi transferido para o Centro de Progressão Penitenciária (CPP). Porém, proibiu que tivesse direito às saídas temporárias, os chamados "saidões", por conta "das peculiaridades do caso, dos traços negativos de personalidade e das circunstâncias que envolvem a prática do fato criminoso".

Mesmo com essa determinação, em 24 de março de 2016, Lázaro foi um dos 1.450 detentos beneficiados com o "saidão" de Páscoa. Ele deveria ter retornado ao presídio na segunda-feira seguinte, 28 de março. No entanto, não voltou mais.

À época, ao comunicar a fuga à Justiça, o então diretor do presídio reforçou que o preso não podia ser beneficiado pelas saídas. Mesmo assim, foi liberado e não voltou. Veja:

Ofício comunicando fuga de Lázaro Barbosa de presídio do DF — Foto: Reprodução

Só em 6 de abril de 2016, a Justiça analisou o pedido de um novo exame criminológico feito pelo MP. O juiz Bruno Aielo Macacari negou a solicitação, alegando entender que "inexiste motivação concreta ou outros elementos informativos que pudessem justificar, de forma razoável, a realização de novo exame criminológico como condição inarredável à apreciação das benesses legalmente asseguradas".

Na mesma decisão, também revogou a proibição de que Lázaro tivesse acesso às saídas temporárias. A essa altura, ele já havia sido beneficiado e estava foragido.

Lázaro chegou a ser recapturado em Águas Lindas de Goiás, em 2018, e foi levado para o presídio da cidade. A Justiça do DF chegou a determinar a transferência dele "com urgência" para um dos presídios da capital. Mas antes que isso fosse possível, Lázaro fugiu da unidade e, desde então, não foi mais pego.

Os passos de Lázaro: onde o suspeito já foi visto ou cometeu crimes no Centro-Oeste

Os passos de Lázaro: onde o suspeito já foi visto ou cometeu crimes no Centro-Oeste

O que diz a Justiça

Vaja a íntegra da nota encaminhada pela Justiça do DF sobre Lázaro Barbosa.

"VEP/DF esclarece o que se segue:

LÁZARO BARBOSA DE SOUZA não estava usufruindo saídas temporárias (saídões), e sim saídas quinzenais (saidinhas), que são benefícios completamente diferentes.

Após o cumprimento dos requisitos objetivos e subjetivos, ele foi progredido ao regime semiaberto sem benefícios externos em 14/3/2014 e determinada a transferência para outro estabelecimento prisional para fins de inclusão em tratamento psicológico regular e constantes intramuros e em atividades educacionais, com a finalidade de analisar posteriormente a concessão dos benefícios externos.

Foi transferido para o CIR e participou satisfatoriamente de todos os encontros do Grupo de Relações Pessoais voltados para sensibilização, orientação e educação no âmbito do comportamento sexual, no qual foram trabalhadas as temáticas relativas à “Legislação: Lei 12015/09, Lei Maria da Penha e Estatuto da Criança e do Adolescente; Sexualidade Saudável e Parafilias; Estratégias de enfrentamento: assumir, entender, mudar; Empatia: colocar-se no lugar da vítima; Compreensão de fatores de risco e fatores protetores”.

Também participou do Programa de Sensibilização para Usuários de Substâncias Psicoativas, com relatório expedido em 28 de julho de 2015, no qual foram trabalhadas as temáticas relativas à: “Informações sobre a Lei 11.343/2006; Drogas e seus tipos, efeitos e consequências biológicas; Dependência Física e Psicológica; Fatores de risco e Fatores de proteção; Auto imagem/Autoestima; Consequências sociais do uso de drogas; Síndrome de abstinência e compulsão; Tipos de tratamento”.

Assim, após a implementação das recomendações do relatório de exame criminológico, ele foi beneficiado com trabalho externo via FUNAP em 08 de janeiro de 2016, uma vez que o sistema de cumprimento de pena é progressivo, ou seja, a pessoa sai do regime mais grave para o menos grave à medida em que vai atingindo os percentuais previstos na LEP.

Desse modo, para a implementação do trabalho externo, ele foi transferido para o CPP, estabelecimento prisional em que não existe a possibilidade de recebimento de visitas familiares, em especial porque nos dias e horários destinados a essa atividades, os reeducandos ali alocados devem estar envolvidos em atividades de estudo e trabalho.

Assim, LÁZARO BARBOSA DE SOUZA, por estar alocado no CPP e não estar recebendo visitas familiares, assim como as demais pessoas presas em situação processual semelhante à sua, quinzenalmente, poderia sair do estabelecimento prisional, sem vigilância direta, para manter-se em período integral na residência de sua família, sendo liberado na manhã do sábado e devendo retornar ao presídio no domingo.

Antes de sua evasão, ele usufruiu 3(três) benefícios da mesma natureza, saindo e retornando normalmente ao CPP conforme prevê o normativo que regula a matéria."

Chacina e buscas

Cláudio Vidal, Cleonice Marques, Gustavo Vidal e Carlos Eduardo Vidal foram mortos por Lázaro Barbosa — Foto: Arquivo pessoal

Lázaro é procurado desde o dia 9 de junho. Segundo a polícia, ele matou o empresário Cláudio Vidal, de 48 anos, e os dois filhos dele, Gustavo Vidal, de 21, e Carlos Eduardo Vidal, de 15, na chácara da família. As vítimas foram encontradas com marcas de tiros e facadas.

A mulher de Cláudio e mãe dos jovens, Cleonice Marques, de 43 anos, foi sequestrada pelo suspeito e encontrada morta três dias depois. Desde o início da fuga, Lázaro invadiu pelo menos 12 propriedades rurais e fez uma série de reféns.

Mais de 200 agentes de forças de segurança atuam nas buscas, com drones, cães farejadores e helicópteros. No entanto, até a manhã desta segunda (21), ele não tinha sido encontrado.

Leia mais notícias sobre a região no G1 DF.

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