Brumadinho, Porto Alegre, doação de petróleo: as leis dos mais ricos | Coluna do Pedro Augusto Pinho

Em 1962 foi lançada pelo Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC da UNE), a “Canção do Subdesenvolvimento”, de Carlos Lyra e Chico de Assis, que dizia:

“Um dia o gigante despertou,

Deixou de ser gigante adormecido

E dele um anão se levantou:

Era um país subdesenvolvido!”

A tragédia brasileira é a ignorância. Certamente a imagem de anão para o desenvolvimento brasileiro levantará protestos identitários; é a moda, não a cultura. E dentro em breve teremos outra, do interesse do novo poder dirigente do Brasil.

Um mínimo de conhecimento da História do Brasil, que é desconhecida até por professores desta disciplina escolar, concluiria que somos um país de ignorantes. O conhecimento, a instrução, como função do Estado, só chegou ao Brasil em 14 de novembro de 1930, quando Getúlio Vargas, pelo Decreto nº 19.402, instituiu o Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública.

Anteriormente, para agradar seu amigo, o positivista General de Brigada Benjamin Constant Botelho de Magalhães, que destituíra do Ministério da Guerra, em 19 de abril de 1980, o Marechal Deodoro da Fonseca, Presidente, criara a Secretaria de Estado da Instrução Pública, Correios e Telégrafos pelo decreto n. 346, da mesma data. Este “Ministério” durou até 30 de outubro de 1891; dezoito meses.

A educação no Brasil, desde o Governo de Tomé de Sousa, 1549, até então fora privada e religiosa católica. Ou seja, elitista e formadora da elite subserviente aos interesses coloniais, de Portugal, da Inglaterra e da Igreja Católica Romana.

Ignorantes nunca conseguimos defender o interesse nacional, que é o interesse de todos os brasileiros. Perdemo-nos em questões setoriais, regionais, ideológicas, de identidades e ganham assim os interesses apátridas que, aproveitando nossa ignorância, se apropriam e lucram com nossas riquezas.

Economia

A mais recente demonstração perniciosa dessa ignorância deu-se na campanha contra os governos militares que nos dirigiam desde 1964.

Embora o golpe de 1964 tenha sido articulado e promovido por interesses estadunidenses, dele participaram os tenentes de 1930, que tomaram o governo a partir de 1967, com Artur da Costa e Silva, permanecendo até 1979, com Ernesto Geisel.

Sem dúvida foi período autoritário, que brasileiros foram perseguidos, presos e mortos por questões ideológicas, não prevalecendo a liberdade de expressão. No entanto, sob a ótica de construção da identidade e da soberania nacional, foi a continuação dos governos Vargas.

O Brasil não só cresceu economicamente, como desenvolveu tecnologia, ampliou a rede de ensino, montou parque industrial que possibilitou o programa de substituição de importações, tendo não só capital mas, igualmente, mão de obra e gestão qualificadas para assumir a produção nacional em muitos e diversos setores, inclusive o da informática.

Com a denominada “redemocratização”, o Brasil não ganhou democracia e, ainda, perdeu soberania. Desde então, têm governado o Brasil os prepostos das finanças apátridas, com sua ideologia neoliberal.

Cada brasileiro tem todo direito de escolher o que de pior nos trouxeram o neoliberalismo e as finanças apátridas. Muitos dirão que foi a moral, diante das constantes corrupções encontradas nos órgãos públicos, quer na elaboração de normas, quer na fiscalização das atividades; outros dirão que foi a política, onde nenhum dos 29 partidos políticos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (STF) tem como principal missão a defesa do Brasil e dos brasileiros; a nós, o desmonte do Estado e a alienação de suas instituições foi o mal maior.

Sem Estado como evitar tragédias

O modelo liberal é, antes de tudo, uma farsa. Veja-se o “pai do liberalismo”, John Locke (1632-1704). Ele considerava que a “experiência” formava a pessoa, e que todos eram igualmente livres, havia um “direito natural”, à vida, à liberdade e à propriedade. Ora, as pessoas não surgiam do espaço, mas de um fato concreto das relações entre dois seres que dispunham ou não de bens e de liberdade, quando não da própria vida. Então surge a ideia do contrato, que livremente as pessoas cediam direito ao Estado para que houvesse disciplina e garantias. Contrapondo a esta sua ideia, Locke considerava o trabalho o fundamento da propriedade.

Na realidade, o mundo tinha um poder que o organizava a seu modo, para conter a sociedade que trabalhava para este poder e assim sobreviverem ambos; e só a perspicácia e a inteligência poderiam dar à pessoa qualquer conhecimento, sempre limitado à vivência, pois a instrução não fazia parte dos deveres das sociedades.

O Brasil viveu assim até Vargas, quando pela primeira vez passa a ser construído o Estado Nacional Brasileiro, para agir em favor do próprio Estado e de seu povo. Além dos Ministérios, Getúlio criou instituições especializadas, grupos integrando capacitações, sob a forma de Institutos, Conselhos, Empresas Públicas e de Economia Mista e Fundações.

Este Estado pode agir, diretamente ou por instituições nacionais privadas, para prover o País de defesa e de produção, e o povo dos requisitos básicos da cidadania.

Como é evidente, há ações que são próprias do Estado pela questão da segurança e defesa nacional, quer nas atividades de pesquisa e desenvolvimento quer nas de planejamento, execução e controle. Há também aquelas que, seguindo as diretrizes de interesse maior da nação, podem ser entregues à iniciativa privada nacional.

Mas quando esta iniciativa privada nacional nada mais é do que o agente das finanças apátridas no Brasil, como se constata abundantemente após 1990, a ausência do Estado é a própria essência da colonização estrangeira, como o Brasil dos séculos XVI e XVII.

É ao Brasil, antes de 1815, quando se estabeleceu o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, que nos levam as privatizações e reformas da administração pública no sentido de se ter o Estado Mínimo.

Todas, rigorosamente todas as catástrofes ocorridas no Brasil após a eleição de Fernando Collor de Mello, inclusive, até esta terceira de Luiz Inácio Lula da Silva, deveram-se à ausência do Estado.

As tragédias de Mariana e Brumadinho foram causadas por empresas privadas, porém, como escreve Leonardo Cristian Rocha, da Universidade Federal de São João del-Rei (“As Tragédias de Mariana e Brumadinho. É Prejuízo? Para Quem?”, Caderno de Geografia, v. 31 n. 1 (2021): Número Especial—doi.org/10.5752/P.2318-2962.2021v31nesp1p184): “fica muito simples responder à pergunta inicial desse texto. O prejuízo foi grandiosamente imensurável para a população e para o meio ambiente”, e, no texto, Cristian Rocha registra que “o aumento do preço das commodities no mercado internacional, levou a Vale ter lucratividade superior a 15 bilhões de reais no terceiro semestre de 2020”.

Dos maiores malefícios para o Estado e povo brasileiros foi ação do Governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), que substituiu o sistema de aconselhamento e controle dos Conselhos, organismos de Estado, compostos por funcionários públicos civis e militares, por Agências Reguladoras, desvinculadas do Estado e sem responsabilidade constitucional. É importante que se registre que, no Governo Lula da Silva, deu-se a organização e o controle social das Agências Reguladoras, alterando a Lei no 9.986, de 18 de julho de 2000.

O que ocorreu em Petrópolis, no Estado do Rio de Janeiro, e em diversos outros pontos do Brasil foram consequência da ausência de Estado e das privatizações que, longe de melhorar a qualidade dos serviços, apenas restringiu a um punhado de acionistas os benefícios que, sendo empresas estatais, seriam distribuídos por todos nacionais.

Petróleo, um caso especial

Das primeiras medidas adotadas por Getúlio Vargas foi a criação do Conselho Nacional do Petróleo (CNP), Decreto-lei n. 395, de 29 de abril de 1938, dez anos após o Acordo de Achnacarry que dividiu o mundo do petróleo pelas “Sete Irmãs”.

O petróleo já fazia a diferença no cenário mundial e ganharia ainda maior importância com as duas Grandes Guerras (1914-1918 e 1939-1945). E ao voltar à Presidência, “nos braços do povo”, Getúlio cria a Petrobrás.

“Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma” (Getúlio Vargas, “Carta Testamento”, 23/08/54).

A descoberta de petróleo no Brasil foi uma epopeia, pois quase inexistiam reservas nas bacias terrestres, elas se encontravam no mar e em águas profundas. A descoberta de petróleo na Bacia de Campos foi alento e incentivo que culminou com a descoberta dos reservatórios profundos, em águas oceânicas, no que geologicamente se designa por Pré-sal, ou seja, geração e armazenamento de petróleo abaixo da camada de sal, produzida na separação da América do Sul da África, há 100 milhões de anos.

Com o petróleo do pré-sal, o Brasil ficou autossuficiente neste disputado produto por todas nações. Porém a ideologia entreguista neoliberal tirara a condição de monopólio estatal do Brasil e da sua execução pela Petrobrás, no Governo FHC.

A Petrobrás vem sendo fatiada e despedaçada. Hoje, em 2024, é uma pálida imagem da Petrobrás que nos deixou o Presidente Ernesto Geisel, em 1979.

E a riqueza que poderia transformar a educação e a saúde no Brasil, sai do País para enriquecer os já bilionários condutores e proprietários das gestoras de ativos: BlackRock, Vanguard, Fidelity, State Street, JP Morgan Chase, Goldman Sachs, Allianz, Amundi, UBS Suíça, entre outras que dominam o poder no Brasil.

Não podemos contar com os governos que se prontificam a defender os interesses financeiros alienígenas. Temos que vencer a ignorância por nós mesmos, estudando, divulgando e discutindo.

As tragédias, como a gaúcha que toma as redes de notícias, não se deveram a questões climáticas ou meteorológicas inimagináveis, mas à falta do Estado Nacional, construído pelo povo educado e cidadão.

*Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.

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