Entenda o que muda com a revogação da Lei de Segurança Nacional | São Paulo | G1

Por Tahiane Stochero, G1 SP — Brasília


Bolsonaro sanciona projeto que revoga Lei de Segurança Nacional

Bolsonaro sanciona projeto que revoga Lei de Segurança Nacional

A polêmica Lei de Segurança Nacional (LSN), criada em 1983, durante o regime militar --e utilizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para determinar as prisões do deputado Daniel Silveira (PSL) e do senador Roberto Jefferson (PTB),-- foi revogada e não existe mais.

A revogação ocorreu com a sanção do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), nesta quinta-feira (2), de uma lei que criou novos tipos penais, que agora integram o corpo do Código Penal Brasileiro.

Bolsonaro sancionou a lei com cinco vetos em relação ao projeto aprovado pelo Congresso. O Congresso terá de analisar os vetos e pode mantê-los ou derrubá-los.

A lei era criticada por prever crimes abstratos e muito genéricos e que, de alguma forma, cerceavam a liberdade de expressão em nome da proteção da democracia.

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Nos últimos meses, a Lei de Segurança Nacional foi utilizada contra críticos de Bolsonaro. Em fevereiro, o ministro do STF Alexandre de Moraes também usou a lei para mandar prender o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ). O parlamentar havia divulgado vídeo com apologia ao AI-5, instrumento de repressão mais duro da ditadura militar, e defesa do fechamento da Corte, reivindicações inconstitucionais.

O youtuber Felipe Neto também chegou a ser investigado com base em artigos da LSN, após chamar, em uma rede social, Bolsonaro de "genocida" no contexto de gestão federal da pandemia de Covid-19.

Especialistas ouvidos pelo G1 entendem que a mudança é agregadora à liberdade de expressão e pode deixar de punir quem foi enquadrado em crimes previstos na antiga lei. Mas isso não é automático: os fatos e atos cometidos por pessoas acusadas pelos crimes que não existem mais serão analisados e podem ser enquadrados em outros tipos penais já previstos em lei anterior.

"É uma lei moderna, que se preocupa com a defesa do regime democrático, com a defesa da soberania e da integridade do país, mas ao mesmo tempo enxuta. O legislador teve o cuidado de não criminalizar mais a liberdade de expressão, retirando os excessos que tínhamos no passado", entende o advogado Fabio Tofic Simantob, mestre em Direito Penal e conselheiro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD).

"A nova lei está se adaptando à realidade brasileira, em especial à preservação da dignidade humana quanto aos direitos de personalidade. As diferentes entre a antiga e a nova lei mostram uma preocupação com a nova realidade política e social", vê a constitucionalista Vera Chemim.

Veja o que muda com a nova lei:

O que muda?

A lei anterior (clique aqui para acessar o texto da Lei de Segurança Nacional de 1983) não existirá mais em 90 dias. Neste período, excepcionalmente, ainda pode ser aplicada. Depois disso, entram em vigor novos crimes que tratam de assuntos semelhantes e estão sendo incluídos no Código Penal.

Alguns crimes deixam de existir totalmente, como o que previa pena de até 4 anos de detenção por "fazer, em público, propaganda de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social" ou até 4 anos de reclusão por "incitar a subversão da ordem política ou social ou a animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis".

"A nova lei preserva as instituições, trata de espionagem, soberania, mas de uma forma mais adequada à Constituição, o que não existia apenas, pois a lei de Segurança Nacional tinha sido feita em uma época em que a ordem política não aceitava a liberdade de expressão e de associação", explica o professor de Direito Penal e Criminologia da Faculdade de Direito da USP Pierpaolo Cruz Bottini.

"Eu posso, agora, defender mudança de regime desde que não incite a violência. Isso não podia antes, porque era crime na Lei de Segurança Nacional", diz Bottini.

A nova lei é melhor?

Especialistas ouvidos pelo G1 entendem que a mudança é positiva, por ser mais compatível com a democracia e por incluir os crimes no Código Penal, agregando as leis.

A advogada Carolina Coelho, integrante do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, aponta mais um ponto positivo da lei: incluir novos crimes contra o funcionamento do processo eleitoral, que preveem pena de até 6 anos de prisão para quem perturbar as eleições ou o resultado invadindo urnas eletrônicas ou a apuração virtual, por exemplo.

Também há um novo crime: tentar dar golpe de estado (com pena de até 12 anos de prisão). E um crime anterior teve o texto alterado e foi mantido: "tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais", com pena de até 8 anos de prisão.

O que aconteceu com o crime de difamar ou caluniar o presidente?

Um crime previsto na Lei de Segurança Nacional previa pena de até 4 anos de prisão por "caluniar ou difamar o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação". Neste crime que foram enquadrados os casos como o do youtuber Felipe Netto, que chamaram Bolsonaro de "genocida" nas redes sociais.

O crime original não existe mais. Isso não significa que se possa caluniar o presidente sem correr risco de ser punido. Isso porque já há crimes no Código Penal com pena de detenção de até a 2 anos de calúnia e difamação contra qualquer pessoa.

A diferença é que a pena é bem mais baixa, sujeita a transação penal (como penas alternativas ou prestação de cestas básicas ou serviço à comunidade), não comporta prisão em regime fechado e depende de a vítima dizer à polícia que quer que o caso seja investigado.

Houve porém, uma mudança: foi incluída no crime normal do Código Penal uma causa de aumento de um terço da pena quando a vítima for o presidente da República.

O advogado e professor Pierpaolo Bottini lembra, porém, que a situação do presidente da República é peculiar porque o STF já decidiu que a proteção criminal à honra de personalidades públicas é "diminuída, de certa forma" devido à exposição que estas pessoas estão sujeitas.

"A defesa da honra de pessoas publicas é mais estreita. Enquanto cidadão e quanto jornalista, é possível adjetivar autoridades publicas. Só não pode atacar a honra ou incitar a violência", diz Bottini.

O que acontecem com os crimes pelos quais são acusados Daniel Silveira e Roberto Jefferson?

Há a revogação de crimes nos quais Roberto Jefferson e Daniel Silveira foram acusados com base na Lei de Segurança Nacional (LSN). Mas ambos também respondem a outros crimes, previstos no Código Penal.

Especialistas explicam que, com a revogação, os crimes da Lei de Segurança Nacional "somem". Mas isso não significa que os fatos não podem ser punidos se forem compatíveis com outros crimes já previstos em lei.

"Não significa que as condutas deixam de ser crimes. Uma ameaça continua sendo uma ameaça, apologia ao crime, continua. Alguns crimes continuam existindo", diz Fabio Tofic Simantob.

Tanto a defesa deles quanto a Procuradoria-Geral da República serão intimados para se manifestar sobre se o processo acabou ou os fatos e atos praticados pelos acusados são outros crimes. Contudo, a maioria dos crimes semelhantes previstos na lei possuem penas menores, que podem ser incompatíveis com a manutenção das prisões de ambos, entende o advogado Fernando Fernandes.

"A pessoa se defende dos fatos. A denúncia descreve as condutas, o que a pessoa fez. Os crimes não estão mais na Lei de Segurança Nacional, mas a conduta pode se adequar a outro crime previsto no Código Penal. Essa adequação é o juiz que fará ao julgar, porque a lei nova não pode prejudicar o réu, só beneficiar", explica Bottini.

Nova lei

A proposta aprovada pelos parlamentares e sancionada por Bolsonaro acrescenta artigos ao Código Penal para definir crimes contra o Estado Democrático de Direito. Alguns artigos foram vetados pelo presidente e os vetos podem, posteriormente, serem derrubados pelo Congresso.

O texto tipifica novos crimes:

Atentado à soberania: prisão de três a oito anos para o crime de negociar com governo ou grupo estrangeiro para provocar atos típicos de guerra contra o país ou invadi-lo. A pena pode ser até duplicada se, de fato, for declarada guerra. Se houver participação em operação bélica para submeter o território nacional ao domínio ou soberania de outro país, a reclusão é de quatro a 12 anos;

Atentado à integridade nacional: prisão de dois a seis anos para quem praticar violência ou grave ameaça para desmembrar parte do território nacional para constituir país independente. O criminoso também deve responder pela pena correspondente à violência do ato;

Espionagem: prisão de três a 12 anos para quem entregar documentos ou informações secretas, que podem colocar em perigo a democracia ou a soberania nacional, para governo ou organização criminosa estrangeiros. Quem auxiliar espião responde pela mesma pena, que pode ser aumentada se o documento for revelado com violação do dever de sigilo. Além disso, aquele que facilitar a espionagem ao, por exemplo, fornecer senhas a sistemas de informações pode responder por detenção de um a quatro anos. O texto esclarece que não é crime a entrega de documentos para expor a prática de crime ou a violação de direitos humanos;

Abolição violenta do Estado Democrático de Direito: prisão de quatro a oito anos para quem tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais. O criminoso também deve responder pela pena correspondente à violência do ato;

Golpe de Estado: prisão de quatro a 12 anos a quem tentar depor, por violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído. O criminoso também deve responder pela pena correspondente à violência do ato;

Interrupção do processo eleitoral: prisão de três a seis anos e multa para quem "impedir ou perturbar eleição ou a aferição de seu resultado" por meio de violação do sistema de votação;

Violência política: pena de três a seis anos e multa para quem restringir, impedir ou dificultar por meio de violência física, psicológica ou sexual o exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão do seu sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional;

Sabotagem: pena de dois a oito anos para quem destruir ou inutilizar meios de comunicação, estabelecimentos, instalações ou serviços destinados à defesa nacional, com o objetivo de abolir o Estado Democrático de Direito;

Outros pontos

O texto aprovado por senadores e deputados também estabelece detenção de três a seis meses, ou multa, para quem incitar publicamente a animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os Poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade.

A proposta deixa explícito que não será considerado crime contra o Estado Democrático de Direito:

  • Apelo à manifestação crítica aos poderes constitucionais;
  • Atividade jornalística;
  • Reivindicação de direitos e garantias constitucionais por meio de passeatas, reuniões, greves, aglomerações ou qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais.

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